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Economia & Mercado Setembro 2020

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especial covid-19<br />

agências humanitárias alertam<br />

para a iminência da fome no país<br />

Entrevista<br />

Luís Magaço fala do caminho para o<br />

alcance da competitividade cambial<br />

Dívida<br />

África tem uma dívida externa<br />

que não pára de crescer<br />

Educação<br />

O plano Estratégico para a educação<br />

<strong>2020</strong>-2029 que agora se inicia no país<br />

moçambique<br />

Para onde<br />

vai o metical?<br />

Da desvalorização dos últimos meses à valorização<br />

esperada com a entrada dos mega investimentos do gás.<br />

Os perigos do sobe e desce cambial<br />

SETEMBRO <strong>2020</strong> • ano 03<br />

n o 29 • 15/09 - 15/10<br />

Versão ePaper


Sumário<br />

6 Observação<br />

Crise humanitária<br />

A imagem do agudizar do caos económico, social e<br />

político no Mali após o Golpe de Estado em Agosto<br />

8 Radar<br />

Panorama <strong>Economia</strong>, Banca, Finanças,<br />

Infra-estruturas, Investimento, País<br />

14 ESPECIAL COVID-19<br />

Insegurança alimentar<br />

Consequência da pandemia, a África Austral e<br />

Moçambique estão à beira da subnutrição<br />

59 ócio<br />

60 Escape Uma viagem até ao Arquipélago de Bazaruto 62<br />

Gourmet É a vez de saborear as delícias do Ficka, na baixa<br />

de Maputo 63 Adega A tequila de George Clooney 65 Arte<br />

Afrocinemakers, a vontade de jovens moçambicanos em<br />

conquistar o mundo do cinema 66 Ao volante do Lister Stealh,<br />

o SUV mais rápido do mundo<br />

24 nação<br />

40<br />

que resultados trará a queda do metical?<br />

24 Desvalorização Estudiosos e Banco Central divergem<br />

quanto à gravidade do fenómeno na estabilidade futura<br />

30 Risco cambial Economistas minimizam efeitos da<br />

desvalorização, mas temem a ‘Doença Holandesa’<br />

34 Entrevista Luís Magaço critica postura do Banco de<br />

Moçambique na gestão da Política Monetária<br />

mercado e FinanÇas<br />

Contas Públicas<br />

Execução do Orçamento do Estado no primeiro<br />

semestre faz prever incumprimento da meta anual<br />

46 eMPRESAS<br />

Output Tech Solutions<br />

Da curiosidade e amor pela tecnologia nasceu um<br />

negócio que permite poupar custos de energia<br />

48 Megafone<br />

Marketing<br />

O que está a acontecer no mundo das<br />

marcas em Moçambique e lá por fora<br />

50 SOCIEDADE<br />

54<br />

Educação<br />

Paul Gomis, representante da UNESCO, revela as<br />

linhas gerais do Plano Estratégico para a Educação<br />

lÁ fora<br />

A Dívida de África<br />

Uma reflexão sobre os riscos de uma (quase<br />

perpétua) dependência em relação à ajuda externa<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />

3


Editorial<br />

Da queda do metical ao<br />

regresso à normalidade<br />

Celso Chambisso •Editor da <strong>Economia</strong> & <strong>Mercado</strong><br />

há três anos que o metical se tinha estabilizado na casa dos<br />

60 meticais por unidade de dólar, depois de uma das piores<br />

taxas de desvalorização da História, registada entre 2015 e<br />

2016, em resposta a uma combinação de eventos internos e<br />

internacionais desfavoráveis à estabilidade macroeconómica.<br />

Desta vez, mesmo que ainda não se tenha atingido a dimensão<br />

daquela crise – cujo salto no valor cambial do dólar foi de 30 para<br />

perto de 80 meticais – a História parece estar prestes a repetir-se: desde o<br />

início do ano, a moeda nacional vem perdendo terreno de forma contínua.<br />

De uma cotação média em torno de 62 meticais por cada dólar em Janeiro,<br />

segundo as taxas de câmbio de referência do Banco Central, actualmente o<br />

dólar está acima dos 72 meticais.<br />

Nesta edição, a E&M procura abordar o fenómeno da desvalorização do<br />

metical indo além do primeiro olhar que remete, óbvia e invariavelmente,<br />

para o encarecimento das importações e estímulo às exportações a si associado.<br />

Esta discussão, em toda a sua dimensão, obedece a uma sequência de<br />

artigos suportados por pesquisas e entrevistas a estudiosos e agentes económicos<br />

que lidam com o mercado cambial na sua actividade produtiva, os<br />

quais, para já, divergem quanto ao grau de risco que este cenário representa<br />

para a estabilidade nos próximos tempos.<br />

É oportuno lembrar que não é apenas a estabilidade cambial do metical<br />

que está em análise nesta edição. É também levantada a possibilidade de<br />

falhanço das metas de execução do Orçamento do Estado do presente ano,<br />

assunto abordado na secção “<strong>Mercado</strong> e Finanças”.<br />

E porque um dos temas da actualidade é o ansiado regresso à normalidade,<br />

caminho que Moçambique já começou a traçar, a UNESCO apresenta, nesta<br />

edição, um projecto que poderá conferir eficácia ao já iniciado processo<br />

de retorno às aulas.<br />

É também no contexto do gradual regresso à vida normal que a presente<br />

edição fica marcada pela devolução da E&M às mãos do leitor no formato<br />

físico, depois de cinco edições de interregno em respeito às imposições da<br />

Covid-19. Esta decisão não é fruto do acaso. Vem na sequência do alívio às<br />

medidas de prevenção da pandemia, com a recente declaração do Estado<br />

de Calamidade Pública pelo Presidente da República, a vigorar a partir de<br />

7 de <strong>Setembro</strong> corrente e por tempo indeterminado, ao fim de exactos cinco<br />

meses restrições.<br />

Comprometida com a causa da prevenção da covid-19, a E&M continuará<br />

atenta à evolução da situação no País e no mundo, pelo que mantém o acesso<br />

à revista nas diferentes plataformas digitais, nomeadamente a App que<br />

disponibilizamos gratuitamente e através da newsletter enviada mensalmente<br />

para toda a nossa base de leitores, assinantes e parceiros comerciais<br />

e institucionais.<br />

MÊS<br />

SETEMBRO<br />

ano • Nº<br />

<strong>2020</strong><br />

01<br />

• Nº 29<br />

DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos<br />

pedro.cativelos@media4development.com<br />

propriedade Executive Mocambique<br />

EDITOR Liquatis nienis EXECUTIVO doluptae Celso velit Chambisso et magnis<br />

JORNALISTAS enis necatin nam Emídio fuga. Massacola, Henet exceatem Cristina<br />

Freire, seque Elmano cus, sum Madaíl, nis nam Rogério iu Qui Macambize,<br />

te nullant<br />

Rui adis Trindade destiosse iusci re in prae voles<br />

PAGINAÇÃO sant laborendae José nihilib Mundundo uscius sinusam<br />

FOTOGRAFIA rehentius eos resti Mariano dolumqui Silva dolorep<br />

REVISÃO reprem vendipid Manuela que Rodrigues ea et eumque dos Santos non<br />

Direcção nonsent qui Comercial officiasi Ana Esteves -<br />

ana.esteves@media4development.com<br />

lorem ipsum Executive Mocambique<br />

conselho Liquatis nienis CONSULTIVO<br />

doluptae velit et magnis<br />

Alda enis necatin Salomão, nam Andreia fuga. Narigão, Henet exceatem António<br />

Souto; seque cus, Bernardo sum nis Aparício, nam iu Denise Qui te Branco, nullant<br />

Fabrícia adis destiosse Almeida iusci Henriques, re in prae voles Frederico<br />

Silva, sant laborendae Hermano Juvane, nihilib Iacumba uscius sinusam Ali Aiuba,<br />

João rehentius Gomes, eos Narciso resti dolumqui Matos, Rogério dolorep Samo<br />

Gudo, reprem Salim vendipid Cripton que Valá, ea et Sérgio eumque Nicolini non<br />

ADMINISTRAÇÃO, nonsent qui officiasi REDACÇÃO<br />

E lorem PUBLICIDADE ipsum Liquatis Media4Development<br />

nienis doluptae<br />

Rua velit Ângelo et magnis Azarias enis Chichava necatin nam nº 311 fuga. A —<br />

Sommerschield, Henet exceatem Maputo seque cus, – Moçambique;<br />

sum nis nam<br />

marketing@media4development.com<br />

iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />

IMPRESSÃO prae voles sant E ACABAMENTO<br />

laborendae nihilib uscius<br />

Minerva sinusam Print rehentius - Maputo eos - resti Moçambique dolumqui<br />

Tiragem dolorep reprem 4 500 vendipid exemplares que ea et<br />

Propriedade eumque non nonsent dO Registo qui officiasi<br />

Executive lorem ipsum Moçambique Liquatis nienis doluptae<br />

Exploração velit et magnis enis Editorial necatin nam e fuga.<br />

Comercial Henet exceatem em seque Moçambique cus, sum nis nam<br />

Media4Development<br />

iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />

Número prae voles de sant Registo laborendae nihilib uscius<br />

01/GABINFO-DEPC/2018<br />

sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />

dolorep reprem vendipid que ea et<br />

eumque non nonsent qui officiasi<br />

lorem ipsum Liquatis nienis doluptae<br />

velit et magnis enis necatin nam fuga.<br />

Henet exceatem seque cus, sum nis nam<br />

iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />

prae voles sant laborendae nihilib uscius<br />

sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />

dolorep reprem vendipid que ea et<br />

eumque non nonsent qui officiasi<br />

4<br />

www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019


observação<br />

Mali, Agosto de <strong>2020</strong><br />

O espectro de uma<br />

crise que tarda<br />

a cessar<br />

A junta militar que tomou o poder no<br />

Mali a 18 de Agosto passado, por via<br />

de um golpe de Estado, veio agudizar<br />

uma instabilidade que se arrasta desde<br />

2012, e com repercussões alarmantes<br />

sobre a economia, dada a prolongada<br />

estagnação económica e os elevados<br />

índices de corrupção naquele país da<br />

África Ocidental.<br />

Mais grave ainda é a persistente ausência<br />

de sinais para a reconquista da paz e<br />

tranquilidade, mesmo com a intervenção<br />

de instituições multilaterais como a ONU.<br />

Na mais recente crise, por exemplo,<br />

a junta militar que tomou o poder e a<br />

Comunidade Económica dos Estados da<br />

África Ocidental (CEDEAO) tentaram uma<br />

série de negociações que se arrastaram<br />

por vários dias, mas que não resultaram<br />

em qualquer acordo para a transferência<br />

de poder para os civis. As duas partes<br />

chegaram a afastar, nessas negociações,<br />

a reintegração do ex-presidente, Ibrahim<br />

Boubacar Keita, depois de este ter dito<br />

aos representantes da CEDEAO que já<br />

não queria governar, contrariando uma<br />

das exigências iniciais da organização<br />

regional e tornando ainda mais difícil o<br />

alcance de consensos.<br />

fotografia D.R<br />

6<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> 2019<br />

7


RADAR<br />

Terrorismo ameaça deteriorar<br />

as finanças públicas<br />

O economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá, considera<br />

haver uma ameaça terrorista no Norte de Moçambique<br />

que pode prejudicar as finanças públicas, num momento<br />

em que a economia do País já sofre com os efeitos da<br />

pandemia de covid-19.<br />

“As ameaças associadas ao terrorismo na província de Cabo<br />

Delgado podem ter implicações negativas nas finanças<br />

públicas e intensificar as pressões sobre a balança de pagamentos”,<br />

escreve numa nota do banco.<br />

Segundo Fáusio Mussá, a situação “também poderá ter<br />

implicações ao nível da inflação, à medida que o metical<br />

se deprecia”.<br />

Não espanta, por isso, ainda de acordo com a análise, que<br />

o Banco Central tenha decidido “manter a sua taxa de juro<br />

de política monetária (MIMO) inalterada nos 10,25% para<br />

o resto do ano, com o mercado a praticar uma taxa de<br />

empréstimos (prime rate) de 15,9%, ainda elevada em termos<br />

reais, quando comparada com a inflação homóloga<br />

de Julho nos 2,8%”.<br />

ECONOMIA<br />

Pescas. O Porto da Beira, o<br />

maior porto de pescas de<br />

Moçambique, recebeu, recentemente,<br />

o primeiro navio<br />

de pesca que transportava<br />

500 toneladas de carapau<br />

após a sua reabilitação.<br />

O projecto de reconstrução<br />

daquela infraestrutura custou<br />

120 milhões de dólares.<br />

De acordo com o director do<br />

porto de pesca da Beira, António<br />

Remédio, “a embarcação<br />

com 119 metros de comprimento<br />

e 4,7 metros de calado,<br />

atracou e zarpou sem<br />

quaisquer contratempos. A<br />

operação foi, nas suas palavas,<br />

“um sucesso para a<br />

competitividade internacional<br />

e regional do porto e o<br />

primeiro passo na rentabilização<br />

da infra-estrutura”.<br />

Negócios. De um universo<br />

de pouco mais de 89 385 empresas<br />

abrangidas por uma<br />

pesquisa sobre o impacto<br />

do Covid-19 nas empresas,<br />

o Instituto Nacional de Estatística<br />

(INE) constatou que 80<br />

756 empresas, o correspondente<br />

a 90,4%, sofreram algum<br />

tipo de impacto devido<br />

à pandemia. Como consequência,<br />

pouco mais de 3,3<br />

milhões de trabalhadores<br />

foram afectados, além de se<br />

ter registado uma quebra<br />

da facturação global das<br />

empresas na ordem dos 8<br />

mil milhões de meticais.<br />

De acordo com o estudo,<br />

apresentado recentemente,<br />

no primeiro semestre,<br />

as empresas registaram<br />

10,9 mil milhões de meticais<br />

em receitas, muito abaixo<br />

dos 18,6 mil milhões reportadas<br />

em igual período<br />

de 2019.<br />

Inhambane é a província<br />

onde mais empresas foram<br />

prejudicadas pela crise. De<br />

um total de 5 385 empresas<br />

avaliadas, 98,8% sofreram<br />

os efeitos da pandemia,<br />

seguida da província de Gaza,<br />

com 94,8% das 5 414 empresas<br />

abrangidas pelo estudo<br />

a reportarem prejuízos.<br />

A pesquisa revela ainda<br />

que 100% das actividades<br />

de educação, artísticas,<br />

de espectáculos e de recriação<br />

foram afectadas.<br />

Cooperação. A Confederação<br />

das Associações Económicas<br />

(CTA) – principal entidade<br />

patronal do País – considera<br />

haver potencialidades<br />

para a diversificação do leque<br />

de produtos que constituem<br />

a base das trocas comerciais<br />

entre Moçambique<br />

e a Índia.<br />

Segundo Castigo Nhamane,<br />

vice-presidente da CTA,<br />

que falava durante um fórum<br />

de negócios que juntou<br />

empresários dos dois países,<br />

em Maputo, a castanha de<br />

caju e o feijão estão entre os<br />

principais produtos agrícolas<br />

que Moçambique exporta<br />

para a Índia, país que eliminou<br />

as taxas de exportação<br />

sobre produtos moçambicanos,<br />

com excepção de<br />

bebidas alcoólicas e tabaco.<br />

“Acreditamos que a Índia,<br />

sendo um país em desenvolvimento,<br />

pode ter um papel<br />

muito importante para<br />

ajudar a alavancar e dinamizar<br />

o sector privado moçambicano”,<br />

sublinhou.<br />

Na ocasião, o Alto-Comissário<br />

da Índia em Moçambique,<br />

Rajeev Kumar, manifestou<br />

preocupação com os<br />

raptos de empresários que<br />

tem vindo a acontecer no<br />

País como um obstáculo a<br />

remover para melhorar a<br />

atractividade do mercado.<br />

Insustentabilidade. O economista<br />

Egas Daniel defende<br />

que facto de a dívida moçambicana<br />

se situar na casa<br />

dos 122% do PIB tem como<br />

impacto directo o desvio<br />

de recursos que deveriam<br />

ser usados para o<br />

desenvolvimento do País.<br />

“A alta percentagem da<br />

8<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


dívida sobre o PIB significa<br />

o desvio de recursos e o alto<br />

serviço da dívida acaba<br />

ditando a necessidade de financiamento<br />

do Orçamento<br />

do Estado, muitas vezes com<br />

recurso ao endividamento<br />

interno,” diz Daniel.<br />

Lembre-se que a dívida pública<br />

de Moçambique passou<br />

de 40% do PIB em 2013<br />

para cerca de 120% agora,<br />

situação que, segundo alguns<br />

economistas, está a ter<br />

um impacto nefasto na vida<br />

dos moçambicanos.<br />

Num relatório recente sobre<br />

Riscos Fiscais, o Banco<br />

de Moçambique refere que<br />

a dívida pública continua<br />

acima dos indicadores de<br />

sustentabilidade recomendados<br />

para os países de baixo<br />

rendimento.<br />

FMI. O Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI) nomeou o<br />

brasileiro Alexis Meyer-Cirkel<br />

como novo representante-residente<br />

da organização<br />

em Moçambique, em<br />

substituição do seu compatriota<br />

Ari Aisen.<br />

Alexis Meyer-Cirkel desempenhou<br />

várias funções<br />

no FMI e integrou missões<br />

da organização em vários<br />

países, trabalhando em tópicos<br />

de política macroeconómica,<br />

sustentabilidade<br />

da dívida pública e análise<br />

do sector externo, refere<br />

a nota. Antes de se juntar<br />

àquela organização financeira<br />

internacional, trabalhou<br />

no Banco Central Europeu<br />

(BCE), Banco Central<br />

do Brasil, Morgan Stanley e<br />

Allianz Research.<br />

O novo representante-residente<br />

do FMI em Moçambi-<br />

que é doutorado em <strong>Economia</strong><br />

pela Universidade de<br />

Goethe, Frankfurt, e é mestre<br />

em Estudos de Desenvolvimento<br />

pela London School<br />

of Economics.<br />

Alexis Meyer-Cirkel assume<br />

funções em Moçambique<br />

numa altura em que o<br />

FMI desapertou as restrições<br />

de apoio ao País.<br />

EXTRACTIVAS<br />

Fundo Soberano. O Centro para<br />

a Democracia e Desenvolvimento<br />

(CDD), uma das<br />

organizações moçambicanas<br />

da sociedade civil, vai<br />

apresentar, este ano, uma<br />

proposta técnica sobre a<br />

criação do fundo soberano.<br />

O CDD avança que, com o referido<br />

projecto de Lei, a sociedade<br />

civil moçambicana<br />

pretende persuadir o<br />

Governo e a Assembleia da<br />

República a alargar o leque<br />

de contribuições para a estrutura<br />

e o funcionamento<br />

do futuro fundo soberano.<br />

O projecto de Lei será criado<br />

pelo Estado para a gestão<br />

das receitas da indústria<br />

extractiva.<br />

Combustíveis. A Total Trading<br />

& Shipping (Totsa), uma subsidiária<br />

da francesa Total, vai,<br />

de facto, ser a nova importadora<br />

de combustíveis para o<br />

País, durante os próximos seis<br />

meses, a partir de Novembro<br />

próximo, na sequência do último<br />

concurso internacional<br />

lançado pela Importadora<br />

Moçambicana de Petróleos<br />

(IMOPETRO), para a contratação<br />

de firma para o efeito.<br />

“A Totsa foi definitivamente<br />

escolhida como novo fornecedor<br />

e já foi adjudicada”, anunciou<br />

o director-geral da IMO-<br />

PETRO, João Macanja.<br />

A adjudicação da Totsa era<br />

previsível, por ter apresentado<br />

o preço médio mais baixo<br />

para importar diferentes<br />

combustíveis.<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


OPINIÃO<br />

Ruralidade Versus Urbanidade: Dois Pólos<br />

Antagónicos ou Complementares? (II)<br />

Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique<br />

faz sentido conectar o urbano à riqueza e ao<br />

bem-estar? A urbanização é reconhecida como<br />

um fenómeno transformador que acompanhou<br />

a expansão da Revolução Industrial, da modernização<br />

e do sistema capitalista, gerando um<br />

progresso incessante e uma prosperidade sem<br />

igual no contexto da globalização económica, do incremento<br />

tecnológico e da preponderância da alta finança internacional.<br />

A competição urbano-rural irá intensificar-se com<br />

a urbanização acelerada, dado que o anseio por uma vida<br />

aprazível, saudável e próspera ocorre tanto nas áreas urbanas<br />

como nas rurais, à medida que a concentração de<br />

pessoas aumenta nos centros urbanos.<br />

População urbana é aquela que tem a sua residência permanente<br />

dentro dos limites administrativos dos aglomerados<br />

humanos que são classificados como cidades e vilas.<br />

É frequente diferenciar o urbano do rural com base nos<br />

seguintes indicadores: (i) diferenças ocupacionais ou principais<br />

actividades em que se concentra a população economicamente<br />

activa; (ii) diferenças ambientais, em termos de<br />

importância da terra para a produção, contacto com a natureza<br />

e o ambiente; (iii) tamanho da população e densidade<br />

populacional; (iv) homogeneidade ou heterogeneidade<br />

da população, sob o ponto de vista sociocultural; (v) maior<br />

ou menor grau de diferenciação, estratificação e complexidade<br />

social, incluindo mobilidade social; (vi) direcção da migração;<br />

(vii) densificação institucional, presença de infra-<br />

-estruturas socioeconómicas e qualidade e diversidade de<br />

serviços, e; (viii) delimitação político-administrativa.<br />

A urbanização deriva e origina efeitos principalmente<br />

positivos, porque é determinada pela melhoria e diversificação<br />

das infra-estruturas, melhoria das condições de<br />

vida e das oportunidades de trabalho, bem como da recreação,<br />

lazer e bem-estar social. Todavia, os problemas<br />

surgem quando a urbanização se concentra, de forma<br />

desequilibrada e desordenada, num pequeno número de<br />

áreas metropolitanas, sem condições de absorção dos novos<br />

imigrantes, nem oportunidades de emprego, habitação,<br />

saneamento, segurança, entre outros. As cidades continuam<br />

a ser os espaços privilegiados e, por vezes, quase exclusivos,<br />

onde está presente: i) a capacidade tecnológica; ii)<br />

o aumento da produtividade e competitividade económica;<br />

iii) aperfeiçoamento dos canais de distribuição e logísticos;<br />

iv) serviços financeiros inclusivos, inovadores e de proximidade;<br />

v) novos segmentos e nichos de mercado inexplorados;<br />

vi) infra-estruturas sociais e de transporte e comunicações<br />

modernas e eficientes; vii) atractivo ambiente de<br />

negócios, e; viii) dispositivos de educação, ciência e inovação<br />

calibrados para responder às demandas do sector produtivo.<br />

Quando essas condições só estão presentes no pólo<br />

urbano, faz emergir a conotação pejorativa de olhar para<br />

o espaço rural como atrasado económica, social e culturalmente,<br />

e a necessidade de travar uma batalha para inverter<br />

a situação desvantajosa (Veiga, 2003; Lefebvre, 2002).<br />

Em 1950, apenas 29,6% da população mundial era considerada<br />

urbana, e em 2014 essa cifra subiu para 53,6%. Para<br />

2030, projecta-se que 60% da população mundial viva em<br />

espaços urbanos, podendo em 2050 atingir 66,4%. No passado,<br />

a maior parte do crescimento urbano foi liderado pelos<br />

países desenvolvidos. Porém, estima-se que 90% do crescimento<br />

urbano global actual e nas próximas décadas tenha<br />

lugar no hemisfério sul, particularmente na Ásia e África.<br />

Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem<br />

a menos de 1% da superfície da terra, albergam<br />

mais de metade da população mundial e geram 70-80% do<br />

PIB global. É hoje consensual que a transição urbana, ou<br />

seja, o processo de substituição de formas de vida rural ou<br />

camponês, caracterizado por assentamentos dispersos, por<br />

outro modo de vida, baseado em assentamentos concentrados,<br />

é um factor determinante para o progresso económico<br />

dos países e para o bem-estar das famílias e pessoas (Hansine<br />

& Arnaldo, 2019).<br />

José Forjaz (2004) refere que enquanto se mantiver a dependência<br />

que as zonas rurais têm em relação ao meio<br />

urbano, onde as decisões são tomadas e o “bolo nacional” é<br />

repartido, não poderá haver outra visão senão a de que o<br />

Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem a menos de 1% da superfície da<br />

terra, albergam mais de metade da população mundial e geram 70-80% do PIB global<br />

10<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


Em Moçambique, a população urbana cresce com muita rapidez e hoje situa-se em torno dos 34%<br />

futuro do campo, onde a parte mais importante da riqueza<br />

nacional é produzida, passe exactamente por um equilíbrio<br />

de interesses desses dois âmbitos territoriais e sociais,<br />

acreditando que as cidades podem ser os motores do desenvolvimento<br />

rural, se forem devidamente enquadradas<br />

numa estratégia global de desenvolvimento equilibrado do<br />

país. É inegável que os centros urbanos absorvem parte<br />

significativa das capacidades, talento e recursos dos países.<br />

Todavia, eles continuam a depender do meio rural para<br />

uma parte importante da sua sobrevivência, quer em termos<br />

de comercialização da sua produção e dos serviços<br />

que prestam, quer porque necessitam do que o campo lhes<br />

fornece, tanto em géneros como em trabalho a baixo custo.<br />

Forjaz aponta que as nossas cidades são uma mistura de<br />

ruralidade e urbanidade, com largos segmentos da população<br />

sem qualquer das infra-estruturas, serviços básicos<br />

e organização administrativa que distinguem tradicionalmente<br />

a cidade do campo.<br />

Em muitos países africanos, o rural e o urbano são encarados<br />

como dois espaços distintos que representam dois<br />

universos. E, embora mantenham fortes relações entre si,<br />

caminham a velocidades bem diferentes e representam<br />

culturas e realidades diferenciadas, situação agudizada<br />

pela globalização que, de forma periférica e perversa, só<br />

se faz sentir nas principais cidades que, grosso modo, se<br />

afastam cada vez mais do mundo rural circundante. Em<br />

muitos espaços definidos como urbanos, não é fácil separar<br />

estes dois conceitos, em particular naquilo que se designa<br />

por bairros urbanos das periferias das cidades ou simplesmente<br />

bairros periféricos.<br />

Em 1975, a população urbana em Moçambique cifrava-se<br />

em cerca de 8%, tendo evoluído para 15% em 1980, e daí<br />

para 25% em 1990 e para 29,2% em 1997, ou seja, quase duplicou<br />

em 17 anos. Actualmente, situa-se em torno de 34%.<br />

Importa realçar que nesse período, as cidades e vilas não<br />

cresceram em termos de construção definitiva nem de<br />

implantação de infra-estruturas socioeconómicas, tendo<br />

ocorrido à custa de processos de reclassificação urbana,<br />

sem que experimentassem significativas mudanças estruturais<br />

e infra-estruturais (Hansine & Arnaldo, 2019; Araújo,<br />

2002). As características dos bairros periféricos das cidades<br />

moçambicanas são fundamentalmente rurais, os membros<br />

das famílias têm comportamentos rurais e dedicam-se<br />

maioritariamente à produção agrícola de pequena escala<br />

e a actividades correlacionadas com a agricultura – venda<br />

de insumos, aluguer de meios de preparação da terra,<br />

comercialização de produtos agrícolas, armazenagem, conservação<br />

e transporte, embalagem e agro-processamento.<br />

Está também ligada aos pequenos negócios e ao trabalho<br />

assalariado na “cidade de cimento, com moradias e prédios<br />

verticais”. A diferenciação dos espaços urbanos, que se distinguem<br />

em bairros urbanos, suburbanos e peri-urbanos,<br />

possuem traços muito fortes e distintivos, e incorporam nítidas<br />

diferenciações sociais, económicas e culturais.<br />

Aqueles que são considerados como indicadores físicos e<br />

económicos de urbanização degradaram-se substancialmente<br />

com o tempo. O crescimento da população urbana<br />

pode ser atribuído a cinco factores fundamentais: a) a<br />

guerra civil que assolou o País durante vários anos e que<br />

afectou, em particular, as áreas rurais, provocou um movimento<br />

demográfico da população rural em direcção às<br />

principais cidades, consideradas lugares mais seguros; b)<br />

em 1986, o Governo procedeu a uma alteração da divisão<br />

administrativa do País, que alterou as áreas territoriais<br />

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11


OPINIÃO<br />

das cidades, ficando incluídas nestes amplos espaços rurais<br />

circundantes, sem que isso significasse a alteração<br />

das suas características em termos de ocupação do espaço,<br />

de produção e hábitos; c) as reformas da descentralização<br />

adoptadas na segunda metade da década de 1990 desencadeou<br />

a autarcização, que se iniciou com 33 municípios e<br />

evoluiu para os actuais 53, dentro de uma opção de gradualismo;<br />

d) o crescimento natural da população que reside<br />

nas cidades, e; e) o êxodo rural, principalmente dos jovens,<br />

procurando melhores oportunidades económicas e de emprego<br />

na cidade de Maputo e noutras cidades importantes<br />

do País, ou seja, pessoas que saem do campo não porque<br />

procuram vida boa e fácil nas grandes cidades, mas porque<br />

em algumas áreas rurais a vida é ainda difícil (Araújo,<br />

2002; Valá, 2009).<br />

Todavia, há desafios relacionados com o planeamento e ordenamento<br />

territorial, e ao facto de a teoria da transformação<br />

da economia dual de Arthur Lewis (1955), baseada<br />

na transferência de excedente de mão-de-obra do campo<br />

para a cidade, para servir como força de trabalho nas indústrias<br />

e serviços e potenciando a urbanização, não ocorrer<br />

de forma linear e automaticamente em países como<br />

Moçambique, devendo ser antecedida pela transformação<br />

da agricultura tradicional através do reforço do capital<br />

humano e uso de novas tecnologias pelas famílias rurais<br />

(Schultz, 1964).<br />

Em alguns casos, a ruralidade ultrapassa os limites das<br />

áreas rurais, quando alguns seus traços estão presentes<br />

na cidade através da presença de hábitos, valores e práticas<br />

do campo. É interessante entender a estratégia de proximidade<br />

rural – urbana, em que os produtores agrários<br />

ficam nas proximidades das cidades, não só para atingir<br />

o mercado com mais facilidade, diminuindo os custos de<br />

transporte e facilitando o manejo de produtos perecíveis,<br />

mas também pela possibilidade de a família continuar no<br />

espaço que lhe garanta renda e, ao mesmo tempo, acesso<br />

aos serviços que a cidade proporciona. Ficando no inter-<br />

-cruzamento entre as áreas rurais e urbanas, os moradores<br />

podem produzir culturas agrícolas, criar animais e<br />

seus derivados, e promover a agro-indústria, quer para o<br />

consumo familiar, quer como alternativa à falta de empregos<br />

nas cidades e geração de renda.<br />

Na verdade, já Ester Boserup (1965) havia sublinhado que<br />

a pressão demográfica tende a impulsionar a inovação<br />

tecnológica, particularmente no contexto agrário, estabelecendo<br />

uma ligação estreita entre crescimento populacional,<br />

desenvolvimento tecnológico e a necessidade de<br />

construção de estradas. Por outro lado, os assentamentos<br />

urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar<br />

a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades<br />

de emprego, educação, bem como de circulação<br />

e partilha de informação, a promoção de um mercado de<br />

consumo dinâmico e a geração de receitas fiscais.<br />

1. Optar por uma estratégia para cada pólo ou alterar<br />

a doutrina de desenvolvimento económico adoptada?<br />

O fim do isolamento entre a cidade e o campo é frequentemente<br />

expresso pelo conceito de “continuum” rural-urbano<br />

que, como o da urbanização do campo, possui duas interpretações.<br />

A primeira corresponde a uma visão urbano-<br />

-centrada (dicotómica), que privilegia o pólo urbano do<br />

“continuum” como fonte de progresso e dos valores dominantes<br />

que se impõem ao conjunto da sociedade. O extremo<br />

Os assentamentos urbanos, pelo facto de<br />

serem concentrados, tendem a facilitar a<br />

provisão de bens e serviços e a oferecer mais<br />

oportunidades de trabalho assalariado<br />

rural do “continuum”, visto como o pólo atrasado, tenderia<br />

a reduzir-se sob a influência avassaladora do pólo urbano<br />

desenvolvido num movimento comparado ao dos vasos comunicantes<br />

em que, por definição, um só, o urbano, se enche,<br />

enquanto o outro, o rural, só podia, consequentemente,<br />

esvaziar-se. Levada às últimas consequências, esta vertente<br />

das teorias da urbanização do campo aponta para<br />

um processo de homogeneização espacial e social, que se<br />

traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras<br />

entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da<br />

própria realidade rural espacial e socialmente distinta da<br />

realidade urbana. A segunda interpretação, ao contrário<br />

da primeira, considera o “continuum” rural-urbano como<br />

uma relação que aproxima e integra dois pólos extremos.<br />

Nesta perspectiva, a hipótese central é que, mesmo<br />

ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a<br />

continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o<br />

campo e a cidade não excluem as particularidades dos dois<br />

pólos e, por conseguinte, não representam o fim previsível<br />

do espaço rural, mas tão somente que o “continuum” se situa<br />

entre o pólo urbano e o pólo rural, distinto entre si e em<br />

12<br />

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intenso e dinâmico processo de mudança nas suas relações.<br />

Defendo que meio urbano não deve sobrepor-se ao rural,<br />

no sentido dicotómico dominante-dominado, rico-pobre,<br />

desenvolvido-subdesenvolvido, moderno-tradicional, iluminado-nas<br />

trevas, alfabetizado-ignorante, etc. A partir da<br />

altura em que for possibilitado ao campo ter as condições<br />

necessárias para que se viva e trabalhe dignamente nesse<br />

espaço, os cidadãos não terão mais de se deslocar para as<br />

grandes cidades em busca de serviços essenciais, como a<br />

saúde, educação, água, emprego, comércio, energia, cultura<br />

e lazer, bem como o tão sonhado exercício de cidadania que,<br />

na maior parte dos casos, nessas aventuras do deslocamento,<br />

vivem apenas o “pesadelo da grande cidade”, expresso<br />

por factores como a criminalidade, violência, contrabando,<br />

alcoolismo, prostituição, tráfico e consumo de drogas,<br />

negócios e actividades ilícitas e desemprego (Valá, 2009).<br />

A ruralidade deve ter referência em si mesma e não a<br />

partir da cidade, como se dela fosse um apêndice com dependência<br />

política e económica. O espaço rural não pode<br />

ser definido, unicamente, pela actividade agrícola, uma vez<br />

que se observa uma significativa redução de pessoas ocupadas<br />

na actividade agrícola em relação ao total de pessoas<br />

residentes no campo, e ao surgimento de uma camada de<br />

pequenos agricultores com outras fontes de rendimento. A<br />

ruralidade caracteriza-se por ser um conceito cuja natureza<br />

é territorial e não sectorial, como a noção do urbano.<br />

Assim, as cidades não são apenas definidas pelas indústrias<br />

e serviços, nem o campo exclusivamente pela agricultura.<br />

O valor do espaço rural está cada vez mais ligado a tudo<br />

que o distingue do espaço urbano, num contexto em que<br />

se assiste a uma revalorização da ruralidade, em vez da<br />

sua supressão por uma suposta completa urbanização. A<br />

ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a<br />

ser superada com o avanço do progresso e da urbanização.<br />

É preciso entender que não temos um rural que se urbaniza,<br />

mas sim um rural que se transforma permanentemente.<br />

É muito difícil dissociar o rural e o urbano, pois são espaços<br />

que se influenciam mutuamente pelas suas relações, formando<br />

assim o espaço geográfico uno.<br />

A identificação do rural e do urbano está muito dependente<br />

da intensidade das alterações realizadas pelo Homem no<br />

meio, através das técnicas, ou seja, maior ou menor grau<br />

de artificialização. Pode-se assumir que a cidade e o campo<br />

se entrelaçaram, pois enquanto a cidade se caracteriza<br />

pela artificialidade, trabalho e lazer, o campo distingue-se<br />

pela natureza, liberdade e beleza. É fundamental, no entanto,<br />

dar uma dimensão económica mais vincada para as<br />

áreas rurais, através de iniciativas como o PROMER, PRO-<br />

CAVA, SUSTENTA, entre outras, que permitam explorar plenamente<br />

o enorme potencial ainda dormente no campo e<br />

as pessoas que lá vivem usufruam de um crescente bem-<br />

-estar. A ruralidade-urbanidade não são dois pólos antagónicos,<br />

mas para serem complementares precisam de ser<br />

encarados dentro de uma visão estratégica que parte da<br />

realidade existente e pretende criar uma nova relação<br />

dentro de cada pólo e entre os dois pólos, que seja menos<br />

desbalançada, discriminatória e antagónica. Isso tem implicações<br />

conceptuais na alocação eficiente de recursos,<br />

na disponibilidade de capital humano, na implantação de<br />

infra-estruturas, nas opções tecnológicas apropriadas, na<br />

inclusão financeira e digital e na expansão do espírito empreendedor<br />

e da inovação.<br />

É nesta esteira que, sob o ponto de vista de planeamento<br />

e ordenamento territorial e fomento de actividades económicas<br />

e sociais integradas, se propõe como medida estratégica<br />

a indução - voluntária e através de incentivos<br />

apropriados - a constituição de micro e meso núcleos de<br />

povoamento no meio rural, mais densamente distribuídos<br />

pelo País e mais sustentáveis, através da instalação de<br />

agro-indústrias, implementação de infra-estruturas baseadas<br />

no trabalho intensivo e atracção do sector privado<br />

através de iniciativas de parcerias público-privadas. Essa<br />

intervenção ajudaria a melhorar a economia e a competitividade<br />

nas áreas rurais e evitaria a elevada concentração<br />

de pessoas nas grandes cidades do País, sem condições<br />

adequadas para as acolher, ou seja, favoreceria simultaneamente<br />

as áreas rurais e as urbanas.<br />

O nível de entendimento da situação concreta em cada<br />

pólo espacial pode ter implicações muito grandes no endossamento<br />

de políticas públicas. Ou seja, se se vai priorizar<br />

mais as políticas urbano-industriais ou as políticas rurais-<br />

-agrárias, ou em outras opções, como as baseadas nos corredores<br />

de desenvolvimento, na promoção do turismo de<br />

alta renda, ou na opção pelas zonas económicas especiais,<br />

na obtenção de mais renda das indústrias extractivas,<br />

no potenciamento da economia do conhecimento e nas TIC,<br />

ou na combinação de alguns destes eixos.<br />

Este debate não é pacífico, tem de ser perspectivado no longo<br />

prazo, está repleto dos mais variados conflitos, requer<br />

compromissos e pactos sociais abrangentes, e exige que se<br />

façam opções claras e consistentes, muitas das quais mutuamente<br />

exclusivas, e se tomem decisões selectivas.<br />

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Especial Covid<br />

Pandemia mascara insegurança<br />

alimentar e desnutrição<br />

Um, dois, três alertas. Os avisos das agências humanitárias sucedem-se: a falta de alimentos e a subnutrição podem atingir<br />

proporções que já há muitos anos não se viam na África Austral. Moçambique está entre os casos que inspiram mais<br />

cuidado. Mas é no terreno que os trabalhadores comunitários mostram como se pode fazer para inverter o cenário<br />

Texto Luís Fonseca, serviço especial da agência Lusa para a E&M • Fotografia D.R.<br />

“<br />

as contribuições de<br />

doadores são urgentes”.<br />

O alerta<br />

está a ser lançado<br />

pelo Programa<br />

Mundial para Alimentação<br />

(PMA) em Moçambique porque<br />

a Covid-19 está a agravar um contexto<br />

humanitário já fragilizado. Ciclones,<br />

inundações, seca (no Sul) e conflitos<br />

armados (no Centro e Norte) eram<br />

já as razões de fundo para a crise humanitária.<br />

O novo coronavírus e as<br />

restrições que implica só vieram piorar<br />

o cenário. No calendário agrícola,<br />

as colheitas já passaram e aproxima-se<br />

a fase agrícola ‘magra’ da campanha<br />

<strong>2020</strong>/21, altura do ano em que<br />

“as famílias mais vulneráveis estarão<br />

em risco de insegurança alimentar”<br />

até chegar a próxima colheita, alerta<br />

a agência das Nações Unidas. “As necessidades<br />

de financiamento geral do<br />

PMA são de 125 milhões de dólares para<br />

os próximos seis meses”, contando<br />

desde Agosto, em Moçambique. A organização<br />

antecipa quebras de abastecimento<br />

nas suas operações humanitárias<br />

em Cabo Delgado, Nampula<br />

e Niassa a partir de Outubro “se não<br />

forem mobilizados recursos suficientes<br />

a tempo”. Uma equação difícil numa<br />

altura em que muitos doadores enfrentam<br />

as suas próprias encruzilhadas<br />

face à Covid-19. Em Moçambique<br />

(onde o crescimento económico foi revisto<br />

em baixa), “mais de 1,6 milhões de<br />

pessoas enfrentam insegurança alimentar<br />

aguda grave”, de acordo com<br />

os dados dos últimos meses. Em Julho,<br />

o PMA deu assistência a 365 mil pessoas<br />

em Moçambique, com 2700 toneladas<br />

de alimentos e 1,3 milhões de dólares<br />

de transferências em dinheiro<br />

para troca por mantimentos. A maioria<br />

das pessoas assistidas encontra-se<br />

no norte do País.<br />

A seriedade do alerta foi reforçada no<br />

dia 07 de <strong>Setembro</strong>. Numa conferência<br />

de imprensa a partir de Joanesburgo,<br />

a directora regional da África Austral<br />

do Programa Alimentar Mundial<br />

(PAM), Lola Castro, classificou a insegurança<br />

alimentar em Cabo Delgado<br />

como uma das situações mais “preocupantes”<br />

no mapa da sub-região africana.<br />

“A ajuda nem sempre consegue<br />

chegar a alguns distritos do Nordeste”<br />

e o PMA tenta encontrar alternativas<br />

para “alcançar os inacessíveis” e<br />

fornecer-lhes “ajuda alimentar, abrigo<br />

e protecção”, referiu. A África Austral<br />

assiste, “ano após ano, a secas, cheias<br />

ou ciclones, como vimos em 2019 (...). A<br />

covid-19 foi um choque adicional para<br />

o qual, obviamente, não estávamos<br />

preparados”, acrescentou. O cenário é<br />

dos mais graves de que há memória.<br />

O espectro da subnutrição crónica cresce<br />

Associado ao drama da insegurança<br />

alimentar está o espectro da subnutrição<br />

crónica, do atrofiamento e raquitismo,<br />

cujos efeitos podem perdurar<br />

por uma vida inteira e ceifar logo à<br />

partida o potencial da maior força de<br />

desenvolvimento de um país: a sua população.<br />

A subnutrição torna-se cróni-<br />

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)<br />

estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa<br />

aumentar em 25% ou mais durante o resto de <strong>2020</strong> e até 2021<br />

ca, ou seja, não basta atirar com sacos<br />

de ajuda alimentar para cima do problema<br />

se ele alastrar. E a sub-região<br />

africana enfrenta, neste momento, o<br />

maior risco de aumento de casos. A<br />

Comunidade de Desenvolvimento da<br />

África Austral (SADC) estima que “a<br />

subnutrição aguda em toda a região<br />

possa aumentar em 25% ou mais durante<br />

o resto de <strong>2020</strong> e até 2021”, incluindo<br />

8,4 milhões de crianças, como<br />

consequência das medidas decretadas<br />

para conter a pandemia. De acordo<br />

com a SADC, 72% das crianças afectadas<br />

encontrar-se-ão em seis países da<br />

região: Angola, Moçambique, República<br />

Democrática do Congo (RDCongo),<br />

Madagáscar, Tanzânia e Zâmbia. Os<br />

dois países lusófonos estão também<br />

sinalizados pela SADC devido à fraca<br />

produção de alimentos, o que “indica<br />

um início precoce da estação magra<br />

(período de escassez), que irá agravar<br />

ainda mais os efeitos da covid-19”.<br />

No documento, a SADC analisa também<br />

a taxa de prevalência de atrofiamento<br />

entre as crianças da região,<br />

contabilizando mais de 18,7 milhões de<br />

crianças raquíticas. “A prevalência do<br />

atrofiamento é superior a 30% - classificado<br />

como muito elevado – em nove<br />

dos 16 Estados-membros da SADC”, longe<br />

dos Objectivos de Desenvolvimento<br />

Sustentável 2030”. Os dados apresentados<br />

no relatório colocam Moçambique<br />

como o segundo país da África<br />

Austral com maior taxa de prevalência<br />

de atrofiamento, com 42,3%, apenas<br />

atrás da RDCongo (42,7%).<br />

Um exército luta pela nutrição<br />

Para evitar que as pessoas se afastem<br />

dos serviços de nutrição por causa<br />

dos receios ligados à covid-19, um<br />

exército diferente actua em Cabo Del-<br />

14<br />

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segurança alimentar<br />

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15


A insegurança alimentar pode atingir níveis que já não se<br />

verificavam há vários anos, atingindo 44,8 milhões de<br />

pessoas em comparação com 41,2 milhões no ano passado<br />

gado e Sofala. Nada tem que ver com<br />

acções militares nem ataques armados.<br />

É um grupo de trabalhadores comunitários<br />

na área da saúde que estão<br />

a ser formados, graças ao PMA e<br />

ao Governo de Moçambique. São os<br />

responsáveis no terreno pelo rastreio<br />

da população, os agentes avançados<br />

no combate contra velhos e severos<br />

inimigos como o HIV, a tuberculose<br />

e a subnutrição, inimigos que continuam<br />

a estar entre os maiores empecilhos<br />

ao desenvolvimento do País.<br />

Entre Novembro de 2019 e Julho deste<br />

ano, em Cabo Delgado, foram treinados<br />

385 novos CHWs - a sigla em inglês<br />

com que o PMA identifica os “community<br />

health workers”. Em Sofala, entre<br />

Fevereiro e Junho, foram treinados<br />

720. Os números são públicos, estão<br />

na Internet (em bit.ly/3ewauRV e<br />

bit.ly/2B6cSkJ) através de páginas recheadas<br />

de gráficos e informação sobre<br />

a acção do PMA em Moçambique.<br />

São apresentações criadas pela agência<br />

na plataforma Tableau. “Esta monitorização<br />

regular permite rapidamente<br />

fazer mudanças, adaptações e<br />

garantir eficiência na programação<br />

de actividades”, detalha o PAM.<br />

É nestas páginas na Internet que se<br />

colocam sob escrutínio os resultados<br />

destes trabalhadores comunitários na<br />

área da saúde. Por exemplo, em Sofala,<br />

no período em análise, rastrearam-se<br />

22 474 crianças com menos<br />

de cinco anos e, graças à vigilância<br />

1010, foram encaminhadas para serviços<br />

de saúde - crianças que de outra<br />

forma poderiam nunca receber cuidados<br />

para combater a desnutrição.<br />

Os dados continuam e incluem muito<br />

mais informação, nomeadamente o<br />

rastreio de mães desnutridas, despiste<br />

da tuberculose e indicadores relativos<br />

à comunicação para a saúde.<br />

O PMA conclui que os trabalhadores<br />

comunitários na área da saúde<br />

“são um importante apoio para a população”<br />

das respectivas comunidades,<br />

“motivando-a a usar os serviços<br />

de saúde e a continuar a fazê-lo até<br />

que cada qual esteja completamente<br />

recuperado.<br />

A rádio comunitária também é importante<br />

por transmitir histórias de sucesso<br />

com outros residentes”. Isto porque,<br />

depois de rastreados e sinalizados os<br />

casos de subnutrição, uma das tarefas<br />

mais difíceis é garantir que as mães e<br />

crianças permanecem no tratamento.<br />

A agência apoia o Programa de Reabilitação<br />

Nutricional (PRN) em seis das<br />

11 províncias do País. Em Julho, em unidades<br />

sanitárias, 6880 crianças menores<br />

de cinco anos receberam suplementos<br />

alimentares prontos a consumir<br />

e 6680 mulheres grávidas e lactantes<br />

receberam cereais reforçados<br />

para tratamento de desnutrição moderada<br />

a grave.<br />

As agências das Nações Unidas estão<br />

ainda a trabalhar em conjunto com<br />

o Governo em busca de outros objectivos:<br />

integrar a implementação de<br />

planos de alimentação escolar sensíveis<br />

à nutrição e enraizar a temática<br />

nos planos públicos de protecção social.<br />

Há também um manual de educação<br />

nutricional em desenvolvimento<br />

para orientar as mensagens partilhadas<br />

em campanhas de sensibilização,<br />

nas quais estão a ser integrados<br />

os proprietários de bancas de venda<br />

de alimentos, onde os beneficiários<br />

de ‘vouchers’ e outros programas<br />

do PMA podem trocar dinheiro<br />

por alimentos. Tudo vale para fazer<br />

travar o avanço da subnutrição<br />

numa altura em que a amaça cresce.<br />

16<br />

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segurança alimentar ENERGIA<br />

“Repercussões são piores<br />

que a própria doença”<br />

Cerca de 6,7 milhões de crianças com<br />

menos de cinco anos correm o risco de<br />

sofrer níveis perigosos de desnutrição<br />

este ano devido à pandemia do novo<br />

coronavírus, segundo o Unicef. A partir<br />

de uma análise publicada na revista The<br />

Lancet, em Julho, calcula-se que 80%<br />

das crianças em risco vivem na África<br />

subsaariana e no sul da Ásia. “É cada<br />

vez mais claro que as repercussões<br />

da pandemia estão a prejudicar as<br />

crianças mais do que a própria doença”,<br />

conclui a directora executiva da Unicef,<br />

Henrietta Fore. O agravamento da<br />

dieta e a interrupção dos serviços de<br />

nutrição vão piorar outras formas de<br />

desnutrição em crianças e mulheres,<br />

como o nanismo, deficiência de<br />

micronutrientes, sobrepeso e obesidade.<br />

Segundo a Unicef, nos primeiros meses<br />

da pandemia houve uma redução geral<br />

de 30% na cobertura de serviços vitais<br />

de nutrição, como a suplementação<br />

de vitaminas, com alguns países a<br />

registarem uma interrupção muito maior.<br />

Os esforços do Governo no combate à<br />

desnutrição crónica já tinham ganho<br />

alguma expressão em 2016, quando o<br />

Conselho de Ministros aprovou o regulamento<br />

da fortificação dos alimentos<br />

que gera a obrigatoriedade da fortificação<br />

de farinhas de milho e de trigo,<br />

óleo alimentar, açúcar e sal. Nessa<br />

mesma altura, o regulamento apresentou<br />

metas bem definidas: beneficiar<br />

1,8 milhões de pessoas com o programa<br />

de fortificação da farinha de<br />

milho; 11 milhões de pessoas com a fortificação<br />

da farinha de trigo; 11,5 milhões<br />

de pessoas com o óleo alimentar<br />

e; 13 milhões com o açúcar.<br />

O programa, que tinha sido lançado<br />

três anos antes, em 2013, compreende,<br />

por exemplo, a fortificação do sal com<br />

iodo, o óleo com a vitamina A e fortificação<br />

da farinha de trigo e de milho<br />

com ferro, ácido fólico, vitaminas<br />

de complexo B e zinco, cuja deficiência<br />

contribui para a alta prevalência de<br />

anemias e das infecções recorrentes<br />

nas crianças. Na altura, esta estratégia<br />

foi considerada a mais eficiente no<br />

controlo das deficiências em micro nutrientes<br />

por adicionar apenas 1% nos<br />

custos aos consumidores. Ficou estabelecido<br />

que as empresas que não aderissem<br />

à fortificação de alimentos nos<br />

termos da legislação eram sujeitas à<br />

penalização.<br />

Todos os processos no quadro deste<br />

programa são liderados pelos ministérios<br />

da Indústria e Comércio e da Saúde,<br />

na qualidade de presidente e vice-<br />

-presidente do Comité Nacional para a<br />

Fortificação de Alimentos (CONFAM).<br />

2021 traz um cenário difícil<br />

Além de Moçambique, no mapa da<br />

África Austral, a directora regional<br />

do PMA destacou a grave situação do<br />

Zimbabué, país com 16 milhões de habitantes<br />

e com as piores estatísticas<br />

de falta de alimentos, com cerca de 4,3<br />

milhões de pessoas a precisar de ajuda<br />

urgente.<br />

O contexto comum é agravado por<br />

uma prolongada crise socioeconómica.<br />

Lola Castro referiu que na África Austral,<br />

entre os próximos meses e 2021,<br />

a insegurança alimentar pode atingir<br />

níveis “que já não se verificavam há<br />

vários anos”, atingindo 44,8 milhões de<br />

pessoas (em comparação com 41,2 no<br />

ano passado) sobretudo devido à seca<br />

e às dificuldades económicas ligadas à<br />

pandemia.<br />

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17


OPINIÃO<br />

O que revela o 1º trimestre de <strong>2020</strong> sobre<br />

a queda da procura de petróleo e gás?<br />

Andy Brogan • EY Global Oil & Gas Leader<br />

no primeiro trimestre de <strong>2020</strong>, todos os segmentos<br />

da indústria foram impactados, incluindo<br />

o sector de refinação que deu refúgio<br />

às grandes petrolíferas em anteriores<br />

recessões.<br />

Com base nos ganhos do 1º trimestre de <strong>2020</strong>,<br />

as empresas petrolíferas e de gás esperam que, à medida<br />

que os cortes na produção continuem, que as atenções se<br />

voltem para a rapidez com que a procura se recuperará e<br />

ao grau de prejuízo a longo prazo da confiança económica.<br />

O primeiro trimestre de <strong>2020</strong> vivenciou diversos eventos<br />

extraordinários, com a indústria petrolífera e do gás a enfrentar<br />

uma desaceleração dramática da procura devido<br />

ao surto da COVID-19, à paralisação virtual em muitos<br />

sectores da economia e ao colapso da mobilidade local e<br />

global. O preço médio do petróleo no 1º trimestre de <strong>2020</strong><br />

foi 20% inferior ao do 4º trimestre de 2019. Os preços do<br />

petróleo foram extremamente voláteis – o preço no final<br />

do trimestre era um terço do preço inicial.<br />

Impacto a nível da indústria<br />

Todos os segmentos da indústria foram impactados, incluindo<br />

o sector da refinação, que forneceu refúgio às grandes<br />

petrolíferas durante as anteriores recessões. À medida<br />

que os spreads de refinação diminuíram 27%, as refinarias<br />

ficaram inactivas pelos operadores. Os preços do GNL,<br />

que estavam em níveis insustentáveis antes da actual crise,<br />

diminuíram ainda mais, e o spread entre os preços das<br />

matérias-primas de Henry Hub e o preço desembarcado<br />

do GNL europeu e asiático reduziu-se essencialmente a<br />

zero. Além disso, os cortes profundos nas despesas de capital<br />

a montante constituem uma ameaça existencial para<br />

os provedores de serviços petrolíferos.<br />

Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas<br />

de mercado desfavoráveis. O resultado líquido diminuiu<br />

38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face<br />

ao 1º trimestre de 2019. Os fluxos de caixa operacionais<br />

também foram fracos: 24% abaixo dos níveis do 4º trimestre<br />

de 2019 e 13% abaixo do ano anterior.<br />

Retorno de capital ou gastos de capital?<br />

As questões financeiras assumiram uma maior urgência<br />

para a comunidade analista. A lente passou da capacidade<br />

das empresas de devolverem capital, à sua resiliência<br />

e capacidade de sobrevivência em condições de mercado<br />

que nunca ninguém havia contemplado.<br />

A maioria das perguntas dos analistas estavam, naturalmente,<br />

ligadas à actual crise. Com os cortes profundos nas<br />

despesas anunciados, os analistas estavam preocupados<br />

com o calendário da recuperação dos níveis de despesa de<br />

capital para níveis pré-crise. Queriam também compreender<br />

se as empresas prevêem uma mudança estrutural<br />

nos padrões de procura de petróleo e gás a longo prazo e<br />

como isso poderá influenciar a atribuição de capital.<br />

Avaliação dos danos e estratégias a longo prazo<br />

As questões operacionais colocadas foram sobre os encerramentos<br />

involuntários e voluntários que as empresas<br />

estão a empreender, e se iriam causar danos estruturais<br />

aos activos e impedir o regresso aos volumes pré-crise<br />

quando os preços recuperarem. Além disso, os analistas<br />

quiseram perceber como é que as empresas chegaram<br />

às suas estimativas de redução de produção e como identificaram<br />

os activos onde iriam parar a produção. Além<br />

dos hidrocarbonetos, havia interesse, entre a comunidade<br />

analista, em perceber onde estavam as empresas no que<br />

diz respeito às suas ambições de transição energética, e se<br />

têm planos para acelerar as iniciativas relativas àquela<br />

transição depois de experimentarem a actual desaceleração<br />

dos preços e o aumento da volatilidade do petróleo.<br />

Olhando para a frente<br />

A comunidade de investidores permanecerá em alerta,<br />

com especulações desenfreadas sobre a rapidez com que a<br />

procura se recuperará e o inventário será reduzido. Estão<br />

a ocorrer cortes de produção e o nervosismo em relação<br />

ao estado de armazenamento parece ter diminuído.<br />

Este artigo faz parte da série Oil and Gas Quarterly Trends.<br />

– visite a ey.com para aceder ao relatório completo.<br />

Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas de mercado desfavoráveis. O resultado<br />

líquido diminuiu 38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face ao 1º trimestre de 2019<br />

18<br />

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Números em conta<br />

<strong>Economia</strong> segue o vírus... E ele persegue-a<br />

os resultados do inquérito sobre o<br />

impacto da Covid-19 nas empresas, elaborado<br />

pelo INE, mostram, sem surpresa,<br />

que, de um total de 89 385 empresas<br />

abrangidas, 90,4% foram afectadas pela<br />

pandemia. Destas, 3% não resistiram e<br />

fecharam portas. Um pouco à imagem<br />

da taxa de letalidade do próprio vírus no<br />

mundo, que anda sensivelmente nestes<br />

valores. Se olharmos à distribuição geográfica,<br />

as quatro províncias da zona Sul<br />

do País são as mais afectadas, com uma<br />

percentagem média a situar-se nos 95%.<br />

Neste ponto, o destaque vai para a província<br />

de Inhambane a mais afectada em todo<br />

o País, com 98,8% das suas empresas ‘infectadas’<br />

pelos efeitos do Covid-19, o que<br />

não espanta visto ser uma região onde<br />

predomina a indústria do turismo, uma<br />

das áreas de actividade que paralisaram.<br />

Situação idêntica a outros ramos de actividades<br />

como o da educação, artísticas e<br />

de espectáculos, desportivas e recreativas<br />

afectadas a 100%. Muitas nunca voltarão<br />

ao que já foram. Outras... logo se verá.<br />

Até porque os resultados mostram ainda<br />

que, comparativamente ao 1º semestre de<br />

2019, a receita das empresas baixou 41%.<br />

Travão a fundo Na Hotelaria,<br />

Educação e nas Artes<br />

No que diz respeito aos ramos de actividade<br />

das áreas da educação, artísticas,<br />

espectáculos, desportivas e recreativas,<br />

todas foram afectadas na sua totalidade<br />

% de empresas<br />

actividades artísticas<br />

alojamento, restauração e similares<br />

11,7<br />

7,4<br />

28 786<br />

Apesar da baixa percentagem de<br />

encerramentos, a categoria de actividades<br />

administrativas, onde o grande empregador<br />

são as escolas é, seguida da hotelaria, onde se<br />

deram mais rescisões de contratos<br />

Muita Rotatividade, Rescisões<br />

e encerramentos residuais<br />

Resultados do inquérito ressaltam que mais<br />

de metade (56%) das empresas afectadas<br />

adoptou o regime de rotatividade, seguido<br />

de redução de horas de trabalho com 20,7%<br />

e teletrabalho com 14,3% do total das<br />

empresas (Q2.1)<br />

% de empresas<br />

regime de rotatividade<br />

redução de horas de trabalho<br />

teletrabalho<br />

rescisão de contratos<br />

encerramento da empresa<br />

38,5<br />

12,1<br />

6,4<br />

2,3<br />

1,3<br />

87%<br />

Nos meses de Abril,<br />

Maio e Junho apenas<br />

87,3%, 80,9% e 80,2%<br />

das empresas conseguiram<br />

pagar as remunerações<br />

dos seus trabalhadores<br />

na totalidade.<br />

56,0%<br />

das empresas<br />

afectadas optaram pelo<br />

rotatividade. Dentre<br />

elas, 41,7% aplicaram<br />

rotatividade semanal.<br />

41%<br />

Foi quanto baixaram no<br />

1º semestre do ano as<br />

receitas das empresas<br />

face ao período<br />

homólogo de 2019.<br />

20<br />

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43 578<br />

O número de<br />

‘desempregados<br />

covid-19’ no<br />

primeiro semestre<br />

do ano.<br />

Facturação: Segundo trimestre<br />

desastroso<br />

O mês de Abril foi o que registou maior<br />

redução de todos os indicadores em análise,<br />

sendo que no segundo trimestre a facturação<br />

diminuiu mais de 50% face a 2019<br />

Em milhares de milhões de meticais / % de variação<br />

8,4 6,2<br />

10,1 4,7<br />

24 200<br />

Número de<br />

desempregados do<br />

comércio por grosso<br />

e a retalho, reparação<br />

e manutenção de<br />

viaturas, as áreas mais<br />

atingidas. Segue-se o<br />

turismo, com 15 690<br />

novos desempregados.<br />

-25,9% -53%<br />

I TRIMESTRE<br />

2019 <strong>2020</strong><br />

Grandes sofreram, mas<br />

pME e médias... também<br />

II TRIMESTRE<br />

As grandes empresas, que representam<br />

cerca de 0,5% do universo, foram as mais<br />

afectadas com 91,1%. Destaca-se o facto de<br />

mais de 70 000 PME terem sido afectadas<br />

Número de empresas afectadas / % de empresas<br />

PME<br />

3%<br />

Do total das 89 385<br />

empresas inquiridas,<br />

90,4% foram afectadas<br />

e cerca de 3% não<br />

resistiram e fecharam.<br />

70 135 90,5%<br />

Média<br />

10 242<br />

89,5%<br />

Grande<br />

388 91,1%<br />

89 385<br />

Das empresas sentiram impacto da pandemia<br />

FONTE INE - Resultados do inquérito sobre Impacto<br />

da COVID-19 nas empresas<br />

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OPINIÃO<br />

Um olhar crítico à volatilidade<br />

do “nosso metical”<br />

o<br />

Patrícia Darsam • Head of Markets and Transaction Banking do Absa Bank Moçambique<br />

“nosso metical” completou, este ano, 40 anos de<br />

existência como a moeda oficial de Moçambique.<br />

A taxa de câmbio é uma das variáveis fundamentais<br />

da nossa economia, que resulta da<br />

relação entre a procura e oferta de moeda estrangeira<br />

disponível no mercado, proveniente<br />

do comércio internacional que, por sua vez, impacta no<br />

nível de actividade económica e, consequentemente, no<br />

padrão de crescimento do País.<br />

Numa economia como a nossa – estruturalmente deficitária,<br />

com fraca produção interna de bens acabados e onde o<br />

sector da indústria de transformação está muito aquém de<br />

satisfazer a demanda –, praticamente tudo o que se consome<br />

é importado, enquanto as exportações são, na sua maioria,<br />

de matéria-prima bruta e recursos naturais, sendo vulneráveis<br />

às flutuações dos preços no mercado internacional.<br />

Este desequilíbrio entre o volume de importações versus exportações<br />

é notório e cria uma grande volatilidade na taxa<br />

de câmbio do metical contra as principais moedas estrangeiras<br />

em circulação no território nacional, com particular<br />

ênfase para o dólar, que constitui a moeda base do comércio<br />

externo nacional.<br />

Neste tipo de economia, o equilíbrio passa pelo incentivo à<br />

produção e consumo local de forma a possibilitar a redução<br />

do volume das importações, balanceado com fluxos alternativos<br />

de entrada de capitais. Isto pode ser feito através<br />

do aumento do Investimento Directo Estrangeiro (IDE)<br />

e incentivos aos sectores geradores de divisas como são os<br />

casos do Turismo e da Agricultura. Outro sector que favorece<br />

o fluxo de entrada de divisas, é o da Indústria Extractiva<br />

(metais preciosos, minerais, carvão e gás) que, embora<br />

contribua com uma percentagem relativamente pequena<br />

para o PIB, tem um peso bastante significativo em termos<br />

de geração de receitas para o Governo e para o volume de<br />

exportações.<br />

A agricultura é sazonal e vulnerável a choques climáticos<br />

constantes, enquanto que a indústria extractiva é totalmente<br />

dependente da flutuação do preço das commodities<br />

no mercado internacional. Estes factores contribuem para<br />

a volatilidade no fluxo de exportações do País, impactando<br />

na disponibilidade de divisas no mercado interno.<br />

Porém, é importante entender estas analogias “temporalmente”,<br />

de onde viemos e para onde vamos.<br />

Olhando para o passado, entre 2014 e 2015, muitos de nós<br />

ainda estarão recordados que a unidade do dólar era<br />

transaccionada a 30 meticais. De lá esta parte temos visto<br />

um metical muito volátil e com tendência a desvalorizar-<br />

-se, tendo atingido o seu pico em 2016, quando registou uma<br />

depreciação de cerca de 71,96% em relação ao dólar.<br />

Mas há que recuar um pouco mais para melhor entender<br />

o que se passou, e com reflexos nos dias que correm. Desde<br />

2011 até meados de 2015, vínhamos assistindo a um crescimento<br />

económico a níveis de 7% em média. O Banco Central<br />

detinha reservas líquidas na ordem de seis meses de<br />

cobertura de importações, e embora tivéssemos um histórico<br />

de uma balança de pagamentos deficitária, ou seja,<br />

mais importações que exportações, tínhamos uma moeda<br />

relativamente forte e estável, porque os fluxos da ajuda<br />

externa ao Orçamento do Estado por parte dos doadores<br />

e do FMI, bem como o IDE, ajudavam a canalizar liquidez<br />

para o mercado através de uma política intervencionista<br />

do Banco de Moçambique, garantindo, assim, a estabilidade<br />

da moeda. Porém, este cenário de aparente crescimento<br />

económico e estabilidade da moeda é interrompido a<br />

partir de meados de 2015 quando os apoios externos, assim<br />

como o IDE, deixam de entrar devido à quebra de confiança<br />

por parte da comunidade internacional e dos investidores<br />

com a descoberta das “dívidas ocultas”. Este cenário<br />

levou o País a uma crise económica profunda e sem precedentes,<br />

que durou cerca de três anos.<br />

Com a introdução de medidas restritivas de política monetária<br />

pelo Banco de Moçambique, com o intuito de conter a<br />

inflação, o metical começou a mostrar sinais de melhoria<br />

em finais de 2016, muito associada à redução do poder de<br />

compra dos moçambicanos que ficou afectado pela desvalorização<br />

da moeda. O fenómeno conduziu, igualmente, a<br />

um abrandamento das importações na ordem de 36,4% em<br />

2016. Durante o ano de 2017, o metical manteve-se estável<br />

Esperamos que a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela Exxon Mobile, realmente<br />

se concretize em 2021 de forma a reactivar as prespectivas de crescimento para o próximo ano<br />

22<br />

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Ao longo do presente ano, são vários os factores que, associados, vão reduzindo a competitividade do metical<br />

sofrendo uma apreciação face aos níveis de 2016, tendo fechado<br />

em 58,88 meticais por dólar, em Dezembro.<br />

Em finais de 2018, tínhamos a cotação do dólar na casa dos<br />

61,43 meticais, representando uma ligeira desvalorização<br />

face ao ano anterior, devido ao aumento do consumo privado<br />

que, por sua vez, terá aumentado a demanda pela<br />

importação de bens e serviços. Se, por um lado, o investimento<br />

total na economia cresceu, por outro, registou-se<br />

um aumento da demanda, o que provocou uma nova desvalorização<br />

do metical.<br />

Em 2019 assistiu-se a uma contínua depreciação do metical,<br />

desta vez associada à falta de liquidez decorrente do<br />

impacto dos ciclones Kenneth e Idai, que afectou o sector<br />

agrícola chegando a atingir níveis de 64,75 meticais por<br />

dólar em Abril. Mas, no último trimestre do ano, uma ligeira<br />

recuperação permitiu que, no último dia de Dezembro,<br />

a cotação se fixasse nos 61,47 meticais por unidade do dólar.<br />

Ao mesmo tempo, o sector da mineração sofreu uma<br />

desaceleração, o que impactou nas exportações e reduziu<br />

o fluxo de entrada de divisas no País, e nessa altura as Reservas<br />

Internacionais Líquidas só não sofreram desgaste<br />

graças à entrada de receitas das mais-valias provenientes<br />

do negócio da venda dos assets da Anadarko à Total.<br />

Chegados a <strong>2020</strong>, recomeça a pressão sobre a moeda. Temos<br />

o impacto da pandemia do Covid-19 a partir do segundo<br />

trimestre, a queda do preço das commodities a<br />

nível internacional (principalmente do petróleo) e a desaceleração<br />

da economia Global, e o adiamento da Decisão<br />

Final de Investimento na Área 4 que, de certa forma,<br />

atrasou o fluxo de investimentos que era esperado. Estes<br />

factores, de uma maneira geral, contribuem para a<br />

contínua desvalorização do metical, que até finais de Julho<br />

já tinha atingido níveis em torno dos 15%. Mesmo com a<br />

retoma gradual da actividade económica, espera-se que o<br />

metical continue a desvalorizar ao longo dos restantes meses<br />

do ano mas, eventualmente, a um ritmo menos acelerado,<br />

comparativamente ao do primeiro semestre do ano,<br />

pois o impacto negativo do Covid-19 vai levar algum tempo<br />

até que as empresas consigam se recuperar.<br />

Um factor de grande risco de curto/médio prazo é a instabilidade<br />

que se vive na zona norte, mais concretamente<br />

na Província de Cabo Delgado, que poderá impactar sobremaneira<br />

nos investimentos no sector do gás e, consequentemente,<br />

prolongar a tendência de desvalorização do<br />

metical para o próximo ano. Entretanto, esperamos que<br />

a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela<br />

Exxon Mobil, realmente se concretize em 2021 de forma a<br />

reactivar as perspectivas de crescimento para o próximo<br />

ano. Esperamos, igualmente, que as discussões iniciadas<br />

com o FMI, para uma possível retoma do suporte ao País,<br />

ao acontecerem, possam servir de indicador favorável<br />

para a estabilidade da nossa moeda e para o crescimento<br />

da nossa economia no ano de 2021.<br />

Diante de tudo aqui exposto, a conclusão a que podemos<br />

chegar é que a nossa economia e o “nosso metical” são movidos<br />

pela demanda e oferta de divisas no mercado interno<br />

e pelas expectativas em torno dessa mesma demanda<br />

e oferta. Enquanto continuarmos a ter uma balança de pagamentos<br />

deficitária, o metical estará sujeito a estas constantes<br />

flutuações. Há a necessidade de se incentivar a produção<br />

e consumo local, de forma a reduzir a dependência<br />

externa na importação de bens de consumo.<br />

Igualmente, quando começarmos a sentir um incremento<br />

do IDE e as exportações do gás da Bacia do Rovuma começarem<br />

a materializar-se, aí, sim, teremos uma moeda economicamente<br />

mais sustentável.<br />

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23


Nação<br />

24<br />

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O metical<br />

Que futuro reserva<br />

o metical à economia?<br />

Nenhuma moeda consegue, ao longo do tempo, conservar o mesmo valor, o mesmo peso, e a<br />

mesma força de transformar a produção em riqueza. A celebrar 40 anos de existência, o metical já<br />

é capaz de provar esta tese, através da sua História e da leitura do seu comportamento ontem, hoje<br />

e amanhã. Aqui, duas abordagens mais ou menos contraditórias mostram-nos os possíveis destinos<br />

para onde o metical poderá conduzir a economia<br />

“<br />

pagar na mesma moeda”, “a outra face<br />

da moeda”, e tantas outras. São expressões<br />

que usamos, diariamente, baseadas<br />

numa das coisas que acompanha o ser<br />

humano há milhares de anos. A moeda,<br />

que terá sido a primordial forma de<br />

dinheiro, e que veio ordenar as trocas directas ou os pagamentos<br />

em géneros que se faziam no tempo dos romanos<br />

– por exemplo, em sal, daí que ainda hoje usemos o termo<br />

salário para determinar o vencimento de alguém em<br />

troca de um serviço. Mas voltemos à moeda e à sua importância<br />

na economia e, especificamente, ao metical. Muitos<br />

economistas e entidades ligadas ao sector da economia já<br />

se pronunciaram sobre os efeitos da desvalorização do metical<br />

em relação ao dólar, que ocorre desde o início do ano,<br />

e que é estimada entre 13% e 15% em termos acumulados<br />

(as estatísticas divergem). Notam-se, desde cedo, dois pólos<br />

de análise que chegam a conclusões divergentes, não só<br />

sobre as causas da queda do valor cambial da moeda nacional,<br />

como também em relação aos efeitos no presente<br />

e no futuro, e ainda no “remédio” que se recomenda para<br />

corrigir os desequilíbrios daí resultantes. Misturam-se, nas<br />

análises, o pessimismo de uns e o optimismo de outros. Ambas<br />

as posições possuem argumentos à altura de criar sérias<br />

dúvidas sobre o futuro. Pela primeira vez, o Banco Central<br />

reage publicamente, neste artigo, sobre o fenómeno da<br />

desvalorização do metical e, através de uma explicação detalhada,<br />

desdramatiza a maior parte dos “medos” que pairam.<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />

Comecemos pelos perigos<br />

Em suma, “um choque da taxa de câmbio pode ter efeitos<br />

adversos no consumo privado, no investimento e no sector<br />

real através de maiores custos de produção para os sectores<br />

que dependem da importação de matéria-prima. Por<br />

outro lado, as flutuações da taxa de câmbio podem influenciar<br />

negativamente os balanços das empresas através de<br />

mudanças no valor de passivos em outras moedas”, explica<br />

o Relatório do Cenário Fiscal de Médio Prazo 2019-2021<br />

do Ministério da <strong>Economia</strong> e Finanças. Mas a E&M ouviu<br />

outros alertas. O economista e docente universitário, Elcídio<br />

Bachita, afirma que a queda do metical “já está a piorar<br />

o custo de vida das populações pelo seu efeito no aumento<br />

do custo dos produtos de importação, a que se sobrepõem<br />

os resultados nefastos da própria pandemia na vida das famílias”.<br />

Procurando fazer uma análise mais abrangente<br />

do ambiente interno, o académico revela que se os investidores<br />

externos estão a ser afectados pela pandemia, por<br />

outro lado, os ataques de insurgentes em Cabo Delgado e<br />

a instabilidade política no centro do País, concorrem para<br />

que Moçambique não seja destino preferencial para o seu<br />

capital. Ou seja, Moçambique sofre uma dupla penalização,<br />

uma por factores externos e outra por razões internas, ambas<br />

a concorrerem para a queda do Investimento Directo<br />

Estrangeiro (IDE) que se está a testemunhar. “Tudo isto afectará<br />

as receitas fiscais agravando o défice orçamental do<br />

Estado”, defende. Na mesma linha, o economista e director-<br />

-executivo da CTA – entidade que representa, oficialmente,<br />

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25


Nação<br />

Muitos analistas prevêem que a moeda<br />

nacional continue a cair até ao fim do ano<br />

para o nível de 75 meticais por dólar<br />

o empresariado nacional -, Eduardo Sengo, refere que “a<br />

moeda nacional já sofre ‘pressão aguda’ devido à pandemia<br />

e vai agravar-se ainda mais com a maior procura da<br />

moeda estrangeira para viagens e importações após a<br />

reabertura das fronteiras”.<br />

Já o Banco Moza, no seu mais recente Boletim Económico,<br />

produzido pelo Gabinete de Estudos Económicos, prevê que<br />

a moeda nacional possa continuar a desvalorizar para valores<br />

em torno de 75 meticais por dólar até ao fim deste<br />

ano, também devido à abertura gradual da economia e novas<br />

tentativas de retoma das exportações num contexto de<br />

fraca capacidade de produção do sector exportador. O economista<br />

Luís Magaço concorda. Para este, a economia não<br />

apresenta quaisquer condições que travem a desvalorização<br />

contínua do metical nos próximos meses.<br />

O risco de multiplicar a dívida pública<br />

Outra vertente de análise remete à possibilidade de agravamento<br />

da já insustentável dívida pública. De acordo com<br />

os pressupostos do Cenário Fiscal a Médio Prazo 2019-2021,<br />

divulgados pelo Ministério da <strong>Economia</strong> e Finanças, “1% da<br />

depreciação na taxa de câmbio representa um incremento<br />

em dois pontos percentuais no rácio da dívida externa<br />

no PIB”. A publicação concluiu, igualmente, que “a variação<br />

mais sensível às flutuações na taxa de câmbio foi a dívida<br />

pública, dado que em 2017, por exemplo, 84% do total da<br />

carteira foi contraída em moeda estrangeira”. Trata-se de<br />

uma constatação que tem um suporte já antes observado.<br />

É que a evolução do choque cambial fez com que o nível<br />

da dívida, em 2016, atingisse 126,7% do PIB. Este impacto<br />

da taxa de câmbio foi mais evidente com a depreciação do<br />

metical quando perdeu cerca de 63% do seu valor face ao<br />

dólar norte-americano, enquanto em 2017, a apreciação do<br />

metical face ao dólar foi equivalente a uma redução em 14<br />

pontos percentuais do PIB na dívida externa.<br />

Pessimismo à parte<br />

Afinal, esta desvalorização do metical já tinha sido prevista<br />

no início do ano! Lembram os economistas Luís<br />

Magaço e Eduardo Sengo. “Por causa do ajustamento<br />

dos processos laborais da mineradora Vale (empresa<br />

responsável pela maior parte do carvão que o País exporta,<br />

commodity que é também responsável pela larga<br />

maioria das exportações totais e que terá paralisado a<br />

actividade por três meses), o Banco de Moçambique chamou<br />

a atenção para o facto de que a economia iria<br />

sofrer uma redução da capacidade de captação de divisas<br />

e que isso teria algumas consequências ao nível da<br />

desvalorização cambial da moeda nacional”, explicou Magaço.<br />

Então, se o Banco Central já sabia, porquê o alarme?<br />

“Não antevemos grandes riscos à estabilidade”<br />

Na sua primeira reacção sobre a contínua desvalorização<br />

do metical face ao dólar, o Banco de Moçambique tranquiliza<br />

o mercado sobre todos os riscos apresentados, sem deixar<br />

de admitir que existem, potencialmente. Mas minimiza-os.<br />

Quanto aos factores na origem, o regulador acaba por convergir<br />

com os demais intervenientes, esclarecendo que<br />

Moçambique adopta um regime de taxa de câmbio flexível.<br />

Assim, a variação cambial e o nível de taxa de câmbio seguem<br />

o curso natural consoante (ou reagindo) às forças de<br />

mercado (procura e oferta de divisas) dadas as condições<br />

macroeconómicas conjunturais, incluindo motivos especulativos.<br />

Reconhecendo que até ao momento, o metical tem<br />

estado a depreciar de forma gradual, o Banco Central refere<br />

que “não antevê grandes riscos para a estabilidade<br />

26<br />

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O metical<br />

A história de várias famílias… da mesma moeda<br />

O nome “metical” tem origem numa antiga moeda usada no período pré-colonial, que era a parte oca de penas de aves cheia<br />

de ouro em pó. Periodicamente, a moeda vai conhecendo mudanças para conferir maior segurança à sua utilização e evitar a<br />

falsificação. Conheça, a seguir, algumas faces que as notas de metical foram assumindo ao longo dos seus 40 anos de existência.<br />

A 16 de Junho, o primeiro<br />

Presidente de Moçambique,<br />

Samora Machel, anuncia<br />

a substituição do escudo<br />

português pelo metical. Na<br />

altura, havia notas de 50, 100,<br />

500 e 1000 meticais com o rosto<br />

de Samora Machel e de Eduardo<br />

Mondlane.<br />

Houve a primeira actualização<br />

das séries da moeda nacional,<br />

cuja principal novidade foi a<br />

introdução da nota de 5000<br />

meticais. As manifestações<br />

culturais através da arte,<br />

bem como a história da<br />

independência, eram comuns<br />

em quase todas as notas.<br />

Entra em circulação a nota<br />

de 10 000 meticais que<br />

continha, pela primeira e<br />

única vez, o rosto de Joaquim<br />

Chissano, segundo Presidente<br />

de Moçambique. Nesta<br />

actualização, as notas de outros<br />

valores também foram alteradas<br />

e ficaram mais coloridas.<br />

O mercado passa a conhecer<br />

notas de mais elevado<br />

valor com a introdução de<br />

50 000 e 100 000 meticais.<br />

Ambas valorizaram, nas suas<br />

ilustrações, o edifício (antigo) do<br />

Banco de Moçambique na face<br />

e a Hidroeléctrica de Cahora<br />

Bassa no verso.<br />

1980<br />

1988<br />

1991<br />

1993<br />

Entre as notas de 10 000 e<br />

de 50 000 meticais havia um<br />

“buraco” aparentemente grande<br />

por fechar. Assim, o Banco<br />

Central introduziu a nota de<br />

20 000. A imagem da mulher<br />

a escrever talvez simbolizasse<br />

a importância de alfabetizá-la.<br />

Será?<br />

1999 <strong>2020</strong><br />

Houve a revisão da classificação<br />

das notas consideradas<br />

impróprias para circulação.<br />

Assim, a partir de 23 de Abril<br />

passou a incluir as que têm<br />

“marcas, imagens, desenhos,<br />

escritas ou carimbos, manchas,<br />

marcas, áreas fragmentadas, fita<br />

adesiva, agrafos, etc.<br />

2003 2006 2011<br />

2017<br />

O metical não parava de crescer<br />

e era a vez da entrada em<br />

circulação das notas de 200 000<br />

e de 500 000 meticais. Foram,<br />

na verdade, as notas mais<br />

elevadas em termos de valor<br />

que a moeda nacional conheceu<br />

até hoje.<br />

É criado o metical da nova<br />

família que está actualmente em<br />

uso, que consistiu na retirada de<br />

“três zeros” no seu valor. Este<br />

é considerado o marco mais<br />

importante depois da criação do<br />

metical. Todas as notas têm a<br />

imagem de Samora Machel.<br />

O Banco Central introduz notas<br />

de polímero – material sintético<br />

de maior durabilidade ajustado a<br />

climas húmidos – para as notas<br />

de 20, 50 e 100 meticais. As<br />

restantes notas, nomeadamente<br />

as de 200, 500 e 1000 meticais<br />

continuam em papel.<br />

Entrou em circulação a mais<br />

recente série de notas, com a<br />

assinatura do actual Governador,<br />

Rogério Zandamela. A introdução<br />

desta última série prendiase,<br />

exclusivamente, com a<br />

necessidade de ajustar as medidas<br />

periódicas de segurança.<br />

FONTE Pesquisa da E&M<br />

Nota: Todas estas alterações foram também acompanhadas de inúmeras mudanças na configuração das<br />

moedas do metical cuja história poderia comportar, igualmente, um resumo extenso.<br />

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27


Nação<br />

O que faz uma moeda valorizar<br />

e desvalorizar?<br />

Inicialmente, desvalorização de uma moeda significava uma<br />

descida do teor do ouro em valor monetário. Na época do padrãoouro,<br />

a moeda nacional estava vinculada às reservas de ouro do<br />

País. E se um país emitia adicionalmente um lote de moeda em<br />

notas bancárias com uma reserva inalterada, então o valor de<br />

cada nota em relação ao ouro diminuia-se. Ou seja, ocorria uma<br />

desvalorização da moeda. Com o tempo, isso mudou e hoje a<br />

moeda está bastante mais associada ao nível de reservas líquidas<br />

em dólar (na maioria dos casos) que tem no seu banco central. O<br />

valor da moeda raramente permanece constante, é normal que<br />

varie diariamente e são diversos os factores que levam a isso. É a<br />

intensidade com que esses factores ocorrem que irá influenciar<br />

uma variação alta ou baixa nesse valor.<br />

Oferta e procura<br />

É um desses factores pois, se há mais dinheiro em circulação,<br />

aumenta a “oferta” e diminui a “procura” de dinheiro, logo ele<br />

desvaloriza. De forma inversa, quando existe menos dinheiro em<br />

circulação, diminui a “oferta” e aumenta a “procura” de dinheiro,<br />

logo a moeda valoriza.<br />

Inflação e deflação<br />

A inflação ocorre quando os preços gerais de bens e serviços de<br />

um determinado país aumentam, o que causa a desvalorização<br />

da moeda e reduz o poder de compra. A deflação ocorre quando<br />

os preços gerais de bens e serviços diminuem, o que aumenta o<br />

poder de compra da moeda e causa a sua valorização.<br />

Desvalorização “forçada”<br />

A desvalorização nem sempre é má. Exemplo disso foi o que<br />

aconteceu, em meados de 2019, quando a China desvalorizou<br />

a sua moeda por causa da guerra comercial contra os Estados<br />

Unidos, quando Donald Trump anunciou a criação de novas<br />

tarifas de 10% sobre importações chinesas no valor de 300<br />

mil milhões de dólares. Além da desvalorização do yuan, a<br />

China suspendeu, a compra de produtos agrícolas americanos.<br />

Efeito prático: a moeda fraca faz os produtos chineses<br />

ficarem baratos, estimulando a exportação e produzindo um<br />

efeito cascata, desvalorizando as moedas de outros países<br />

emergentes, como o Brasil ou Moçambique. No entanto, esta<br />

lógica é perigosa e pode ter efeitos perversos a longo prazo.<br />

Mas é, de facto, usada por muitos países.<br />

Perspectiva económica<br />

Se a economia de um país está em recessão ou<br />

desenvolvimento lento, a moeda desvaloriza-se. Pelo contrário,<br />

o valor de uma moeda também se desvaloriza se os seus<br />

principais indicadores económicos, como as vendas do retalho<br />

ou o PIB, estiverem a cair. Uma taxa de desemprego elevada<br />

ou crescente também desvaloriza uma moeda por indicar<br />

desaceleração económica. Se a economia de um país está num<br />

período de forte crescimento, com a entrada de investimento<br />

externo, o valor da sua moeda aumenta.<br />

Défices comerciais<br />

Um défice comercial ocorre quando o valor dos bens que um<br />

país importa é maior do que o valor dos bens que exporta (caso<br />

de Moçambique). Quando o défice comercial aumenta, o valor<br />

da sua moeda diminui em relação às moedas dos seus parceiros<br />

de negócios e vice-versa.<br />

dos preços. Esta depreciação pode estar a reflectir o ajustamento<br />

dos stocks em moeda estrangeira pelos agentes<br />

económicos, bem como a perda de confiança dos agentes<br />

económicos face aos choques que têm estado a afectar a<br />

economia doméstica, com destaque para a propagação da<br />

COVID-19, o agravamento do défice da conta corrente em<br />

virtude da fraca procura externa e a instabilidade militar<br />

na zona norte do País”.<br />

Não há riscos de inflação<br />

Ao contrário das análises que antevêem inflação importada,<br />

e apesar de o Banco Central apontar para ligeiros<br />

riscos de aumento dos custos já mencionados, este afasta a<br />

possibilidade de o País vir a atingir níveis assinaláveis de<br />

inflação. “O efeito da depreciação sobre os preços tem sido<br />

contido, porque o carácter restritivo da política monetária<br />

nos últimos anos, perante a limitada capacidade financeira<br />

do Estado e, portanto, contenção das despesas públicas,<br />

ajudou a conter a procura agregada e a minimizar o efeito<br />

da repassagem da depreciação para os preços domésticos.<br />

Adicionalmente, as restrições impostas à actividade económica<br />

para a prevenção do Covid-19, num contexto de<br />

procura agregada já debilitada, combinada com a queda<br />

dos preços internacionais, com destaque para os combustíveis,<br />

levaram a uma queda substancial da pressão sobre<br />

os preços domésticos. Assim sendo, espera-se que esta<br />

depreciação possa vir a criar uma ligeira aceleração da<br />

inflação, mas sem comprometer o objectivo de estabilidade<br />

de preços no médio prazo”, esclareceu a instituição numa<br />

entrevista concedida virtualmente à E&M.<br />

Pressão cambial será moderada<br />

Voltando a contrariar as expectativas mais pessimistas<br />

em torno do comportamento das taxas de câmbio do metical<br />

nos próximos tempos, o Banco de Moçambique explica<br />

por que é que não vê perigo em relação a este aspecto.<br />

“Ainda que o desconfinamento gradual da economia impulsione<br />

algum aumento na procura por importações num<br />

cenário de recuperação lenta e desfasada das exportações,<br />

perspectiva-se uma menor pressão cambial”, tranquiliza<br />

o regulador. E argumenta: “o mercado cambial doméstico<br />

continua com divisas suficientes para apoiar a economia,<br />

além das medidas de política cambial que o Banco tomou e<br />

a entrada do apoio financeiro dos parceiros de cooperação”.<br />

Medidas correctivas? Só quando se justificar<br />

Enquanto os economistas sugerem a intervenção do Banco<br />

Central no sentido de travar a queda do metical através<br />

de medidas que vão desde a redução das taxas de juro das<br />

reservas em dólares até à introdução de linhas de crédito<br />

que estimulem investimento privado, o regulador reitera<br />

que a depreciação observada até à data não constitui risco<br />

para a inflação, mas caso comece a representar perigo,<br />

tomará as “medidas adequadas” para reverter a situação.<br />

É verdade que o posicionamento do Banco de Moçambique<br />

em torno da queda que o metical experimenta em relação<br />

ao dólar desde o início do ano é contrário a muitas esferas<br />

de opinião. Mas não é menos verdade que este mesmo posicionamento<br />

encontra eco na voz de outros economistas,<br />

como os do artigo a seguir. Mas volta a ser rebatido mais<br />

adiante, na entrevista com o economista Luís Magaço, que<br />

critica o modelo de gestão da política monetária.<br />

28<br />

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Nação<br />

Uma queda menos má<br />

O metical desvalorizou quase 13% face ao dólar desde o início do ano até Agosto, mas nem<br />

economistas nem empresários estão, para já, muito preocupados. Uma moeda alta demais, alertam,<br />

cria vícios e não ajuda ao crescimento da produção interna. O risco no horizonte é agora a “enchente”<br />

de dólares que os projectos de gás natural vão trazer. Se não se apostar no sector produtivo,<br />

os problemas do País não vão ser resolvidos.<br />

Texto Ricardo David Lopes • Fotografia D.R.<br />

adesvalorização do metical<br />

face ao dólar que<br />

se vem sentindo desde o<br />

início do ano não é preocupante,<br />

pelo que não há<br />

motivos para que o Banco<br />

Central intervenha para segurar a<br />

moeda. É isto, pelo menos, que defendem<br />

os economistas.<br />

Na base da desvalorização, em média<br />

mensal, na ordem dos 12,7% até ao final<br />

de Agosto, mais acentuada entretanto<br />

(14% no final da semana passada), está<br />

sobretudo a redução das exportações<br />

de carvão da Vale e o abrandamento<br />

generalizado da economia global que<br />

fazem com que menos dólares entrem<br />

no País. Mas a redução das importações,<br />

assim como a valorização face<br />

ao rand, moeda do nosso principal fornecedor<br />

de alimentos, estão a evitar<br />

males maiores, permitindo que a inflação<br />

se mantenha baixa, não obrigando<br />

o Banco de Moçambique a actuar.<br />

À E&M, Bernardo Aparício, economista-chefe<br />

do Absa, lembra as diferenças<br />

face à desvalorização “abrupta” sofrida<br />

entre 2015 e 2016, motivada pelo<br />

escândalo das dívidas ocultas. Nesses<br />

dois anos, recorde-se, depois de os doadores<br />

terem ‘secado’ o apoio ao País,<br />

o metical acumulou perdas próximas<br />

dos 50% (ver gráficos nestas páginas),<br />

um cenário “muito diferente” do actual.<br />

“A desvalorização foi causada pela crise<br />

da dívida e pela saída dos fundos dos<br />

doadores, e por uma redução drástica<br />

do investimento directo estrangeiro<br />

(IDE)”, diz o economista. “Na altura, a<br />

economia moçambicana era muito<br />

dependente do IDE e dos doadores, enquanto<br />

hoje é muito mais dependente<br />

das exportações. Há uma diferença<br />

entre a disponibilidade de dólares”,<br />

acrescenta, lembrando que, entretanto,<br />

com o crescimento das reservas<br />

internacionais líquidas (RIL), o Banco<br />

Central poderia intervir, se quisesse.<br />

De acordo com dados do Banco de<br />

Moçambique (ver gráficos nestas páginas),<br />

as RIL ascendiam, em 2015, a cerca<br />

30<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


o metical<br />

ajudado Moçambique. Desde Janeiro<br />

(ver gráficos nestas páginas), perdeu<br />

valor face ao metical. “Se não fosse assim,<br />

teríamos níveis de inflação muito<br />

diferentes. Em 2015/2016, houve grande<br />

impacto na inflação, o rand estava<br />

a 11 ou 12, face a cerca de 4 hoje”, diz o<br />

economista-chefe do Absa.<br />

“Tendo em conta que, para já, ainda<br />

não há impacto na inflação, não intervir<br />

é uma postura adequada do ponto<br />

de vista macroeconómico, porque senão<br />

o que estaríamos a ver era uma<br />

deflação, o que seria péssimo nesta<br />

fase”, reforça o economista-chefe do<br />

Absa, que ‘aposta’ num dólar a valer<br />

73 até ao final do ano.<br />

É, de facto, esta a postura que tem sido<br />

assumida pelo Banco de Moçambique<br />

e que foi revelada no artigo anterior<br />

da E&M. O Banco de Moçambique não<br />

só adimite que não há grandes motivos<br />

para intervir como garante que<br />

está atento a reagir caso haja sinais de<br />

risco de uma inflação mais expressiva.<br />

Banco central deve manter-se ‘fora de jogo’<br />

Também Tiago Dionísio, economista-<br />

-chefe da Eaglestone Securities, presente<br />

no mercado moçambicano há<br />

vários anos, concorda que o Banco<br />

Central se mantenha, para já, ‘fora<br />

de jogo’. “É sempre mais desejável<br />

as autoridades deixarem o mercado<br />

funcionar livremente, sem terem<br />

de intervir”, afirma, acrescentando<br />

que “a depreciação do metical que se<br />

tem verificado ao longo do ano não<br />

exportações do País, colocando maior<br />

pressão sobre o desequilíbrio nas contas<br />

externas e, por conseguinte, no<br />

metical”, antecipa.<br />

Muitos dólares a caminho<br />

Entretanto, quando entrar em operação<br />

o projecto de gás da Total na bacia<br />

de Rovuma, Cabo Delgado – recorde-<br />

-se que a petrolífera francesa já assegurou<br />

o financiamento de mais de 16<br />

mil milhões de dólares para garantir<br />

o maior IDE de sempre em África –, a<br />

situação poderá mudar.<br />

“Podemos esperar uma apreciação do<br />

metical, tendo em conta que a existência<br />

de mais dólares na economia vai<br />

reduzir a pressão de liquidez em moeda<br />

estrangeira e nas reservas internacionais<br />

do País”, explica o economista-chefe<br />

da Eaglestone Securities.<br />

Bernardo Aparício concorda. “Para<br />

se alterar o quadro, terá de haver<br />

um aumento das exportações, que as<br />

grandes exportadoras, como a Vale,<br />

voltem a níveis de 2018/2019, e que o<br />

IDE retome. O avançar do projecto da<br />

Total vai de certeza contribuir para<br />

haver mais IDE e mais dólares na economia”,<br />

considera, concluindo que “teremos<br />

um metical a voltar para níveis<br />

de 60, ou um novo normal na ordem<br />

dos 70”.<br />

Francisco Ferreira dos Santos, administrador<br />

da JFS Holding, presente na<br />

agricultura, agro-indústria, metalomecânica,<br />

automóvel, energia e imobiliário,<br />

lembra os erros cometidos<br />

“É sempre mais desejável as autoridades deixarem o mercado funcionar<br />

livremente, sem terem de intervir... a depreciação do metical que se tem<br />

verificado ao longo do ano não tem tido grande impacto na inflação”<br />

de 100 milhões de dólares, garantindo<br />

apenas 2,8 meses de importações.<br />

No ano seguinte, houve um aumento<br />

para 125 milhões de dólares, mas ainda<br />

assim apenas estavam garantidos<br />

três meses de importações. Hoje, estão<br />

em quase 270 milhões de dólares e<br />

asseguram 4,5 meses de importações.<br />

“Se o Banco Central quisesse manter<br />

administrativamente as taxas na<br />

ordem dos 60 [1 dólar=60 meticais] poderia<br />

fazê-lo, porque tem reservas<br />

para isso, mas está a deixar o mercado<br />

funcionar”, apoiando apenas as<br />

importações de combustíveis, explica<br />

Bernardo Aparício. A desvalorização<br />

da moeda sul-africana, reforça, tem<br />

tem tido grande impacto na inflação”.<br />

Em Julho, de acordo com dados do Banco<br />

Central, a inflação, em termos homólogos,<br />

foi de 2,8%, ligeiramente acima<br />

dos 2,69% de Junho, mas abaixo dos<br />

3% de Junho. Tiago Dionísio lembra<br />

que “a economia mundial enfrenta actualmente<br />

uma grave recessão, espera-se<br />

que a maioria dos países registe<br />

uma forte contração em <strong>2020</strong>. A economia<br />

moçambicana não deverá ser das<br />

mais atingidas em termos de impacto<br />

nas perspectivas de crescimento económico<br />

nos próximos tempos”.<br />

“Mesmo assim, não fica alheia aos efeitos<br />

que a actual recessão mundial venha<br />

a ter nos níveis de IDE ou nas<br />

no passado, no sentido de se manter o<br />

metical artificialmente elevado. Esta<br />

política, diz, por um lado, permitiu melhorar<br />

o poder de compra e a qualidade<br />

de vida nas cidades; mas, por outro,<br />

condenou o sector agrícola à impossibilidade<br />

de competir em termos<br />

de preço com as importações, incluindo<br />

de produtos básicos.<br />

A doença de que devemos ter medo<br />

“Durante estes anos, não houve uma<br />

preocupação agrária, ou estrutural, e<br />

a produção interna é praticamente incapaz<br />

de competir com as grandes importações<br />

em relação aos principais<br />

bens. Se a isto juntarmos uma políti-<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />

31


Nação<br />

A marcha do metical…<br />

1) … face ao USD dólar nos últimos dez anos…<br />

A moeda nacional está a desvalorizar para níveis historicamente baixos nos últimos<br />

dez anos face à moeda internacional de referência. Desde 2013, apenas em 2018<br />

valorizou e a queda até Agosto deste ano é a maior desde 2017<br />

USD/MZN e Variação MZN (em %)<br />

32,98<br />

29,06<br />

28,23<br />

29,91<br />

30,69<br />

38,28<br />

62,57<br />

63,61<br />

60,3<br />

62,55<br />

67,57<br />

2010<br />

13,4<br />

2011<br />

2,9<br />

2012<br />

-5,6<br />

2013<br />

-2,5<br />

2014<br />

-19,8<br />

2015<br />

-38,8<br />

2016<br />

-1,6<br />

2017<br />

5,4<br />

2018<br />

-3,5<br />

2019<br />

-7,4<br />

<strong>2020</strong> (1)<br />

2) … e face ao rand<br />

Nos últimos anos, o metical tem perdido valor face à moeda sul-africana, fonte de boa<br />

parte das importações. Mas, dada a queda do próprio rand, os danos são ‘contidos’<br />

ZAR/MZN e Variação MZN (em %)<br />

4,53<br />

4,04<br />

3,44<br />

3,11<br />

2,83<br />

2,99<br />

4,31<br />

4,78<br />

4,59<br />

4,33<br />

4,06<br />

-10,8<br />

-14,8<br />

-9,5<br />

-9<br />

5,6<br />

44,1<br />

10,9<br />

-3,9<br />

-5,6<br />

6,6<br />

2010<br />

2011<br />

2012<br />

2013<br />

2014<br />

2015<br />

2016<br />

2017<br />

2018<br />

2019<br />

<strong>2020</strong> (1)<br />

3) Neste ano, o metical cai desde Fevereiro face ao dólar…<br />

O metical começou o ano em alta a ganhar 0,7% em Janeiro, por comparação com<br />

Dezembro do ano passado. Desde então, todos os meses o metical perde valor<br />

USD/MZN e Variação MZN (em %)<br />

63,15<br />

Dez<br />

2019<br />

4)… e também em relação à moeda sul-africana<br />

Desde Janeiro, o metical acumula um ganho de 6,5% face ao rand, que tem sido<br />

‘castigado’ igualmente face ao dólar. A maior subida ocorreu em Abril<br />

ZAR/MZN e Variação MZN (em %)<br />

4,37<br />

Dez<br />

2019<br />

62,65<br />

0,7<br />

Jan<br />

4,35<br />

0,4<br />

Jan<br />

64,58<br />

-2,9<br />

Fev<br />

4,3<br />

1,1<br />

Fev<br />

66,06<br />

-2,2<br />

Mar<br />

3,98<br />

8<br />

Mar<br />

67,31<br />

-1,8<br />

Abr<br />

3,63<br />

9,6<br />

Abr<br />

68,53<br />

-1,7<br />

Mai<br />

3,79<br />

-4,2<br />

Mai<br />

69,73<br />

-1,7<br />

Jun<br />

4,08<br />

-7,1<br />

Jun<br />

70,46<br />

-1<br />

Jul<br />

4,2<br />

-2,8<br />

Jul<br />

71,24<br />

-1<br />

Ago<br />

4,14<br />

1,4<br />

Ago<br />

fonte Banco de Moçambique<br />

ca aduaneira permissiva, temos que a<br />

produção interna é um desastre”, alerta<br />

o gestor, que também recorda que a<br />

desvalorização que se seguiu à crise<br />

das dívidas ocultas foi “muito abrupta”.<br />

Para a exportação, defende, a desvalorização<br />

foi “absolutamente essencial,<br />

dado que estávamos a níveis em que a<br />

pouca produção interna que havia estava<br />

já a ter dificuldades em competir”.<br />

“Para o negócio da importação, há sectores<br />

de actividade mais sensíveis – os da<br />

base da pirâmide – do que outros a essa<br />

questão (da desvalorização). No caso dos<br />

veículos automóveis, por exemplo, não<br />

notamos grandes alterações quando<br />

há desvalorização da moeda nacional:<br />

quem tem dinheiro continua a tê-lo”,<br />

explica Francisco Ferreira dos Santos.<br />

Nesta fase, adianta o responsável, “se<br />

fosse primeiro-ministro ou governador<br />

do Banco Central, a preocupação<br />

seria sempre procurar um câmbio<br />

que não estivesse muito valorizado<br />

nem que fosse a única ferramenta<br />

de controlo da inflação”.<br />

O metical, reforça o gestor, “não pode<br />

estar muito valorizado e devemos<br />

ter uma política de estabilidade, a<br />

32<br />

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O metical<br />

reservas internacionais<br />

Em Julho, as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) serviam para 4,5 meses<br />

de importações. Apesar de ter conforto e margem de intervenção monetária<br />

cambial, o Banco Central tem optado por manter o mercado a funcionar,<br />

dado que a inflação está contida<br />

Meses de importação e milhões USD<br />

5,5<br />

3,9<br />

2,8<br />

3,1 3,2<br />

2,8<br />

3<br />

4,2<br />

3,5<br />

180,7 174,9<br />

4,7 4,5<br />

225,7<br />

268<br />

62,4 61,1<br />

77,5<br />

90,1<br />

96,8 100,7<br />

125,4<br />

Dez.<br />

2010<br />

Dez.<br />

2011<br />

Dez.<br />

2012<br />

Dez.<br />

2013<br />

Dez.<br />

2014<br />

Dez.<br />

2015<br />

Dez.<br />

2016<br />

Dez.<br />

2017<br />

Dez.<br />

2018<br />

Dez.<br />

2019<br />

Jul.<br />

<strong>2020</strong><br />

fonte Banco de Moçambique<br />

“Se os dirigentes mantiverem uma política muito virada para o consumo<br />

e para as cidades, corremos o risco de acharem que o que importa é<br />

termos bom poder de compra e que o que está no campo não interessa<br />

incerteza é negativa, assusta o negócio<br />

e surgem movimentos especulativos”.<br />

“Deixar que haja uma valorização<br />

muito grande da moeda interna é muito<br />

perigoso, porque traz um aparente<br />

desenvolvimento, bem-estar e poder<br />

de compra nas cidades, mas à custa<br />

dos 70% que estão no campo e que têm<br />

de ver na agricultura uma actividade<br />

sexy e que seja alternativa de vida”,<br />

reitera, concluindo que “com uma moeda<br />

muito forte vai ser sempre mais<br />

barato importar do que fazer dentro”.<br />

Por isso, avisa, devemos ter os pés bem<br />

assentes na terra quando começarem<br />

a entrar os dólares da venda de gás<br />

natural cujos projectos já estão a ter<br />

lugar na Bacia do Rovuma, e não permitir<br />

que se instale de vez a chamada<br />

doença holandesa (ocorre quando a<br />

exportação de matérias-primas prejudica<br />

a industrialização de um país<br />

por falta de investimento neste sector,<br />

por oposição ao aumento das importações).<br />

“Continuo a achar que a médio/longo<br />

prazo a grande questão é<br />

a doença holandesa e não tanto estas<br />

desvalorizações cambiais que o metical<br />

vai experimentado. Vamos ter<br />

uma enchente de dólares (com o gás<br />

natural) e, se não se alterar a mentalidade<br />

de muitos governantes, não<br />

vamos resolver o problema”, alerta.<br />

A questão, explica, é que “se os dirigentes<br />

mantiverem uma política<br />

muito virada para o consumo e para<br />

as cidades, corremos o risco de acharem<br />

que o que importa é termos um<br />

bom poder de compra e que o que<br />

está no campo não interessa muito”.<br />

Longe da ‘tragédia’ do kwanza<br />

Noutros países, a queda da moeda<br />

tem sido maior. O caso de Angola será<br />

o mais emblemático a este respeito,<br />

onde a moeda nacional, o kwanza,<br />

acumula perdas face ao dólar desde<br />

2014/2015 e, só este ano, já perdeu 30% até<br />

Junho. As causas, contudo, são diferentes.<br />

O problema começou em 2014/2015,<br />

com a perda de bancos correspondentes<br />

norte-americanos, primeiro, e europeus,<br />

depois, por incumprimento sistemático<br />

das normas de controlo de branqueamento<br />

de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo, e devido à elevada presença<br />

de pessoas politicamente expostas<br />

nas instituições bancárias.<br />

A queda do preço do petróleo, somada<br />

à redução da produção por falta de investimento<br />

no sector, e as intervenções<br />

do Banco Nacional de Angola fizeram o<br />

resto: em 2013/2014, um dólar correspondia<br />

a cerca de 100 kwanzas. Hoje,<br />

numa altura em que o banco central já<br />

pouco intervém na fixação do câmbio,<br />

vale cerca de 630 kwanzas.<br />

Num país onde a inflação teima em se<br />

manter na casa dos dois dígitos, dada a<br />

quase total dependência das importações<br />

para quase todos os bens e serviços<br />

que se consome, o resultado da depreciação<br />

tem sido a degradação permanente<br />

e sem fim à vista do poder<br />

de compra.<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />

33


Nação<br />

“obsessão pela inflação a um dígito<br />

está a prejudicar a economia”<br />

Luís Magaço<br />

Economista e CEO da Mozambique Capital & Consulting<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva:<br />

p<br />

ara um esclarecimento<br />

mais preciso sobre os factores-chave,<br />

características<br />

e impactos das oscilações<br />

cambiais em Moçambique,<br />

bem como as fórmulas para<br />

contornar os desequilíbrios daí<br />

resultantes, a E&M ouviu o economista<br />

Luís Magaço, uma das vozes com<br />

conhecimento profundo sobre o assunto,<br />

dada a estreita ligação profissional<br />

com o sector financeiro no seu palmarés.<br />

É director da Cowi Moçambique,<br />

uma firma internacional dinamarquesa<br />

de consultoria com mais de 50<br />

consultores nacionais e internacionais,<br />

que oferece uma combinação<br />

de conhecimentos especializados no<br />

país e conhecimentos internacionais<br />

nos campos da economia, gestão,<br />

planeamento e ambiente; é CEO da<br />

Mozambique Capital & Consulting<br />

(MzC&C), uma linha de negócios da holding<br />

Moçambique Capitais S.A., criada<br />

em 2016 para a prestação de serviços<br />

de consultoria nas áreas financeira, de<br />

sistemas de informação e em gestão<br />

de programas; é presidente do Conselho<br />

Fiscal da MCNET; é presidente da<br />

Mesa da Assembleia Geral do Instituto<br />

de Directores; é também presidente<br />

do Pelouro da Política Financeira da<br />

CTA; e conselheiro da Agenda 2025.<br />

Sobre a preservação do valor do<br />

metical, tema desta entrevista, Luís<br />

Magaço faz uma intervenção, em jeito<br />

de crítica, direccionada a duas instituições:<br />

o Banco Central e o Ministério<br />

da <strong>Economia</strong> e Finanças. De um modo<br />

geral, aponta como um dos pecados<br />

do Banco de Moçambique o facto de<br />

“gabar-se” de aumentar as Reservas<br />

Internacionais Líquidas, mas que estão<br />

todas lá fora a servirem de elemento<br />

para o desenvolvimento de outros países.<br />

Considera que, ao invés disso, seria<br />

importante que se enviasse ao País<br />

uma parte deste valor para suprir<br />

as necessidades internas de estímulo<br />

à produtividade. Conclui que, a longo<br />

prazo, a política restritiva do Banco de<br />

Moçambique desfavorece a produtividade<br />

e, em último plano, o crescimento.<br />

Quanto ao Ministério da <strong>Economia</strong>, Magaço<br />

aponta que este deveria cobrir a<br />

ineficácia da política do Banco Central<br />

através de políticas de estímulo à economia,<br />

o que não está a acontecer.<br />

A oscilação cambial de uma moeda<br />

sempre impacta no comércio externo<br />

como penalizadora das importações,<br />

que ficam mais caras, e<br />

34<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


Entrevista<br />

impacto através da concentração de<br />

poucos sectores captadores de divisas<br />

como a energia eléctrica, gás, carvão.<br />

Mas sucede que, quando um país<br />

tem as suas fontes de exportação concentradas<br />

num só sector, neste caso o<br />

energético, torna o resto da economia<br />

ineficiente. Isto é, quando o País ganha<br />

robustez cambial que não é acompanhada<br />

pela capacidade produtiva, os<br />

outros sectores sofrem as consequências,<br />

porque os poucos sectores exportadores<br />

é que vão determinar as perdas<br />

ou os ganhos de toda a economia<br />

quando se verifica a oscilação cambial.<br />

Mesmo na sequência dessa colocação,<br />

é suposto que a desvalorização<br />

do metical estimule as exportações.<br />

Sente que isto está a acontecer? Faço<br />

esta pergunta porque além de o<br />

país ter uma fraca matriz de produção<br />

e de exportação, estamos<br />

num momento em que o comércio<br />

não flui por causa da pandemia…<br />

Os sectores tradicionais de exportação,<br />

como o açúcar, citrinos, tabaco,<br />

algodão e todos os produtos agrícolas<br />

de rendimento ganham muito<br />

com a situação actual de desvalorização<br />

da moeda nacional. Também ganham<br />

sectores como o dos serviços,<br />

a inflação, a taxa de câmbio e as taxas<br />

de juro. Normalmente, dependendo<br />

do estágio da economia, o Banco<br />

Central vai priorizando uma das<br />

três variáveis. Mas, no nosso caso,<br />

nos últimos anos, das três variáveis<br />

o Banco Central elegeu a inflação como<br />

principal pivot. A ideia é estabilizar<br />

a inflação para garantir a capacidade<br />

de consumo mínimo das populações.<br />

Agora, quando se selecciona uma<br />

das variáveis, há sempre o problema<br />

de ter a obrigação de mexer noutras<br />

para estabilizá-las. Então, acontece<br />

que a priorização da estabilidade<br />

inflacionária a um dígito por parte<br />

do Banco Central tem sacrificado<br />

muito os sectores económicos do País.<br />

De que maneira? Quais são os desajustamentos,<br />

se assim podemos chamar,<br />

que resultam desta política do<br />

regulador?<br />

Por exemplo, para conseguir manter<br />

a inflação a um dígito, o Banco de Moçambique<br />

está a operar sobre as taxas<br />

de juro de referência – as taxas directoras<br />

– que funcionam no sentido da<br />

secagem (redução) ou da alimentação<br />

(aumento) da disponibilidade de moeda<br />

no mercado. Ou seja, o Banco Central<br />

tem uma percepção (da qual até<br />

“O que temos assistido, infelizmente, é que o Banco Central tem<br />

políticas muito restritivas, muito inflexíveis, muito penalizadoras<br />

à produção. Mas também precisamos de uma política fiscal que<br />

venha do Ministério da <strong>Economia</strong> com incentivos à produção”.<br />

incentivadora de exportações, que<br />

se tornam mais acessíveis. Do lado<br />

das importações, quais são os sectores<br />

que mais sofreram e que poderão<br />

ainda sofrer estes impactos?<br />

Um país que produz tem maior capacidade<br />

de abastecer o mercado local<br />

em bens e serviços, o que implica que<br />

precisa menos de importar e que consegue<br />

exportar. É um país com uma<br />

economia sólida, com saldo positivo de<br />

transacções comerciais. Moçambique,<br />

infelizmente, é um país com a balança<br />

comercial tradicionalmente negativa,<br />

cuja diferença entre as importações<br />

e exportações é geralmente coberta<br />

por fundos de doadores, agências<br />

de desenvolvimento, etc. Sempre<br />

foi assim, desde a era colonial. Portanto,<br />

o que há de bom nisto é que temos<br />

uma produção interna com algum<br />

os que vendem, por exemplo, as passagens<br />

aéreas em divisas, as consultorias<br />

feitas fora, etc. É verdade que,<br />

no fim do dia, os preços podem vir a<br />

estabilizar quando ocorrer, em determinado<br />

momento, o aumento dos preços<br />

internos até ao nível dos benefícios<br />

que se obtêm da desvalorização<br />

cambial. Mas, de um modo geral,<br />

todos estes sectores estão a ganhar.<br />

Temos estado a olhar para as metas<br />

de inflação prevista para este ano<br />

como sendo baixa e estável. Acredita<br />

que tal meta seja alcançável perante<br />

a acentuada desvalorização<br />

que o metical está a experimentar?<br />

O Banco Central que é a autoridade<br />

monetária, feliz ou infelizmente, tem<br />

uma abordagem em torno de três<br />

grandes variáveis, nomeadamente<br />

hoje não temos informação detalhada)<br />

de que o mercado tem excesso de liquidez,<br />

o que gera inflação. E para secar<br />

esta inflação é preciso que a autoridade<br />

retire moeda do sistema financeiro.<br />

Como? Fá-lo através da contracção do<br />

crédito. Também o faz através da secagem<br />

da própria liquidez por meio<br />

da política de reservas obrigatórias<br />

e das taxas de juro. Quanto às reservas<br />

obrigatórias, o Banco de Moçambique<br />

simplesmente vai aos bancos retirar<br />

o excesso de liquidez e, uma vez<br />

com menos recursos, estes passam a<br />

realizar empréstimos a taxas de juro<br />

mais altas. Assim, a política monetária<br />

do Banco Central, infelizmente,<br />

não estimula a produção. Estimula o<br />

corte da circulação da moeda, que tem<br />

um impacto inverso na produção. Ou<br />

seja, passa a haver menos produção<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />

35


Nação<br />

“É melhor ter uma inflação regulada, mas que represente o ‘espelho’<br />

da economia, do que uma inflação que resulte de cortes que se fazem<br />

administrativamente pelo Banco Central ao sistema financeiro”<br />

porque há menos dinheiro e porque<br />

este está mais caro. Portanto, a fórmula<br />

do Banco Central pode funcionar<br />

bem a curto prazo, mas não a longo<br />

prazo numa economia em contracção.<br />

A obsessão pela taxa de inflação a um<br />

dígito está a prejudicar esta economia.<br />

Quais seriam os diferentes modelos<br />

de política que poderiam ser aplicados<br />

para lidar com este dilema sem<br />

causar, digamos, feitos colaterais?<br />

O que temos assistido, infelizmente, é<br />

que o Banco Central tem políticas muito<br />

restritivas, muito inflexíveis, muito<br />

penalizadoras para a produção. Mas<br />

também precisamos de uma política<br />

fiscal que venha do Ministério da <strong>Economia</strong><br />

e não das Finanças (enfatizou,<br />

lembrando que, actualmente, “<strong>Economia</strong>”<br />

e “Finanças” estão aglutinadas<br />

no mesmo ministério – o da <strong>Economia</strong><br />

e Finanças), com incentivos à produção.<br />

Isto é, se o Banco Central comprime<br />

a disponibilização do financiamento<br />

ao sector produtivo, o Ministério<br />

da <strong>Economia</strong>, através de uma política<br />

económica e fiscal de estímulo,<br />

pode alimentar o mercado com recursos<br />

que permitam que o sector<br />

produtivo tenha procura e possa ter<br />

produção, mais emprego, mais rendimentos<br />

para as famílias e para as empresas<br />

e, em último plano, haja crescimento<br />

real da economia que, no ciclo,<br />

possa contrapor os efeitos do controlo<br />

da inflação. Por exemplo, o Millennium<br />

Challenge Corporation (MCC) –<br />

agência norte-americana de apoio ao<br />

desenvolvimento externo, que disponibiliza<br />

fundos através do Millennium<br />

Challenge Account (MCA) a vários países,<br />

incluindo Moçambique – é o caminho<br />

menos nocivo enquanto mecanismo<br />

de deflação importada, por tratar-<br />

-se de uma injecção de divisas no sistema<br />

financeiro para apoiar sectores<br />

muito concretos, que vão depois demandar<br />

produtos e serviços, e aumentar<br />

o emprego, a produção, as infra-estruturas,<br />

e a capacidade de ampliar<br />

as exportações.<br />

Esta seria uma abordagem complementar<br />

às medidas do Banco Central.<br />

E quanto ao próprio regulador,<br />

que caminhos deveria tomar para<br />

minorar as fragilidades ao nível<br />

da inflação e das taxas de câmbio?<br />

Por exemplo, não entendo como um<br />

país com as características deste tecido<br />

produtivo continua a insistir numa<br />

política do controlo de inflação. Obviamente<br />

que ninguém quer uma inflação<br />

descontrolada, mas uma inflação<br />

controlada aumenta dinheiro para os<br />

exportadores, estimula a produção e<br />

funciona como um mecanismo que dinamiza<br />

a economia. A longo prazo, aumenta<br />

o rendimento e, se assim é vai<br />

aumentar o poder de compra das famílias.<br />

A minha sugestão, como economista,<br />

é que uma economia como a<br />

nossa, que não é estável nem altamente<br />

produtiva, não deve ter uma inflação<br />

estática, inflexível porque não ajuda<br />

a termos mais estímulo à exportação<br />

e aos investimentos. É melhor ter<br />

uma inflação regulada, mas que represente<br />

o “espelho” da economia, do<br />

que uma inflação que resulte de cortes<br />

que se fazem administrativamente<br />

pelo Banco Central ao sistema financeiro.<br />

Mas a culpa é do Ministério<br />

da <strong>Economia</strong> que não faz nada. O Banco<br />

Central até faz. Mas o Ministério da<br />

<strong>Economia</strong> não tem um programa de<br />

estímulo ou um programa de desenvolvimento<br />

em que diz: “o Banco Central<br />

está a limitar-nos, mas vamos nós<br />

reinventar-nos encontrando parceiros<br />

que apoiem a produção”. Esta produção<br />

aliviaria a carga do Banco Central<br />

criando hipóteses para ampliar<br />

postos de trabalho.<br />

Quais são os cenários que se esperam<br />

ao longo do presente ano em<br />

relação ao comportamento do metical,<br />

olhando para a prevalência do<br />

Covid-19 e o gradual alívio às medidas<br />

de prevenção?<br />

Acredito que a taxa de câmbio é capaz<br />

de atingir 75 meticais por dólar, porque,<br />

visualmente, não há uma resposta<br />

produtiva para fazer face à Covid-19.<br />

A partir de 2021, há muitos fenómenos<br />

que podem ocorrer e reverter esta situação<br />

de cariz monetário, mas para já,<br />

até ao fim deste ano, continuaremos a<br />

ter os mesmos pressupostos que a mineradora<br />

Vale tinha para lidar com esta<br />

situação (quando decidiu paralisar a<br />

produção por três meses para ajustar<br />

questões laborais internas, lembrando<br />

que esta empresa é responsável pela<br />

maior parte da produção de carvão,<br />

cujo peso nas exportações totais é largamente<br />

maior). Por outro lado, o Banco<br />

de Moçambique vai continuar a lutar<br />

com todas as armas possíveis para<br />

que a desvalorização não seja tão grave<br />

e, se necessário, vai colocar a moeda externa<br />

no sistema financeiro<br />

36<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


OPINIÃO<br />

“Suca” daqui, Maldição dos Recursos!<br />

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique<br />

neste artigo a expressão shangana “Suca” -<br />

significa “fora daqui”, e é utilizada para expulsar<br />

alguém ou para exprimir reprovação ou rejeição<br />

- vai ser instrumental para analisarmos o<br />

tema da “Maldição dos Recursos”, também<br />

conhecida por “Doença Holandesa”.<br />

Esta expressão foi utilizada pela primeira vez em 1977, num<br />

artigo do The Economist, para identificar os efeitos negativos<br />

na economia, resultantes da descoberta, pela Holanda,<br />

em 1959, de vastas reservas de petróleo no mar do norte.<br />

Apesar das designações “Maldição dos Recursos”, ou “Armadilha<br />

dos Recursos”, ou “Doença Holandesa” serem relativamente<br />

actuais, este fenómeno é tudo menos recente:<br />

a Espanha, com o ciclo do ouro das américas, no séc. XVI;<br />

Portugal com o ciclo do açúcar do Brasil no séc. XVII; A Austrália<br />

com o ciclo do ouro no séc. XIX são exemplos primevos<br />

do fenómeno que aqui nos traz a esta crónica. Vejamos,<br />

seguidamente:<br />

1) Em que consiste a “Maldição dos Recursos”?<br />

Essencialmente, a “Maldição dos Recursos” traduz-se no<br />

aumento repentino (Efeito “Boom”) das exportações de<br />

um recurso natural não renovável (adiante, Commodity).<br />

E a evidência deste fenómeno encontra-se no crescimento,<br />

repentino, na pauta de exportações do país em causa,<br />

de uma dada Commodity – v.g. seja ela o ouro; o açúcar;<br />

o petróleo; ou o gás natural.<br />

2) Quais são os efeitos da “Maldição dos Recursos”?<br />

São vários (isolámos 11!) e de diversa natureza e que abordaremos<br />

sequencialmente e por “ordem de entrada em<br />

cena”:<br />

a) Efeito de entrada de divisas: A consequência imediata<br />

da venda ao exterior da Commodity consiste no<br />

aumento repentino da entrada massiva de divisas no<br />

país exportador (quer por via de Investimento Directo<br />

Estrangeiro, quer por via de receita fiscal).<br />

b) Efeito de apreciação real da taxa de câmbio: A entrada<br />

massiva e repentina de divisas gera excesso de<br />

oferta de moeda estrangeira, e que tem como consequência<br />

a apreciação da moeda (normalmente face ao<br />

dólar) do país exportador da Commodity.<br />

c) Efeito de diminuição das exportações do sector secundário:<br />

A consequência directa da apreciação da<br />

moeda do país exportador da Commodity consiste no<br />

aumento dos preços dos produtos exportados pelo sector<br />

secundário desse país, que assim perde competitividade.<br />

A evidência encontra-se na diminuição, na<br />

pauta de exportação, de produtos industriais do país<br />

exportador da Commodity.<br />

d) Efeito de gasto: Igualmente, a consequência directa da<br />

apreciação da moeda do país exportador da Commodity<br />

consiste no aumento das importações. A evidência<br />

encontra-se na diminuição dos preços dos produtos<br />

importados.<br />

e) Efeito de desindustrialização (“Lagging sectors”): A<br />

braços com a perda progressiva de competitividade,<br />

por via do preço, quer do lado das exportações (cujos<br />

produtos ficaram mais caros), quer das importações<br />

(cujos produtos ficaram mais baratos) assiste-se ao<br />

desaparecimento progressivo das indústrias de bens<br />

transaccionáveis. E a evidência encontra-se na redução<br />

do peso da indústria produtora de bens transaccionáveis,<br />

e bem assim da agricultura no PIB, em detrimento<br />

do aumento do peso do sector da extracção,<br />

produção e exportação da Commodity.<br />

f) Efeito de perda de diversificação da economia “Spill<br />

overs Loss”: Em consequência da desindustrialização,<br />

assiste-se a uma concentração da actividade económica<br />

em torno da extracção, transformação e exportação<br />

da Commodity. A evidência desta fase encontra-se<br />

no aumento de encerramento de unidades fabris, e do<br />

pedido de falências e insolvências; na diminuição do<br />

registo de marcas e patentes; na diminuição do investimento<br />

em ciência e inovação.<br />

g) Efeito de dupla deslocação de recursos (“Crowding-<br />

-Out”): Em consequência da falta de atractividade das<br />

restantes indústrias e da agricultura, assiste-se a um<br />

duplo deslocamento de recursos: da mão-de-obra, agora<br />

atraída por condições e salários mais competitivos<br />

do sector da Commodity, por um lado. E por outro, a alta<br />

rentabilidade do sector da Commodity faz deslocar o capital<br />

para fora da indústria de bens transaccionáveis<br />

e da agricultura, e em direcção à Commodity. A evidência<br />

deste efeito encontra-se na diminuição do investimento<br />

interno e internacional na produção de bens<br />

Com a perda progressiva de competitividade, por via do preço, do lado das impirtações e das<br />

exportações, assiste-se ao desaparecimento progressivo das indústrias de bens transaccionáveis<br />

38<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


transaccionáveis e na agricultura e, bem assim, na<br />

diminuição do volume de emprego nessas indústrias.<br />

h) Inflação: O aumento generalizado dos salários gera<br />

uma pressão na procura de bens e serviços que o<br />

mercado interno (a Oferta) deixou de ser capaz de<br />

produzir.<br />

i) Efeito de enclave: Da combinação cruzada dos efeito<br />

referidos anteriormente resulta uma economia que<br />

passa a girar apenas em torno da extracção, transformação<br />

e exportação da Commodity, por conta da apreciação<br />

cambial. A evidência deste efeito encontra-se<br />

em diversos países como Angola, Nigéria, Colômbia,<br />

entre outros, onde mais de 95% do PIB assenta na exportação<br />

de Commodities.<br />

Mas a “Maldição dos Recursos” não traz apenas impactos<br />

económicos negativos. Outras classes de efeitos têm sido<br />

registadas em países que não souberam evitar a “Armadilha<br />

dos Recursos”, designadamente:<br />

j) Efeito de “Petro-agressão” (“Resources-war”): São<br />

sobejamente conhecidas não apenas as agressões a<br />

países (e.g. Invasão do Kawait), como o surgimento de<br />

movimentos terroristas/insurgentes nas áreas de extracção<br />

e transformação das Commodities.<br />

k) Efeito anti-democracia e violação dos direitos do<br />

Homem: Têm sido registadas violações dos direitos<br />

humanos, aumento das desigualdades sociais, aumento<br />

da corrupção e da criminalidade, e o reforço do autoritarismo<br />

de Estado num grande número de países nos<br />

quais ocorreram descobertas massivas de recursos<br />

naturais não renováveis.<br />

3) E que medidas podemos elencar e que têm sido tomadas<br />

pelo mundo fora para mitigar os impactos negativos da<br />

“Maldição dos Recursos”?<br />

a) Ao nível da economia global é possível observar uma<br />

correlação positiva entre o preço das Commodities<br />

e a intensidade da “Maldição dos Recursos”: Assim,<br />

quanto mais alto for o preço da Commodity nos mercados<br />

internacionais, mais intensos são os efeitos da “Armadilha<br />

dos Recursos”. No actual contexto pandémico<br />

e consequente diminuição generalizada do preço é expectável<br />

que, nos próximos anos, possamos contar com<br />

uma redução generalizada da intensidade dos efeitos<br />

da “Maldição dos Recursos” por esta via, a qual beneficia,<br />

de igual modo, todas as economias.<br />

b) Desvalorização da moeda: Esta medida, por atacar<br />

o coração da “Maldição dos Recursos” (i.e. a apreciação<br />

real da taxa de câmbio) tem gerado efeitos bastante<br />

positivos no seu combate, mas a sua utilização tem sido<br />

cada vez mais limitada no âmbito dos acordos de integração<br />

em zonas económicas, e pela OMC (Organização<br />

Mundial do Comércio), no sentido de combater as medidas<br />

de natureza proteccionista.<br />

c) Estímulos económicos e tarifas aduaneiras de protecção<br />

às industrias de bens transaccionáveis: Este<br />

tem sido o caminho mais trilhado de combate à “Maldição<br />

dos Recursos”, designadamente pelos países asiáticos<br />

(Malásia, Indonésia, Tailândia).<br />

d) Políticas activas de substituição de importações<br />

(“Conteúdo Local”): neste contexto, a generalização do<br />

uso de legislação promotora do uso do conteúdo local<br />

nos projectos associados à extracção, transformação<br />

e exportação de Commodities tem sido uma das armas<br />

mais frequentemente utilizadas no combate à “Doença<br />

Holandesa” (Gana; Nigéria).<br />

e) Criação de um Fundo Soberano: a experiência Norueguesa<br />

é, a este propósito, um exemplo absoluto de<br />

aplicação eficiente e democrática da renda resultante<br />

da venda do petróleo do mar do norte no combate à<br />

“Maldição dos Recursos”.<br />

Em conclusão<br />

A descoberta massiva de recursos naturais não renováveis<br />

traz consigo, para além de efeitos positivos que neste<br />

artigo não abordámos, uma série de impactos negativos<br />

a que genericamente se atribui a designação de “Maldição<br />

dos Recursos” ou “Doença Holandesa”. As experiências<br />

ocorridas pelo mundo fora trazem-nos ensinamentos<br />

que devemos, no mínimo, ter conhecimento no sentido de<br />

evitar os efeitos da também apelidada “Armadilha dos<br />

Recursos”.<br />

Em face do que fica dito, e em matéria de tamanha complexidade,<br />

por certo não bastará um simples “Suca daqui”<br />

para fazer desaparecer, em Moçambique, os efeitos negativos<br />

(alguns deles já visíveis!) associados à exploração da<br />

Commodity Gás Natural.<br />

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39


<strong>Mercado</strong> e finanças<br />

Que País teremos<br />

até ao final do ano?<br />

A maior parte das metas orçamentais podem falhar e a condição social dos<br />

mais pobres pode transitar para... péssima. A E&M recorreu ao CIP para fazer as<br />

contas ao futuro, a partir do Relatório de Execução Orçamental do 1º semestre<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />

Que perspectivas o relatório<br />

de execução orçamental<br />

(reo) de janeiro<br />

a Junho dá em relação<br />

à execução do Orçamento<br />

do Estado até<br />

ao fim do ano, e o que esperar da proposta<br />

do Orçamento para 2021? É respondendo<br />

a esta questão, que se segue,<br />

neste artigo, uma espécie de antevisão<br />

do futuro imediato do ambiente socioeconómico<br />

do País pelo Centro de Integridade<br />

Pública (CIP), enquanto um<br />

dos integrantes de peso do Fórum de<br />

Monitoria do Orçamento (FMO). Nesta<br />

análise, a economista e pesquisadora<br />

do CIP, Celeste Banze, traz o pensamento<br />

de todo o FMO (composto por mais de<br />

20 membros) em que, olhando para o<br />

deteriorar das condições macroeconómicas,<br />

políticas e sociais do País – através<br />

de uma avaliação minuciosa do<br />

ritmo de arrecadação da receita, de<br />

execução da despesa e da dívida pública<br />

no primeiro semestre – traça um<br />

horizonte sombrio sobre o que se pode<br />

esperar até ao fim do presente ano.<br />

Mas também deixa recomendações<br />

oportunas que podem ajudar a contornar<br />

os males que constituem os principais<br />

desafios do País na actualidade.<br />

Meta de receitas será difícil<br />

A execução do OE de Janeiro a Junho<br />

de <strong>2020</strong> reporta uma mobilização de<br />

recursos equivalente a 50,5%, mas este<br />

desempenho não foi resultado da<br />

receita tributária que teve apenas<br />

uma execução de 46%, refere o CIP,<br />

prevendo que, para o segundo semestre<br />

de <strong>2020</strong>, a retoma gradual das actividades<br />

possa melhorar os níveis de<br />

arrecadação da receita tributária.<br />

Ainda assim, alerta, o alcance das metas<br />

de arrecadação vai exigir muito<br />

Assistência social ainda mais precária<br />

O maior peso dos 12,2 mil milhões de<br />

meticais aplicados nas transferências<br />

para as famílias foi para as pensões<br />

(8,9 mil milhões), montante que está associado<br />

ao aumento de 7000 efectivos<br />

dos pensionistas militares. “O REO não<br />

detalha os factores que ditaram esse<br />

aumento, mas muito provavelmente o<br />

fenómeno sinaliza o início de agravamento<br />

dos custos sociais associados aos<br />

conflitos”, pressupõe a economista.<br />

O facto é que, no contexto actual, esperava-se<br />

que os recursos gastos em assistência<br />

social à população tivessem<br />

níveis altos de realização da despesa,<br />

o que não aconteceu. No primeiro semestre<br />

foram gastos cerca de 2,2 mil<br />

milhões de meticais em assistência soesforço<br />

por parte da Autoridade Tributária,<br />

já que pode não contar com a<br />

“sorte” dos últimos anos, em que teve o<br />

reforço de uma receita não prevista –<br />

as mais-valias. O CIP lembra também<br />

que os grupos de impostos que merecem<br />

maior esforço, e estão em risco falharem<br />

as metas, incluem os impostos<br />

sobre rendimentos de pessoas colectivas,<br />

que até Junho tinham sido executados<br />

em 39,2%, os impostos sobre o comércio<br />

externo executados em 37,4%<br />

e os impostos sobre consumo específico<br />

de produção nacional e de produtos<br />

importados, cuja realização foi de apenas<br />

31,8% e 26,5%, respectivamente.<br />

Defesa pode demandar o dobro do que tem<br />

A realização da despesa do Estado<br />

foi equivalente a 41,1% do orçamento<br />

anual. O nível de execução da despesa<br />

de funcionamento alcançou o equivalente<br />

a 45% do orçamento anual, tendo<br />

o investimento atingido o correspondente<br />

a 23% do programado. Para<br />

o Fórum de Monitoria ao Orçamento,<br />

esta diferença revela a “manutenção<br />

do carácter despesista do orçamento<br />

com foco no consumo”.<br />

Até meio do ano, a despesa no sector<br />

da defesa, com um nível de execução<br />

de 95,5% das despesas alocadas, reflecte<br />

o fardo que os conflitos na zona<br />

Centro e instabilidade em Cabo Delgado<br />

têm para o orçamento público. Este<br />

nível de execução permite prever<br />

que se os conflitos perdurarem até ao<br />

final do ano, muito provavelmente os<br />

gastos na Defesa poderão atingir cerca<br />

de 200% do previsto, projecta a economista<br />

Celeste Banze. Ainda de acordo<br />

com a pesquisadora, a natureza do<br />

impacto dos conflitos leva a crer que<br />

os efeitos da instabilidade nas zonas<br />

Centro e Norte do País já trazem e tra-<br />

rão custos imensuráveis com impacto<br />

directo não só para homens, mulheres,<br />

crianças e idosos em situação de vulnerabilidade,<br />

mas também para os intervenientes<br />

directos incumbidos de<br />

defender a soberania do País – as Forças<br />

de Defesa e Segurança.<br />

40<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


contas públicas<br />

“A Proposta do Orçamento do Estado para 2021 deve trazer<br />

um balanço detalhado da execução dos recursos recebidos e<br />

gastos no âmbito da pandemia do COVID-19 no ano <strong>2020</strong><br />

cial, uma realização de 49,3%, cerca<br />

de 4,4 pontos percentuais a menos, se<br />

comparado com igual período do ano<br />

passado. “O estranho é que os gastos<br />

em assistência social no âmbito da CO-<br />

VID-19 foram colocados numa rubrica<br />

denominada ‘Demais Transferências<br />

a Famílias’, pouco clara, que sempre<br />

existiu e que não permite captar o nível<br />

de esforço do Governo para apoiar<br />

as famílias carenciadas afectadas pela<br />

pandemia. Esta rubrica, até ao meio do<br />

ano, realizou apenas 37,2% e se mantiver<br />

este ritmo pode terminar o ano<br />

sem executar o seu orçamento na totalidade”,<br />

avisou a representante do CIP.<br />

Pecados da emissão de Bilhetes de Tesouro<br />

Em relação à dívida interna, as amortizações<br />

das obrigações do tesouro destacam-se<br />

com um aumento de 287,1%<br />

em comparação com igual período do<br />

ano anterior. Esta subida exponencial<br />

confirma que o excessivo recurso a este<br />

mecanismo de financiamento do défice<br />

fiscal se revela muito oneroso para<br />

os cofres do Estado, porque as taxas<br />

de juro são relativamente altas e o período<br />

de maturidade é curto, comprometendo<br />

a capacidade do Estado de financiar<br />

despesas com impacto directo<br />

na vida da população.<br />

Alem disso, “o excessivo recurso à<br />

emissão de obrigações do tesouro tem<br />

sido uma alternativa não viável para<br />

suprir o défice de liquidez com correlação<br />

muito forte ao mecanismo de<br />

gestão com base em caixa. O problema<br />

é que o OE é planificado de forma politizada,<br />

sem oportunidade de a sociedade<br />

civil poder dar a sua opinião, o que<br />

faz com que a projecção das cifras orçamentais<br />

sejam números não realistas<br />

e a gestão com base em caixa não<br />

permite uma planificação orçamental<br />

consistente. Não permite, por exemplo,<br />

ver os atrasos nos desembolsos<br />

de fundos por parte do Tesouro, transtornando<br />

todo o processo de procurement<br />

e, consequentemente, a implementação<br />

de projectos”, lamenta o CIP.<br />

Em termos de encargos da dívida, o<br />

destaque vai para a amortização da<br />

dívida externa bilateral, que consumiu<br />

dos cofres do Estado cerca de 7,5<br />

mil milhões de meticais e pagamento<br />

de juros de 6,3 mil milhões de meticais.<br />

Neste montante, está incluído o pagamento<br />

dos juros da Dívida Soberana<br />

MOZAM 2023, no dia 15 de Março, avaliada<br />

em cerca de 22,5 milhões de dólares.<br />

De acordo com o plano de reestruturação,<br />

está previsto outro pagamento<br />

de juros no mesmo montante a 15 de<br />

<strong>Setembro</strong> corrente.<br />

Será necessário rectificar o OE<br />

Uma observação importante é que o<br />

tipo de informação que consta do REO<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />

41


O que o País conseguiu<br />

em receitas...<br />

No 1º semestre houve equilíbrio ao nível<br />

dos recursos mobilizados, que chegaram<br />

aos 50,5%, uma capacidade que pode<br />

ainda melhorar com a retoma gradual da<br />

actividade económica.<br />

Em mil milhões de meticais<br />

Recursos<br />

por mobilizar<br />

170,9<br />

... E onde foram<br />

alocadas?<br />

Muitos sectores não deverão cumprir as<br />

metas previstas, com destaque para a<br />

defesa que já gastou 95% do alocado.<br />

serviços públicos gerais<br />

defesa<br />

104<br />

41,3<br />

39,7<br />

10,6<br />

10,1<br />

95,5<br />

Quanto foi gasto?<br />

Despesa<br />

por realizar<br />

203,6<br />

174,5<br />

Recursos<br />

mobilizados<br />

O Estado realizou despesas equivalentes<br />

a 41,1% do orçamento anual. A principal<br />

chamada de atenção, neste aspecto,<br />

é para que haja maior transparência<br />

para voltar a merecer a confiança dos<br />

parceiros externos.<br />

Em mil milhões de meticais<br />

345,4<br />

mil milhões Mt<br />

345,4<br />

mil milhões<br />

141,8<br />

Despesa<br />

realizada<br />

segurança e ordem pública<br />

assuntos económicos<br />

protecção ambiental<br />

habitação e desenv. colectivo<br />

saúde<br />

recreação, cultura e religião<br />

educação<br />

segurança e acção social<br />

Orçamento anual<br />

Taxa de realização<br />

28,4<br />

14,5<br />

51<br />

74<br />

26,2<br />

35,4<br />

8,9<br />

0,47<br />

5,3<br />

10,4<br />

2,9<br />

28,4<br />

31,3<br />

12<br />

38,2<br />

1,5<br />

0,04<br />

38,7<br />

65,3<br />

30<br />

46<br />

10,7<br />

3,6<br />

33,7<br />

Realização Jan./Jun.<br />

FONTE Ministério da <strong>Economia</strong><br />

e Finanças<br />

Celeste Banze, economista e pesquisadora do CIP<br />

está intrinsecamente ligado ao Orçamento<br />

do Estado (OE) aprovado, ou seja,<br />

se este for omisso, o REO será igualmente<br />

omisso. Portanto, havendo alterações<br />

conjunturais (por exemplo, revisão<br />

do crescimento do PIB real, das<br />

exportações e/ou dos recursos do Estado,<br />

etc.) na proporção dos impactos<br />

causados pelo Covid-19, o ideal é submeter<br />

um orçamento rectificativo para<br />

que a execução reflicta, efectivamente,<br />

a informação enquadrada ao<br />

contexto actual.<br />

Há indicadores claros, em Moçambique,<br />

de que será mesmo necessário<br />

submeter o orçamento rectificativo,<br />

nomeadamente o facto de, no OE<br />

aprovado: se ter considerado um nível<br />

de crescimento do PIB de cerca<br />

de 2,2% e, actualmente, ter sido revisto<br />

para 0,8%; se ter considerado<br />

um nível de exportações de cerca de<br />

4,4 mil milhões de dólares, que, muito<br />

provavelmente, não se irá alcançar<br />

pelo facto destas não terem atingido,<br />

sequer, metade da meta prevista,<br />

ao se fixarem em apenas 1,2<br />

mil milhões de dólares; se ter considerado<br />

também um envelope de recursos<br />

e limite da despesa que agora<br />

mudou no contexto das acções para<br />

fazer face os desafios do Covid-19.<br />

“Se até ao final do ano não forem<br />

incorporadas as revisões conjuntu-<br />

42<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


contas públicas<br />

SERVIÇO da dívida<br />

também aumentOU<br />

O CIP chama atenção para a<br />

necessidade de o Estado rever<br />

as formas mais vantajosas de<br />

endividamento para não comprometer<br />

o investimento na provisão do bemestar<br />

das populações.<br />

Em mil milhões de meticais<br />

dívida externa<br />

dívida interna<br />

total<br />

6,4<br />

9,5<br />

4,7<br />

5,7<br />

11,1<br />

15,2<br />

1º Sem. 2019<br />

1º Sem.<strong>2020</strong><br />

“A assistência social no âmbito do Covid-19 foi colocada numa<br />

rubrica denominada ‘Demais Transferências a Famílias’,<br />

que não capta o esforço do Governo no apoio aos carenciados<br />

rais que afectam os rácios inicialmente<br />

previstos, através de um orçamento<br />

rectificativo, os documentos orçamentais<br />

não irão trazer informação<br />

suficientemente realista e aberta para<br />

que a sociedade capte o nível de esforço<br />

do Governo em acções para fazer<br />

face à Covid-19, o que é problemático<br />

num contexto que se exige maior<br />

transparência”, alerta o CIP.<br />

A instituição lamenta, igualmente, o<br />

facto de o Relatório de Execução Orçamental<br />

começar com uma explicação<br />

do desempenho que, no seu entender,<br />

enfatiza tudo menos o Covid-19. E<br />

exemplifica: “A execução do primeiro<br />

semestre foi influenciada negativamente<br />

pela seca que vem assolando<br />

a zona Sul desde o ano transacto, pela<br />

ocorrência de chuvas anormais em<br />

algumas províncias das regiões Centro<br />

e Norte do País, registadas no primeiro<br />

trimestre, tudo aliado à instabilidade<br />

militar nas Zonas Centro e Norte<br />

do País, afectando negativamente<br />

os sectores de actividades agro-pecuárias,<br />

infra-estruturas sociais e o<br />

comércio”, concluiu.<br />

Preservar a confiança dos parceiros externos<br />

A boa notícia extraída pelo CIP é que,<br />

“em relação ao financiamento do orçamento,<br />

destaca-se o desembolso do<br />

Apoio ao Orçamento no montante de<br />

20,7 mil milhões de meticais, referente<br />

aos 309 milhões de dólares do FMI. Nota-se<br />

que o nível de execução dos desembolsos<br />

do financiamento via Conta<br />

Única do Tesouro (CUT) se sobrepõe<br />

aos efectuados fora da CUT, com 56,8%<br />

e 43,2% respectivamente. Isto pode ser<br />

um indicador de que se pode estar a<br />

reverter o cenário de falta de confiança<br />

por parte dos parceiros movida pela<br />

necessidade de apoiar o País a fazer<br />

face à pandemia”. No entanto, esta<br />

vantagem pode ficar diluída se “este<br />

cenário não for acompanhado por um<br />

esforço do Governo em melhorar os níveis<br />

de transparência”.<br />

O que nos deve trazer a Proposta do OE 2021?<br />

O CIP sugere que o ideal é que este<br />

documento venha enriquecido pelo<br />

facto de o Cenário Fiscal de Médio<br />

Prazo 2021 a 2023 já ter sido produzido.<br />

Ou seja, já há bases sólidas para as<br />

projecções e de modo a garantir consistência<br />

entre os documentos. Por<br />

exemplo, nas tabelas que apresentam<br />

as classificações da despesa funcional,<br />

económica e administrativa sugere-se<br />

que se apresentem as projecções para,<br />

pelo menos os dois anos subsequentes<br />

cobertos pelo Cenário Fiscal de Médio<br />

Prazo, O mesmo serve para Receitas.<br />

As projecções para os anos subsequentes<br />

são úteis para dar credibilidade<br />

às projecções do Governo. Além disso,<br />

a Proposta do OE 2021 deve trazer<br />

um balanço detalhado da execução dos<br />

recursos recebidos e gastos no âmbito<br />

do Covid-19 no ano <strong>2020</strong>, bem como a<br />

justificação por detrás da definição dos<br />

limites de endividamento e emissão de<br />

garantias do Estado. Deve ainda mostrar<br />

as projecções da inflação, taxa de<br />

juro e crescimento do PIB real de forma<br />

mais informativa e acompanhada<br />

de uma fundamentação. Neste contexto,<br />

em vez de só reproduzir as projecções<br />

que estavam na Lei para o Orçamento<br />

do Estado para <strong>2020</strong>, dever-se-<br />

-ia usar as estimativas mais recentes.<br />

Por exemplo, o Governo, no dia 26 de<br />

Agosto de <strong>2020</strong>, reviu a taxa de crescimento<br />

real do PIB para 0,8%, em vez de<br />

2,2%. Esta nova taxa deve ser a base<br />

para as projecções de 2021 com informação<br />

detalhada sobre os pressupostos<br />

por detrás desta projecção.<br />

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43


OPINIÃO<br />

Sistema financeiro e exclusão social<br />

Francisco António Souto • Economista<br />

“ a<br />

realizar o seu papel devido à natureza<br />

comercialização agrícola, apesar de<br />

ser vital para o crescimento económico<br />

inclusivo do país, está impedida de<br />

e características do sistema financeiro<br />

que hoje existe em Moçambique”.<br />

Cito e retomo aqui a afirmação que fiz na conferência sobre<br />

comercialização e industrialização realizada dia 29 de<br />

Agosto em Nampula, para despertar um debate sobre políticas<br />

e medidas que tornem o sistema financeiro moçambicano<br />

um factor gerador de inclusão social e económica.<br />

As dinâmicas dos processos de comercialização agrícola<br />

oferecem-nos uma radiografia da deformação do sistema<br />

financeiro prevalecente em Moçambique. Esta radiografia<br />

alerta para a percepção de que o sistema financeiro<br />

está induzindo desigualdade, favorecendo a concentração<br />

de renda em operadores identificados como “corporate”.<br />

Um indicador da gravidade deste problema consiste no<br />

facto de 1cerca de 67% da população moçambicana viver<br />

nas zonas rurais, mas cerca de 54% desta população, produzir<br />

apenas para consumo, estando portanto numa economia<br />

de subsistência. Dos que vivem do cultivo, apenas<br />

2% são agricultores comerciais. Portanto, mais de metade<br />

da população rural não tem capacidade e/ou não tem motivação<br />

para produzir excedentes para vender de forma<br />

regular em quantidade e qualidade com o objectivo de<br />

realizar dinheiro e poder comprar outros bens essenciais<br />

à melhoria das suas condições de vida.<br />

Cerca de 1/3 das famílias moçambicanas vive do cultivo<br />

ou do que a natureza ao seu redor oferece. Esta população<br />

vive permanentemente vulnerável às muitas adversidiades<br />

da natureza.<br />

Porque é que esta situação prevalece 33 anos após abraçarmos<br />

os programas de ajustamento estrutural e terem<br />

sido adoptados os princípios e práticas de uma economia<br />

de mercado? Onde está e o que é economia de mercado nas<br />

zonas rurais de Moçambique?<br />

Uma das razões desta anomalia é a existência de um crescente<br />

desalinhamento entre:<br />

• por um lado, um sistema fincanceiro concentrado em<br />

instituições bancárias que, por sua vez, estão cada vez<br />

mais focadas no segmento designado por “corporate”;<br />

• por outro lado, temos um sistema de produção e comercialização<br />

onde a esmagadora maioria dos operadores<br />

– agricultores familiares, pequenos e médios comerciantes<br />

– não são corporate embora operem subordinados<br />

a regras de mercado impostas por corporações.<br />

Devido a este desalinhamento, o pouco financiamento bancário<br />

à comercialização concentra-se nas grandes empresas,<br />

cuja actividade está orientada para bens de exportação.<br />

Mas não se espere que a banca comercial satisfaça a<br />

procura de crédito por parte de novos pequenos negócios<br />

com garantias frágeis. A banca comercial está cada vez<br />

mais obrigada a seguir regras que decorrem dos acordos<br />

de Basileia 2 e 3 que têm os seus pressupostos em economias<br />

desenvolvidas com sistemas financeiros formais profusamente<br />

instalados. Estas regras amarram as instituições financeiras<br />

formais ao cumprimento de uma matriz de gestão<br />

prudencial focada em objectivos estritos de políticas<br />

monetárias que não incorporam objectivos de inclusão social<br />

e económica específicos de sociedades ainda eminentemente<br />

informais. Em Moçambique, menos de 9% dos adultos<br />

têm uma ocupação profissional ligada ao sector formal.<br />

Assim, há algum crédito bancário às grandes empresas ligadas<br />

à produção e/ou comercialização de açúcar, tabaco,<br />

algodão, cajú, madeiras, feijão boer; mas é absolutamente<br />

insuficiente o financiamento para os milhares de pequenos<br />

comerciantes e pequenas industrias que compram aos<br />

cerca de 3 milhões de agricultores familiares a sua produção<br />

de milho, mapira, mandioca, amendoim, tomate, batata,<br />

feijão nhemba...<br />

Quem exporta, tem divisas, e isso é negócio que interessa<br />

à banca comercial e ao gestor das reservas para importações.<br />

Quem não exporta só tem acesso a crédito bancário<br />

se tiver “boas famílias” e um bom histórico no banco,<br />

além de garantias reais e/ou financeiras acima de 100%<br />

do montante do crédito.<br />

Além disso, nos últimos anos, até mesmo algumas empresas<br />

que investiram na agro-industria, incentivando a<br />

produção para exportação, não escapam à agressividade<br />

de operadores piratas ao serviço de interesses financeiros<br />

estrangeiros. As campanhas de compra de caju aos<br />

camponeses são um bom exemplo de como a comercialização<br />

desregulada pode ser um meio de lavagem de<br />

Onde está a economia de mercado? Uma das razões da assincronia a que se assiste é a existência<br />

de um sistema financeiro focado no corporate e um sistema produtivo familiar, que não o é<br />

44<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>


Canais digitais estão a chegar onde a banca não conseguiu nos últimos anos<br />

dinheiro e, muito provavelmente, também um meio de<br />

exportação ilegal de capitais. E, contudo, as medidas de<br />

política monetária restritivas e, algum excesso de zelo<br />

burocrático-administrativo relativamente aos operadores<br />

formais de microfinanças, têm alargado o campo<br />

de manobra de um sector informal que opera impunemente<br />

e em concorrência com os que se submetem aos<br />

procedimentos de um regulador zeloso em fazer cumprir<br />

os normativos de uma matriz tipo “one size fits all”.<br />

O estudo-avaliação do FinScope recentemente publicado,<br />

focado nos cerca de 14,2 milhões de habitantes adultos que<br />

hoje somos em Moçambique, mostra-nos que, entre 2014 e<br />

2019, a população completamente excluida de serviços financeiros<br />

reduziu de 60% para 46%. Isso é um avanço que<br />

importa referir.<br />

Porém, nesses mesmos cinco anos, e apesar dos esforços<br />

de programas como a bancarização – 1 distrito 1 banco – a<br />

percentagem de adultos com conta bancária, apenas subiu<br />

1%, passando de 20% para 21%. Neste período, quem de<br />

facto fez crescer a inclusão financeira foi o sector informal,<br />

que subiu de 27% para 32%, bem como os serviços de mobile<br />

money que cresceram bastante, passando de 10% para 41%.<br />

É duvidoso que o crescimento da inclusão financeira por<br />

estas vias altere o dificil acesso dos comerciantes rurais<br />

e das pequenas indústrias ao capital necessário para melhorar<br />

as suas capacidades de armazenagem, compra e<br />

transporte de insumos interagindo com os cerca de 3 milhões<br />

de agricultores familiares. Os operadores de mobile<br />

money não dão crédito, apenas agilizam transações. Os informais,<br />

que também cresceram, não fazem crédito com<br />

ética, fazem agiotagem ou lavagem de dinheiro.<br />

Esta é uma radiografia que recomenda uma cuidadosa reflexão<br />

porque está em preparação nova legislação sobre<br />

o sistema financeiro. As legislações de 1989 emendada em<br />

2004 foram uma primeira geração de reformas do quadro<br />

legal do sistema financeiro. Em ambas o foco foi desestatizar<br />

o sistema financeiro e demarcar o território legal da banca<br />

comercial privada. Tem sido assim por qause toda a África.<br />

Mas, também por quase toda a África subsahariana aprofunda-se<br />

o debate sobre o nexus entre desenvolvimento<br />

dos sistemas financeiros e o agravmento das desigualdades<br />

sociais. Estudos produzidos por vários académicos chamam<br />

a atenção para a necessidade de uma diversificação<br />

dos canais de oferta de serviços e de produtos financeiros<br />

capazes de responder à procura dos diferentes segmentos.<br />

Hoje, em Moçambique, estão em operação 19 bancos comerciais<br />

que realizam mais de 99% da actividade financeira.<br />

Em países desenvolvidos com sistemas financeiros consolidados<br />

é muito mais relevante o papel das sociedades financeiras<br />

de desenvolvimento; das cooperativas de crédito;<br />

dos sistemas de mutualismo e outros. Hoje, em Moçambique,<br />

estes canais alternativos são praticamente inexistentes.<br />

Temos de nos interrogar sobre o porquê deste cenário.<br />

Esses estudos observam que sistemas excessivamente dependentes<br />

de bancos comerciais favorecem as camadas<br />

sociais e operadores comerciais de rendimento mais alto.<br />

Sendo estes os mais capazes de poupar e aceder a instituições<br />

altamente formais, são também apenas os mesmos<br />

que acedem ao beneficio do uso da liquidez disponivel no<br />

sistema como um todo…Ainda que essa liquidez resulte da<br />

produção de milhões de agricultores familiares e de pequenos<br />

comerciantes e artesãos.<br />

Concluo sublinhando que o sistema financeiro de um país não<br />

é agnóstico relativamente aos desafios da inclusão social e<br />

económica. Se uma nova geração de reformas do sistema<br />

financeiro não tomar em conta este objectivo, a crescente<br />

exclusão social a que assistimos em Moçambique e, em geral,<br />

por toda a África, continuará a alimentar focos de instabilidade<br />

política e social com implicações na estabilidade e<br />

continuidade de estados e nações ainda não consolidados.<br />

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empresas<br />

“Xiphefu”, uma pequena<br />

luz que se transforma<br />

em grande holofote<br />

Utilizar electrodomésticos com controlo remoto já não é assim tão novo, mas<br />

permitir melhor qualidade de vida a custos reduzidos nunca deixará de ser<br />

notícia! E aqui vai mais uma boa história de se partilhar<br />

BEmpresa<br />

Output Tech Solutions<br />

Ano de criação<br />

2018<br />

FUNDADORes<br />

Jessen e Nilza Sengulane<br />

Produto<br />

Xiphefu<br />

Colaboradores<br />

6<br />

a<br />

output tech solutions<br />

é uma empresa jovem<br />

moçambicana do ramo das<br />

tecnologias, que promete<br />

fazer a diferença no mercado<br />

trazendo novas soluções<br />

e criando facilidades para o controlo<br />

de energia eléctrica. Trata-se de<br />

uma startup que surgiu depois de ela<br />

própria provar que é possível reduzir<br />

em até 30% os custos de energia eléctrica.<br />

Hoje, esta ideia assumiu uma identidade<br />

típica de Moçambique – Xiphefu,<br />

um termo em tsonga, língua falada no<br />

sul do País, e que significa lamparina. É,<br />

essencialmente, um serviço de controlo<br />

remoto sobre o consumo de electricidade<br />

em residências e empresas a partir<br />

de qualquer canto do mundo, sendo<br />

também o maior produto de negócio<br />

da Output Tech Solutions. A ideia de<br />

criar o Xiphefu foi concebida “quando<br />

eu estava a fazer o trabalho final<br />

de curso, em 2012, e quis baixar o consumo<br />

de energia na minha casa”, conta<br />

o engenheiro informático e co-fundador<br />

da startup, Jessen Sengulane.<br />

Por várias razões, o projecto chegou a<br />

ser abandonado ainda no ano da sua<br />

concepção. Entretanto, “em 2016, vi um<br />

vídeo onde alguns brasileiros já utilizavam<br />

a tecnologia com um aplicativo<br />

no telemóvel, e então decidi voltar<br />

a pegar no projecto e em menos de seis<br />

meses já conseguia ligar e desligar a<br />

lâmpada com um telemóvel através<br />

do bluetooth”.<br />

O tempo passou e o sistema evoluiu.<br />

O jovem Jessen Sengulane inovou até<br />

que conseguiu que o dispositivo Xiphefu<br />

(que cabe na palma da mão e é de<br />

fácil instalação) passasse a receber e<br />

aceitar comandos através de serviços<br />

Texto Emídio Massacola • Fotografia Mariano Silva<br />

de mensagem SMS, uma solução muito<br />

mais barata em comparação com o uso<br />

de dados. Mais ainda, o Xiphefu recebeu<br />

autonomia para, através de agendamentos,<br />

reagir a comandos, incluindo<br />

os de voz. E isto já pode ser feito com<br />

recurso ao aplicativo Xiphefu, que está<br />

a ser programado para funcionar em<br />

vários sistemas operativos.<br />

Em 2017, Sengulane foi convidado<br />

para apresentar o projecto num concurso<br />

aqui em Moçambique, mas dele<br />

não arrecadou qualquer prémio. No<br />

ano seguinte, já a pensar em desistir e<br />

mudar de negócio, “porque trabalhava<br />

arduamente e não via resultados”, eis<br />

que lhe surge um convite para apresentar<br />

o projecto na African Week realizada<br />

pela UNESCO em 2019, em Paris,<br />

sob indicação do Ministério da Ciência<br />

e Tecnologia. Na França, o projecto<br />

foi um dos mais visitados havendo até<br />

quem quisesse comprar o Xiphefu, e… o<br />

resto é história.<br />

Já em <strong>Setembro</strong> de 2019, a startup foi<br />

indicada para participar da ITU Telecom<br />

World 2019 na Hungria e, no meio<br />

de 150 empresas de 40 países, foi finalista<br />

de uma das categorias, sendo que no<br />

dia da decisão recebeu um prémio de<br />

reconhecimento de “Projecto de Grande<br />

Impacto Social” concorrendo, para<br />

isso, o facto de ser de baixo custo. A<br />

startup comercializa dois dispositivos<br />

Xiphefu, o de menor capacidade por 2<br />

800 meticais e o de maior capacidade<br />

por 3500 meticais.<br />

Nestes tempos de Covid-19, o Xiphefu foi<br />

adaptado para funcionar como spray<br />

em túneis de desinfecção criados pela<br />

startup, que incluem sensores automáticos<br />

utilizados também para lavagem<br />

das mãos.<br />

46<br />

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megafone<br />

MILLENNIUM BIM LANÇA<br />

NOVAS ACTUALIZAÇÕES<br />

PARA O APP SMARTIZI<br />

O Milleniumm bim actualizou<br />

o seu aplicativo SmartIZI com<br />

uma nova funcionalidade, sendo<br />

possível agora realizar transacções<br />

internacionais de forma<br />

mais rápida e segura. A ideia, inserida<br />

no âmbito da sua transformação<br />

digital, é “facilitar a vida<br />

dos clientes” evitando perdas<br />

de tempo e dinheiro.<br />

O aplicativo SmartIzi, utilizado<br />

por cerca de 40% da base<br />

de dados de clientes do banco<br />

e que já realizaram mais de 11<br />

milhões de transacções mensais<br />

no app, está disponível na Google<br />

Play Store e Apple Store para<br />

smartphones e tablets com<br />

os sistemas operativos Android<br />

e iOs, respectivamente.<br />

BCI DOA MATERIAIS<br />

DE BIOSSEGURANÇA<br />

À PROVÍNCIA DE CABO<br />

DELGADO<br />

O Banco Comercial e de Investimentos<br />

(BCI), no âmbito dos esforços<br />

para o combate ao novo<br />

Coronavírus, doou materiais<br />

de protecção e de higienização,<br />

designadamente máscaras faciais,<br />

recipientes e detergentes,<br />

à província de Cabo Delgado.<br />

Os meios foram encaminhados<br />

por uma equipa de colaboradores<br />

do banco, chefiada pelo<br />

director comercial Regional,<br />

João Carrilho, que reafirmou o<br />

compromisso da instituição financeira<br />

com o País: “O BCI está<br />

sempre disponível para dar o<br />

seu contributo através de iniciativas<br />

desta natureza”.<br />

ABSA BANK LANÇA APP QUE<br />

PERMITE TRANFERIR DINHEIRO<br />

PARA O EXTERIOR<br />

Banco lançou, quase em simultâneo, o NovoFx e a<br />

Pangea, para apoio à importação e exportação<br />

o novofx é um aplicativo lançado pelo absa bank<br />

moçambique que permite realizar transferências bancárias<br />

internacionais com as principais moedas de circulação<br />

no mundo. Na app lançada em finais de Agosto, que promete<br />

“comodidade e flexibilidade”, os clientes poderão fazer<br />

o upload da documentação, acompanhar o estado de cada<br />

transacção e receber o código swift directamente na caixa<br />

de email. O aplicativo pode ser descarregado na Google Play<br />

Store ou Apple Store, devendo a sessão ser iniciada com os<br />

dados do internet banking.<br />

Ainda no âmbito da digitalização de serviços, a Banca Corporativa<br />

e de Investimento do Absa, o banco lançou a Pangea,<br />

uma plataforma de gestão online que pretende apresentar<br />

soluções de apoio à importação e exportação bem como a<br />

internacionalização dos negócios dos seus clientes. Na plataforma<br />

vai ser possível submeter Cartas de Crédito e Garantias<br />

Bancárias e ainda acompanhar e monitorar o estado de cada<br />

transacção.“Esta nova solução permite aos nossos clientes<br />

gerirem de forma remota, mais directa e imediata, a sua actividade<br />

de comércio exterior. Ao mesmo tempo, reforçamos<br />

a informação de suporte em tempo real para que possam<br />

acompanhar cada fase da transacção”, diz Bernardo Aparício,<br />

Director da Banca Corporativa e de Investimento do Absa<br />

Bank Moçambique, garantindo para breve “mais novidades<br />

que melhoram a experiência dos clientes”.<br />

O Absa Bank Moçambique é parte do grupo Absa Group Limited.<br />

Está cotado na Bolsa de Valores de Johanesburgo, África do Sul,<br />

sendo um dos maiores e mais diversificados grupos financeiros<br />

no continente com presença em 12 países africanos incluindo<br />

Moçambique, e tem cerca de 42 mil colaboradores.<br />

ABILITY LANÇA APP PARA<br />

INCENTIVAR A DOAÇÃO DE<br />

SANGUE<br />

A startup Ability, com o apoio da<br />

seguradora Fidelidade, lançou, a<br />

28 de Agosto, o aplicativo More-<br />

Life com a intenção de permitir<br />

que os seus usuários possuam<br />

informações dos diferentes postos<br />

de doação de sangue, assim<br />

como aceder a dados que revelam<br />

a gestão do líquido vital.<br />

Com este aplicativo pretende-se<br />

aumentar o número de doadores,<br />

uma vez que o mesmo permite<br />

uma interacção em tempo<br />

real, entre o Serviço Nacional de<br />

Sangue e os utilizadores. Também<br />

possibita o acesso a alguns<br />

serviços da seguradora.<br />

MOZA ELEITO O MELHOR<br />

BANCO DA ÁFRICA<br />

AUSTRAL<br />

O Moza Banco foi eleito Melhor<br />

Banco Regional da África Austral<br />

pela prestigiada African Banker<br />

Magazine apoiada pelo Banco<br />

Africano de Desenvolvimento.<br />

O principal factor para esta distinção<br />

foi a evolução dos indicadores<br />

da actividade comercial<br />

que o Banco tem vindo a registar,<br />

a expansão da rede de balcões,<br />

bem como a disponibilização<br />

de produtos e serviços de<br />

valor acrescentado para os clientes<br />

e o mercado alargado.<br />

“É para nós um motivo de grande<br />

orgulho”, disse o Presidente do<br />

Conselho de Administração do<br />

Moza Banco, João Figueiredo, para<br />

quem os parceiros e colaboradores<br />

da instituição são “os verdadeiros<br />

‘obreiros’ deste prémio”.<br />

48<br />

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sociedade<br />

“Educação deve ser interactiva e não<br />

apenas repetição do que o professor diz”<br />

Numa altura de mais dúvidas do que certezas na área da educação devido ao Covid-19, Paul Gomis,<br />

representante da UNESCO em Moçambique, fala sobre o Plano Estratégico da Educação, um programa de dez<br />

anos recentemente aprovado e que promete avanços assinaláveis na qualidade do ensino em Moçambique<br />

a<br />

educação é um dos motores<br />

de uma Nação. E é justamente<br />

neste ponto que<br />

Moçambique tem um dos<br />

principais travões ao desenvolvimento:<br />

à medida<br />

que se foi promovendo a massificação<br />

do ensino, a sua qualidade foi sendo<br />

posta em causa. A UNESCO, a Organização<br />

das Nações Unidas para a<br />

Educação, a Ciência e a Cultura, trabalha<br />

há décadas com os vários gover-<br />

Texto Emídio Massacola & Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & D.R.<br />

Considerando as dificuldades do<br />

País, qual é o seu ponto de vista sobre<br />

a mudança de contexto no presente<br />

e no futuro, e que lições relevantes<br />

deve tirar deste tal novo<br />

normal em todas as vertentes<br />

da vida da sociedade, e especificamente<br />

na educação?<br />

A pandemia do Covid-19 colocou-nos<br />

uma série de situações que não previmos<br />

e estamos a descobri-las dia após<br />

dia, tentando aprender a ajustarmonos<br />

do País na perpectiva de melhorar<br />

o sistema educativo e, nesse sentido,<br />

desempenhou um papel chave<br />

na elaboração das linhas estratégicas<br />

do Plano de Educação de dez anos que<br />

será implementado já a partir deste<br />

mês, quando as aulas retornarem.<br />

À E&M, Paul Gomis, representante da<br />

UNESCO em Moçambique, explica em<br />

que assenta a estratégia delineada<br />

conjuntamente com o Governo e analisa<br />

as três fases do Plano.<br />

50<br />

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Que enquadramento se atribui, por<br />

exemplo, ao ensino à distância?<br />

Foi deliberada uma política educacional<br />

para as grandes cidades porque<br />

uma das emergências que importa,<br />

neste momento, é o ensino à distância.<br />

Existe a geração de jovens que está<br />

a implorar para retornar à escola, e<br />

ainda que existam os melhores equipamentos<br />

nas escolas, o que não é o<br />

nosso caso, o perigo está no caminho<br />

de casa para a escola porque as crianças<br />

não respeitam as medidas de prevenção,<br />

como sabemos. Por isso, o distanciamento<br />

social está na base do que<br />

debatemos com o Ministério da Educação<br />

e outros parceiros e será mitigado<br />

em três modalidades: a aprendizagem<br />

móvel – que tem as suas limitações –,<br />

requer que as pessoas tenham tablets<br />

e também computadores, o que será<br />

difícil de concretizar em Moçambique.<br />

No entanto, precisamos de promover<br />

essa mudança porque é o futuro.<br />

E quando as políticas de educação das<br />

grandes cidades de países em deseneducação<br />

que estivessem doentes, o que viria a<br />

elevar os custos para o País. Mas também<br />

houve um grande esforço para<br />

“curar” a economia abrindo o seu funcionamento.<br />

A educação e o ensino não<br />

estão nunca isolados da conjuntura<br />

macro das coisas.<br />

Indo concretamente ao sector da<br />

educação, o que pensa sobre o retorno<br />

às aulas no meio desta pandemia<br />

e qual vai ser a principal mudança<br />

a que vamos assistir no ano lectivo?<br />

Em sectores específicos como a educação,<br />

desde 2017, o País desenvolveu<br />

seriamente 68 documentos estratégicos,<br />

desde a revisão da política de educação<br />

até às políticas de educação de<br />

grandes cidades, entre vários outros.<br />

O último foi o Plano de Educação de dez<br />

anos, que demonstrava que o País haveria<br />

de atravessar um processo de<br />

transformação do futuro. Mesmo depois<br />

de o primeiro ciclo se iniciar – porque<br />

era uma década dividida em três<br />

se está a verificar. O plano que temos<br />

agora é que, no próximo ano, nos adequemos<br />

à situação e implementemos<br />

estratégias para reduzir os efeitos<br />

do Covid-19 no sistema da educação.<br />

O passo seguinte será que, ao fim dos<br />

primeiros três anos, recuperemos o<br />

tempo perdido.<br />

Qual é o conteúdo deste Plano Estratégico<br />

da Educação no País?<br />

Normalmente quando se tem um bom<br />

plano, uma boa estratégia não se deveria<br />

dissociar das emergências do<br />

desenvolvimento. Um plano preciso<br />

traz previsões para emergências, então,<br />

nós precisamos de olhar para este<br />

plano e conciliá-lo com os efeitos do<br />

Covid-19. A pandemia permitiu fazer<br />

uma leitura e perceber como poderá<br />

afectar o sistema. Não se pode liderar<br />

sob bases emocionais criadas pela<br />

emergência, portanto, é preciso ter<br />

‘sangue frio’ para lidar com a emergência<br />

e não desistir do desenvolvi-<br />

“Não se pode liderar sob bases emocionais criadas pela<br />

emergência, portanto, é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar<br />

com a emergência e não desistir do desenvolvimento”<br />

-nos às novas realidades. Isso afecta todos<br />

os sectores da vida — cultura, comportamento<br />

social, política, etc. O seu<br />

impacto foi dramático para todos os<br />

países, particularmente aqueles em<br />

vias de desenvolvimento. O que devemos<br />

fazer é aceitar a situação e compreender<br />

que devemos mudar a nossa<br />

maneira de viver e aí deve haver uma<br />

grande mudança.<br />

Mas há também oportunidades<br />

que antes não tínhamos como, por<br />

exemplo, o contacto com meios tecnológicos<br />

que, na educação, poderão<br />

ser importantes num país como<br />

Moçambique. Concorda?<br />

Sim, a mudança está a trazer oportunidades<br />

para descobrir novas formas<br />

de fazer as coisas, estamos a aprender<br />

uns com os outros no mesmo espaço e<br />

de forma bastante rápida. Este é um<br />

contexto global, e países como Moçambique<br />

têm muitas outras mudanças por<br />

implementar bem antes do covid-19.<br />

A este respeito, e olhando de forma geral<br />

para o problema, neste momento o<br />

primeiro desafio passou por garantir<br />

que as pessoas pudessem viver, ainda<br />

ciclos – Moçambique estava pronto<br />

para seguir em frente, mas logo eclodiu<br />

a pandemia. Nós temos dez anos de<br />

estratégia e é possível fazer o controlo<br />

de cada período porque só de uma vez<br />

seria muito pesado gerir a situação. A<br />

ideia é tornar a avaliação da implementação<br />

do Plano mais flexível. Nos<br />

primeiros três anos, é um ciclo com<br />

várias condições incluindo a preparação<br />

do sistema de educação para mover-se<br />

com agilidade para os seus objectivos.<br />

Entre o primeiro e o segundo<br />

ano, precisamos de rever se as crianças<br />

estão a estudar correctamente,<br />

porque o ambiente mudou bastante, e<br />

é necessário adoptar estratégias para<br />

não manter o sistema estático. O mais<br />

importante é que podemos mudar as<br />

estratégias e as abordagens de acordo<br />

com o grande objectivo que, desta<br />

vez, se vai centrar mais na qualidade<br />

do ensino do que apenas nos números.<br />

De que maneira esta situação da pandemia<br />

está a afectar estes planos?<br />

A pandemia não vai suscitar muitas<br />

mudanças e, por agora, é simplesmente<br />

este atraso no arranque das aulas que<br />

mento, porque de outro modo isso seria<br />

mais devastador ainda.<br />

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51


sociedade<br />

Nesse sentido, da capacitação de<br />

professores, o que tem sido feito?<br />

Há já vários anos, desde a Independência<br />

creio, apoiamos uma das agências<br />

de formação de professores. Isto<br />

sempre esteve dentro da estratégia<br />

a par, também, da educação de<br />

adultos e de famílias. Nós temos aquilo<br />

que chamamos de sistema de desenvolvimento<br />

com habilidades, temos<br />

educação cívica, científica. Por<br />

que não temos bons cientistas a trabalhar<br />

na indústria extractiva? O Governo<br />

sempre quis fazer isso, mas, infelizmente,<br />

nunca teve o número suvolvimento<br />

estão direccionadas para o<br />

ensino através do uso de telemóveis é<br />

óptimo porque muitos países não têm<br />

essas políticas, e Moçambique já tem.<br />

Um outro ponto é a televisão. Sabemos,<br />

de acordo com o último censo, que<br />

o raio de acesso à televisão é limitado.<br />

Como se sabe, a TVM está a fazer um<br />

bom trabalho contribuindo e promovendo<br />

a educação em massa. Por outro<br />

lado, existe a rádio, que é extremamente<br />

poderosa, até pelo facto de<br />

o País estar a introduzir 19 dialectos<br />

locais para serem os primeiros elos<br />

de ligação com a educação de muitas<br />

crianças de todas as regiões do País,<br />

o que é muito bom. Isto é fundamental<br />

porque temos visto que na primeira<br />

vez que a criança vai à escola existe<br />

uma disrupção entre o seio da sua<br />

família, da sua comunidade, e também<br />

da sua língua nativa, o que é uma mudança<br />

significativa para uma criança.<br />

Então aprender na ‘sua’ primeira<br />

língua ajuda bastante nas classes iniciais,<br />

e a rádio está a fazer esse papel.<br />

O que me está a dizer é que o modelo<br />

ensaiado durante a pandemia,<br />

em que não havia aulas presenciais<br />

serviu como ‘tubo de ensaio’ para<br />

as mudanças que se avizinham no<br />

sistema de ensino?<br />

Como disse, há um número limitado de<br />

professores capacitados, de materiais<br />

de ensino, há a padronização da língua,<br />

etc. A experiência do ensino que<br />

se adoptou nos últimos meses já existia<br />

em pequena escala antes da pandemia.<br />

Agora, com o Covid-19 teve de<br />

ser mais abrangente porque não podemos<br />

correr o risco de ter as crianças<br />

sem qualquer tipo de educação.<br />

Então, queremos fazer uso dessa abordagem<br />

de ensino à distância para generalizar<br />

o ensino ao longo do País.<br />

A educação pela televisão ou pela rádio<br />

já estavam lá na nossa estratégia<br />

para o ensino e, com a pandemia,<br />

a ideia foi expandir e pôr em prática.<br />

O Covid-19 veio mostrar-nos que temos<br />

de acelerar este processo, mas<br />

não existem recursos suficientes e temos<br />

várias necessidades.<br />

Todas estas estratégias estão incluídas<br />

no plano de dez anos?<br />

Absolutamente! Como UNESCO acreditamos<br />

que o ensino à distância, que<br />

é uma das modalidades de ensino das<br />

grandes cidades, é uma ferramenta<br />

para o desenvolvimento, mas também<br />

“O covid-19 veio foi mostrar-nos que temos de acelerar este<br />

processo — do ensino à distância via meios digitais, televisão<br />

e rádio —, mesmo que ainda não existam todas as condições”<br />

é estratégia para educação porque<br />

se educamos de modo tradicional nunca<br />

vamos alcançar o desenvolvimento.<br />

O mundo está a caminhar muito rápido.<br />

Hoje em dia, quando se vai para<br />

uma sala de aula, o que se vê? Crianças<br />

sendo ordenadas pelos professores<br />

para repetir algo vezes sem conta.<br />

Essa não é a metodologia mais indicada<br />

de ensino. Precisamos de<br />

tornar a educação numm processo<br />

mais interactivo e esse modelo é<br />

chamado de Metodologia de Aprendizagem<br />

Activa, onde as crianças são<br />

incentivadas a usar as suas capacidades<br />

cognitivas para aprender<br />

mais, ao invés de apenas repetir o<br />

que o professor diz. E a qualidade de<br />

professores também é limitada e está<br />

a ser melhorada.<br />

52<br />

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educação<br />

ficiente de parceiros para o ajudarem<br />

a implementar este tipo de plano.<br />

Essas estratégias abrangem todas<br />

as classes?<br />

Nós iniciámos para fazer uma abordagem<br />

sectorial desde a primeira classe<br />

para uma aprendizagem a todos<br />

os níveis até aos níveis universitários<br />

mais altos como o PhD. Mas o foco<br />

inicial será na educação primária e<br />

secundária.<br />

Quem vai implementar essa estratégia<br />

de desenvolvimento de ensino,<br />

o Ministério da Educação e Desenvolvimento<br />

Humano (MINEDH)?<br />

Bom, seria de esperar que o Estado fizesse<br />

isso por si só, mas em qualquer<br />

parte do mundo não podemos ver e<br />

esperar que as coisas sejam assim. O<br />

sector privado deve estar envolvido,<br />

a comunidade internacional deve estar<br />

envolvida porque são parceiros e<br />

todos temos interesse em melhorar os<br />

sistemas de educação dos países em<br />

desenvolvimento. Estamos todos aqui<br />

para apoiar o Governo de Moçambique<br />

e a Sociedade Civil nesse desígnio.<br />

Pode parecer estranho mas a pandemia<br />

e todas as mudanças que ela implica<br />

trazem uma constatação: Moçambique<br />

já tinha, antes da eclosão<br />

do Covid-19, um plano que articula<br />

e preconiza o que deve ser o ensino<br />

e a educação, que estabelece metas<br />

qualitativas, que advoga o ensino à<br />

distância, que inclui nos programas<br />

educativos muitos dos princípios que,<br />

agora, são vistos como ainda mais fundamentais,<br />

como a preocupação com<br />

o meio ambiente, o empreendedorismo<br />

ou os meios digitais. Então, o que<br />

estamos a fazer agora, não é apenas<br />

implementar tudo isto neste Plano Estratégico,<br />

mas conferir, num último estágio,<br />

uma velocidade maior a toda<br />

esta implementação.<br />

Como é que se podem obter resultados<br />

diferentes nos próximos dez<br />

anos, comparativamente à década<br />

que passou, e na qual também já tinha<br />

existido um plano estratégico?<br />

É uma boa questão. A estratégia mudou<br />

a partir do momento em que foi<br />

aceite um plano a dez anos que, se<br />

bem me recordo, nunca tinha existido<br />

(o anterior tinha sido de três anos).<br />

Então, aí há uma visão transformadora<br />

e todos aderiram a ela, todos estão<br />

a participar assumindo a dianteira do<br />

desenvolvimento do Plano. E se pergunta<br />

sobre o Ministério, eu posso assegurar<br />

que a sua visão e comprometimento<br />

são os mesmos, desde a ex-ministra<br />

com quem começámos a trabalhar,<br />

até à actual, com quem o processo<br />

foi finalizado. E, mais uma vez, esses<br />

assuntos não são abordados apenas ao<br />

nível do MINEDH, mas também no Conselho<br />

de Ministros, no Parlamento.<br />

A UNESCO está no país há várias<br />

décadas. Olhando criticamente, se o<br />

ensino hoje, e há muita gente que o<br />

diz, está pior, não há aqui uma responsabilidade<br />

dos parceiros internacionais<br />

também?<br />

Tem razão na sua constatação, só que<br />

ela enferma de uma questão que tem<br />

que ver com os objectivos de cada momento.<br />

Nas décadas de 90, e já na primeira<br />

deste século, o objectivo foi de<br />

aumento da abrangência do sistema<br />

de ensino, ou seja, a urgência era<br />

a de fazer chegar a escola a milhões<br />

de crianças que estavam ‘fora’ dela.<br />

E isso foi conseguido, os números<br />

estão aí. A taxa de crianças escolarizadas,<br />

o esforço financeiro dispendido<br />

na construção de infra-estruturas<br />

de educação... Houve um crescimento<br />

massivo que está documentado. Claro<br />

que, quando o foco está na quantidade,<br />

a qualidade sofre porque não dá,<br />

infelizmente, para conseguir as duas<br />

coisas ao mesmo tempo. É por isso que,<br />

neste Plano, o foco está na qualidade<br />

do ensino e nas formas mais adequadas<br />

de a promover correctamente<br />

junto de milhões de crianças moçambicanas.<br />

E acreditamos que um Plano<br />

que envolve desta forma parceiros<br />

e doadores internacionais, Governo<br />

e entidades privadas tem tudo para<br />

dar certo. Nunca se fez algo assim em<br />

Moçambique e acredito plenamente<br />

que veremos os frutos deste trabalho<br />

que agora começa nas futuras<br />

gerações.<br />

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53


lá Fora<br />

Quanto é que a África<br />

deve, e a quem?<br />

A dívida africana é um assunto delicado para o continente e, em muitos<br />

aspectos, até sombrio. É que ninguém ousa apresentar números exactos, mas<br />

uma coisa é certa: a dívida é muito mais do que aquilo que pode pagar e vai<br />

desde os empréstimos aos investimentos, na sua maioria com “condições”<br />

Texto United World International • Fotografia D.R.<br />

quanto mais endividado,<br />

mais difícil é para o<br />

Continente o alcance da<br />

sua própria soberania<br />

económica, e, portanto,<br />

política. Neste artigo, publicado<br />

a 29 de Agosto passado pela<br />

United World International – uma<br />

organização internacional que reúne<br />

intelectuais de todo o mundo para<br />

reflectir, descrever e discutir preocupações<br />

relacionadas com os desenvolvimentos<br />

geopolíticos mais críticos da<br />

actualidade – tenta calcular os valores<br />

aproximados da dívida para compreender<br />

a magnitude do que chama<br />

por “desastre”.<br />

Nesta publicação, a United World International<br />

cruza informações de várias<br />

fontes para lançar o debate em<br />

torno da dívida pública africana da<br />

sua sustentabilidade e viabilidade. De<br />

acordo com o artigo, a dívida de África<br />

como percentagem do PIB e das receitas<br />

de exportação era de, pelo menos,<br />

417 mil milhões de dólares até 2018,<br />

sendo a mais elevada entre as regiões<br />

em desenvolvimento.<br />

Várias instituições financeiras, incluindo<br />

organizações internacionais, como<br />

o Banco Mundial e o FMI, e o sector privado,<br />

detinham cerca de 32% a 36% da<br />

dívida de África. A China, um dos maiores<br />

credores do continente, tinha uma<br />

quota de, pelo menos, 20% em 2018.<br />

Citando o Comité para o Jubileu da<br />

Dívida, o artigo revela que a dívida<br />

externa de África duplicou em apenas<br />

dois anos, de 5,9% das receitas<br />

governamentais em 2015 para 11,8%<br />

em 2017. A agência norte-americana<br />

de rating Fitch lembra que Moçambique<br />

e a República do Congo têm estado<br />

em situação de incumprimento desde<br />

2016, e as classificações indicam que<br />

os países enfrentam um stress ainda<br />

maior à vista - especialmente dado o<br />

efeito no novo Coronavírus. A Zâmbia<br />

é classificada como “CC” que significa<br />

“provável incumprimento”, enquanto<br />

que o Gabão, Moçambique e a República<br />

do Congo são classificados como<br />

“CCC”, que é “incumprimento como<br />

uma possibilidade concreta”. Outros 13<br />

países africanos, ainda de acordo com<br />

a Fitch, estão na categoria “B” – a passar<br />

por uma situação financeira muito<br />

difícil, que se baseia, em grande parte,<br />

nas medidas especulativas. Sete<br />

países também têm uma perspectiva<br />

“negativa” na classificação, nomeadamente<br />

o Quénia, Uganda, Camarões,<br />

Etiópia, Namíbia, Nigéria e África do Sul.<br />

“O fraco desempenho creditício de<br />

muitos países da África Subsaariana<br />

(além da elevada dívida pública) reduz<br />

a sua sustentabilidade e resistência à<br />

dívida e torna-os ainda mais vulneráveis<br />

ao choque global do Coronavírus”,<br />

revela um relatório da Fitch Ratings.<br />

A posição do FMI<br />

O Fundo Monetário Internacional (FMI)<br />

projectou que o crescimento económico<br />

africano diminuiria 1,6% em <strong>2020</strong>,<br />

num contexto de condições fiscais mais<br />

restritivas, de uma queda acentuada<br />

dos preços de exportação e de graves<br />

perturbações da actividade económica<br />

associadas à pandemia.<br />

Contudo, o FMI continua a ser um dos<br />

principais credores da região, e de<br />

tempos em tempos tem-se mostrado a<br />

favor do “perdão da dívida” dos países<br />

mais fracos e vulneráveis. Por exemplo,<br />

a 14 de Abril do presente ano aprovou<br />

500 milhões de dólares para cancelar<br />

pagamentos de seis meses de<br />

dívida de 25 países, 19 dos quais africanos.<br />

Mas será isto suficiente para<br />

apoiar um continente sem infra-estruturas<br />

próprias e sem uma produção<br />

bem estabelecida? Não! É mais um<br />

gesto de relações públicas por parte<br />

do FMI. Por exemplo, a África do Sul,<br />

um dos países economicamente mais<br />

desenvolvidos de África, é detentor<br />

de cerca de 4,3 mil milhões de dólares<br />

em dívida para com o FMI, a uma taxa<br />

de juro de 1,1% reembolsável por cinco<br />

anos. No entanto, é irrealista que a<br />

África do Sul pague.<br />

O clube de Paris<br />

“Esta organização é de particular interesse<br />

em termos de política francesa<br />

e neocolonialismo”, avança o<br />

artigo, explicando que o Clube de<br />

Paris é uma organização intergovernamental<br />

informal de países credores<br />

e mais desenvolvidos, sob os<br />

auspícios da França, criada em 1956<br />

e com 22 membros, incluindo a França,<br />

Alemanha, Reino Unido, Estados<br />

Unidos, Coreia do Sul, Israel e Japão.<br />

O objectivo declarado dos últimos<br />

anos tem sido o de reestruturar a dívida<br />

dos países em desenvolvimento,<br />

mas o volume da mesma pode ser<br />

comparado ao rendimento dos países.<br />

Por exemplo, enquanto o Egipto tem<br />

54<br />

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África<br />

O Fundo Monetário Internacional continua a ser um dos<br />

principais credores da região e, de tempos em tempos, tem-se<br />

mostrado a favor do perdão da dívida dos países vulneráveis<br />

os empréstimos intergovernamentais<br />

isentos de juros aos países menos desenvolvidos<br />

com relações diplomáticas<br />

com a China.<br />

uma dívida recorde para com o Clube<br />

de Paris de 8,46 mil milhões de dólares,<br />

a sua dívida total para 2019 é estimada<br />

pelo FMI em “apenas” 85% do PIB,<br />

em comparação com 95% para Angola,<br />

109% para Moçambique e mesmo<br />

207% para o Sudão.<br />

O Presidente Francês, Emmanuel<br />

Macron, simulou, recentemente, que<br />

tinha ido para África e aconselhou<br />

o Clube de Paris a perdoar a dívida.<br />

Contudo, os peritos explicam que a declaração<br />

de Macron não é tanto uma<br />

proposta de caridade, mas sim uma<br />

tentativa de pressionar a China a aderir<br />

ao Clube de Paris, onde as dívidas<br />

africanas estão a ser negociadas e<br />

onde Pequim só aceitou até agora a<br />

posição de observador nos últimos<br />

dois anos.<br />

O (indiscutível) peso da China<br />

Tal como já referido, este país detém<br />

pelo menos 20% do total da dívida pública<br />

dos países africanos desde 2018.<br />

Em comparação com instituições como<br />

o FMI, o Banco Mundial e o Clube de<br />

Paris, os peritos notam que os empréstimos<br />

da China são muito mais rápidos,<br />

baratos e fáceis de obter, sendo por<br />

isso que os Estados Unidos, em particular,<br />

são muito críticos em relação<br />

à abordagem chinesa, por alegadamente<br />

ser incapaz de oferecer uma<br />

alternativa de crédito que seja viável<br />

à luta pelo desenvolvimento de África.<br />

O Continente deve à China pelo menos<br />

145 mil milhões de dólares, o que a torna<br />

no maior credor bilateral.<br />

Devido à magnitude destas dívidas, alguns<br />

especialistas argumentam que a<br />

China desempenha um papel especial<br />

na campanha de alívio da dívida, especialmente<br />

em empréstimos concessionais<br />

e comerciais, que representam<br />

a maior parte dos encargos de África<br />

em relação à gigante asiática. E há motivos<br />

para tal constatação. Por exemplo,<br />

em 2018, o Presidente chinês Xi<br />

Jinping anunciou o perdão para todos<br />

A dívida externa é, de alguma forma,<br />

importante?<br />

No caso de África, que só é emprestada,<br />

explorada e impedida de realmente<br />

se recompor, este factor apenas<br />

prolonga a pobreza, bem como as disparidades<br />

e tensões sociais.<br />

A questão da estabilização do sistema<br />

social é particularmente aguda nos<br />

países africanos. Sem construir um<br />

Estado e as suas próprias infra-estruturas,<br />

é extremamente difícil para os<br />

líderes africanos, mesmo aqueles que<br />

tentam não ser um ‘fantoche’ do Ocidente,<br />

tomarem decisões estratégicas.<br />

Por mais generoso que seja o perdão<br />

da dívida, as corporações e organizações<br />

internacionais exigem soluções<br />

políticas ou contratos lucrativos. Assim,<br />

enquanto África for incapaz de<br />

abandonar o modelo de dependência<br />

colonial e passar à auto-suficiência<br />

com as suas próprias infra-estruturas,<br />

será atormentada pela dívida, pela<br />

compulsão ao sistema liberal ocidental<br />

e mesmo pela pressão militar.<br />

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55


NOVOS ÂNGULOS<br />

A big data e a democracia zen<br />

Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development<br />

dizem-nos as notícias que as sanções contra<br />

o Tik Tok, o WeChat e a Huawei Technologies<br />

representam apenas o começo, e que o que se<br />

segue tem potencial para remodelar a sociedade<br />

e a economia global nas próximas décadas.<br />

“Sim, sim, está bem”, dirá alguém que não<br />

é utilizador de nenhuma destas ‘coisas’ e que até nem liga<br />

muito a tecnologias. Como eu, há não muito tempo.<br />

Mas há uma guerra a decorrer – e cada vez menos silenciosa<br />

– a este respeito. Agora, batalha-se pela legitimidade<br />

do acesso a dados sobre frigoríficos inteligentes (quem os tenha),<br />

apps de exercícios, preferências sociais e ‘likes’.<br />

“Tudo isto é fundamentalmente um ataque à própria Internet”,<br />

dizia Andrew Sullivan, presidente da Internet Society,<br />

que defende redes abertas em todo o mundo e que diz que as<br />

recentes medidas de restrição de acesso de dados impostas<br />

pelos EUA às empresas chinesas não passa de “uma tentativa<br />

de destruir a economia que cresceu em torno de aplicativos<br />

em rede”. Há quem defenda exactamente o contrário,<br />

que tudo isto é bem mais do que apenas uma guerra comercial<br />

em que a nossa actividade na rede, seja ela qual for, é o<br />

motivo que leva as maiores empresas do mundo a quererem<br />

saber cada vez mais sobre nós. E que estaremos, por<br />

isso, globalmente, perante o mais feroz ataque à democracia<br />

como a conhecemos. Os pólos extremam-se, de um lado e do<br />

outro. Inclino-me mais para o segundo.<br />

Porquê? Se formos ponderados na análise e pouco desconfiados,<br />

percebemos facilmente que a big data e a sua análise,<br />

recorrendo a mecanismos de Inteligência Artificial, pode<br />

ser decisiva para diminuir assimetrias sociais, ajudar a dirigir<br />

políticas específicas para quem precisa delas, descobrir<br />

doenças, inventar curas e tornar o mundo melhor. Tudo cor-<br />

-de-rosa portanto, e com violinos a tocar. Mas pode, de facto.<br />

Porém, há situações que têm de ser acauteladas e não é difícil<br />

perceber que tudo isto também pode ser utilizado para<br />

influenciar, viciar e controlar. Aliás, isso já está a ser feito.<br />

E casos como o da Cambridge Analytica – que ficou provado<br />

–, em que os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook<br />

foram utilizadas para influenciar a opinião de eleitores<br />

para ajudar políticos a influenciarem eleições em vários<br />

países (Estados Unidos, França, Reino Unido), devem alertar-<br />

-nos para o que já está a acontecer. E aqui entra a tal ameaça<br />

à democracia. E de forma bastante directa. Para não ir às<br />

questões de privacidade sobre as quais assenta, também,<br />

qualquer sociedade livre e democrática, em que esse é um<br />

direito construído ao longo de séculos.<br />

A verdade é que há uma nova guerra mundial já em curso,<br />

acelerada pela pandemia que despertou o apetite, e ele não<br />

é pequeno, das grandes tecnológicas mundiais, interessadas<br />

em fazer passar o pacote do “novo normal digital” que nunca<br />

antes haviam conseguido vender tão bem como agora.<br />

Sobre a apropriação dos dados de milhares de milhões de<br />

pessoas por parte das plataformas chinesas, Donald Trump<br />

ameaçou e cumpriu com um bloqueio ao acesso de dados privados<br />

de cidadãos norte-americanos. Claro que não faria o<br />

mesmo, como não fez, se fosse a Google, a Amazon ou o Facebook<br />

a fazê-lo com o resto de nós, que não somos americanos.<br />

Mas, para o melhor ou para o pior, os EUA são uma democracia<br />

e a questão suscitou indignação social, e por isso tem<br />

vindo a ser debatida publicamente, com os líderes destas<br />

tecnológicas a serem escrutinados em comissões de inquérito<br />

abertas à sociedade, precisamente sobre o tema. Algo que<br />

não se passa na China, ao que se sabe.<br />

Tem vindo a crescer a necessidade de um esforço mais amplo<br />

para criar “redes limpas” nas várias frentes, que vão das<br />

redes 5G aos serviços em nuvem, ou da detenção dos cabos<br />

submarinos de fibra óptica que têm impactado acordos corporativos<br />

à própria nova geopolítica em que países e empresas<br />

estão pressionados a escolher um lado.<br />

Quando o bilionário chinês da tecnologia, Jack Ma, fundador<br />

do Alibaba (a versão chinesa da Amazon), considerou a<br />

‘big data’ “mais importante do que o petróleo na condução<br />

da economia ao longo deste século”, não estava a brincar.<br />

E a batalha pelo controlo sobre os dados ameaça dividir o<br />

mundo em campos concorrentes, especialmente porque a<br />

inteligência artificial e a “Internet das Coisas” implicam que<br />

produtos como torradeiras, relógios e calças de ioga transmitam<br />

dados. É verdade. Está tudo ligado.<br />

A questão é a quê e para quê... Porque seria, afinal,<br />

interessante perceber porque é que um qualquer alguém<br />

atrás de um computador, do outro lado do mundo, estará assim<br />

tão interessado em saber, em tempo real e com animados<br />

gráficos e bastante complexos indicadores de desempenho,<br />

o que se passa dentro das nossas calças?<br />

As sanções impostas pelo Ocidente à Huawei e ao TikTok podem bem ter sido a estreia<br />

de um novo tipo de conflito. O controlo dos dados que já são “o petróleo” do século XXI<br />

56<br />

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ócio<br />

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio<br />

60<br />

Nesta edição<br />

visitamos o<br />

Santuário Bravio<br />

de Vilanculos,<br />

em Inhambane<br />

e<br />

g<br />

O Ficka é um<br />

62<br />

restaurante<br />

e um conceito.<br />

Fomos<br />

‘prová-lo’<br />

63<br />

A escolha<br />

da Adega<br />

recai numa<br />

arrojada<br />

selecção de<br />

tequilas


SANTUÁRIO<br />

BRAVIO DE<br />

VILANCULOS<br />

e<br />

Maravilhas de um arquipélago<br />

SANTUÁRIO BRAVIO DE VILANCULOS<br />

UM PARAÍSO DESCONHECIDO<br />

o distrito de vilanculos, a<br />

714 quilómetros da capital,<br />

é sempre uma referência<br />

turística para quem quer<br />

conhecer a beleza mítica escondida<br />

no sul de Moçambique.<br />

No entanto, o que pouco<br />

se sabe é que além do majestoso<br />

arquipélago de Bazaruto,<br />

há muito mais para<br />

descobrir nessa terra da<br />

“boa gente” de Inhambane.<br />

À entrada da península de<br />

São Sebastião, há uma área<br />

de conservação sob gestão<br />

privada de cerca de 40 mil<br />

hectares na costa moçambicana:<br />

o Santuário Bravio de<br />

Vilanculos. O projecto alberga<br />

algumas das mais importantes<br />

espécies da biodiversidade<br />

marinha e terrestre<br />

de Moçambique. “A ideia<br />

foi sempre incentivar a<br />

protecção da biodiversidade”,<br />

explica Hugh Brown,<br />

empresário e membro do<br />

grupo que detém a licença<br />

especial para o desenvolvimento<br />

da conservação da<br />

natureza e turismo de baixa<br />

densidade naquele local.<br />

Num investimento total de<br />

76 milhões de dólares, o projecto<br />

foi lançado no ano 2000<br />

com a realização de estudos<br />

científicos pela União Internacional<br />

de Conservação.<br />

Três anos mais tarde, o Conselho<br />

de Ministros aprovou<br />

a licença. As praias são cristalinas<br />

e de areia fina, numa<br />

combinação perfeita entre<br />

a paisagem da zona costeira<br />

e os mistérios de uma<br />

floresta quase intacta, decorada<br />

por gazelas, zebras,<br />

antílopes, cobras, impalas e<br />

pássaros (mais de 1500 espécies),<br />

alguns destes animais<br />

colocados no espaço como<br />

resultado dos programas de<br />

protecção da biodiversidade.<br />

A localização da área dá-lhe<br />

também uma vista privilegiada<br />

das águas do Índico,<br />

que invadem este “pedaço<br />

de céu” em Moçambique,<br />

numa harmonia entre a<br />

natureza e as pequenas<br />

embarcações artesanais de<br />

humildes pescadores que<br />

procuram sustento para as<br />

suas famílias nos finais das<br />

tardes. O programa de conservação<br />

em curso aponta<br />

para uma protecção bem-<br />

-sucedida, com mais de 400<br />

espécies marinhas diferentes,<br />

além de uma vegetação<br />

rica e autenticamente moçambicana.<br />

O projecto não<br />

só mudou o potencial turístico<br />

da região, mas também<br />

a vida de muitos moçambicanos<br />

que lá vivem. Antes<br />

do Santuário Bravio, a vida<br />

das comunidades era baseada<br />

na pesca de subsistência,<br />

mas hoje há alternativas<br />

para fugir da pobreza típica<br />

das zonas rurais do sul de<br />

Moçambique. O Santuário<br />

Bravio de Vilanculos deu<br />

às comunidades locais mais<br />

de 180 empregos directos e<br />

indirectos, com um impacto<br />

económico visível na vida<br />

de mais de 6000 pessoas<br />

que vivem nos arredores.<br />

“A vida mudou para todos<br />

aqui”, observa Jeremias Vilanculos,<br />

gestor da “Msasa<br />

House”, localizada no interior<br />

do Santuário. “As pessoas<br />

hoje trabalham nas<br />

casas privadas e nos hotéis<br />

que cá existem. Este movimento<br />

todo valorizou muito<br />

esta região.” Na área, é<br />

possível encontrar 20 residências<br />

privadas, duas lojas<br />

comerciais e um programa<br />

comunitário que inclui quatro<br />

escolas e um hospital,<br />

bem como um centro de logística,<br />

oficinas e uma vila<br />

de funcionários. Ao grupo<br />

60<br />

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de Hugh Brown, não coube<br />

apenas pensar e implementar<br />

o projecto. Quando lá<br />

chegaram, faltava um “pouco<br />

de tudo” na região. Além<br />

de parcerias para edificar<br />

as infra-estruturas, foi necessário<br />

abrir vias de acesso<br />

no interior da área de<br />

conservação – um processo<br />

marcado pelas<br />

dificuldades no transporte,<br />

de barco, de cerca de 40<br />

mil toneladas de materiais<br />

de construção. “As comunidades<br />

locais aqui sempre<br />

foram uma prioridade para<br />

o projecto”, salienta Brown.<br />

“Procuramos sempre apoiar<br />

as pessoas. Mesmo quando<br />

estávamos a construir,<br />

foram os pescadores que<br />

transportaram tudo e, consequentemente,<br />

ganharam<br />

muito dinheiro.” Para Gabriel<br />

Zivane, chefe da comunidade<br />

de Chingunguene, a<br />

cerca de 20 quilómetros do<br />

centro do Santuário, o crescimento<br />

daquela região<br />

após o projecto é incalculável,<br />

a contar pelo facto de<br />

as populações estarem mais<br />

conscientes da importância<br />

da conservação. “Hoje, graças<br />

a este projecto, temos<br />

escolas aqui. Eu não pude ir<br />

à escola, mas hoje os meus<br />

netos podem. Além disso,<br />

eles ensinaram-nos que temos<br />

de cuidar dos animais”,<br />

observa Zivane. A área tem<br />

estado no radar de pesquisadores<br />

internacionais. Recentemente,<br />

Brown dirigiu<br />

uma equipa que esteve a<br />

analisar a biodiversidade<br />

marinha e costeira daquela<br />

área, numa pesquisa multidisciplinar<br />

que se estendeu<br />

às ilhas Primeiras e<br />

Segundas e que envolveu<br />

a Universidade Pedagógica<br />

de Moçambique. “As constatações<br />

preliminares são<br />

claras. Esta parte de Vilanculos<br />

tem uma biodiversidade<br />

riquíssima e única,<br />

que merece ser preservada”,<br />

conclui o empresário.<br />

texto ESTÊVÃO AZARIAS<br />

CHAVISSO<br />

fotografia D.R.<br />

O Santuário alberga algumas das mais importantes<br />

espécies de Moçambique. Vale a pena ir... e ficar<br />

ROTEIRO<br />

Como ir<br />

Voe com a LAM até Vilanculos<br />

e organize o transfer para o<br />

Santuário directamente com os<br />

hotéis. A ligação faz-se de barco<br />

e dura cerca de 40 minutos.<br />

ONDE DORMIR<br />

Existem duas unidades<br />

hoteleiras no Santuário: Dugong<br />

Beach Lodge e Pambele Beach<br />

House.<br />

Onde comer<br />

Os hotéis referenciados têm<br />

restaurantes, com um cardápio<br />

em que predominam os<br />

mariscos. Destaque para o caril<br />

de caranguejo, servido com<br />

matapa.<br />

O QUE FAZER<br />

Além de visitar pontos com<br />

uma beleza turística única e<br />

ver animais, é possível praticar<br />

desportos náuticos, incluindo<br />

passeios de barco e pesca<br />

desportiva.<br />

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61


FICKA<br />

Restaurante<br />

Café<br />

De Segunda a<br />

Sábado, das<br />

07h às 21h<br />

Rua Consiglieri<br />

Pedroso, nº 181,<br />

Maputo<br />

84 135 0005<br />

g<br />

62<br />

independentemente dos méritos<br />

do Ficka (e são vários,<br />

mas já lá iremos), o novo<br />

espaço que recentemente<br />

abriu na Baixa de Maputo<br />

não pode senão deixar-nos a<br />

pensar, pela escolha que fez<br />

para a sua localização, como<br />

esta zona da cidade poderia<br />

hoje ser se a recuperação<br />

deste espaço histórico tivesse<br />

sido levada à prática. Não<br />

precisamos de ir tão longe<br />

como à Bourbon Street, em<br />

New Orleans, nos Estados<br />

Unidos, cuja recuperação a<br />

tornou num dos num dos espaços<br />

mais emblemáticos da<br />

cidade e um ponto de atracção<br />

turística mundial.<br />

Mas não, não é preciso ir<br />

tão longe. Basta atermo-nos<br />

a outras cidades no continente<br />

africano para percebermos<br />

como tudo poderia<br />

ser diferente. Não é este<br />

certamente o espaço adequado<br />

para explanar como,<br />

ao longo das décadas pós-independência,<br />

por várias vezes<br />

se equacionou a questão<br />

da recuperação da Baixa de<br />

Maputo. Mas, para os mais<br />

RESTAURANTE FICKA<br />

curiosos, não resistimos a sugerir,<br />

por exemplo, a leitura<br />

da tese de doutoramento de<br />

Lisandra Ângela Franco de<br />

Mendonça (“Conservação da<br />

Arquitectura e do Ambiente<br />

Urbano Modernos: A Baixa<br />

de Maputo”) através da<br />

qual não só nos é dada uma<br />

fascinante contextualização<br />

histórica, como podemos<br />

compreender melhor as<br />

razões da presente (e triste)<br />

situação a que a zona está<br />

votada (o estudo está online).<br />

Mas deixemos o passado.<br />

O que o Ficka deixa claro é<br />

que, mais do que um espaço<br />

gastronómico, se trata de<br />

um projecto com um “conceito”,<br />

um “concept restaurant”.<br />

O que define um “concept<br />

restaurant”? De forma muito<br />

resumida, é a “ideia” (ou o<br />

“tema”) que, antes de qualquer<br />

outro aspecto, preside<br />

à organização do espaço, à<br />

sua decoração, ao design<br />

(nos seus mais pequenos deo<br />

novo espaço que recentemente<br />

abriu na Baixa de Maputo segue<br />

uma tendência global<br />

UM ESPAÇO QUE É UM CONCEITO<br />

talhes), ao estilo do serviço e,<br />

claro, last but not the least, à<br />

proposta gastronómica.<br />

Num “concept restaurant”, a<br />

qualidade do produto culinário<br />

e o desfrute gastronómico<br />

são, como sempre,<br />

factores essenciais, mas o<br />

que é genuinamente decisivo<br />

é a totalidade da “experiência”<br />

de quem o visita, ou<br />

seja, a percepção que fica de<br />

que, mais do que cumprir o<br />

ritual alimentar, se está a<br />

aderir à “ideia” e à “comunidade”<br />

daqueles que se identificam<br />

com o conceito que<br />

está na origem do projecto.<br />

Neste contexto, compreende-se,<br />

de igual forma, que o<br />

essencial da proposta gastronómica<br />

incide, sobretudo,<br />

naquilo que “faz a diferença”<br />

e se liga à “ideia”. Um<br />

olhar superficial pelo menu<br />

pode até dar a impressão,<br />

precipitada, de que não difere<br />

do que é comum encontrar<br />

noutros sítios. Como<br />

sempre, são os detalhes que<br />

importam. Deixemos então<br />

aqui algumas sugestões: nas<br />

entradas experimente, por<br />

exemplo, as “Ficka Wings”<br />

(asinhas de frango frito com<br />

molho de queijo azul) ou as<br />

“Cascas Fritas” (cascas de batata<br />

frita com maionese de<br />

bacon). Nas saladas, a nossa<br />

escolha vai para a salada de<br />

beterraba e feijão e, em especial,<br />

para a “Veggie Cous”<br />

(à base de couscous). Há várias<br />

opções interessantes de<br />

hamburgueres mas o “Ficka<br />

Burger” (alface, tomate, cebola,<br />

bacon, queijo cheddar<br />

e queijo azul) destaca-se<br />

entre todos. E se é daqueles<br />

que não resiste ao frango,<br />

então o “Frango de Laranja”<br />

é a escolha preferencial,<br />

apesar do “Frango Mazive”<br />

(marinado em cerveja) também<br />

ser uma boa opção. Se é<br />

apreciador de doces, a nossa<br />

sugestão é que experimente<br />

a “Concha de Canela” (à base<br />

de uma receita tradicional<br />

sueca).<br />

texto rui Trindade<br />

fotografia Jay Garrido<br />

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Casamigos<br />

Tequila<br />

Reposado<br />

País<br />

México<br />

Cor<br />

Ouro pálido<br />

Sabor<br />

Rico e cremoso com notas<br />

de caramelo e cacau<br />

Teor Alcoólico<br />

40%<br />

Casamigos<br />

Tequila Añejo<br />

País<br />

México<br />

Cor<br />

Clara, brilhante, âmbar Dourado<br />

Sabor<br />

Macio e sedoso com notas<br />

de caramelo e baunilha<br />

Teor Alcoólico<br />

40%<br />

José Cuervo<br />

Especial<br />

País<br />

México<br />

Cor<br />

Dourada<br />

Sabor<br />

Notas herbáceas de carvalho<br />

com final longo e picante<br />

Teor Alcoólico<br />

38%<br />

Tequila só é... tequila se<br />

tiver sido produzida com os<br />

agaves da região de Jalisco<br />

Casamigos<br />

A Tequila de George<br />

Clooney surpreendeu o mercado<br />

não é certamente por acaso que os mexicanos<br />

se têm batido, ao longo dos anos, pelo direito<br />

à exclusividade do uso da designação da<br />

palavra tequila. Reclamam que a tequila genuína,<br />

com os seus típicos 40% de teor alcoólico,<br />

só é verdadeira se tiver sido feita com os agaves<br />

da região de Jalisco, cidade mexicana a 65<br />

quilómetros de Guadalajara.<br />

Apesar da variedade de tequilas produzidas, e<br />

da existência de famosas marcas de referência,<br />

o mercado foi surpreendido, no início de<br />

2013, com uma tequila com características únicas.<br />

Designada Casamigos, tinha também uma<br />

outra particularidade: um dos seus criadores<br />

era o actor norte-americano George Clooney<br />

que, com um seu amigo e empresário, Rande<br />

Gerber, tinham por hábito passar férias juntos<br />

no México. Conta Rande Gerber que “os barmen<br />

recomendavam tipos diferentes de tequila.<br />

Depois de alguns meses, o George virou-se para<br />

mim e disse: por que é que nós não fazemos<br />

a nossa própria tequila?.” E foi isso que fizeram.<br />

Depois de consultarem amigos que viviam<br />

na região, a dupla trabalhou com um mestre<br />

destilador em Jalisco, no México, para achar o<br />

exacto perfil de sabor de que estavam à procura<br />

— sem queimar e sem ser pungente. Gerber<br />

e Clooney tinham inclinação por uma Reposado<br />

— tequila suave, equilibrada, que é envelhecida<br />

em barris de carvalho por meses —<br />

e foi por aí que iniciaram a sua actividade.<br />

A sua primeira opção foi pôr uma mistura de<br />

agave 100% Blue Weber cozida lentamente<br />

num forno de tijolos e deixada em fermentação<br />

por bastante tempo. Na realidade, o processo<br />

da fermentação é extra lento, mais do<br />

dobro do padrão das convencionais 80 horas<br />

de maturação das leveduras.<br />

O resultado é uma tequila bastante suave cujo<br />

sabor não precisa ser mascarado por sal e limão.<br />

A marca começou por lançar dois sabores,<br />

o Blanco e o Reposado. A Casamigos Reposado<br />

é uma tequila suave, limpa, com notas de<br />

caramelo, enquanto a Casamigos Blanco é nítida<br />

e clara com toques subtis de baunilha.<br />

O sucesso da Casamigos superou todas as expectativas<br />

e venceu alguns prémios internacionais.<br />

Entre 2016 e 2017, as vendas cresceram<br />

54% e, com o valor da marca em alta, Clooney<br />

e Gerber venderam a Casamigos à Diageo<br />

por mil milhões de dólares, num grande negócio<br />

sem ressaca no dia seguinte, por certo.<br />

Casamigos<br />

Tequila<br />

Blanco<br />

País<br />

México<br />

COR<br />

Nítida e clara<br />

SaBOR<br />

Citrinos,<br />

baunilha e<br />

agave doce<br />

Teor alcoólico<br />

40%<br />

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63


os olhos de uma objectiva<br />

não captam o que está<br />

além dos seus limites. É como<br />

se o universo escondesse<br />

os desafios que, inevitavelmente,<br />

se haveriam de<br />

impor à equipa de Afrocinemakers,<br />

um grupo de jovens<br />

unido pela paixão pelo<br />

cinema, que agora vêem esse<br />

embalo tornar-se numa<br />

responsabilidade.<br />

A empresa foi constituída<br />

há cerca de cinco anos por<br />

Jared. J. Nota (realizador e<br />

editor), Omar Faquirá (produtor<br />

e gestor de projectos),<br />

Ivo Mabjaia (realizador e<br />

roteirista) e Agostinho Guila<br />

(produtor), mas, na verdade,<br />

todos fazem um pouco<br />

de tudo.<br />

Entre várias curtas-metragens<br />

produzidas apenas para<br />

“aprender fazendo”, o desafio<br />

por eles próprios imposto<br />

foi o de melhorar a cada<br />

nova produção. E o esforço<br />

brilhou sob o holofote. Recentemente,<br />

os jovens levaram<br />

para casa o prémio de<br />

“Melhor Curta-Metragem”<br />

com o trabalho “Ontogénesis”,<br />

de Jared J. Nota e Ivo<br />

Mabjaia, num concurso pro-<br />

AFROCINE-<br />

MAKERS<br />

AFROCINEMAKERS<br />

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CINEMA COM PAIXÃO<br />

movido pelo Centro Cultural<br />

moçambicano-alemão. “Este<br />

prémio deu-nos mais visibilidade<br />

e, justamente por termos<br />

vencido, a nossa ideia<br />

é de passarmos por uma<br />

espécie de workshop para<br />

elevar os nossos níveis.<br />

Agora somos obrigados a<br />

produzir com uma qualidade<br />

que seja elegível para<br />

qualquer concurso a nível<br />

internacional” contou Jared<br />

Nota. Nesta senda, Omar Faquirá<br />

confessa: “já descobrimos<br />

algumas fórmulas para<br />

produzir e poder concorrer”<br />

e, no mínimo, “é preciso<br />

manter o padrão”.<br />

Em particular, “Ontogénesis”<br />

projectou a pequena<br />

empresa de cinema para<br />

os olhos do mundo, tendo já<br />

recebido pedidos para rodar<br />

o filme em festivais no<br />

Brasil (Baía) e Alemanha.<br />

E, sem insuflar o ego, “viajar<br />

para esses países só para<br />

ver o filme a rodar não<br />

agrega muito valor em si<br />

(sorri Jared), porque pretendemos<br />

pegar no valor que<br />

Recentemente, os jovens levaram<br />

para casa o prémio de “Melhor Curta-<br />

Metragem” com o filme “Ontogénesis”<br />

serviria para a nossa logística<br />

lá e adquirir material, o<br />

nosso grande ‘calcanhar de<br />

Aquiles’”. A Afrocinemakers<br />

também passa por um dilema<br />

‘conhecido por todos’ – a<br />

falta de fundos.<br />

A solução disso na área da<br />

produção de filmes passa<br />

por arrecadar quotas<br />

mensais entre os mais de<br />

50 outros colaboradores<br />

que abraçaram a causa dos<br />

“(des)apaixonados”. E assim<br />

o filme avança. Novas imagens<br />

têm o seu lançamento<br />

para breve, segundo revela<br />

Faquirá.<br />

Existem ainda mais três<br />

projectos que estão a caminho<br />

entre os quais uma série<br />

“cujo episódio-piloto também<br />

já está a caminho.Temos<br />

uma Ontologia que, por<br />

agora, está na fase de produção<br />

dos roteiros, estamos<br />

na angariação de fundos internos<br />

para um filme ainda<br />

sem título, que fala sobre<br />

uma jovem moça que<br />

sofre de distúrbios de carácter<br />

espiritual e a saída é<br />

aprender o curandeirismo”,<br />

concluiu.<br />

texto Emídio Massacola<br />

fotografia Mariano silva<br />

65


Lister<br />

Smealth<br />

Modelo<br />

Lister<br />

Stealth SUV<br />

Velocidade<br />

314 km/h<br />

Preço<br />

144 770<br />

dólares<br />

v<br />

LISTER STEALTH, O SUV<br />

a competitiva linha dos<br />

SUV não pára de surpreender<br />

o mundo com novidades.<br />

Desta vez correm notícias<br />

de que um dos players deste<br />

competitivo mercado lançou<br />

uma proposta que parece<br />

bater toda a concorrência<br />

no que à velocidade diz<br />

respeito. A britânica Lister<br />

Motor Company divulgou o<br />

SUV Lister Stealth, um projecto<br />

desenvolvido sob a base<br />

do Jaguar F-Pace SVR capaz<br />

de acelerar a 314 km/h,<br />

mais veloz do que o Bentley<br />

Bentayga Speed (306 km/h)<br />

e que o Lamborghini Urus<br />

(305 km/h). Com a ambição<br />

de se tornar no SUV mais<br />

veloz do mundo, a marca<br />

desenvolveu uma variante<br />

do motor V8 a debitar<br />

uns extraordinários 675 cv.<br />

O funcionamento mecânico<br />

mantém os 5.0 Supercharged<br />

que equipa o topo de<br />

gama do SUV britânico, mas<br />

com novo compressor e fil-<br />

MAIS RÁPIDO DO MUNDO<br />

tro de ar, intercooler modificado,<br />

quatro ponteiras de<br />

escape em aço inoxidável<br />

e reprogramação da ECU<br />

para fornecer 675 cv e 881<br />

Nm – aumento de 22% face<br />

aos números do SVR, que<br />

anuncia 550 cv e 681 Nm.<br />

Apesar da sua pujança, visto<br />

mais de perto, o Lister pode<br />

não ser o mais potente.<br />

Esse estatuto pertence ao<br />

Dodge Durango Hellcat, com<br />

uns incríveis 720 cv, o mais<br />

rápido a cumprir 0 a 100<br />

km/h em 3,6 segundos, mais<br />

lento 0,1 segundos do que o<br />

Lamborghini Urus.<br />

Mas não há SUV produzido<br />

em série com superior<br />

velocidade de ponta. O Lister<br />

Stealth é capaz de ‘voar<br />

baixinho’ a 314 km/h, mais<br />

veloz do que Bentley Bentayga<br />

Speed (306 km/h) e<br />

Lamborghini Urus (305 km/<br />

O Lister Stealth é um projecto<br />

desenvolvido sobre a base do Jaguar<br />

F-Pace SVR pode chegar aos 314 km/h<br />

h). O Stealth também beneficia<br />

de uma série de upgrades<br />

de chassis e aerodinâmica,<br />

mais rodas forjadas<br />

de 23 polegadas de Vossen, e<br />

ponte de Weir nappa guarnição<br />

de couro. O interior<br />

pode ser totalmente personalizado,<br />

com a Lister a oferecer<br />

até 36 opções de cor e<br />

90 opções de costura. A Lister<br />

procura transformar-se<br />

num segmento de produção<br />

semi-oficial da Jaguar, semelhante<br />

ao que a Alpina<br />

é para a BMW, e a AMG era<br />

para a Mercedes-Benz, pelo<br />

que provavelmente será<br />

tratado como um dos Jaguares<br />

mais afinados por Lister<br />

nos próximos anos, incluindo,<br />

possivelmente, o I-Pace.<br />

Por outro lado, a Lister não<br />

vai desistir dos seus modelos<br />

autónomos. A empresa<br />

ainda está a produzir versões<br />

continuadas do seu famoso<br />

carro de corrida Knobbly,<br />

e tem um super-carro<br />

nas obras para suceder ao<br />

seu super-carro Storm dos<br />

anos 90.<br />

66<br />

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