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Anemia Ferropénica – uma luta de prioridades
Diogo Miragaia; Geisa Félix; Sara Ferreira
USF Servir Saúde
Enquadramento:
A anemia ferropénica é um problema de saúde prevalente no adulto, contabilizando
50% de todos os casos de anemia a nível mundial. Um dos grupos mais afetado por esta
patologia são as mulheres em idade fértil, com estudos a referirem prevalências de até 29%.
É uma doença silenciosa que, por se manifestar com sintomas inespecíficos, pode ser de
difícil identificação, pelo que todos os médicos devem estar atentos às suas manifestações
e tratamento.
Descrição do caso:
AT, sexo feminino, 38 anos, leucodérmica, saudável até à data. Em contexto de
consulta de planeamento de familiar, em agosto de 2019, a utente refere desejo de
engravidar, tendo sido pedidos exames pré-concecionais, entre os quais análises que
revelaram uma anemia com Hb de 9 g/dL, do tipo hipocrómica e microcítica, pelo que iniciou
terapêutica com proteinossuccinilato de ferro. Por ter sido detetado fluxo menstrual
abundante, ponderou-se introdução de contracetivo hormonal, que a doente recusou, e
foram pedidos ecografia ginecológica e estudo do metabolismo do ferro. Em consulta de
reavaliação, após 1 mês, a utente referia não estar a comer carne desde última consulta, por
opção, e cumpria a suplementação com boa tolerância. As análises de reavaliação
continuavam a documentar Hb de 9.3 e ferritina de 1. A ecografia ginecológica revelou um
fibromioma intramural submucoso com 22 x 26 mm e um nódulo de localização endometrial
com 10 mm, provavelmente tradutor de pequeno pólipo. Reforçou-se a importância de
realizar contracetivo hormonal, mas a doente manteve-se reticente. Foi realizada
referenciação para consulta de ginecologia, onde a colega aferiu que a doente não pretendia
fazer pílula, pelo que se optou por enviar a utente à consulta de Imunohemoterapia. Nesta
consulta, a utente recusou tratamento com carboximaltose, estando sob tratamento
homeopático e, de momento, a aguardar miomectomia, com o objetivo de controlar a
anemia.
Discussão:
Este caso espelha o desafio que existe quando estamos perante uma disparidade
entre as prioridades médicas e do utente. Devemos estar sempre atentos a possíveis
obstáculos no tratamento de uma patologia, desde mitos e ideias erradas do doente até
mesmo à possibilidade de não compreensão por parte do médico dos verdadeiros motivos
daquele indivíduo. Este caso demonstra o dilema do médico perante dois princípios éticos:
por um lado o da beneficência e, portanto, foi oferecido o tratamento disponível e com menos
efeitos adversos; e, por outro lado, o da autonomia, pois deve o médico promover a
capacitação dos seus utentes deliberarem sobre a suas escolhas pessoais e saúde, de
forma a respeitar a sua capacidade de decisão. Esta utente optou por um tratamento mais
invasivo e outros sem evidência científica, o que foi contra a expectativa do seu médico de
família, mas nesta luta de prioridades, quem “ganha” é o utente.