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especial covid-19<br />
agências humanitárias alertam<br />
para a iminência da fome no país<br />
Entrevista<br />
Luís Magaço fala do caminho para o<br />
alcance da competitividade cambial<br />
Dívida<br />
África tem uma dívida externa<br />
que não pára de crescer<br />
Educação<br />
O plano Estratégico para a educação<br />
<strong>2020</strong>-2029 que agora se inicia no país<br />
moçambique<br />
Para onde<br />
vai o metical?<br />
Da desvalorização dos últimos meses à valorização<br />
esperada com a entrada dos mega investimentos do gás.<br />
Os perigos do sobe e desce cambial<br />
SETEMBRO <strong>2020</strong> • ano 03<br />
n o 29 • 15/09 - 15/10<br />
Versão ePaper
Sumário<br />
6 Observação<br />
Crise humanitária<br />
A imagem do agudizar do caos económico, social e<br />
político no Mali após o Golpe de Estado em Agosto<br />
8 Radar<br />
Panorama <strong>Economia</strong>, Banca, Finanças,<br />
Infra-estruturas, Investimento, País<br />
14 ESPECIAL COVID-19<br />
Insegurança alimentar<br />
Consequência da pandemia, a África Austral e<br />
Moçambique estão à beira da subnutrição<br />
59 ócio<br />
60 Escape Uma viagem até ao Arquipélago de Bazaruto 62<br />
Gourmet É a vez de saborear as delícias do Ficka, na baixa<br />
de Maputo 63 Adega A tequila de George Clooney 65 Arte<br />
Afrocinemakers, a vontade de jovens moçambicanos em<br />
conquistar o mundo do cinema 66 Ao volante do Lister Stealh,<br />
o SUV mais rápido do mundo<br />
24 nação<br />
40<br />
que resultados trará a queda do metical?<br />
24 Desvalorização Estudiosos e Banco Central divergem<br />
quanto à gravidade do fenómeno na estabilidade futura<br />
30 Risco cambial Economistas minimizam efeitos da<br />
desvalorização, mas temem a ‘Doença Holandesa’<br />
34 Entrevista Luís Magaço critica postura do Banco de<br />
Moçambique na gestão da Política Monetária<br />
mercado e FinanÇas<br />
Contas Públicas<br />
Execução do Orçamento do Estado no primeiro<br />
semestre faz prever incumprimento da meta anual<br />
46 eMPRESAS<br />
Output Tech Solutions<br />
Da curiosidade e amor pela tecnologia nasceu um<br />
negócio que permite poupar custos de energia<br />
48 Megafone<br />
Marketing<br />
O que está a acontecer no mundo das<br />
marcas em Moçambique e lá por fora<br />
50 SOCIEDADE<br />
54<br />
Educação<br />
Paul Gomis, representante da UNESCO, revela as<br />
linhas gerais do Plano Estratégico para a Educação<br />
lÁ fora<br />
A Dívida de África<br />
Uma reflexão sobre os riscos de uma (quase<br />
perpétua) dependência em relação à ajuda externa<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />
3
Editorial<br />
Da queda do metical ao<br />
regresso à normalidade<br />
Celso Chambisso •Editor da <strong>Economia</strong> & <strong>Mercado</strong><br />
há três anos que o metical se tinha estabilizado na casa dos<br />
60 meticais por unidade de dólar, depois de uma das piores<br />
taxas de desvalorização da História, registada entre 2015 e<br />
2016, em resposta a uma combinação de eventos internos e<br />
internacionais desfavoráveis à estabilidade macroeconómica.<br />
Desta vez, mesmo que ainda não se tenha atingido a dimensão<br />
daquela crise – cujo salto no valor cambial do dólar foi de 30 para<br />
perto de 80 meticais – a História parece estar prestes a repetir-se: desde o<br />
início do ano, a moeda nacional vem perdendo terreno de forma contínua.<br />
De uma cotação média em torno de 62 meticais por cada dólar em Janeiro,<br />
segundo as taxas de câmbio de referência do Banco Central, actualmente o<br />
dólar está acima dos 72 meticais.<br />
Nesta edição, a E&M procura abordar o fenómeno da desvalorização do<br />
metical indo além do primeiro olhar que remete, óbvia e invariavelmente,<br />
para o encarecimento das importações e estímulo às exportações a si associado.<br />
Esta discussão, em toda a sua dimensão, obedece a uma sequência de<br />
artigos suportados por pesquisas e entrevistas a estudiosos e agentes económicos<br />
que lidam com o mercado cambial na sua actividade produtiva, os<br />
quais, para já, divergem quanto ao grau de risco que este cenário representa<br />
para a estabilidade nos próximos tempos.<br />
É oportuno lembrar que não é apenas a estabilidade cambial do metical<br />
que está em análise nesta edição. É também levantada a possibilidade de<br />
falhanço das metas de execução do Orçamento do Estado do presente ano,<br />
assunto abordado na secção “<strong>Mercado</strong> e Finanças”.<br />
E porque um dos temas da actualidade é o ansiado regresso à normalidade,<br />
caminho que Moçambique já começou a traçar, a UNESCO apresenta, nesta<br />
edição, um projecto que poderá conferir eficácia ao já iniciado processo<br />
de retorno às aulas.<br />
É também no contexto do gradual regresso à vida normal que a presente<br />
edição fica marcada pela devolução da E&M às mãos do leitor no formato<br />
físico, depois de cinco edições de interregno em respeito às imposições da<br />
Covid-19. Esta decisão não é fruto do acaso. Vem na sequência do alívio às<br />
medidas de prevenção da pandemia, com a recente declaração do Estado<br />
de Calamidade Pública pelo Presidente da República, a vigorar a partir de<br />
7 de <strong>Setembro</strong> corrente e por tempo indeterminado, ao fim de exactos cinco<br />
meses restrições.<br />
Comprometida com a causa da prevenção da covid-19, a E&M continuará<br />
atenta à evolução da situação no País e no mundo, pelo que mantém o acesso<br />
à revista nas diferentes plataformas digitais, nomeadamente a App que<br />
disponibilizamos gratuitamente e através da newsletter enviada mensalmente<br />
para toda a nossa base de leitores, assinantes e parceiros comerciais<br />
e institucionais.<br />
MÊS<br />
SETEMBRO<br />
ano • Nº<br />
<strong>2020</strong><br />
01<br />
• Nº 29<br />
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos<br />
pedro.cativelos@media4development.com<br />
propriedade Executive Mocambique<br />
EDITOR Liquatis nienis EXECUTIVO doluptae Celso velit Chambisso et magnis<br />
JORNALISTAS enis necatin nam Emídio fuga. Massacola, Henet exceatem Cristina<br />
Freire, seque Elmano cus, sum Madaíl, nis nam Rogério iu Qui Macambize,<br />
te nullant<br />
Rui adis Trindade destiosse iusci re in prae voles<br />
PAGINAÇÃO sant laborendae José nihilib Mundundo uscius sinusam<br />
FOTOGRAFIA rehentius eos resti Mariano dolumqui Silva dolorep<br />
REVISÃO reprem vendipid Manuela que Rodrigues ea et eumque dos Santos non<br />
Direcção nonsent qui Comercial officiasi Ana Esteves -<br />
ana.esteves@media4development.com<br />
lorem ipsum Executive Mocambique<br />
conselho Liquatis nienis CONSULTIVO<br />
doluptae velit et magnis<br />
Alda enis necatin Salomão, nam Andreia fuga. Narigão, Henet exceatem António<br />
Souto; seque cus, Bernardo sum nis Aparício, nam iu Denise Qui te Branco, nullant<br />
Fabrícia adis destiosse Almeida iusci Henriques, re in prae voles Frederico<br />
Silva, sant laborendae Hermano Juvane, nihilib Iacumba uscius sinusam Ali Aiuba,<br />
João rehentius Gomes, eos Narciso resti dolumqui Matos, Rogério dolorep Samo<br />
Gudo, reprem Salim vendipid Cripton que Valá, ea et Sérgio eumque Nicolini non<br />
ADMINISTRAÇÃO, nonsent qui officiasi REDACÇÃO<br />
E lorem PUBLICIDADE ipsum Liquatis Media4Development<br />
nienis doluptae<br />
Rua velit Ângelo et magnis Azarias enis Chichava necatin nam nº 311 fuga. A —<br />
Sommerschield, Henet exceatem Maputo seque cus, – Moçambique;<br />
sum nis nam<br />
marketing@media4development.com<br />
iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />
IMPRESSÃO prae voles sant E ACABAMENTO<br />
laborendae nihilib uscius<br />
Minerva sinusam Print rehentius - Maputo eos - resti Moçambique dolumqui<br />
Tiragem dolorep reprem 4 500 vendipid exemplares que ea et<br />
Propriedade eumque non nonsent dO Registo qui officiasi<br />
Executive lorem ipsum Moçambique Liquatis nienis doluptae<br />
Exploração velit et magnis enis Editorial necatin nam e fuga.<br />
Comercial Henet exceatem em seque Moçambique cus, sum nis nam<br />
Media4Development<br />
iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />
Número prae voles de sant Registo laborendae nihilib uscius<br />
01/GABINFO-DEPC/2018<br />
sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />
dolorep reprem vendipid que ea et<br />
eumque non nonsent qui officiasi<br />
lorem ipsum Liquatis nienis doluptae<br />
velit et magnis enis necatin nam fuga.<br />
Henet exceatem seque cus, sum nis nam<br />
iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />
prae voles sant laborendae nihilib uscius<br />
sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />
dolorep reprem vendipid que ea et<br />
eumque non nonsent qui officiasi<br />
4<br />
www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019
observação<br />
Mali, Agosto de <strong>2020</strong><br />
O espectro de uma<br />
crise que tarda<br />
a cessar<br />
A junta militar que tomou o poder no<br />
Mali a 18 de Agosto passado, por via<br />
de um golpe de Estado, veio agudizar<br />
uma instabilidade que se arrasta desde<br />
2012, e com repercussões alarmantes<br />
sobre a economia, dada a prolongada<br />
estagnação económica e os elevados<br />
índices de corrupção naquele país da<br />
África Ocidental.<br />
Mais grave ainda é a persistente ausência<br />
de sinais para a reconquista da paz e<br />
tranquilidade, mesmo com a intervenção<br />
de instituições multilaterais como a ONU.<br />
Na mais recente crise, por exemplo,<br />
a junta militar que tomou o poder e a<br />
Comunidade Económica dos Estados da<br />
África Ocidental (CEDEAO) tentaram uma<br />
série de negociações que se arrastaram<br />
por vários dias, mas que não resultaram<br />
em qualquer acordo para a transferência<br />
de poder para os civis. As duas partes<br />
chegaram a afastar, nessas negociações,<br />
a reintegração do ex-presidente, Ibrahim<br />
Boubacar Keita, depois de este ter dito<br />
aos representantes da CEDEAO que já<br />
não queria governar, contrariando uma<br />
das exigências iniciais da organização<br />
regional e tornando ainda mais difícil o<br />
alcance de consensos.<br />
fotografia D.R<br />
6<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> 2019<br />
7
RADAR<br />
Terrorismo ameaça deteriorar<br />
as finanças públicas<br />
O economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá, considera<br />
haver uma ameaça terrorista no Norte de Moçambique<br />
que pode prejudicar as finanças públicas, num momento<br />
em que a economia do País já sofre com os efeitos da<br />
pandemia de covid-19.<br />
“As ameaças associadas ao terrorismo na província de Cabo<br />
Delgado podem ter implicações negativas nas finanças<br />
públicas e intensificar as pressões sobre a balança de pagamentos”,<br />
escreve numa nota do banco.<br />
Segundo Fáusio Mussá, a situação “também poderá ter<br />
implicações ao nível da inflação, à medida que o metical<br />
se deprecia”.<br />
Não espanta, por isso, ainda de acordo com a análise, que<br />
o Banco Central tenha decidido “manter a sua taxa de juro<br />
de política monetária (MIMO) inalterada nos 10,25% para<br />
o resto do ano, com o mercado a praticar uma taxa de<br />
empréstimos (prime rate) de 15,9%, ainda elevada em termos<br />
reais, quando comparada com a inflação homóloga<br />
de Julho nos 2,8%”.<br />
ECONOMIA<br />
Pescas. O Porto da Beira, o<br />
maior porto de pescas de<br />
Moçambique, recebeu, recentemente,<br />
o primeiro navio<br />
de pesca que transportava<br />
500 toneladas de carapau<br />
após a sua reabilitação.<br />
O projecto de reconstrução<br />
daquela infraestrutura custou<br />
120 milhões de dólares.<br />
De acordo com o director do<br />
porto de pesca da Beira, António<br />
Remédio, “a embarcação<br />
com 119 metros de comprimento<br />
e 4,7 metros de calado,<br />
atracou e zarpou sem<br />
quaisquer contratempos. A<br />
operação foi, nas suas palavas,<br />
“um sucesso para a<br />
competitividade internacional<br />
e regional do porto e o<br />
primeiro passo na rentabilização<br />
da infra-estrutura”.<br />
Negócios. De um universo<br />
de pouco mais de 89 385 empresas<br />
abrangidas por uma<br />
pesquisa sobre o impacto<br />
do Covid-19 nas empresas,<br />
o Instituto Nacional de Estatística<br />
(INE) constatou que 80<br />
756 empresas, o correspondente<br />
a 90,4%, sofreram algum<br />
tipo de impacto devido<br />
à pandemia. Como consequência,<br />
pouco mais de 3,3<br />
milhões de trabalhadores<br />
foram afectados, além de se<br />
ter registado uma quebra<br />
da facturação global das<br />
empresas na ordem dos 8<br />
mil milhões de meticais.<br />
De acordo com o estudo,<br />
apresentado recentemente,<br />
no primeiro semestre,<br />
as empresas registaram<br />
10,9 mil milhões de meticais<br />
em receitas, muito abaixo<br />
dos 18,6 mil milhões reportadas<br />
em igual período<br />
de 2019.<br />
Inhambane é a província<br />
onde mais empresas foram<br />
prejudicadas pela crise. De<br />
um total de 5 385 empresas<br />
avaliadas, 98,8% sofreram<br />
os efeitos da pandemia,<br />
seguida da província de Gaza,<br />
com 94,8% das 5 414 empresas<br />
abrangidas pelo estudo<br />
a reportarem prejuízos.<br />
A pesquisa revela ainda<br />
que 100% das actividades<br />
de educação, artísticas,<br />
de espectáculos e de recriação<br />
foram afectadas.<br />
Cooperação. A Confederação<br />
das Associações Económicas<br />
(CTA) – principal entidade<br />
patronal do País – considera<br />
haver potencialidades<br />
para a diversificação do leque<br />
de produtos que constituem<br />
a base das trocas comerciais<br />
entre Moçambique<br />
e a Índia.<br />
Segundo Castigo Nhamane,<br />
vice-presidente da CTA,<br />
que falava durante um fórum<br />
de negócios que juntou<br />
empresários dos dois países,<br />
em Maputo, a castanha de<br />
caju e o feijão estão entre os<br />
principais produtos agrícolas<br />
que Moçambique exporta<br />
para a Índia, país que eliminou<br />
as taxas de exportação<br />
sobre produtos moçambicanos,<br />
com excepção de<br />
bebidas alcoólicas e tabaco.<br />
“Acreditamos que a Índia,<br />
sendo um país em desenvolvimento,<br />
pode ter um papel<br />
muito importante para<br />
ajudar a alavancar e dinamizar<br />
o sector privado moçambicano”,<br />
sublinhou.<br />
Na ocasião, o Alto-Comissário<br />
da Índia em Moçambique,<br />
Rajeev Kumar, manifestou<br />
preocupação com os<br />
raptos de empresários que<br />
tem vindo a acontecer no<br />
País como um obstáculo a<br />
remover para melhorar a<br />
atractividade do mercado.<br />
Insustentabilidade. O economista<br />
Egas Daniel defende<br />
que facto de a dívida moçambicana<br />
se situar na casa<br />
dos 122% do PIB tem como<br />
impacto directo o desvio<br />
de recursos que deveriam<br />
ser usados para o<br />
desenvolvimento do País.<br />
“A alta percentagem da<br />
8<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
dívida sobre o PIB significa<br />
o desvio de recursos e o alto<br />
serviço da dívida acaba<br />
ditando a necessidade de financiamento<br />
do Orçamento<br />
do Estado, muitas vezes com<br />
recurso ao endividamento<br />
interno,” diz Daniel.<br />
Lembre-se que a dívida pública<br />
de Moçambique passou<br />
de 40% do PIB em 2013<br />
para cerca de 120% agora,<br />
situação que, segundo alguns<br />
economistas, está a ter<br />
um impacto nefasto na vida<br />
dos moçambicanos.<br />
Num relatório recente sobre<br />
Riscos Fiscais, o Banco<br />
de Moçambique refere que<br />
a dívida pública continua<br />
acima dos indicadores de<br />
sustentabilidade recomendados<br />
para os países de baixo<br />
rendimento.<br />
FMI. O Fundo Monetário Internacional<br />
(FMI) nomeou o<br />
brasileiro Alexis Meyer-Cirkel<br />
como novo representante-residente<br />
da organização<br />
em Moçambique, em<br />
substituição do seu compatriota<br />
Ari Aisen.<br />
Alexis Meyer-Cirkel desempenhou<br />
várias funções<br />
no FMI e integrou missões<br />
da organização em vários<br />
países, trabalhando em tópicos<br />
de política macroeconómica,<br />
sustentabilidade<br />
da dívida pública e análise<br />
do sector externo, refere<br />
a nota. Antes de se juntar<br />
àquela organização financeira<br />
internacional, trabalhou<br />
no Banco Central Europeu<br />
(BCE), Banco Central<br />
do Brasil, Morgan Stanley e<br />
Allianz Research.<br />
O novo representante-residente<br />
do FMI em Moçambi-<br />
que é doutorado em <strong>Economia</strong><br />
pela Universidade de<br />
Goethe, Frankfurt, e é mestre<br />
em Estudos de Desenvolvimento<br />
pela London School<br />
of Economics.<br />
Alexis Meyer-Cirkel assume<br />
funções em Moçambique<br />
numa altura em que o<br />
FMI desapertou as restrições<br />
de apoio ao País.<br />
EXTRACTIVAS<br />
Fundo Soberano. O Centro para<br />
a Democracia e Desenvolvimento<br />
(CDD), uma das<br />
organizações moçambicanas<br />
da sociedade civil, vai<br />
apresentar, este ano, uma<br />
proposta técnica sobre a<br />
criação do fundo soberano.<br />
O CDD avança que, com o referido<br />
projecto de Lei, a sociedade<br />
civil moçambicana<br />
pretende persuadir o<br />
Governo e a Assembleia da<br />
República a alargar o leque<br />
de contribuições para a estrutura<br />
e o funcionamento<br />
do futuro fundo soberano.<br />
O projecto de Lei será criado<br />
pelo Estado para a gestão<br />
das receitas da indústria<br />
extractiva.<br />
Combustíveis. A Total Trading<br />
& Shipping (Totsa), uma subsidiária<br />
da francesa Total, vai,<br />
de facto, ser a nova importadora<br />
de combustíveis para o<br />
País, durante os próximos seis<br />
meses, a partir de Novembro<br />
próximo, na sequência do último<br />
concurso internacional<br />
lançado pela Importadora<br />
Moçambicana de Petróleos<br />
(IMOPETRO), para a contratação<br />
de firma para o efeito.<br />
“A Totsa foi definitivamente<br />
escolhida como novo fornecedor<br />
e já foi adjudicada”, anunciou<br />
o director-geral da IMO-<br />
PETRO, João Macanja.<br />
A adjudicação da Totsa era<br />
previsível, por ter apresentado<br />
o preço médio mais baixo<br />
para importar diferentes<br />
combustíveis.<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
OPINIÃO<br />
Ruralidade Versus Urbanidade: Dois Pólos<br />
Antagónicos ou Complementares? (II)<br />
Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique<br />
faz sentido conectar o urbano à riqueza e ao<br />
bem-estar? A urbanização é reconhecida como<br />
um fenómeno transformador que acompanhou<br />
a expansão da Revolução Industrial, da modernização<br />
e do sistema capitalista, gerando um<br />
progresso incessante e uma prosperidade sem<br />
igual no contexto da globalização económica, do incremento<br />
tecnológico e da preponderância da alta finança internacional.<br />
A competição urbano-rural irá intensificar-se com<br />
a urbanização acelerada, dado que o anseio por uma vida<br />
aprazível, saudável e próspera ocorre tanto nas áreas urbanas<br />
como nas rurais, à medida que a concentração de<br />
pessoas aumenta nos centros urbanos.<br />
População urbana é aquela que tem a sua residência permanente<br />
dentro dos limites administrativos dos aglomerados<br />
humanos que são classificados como cidades e vilas.<br />
É frequente diferenciar o urbano do rural com base nos<br />
seguintes indicadores: (i) diferenças ocupacionais ou principais<br />
actividades em que se concentra a população economicamente<br />
activa; (ii) diferenças ambientais, em termos de<br />
importância da terra para a produção, contacto com a natureza<br />
e o ambiente; (iii) tamanho da população e densidade<br />
populacional; (iv) homogeneidade ou heterogeneidade<br />
da população, sob o ponto de vista sociocultural; (v) maior<br />
ou menor grau de diferenciação, estratificação e complexidade<br />
social, incluindo mobilidade social; (vi) direcção da migração;<br />
(vii) densificação institucional, presença de infra-<br />
-estruturas socioeconómicas e qualidade e diversidade de<br />
serviços, e; (viii) delimitação político-administrativa.<br />
A urbanização deriva e origina efeitos principalmente<br />
positivos, porque é determinada pela melhoria e diversificação<br />
das infra-estruturas, melhoria das condições de<br />
vida e das oportunidades de trabalho, bem como da recreação,<br />
lazer e bem-estar social. Todavia, os problemas<br />
surgem quando a urbanização se concentra, de forma<br />
desequilibrada e desordenada, num pequeno número de<br />
áreas metropolitanas, sem condições de absorção dos novos<br />
imigrantes, nem oportunidades de emprego, habitação,<br />
saneamento, segurança, entre outros. As cidades continuam<br />
a ser os espaços privilegiados e, por vezes, quase exclusivos,<br />
onde está presente: i) a capacidade tecnológica; ii)<br />
o aumento da produtividade e competitividade económica;<br />
iii) aperfeiçoamento dos canais de distribuição e logísticos;<br />
iv) serviços financeiros inclusivos, inovadores e de proximidade;<br />
v) novos segmentos e nichos de mercado inexplorados;<br />
vi) infra-estruturas sociais e de transporte e comunicações<br />
modernas e eficientes; vii) atractivo ambiente de<br />
negócios, e; viii) dispositivos de educação, ciência e inovação<br />
calibrados para responder às demandas do sector produtivo.<br />
Quando essas condições só estão presentes no pólo<br />
urbano, faz emergir a conotação pejorativa de olhar para<br />
o espaço rural como atrasado económica, social e culturalmente,<br />
e a necessidade de travar uma batalha para inverter<br />
a situação desvantajosa (Veiga, 2003; Lefebvre, 2002).<br />
Em 1950, apenas 29,6% da população mundial era considerada<br />
urbana, e em 2014 essa cifra subiu para 53,6%. Para<br />
2030, projecta-se que 60% da população mundial viva em<br />
espaços urbanos, podendo em 2050 atingir 66,4%. No passado,<br />
a maior parte do crescimento urbano foi liderado pelos<br />
países desenvolvidos. Porém, estima-se que 90% do crescimento<br />
urbano global actual e nas próximas décadas tenha<br />
lugar no hemisfério sul, particularmente na Ásia e África.<br />
Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem<br />
a menos de 1% da superfície da terra, albergam<br />
mais de metade da população mundial e geram 70-80% do<br />
PIB global. É hoje consensual que a transição urbana, ou<br />
seja, o processo de substituição de formas de vida rural ou<br />
camponês, caracterizado por assentamentos dispersos, por<br />
outro modo de vida, baseado em assentamentos concentrados,<br />
é um factor determinante para o progresso económico<br />
dos países e para o bem-estar das famílias e pessoas (Hansine<br />
& Arnaldo, 2019).<br />
José Forjaz (2004) refere que enquanto se mantiver a dependência<br />
que as zonas rurais têm em relação ao meio<br />
urbano, onde as decisões são tomadas e o “bolo nacional” é<br />
repartido, não poderá haver outra visão senão a de que o<br />
Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem a menos de 1% da superfície da<br />
terra, albergam mais de metade da população mundial e geram 70-80% do PIB global<br />
10<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
Em Moçambique, a população urbana cresce com muita rapidez e hoje situa-se em torno dos 34%<br />
futuro do campo, onde a parte mais importante da riqueza<br />
nacional é produzida, passe exactamente por um equilíbrio<br />
de interesses desses dois âmbitos territoriais e sociais,<br />
acreditando que as cidades podem ser os motores do desenvolvimento<br />
rural, se forem devidamente enquadradas<br />
numa estratégia global de desenvolvimento equilibrado do<br />
país. É inegável que os centros urbanos absorvem parte<br />
significativa das capacidades, talento e recursos dos países.<br />
Todavia, eles continuam a depender do meio rural para<br />
uma parte importante da sua sobrevivência, quer em termos<br />
de comercialização da sua produção e dos serviços<br />
que prestam, quer porque necessitam do que o campo lhes<br />
fornece, tanto em géneros como em trabalho a baixo custo.<br />
Forjaz aponta que as nossas cidades são uma mistura de<br />
ruralidade e urbanidade, com largos segmentos da população<br />
sem qualquer das infra-estruturas, serviços básicos<br />
e organização administrativa que distinguem tradicionalmente<br />
a cidade do campo.<br />
Em muitos países africanos, o rural e o urbano são encarados<br />
como dois espaços distintos que representam dois<br />
universos. E, embora mantenham fortes relações entre si,<br />
caminham a velocidades bem diferentes e representam<br />
culturas e realidades diferenciadas, situação agudizada<br />
pela globalização que, de forma periférica e perversa, só<br />
se faz sentir nas principais cidades que, grosso modo, se<br />
afastam cada vez mais do mundo rural circundante. Em<br />
muitos espaços definidos como urbanos, não é fácil separar<br />
estes dois conceitos, em particular naquilo que se designa<br />
por bairros urbanos das periferias das cidades ou simplesmente<br />
bairros periféricos.<br />
Em 1975, a população urbana em Moçambique cifrava-se<br />
em cerca de 8%, tendo evoluído para 15% em 1980, e daí<br />
para 25% em 1990 e para 29,2% em 1997, ou seja, quase duplicou<br />
em 17 anos. Actualmente, situa-se em torno de 34%.<br />
Importa realçar que nesse período, as cidades e vilas não<br />
cresceram em termos de construção definitiva nem de<br />
implantação de infra-estruturas socioeconómicas, tendo<br />
ocorrido à custa de processos de reclassificação urbana,<br />
sem que experimentassem significativas mudanças estruturais<br />
e infra-estruturais (Hansine & Arnaldo, 2019; Araújo,<br />
2002). As características dos bairros periféricos das cidades<br />
moçambicanas são fundamentalmente rurais, os membros<br />
das famílias têm comportamentos rurais e dedicam-se<br />
maioritariamente à produção agrícola de pequena escala<br />
e a actividades correlacionadas com a agricultura – venda<br />
de insumos, aluguer de meios de preparação da terra,<br />
comercialização de produtos agrícolas, armazenagem, conservação<br />
e transporte, embalagem e agro-processamento.<br />
Está também ligada aos pequenos negócios e ao trabalho<br />
assalariado na “cidade de cimento, com moradias e prédios<br />
verticais”. A diferenciação dos espaços urbanos, que se distinguem<br />
em bairros urbanos, suburbanos e peri-urbanos,<br />
possuem traços muito fortes e distintivos, e incorporam nítidas<br />
diferenciações sociais, económicas e culturais.<br />
Aqueles que são considerados como indicadores físicos e<br />
económicos de urbanização degradaram-se substancialmente<br />
com o tempo. O crescimento da população urbana<br />
pode ser atribuído a cinco factores fundamentais: a) a<br />
guerra civil que assolou o País durante vários anos e que<br />
afectou, em particular, as áreas rurais, provocou um movimento<br />
demográfico da população rural em direcção às<br />
principais cidades, consideradas lugares mais seguros; b)<br />
em 1986, o Governo procedeu a uma alteração da divisão<br />
administrativa do País, que alterou as áreas territoriais<br />
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11
OPINIÃO<br />
das cidades, ficando incluídas nestes amplos espaços rurais<br />
circundantes, sem que isso significasse a alteração<br />
das suas características em termos de ocupação do espaço,<br />
de produção e hábitos; c) as reformas da descentralização<br />
adoptadas na segunda metade da década de 1990 desencadeou<br />
a autarcização, que se iniciou com 33 municípios e<br />
evoluiu para os actuais 53, dentro de uma opção de gradualismo;<br />
d) o crescimento natural da população que reside<br />
nas cidades, e; e) o êxodo rural, principalmente dos jovens,<br />
procurando melhores oportunidades económicas e de emprego<br />
na cidade de Maputo e noutras cidades importantes<br />
do País, ou seja, pessoas que saem do campo não porque<br />
procuram vida boa e fácil nas grandes cidades, mas porque<br />
em algumas áreas rurais a vida é ainda difícil (Araújo,<br />
2002; Valá, 2009).<br />
Todavia, há desafios relacionados com o planeamento e ordenamento<br />
territorial, e ao facto de a teoria da transformação<br />
da economia dual de Arthur Lewis (1955), baseada<br />
na transferência de excedente de mão-de-obra do campo<br />
para a cidade, para servir como força de trabalho nas indústrias<br />
e serviços e potenciando a urbanização, não ocorrer<br />
de forma linear e automaticamente em países como<br />
Moçambique, devendo ser antecedida pela transformação<br />
da agricultura tradicional através do reforço do capital<br />
humano e uso de novas tecnologias pelas famílias rurais<br />
(Schultz, 1964).<br />
Em alguns casos, a ruralidade ultrapassa os limites das<br />
áreas rurais, quando alguns seus traços estão presentes<br />
na cidade através da presença de hábitos, valores e práticas<br />
do campo. É interessante entender a estratégia de proximidade<br />
rural – urbana, em que os produtores agrários<br />
ficam nas proximidades das cidades, não só para atingir<br />
o mercado com mais facilidade, diminuindo os custos de<br />
transporte e facilitando o manejo de produtos perecíveis,<br />
mas também pela possibilidade de a família continuar no<br />
espaço que lhe garanta renda e, ao mesmo tempo, acesso<br />
aos serviços que a cidade proporciona. Ficando no inter-<br />
-cruzamento entre as áreas rurais e urbanas, os moradores<br />
podem produzir culturas agrícolas, criar animais e<br />
seus derivados, e promover a agro-indústria, quer para o<br />
consumo familiar, quer como alternativa à falta de empregos<br />
nas cidades e geração de renda.<br />
Na verdade, já Ester Boserup (1965) havia sublinhado que<br />
a pressão demográfica tende a impulsionar a inovação<br />
tecnológica, particularmente no contexto agrário, estabelecendo<br />
uma ligação estreita entre crescimento populacional,<br />
desenvolvimento tecnológico e a necessidade de<br />
construção de estradas. Por outro lado, os assentamentos<br />
urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar<br />
a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades<br />
de emprego, educação, bem como de circulação<br />
e partilha de informação, a promoção de um mercado de<br />
consumo dinâmico e a geração de receitas fiscais.<br />
1. Optar por uma estratégia para cada pólo ou alterar<br />
a doutrina de desenvolvimento económico adoptada?<br />
O fim do isolamento entre a cidade e o campo é frequentemente<br />
expresso pelo conceito de “continuum” rural-urbano<br />
que, como o da urbanização do campo, possui duas interpretações.<br />
A primeira corresponde a uma visão urbano-<br />
-centrada (dicotómica), que privilegia o pólo urbano do<br />
“continuum” como fonte de progresso e dos valores dominantes<br />
que se impõem ao conjunto da sociedade. O extremo<br />
Os assentamentos urbanos, pelo facto de<br />
serem concentrados, tendem a facilitar a<br />
provisão de bens e serviços e a oferecer mais<br />
oportunidades de trabalho assalariado<br />
rural do “continuum”, visto como o pólo atrasado, tenderia<br />
a reduzir-se sob a influência avassaladora do pólo urbano<br />
desenvolvido num movimento comparado ao dos vasos comunicantes<br />
em que, por definição, um só, o urbano, se enche,<br />
enquanto o outro, o rural, só podia, consequentemente,<br />
esvaziar-se. Levada às últimas consequências, esta vertente<br />
das teorias da urbanização do campo aponta para<br />
um processo de homogeneização espacial e social, que se<br />
traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras<br />
entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da<br />
própria realidade rural espacial e socialmente distinta da<br />
realidade urbana. A segunda interpretação, ao contrário<br />
da primeira, considera o “continuum” rural-urbano como<br />
uma relação que aproxima e integra dois pólos extremos.<br />
Nesta perspectiva, a hipótese central é que, mesmo<br />
ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a<br />
continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o<br />
campo e a cidade não excluem as particularidades dos dois<br />
pólos e, por conseguinte, não representam o fim previsível<br />
do espaço rural, mas tão somente que o “continuum” se situa<br />
entre o pólo urbano e o pólo rural, distinto entre si e em<br />
12<br />
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intenso e dinâmico processo de mudança nas suas relações.<br />
Defendo que meio urbano não deve sobrepor-se ao rural,<br />
no sentido dicotómico dominante-dominado, rico-pobre,<br />
desenvolvido-subdesenvolvido, moderno-tradicional, iluminado-nas<br />
trevas, alfabetizado-ignorante, etc. A partir da<br />
altura em que for possibilitado ao campo ter as condições<br />
necessárias para que se viva e trabalhe dignamente nesse<br />
espaço, os cidadãos não terão mais de se deslocar para as<br />
grandes cidades em busca de serviços essenciais, como a<br />
saúde, educação, água, emprego, comércio, energia, cultura<br />
e lazer, bem como o tão sonhado exercício de cidadania que,<br />
na maior parte dos casos, nessas aventuras do deslocamento,<br />
vivem apenas o “pesadelo da grande cidade”, expresso<br />
por factores como a criminalidade, violência, contrabando,<br />
alcoolismo, prostituição, tráfico e consumo de drogas,<br />
negócios e actividades ilícitas e desemprego (Valá, 2009).<br />
A ruralidade deve ter referência em si mesma e não a<br />
partir da cidade, como se dela fosse um apêndice com dependência<br />
política e económica. O espaço rural não pode<br />
ser definido, unicamente, pela actividade agrícola, uma vez<br />
que se observa uma significativa redução de pessoas ocupadas<br />
na actividade agrícola em relação ao total de pessoas<br />
residentes no campo, e ao surgimento de uma camada de<br />
pequenos agricultores com outras fontes de rendimento. A<br />
ruralidade caracteriza-se por ser um conceito cuja natureza<br />
é territorial e não sectorial, como a noção do urbano.<br />
Assim, as cidades não são apenas definidas pelas indústrias<br />
e serviços, nem o campo exclusivamente pela agricultura.<br />
O valor do espaço rural está cada vez mais ligado a tudo<br />
que o distingue do espaço urbano, num contexto em que<br />
se assiste a uma revalorização da ruralidade, em vez da<br />
sua supressão por uma suposta completa urbanização. A<br />
ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a<br />
ser superada com o avanço do progresso e da urbanização.<br />
É preciso entender que não temos um rural que se urbaniza,<br />
mas sim um rural que se transforma permanentemente.<br />
É muito difícil dissociar o rural e o urbano, pois são espaços<br />
que se influenciam mutuamente pelas suas relações, formando<br />
assim o espaço geográfico uno.<br />
A identificação do rural e do urbano está muito dependente<br />
da intensidade das alterações realizadas pelo Homem no<br />
meio, através das técnicas, ou seja, maior ou menor grau<br />
de artificialização. Pode-se assumir que a cidade e o campo<br />
se entrelaçaram, pois enquanto a cidade se caracteriza<br />
pela artificialidade, trabalho e lazer, o campo distingue-se<br />
pela natureza, liberdade e beleza. É fundamental, no entanto,<br />
dar uma dimensão económica mais vincada para as<br />
áreas rurais, através de iniciativas como o PROMER, PRO-<br />
CAVA, SUSTENTA, entre outras, que permitam explorar plenamente<br />
o enorme potencial ainda dormente no campo e<br />
as pessoas que lá vivem usufruam de um crescente bem-<br />
-estar. A ruralidade-urbanidade não são dois pólos antagónicos,<br />
mas para serem complementares precisam de ser<br />
encarados dentro de uma visão estratégica que parte da<br />
realidade existente e pretende criar uma nova relação<br />
dentro de cada pólo e entre os dois pólos, que seja menos<br />
desbalançada, discriminatória e antagónica. Isso tem implicações<br />
conceptuais na alocação eficiente de recursos,<br />
na disponibilidade de capital humano, na implantação de<br />
infra-estruturas, nas opções tecnológicas apropriadas, na<br />
inclusão financeira e digital e na expansão do espírito empreendedor<br />
e da inovação.<br />
É nesta esteira que, sob o ponto de vista de planeamento<br />
e ordenamento territorial e fomento de actividades económicas<br />
e sociais integradas, se propõe como medida estratégica<br />
a indução - voluntária e através de incentivos<br />
apropriados - a constituição de micro e meso núcleos de<br />
povoamento no meio rural, mais densamente distribuídos<br />
pelo País e mais sustentáveis, através da instalação de<br />
agro-indústrias, implementação de infra-estruturas baseadas<br />
no trabalho intensivo e atracção do sector privado<br />
através de iniciativas de parcerias público-privadas. Essa<br />
intervenção ajudaria a melhorar a economia e a competitividade<br />
nas áreas rurais e evitaria a elevada concentração<br />
de pessoas nas grandes cidades do País, sem condições<br />
adequadas para as acolher, ou seja, favoreceria simultaneamente<br />
as áreas rurais e as urbanas.<br />
O nível de entendimento da situação concreta em cada<br />
pólo espacial pode ter implicações muito grandes no endossamento<br />
de políticas públicas. Ou seja, se se vai priorizar<br />
mais as políticas urbano-industriais ou as políticas rurais-<br />
-agrárias, ou em outras opções, como as baseadas nos corredores<br />
de desenvolvimento, na promoção do turismo de<br />
alta renda, ou na opção pelas zonas económicas especiais,<br />
na obtenção de mais renda das indústrias extractivas,<br />
no potenciamento da economia do conhecimento e nas TIC,<br />
ou na combinação de alguns destes eixos.<br />
Este debate não é pacífico, tem de ser perspectivado no longo<br />
prazo, está repleto dos mais variados conflitos, requer<br />
compromissos e pactos sociais abrangentes, e exige que se<br />
façam opções claras e consistentes, muitas das quais mutuamente<br />
exclusivas, e se tomem decisões selectivas.<br />
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13
Especial Covid<br />
Pandemia mascara insegurança<br />
alimentar e desnutrição<br />
Um, dois, três alertas. Os avisos das agências humanitárias sucedem-se: a falta de alimentos e a subnutrição podem atingir<br />
proporções que já há muitos anos não se viam na África Austral. Moçambique está entre os casos que inspiram mais<br />
cuidado. Mas é no terreno que os trabalhadores comunitários mostram como se pode fazer para inverter o cenário<br />
Texto Luís Fonseca, serviço especial da agência Lusa para a E&M • Fotografia D.R.<br />
“<br />
as contribuições de<br />
doadores são urgentes”.<br />
O alerta<br />
está a ser lançado<br />
pelo Programa<br />
Mundial para Alimentação<br />
(PMA) em Moçambique porque<br />
a Covid-19 está a agravar um contexto<br />
humanitário já fragilizado. Ciclones,<br />
inundações, seca (no Sul) e conflitos<br />
armados (no Centro e Norte) eram<br />
já as razões de fundo para a crise humanitária.<br />
O novo coronavírus e as<br />
restrições que implica só vieram piorar<br />
o cenário. No calendário agrícola,<br />
as colheitas já passaram e aproxima-se<br />
a fase agrícola ‘magra’ da campanha<br />
<strong>2020</strong>/21, altura do ano em que<br />
“as famílias mais vulneráveis estarão<br />
em risco de insegurança alimentar”<br />
até chegar a próxima colheita, alerta<br />
a agência das Nações Unidas. “As necessidades<br />
de financiamento geral do<br />
PMA são de 125 milhões de dólares para<br />
os próximos seis meses”, contando<br />
desde Agosto, em Moçambique. A organização<br />
antecipa quebras de abastecimento<br />
nas suas operações humanitárias<br />
em Cabo Delgado, Nampula<br />
e Niassa a partir de Outubro “se não<br />
forem mobilizados recursos suficientes<br />
a tempo”. Uma equação difícil numa<br />
altura em que muitos doadores enfrentam<br />
as suas próprias encruzilhadas<br />
face à Covid-19. Em Moçambique<br />
(onde o crescimento económico foi revisto<br />
em baixa), “mais de 1,6 milhões de<br />
pessoas enfrentam insegurança alimentar<br />
aguda grave”, de acordo com<br />
os dados dos últimos meses. Em Julho,<br />
o PMA deu assistência a 365 mil pessoas<br />
em Moçambique, com 2700 toneladas<br />
de alimentos e 1,3 milhões de dólares<br />
de transferências em dinheiro<br />
para troca por mantimentos. A maioria<br />
das pessoas assistidas encontra-se<br />
no norte do País.<br />
A seriedade do alerta foi reforçada no<br />
dia 07 de <strong>Setembro</strong>. Numa conferência<br />
de imprensa a partir de Joanesburgo,<br />
a directora regional da África Austral<br />
do Programa Alimentar Mundial<br />
(PAM), Lola Castro, classificou a insegurança<br />
alimentar em Cabo Delgado<br />
como uma das situações mais “preocupantes”<br />
no mapa da sub-região africana.<br />
“A ajuda nem sempre consegue<br />
chegar a alguns distritos do Nordeste”<br />
e o PMA tenta encontrar alternativas<br />
para “alcançar os inacessíveis” e<br />
fornecer-lhes “ajuda alimentar, abrigo<br />
e protecção”, referiu. A África Austral<br />
assiste, “ano após ano, a secas, cheias<br />
ou ciclones, como vimos em 2019 (...). A<br />
covid-19 foi um choque adicional para<br />
o qual, obviamente, não estávamos<br />
preparados”, acrescentou. O cenário é<br />
dos mais graves de que há memória.<br />
O espectro da subnutrição crónica cresce<br />
Associado ao drama da insegurança<br />
alimentar está o espectro da subnutrição<br />
crónica, do atrofiamento e raquitismo,<br />
cujos efeitos podem perdurar<br />
por uma vida inteira e ceifar logo à<br />
partida o potencial da maior força de<br />
desenvolvimento de um país: a sua população.<br />
A subnutrição torna-se cróni-<br />
A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)<br />
estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa<br />
aumentar em 25% ou mais durante o resto de <strong>2020</strong> e até 2021<br />
ca, ou seja, não basta atirar com sacos<br />
de ajuda alimentar para cima do problema<br />
se ele alastrar. E a sub-região<br />
africana enfrenta, neste momento, o<br />
maior risco de aumento de casos. A<br />
Comunidade de Desenvolvimento da<br />
África Austral (SADC) estima que “a<br />
subnutrição aguda em toda a região<br />
possa aumentar em 25% ou mais durante<br />
o resto de <strong>2020</strong> e até 2021”, incluindo<br />
8,4 milhões de crianças, como<br />
consequência das medidas decretadas<br />
para conter a pandemia. De acordo<br />
com a SADC, 72% das crianças afectadas<br />
encontrar-se-ão em seis países da<br />
região: Angola, Moçambique, República<br />
Democrática do Congo (RDCongo),<br />
Madagáscar, Tanzânia e Zâmbia. Os<br />
dois países lusófonos estão também<br />
sinalizados pela SADC devido à fraca<br />
produção de alimentos, o que “indica<br />
um início precoce da estação magra<br />
(período de escassez), que irá agravar<br />
ainda mais os efeitos da covid-19”.<br />
No documento, a SADC analisa também<br />
a taxa de prevalência de atrofiamento<br />
entre as crianças da região,<br />
contabilizando mais de 18,7 milhões de<br />
crianças raquíticas. “A prevalência do<br />
atrofiamento é superior a 30% - classificado<br />
como muito elevado – em nove<br />
dos 16 Estados-membros da SADC”, longe<br />
dos Objectivos de Desenvolvimento<br />
Sustentável 2030”. Os dados apresentados<br />
no relatório colocam Moçambique<br />
como o segundo país da África<br />
Austral com maior taxa de prevalência<br />
de atrofiamento, com 42,3%, apenas<br />
atrás da RDCongo (42,7%).<br />
Um exército luta pela nutrição<br />
Para evitar que as pessoas se afastem<br />
dos serviços de nutrição por causa<br />
dos receios ligados à covid-19, um<br />
exército diferente actua em Cabo Del-<br />
14<br />
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segurança alimentar<br />
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15
A insegurança alimentar pode atingir níveis que já não se<br />
verificavam há vários anos, atingindo 44,8 milhões de<br />
pessoas em comparação com 41,2 milhões no ano passado<br />
gado e Sofala. Nada tem que ver com<br />
acções militares nem ataques armados.<br />
É um grupo de trabalhadores comunitários<br />
na área da saúde que estão<br />
a ser formados, graças ao PMA e<br />
ao Governo de Moçambique. São os<br />
responsáveis no terreno pelo rastreio<br />
da população, os agentes avançados<br />
no combate contra velhos e severos<br />
inimigos como o HIV, a tuberculose<br />
e a subnutrição, inimigos que continuam<br />
a estar entre os maiores empecilhos<br />
ao desenvolvimento do País.<br />
Entre Novembro de 2019 e Julho deste<br />
ano, em Cabo Delgado, foram treinados<br />
385 novos CHWs - a sigla em inglês<br />
com que o PMA identifica os “community<br />
health workers”. Em Sofala, entre<br />
Fevereiro e Junho, foram treinados<br />
720. Os números são públicos, estão<br />
na Internet (em bit.ly/3ewauRV e<br />
bit.ly/2B6cSkJ) através de páginas recheadas<br />
de gráficos e informação sobre<br />
a acção do PMA em Moçambique.<br />
São apresentações criadas pela agência<br />
na plataforma Tableau. “Esta monitorização<br />
regular permite rapidamente<br />
fazer mudanças, adaptações e<br />
garantir eficiência na programação<br />
de actividades”, detalha o PAM.<br />
É nestas páginas na Internet que se<br />
colocam sob escrutínio os resultados<br />
destes trabalhadores comunitários na<br />
área da saúde. Por exemplo, em Sofala,<br />
no período em análise, rastrearam-se<br />
22 474 crianças com menos<br />
de cinco anos e, graças à vigilância<br />
1010, foram encaminhadas para serviços<br />
de saúde - crianças que de outra<br />
forma poderiam nunca receber cuidados<br />
para combater a desnutrição.<br />
Os dados continuam e incluem muito<br />
mais informação, nomeadamente o<br />
rastreio de mães desnutridas, despiste<br />
da tuberculose e indicadores relativos<br />
à comunicação para a saúde.<br />
O PMA conclui que os trabalhadores<br />
comunitários na área da saúde<br />
“são um importante apoio para a população”<br />
das respectivas comunidades,<br />
“motivando-a a usar os serviços<br />
de saúde e a continuar a fazê-lo até<br />
que cada qual esteja completamente<br />
recuperado.<br />
A rádio comunitária também é importante<br />
por transmitir histórias de sucesso<br />
com outros residentes”. Isto porque,<br />
depois de rastreados e sinalizados os<br />
casos de subnutrição, uma das tarefas<br />
mais difíceis é garantir que as mães e<br />
crianças permanecem no tratamento.<br />
A agência apoia o Programa de Reabilitação<br />
Nutricional (PRN) em seis das<br />
11 províncias do País. Em Julho, em unidades<br />
sanitárias, 6880 crianças menores<br />
de cinco anos receberam suplementos<br />
alimentares prontos a consumir<br />
e 6680 mulheres grávidas e lactantes<br />
receberam cereais reforçados<br />
para tratamento de desnutrição moderada<br />
a grave.<br />
As agências das Nações Unidas estão<br />
ainda a trabalhar em conjunto com<br />
o Governo em busca de outros objectivos:<br />
integrar a implementação de<br />
planos de alimentação escolar sensíveis<br />
à nutrição e enraizar a temática<br />
nos planos públicos de protecção social.<br />
Há também um manual de educação<br />
nutricional em desenvolvimento<br />
para orientar as mensagens partilhadas<br />
em campanhas de sensibilização,<br />
nas quais estão a ser integrados<br />
os proprietários de bancas de venda<br />
de alimentos, onde os beneficiários<br />
de ‘vouchers’ e outros programas<br />
do PMA podem trocar dinheiro<br />
por alimentos. Tudo vale para fazer<br />
travar o avanço da subnutrição<br />
numa altura em que a amaça cresce.<br />
16<br />
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segurança alimentar ENERGIA<br />
“Repercussões são piores<br />
que a própria doença”<br />
Cerca de 6,7 milhões de crianças com<br />
menos de cinco anos correm o risco de<br />
sofrer níveis perigosos de desnutrição<br />
este ano devido à pandemia do novo<br />
coronavírus, segundo o Unicef. A partir<br />
de uma análise publicada na revista The<br />
Lancet, em Julho, calcula-se que 80%<br />
das crianças em risco vivem na África<br />
subsaariana e no sul da Ásia. “É cada<br />
vez mais claro que as repercussões<br />
da pandemia estão a prejudicar as<br />
crianças mais do que a própria doença”,<br />
conclui a directora executiva da Unicef,<br />
Henrietta Fore. O agravamento da<br />
dieta e a interrupção dos serviços de<br />
nutrição vão piorar outras formas de<br />
desnutrição em crianças e mulheres,<br />
como o nanismo, deficiência de<br />
micronutrientes, sobrepeso e obesidade.<br />
Segundo a Unicef, nos primeiros meses<br />
da pandemia houve uma redução geral<br />
de 30% na cobertura de serviços vitais<br />
de nutrição, como a suplementação<br />
de vitaminas, com alguns países a<br />
registarem uma interrupção muito maior.<br />
Os esforços do Governo no combate à<br />
desnutrição crónica já tinham ganho<br />
alguma expressão em 2016, quando o<br />
Conselho de Ministros aprovou o regulamento<br />
da fortificação dos alimentos<br />
que gera a obrigatoriedade da fortificação<br />
de farinhas de milho e de trigo,<br />
óleo alimentar, açúcar e sal. Nessa<br />
mesma altura, o regulamento apresentou<br />
metas bem definidas: beneficiar<br />
1,8 milhões de pessoas com o programa<br />
de fortificação da farinha de<br />
milho; 11 milhões de pessoas com a fortificação<br />
da farinha de trigo; 11,5 milhões<br />
de pessoas com o óleo alimentar<br />
e; 13 milhões com o açúcar.<br />
O programa, que tinha sido lançado<br />
três anos antes, em 2013, compreende,<br />
por exemplo, a fortificação do sal com<br />
iodo, o óleo com a vitamina A e fortificação<br />
da farinha de trigo e de milho<br />
com ferro, ácido fólico, vitaminas<br />
de complexo B e zinco, cuja deficiência<br />
contribui para a alta prevalência de<br />
anemias e das infecções recorrentes<br />
nas crianças. Na altura, esta estratégia<br />
foi considerada a mais eficiente no<br />
controlo das deficiências em micro nutrientes<br />
por adicionar apenas 1% nos<br />
custos aos consumidores. Ficou estabelecido<br />
que as empresas que não aderissem<br />
à fortificação de alimentos nos<br />
termos da legislação eram sujeitas à<br />
penalização.<br />
Todos os processos no quadro deste<br />
programa são liderados pelos ministérios<br />
da Indústria e Comércio e da Saúde,<br />
na qualidade de presidente e vice-<br />
-presidente do Comité Nacional para a<br />
Fortificação de Alimentos (CONFAM).<br />
2021 traz um cenário difícil<br />
Além de Moçambique, no mapa da<br />
África Austral, a directora regional<br />
do PMA destacou a grave situação do<br />
Zimbabué, país com 16 milhões de habitantes<br />
e com as piores estatísticas<br />
de falta de alimentos, com cerca de 4,3<br />
milhões de pessoas a precisar de ajuda<br />
urgente.<br />
O contexto comum é agravado por<br />
uma prolongada crise socioeconómica.<br />
Lola Castro referiu que na África Austral,<br />
entre os próximos meses e 2021,<br />
a insegurança alimentar pode atingir<br />
níveis “que já não se verificavam há<br />
vários anos”, atingindo 44,8 milhões de<br />
pessoas (em comparação com 41,2 no<br />
ano passado) sobretudo devido à seca<br />
e às dificuldades económicas ligadas à<br />
pandemia.<br />
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OPINIÃO<br />
O que revela o 1º trimestre de <strong>2020</strong> sobre<br />
a queda da procura de petróleo e gás?<br />
Andy Brogan • EY Global Oil & Gas Leader<br />
no primeiro trimestre de <strong>2020</strong>, todos os segmentos<br />
da indústria foram impactados, incluindo<br />
o sector de refinação que deu refúgio<br />
às grandes petrolíferas em anteriores<br />
recessões.<br />
Com base nos ganhos do 1º trimestre de <strong>2020</strong>,<br />
as empresas petrolíferas e de gás esperam que, à medida<br />
que os cortes na produção continuem, que as atenções se<br />
voltem para a rapidez com que a procura se recuperará e<br />
ao grau de prejuízo a longo prazo da confiança económica.<br />
O primeiro trimestre de <strong>2020</strong> vivenciou diversos eventos<br />
extraordinários, com a indústria petrolífera e do gás a enfrentar<br />
uma desaceleração dramática da procura devido<br />
ao surto da COVID-19, à paralisação virtual em muitos<br />
sectores da economia e ao colapso da mobilidade local e<br />
global. O preço médio do petróleo no 1º trimestre de <strong>2020</strong><br />
foi 20% inferior ao do 4º trimestre de 2019. Os preços do<br />
petróleo foram extremamente voláteis – o preço no final<br />
do trimestre era um terço do preço inicial.<br />
Impacto a nível da indústria<br />
Todos os segmentos da indústria foram impactados, incluindo<br />
o sector da refinação, que forneceu refúgio às grandes<br />
petrolíferas durante as anteriores recessões. À medida<br />
que os spreads de refinação diminuíram 27%, as refinarias<br />
ficaram inactivas pelos operadores. Os preços do GNL,<br />
que estavam em níveis insustentáveis antes da actual crise,<br />
diminuíram ainda mais, e o spread entre os preços das<br />
matérias-primas de Henry Hub e o preço desembarcado<br />
do GNL europeu e asiático reduziu-se essencialmente a<br />
zero. Além disso, os cortes profundos nas despesas de capital<br />
a montante constituem uma ameaça existencial para<br />
os provedores de serviços petrolíferos.<br />
Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas<br />
de mercado desfavoráveis. O resultado líquido diminuiu<br />
38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face<br />
ao 1º trimestre de 2019. Os fluxos de caixa operacionais<br />
também foram fracos: 24% abaixo dos níveis do 4º trimestre<br />
de 2019 e 13% abaixo do ano anterior.<br />
Retorno de capital ou gastos de capital?<br />
As questões financeiras assumiram uma maior urgência<br />
para a comunidade analista. A lente passou da capacidade<br />
das empresas de devolverem capital, à sua resiliência<br />
e capacidade de sobrevivência em condições de mercado<br />
que nunca ninguém havia contemplado.<br />
A maioria das perguntas dos analistas estavam, naturalmente,<br />
ligadas à actual crise. Com os cortes profundos nas<br />
despesas anunciados, os analistas estavam preocupados<br />
com o calendário da recuperação dos níveis de despesa de<br />
capital para níveis pré-crise. Queriam também compreender<br />
se as empresas prevêem uma mudança estrutural<br />
nos padrões de procura de petróleo e gás a longo prazo e<br />
como isso poderá influenciar a atribuição de capital.<br />
Avaliação dos danos e estratégias a longo prazo<br />
As questões operacionais colocadas foram sobre os encerramentos<br />
involuntários e voluntários que as empresas<br />
estão a empreender, e se iriam causar danos estruturais<br />
aos activos e impedir o regresso aos volumes pré-crise<br />
quando os preços recuperarem. Além disso, os analistas<br />
quiseram perceber como é que as empresas chegaram<br />
às suas estimativas de redução de produção e como identificaram<br />
os activos onde iriam parar a produção. Além<br />
dos hidrocarbonetos, havia interesse, entre a comunidade<br />
analista, em perceber onde estavam as empresas no que<br />
diz respeito às suas ambições de transição energética, e se<br />
têm planos para acelerar as iniciativas relativas àquela<br />
transição depois de experimentarem a actual desaceleração<br />
dos preços e o aumento da volatilidade do petróleo.<br />
Olhando para a frente<br />
A comunidade de investidores permanecerá em alerta,<br />
com especulações desenfreadas sobre a rapidez com que a<br />
procura se recuperará e o inventário será reduzido. Estão<br />
a ocorrer cortes de produção e o nervosismo em relação<br />
ao estado de armazenamento parece ter diminuído.<br />
Este artigo faz parte da série Oil and Gas Quarterly Trends.<br />
– visite a ey.com para aceder ao relatório completo.<br />
Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas de mercado desfavoráveis. O resultado<br />
líquido diminuiu 38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face ao 1º trimestre de 2019<br />
18<br />
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Números em conta<br />
<strong>Economia</strong> segue o vírus... E ele persegue-a<br />
os resultados do inquérito sobre o<br />
impacto da Covid-19 nas empresas, elaborado<br />
pelo INE, mostram, sem surpresa,<br />
que, de um total de 89 385 empresas<br />
abrangidas, 90,4% foram afectadas pela<br />
pandemia. Destas, 3% não resistiram e<br />
fecharam portas. Um pouco à imagem<br />
da taxa de letalidade do próprio vírus no<br />
mundo, que anda sensivelmente nestes<br />
valores. Se olharmos à distribuição geográfica,<br />
as quatro províncias da zona Sul<br />
do País são as mais afectadas, com uma<br />
percentagem média a situar-se nos 95%.<br />
Neste ponto, o destaque vai para a província<br />
de Inhambane a mais afectada em todo<br />
o País, com 98,8% das suas empresas ‘infectadas’<br />
pelos efeitos do Covid-19, o que<br />
não espanta visto ser uma região onde<br />
predomina a indústria do turismo, uma<br />
das áreas de actividade que paralisaram.<br />
Situação idêntica a outros ramos de actividades<br />
como o da educação, artísticas e<br />
de espectáculos, desportivas e recreativas<br />
afectadas a 100%. Muitas nunca voltarão<br />
ao que já foram. Outras... logo se verá.<br />
Até porque os resultados mostram ainda<br />
que, comparativamente ao 1º semestre de<br />
2019, a receita das empresas baixou 41%.<br />
Travão a fundo Na Hotelaria,<br />
Educação e nas Artes<br />
No que diz respeito aos ramos de actividade<br />
das áreas da educação, artísticas,<br />
espectáculos, desportivas e recreativas,<br />
todas foram afectadas na sua totalidade<br />
% de empresas<br />
actividades artísticas<br />
alojamento, restauração e similares<br />
11,7<br />
7,4<br />
28 786<br />
Apesar da baixa percentagem de<br />
encerramentos, a categoria de actividades<br />
administrativas, onde o grande empregador<br />
são as escolas é, seguida da hotelaria, onde se<br />
deram mais rescisões de contratos<br />
Muita Rotatividade, Rescisões<br />
e encerramentos residuais<br />
Resultados do inquérito ressaltam que mais<br />
de metade (56%) das empresas afectadas<br />
adoptou o regime de rotatividade, seguido<br />
de redução de horas de trabalho com 20,7%<br />
e teletrabalho com 14,3% do total das<br />
empresas (Q2.1)<br />
% de empresas<br />
regime de rotatividade<br />
redução de horas de trabalho<br />
teletrabalho<br />
rescisão de contratos<br />
encerramento da empresa<br />
38,5<br />
12,1<br />
6,4<br />
2,3<br />
1,3<br />
87%<br />
Nos meses de Abril,<br />
Maio e Junho apenas<br />
87,3%, 80,9% e 80,2%<br />
das empresas conseguiram<br />
pagar as remunerações<br />
dos seus trabalhadores<br />
na totalidade.<br />
56,0%<br />
das empresas<br />
afectadas optaram pelo<br />
rotatividade. Dentre<br />
elas, 41,7% aplicaram<br />
rotatividade semanal.<br />
41%<br />
Foi quanto baixaram no<br />
1º semestre do ano as<br />
receitas das empresas<br />
face ao período<br />
homólogo de 2019.<br />
20<br />
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43 578<br />
O número de<br />
‘desempregados<br />
covid-19’ no<br />
primeiro semestre<br />
do ano.<br />
Facturação: Segundo trimestre<br />
desastroso<br />
O mês de Abril foi o que registou maior<br />
redução de todos os indicadores em análise,<br />
sendo que no segundo trimestre a facturação<br />
diminuiu mais de 50% face a 2019<br />
Em milhares de milhões de meticais / % de variação<br />
8,4 6,2<br />
10,1 4,7<br />
24 200<br />
Número de<br />
desempregados do<br />
comércio por grosso<br />
e a retalho, reparação<br />
e manutenção de<br />
viaturas, as áreas mais<br />
atingidas. Segue-se o<br />
turismo, com 15 690<br />
novos desempregados.<br />
-25,9% -53%<br />
I TRIMESTRE<br />
2019 <strong>2020</strong><br />
Grandes sofreram, mas<br />
pME e médias... também<br />
II TRIMESTRE<br />
As grandes empresas, que representam<br />
cerca de 0,5% do universo, foram as mais<br />
afectadas com 91,1%. Destaca-se o facto de<br />
mais de 70 000 PME terem sido afectadas<br />
Número de empresas afectadas / % de empresas<br />
PME<br />
3%<br />
Do total das 89 385<br />
empresas inquiridas,<br />
90,4% foram afectadas<br />
e cerca de 3% não<br />
resistiram e fecharam.<br />
70 135 90,5%<br />
Média<br />
10 242<br />
89,5%<br />
Grande<br />
388 91,1%<br />
89 385<br />
Das empresas sentiram impacto da pandemia<br />
FONTE INE - Resultados do inquérito sobre Impacto<br />
da COVID-19 nas empresas<br />
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OPINIÃO<br />
Um olhar crítico à volatilidade<br />
do “nosso metical”<br />
o<br />
Patrícia Darsam • Head of Markets and Transaction Banking do Absa Bank Moçambique<br />
“nosso metical” completou, este ano, 40 anos de<br />
existência como a moeda oficial de Moçambique.<br />
A taxa de câmbio é uma das variáveis fundamentais<br />
da nossa economia, que resulta da<br />
relação entre a procura e oferta de moeda estrangeira<br />
disponível no mercado, proveniente<br />
do comércio internacional que, por sua vez, impacta no<br />
nível de actividade económica e, consequentemente, no<br />
padrão de crescimento do País.<br />
Numa economia como a nossa – estruturalmente deficitária,<br />
com fraca produção interna de bens acabados e onde o<br />
sector da indústria de transformação está muito aquém de<br />
satisfazer a demanda –, praticamente tudo o que se consome<br />
é importado, enquanto as exportações são, na sua maioria,<br />
de matéria-prima bruta e recursos naturais, sendo vulneráveis<br />
às flutuações dos preços no mercado internacional.<br />
Este desequilíbrio entre o volume de importações versus exportações<br />
é notório e cria uma grande volatilidade na taxa<br />
de câmbio do metical contra as principais moedas estrangeiras<br />
em circulação no território nacional, com particular<br />
ênfase para o dólar, que constitui a moeda base do comércio<br />
externo nacional.<br />
Neste tipo de economia, o equilíbrio passa pelo incentivo à<br />
produção e consumo local de forma a possibilitar a redução<br />
do volume das importações, balanceado com fluxos alternativos<br />
de entrada de capitais. Isto pode ser feito através<br />
do aumento do Investimento Directo Estrangeiro (IDE)<br />
e incentivos aos sectores geradores de divisas como são os<br />
casos do Turismo e da Agricultura. Outro sector que favorece<br />
o fluxo de entrada de divisas, é o da Indústria Extractiva<br />
(metais preciosos, minerais, carvão e gás) que, embora<br />
contribua com uma percentagem relativamente pequena<br />
para o PIB, tem um peso bastante significativo em termos<br />
de geração de receitas para o Governo e para o volume de<br />
exportações.<br />
A agricultura é sazonal e vulnerável a choques climáticos<br />
constantes, enquanto que a indústria extractiva é totalmente<br />
dependente da flutuação do preço das commodities<br />
no mercado internacional. Estes factores contribuem para<br />
a volatilidade no fluxo de exportações do País, impactando<br />
na disponibilidade de divisas no mercado interno.<br />
Porém, é importante entender estas analogias “temporalmente”,<br />
de onde viemos e para onde vamos.<br />
Olhando para o passado, entre 2014 e 2015, muitos de nós<br />
ainda estarão recordados que a unidade do dólar era<br />
transaccionada a 30 meticais. De lá esta parte temos visto<br />
um metical muito volátil e com tendência a desvalorizar-<br />
-se, tendo atingido o seu pico em 2016, quando registou uma<br />
depreciação de cerca de 71,96% em relação ao dólar.<br />
Mas há que recuar um pouco mais para melhor entender<br />
o que se passou, e com reflexos nos dias que correm. Desde<br />
2011 até meados de 2015, vínhamos assistindo a um crescimento<br />
económico a níveis de 7% em média. O Banco Central<br />
detinha reservas líquidas na ordem de seis meses de<br />
cobertura de importações, e embora tivéssemos um histórico<br />
de uma balança de pagamentos deficitária, ou seja,<br />
mais importações que exportações, tínhamos uma moeda<br />
relativamente forte e estável, porque os fluxos da ajuda<br />
externa ao Orçamento do Estado por parte dos doadores<br />
e do FMI, bem como o IDE, ajudavam a canalizar liquidez<br />
para o mercado através de uma política intervencionista<br />
do Banco de Moçambique, garantindo, assim, a estabilidade<br />
da moeda. Porém, este cenário de aparente crescimento<br />
económico e estabilidade da moeda é interrompido a<br />
partir de meados de 2015 quando os apoios externos, assim<br />
como o IDE, deixam de entrar devido à quebra de confiança<br />
por parte da comunidade internacional e dos investidores<br />
com a descoberta das “dívidas ocultas”. Este cenário<br />
levou o País a uma crise económica profunda e sem precedentes,<br />
que durou cerca de três anos.<br />
Com a introdução de medidas restritivas de política monetária<br />
pelo Banco de Moçambique, com o intuito de conter a<br />
inflação, o metical começou a mostrar sinais de melhoria<br />
em finais de 2016, muito associada à redução do poder de<br />
compra dos moçambicanos que ficou afectado pela desvalorização<br />
da moeda. O fenómeno conduziu, igualmente, a<br />
um abrandamento das importações na ordem de 36,4% em<br />
2016. Durante o ano de 2017, o metical manteve-se estável<br />
Esperamos que a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela Exxon Mobile, realmente<br />
se concretize em 2021 de forma a reactivar as prespectivas de crescimento para o próximo ano<br />
22<br />
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Ao longo do presente ano, são vários os factores que, associados, vão reduzindo a competitividade do metical<br />
sofrendo uma apreciação face aos níveis de 2016, tendo fechado<br />
em 58,88 meticais por dólar, em Dezembro.<br />
Em finais de 2018, tínhamos a cotação do dólar na casa dos<br />
61,43 meticais, representando uma ligeira desvalorização<br />
face ao ano anterior, devido ao aumento do consumo privado<br />
que, por sua vez, terá aumentado a demanda pela<br />
importação de bens e serviços. Se, por um lado, o investimento<br />
total na economia cresceu, por outro, registou-se<br />
um aumento da demanda, o que provocou uma nova desvalorização<br />
do metical.<br />
Em 2019 assistiu-se a uma contínua depreciação do metical,<br />
desta vez associada à falta de liquidez decorrente do<br />
impacto dos ciclones Kenneth e Idai, que afectou o sector<br />
agrícola chegando a atingir níveis de 64,75 meticais por<br />
dólar em Abril. Mas, no último trimestre do ano, uma ligeira<br />
recuperação permitiu que, no último dia de Dezembro,<br />
a cotação se fixasse nos 61,47 meticais por unidade do dólar.<br />
Ao mesmo tempo, o sector da mineração sofreu uma<br />
desaceleração, o que impactou nas exportações e reduziu<br />
o fluxo de entrada de divisas no País, e nessa altura as Reservas<br />
Internacionais Líquidas só não sofreram desgaste<br />
graças à entrada de receitas das mais-valias provenientes<br />
do negócio da venda dos assets da Anadarko à Total.<br />
Chegados a <strong>2020</strong>, recomeça a pressão sobre a moeda. Temos<br />
o impacto da pandemia do Covid-19 a partir do segundo<br />
trimestre, a queda do preço das commodities a<br />
nível internacional (principalmente do petróleo) e a desaceleração<br />
da economia Global, e o adiamento da Decisão<br />
Final de Investimento na Área 4 que, de certa forma,<br />
atrasou o fluxo de investimentos que era esperado. Estes<br />
factores, de uma maneira geral, contribuem para a<br />
contínua desvalorização do metical, que até finais de Julho<br />
já tinha atingido níveis em torno dos 15%. Mesmo com a<br />
retoma gradual da actividade económica, espera-se que o<br />
metical continue a desvalorizar ao longo dos restantes meses<br />
do ano mas, eventualmente, a um ritmo menos acelerado,<br />
comparativamente ao do primeiro semestre do ano,<br />
pois o impacto negativo do Covid-19 vai levar algum tempo<br />
até que as empresas consigam se recuperar.<br />
Um factor de grande risco de curto/médio prazo é a instabilidade<br />
que se vive na zona norte, mais concretamente<br />
na Província de Cabo Delgado, que poderá impactar sobremaneira<br />
nos investimentos no sector do gás e, consequentemente,<br />
prolongar a tendência de desvalorização do<br />
metical para o próximo ano. Entretanto, esperamos que<br />
a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela<br />
Exxon Mobil, realmente se concretize em 2021 de forma a<br />
reactivar as perspectivas de crescimento para o próximo<br />
ano. Esperamos, igualmente, que as discussões iniciadas<br />
com o FMI, para uma possível retoma do suporte ao País,<br />
ao acontecerem, possam servir de indicador favorável<br />
para a estabilidade da nossa moeda e para o crescimento<br />
da nossa economia no ano de 2021.<br />
Diante de tudo aqui exposto, a conclusão a que podemos<br />
chegar é que a nossa economia e o “nosso metical” são movidos<br />
pela demanda e oferta de divisas no mercado interno<br />
e pelas expectativas em torno dessa mesma demanda<br />
e oferta. Enquanto continuarmos a ter uma balança de pagamentos<br />
deficitária, o metical estará sujeito a estas constantes<br />
flutuações. Há a necessidade de se incentivar a produção<br />
e consumo local, de forma a reduzir a dependência<br />
externa na importação de bens de consumo.<br />
Igualmente, quando começarmos a sentir um incremento<br />
do IDE e as exportações do gás da Bacia do Rovuma começarem<br />
a materializar-se, aí, sim, teremos uma moeda economicamente<br />
mais sustentável.<br />
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23
Nação<br />
24<br />
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O metical<br />
Que futuro reserva<br />
o metical à economia?<br />
Nenhuma moeda consegue, ao longo do tempo, conservar o mesmo valor, o mesmo peso, e a<br />
mesma força de transformar a produção em riqueza. A celebrar 40 anos de existência, o metical já<br />
é capaz de provar esta tese, através da sua História e da leitura do seu comportamento ontem, hoje<br />
e amanhã. Aqui, duas abordagens mais ou menos contraditórias mostram-nos os possíveis destinos<br />
para onde o metical poderá conduzir a economia<br />
“<br />
pagar na mesma moeda”, “a outra face<br />
da moeda”, e tantas outras. São expressões<br />
que usamos, diariamente, baseadas<br />
numa das coisas que acompanha o ser<br />
humano há milhares de anos. A moeda,<br />
que terá sido a primordial forma de<br />
dinheiro, e que veio ordenar as trocas directas ou os pagamentos<br />
em géneros que se faziam no tempo dos romanos<br />
– por exemplo, em sal, daí que ainda hoje usemos o termo<br />
salário para determinar o vencimento de alguém em<br />
troca de um serviço. Mas voltemos à moeda e à sua importância<br />
na economia e, especificamente, ao metical. Muitos<br />
economistas e entidades ligadas ao sector da economia já<br />
se pronunciaram sobre os efeitos da desvalorização do metical<br />
em relação ao dólar, que ocorre desde o início do ano,<br />
e que é estimada entre 13% e 15% em termos acumulados<br />
(as estatísticas divergem). Notam-se, desde cedo, dois pólos<br />
de análise que chegam a conclusões divergentes, não só<br />
sobre as causas da queda do valor cambial da moeda nacional,<br />
como também em relação aos efeitos no presente<br />
e no futuro, e ainda no “remédio” que se recomenda para<br />
corrigir os desequilíbrios daí resultantes. Misturam-se, nas<br />
análises, o pessimismo de uns e o optimismo de outros. Ambas<br />
as posições possuem argumentos à altura de criar sérias<br />
dúvidas sobre o futuro. Pela primeira vez, o Banco Central<br />
reage publicamente, neste artigo, sobre o fenómeno da<br />
desvalorização do metical e, através de uma explicação detalhada,<br />
desdramatiza a maior parte dos “medos” que pairam.<br />
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />
Comecemos pelos perigos<br />
Em suma, “um choque da taxa de câmbio pode ter efeitos<br />
adversos no consumo privado, no investimento e no sector<br />
real através de maiores custos de produção para os sectores<br />
que dependem da importação de matéria-prima. Por<br />
outro lado, as flutuações da taxa de câmbio podem influenciar<br />
negativamente os balanços das empresas através de<br />
mudanças no valor de passivos em outras moedas”, explica<br />
o Relatório do Cenário Fiscal de Médio Prazo 2019-2021<br />
do Ministério da <strong>Economia</strong> e Finanças. Mas a E&M ouviu<br />
outros alertas. O economista e docente universitário, Elcídio<br />
Bachita, afirma que a queda do metical “já está a piorar<br />
o custo de vida das populações pelo seu efeito no aumento<br />
do custo dos produtos de importação, a que se sobrepõem<br />
os resultados nefastos da própria pandemia na vida das famílias”.<br />
Procurando fazer uma análise mais abrangente<br />
do ambiente interno, o académico revela que se os investidores<br />
externos estão a ser afectados pela pandemia, por<br />
outro lado, os ataques de insurgentes em Cabo Delgado e<br />
a instabilidade política no centro do País, concorrem para<br />
que Moçambique não seja destino preferencial para o seu<br />
capital. Ou seja, Moçambique sofre uma dupla penalização,<br />
uma por factores externos e outra por razões internas, ambas<br />
a concorrerem para a queda do Investimento Directo<br />
Estrangeiro (IDE) que se está a testemunhar. “Tudo isto afectará<br />
as receitas fiscais agravando o défice orçamental do<br />
Estado”, defende. Na mesma linha, o economista e director-<br />
-executivo da CTA – entidade que representa, oficialmente,<br />
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25
Nação<br />
Muitos analistas prevêem que a moeda<br />
nacional continue a cair até ao fim do ano<br />
para o nível de 75 meticais por dólar<br />
o empresariado nacional -, Eduardo Sengo, refere que “a<br />
moeda nacional já sofre ‘pressão aguda’ devido à pandemia<br />
e vai agravar-se ainda mais com a maior procura da<br />
moeda estrangeira para viagens e importações após a<br />
reabertura das fronteiras”.<br />
Já o Banco Moza, no seu mais recente Boletim Económico,<br />
produzido pelo Gabinete de Estudos Económicos, prevê que<br />
a moeda nacional possa continuar a desvalorizar para valores<br />
em torno de 75 meticais por dólar até ao fim deste<br />
ano, também devido à abertura gradual da economia e novas<br />
tentativas de retoma das exportações num contexto de<br />
fraca capacidade de produção do sector exportador. O economista<br />
Luís Magaço concorda. Para este, a economia não<br />
apresenta quaisquer condições que travem a desvalorização<br />
contínua do metical nos próximos meses.<br />
O risco de multiplicar a dívida pública<br />
Outra vertente de análise remete à possibilidade de agravamento<br />
da já insustentável dívida pública. De acordo com<br />
os pressupostos do Cenário Fiscal a Médio Prazo 2019-2021,<br />
divulgados pelo Ministério da <strong>Economia</strong> e Finanças, “1% da<br />
depreciação na taxa de câmbio representa um incremento<br />
em dois pontos percentuais no rácio da dívida externa<br />
no PIB”. A publicação concluiu, igualmente, que “a variação<br />
mais sensível às flutuações na taxa de câmbio foi a dívida<br />
pública, dado que em 2017, por exemplo, 84% do total da<br />
carteira foi contraída em moeda estrangeira”. Trata-se de<br />
uma constatação que tem um suporte já antes observado.<br />
É que a evolução do choque cambial fez com que o nível<br />
da dívida, em 2016, atingisse 126,7% do PIB. Este impacto<br />
da taxa de câmbio foi mais evidente com a depreciação do<br />
metical quando perdeu cerca de 63% do seu valor face ao<br />
dólar norte-americano, enquanto em 2017, a apreciação do<br />
metical face ao dólar foi equivalente a uma redução em 14<br />
pontos percentuais do PIB na dívida externa.<br />
Pessimismo à parte<br />
Afinal, esta desvalorização do metical já tinha sido prevista<br />
no início do ano! Lembram os economistas Luís<br />
Magaço e Eduardo Sengo. “Por causa do ajustamento<br />
dos processos laborais da mineradora Vale (empresa<br />
responsável pela maior parte do carvão que o País exporta,<br />
commodity que é também responsável pela larga<br />
maioria das exportações totais e que terá paralisado a<br />
actividade por três meses), o Banco de Moçambique chamou<br />
a atenção para o facto de que a economia iria<br />
sofrer uma redução da capacidade de captação de divisas<br />
e que isso teria algumas consequências ao nível da<br />
desvalorização cambial da moeda nacional”, explicou Magaço.<br />
Então, se o Banco Central já sabia, porquê o alarme?<br />
“Não antevemos grandes riscos à estabilidade”<br />
Na sua primeira reacção sobre a contínua desvalorização<br />
do metical face ao dólar, o Banco de Moçambique tranquiliza<br />
o mercado sobre todos os riscos apresentados, sem deixar<br />
de admitir que existem, potencialmente. Mas minimiza-os.<br />
Quanto aos factores na origem, o regulador acaba por convergir<br />
com os demais intervenientes, esclarecendo que<br />
Moçambique adopta um regime de taxa de câmbio flexível.<br />
Assim, a variação cambial e o nível de taxa de câmbio seguem<br />
o curso natural consoante (ou reagindo) às forças de<br />
mercado (procura e oferta de divisas) dadas as condições<br />
macroeconómicas conjunturais, incluindo motivos especulativos.<br />
Reconhecendo que até ao momento, o metical tem<br />
estado a depreciar de forma gradual, o Banco Central refere<br />
que “não antevê grandes riscos para a estabilidade<br />
26<br />
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O metical<br />
A história de várias famílias… da mesma moeda<br />
O nome “metical” tem origem numa antiga moeda usada no período pré-colonial, que era a parte oca de penas de aves cheia<br />
de ouro em pó. Periodicamente, a moeda vai conhecendo mudanças para conferir maior segurança à sua utilização e evitar a<br />
falsificação. Conheça, a seguir, algumas faces que as notas de metical foram assumindo ao longo dos seus 40 anos de existência.<br />
A 16 de Junho, o primeiro<br />
Presidente de Moçambique,<br />
Samora Machel, anuncia<br />
a substituição do escudo<br />
português pelo metical. Na<br />
altura, havia notas de 50, 100,<br />
500 e 1000 meticais com o rosto<br />
de Samora Machel e de Eduardo<br />
Mondlane.<br />
Houve a primeira actualização<br />
das séries da moeda nacional,<br />
cuja principal novidade foi a<br />
introdução da nota de 5000<br />
meticais. As manifestações<br />
culturais através da arte,<br />
bem como a história da<br />
independência, eram comuns<br />
em quase todas as notas.<br />
Entra em circulação a nota<br />
de 10 000 meticais que<br />
continha, pela primeira e<br />
única vez, o rosto de Joaquim<br />
Chissano, segundo Presidente<br />
de Moçambique. Nesta<br />
actualização, as notas de outros<br />
valores também foram alteradas<br />
e ficaram mais coloridas.<br />
O mercado passa a conhecer<br />
notas de mais elevado<br />
valor com a introdução de<br />
50 000 e 100 000 meticais.<br />
Ambas valorizaram, nas suas<br />
ilustrações, o edifício (antigo) do<br />
Banco de Moçambique na face<br />
e a Hidroeléctrica de Cahora<br />
Bassa no verso.<br />
1980<br />
1988<br />
1991<br />
1993<br />
Entre as notas de 10 000 e<br />
de 50 000 meticais havia um<br />
“buraco” aparentemente grande<br />
por fechar. Assim, o Banco<br />
Central introduziu a nota de<br />
20 000. A imagem da mulher<br />
a escrever talvez simbolizasse<br />
a importância de alfabetizá-la.<br />
Será?<br />
1999 <strong>2020</strong><br />
Houve a revisão da classificação<br />
das notas consideradas<br />
impróprias para circulação.<br />
Assim, a partir de 23 de Abril<br />
passou a incluir as que têm<br />
“marcas, imagens, desenhos,<br />
escritas ou carimbos, manchas,<br />
marcas, áreas fragmentadas, fita<br />
adesiva, agrafos, etc.<br />
2003 2006 2011<br />
2017<br />
O metical não parava de crescer<br />
e era a vez da entrada em<br />
circulação das notas de 200 000<br />
e de 500 000 meticais. Foram,<br />
na verdade, as notas mais<br />
elevadas em termos de valor<br />
que a moeda nacional conheceu<br />
até hoje.<br />
É criado o metical da nova<br />
família que está actualmente em<br />
uso, que consistiu na retirada de<br />
“três zeros” no seu valor. Este<br />
é considerado o marco mais<br />
importante depois da criação do<br />
metical. Todas as notas têm a<br />
imagem de Samora Machel.<br />
O Banco Central introduz notas<br />
de polímero – material sintético<br />
de maior durabilidade ajustado a<br />
climas húmidos – para as notas<br />
de 20, 50 e 100 meticais. As<br />
restantes notas, nomeadamente<br />
as de 200, 500 e 1000 meticais<br />
continuam em papel.<br />
Entrou em circulação a mais<br />
recente série de notas, com a<br />
assinatura do actual Governador,<br />
Rogério Zandamela. A introdução<br />
desta última série prendiase,<br />
exclusivamente, com a<br />
necessidade de ajustar as medidas<br />
periódicas de segurança.<br />
FONTE Pesquisa da E&M<br />
Nota: Todas estas alterações foram também acompanhadas de inúmeras mudanças na configuração das<br />
moedas do metical cuja história poderia comportar, igualmente, um resumo extenso.<br />
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27
Nação<br />
O que faz uma moeda valorizar<br />
e desvalorizar?<br />
Inicialmente, desvalorização de uma moeda significava uma<br />
descida do teor do ouro em valor monetário. Na época do padrãoouro,<br />
a moeda nacional estava vinculada às reservas de ouro do<br />
País. E se um país emitia adicionalmente um lote de moeda em<br />
notas bancárias com uma reserva inalterada, então o valor de<br />
cada nota em relação ao ouro diminuia-se. Ou seja, ocorria uma<br />
desvalorização da moeda. Com o tempo, isso mudou e hoje a<br />
moeda está bastante mais associada ao nível de reservas líquidas<br />
em dólar (na maioria dos casos) que tem no seu banco central. O<br />
valor da moeda raramente permanece constante, é normal que<br />
varie diariamente e são diversos os factores que levam a isso. É a<br />
intensidade com que esses factores ocorrem que irá influenciar<br />
uma variação alta ou baixa nesse valor.<br />
Oferta e procura<br />
É um desses factores pois, se há mais dinheiro em circulação,<br />
aumenta a “oferta” e diminui a “procura” de dinheiro, logo ele<br />
desvaloriza. De forma inversa, quando existe menos dinheiro em<br />
circulação, diminui a “oferta” e aumenta a “procura” de dinheiro,<br />
logo a moeda valoriza.<br />
Inflação e deflação<br />
A inflação ocorre quando os preços gerais de bens e serviços de<br />
um determinado país aumentam, o que causa a desvalorização<br />
da moeda e reduz o poder de compra. A deflação ocorre quando<br />
os preços gerais de bens e serviços diminuem, o que aumenta o<br />
poder de compra da moeda e causa a sua valorização.<br />
Desvalorização “forçada”<br />
A desvalorização nem sempre é má. Exemplo disso foi o que<br />
aconteceu, em meados de 2019, quando a China desvalorizou<br />
a sua moeda por causa da guerra comercial contra os Estados<br />
Unidos, quando Donald Trump anunciou a criação de novas<br />
tarifas de 10% sobre importações chinesas no valor de 300<br />
mil milhões de dólares. Além da desvalorização do yuan, a<br />
China suspendeu, a compra de produtos agrícolas americanos.<br />
Efeito prático: a moeda fraca faz os produtos chineses<br />
ficarem baratos, estimulando a exportação e produzindo um<br />
efeito cascata, desvalorizando as moedas de outros países<br />
emergentes, como o Brasil ou Moçambique. No entanto, esta<br />
lógica é perigosa e pode ter efeitos perversos a longo prazo.<br />
Mas é, de facto, usada por muitos países.<br />
Perspectiva económica<br />
Se a economia de um país está em recessão ou<br />
desenvolvimento lento, a moeda desvaloriza-se. Pelo contrário,<br />
o valor de uma moeda também se desvaloriza se os seus<br />
principais indicadores económicos, como as vendas do retalho<br />
ou o PIB, estiverem a cair. Uma taxa de desemprego elevada<br />
ou crescente também desvaloriza uma moeda por indicar<br />
desaceleração económica. Se a economia de um país está num<br />
período de forte crescimento, com a entrada de investimento<br />
externo, o valor da sua moeda aumenta.<br />
Défices comerciais<br />
Um défice comercial ocorre quando o valor dos bens que um<br />
país importa é maior do que o valor dos bens que exporta (caso<br />
de Moçambique). Quando o défice comercial aumenta, o valor<br />
da sua moeda diminui em relação às moedas dos seus parceiros<br />
de negócios e vice-versa.<br />
dos preços. Esta depreciação pode estar a reflectir o ajustamento<br />
dos stocks em moeda estrangeira pelos agentes<br />
económicos, bem como a perda de confiança dos agentes<br />
económicos face aos choques que têm estado a afectar a<br />
economia doméstica, com destaque para a propagação da<br />
COVID-19, o agravamento do défice da conta corrente em<br />
virtude da fraca procura externa e a instabilidade militar<br />
na zona norte do País”.<br />
Não há riscos de inflação<br />
Ao contrário das análises que antevêem inflação importada,<br />
e apesar de o Banco Central apontar para ligeiros<br />
riscos de aumento dos custos já mencionados, este afasta a<br />
possibilidade de o País vir a atingir níveis assinaláveis de<br />
inflação. “O efeito da depreciação sobre os preços tem sido<br />
contido, porque o carácter restritivo da política monetária<br />
nos últimos anos, perante a limitada capacidade financeira<br />
do Estado e, portanto, contenção das despesas públicas,<br />
ajudou a conter a procura agregada e a minimizar o efeito<br />
da repassagem da depreciação para os preços domésticos.<br />
Adicionalmente, as restrições impostas à actividade económica<br />
para a prevenção do Covid-19, num contexto de<br />
procura agregada já debilitada, combinada com a queda<br />
dos preços internacionais, com destaque para os combustíveis,<br />
levaram a uma queda substancial da pressão sobre<br />
os preços domésticos. Assim sendo, espera-se que esta<br />
depreciação possa vir a criar uma ligeira aceleração da<br />
inflação, mas sem comprometer o objectivo de estabilidade<br />
de preços no médio prazo”, esclareceu a instituição numa<br />
entrevista concedida virtualmente à E&M.<br />
Pressão cambial será moderada<br />
Voltando a contrariar as expectativas mais pessimistas<br />
em torno do comportamento das taxas de câmbio do metical<br />
nos próximos tempos, o Banco de Moçambique explica<br />
por que é que não vê perigo em relação a este aspecto.<br />
“Ainda que o desconfinamento gradual da economia impulsione<br />
algum aumento na procura por importações num<br />
cenário de recuperação lenta e desfasada das exportações,<br />
perspectiva-se uma menor pressão cambial”, tranquiliza<br />
o regulador. E argumenta: “o mercado cambial doméstico<br />
continua com divisas suficientes para apoiar a economia,<br />
além das medidas de política cambial que o Banco tomou e<br />
a entrada do apoio financeiro dos parceiros de cooperação”.<br />
Medidas correctivas? Só quando se justificar<br />
Enquanto os economistas sugerem a intervenção do Banco<br />
Central no sentido de travar a queda do metical através<br />
de medidas que vão desde a redução das taxas de juro das<br />
reservas em dólares até à introdução de linhas de crédito<br />
que estimulem investimento privado, o regulador reitera<br />
que a depreciação observada até à data não constitui risco<br />
para a inflação, mas caso comece a representar perigo,<br />
tomará as “medidas adequadas” para reverter a situação.<br />
É verdade que o posicionamento do Banco de Moçambique<br />
em torno da queda que o metical experimenta em relação<br />
ao dólar desde o início do ano é contrário a muitas esferas<br />
de opinião. Mas não é menos verdade que este mesmo posicionamento<br />
encontra eco na voz de outros economistas,<br />
como os do artigo a seguir. Mas volta a ser rebatido mais<br />
adiante, na entrevista com o economista Luís Magaço, que<br />
critica o modelo de gestão da política monetária.<br />
28<br />
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Nação<br />
Uma queda menos má<br />
O metical desvalorizou quase 13% face ao dólar desde o início do ano até Agosto, mas nem<br />
economistas nem empresários estão, para já, muito preocupados. Uma moeda alta demais, alertam,<br />
cria vícios e não ajuda ao crescimento da produção interna. O risco no horizonte é agora a “enchente”<br />
de dólares que os projectos de gás natural vão trazer. Se não se apostar no sector produtivo,<br />
os problemas do País não vão ser resolvidos.<br />
Texto Ricardo David Lopes • Fotografia D.R.<br />
adesvalorização do metical<br />
face ao dólar que<br />
se vem sentindo desde o<br />
início do ano não é preocupante,<br />
pelo que não há<br />
motivos para que o Banco<br />
Central intervenha para segurar a<br />
moeda. É isto, pelo menos, que defendem<br />
os economistas.<br />
Na base da desvalorização, em média<br />
mensal, na ordem dos 12,7% até ao final<br />
de Agosto, mais acentuada entretanto<br />
(14% no final da semana passada), está<br />
sobretudo a redução das exportações<br />
de carvão da Vale e o abrandamento<br />
generalizado da economia global que<br />
fazem com que menos dólares entrem<br />
no País. Mas a redução das importações,<br />
assim como a valorização face<br />
ao rand, moeda do nosso principal fornecedor<br />
de alimentos, estão a evitar<br />
males maiores, permitindo que a inflação<br />
se mantenha baixa, não obrigando<br />
o Banco de Moçambique a actuar.<br />
À E&M, Bernardo Aparício, economista-chefe<br />
do Absa, lembra as diferenças<br />
face à desvalorização “abrupta” sofrida<br />
entre 2015 e 2016, motivada pelo<br />
escândalo das dívidas ocultas. Nesses<br />
dois anos, recorde-se, depois de os doadores<br />
terem ‘secado’ o apoio ao País,<br />
o metical acumulou perdas próximas<br />
dos 50% (ver gráficos nestas páginas),<br />
um cenário “muito diferente” do actual.<br />
“A desvalorização foi causada pela crise<br />
da dívida e pela saída dos fundos dos<br />
doadores, e por uma redução drástica<br />
do investimento directo estrangeiro<br />
(IDE)”, diz o economista. “Na altura, a<br />
economia moçambicana era muito<br />
dependente do IDE e dos doadores, enquanto<br />
hoje é muito mais dependente<br />
das exportações. Há uma diferença<br />
entre a disponibilidade de dólares”,<br />
acrescenta, lembrando que, entretanto,<br />
com o crescimento das reservas<br />
internacionais líquidas (RIL), o Banco<br />
Central poderia intervir, se quisesse.<br />
De acordo com dados do Banco de<br />
Moçambique (ver gráficos nestas páginas),<br />
as RIL ascendiam, em 2015, a cerca<br />
30<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
o metical<br />
ajudado Moçambique. Desde Janeiro<br />
(ver gráficos nestas páginas), perdeu<br />
valor face ao metical. “Se não fosse assim,<br />
teríamos níveis de inflação muito<br />
diferentes. Em 2015/2016, houve grande<br />
impacto na inflação, o rand estava<br />
a 11 ou 12, face a cerca de 4 hoje”, diz o<br />
economista-chefe do Absa.<br />
“Tendo em conta que, para já, ainda<br />
não há impacto na inflação, não intervir<br />
é uma postura adequada do ponto<br />
de vista macroeconómico, porque senão<br />
o que estaríamos a ver era uma<br />
deflação, o que seria péssimo nesta<br />
fase”, reforça o economista-chefe do<br />
Absa, que ‘aposta’ num dólar a valer<br />
73 até ao final do ano.<br />
É, de facto, esta a postura que tem sido<br />
assumida pelo Banco de Moçambique<br />
e que foi revelada no artigo anterior<br />
da E&M. O Banco de Moçambique não<br />
só adimite que não há grandes motivos<br />
para intervir como garante que<br />
está atento a reagir caso haja sinais de<br />
risco de uma inflação mais expressiva.<br />
Banco central deve manter-se ‘fora de jogo’<br />
Também Tiago Dionísio, economista-<br />
-chefe da Eaglestone Securities, presente<br />
no mercado moçambicano há<br />
vários anos, concorda que o Banco<br />
Central se mantenha, para já, ‘fora<br />
de jogo’. “É sempre mais desejável<br />
as autoridades deixarem o mercado<br />
funcionar livremente, sem terem<br />
de intervir”, afirma, acrescentando<br />
que “a depreciação do metical que se<br />
tem verificado ao longo do ano não<br />
exportações do País, colocando maior<br />
pressão sobre o desequilíbrio nas contas<br />
externas e, por conseguinte, no<br />
metical”, antecipa.<br />
Muitos dólares a caminho<br />
Entretanto, quando entrar em operação<br />
o projecto de gás da Total na bacia<br />
de Rovuma, Cabo Delgado – recorde-<br />
-se que a petrolífera francesa já assegurou<br />
o financiamento de mais de 16<br />
mil milhões de dólares para garantir<br />
o maior IDE de sempre em África –, a<br />
situação poderá mudar.<br />
“Podemos esperar uma apreciação do<br />
metical, tendo em conta que a existência<br />
de mais dólares na economia vai<br />
reduzir a pressão de liquidez em moeda<br />
estrangeira e nas reservas internacionais<br />
do País”, explica o economista-chefe<br />
da Eaglestone Securities.<br />
Bernardo Aparício concorda. “Para<br />
se alterar o quadro, terá de haver<br />
um aumento das exportações, que as<br />
grandes exportadoras, como a Vale,<br />
voltem a níveis de 2018/2019, e que o<br />
IDE retome. O avançar do projecto da<br />
Total vai de certeza contribuir para<br />
haver mais IDE e mais dólares na economia”,<br />
considera, concluindo que “teremos<br />
um metical a voltar para níveis<br />
de 60, ou um novo normal na ordem<br />
dos 70”.<br />
Francisco Ferreira dos Santos, administrador<br />
da JFS Holding, presente na<br />
agricultura, agro-indústria, metalomecânica,<br />
automóvel, energia e imobiliário,<br />
lembra os erros cometidos<br />
“É sempre mais desejável as autoridades deixarem o mercado funcionar<br />
livremente, sem terem de intervir... a depreciação do metical que se tem<br />
verificado ao longo do ano não tem tido grande impacto na inflação”<br />
de 100 milhões de dólares, garantindo<br />
apenas 2,8 meses de importações.<br />
No ano seguinte, houve um aumento<br />
para 125 milhões de dólares, mas ainda<br />
assim apenas estavam garantidos<br />
três meses de importações. Hoje, estão<br />
em quase 270 milhões de dólares e<br />
asseguram 4,5 meses de importações.<br />
“Se o Banco Central quisesse manter<br />
administrativamente as taxas na<br />
ordem dos 60 [1 dólar=60 meticais] poderia<br />
fazê-lo, porque tem reservas<br />
para isso, mas está a deixar o mercado<br />
funcionar”, apoiando apenas as<br />
importações de combustíveis, explica<br />
Bernardo Aparício. A desvalorização<br />
da moeda sul-africana, reforça, tem<br />
tem tido grande impacto na inflação”.<br />
Em Julho, de acordo com dados do Banco<br />
Central, a inflação, em termos homólogos,<br />
foi de 2,8%, ligeiramente acima<br />
dos 2,69% de Junho, mas abaixo dos<br />
3% de Junho. Tiago Dionísio lembra<br />
que “a economia mundial enfrenta actualmente<br />
uma grave recessão, espera-se<br />
que a maioria dos países registe<br />
uma forte contração em <strong>2020</strong>. A economia<br />
moçambicana não deverá ser das<br />
mais atingidas em termos de impacto<br />
nas perspectivas de crescimento económico<br />
nos próximos tempos”.<br />
“Mesmo assim, não fica alheia aos efeitos<br />
que a actual recessão mundial venha<br />
a ter nos níveis de IDE ou nas<br />
no passado, no sentido de se manter o<br />
metical artificialmente elevado. Esta<br />
política, diz, por um lado, permitiu melhorar<br />
o poder de compra e a qualidade<br />
de vida nas cidades; mas, por outro,<br />
condenou o sector agrícola à impossibilidade<br />
de competir em termos<br />
de preço com as importações, incluindo<br />
de produtos básicos.<br />
A doença de que devemos ter medo<br />
“Durante estes anos, não houve uma<br />
preocupação agrária, ou estrutural, e<br />
a produção interna é praticamente incapaz<br />
de competir com as grandes importações<br />
em relação aos principais<br />
bens. Se a isto juntarmos uma políti-<br />
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31
Nação<br />
A marcha do metical…<br />
1) … face ao USD dólar nos últimos dez anos…<br />
A moeda nacional está a desvalorizar para níveis historicamente baixos nos últimos<br />
dez anos face à moeda internacional de referência. Desde 2013, apenas em 2018<br />
valorizou e a queda até Agosto deste ano é a maior desde 2017<br />
USD/MZN e Variação MZN (em %)<br />
32,98<br />
29,06<br />
28,23<br />
29,91<br />
30,69<br />
38,28<br />
62,57<br />
63,61<br />
60,3<br />
62,55<br />
67,57<br />
2010<br />
13,4<br />
2011<br />
2,9<br />
2012<br />
-5,6<br />
2013<br />
-2,5<br />
2014<br />
-19,8<br />
2015<br />
-38,8<br />
2016<br />
-1,6<br />
2017<br />
5,4<br />
2018<br />
-3,5<br />
2019<br />
-7,4<br />
<strong>2020</strong> (1)<br />
2) … e face ao rand<br />
Nos últimos anos, o metical tem perdido valor face à moeda sul-africana, fonte de boa<br />
parte das importações. Mas, dada a queda do próprio rand, os danos são ‘contidos’<br />
ZAR/MZN e Variação MZN (em %)<br />
4,53<br />
4,04<br />
3,44<br />
3,11<br />
2,83<br />
2,99<br />
4,31<br />
4,78<br />
4,59<br />
4,33<br />
4,06<br />
-10,8<br />
-14,8<br />
-9,5<br />
-9<br />
5,6<br />
44,1<br />
10,9<br />
-3,9<br />
-5,6<br />
6,6<br />
2010<br />
2011<br />
2012<br />
2013<br />
2014<br />
2015<br />
2016<br />
2017<br />
2018<br />
2019<br />
<strong>2020</strong> (1)<br />
3) Neste ano, o metical cai desde Fevereiro face ao dólar…<br />
O metical começou o ano em alta a ganhar 0,7% em Janeiro, por comparação com<br />
Dezembro do ano passado. Desde então, todos os meses o metical perde valor<br />
USD/MZN e Variação MZN (em %)<br />
63,15<br />
Dez<br />
2019<br />
4)… e também em relação à moeda sul-africana<br />
Desde Janeiro, o metical acumula um ganho de 6,5% face ao rand, que tem sido<br />
‘castigado’ igualmente face ao dólar. A maior subida ocorreu em Abril<br />
ZAR/MZN e Variação MZN (em %)<br />
4,37<br />
Dez<br />
2019<br />
62,65<br />
0,7<br />
Jan<br />
4,35<br />
0,4<br />
Jan<br />
64,58<br />
-2,9<br />
Fev<br />
4,3<br />
1,1<br />
Fev<br />
66,06<br />
-2,2<br />
Mar<br />
3,98<br />
8<br />
Mar<br />
67,31<br />
-1,8<br />
Abr<br />
3,63<br />
9,6<br />
Abr<br />
68,53<br />
-1,7<br />
Mai<br />
3,79<br />
-4,2<br />
Mai<br />
69,73<br />
-1,7<br />
Jun<br />
4,08<br />
-7,1<br />
Jun<br />
70,46<br />
-1<br />
Jul<br />
4,2<br />
-2,8<br />
Jul<br />
71,24<br />
-1<br />
Ago<br />
4,14<br />
1,4<br />
Ago<br />
fonte Banco de Moçambique<br />
ca aduaneira permissiva, temos que a<br />
produção interna é um desastre”, alerta<br />
o gestor, que também recorda que a<br />
desvalorização que se seguiu à crise<br />
das dívidas ocultas foi “muito abrupta”.<br />
Para a exportação, defende, a desvalorização<br />
foi “absolutamente essencial,<br />
dado que estávamos a níveis em que a<br />
pouca produção interna que havia estava<br />
já a ter dificuldades em competir”.<br />
“Para o negócio da importação, há sectores<br />
de actividade mais sensíveis – os da<br />
base da pirâmide – do que outros a essa<br />
questão (da desvalorização). No caso dos<br />
veículos automóveis, por exemplo, não<br />
notamos grandes alterações quando<br />
há desvalorização da moeda nacional:<br />
quem tem dinheiro continua a tê-lo”,<br />
explica Francisco Ferreira dos Santos.<br />
Nesta fase, adianta o responsável, “se<br />
fosse primeiro-ministro ou governador<br />
do Banco Central, a preocupação<br />
seria sempre procurar um câmbio<br />
que não estivesse muito valorizado<br />
nem que fosse a única ferramenta<br />
de controlo da inflação”.<br />
O metical, reforça o gestor, “não pode<br />
estar muito valorizado e devemos<br />
ter uma política de estabilidade, a<br />
32<br />
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O metical<br />
reservas internacionais<br />
Em Julho, as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) serviam para 4,5 meses<br />
de importações. Apesar de ter conforto e margem de intervenção monetária<br />
cambial, o Banco Central tem optado por manter o mercado a funcionar,<br />
dado que a inflação está contida<br />
Meses de importação e milhões USD<br />
5,5<br />
3,9<br />
2,8<br />
3,1 3,2<br />
2,8<br />
3<br />
4,2<br />
3,5<br />
180,7 174,9<br />
4,7 4,5<br />
225,7<br />
268<br />
62,4 61,1<br />
77,5<br />
90,1<br />
96,8 100,7<br />
125,4<br />
Dez.<br />
2010<br />
Dez.<br />
2011<br />
Dez.<br />
2012<br />
Dez.<br />
2013<br />
Dez.<br />
2014<br />
Dez.<br />
2015<br />
Dez.<br />
2016<br />
Dez.<br />
2017<br />
Dez.<br />
2018<br />
Dez.<br />
2019<br />
Jul.<br />
<strong>2020</strong><br />
fonte Banco de Moçambique<br />
“Se os dirigentes mantiverem uma política muito virada para o consumo<br />
e para as cidades, corremos o risco de acharem que o que importa é<br />
termos bom poder de compra e que o que está no campo não interessa<br />
incerteza é negativa, assusta o negócio<br />
e surgem movimentos especulativos”.<br />
“Deixar que haja uma valorização<br />
muito grande da moeda interna é muito<br />
perigoso, porque traz um aparente<br />
desenvolvimento, bem-estar e poder<br />
de compra nas cidades, mas à custa<br />
dos 70% que estão no campo e que têm<br />
de ver na agricultura uma actividade<br />
sexy e que seja alternativa de vida”,<br />
reitera, concluindo que “com uma moeda<br />
muito forte vai ser sempre mais<br />
barato importar do que fazer dentro”.<br />
Por isso, avisa, devemos ter os pés bem<br />
assentes na terra quando começarem<br />
a entrar os dólares da venda de gás<br />
natural cujos projectos já estão a ter<br />
lugar na Bacia do Rovuma, e não permitir<br />
que se instale de vez a chamada<br />
doença holandesa (ocorre quando a<br />
exportação de matérias-primas prejudica<br />
a industrialização de um país<br />
por falta de investimento neste sector,<br />
por oposição ao aumento das importações).<br />
“Continuo a achar que a médio/longo<br />
prazo a grande questão é<br />
a doença holandesa e não tanto estas<br />
desvalorizações cambiais que o metical<br />
vai experimentado. Vamos ter<br />
uma enchente de dólares (com o gás<br />
natural) e, se não se alterar a mentalidade<br />
de muitos governantes, não<br />
vamos resolver o problema”, alerta.<br />
A questão, explica, é que “se os dirigentes<br />
mantiverem uma política<br />
muito virada para o consumo e para<br />
as cidades, corremos o risco de acharem<br />
que o que importa é termos um<br />
bom poder de compra e que o que<br />
está no campo não interessa muito”.<br />
Longe da ‘tragédia’ do kwanza<br />
Noutros países, a queda da moeda<br />
tem sido maior. O caso de Angola será<br />
o mais emblemático a este respeito,<br />
onde a moeda nacional, o kwanza,<br />
acumula perdas face ao dólar desde<br />
2014/2015 e, só este ano, já perdeu 30% até<br />
Junho. As causas, contudo, são diferentes.<br />
O problema começou em 2014/2015,<br />
com a perda de bancos correspondentes<br />
norte-americanos, primeiro, e europeus,<br />
depois, por incumprimento sistemático<br />
das normas de controlo de branqueamento<br />
de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo, e devido à elevada presença<br />
de pessoas politicamente expostas<br />
nas instituições bancárias.<br />
A queda do preço do petróleo, somada<br />
à redução da produção por falta de investimento<br />
no sector, e as intervenções<br />
do Banco Nacional de Angola fizeram o<br />
resto: em 2013/2014, um dólar correspondia<br />
a cerca de 100 kwanzas. Hoje,<br />
numa altura em que o banco central já<br />
pouco intervém na fixação do câmbio,<br />
vale cerca de 630 kwanzas.<br />
Num país onde a inflação teima em se<br />
manter na casa dos dois dígitos, dada a<br />
quase total dependência das importações<br />
para quase todos os bens e serviços<br />
que se consome, o resultado da depreciação<br />
tem sido a degradação permanente<br />
e sem fim à vista do poder<br />
de compra.<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />
33
Nação<br />
“obsessão pela inflação a um dígito<br />
está a prejudicar a economia”<br />
Luís Magaço<br />
Economista e CEO da Mozambique Capital & Consulting<br />
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva:<br />
p<br />
ara um esclarecimento<br />
mais preciso sobre os factores-chave,<br />
características<br />
e impactos das oscilações<br />
cambiais em Moçambique,<br />
bem como as fórmulas para<br />
contornar os desequilíbrios daí<br />
resultantes, a E&M ouviu o economista<br />
Luís Magaço, uma das vozes com<br />
conhecimento profundo sobre o assunto,<br />
dada a estreita ligação profissional<br />
com o sector financeiro no seu palmarés.<br />
É director da Cowi Moçambique,<br />
uma firma internacional dinamarquesa<br />
de consultoria com mais de 50<br />
consultores nacionais e internacionais,<br />
que oferece uma combinação<br />
de conhecimentos especializados no<br />
país e conhecimentos internacionais<br />
nos campos da economia, gestão,<br />
planeamento e ambiente; é CEO da<br />
Mozambique Capital & Consulting<br />
(MzC&C), uma linha de negócios da holding<br />
Moçambique Capitais S.A., criada<br />
em 2016 para a prestação de serviços<br />
de consultoria nas áreas financeira, de<br />
sistemas de informação e em gestão<br />
de programas; é presidente do Conselho<br />
Fiscal da MCNET; é presidente da<br />
Mesa da Assembleia Geral do Instituto<br />
de Directores; é também presidente<br />
do Pelouro da Política Financeira da<br />
CTA; e conselheiro da Agenda 2025.<br />
Sobre a preservação do valor do<br />
metical, tema desta entrevista, Luís<br />
Magaço faz uma intervenção, em jeito<br />
de crítica, direccionada a duas instituições:<br />
o Banco Central e o Ministério<br />
da <strong>Economia</strong> e Finanças. De um modo<br />
geral, aponta como um dos pecados<br />
do Banco de Moçambique o facto de<br />
“gabar-se” de aumentar as Reservas<br />
Internacionais Líquidas, mas que estão<br />
todas lá fora a servirem de elemento<br />
para o desenvolvimento de outros países.<br />
Considera que, ao invés disso, seria<br />
importante que se enviasse ao País<br />
uma parte deste valor para suprir<br />
as necessidades internas de estímulo<br />
à produtividade. Conclui que, a longo<br />
prazo, a política restritiva do Banco de<br />
Moçambique desfavorece a produtividade<br />
e, em último plano, o crescimento.<br />
Quanto ao Ministério da <strong>Economia</strong>, Magaço<br />
aponta que este deveria cobrir a<br />
ineficácia da política do Banco Central<br />
através de políticas de estímulo à economia,<br />
o que não está a acontecer.<br />
A oscilação cambial de uma moeda<br />
sempre impacta no comércio externo<br />
como penalizadora das importações,<br />
que ficam mais caras, e<br />
34<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
Entrevista<br />
impacto através da concentração de<br />
poucos sectores captadores de divisas<br />
como a energia eléctrica, gás, carvão.<br />
Mas sucede que, quando um país<br />
tem as suas fontes de exportação concentradas<br />
num só sector, neste caso o<br />
energético, torna o resto da economia<br />
ineficiente. Isto é, quando o País ganha<br />
robustez cambial que não é acompanhada<br />
pela capacidade produtiva, os<br />
outros sectores sofrem as consequências,<br />
porque os poucos sectores exportadores<br />
é que vão determinar as perdas<br />
ou os ganhos de toda a economia<br />
quando se verifica a oscilação cambial.<br />
Mesmo na sequência dessa colocação,<br />
é suposto que a desvalorização<br />
do metical estimule as exportações.<br />
Sente que isto está a acontecer? Faço<br />
esta pergunta porque além de o<br />
país ter uma fraca matriz de produção<br />
e de exportação, estamos<br />
num momento em que o comércio<br />
não flui por causa da pandemia…<br />
Os sectores tradicionais de exportação,<br />
como o açúcar, citrinos, tabaco,<br />
algodão e todos os produtos agrícolas<br />
de rendimento ganham muito<br />
com a situação actual de desvalorização<br />
da moeda nacional. Também ganham<br />
sectores como o dos serviços,<br />
a inflação, a taxa de câmbio e as taxas<br />
de juro. Normalmente, dependendo<br />
do estágio da economia, o Banco<br />
Central vai priorizando uma das<br />
três variáveis. Mas, no nosso caso,<br />
nos últimos anos, das três variáveis<br />
o Banco Central elegeu a inflação como<br />
principal pivot. A ideia é estabilizar<br />
a inflação para garantir a capacidade<br />
de consumo mínimo das populações.<br />
Agora, quando se selecciona uma<br />
das variáveis, há sempre o problema<br />
de ter a obrigação de mexer noutras<br />
para estabilizá-las. Então, acontece<br />
que a priorização da estabilidade<br />
inflacionária a um dígito por parte<br />
do Banco Central tem sacrificado<br />
muito os sectores económicos do País.<br />
De que maneira? Quais são os desajustamentos,<br />
se assim podemos chamar,<br />
que resultam desta política do<br />
regulador?<br />
Por exemplo, para conseguir manter<br />
a inflação a um dígito, o Banco de Moçambique<br />
está a operar sobre as taxas<br />
de juro de referência – as taxas directoras<br />
– que funcionam no sentido da<br />
secagem (redução) ou da alimentação<br />
(aumento) da disponibilidade de moeda<br />
no mercado. Ou seja, o Banco Central<br />
tem uma percepção (da qual até<br />
“O que temos assistido, infelizmente, é que o Banco Central tem<br />
políticas muito restritivas, muito inflexíveis, muito penalizadoras<br />
à produção. Mas também precisamos de uma política fiscal que<br />
venha do Ministério da <strong>Economia</strong> com incentivos à produção”.<br />
incentivadora de exportações, que<br />
se tornam mais acessíveis. Do lado<br />
das importações, quais são os sectores<br />
que mais sofreram e que poderão<br />
ainda sofrer estes impactos?<br />
Um país que produz tem maior capacidade<br />
de abastecer o mercado local<br />
em bens e serviços, o que implica que<br />
precisa menos de importar e que consegue<br />
exportar. É um país com uma<br />
economia sólida, com saldo positivo de<br />
transacções comerciais. Moçambique,<br />
infelizmente, é um país com a balança<br />
comercial tradicionalmente negativa,<br />
cuja diferença entre as importações<br />
e exportações é geralmente coberta<br />
por fundos de doadores, agências<br />
de desenvolvimento, etc. Sempre<br />
foi assim, desde a era colonial. Portanto,<br />
o que há de bom nisto é que temos<br />
uma produção interna com algum<br />
os que vendem, por exemplo, as passagens<br />
aéreas em divisas, as consultorias<br />
feitas fora, etc. É verdade que,<br />
no fim do dia, os preços podem vir a<br />
estabilizar quando ocorrer, em determinado<br />
momento, o aumento dos preços<br />
internos até ao nível dos benefícios<br />
que se obtêm da desvalorização<br />
cambial. Mas, de um modo geral,<br />
todos estes sectores estão a ganhar.<br />
Temos estado a olhar para as metas<br />
de inflação prevista para este ano<br />
como sendo baixa e estável. Acredita<br />
que tal meta seja alcançável perante<br />
a acentuada desvalorização<br />
que o metical está a experimentar?<br />
O Banco Central que é a autoridade<br />
monetária, feliz ou infelizmente, tem<br />
uma abordagem em torno de três<br />
grandes variáveis, nomeadamente<br />
hoje não temos informação detalhada)<br />
de que o mercado tem excesso de liquidez,<br />
o que gera inflação. E para secar<br />
esta inflação é preciso que a autoridade<br />
retire moeda do sistema financeiro.<br />
Como? Fá-lo através da contracção do<br />
crédito. Também o faz através da secagem<br />
da própria liquidez por meio<br />
da política de reservas obrigatórias<br />
e das taxas de juro. Quanto às reservas<br />
obrigatórias, o Banco de Moçambique<br />
simplesmente vai aos bancos retirar<br />
o excesso de liquidez e, uma vez<br />
com menos recursos, estes passam a<br />
realizar empréstimos a taxas de juro<br />
mais altas. Assim, a política monetária<br />
do Banco Central, infelizmente,<br />
não estimula a produção. Estimula o<br />
corte da circulação da moeda, que tem<br />
um impacto inverso na produção. Ou<br />
seja, passa a haver menos produção<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />
35
Nação<br />
“É melhor ter uma inflação regulada, mas que represente o ‘espelho’<br />
da economia, do que uma inflação que resulte de cortes que se fazem<br />
administrativamente pelo Banco Central ao sistema financeiro”<br />
porque há menos dinheiro e porque<br />
este está mais caro. Portanto, a fórmula<br />
do Banco Central pode funcionar<br />
bem a curto prazo, mas não a longo<br />
prazo numa economia em contracção.<br />
A obsessão pela taxa de inflação a um<br />
dígito está a prejudicar esta economia.<br />
Quais seriam os diferentes modelos<br />
de política que poderiam ser aplicados<br />
para lidar com este dilema sem<br />
causar, digamos, feitos colaterais?<br />
O que temos assistido, infelizmente, é<br />
que o Banco Central tem políticas muito<br />
restritivas, muito inflexíveis, muito<br />
penalizadoras para a produção. Mas<br />
também precisamos de uma política<br />
fiscal que venha do Ministério da <strong>Economia</strong><br />
e não das Finanças (enfatizou,<br />
lembrando que, actualmente, “<strong>Economia</strong>”<br />
e “Finanças” estão aglutinadas<br />
no mesmo ministério – o da <strong>Economia</strong><br />
e Finanças), com incentivos à produção.<br />
Isto é, se o Banco Central comprime<br />
a disponibilização do financiamento<br />
ao sector produtivo, o Ministério<br />
da <strong>Economia</strong>, através de uma política<br />
económica e fiscal de estímulo,<br />
pode alimentar o mercado com recursos<br />
que permitam que o sector<br />
produtivo tenha procura e possa ter<br />
produção, mais emprego, mais rendimentos<br />
para as famílias e para as empresas<br />
e, em último plano, haja crescimento<br />
real da economia que, no ciclo,<br />
possa contrapor os efeitos do controlo<br />
da inflação. Por exemplo, o Millennium<br />
Challenge Corporation (MCC) –<br />
agência norte-americana de apoio ao<br />
desenvolvimento externo, que disponibiliza<br />
fundos através do Millennium<br />
Challenge Account (MCA) a vários países,<br />
incluindo Moçambique – é o caminho<br />
menos nocivo enquanto mecanismo<br />
de deflação importada, por tratar-<br />
-se de uma injecção de divisas no sistema<br />
financeiro para apoiar sectores<br />
muito concretos, que vão depois demandar<br />
produtos e serviços, e aumentar<br />
o emprego, a produção, as infra-estruturas,<br />
e a capacidade de ampliar<br />
as exportações.<br />
Esta seria uma abordagem complementar<br />
às medidas do Banco Central.<br />
E quanto ao próprio regulador,<br />
que caminhos deveria tomar para<br />
minorar as fragilidades ao nível<br />
da inflação e das taxas de câmbio?<br />
Por exemplo, não entendo como um<br />
país com as características deste tecido<br />
produtivo continua a insistir numa<br />
política do controlo de inflação. Obviamente<br />
que ninguém quer uma inflação<br />
descontrolada, mas uma inflação<br />
controlada aumenta dinheiro para os<br />
exportadores, estimula a produção e<br />
funciona como um mecanismo que dinamiza<br />
a economia. A longo prazo, aumenta<br />
o rendimento e, se assim é vai<br />
aumentar o poder de compra das famílias.<br />
A minha sugestão, como economista,<br />
é que uma economia como a<br />
nossa, que não é estável nem altamente<br />
produtiva, não deve ter uma inflação<br />
estática, inflexível porque não ajuda<br />
a termos mais estímulo à exportação<br />
e aos investimentos. É melhor ter<br />
uma inflação regulada, mas que represente<br />
o “espelho” da economia, do<br />
que uma inflação que resulte de cortes<br />
que se fazem administrativamente<br />
pelo Banco Central ao sistema financeiro.<br />
Mas a culpa é do Ministério<br />
da <strong>Economia</strong> que não faz nada. O Banco<br />
Central até faz. Mas o Ministério da<br />
<strong>Economia</strong> não tem um programa de<br />
estímulo ou um programa de desenvolvimento<br />
em que diz: “o Banco Central<br />
está a limitar-nos, mas vamos nós<br />
reinventar-nos encontrando parceiros<br />
que apoiem a produção”. Esta produção<br />
aliviaria a carga do Banco Central<br />
criando hipóteses para ampliar<br />
postos de trabalho.<br />
Quais são os cenários que se esperam<br />
ao longo do presente ano em<br />
relação ao comportamento do metical,<br />
olhando para a prevalência do<br />
Covid-19 e o gradual alívio às medidas<br />
de prevenção?<br />
Acredito que a taxa de câmbio é capaz<br />
de atingir 75 meticais por dólar, porque,<br />
visualmente, não há uma resposta<br />
produtiva para fazer face à Covid-19.<br />
A partir de 2021, há muitos fenómenos<br />
que podem ocorrer e reverter esta situação<br />
de cariz monetário, mas para já,<br />
até ao fim deste ano, continuaremos a<br />
ter os mesmos pressupostos que a mineradora<br />
Vale tinha para lidar com esta<br />
situação (quando decidiu paralisar a<br />
produção por três meses para ajustar<br />
questões laborais internas, lembrando<br />
que esta empresa é responsável pela<br />
maior parte da produção de carvão,<br />
cujo peso nas exportações totais é largamente<br />
maior). Por outro lado, o Banco<br />
de Moçambique vai continuar a lutar<br />
com todas as armas possíveis para<br />
que a desvalorização não seja tão grave<br />
e, se necessário, vai colocar a moeda externa<br />
no sistema financeiro<br />
36<br />
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OPINIÃO<br />
“Suca” daqui, Maldição dos Recursos!<br />
João Gomes • Partner @ JASON Moçambique<br />
neste artigo a expressão shangana “Suca” -<br />
significa “fora daqui”, e é utilizada para expulsar<br />
alguém ou para exprimir reprovação ou rejeição<br />
- vai ser instrumental para analisarmos o<br />
tema da “Maldição dos Recursos”, também<br />
conhecida por “Doença Holandesa”.<br />
Esta expressão foi utilizada pela primeira vez em 1977, num<br />
artigo do The Economist, para identificar os efeitos negativos<br />
na economia, resultantes da descoberta, pela Holanda,<br />
em 1959, de vastas reservas de petróleo no mar do norte.<br />
Apesar das designações “Maldição dos Recursos”, ou “Armadilha<br />
dos Recursos”, ou “Doença Holandesa” serem relativamente<br />
actuais, este fenómeno é tudo menos recente:<br />
a Espanha, com o ciclo do ouro das américas, no séc. XVI;<br />
Portugal com o ciclo do açúcar do Brasil no séc. XVII; A Austrália<br />
com o ciclo do ouro no séc. XIX são exemplos primevos<br />
do fenómeno que aqui nos traz a esta crónica. Vejamos,<br />
seguidamente:<br />
1) Em que consiste a “Maldição dos Recursos”?<br />
Essencialmente, a “Maldição dos Recursos” traduz-se no<br />
aumento repentino (Efeito “Boom”) das exportações de<br />
um recurso natural não renovável (adiante, Commodity).<br />
E a evidência deste fenómeno encontra-se no crescimento,<br />
repentino, na pauta de exportações do país em causa,<br />
de uma dada Commodity – v.g. seja ela o ouro; o açúcar;<br />
o petróleo; ou o gás natural.<br />
2) Quais são os efeitos da “Maldição dos Recursos”?<br />
São vários (isolámos 11!) e de diversa natureza e que abordaremos<br />
sequencialmente e por “ordem de entrada em<br />
cena”:<br />
a) Efeito de entrada de divisas: A consequência imediata<br />
da venda ao exterior da Commodity consiste no<br />
aumento repentino da entrada massiva de divisas no<br />
país exportador (quer por via de Investimento Directo<br />
Estrangeiro, quer por via de receita fiscal).<br />
b) Efeito de apreciação real da taxa de câmbio: A entrada<br />
massiva e repentina de divisas gera excesso de<br />
oferta de moeda estrangeira, e que tem como consequência<br />
a apreciação da moeda (normalmente face ao<br />
dólar) do país exportador da Commodity.<br />
c) Efeito de diminuição das exportações do sector secundário:<br />
A consequência directa da apreciação da<br />
moeda do país exportador da Commodity consiste no<br />
aumento dos preços dos produtos exportados pelo sector<br />
secundário desse país, que assim perde competitividade.<br />
A evidência encontra-se na diminuição, na<br />
pauta de exportação, de produtos industriais do país<br />
exportador da Commodity.<br />
d) Efeito de gasto: Igualmente, a consequência directa da<br />
apreciação da moeda do país exportador da Commodity<br />
consiste no aumento das importações. A evidência<br />
encontra-se na diminuição dos preços dos produtos<br />
importados.<br />
e) Efeito de desindustrialização (“Lagging sectors”): A<br />
braços com a perda progressiva de competitividade,<br />
por via do preço, quer do lado das exportações (cujos<br />
produtos ficaram mais caros), quer das importações<br />
(cujos produtos ficaram mais baratos) assiste-se ao<br />
desaparecimento progressivo das indústrias de bens<br />
transaccionáveis. E a evidência encontra-se na redução<br />
do peso da indústria produtora de bens transaccionáveis,<br />
e bem assim da agricultura no PIB, em detrimento<br />
do aumento do peso do sector da extracção,<br />
produção e exportação da Commodity.<br />
f) Efeito de perda de diversificação da economia “Spill<br />
overs Loss”: Em consequência da desindustrialização,<br />
assiste-se a uma concentração da actividade económica<br />
em torno da extracção, transformação e exportação<br />
da Commodity. A evidência desta fase encontra-se<br />
no aumento de encerramento de unidades fabris, e do<br />
pedido de falências e insolvências; na diminuição do<br />
registo de marcas e patentes; na diminuição do investimento<br />
em ciência e inovação.<br />
g) Efeito de dupla deslocação de recursos (“Crowding-<br />
-Out”): Em consequência da falta de atractividade das<br />
restantes indústrias e da agricultura, assiste-se a um<br />
duplo deslocamento de recursos: da mão-de-obra, agora<br />
atraída por condições e salários mais competitivos<br />
do sector da Commodity, por um lado. E por outro, a alta<br />
rentabilidade do sector da Commodity faz deslocar o capital<br />
para fora da indústria de bens transaccionáveis<br />
e da agricultura, e em direcção à Commodity. A evidência<br />
deste efeito encontra-se na diminuição do investimento<br />
interno e internacional na produção de bens<br />
Com a perda progressiva de competitividade, por via do preço, do lado das impirtações e das<br />
exportações, assiste-se ao desaparecimento progressivo das indústrias de bens transaccionáveis<br />
38<br />
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transaccionáveis e na agricultura e, bem assim, na<br />
diminuição do volume de emprego nessas indústrias.<br />
h) Inflação: O aumento generalizado dos salários gera<br />
uma pressão na procura de bens e serviços que o<br />
mercado interno (a Oferta) deixou de ser capaz de<br />
produzir.<br />
i) Efeito de enclave: Da combinação cruzada dos efeito<br />
referidos anteriormente resulta uma economia que<br />
passa a girar apenas em torno da extracção, transformação<br />
e exportação da Commodity, por conta da apreciação<br />
cambial. A evidência deste efeito encontra-se<br />
em diversos países como Angola, Nigéria, Colômbia,<br />
entre outros, onde mais de 95% do PIB assenta na exportação<br />
de Commodities.<br />
Mas a “Maldição dos Recursos” não traz apenas impactos<br />
económicos negativos. Outras classes de efeitos têm sido<br />
registadas em países que não souberam evitar a “Armadilha<br />
dos Recursos”, designadamente:<br />
j) Efeito de “Petro-agressão” (“Resources-war”): São<br />
sobejamente conhecidas não apenas as agressões a<br />
países (e.g. Invasão do Kawait), como o surgimento de<br />
movimentos terroristas/insurgentes nas áreas de extracção<br />
e transformação das Commodities.<br />
k) Efeito anti-democracia e violação dos direitos do<br />
Homem: Têm sido registadas violações dos direitos<br />
humanos, aumento das desigualdades sociais, aumento<br />
da corrupção e da criminalidade, e o reforço do autoritarismo<br />
de Estado num grande número de países nos<br />
quais ocorreram descobertas massivas de recursos<br />
naturais não renováveis.<br />
3) E que medidas podemos elencar e que têm sido tomadas<br />
pelo mundo fora para mitigar os impactos negativos da<br />
“Maldição dos Recursos”?<br />
a) Ao nível da economia global é possível observar uma<br />
correlação positiva entre o preço das Commodities<br />
e a intensidade da “Maldição dos Recursos”: Assim,<br />
quanto mais alto for o preço da Commodity nos mercados<br />
internacionais, mais intensos são os efeitos da “Armadilha<br />
dos Recursos”. No actual contexto pandémico<br />
e consequente diminuição generalizada do preço é expectável<br />
que, nos próximos anos, possamos contar com<br />
uma redução generalizada da intensidade dos efeitos<br />
da “Maldição dos Recursos” por esta via, a qual beneficia,<br />
de igual modo, todas as economias.<br />
b) Desvalorização da moeda: Esta medida, por atacar<br />
o coração da “Maldição dos Recursos” (i.e. a apreciação<br />
real da taxa de câmbio) tem gerado efeitos bastante<br />
positivos no seu combate, mas a sua utilização tem sido<br />
cada vez mais limitada no âmbito dos acordos de integração<br />
em zonas económicas, e pela OMC (Organização<br />
Mundial do Comércio), no sentido de combater as medidas<br />
de natureza proteccionista.<br />
c) Estímulos económicos e tarifas aduaneiras de protecção<br />
às industrias de bens transaccionáveis: Este<br />
tem sido o caminho mais trilhado de combate à “Maldição<br />
dos Recursos”, designadamente pelos países asiáticos<br />
(Malásia, Indonésia, Tailândia).<br />
d) Políticas activas de substituição de importações<br />
(“Conteúdo Local”): neste contexto, a generalização do<br />
uso de legislação promotora do uso do conteúdo local<br />
nos projectos associados à extracção, transformação<br />
e exportação de Commodities tem sido uma das armas<br />
mais frequentemente utilizadas no combate à “Doença<br />
Holandesa” (Gana; Nigéria).<br />
e) Criação de um Fundo Soberano: a experiência Norueguesa<br />
é, a este propósito, um exemplo absoluto de<br />
aplicação eficiente e democrática da renda resultante<br />
da venda do petróleo do mar do norte no combate à<br />
“Maldição dos Recursos”.<br />
Em conclusão<br />
A descoberta massiva de recursos naturais não renováveis<br />
traz consigo, para além de efeitos positivos que neste<br />
artigo não abordámos, uma série de impactos negativos<br />
a que genericamente se atribui a designação de “Maldição<br />
dos Recursos” ou “Doença Holandesa”. As experiências<br />
ocorridas pelo mundo fora trazem-nos ensinamentos<br />
que devemos, no mínimo, ter conhecimento no sentido de<br />
evitar os efeitos da também apelidada “Armadilha dos<br />
Recursos”.<br />
Em face do que fica dito, e em matéria de tamanha complexidade,<br />
por certo não bastará um simples “Suca daqui”<br />
para fazer desaparecer, em Moçambique, os efeitos negativos<br />
(alguns deles já visíveis!) associados à exploração da<br />
Commodity Gás Natural.<br />
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39
<strong>Mercado</strong> e finanças<br />
Que País teremos<br />
até ao final do ano?<br />
A maior parte das metas orçamentais podem falhar e a condição social dos<br />
mais pobres pode transitar para... péssima. A E&M recorreu ao CIP para fazer as<br />
contas ao futuro, a partir do Relatório de Execução Orçamental do 1º semestre<br />
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />
Que perspectivas o relatório<br />
de execução orçamental<br />
(reo) de janeiro<br />
a Junho dá em relação<br />
à execução do Orçamento<br />
do Estado até<br />
ao fim do ano, e o que esperar da proposta<br />
do Orçamento para 2021? É respondendo<br />
a esta questão, que se segue,<br />
neste artigo, uma espécie de antevisão<br />
do futuro imediato do ambiente socioeconómico<br />
do País pelo Centro de Integridade<br />
Pública (CIP), enquanto um<br />
dos integrantes de peso do Fórum de<br />
Monitoria do Orçamento (FMO). Nesta<br />
análise, a economista e pesquisadora<br />
do CIP, Celeste Banze, traz o pensamento<br />
de todo o FMO (composto por mais de<br />
20 membros) em que, olhando para o<br />
deteriorar das condições macroeconómicas,<br />
políticas e sociais do País – através<br />
de uma avaliação minuciosa do<br />
ritmo de arrecadação da receita, de<br />
execução da despesa e da dívida pública<br />
no primeiro semestre – traça um<br />
horizonte sombrio sobre o que se pode<br />
esperar até ao fim do presente ano.<br />
Mas também deixa recomendações<br />
oportunas que podem ajudar a contornar<br />
os males que constituem os principais<br />
desafios do País na actualidade.<br />
Meta de receitas será difícil<br />
A execução do OE de Janeiro a Junho<br />
de <strong>2020</strong> reporta uma mobilização de<br />
recursos equivalente a 50,5%, mas este<br />
desempenho não foi resultado da<br />
receita tributária que teve apenas<br />
uma execução de 46%, refere o CIP,<br />
prevendo que, para o segundo semestre<br />
de <strong>2020</strong>, a retoma gradual das actividades<br />
possa melhorar os níveis de<br />
arrecadação da receita tributária.<br />
Ainda assim, alerta, o alcance das metas<br />
de arrecadação vai exigir muito<br />
Assistência social ainda mais precária<br />
O maior peso dos 12,2 mil milhões de<br />
meticais aplicados nas transferências<br />
para as famílias foi para as pensões<br />
(8,9 mil milhões), montante que está associado<br />
ao aumento de 7000 efectivos<br />
dos pensionistas militares. “O REO não<br />
detalha os factores que ditaram esse<br />
aumento, mas muito provavelmente o<br />
fenómeno sinaliza o início de agravamento<br />
dos custos sociais associados aos<br />
conflitos”, pressupõe a economista.<br />
O facto é que, no contexto actual, esperava-se<br />
que os recursos gastos em assistência<br />
social à população tivessem<br />
níveis altos de realização da despesa,<br />
o que não aconteceu. No primeiro semestre<br />
foram gastos cerca de 2,2 mil<br />
milhões de meticais em assistência soesforço<br />
por parte da Autoridade Tributária,<br />
já que pode não contar com a<br />
“sorte” dos últimos anos, em que teve o<br />
reforço de uma receita não prevista –<br />
as mais-valias. O CIP lembra também<br />
que os grupos de impostos que merecem<br />
maior esforço, e estão em risco falharem<br />
as metas, incluem os impostos<br />
sobre rendimentos de pessoas colectivas,<br />
que até Junho tinham sido executados<br />
em 39,2%, os impostos sobre o comércio<br />
externo executados em 37,4%<br />
e os impostos sobre consumo específico<br />
de produção nacional e de produtos<br />
importados, cuja realização foi de apenas<br />
31,8% e 26,5%, respectivamente.<br />
Defesa pode demandar o dobro do que tem<br />
A realização da despesa do Estado<br />
foi equivalente a 41,1% do orçamento<br />
anual. O nível de execução da despesa<br />
de funcionamento alcançou o equivalente<br />
a 45% do orçamento anual, tendo<br />
o investimento atingido o correspondente<br />
a 23% do programado. Para<br />
o Fórum de Monitoria ao Orçamento,<br />
esta diferença revela a “manutenção<br />
do carácter despesista do orçamento<br />
com foco no consumo”.<br />
Até meio do ano, a despesa no sector<br />
da defesa, com um nível de execução<br />
de 95,5% das despesas alocadas, reflecte<br />
o fardo que os conflitos na zona<br />
Centro e instabilidade em Cabo Delgado<br />
têm para o orçamento público. Este<br />
nível de execução permite prever<br />
que se os conflitos perdurarem até ao<br />
final do ano, muito provavelmente os<br />
gastos na Defesa poderão atingir cerca<br />
de 200% do previsto, projecta a economista<br />
Celeste Banze. Ainda de acordo<br />
com a pesquisadora, a natureza do<br />
impacto dos conflitos leva a crer que<br />
os efeitos da instabilidade nas zonas<br />
Centro e Norte do País já trazem e tra-<br />
rão custos imensuráveis com impacto<br />
directo não só para homens, mulheres,<br />
crianças e idosos em situação de vulnerabilidade,<br />
mas também para os intervenientes<br />
directos incumbidos de<br />
defender a soberania do País – as Forças<br />
de Defesa e Segurança.<br />
40<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
contas públicas<br />
“A Proposta do Orçamento do Estado para 2021 deve trazer<br />
um balanço detalhado da execução dos recursos recebidos e<br />
gastos no âmbito da pandemia do COVID-19 no ano <strong>2020</strong><br />
cial, uma realização de 49,3%, cerca<br />
de 4,4 pontos percentuais a menos, se<br />
comparado com igual período do ano<br />
passado. “O estranho é que os gastos<br />
em assistência social no âmbito da CO-<br />
VID-19 foram colocados numa rubrica<br />
denominada ‘Demais Transferências<br />
a Famílias’, pouco clara, que sempre<br />
existiu e que não permite captar o nível<br />
de esforço do Governo para apoiar<br />
as famílias carenciadas afectadas pela<br />
pandemia. Esta rubrica, até ao meio do<br />
ano, realizou apenas 37,2% e se mantiver<br />
este ritmo pode terminar o ano<br />
sem executar o seu orçamento na totalidade”,<br />
avisou a representante do CIP.<br />
Pecados da emissão de Bilhetes de Tesouro<br />
Em relação à dívida interna, as amortizações<br />
das obrigações do tesouro destacam-se<br />
com um aumento de 287,1%<br />
em comparação com igual período do<br />
ano anterior. Esta subida exponencial<br />
confirma que o excessivo recurso a este<br />
mecanismo de financiamento do défice<br />
fiscal se revela muito oneroso para<br />
os cofres do Estado, porque as taxas<br />
de juro são relativamente altas e o período<br />
de maturidade é curto, comprometendo<br />
a capacidade do Estado de financiar<br />
despesas com impacto directo<br />
na vida da população.<br />
Alem disso, “o excessivo recurso à<br />
emissão de obrigações do tesouro tem<br />
sido uma alternativa não viável para<br />
suprir o défice de liquidez com correlação<br />
muito forte ao mecanismo de<br />
gestão com base em caixa. O problema<br />
é que o OE é planificado de forma politizada,<br />
sem oportunidade de a sociedade<br />
civil poder dar a sua opinião, o que<br />
faz com que a projecção das cifras orçamentais<br />
sejam números não realistas<br />
e a gestão com base em caixa não<br />
permite uma planificação orçamental<br />
consistente. Não permite, por exemplo,<br />
ver os atrasos nos desembolsos<br />
de fundos por parte do Tesouro, transtornando<br />
todo o processo de procurement<br />
e, consequentemente, a implementação<br />
de projectos”, lamenta o CIP.<br />
Em termos de encargos da dívida, o<br />
destaque vai para a amortização da<br />
dívida externa bilateral, que consumiu<br />
dos cofres do Estado cerca de 7,5<br />
mil milhões de meticais e pagamento<br />
de juros de 6,3 mil milhões de meticais.<br />
Neste montante, está incluído o pagamento<br />
dos juros da Dívida Soberana<br />
MOZAM 2023, no dia 15 de Março, avaliada<br />
em cerca de 22,5 milhões de dólares.<br />
De acordo com o plano de reestruturação,<br />
está previsto outro pagamento<br />
de juros no mesmo montante a 15 de<br />
<strong>Setembro</strong> corrente.<br />
Será necessário rectificar o OE<br />
Uma observação importante é que o<br />
tipo de informação que consta do REO<br />
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41
O que o País conseguiu<br />
em receitas...<br />
No 1º semestre houve equilíbrio ao nível<br />
dos recursos mobilizados, que chegaram<br />
aos 50,5%, uma capacidade que pode<br />
ainda melhorar com a retoma gradual da<br />
actividade económica.<br />
Em mil milhões de meticais<br />
Recursos<br />
por mobilizar<br />
170,9<br />
... E onde foram<br />
alocadas?<br />
Muitos sectores não deverão cumprir as<br />
metas previstas, com destaque para a<br />
defesa que já gastou 95% do alocado.<br />
serviços públicos gerais<br />
defesa<br />
104<br />
41,3<br />
39,7<br />
10,6<br />
10,1<br />
95,5<br />
Quanto foi gasto?<br />
Despesa<br />
por realizar<br />
203,6<br />
174,5<br />
Recursos<br />
mobilizados<br />
O Estado realizou despesas equivalentes<br />
a 41,1% do orçamento anual. A principal<br />
chamada de atenção, neste aspecto,<br />
é para que haja maior transparência<br />
para voltar a merecer a confiança dos<br />
parceiros externos.<br />
Em mil milhões de meticais<br />
345,4<br />
mil milhões Mt<br />
345,4<br />
mil milhões<br />
141,8<br />
Despesa<br />
realizada<br />
segurança e ordem pública<br />
assuntos económicos<br />
protecção ambiental<br />
habitação e desenv. colectivo<br />
saúde<br />
recreação, cultura e religião<br />
educação<br />
segurança e acção social<br />
Orçamento anual<br />
Taxa de realização<br />
28,4<br />
14,5<br />
51<br />
74<br />
26,2<br />
35,4<br />
8,9<br />
0,47<br />
5,3<br />
10,4<br />
2,9<br />
28,4<br />
31,3<br />
12<br />
38,2<br />
1,5<br />
0,04<br />
38,7<br />
65,3<br />
30<br />
46<br />
10,7<br />
3,6<br />
33,7<br />
Realização Jan./Jun.<br />
FONTE Ministério da <strong>Economia</strong><br />
e Finanças<br />
Celeste Banze, economista e pesquisadora do CIP<br />
está intrinsecamente ligado ao Orçamento<br />
do Estado (OE) aprovado, ou seja,<br />
se este for omisso, o REO será igualmente<br />
omisso. Portanto, havendo alterações<br />
conjunturais (por exemplo, revisão<br />
do crescimento do PIB real, das<br />
exportações e/ou dos recursos do Estado,<br />
etc.) na proporção dos impactos<br />
causados pelo Covid-19, o ideal é submeter<br />
um orçamento rectificativo para<br />
que a execução reflicta, efectivamente,<br />
a informação enquadrada ao<br />
contexto actual.<br />
Há indicadores claros, em Moçambique,<br />
de que será mesmo necessário<br />
submeter o orçamento rectificativo,<br />
nomeadamente o facto de, no OE<br />
aprovado: se ter considerado um nível<br />
de crescimento do PIB de cerca<br />
de 2,2% e, actualmente, ter sido revisto<br />
para 0,8%; se ter considerado<br />
um nível de exportações de cerca de<br />
4,4 mil milhões de dólares, que, muito<br />
provavelmente, não se irá alcançar<br />
pelo facto destas não terem atingido,<br />
sequer, metade da meta prevista,<br />
ao se fixarem em apenas 1,2<br />
mil milhões de dólares; se ter considerado<br />
também um envelope de recursos<br />
e limite da despesa que agora<br />
mudou no contexto das acções para<br />
fazer face os desafios do Covid-19.<br />
“Se até ao final do ano não forem<br />
incorporadas as revisões conjuntu-<br />
42<br />
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contas públicas<br />
SERVIÇO da dívida<br />
também aumentOU<br />
O CIP chama atenção para a<br />
necessidade de o Estado rever<br />
as formas mais vantajosas de<br />
endividamento para não comprometer<br />
o investimento na provisão do bemestar<br />
das populações.<br />
Em mil milhões de meticais<br />
dívida externa<br />
dívida interna<br />
total<br />
6,4<br />
9,5<br />
4,7<br />
5,7<br />
11,1<br />
15,2<br />
1º Sem. 2019<br />
1º Sem.<strong>2020</strong><br />
“A assistência social no âmbito do Covid-19 foi colocada numa<br />
rubrica denominada ‘Demais Transferências a Famílias’,<br />
que não capta o esforço do Governo no apoio aos carenciados<br />
rais que afectam os rácios inicialmente<br />
previstos, através de um orçamento<br />
rectificativo, os documentos orçamentais<br />
não irão trazer informação<br />
suficientemente realista e aberta para<br />
que a sociedade capte o nível de esforço<br />
do Governo em acções para fazer<br />
face à Covid-19, o que é problemático<br />
num contexto que se exige maior<br />
transparência”, alerta o CIP.<br />
A instituição lamenta, igualmente, o<br />
facto de o Relatório de Execução Orçamental<br />
começar com uma explicação<br />
do desempenho que, no seu entender,<br />
enfatiza tudo menos o Covid-19. E<br />
exemplifica: “A execução do primeiro<br />
semestre foi influenciada negativamente<br />
pela seca que vem assolando<br />
a zona Sul desde o ano transacto, pela<br />
ocorrência de chuvas anormais em<br />
algumas províncias das regiões Centro<br />
e Norte do País, registadas no primeiro<br />
trimestre, tudo aliado à instabilidade<br />
militar nas Zonas Centro e Norte<br />
do País, afectando negativamente<br />
os sectores de actividades agro-pecuárias,<br />
infra-estruturas sociais e o<br />
comércio”, concluiu.<br />
Preservar a confiança dos parceiros externos<br />
A boa notícia extraída pelo CIP é que,<br />
“em relação ao financiamento do orçamento,<br />
destaca-se o desembolso do<br />
Apoio ao Orçamento no montante de<br />
20,7 mil milhões de meticais, referente<br />
aos 309 milhões de dólares do FMI. Nota-se<br />
que o nível de execução dos desembolsos<br />
do financiamento via Conta<br />
Única do Tesouro (CUT) se sobrepõe<br />
aos efectuados fora da CUT, com 56,8%<br />
e 43,2% respectivamente. Isto pode ser<br />
um indicador de que se pode estar a<br />
reverter o cenário de falta de confiança<br />
por parte dos parceiros movida pela<br />
necessidade de apoiar o País a fazer<br />
face à pandemia”. No entanto, esta<br />
vantagem pode ficar diluída se “este<br />
cenário não for acompanhado por um<br />
esforço do Governo em melhorar os níveis<br />
de transparência”.<br />
O que nos deve trazer a Proposta do OE 2021?<br />
O CIP sugere que o ideal é que este<br />
documento venha enriquecido pelo<br />
facto de o Cenário Fiscal de Médio<br />
Prazo 2021 a 2023 já ter sido produzido.<br />
Ou seja, já há bases sólidas para as<br />
projecções e de modo a garantir consistência<br />
entre os documentos. Por<br />
exemplo, nas tabelas que apresentam<br />
as classificações da despesa funcional,<br />
económica e administrativa sugere-se<br />
que se apresentem as projecções para,<br />
pelo menos os dois anos subsequentes<br />
cobertos pelo Cenário Fiscal de Médio<br />
Prazo, O mesmo serve para Receitas.<br />
As projecções para os anos subsequentes<br />
são úteis para dar credibilidade<br />
às projecções do Governo. Além disso,<br />
a Proposta do OE 2021 deve trazer<br />
um balanço detalhado da execução dos<br />
recursos recebidos e gastos no âmbito<br />
do Covid-19 no ano <strong>2020</strong>, bem como a<br />
justificação por detrás da definição dos<br />
limites de endividamento e emissão de<br />
garantias do Estado. Deve ainda mostrar<br />
as projecções da inflação, taxa de<br />
juro e crescimento do PIB real de forma<br />
mais informativa e acompanhada<br />
de uma fundamentação. Neste contexto,<br />
em vez de só reproduzir as projecções<br />
que estavam na Lei para o Orçamento<br />
do Estado para <strong>2020</strong>, dever-se-<br />
-ia usar as estimativas mais recentes.<br />
Por exemplo, o Governo, no dia 26 de<br />
Agosto de <strong>2020</strong>, reviu a taxa de crescimento<br />
real do PIB para 0,8%, em vez de<br />
2,2%. Esta nova taxa deve ser a base<br />
para as projecções de 2021 com informação<br />
detalhada sobre os pressupostos<br />
por detrás desta projecção.<br />
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43
OPINIÃO<br />
Sistema financeiro e exclusão social<br />
Francisco António Souto • Economista<br />
“ a<br />
realizar o seu papel devido à natureza<br />
comercialização agrícola, apesar de<br />
ser vital para o crescimento económico<br />
inclusivo do país, está impedida de<br />
e características do sistema financeiro<br />
que hoje existe em Moçambique”.<br />
Cito e retomo aqui a afirmação que fiz na conferência sobre<br />
comercialização e industrialização realizada dia 29 de<br />
Agosto em Nampula, para despertar um debate sobre políticas<br />
e medidas que tornem o sistema financeiro moçambicano<br />
um factor gerador de inclusão social e económica.<br />
As dinâmicas dos processos de comercialização agrícola<br />
oferecem-nos uma radiografia da deformação do sistema<br />
financeiro prevalecente em Moçambique. Esta radiografia<br />
alerta para a percepção de que o sistema financeiro<br />
está induzindo desigualdade, favorecendo a concentração<br />
de renda em operadores identificados como “corporate”.<br />
Um indicador da gravidade deste problema consiste no<br />
facto de 1cerca de 67% da população moçambicana viver<br />
nas zonas rurais, mas cerca de 54% desta população, produzir<br />
apenas para consumo, estando portanto numa economia<br />
de subsistência. Dos que vivem do cultivo, apenas<br />
2% são agricultores comerciais. Portanto, mais de metade<br />
da população rural não tem capacidade e/ou não tem motivação<br />
para produzir excedentes para vender de forma<br />
regular em quantidade e qualidade com o objectivo de<br />
realizar dinheiro e poder comprar outros bens essenciais<br />
à melhoria das suas condições de vida.<br />
Cerca de 1/3 das famílias moçambicanas vive do cultivo<br />
ou do que a natureza ao seu redor oferece. Esta população<br />
vive permanentemente vulnerável às muitas adversidiades<br />
da natureza.<br />
Porque é que esta situação prevalece 33 anos após abraçarmos<br />
os programas de ajustamento estrutural e terem<br />
sido adoptados os princípios e práticas de uma economia<br />
de mercado? Onde está e o que é economia de mercado nas<br />
zonas rurais de Moçambique?<br />
Uma das razões desta anomalia é a existência de um crescente<br />
desalinhamento entre:<br />
• por um lado, um sistema fincanceiro concentrado em<br />
instituições bancárias que, por sua vez, estão cada vez<br />
mais focadas no segmento designado por “corporate”;<br />
• por outro lado, temos um sistema de produção e comercialização<br />
onde a esmagadora maioria dos operadores<br />
– agricultores familiares, pequenos e médios comerciantes<br />
– não são corporate embora operem subordinados<br />
a regras de mercado impostas por corporações.<br />
Devido a este desalinhamento, o pouco financiamento bancário<br />
à comercialização concentra-se nas grandes empresas,<br />
cuja actividade está orientada para bens de exportação.<br />
Mas não se espere que a banca comercial satisfaça a<br />
procura de crédito por parte de novos pequenos negócios<br />
com garantias frágeis. A banca comercial está cada vez<br />
mais obrigada a seguir regras que decorrem dos acordos<br />
de Basileia 2 e 3 que têm os seus pressupostos em economias<br />
desenvolvidas com sistemas financeiros formais profusamente<br />
instalados. Estas regras amarram as instituições financeiras<br />
formais ao cumprimento de uma matriz de gestão<br />
prudencial focada em objectivos estritos de políticas<br />
monetárias que não incorporam objectivos de inclusão social<br />
e económica específicos de sociedades ainda eminentemente<br />
informais. Em Moçambique, menos de 9% dos adultos<br />
têm uma ocupação profissional ligada ao sector formal.<br />
Assim, há algum crédito bancário às grandes empresas ligadas<br />
à produção e/ou comercialização de açúcar, tabaco,<br />
algodão, cajú, madeiras, feijão boer; mas é absolutamente<br />
insuficiente o financiamento para os milhares de pequenos<br />
comerciantes e pequenas industrias que compram aos<br />
cerca de 3 milhões de agricultores familiares a sua produção<br />
de milho, mapira, mandioca, amendoim, tomate, batata,<br />
feijão nhemba...<br />
Quem exporta, tem divisas, e isso é negócio que interessa<br />
à banca comercial e ao gestor das reservas para importações.<br />
Quem não exporta só tem acesso a crédito bancário<br />
se tiver “boas famílias” e um bom histórico no banco,<br />
além de garantias reais e/ou financeiras acima de 100%<br />
do montante do crédito.<br />
Além disso, nos últimos anos, até mesmo algumas empresas<br />
que investiram na agro-industria, incentivando a<br />
produção para exportação, não escapam à agressividade<br />
de operadores piratas ao serviço de interesses financeiros<br />
estrangeiros. As campanhas de compra de caju aos<br />
camponeses são um bom exemplo de como a comercialização<br />
desregulada pode ser um meio de lavagem de<br />
Onde está a economia de mercado? Uma das razões da assincronia a que se assiste é a existência<br />
de um sistema financeiro focado no corporate e um sistema produtivo familiar, que não o é<br />
44<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
Canais digitais estão a chegar onde a banca não conseguiu nos últimos anos<br />
dinheiro e, muito provavelmente, também um meio de<br />
exportação ilegal de capitais. E, contudo, as medidas de<br />
política monetária restritivas e, algum excesso de zelo<br />
burocrático-administrativo relativamente aos operadores<br />
formais de microfinanças, têm alargado o campo<br />
de manobra de um sector informal que opera impunemente<br />
e em concorrência com os que se submetem aos<br />
procedimentos de um regulador zeloso em fazer cumprir<br />
os normativos de uma matriz tipo “one size fits all”.<br />
O estudo-avaliação do FinScope recentemente publicado,<br />
focado nos cerca de 14,2 milhões de habitantes adultos que<br />
hoje somos em Moçambique, mostra-nos que, entre 2014 e<br />
2019, a população completamente excluida de serviços financeiros<br />
reduziu de 60% para 46%. Isso é um avanço que<br />
importa referir.<br />
Porém, nesses mesmos cinco anos, e apesar dos esforços<br />
de programas como a bancarização – 1 distrito 1 banco – a<br />
percentagem de adultos com conta bancária, apenas subiu<br />
1%, passando de 20% para 21%. Neste período, quem de<br />
facto fez crescer a inclusão financeira foi o sector informal,<br />
que subiu de 27% para 32%, bem como os serviços de mobile<br />
money que cresceram bastante, passando de 10% para 41%.<br />
É duvidoso que o crescimento da inclusão financeira por<br />
estas vias altere o dificil acesso dos comerciantes rurais<br />
e das pequenas indústrias ao capital necessário para melhorar<br />
as suas capacidades de armazenagem, compra e<br />
transporte de insumos interagindo com os cerca de 3 milhões<br />
de agricultores familiares. Os operadores de mobile<br />
money não dão crédito, apenas agilizam transações. Os informais,<br />
que também cresceram, não fazem crédito com<br />
ética, fazem agiotagem ou lavagem de dinheiro.<br />
Esta é uma radiografia que recomenda uma cuidadosa reflexão<br />
porque está em preparação nova legislação sobre<br />
o sistema financeiro. As legislações de 1989 emendada em<br />
2004 foram uma primeira geração de reformas do quadro<br />
legal do sistema financeiro. Em ambas o foco foi desestatizar<br />
o sistema financeiro e demarcar o território legal da banca<br />
comercial privada. Tem sido assim por qause toda a África.<br />
Mas, também por quase toda a África subsahariana aprofunda-se<br />
o debate sobre o nexus entre desenvolvimento<br />
dos sistemas financeiros e o agravmento das desigualdades<br />
sociais. Estudos produzidos por vários académicos chamam<br />
a atenção para a necessidade de uma diversificação<br />
dos canais de oferta de serviços e de produtos financeiros<br />
capazes de responder à procura dos diferentes segmentos.<br />
Hoje, em Moçambique, estão em operação 19 bancos comerciais<br />
que realizam mais de 99% da actividade financeira.<br />
Em países desenvolvidos com sistemas financeiros consolidados<br />
é muito mais relevante o papel das sociedades financeiras<br />
de desenvolvimento; das cooperativas de crédito;<br />
dos sistemas de mutualismo e outros. Hoje, em Moçambique,<br />
estes canais alternativos são praticamente inexistentes.<br />
Temos de nos interrogar sobre o porquê deste cenário.<br />
Esses estudos observam que sistemas excessivamente dependentes<br />
de bancos comerciais favorecem as camadas<br />
sociais e operadores comerciais de rendimento mais alto.<br />
Sendo estes os mais capazes de poupar e aceder a instituições<br />
altamente formais, são também apenas os mesmos<br />
que acedem ao beneficio do uso da liquidez disponivel no<br />
sistema como um todo…Ainda que essa liquidez resulte da<br />
produção de milhões de agricultores familiares e de pequenos<br />
comerciantes e artesãos.<br />
Concluo sublinhando que o sistema financeiro de um país não<br />
é agnóstico relativamente aos desafios da inclusão social e<br />
económica. Se uma nova geração de reformas do sistema<br />
financeiro não tomar em conta este objectivo, a crescente<br />
exclusão social a que assistimos em Moçambique e, em geral,<br />
por toda a África, continuará a alimentar focos de instabilidade<br />
política e social com implicações na estabilidade e<br />
continuidade de estados e nações ainda não consolidados.<br />
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45
empresas<br />
“Xiphefu”, uma pequena<br />
luz que se transforma<br />
em grande holofote<br />
Utilizar electrodomésticos com controlo remoto já não é assim tão novo, mas<br />
permitir melhor qualidade de vida a custos reduzidos nunca deixará de ser<br />
notícia! E aqui vai mais uma boa história de se partilhar<br />
BEmpresa<br />
Output Tech Solutions<br />
Ano de criação<br />
2018<br />
FUNDADORes<br />
Jessen e Nilza Sengulane<br />
Produto<br />
Xiphefu<br />
Colaboradores<br />
6<br />
a<br />
output tech solutions<br />
é uma empresa jovem<br />
moçambicana do ramo das<br />
tecnologias, que promete<br />
fazer a diferença no mercado<br />
trazendo novas soluções<br />
e criando facilidades para o controlo<br />
de energia eléctrica. Trata-se de<br />
uma startup que surgiu depois de ela<br />
própria provar que é possível reduzir<br />
em até 30% os custos de energia eléctrica.<br />
Hoje, esta ideia assumiu uma identidade<br />
típica de Moçambique – Xiphefu,<br />
um termo em tsonga, língua falada no<br />
sul do País, e que significa lamparina. É,<br />
essencialmente, um serviço de controlo<br />
remoto sobre o consumo de electricidade<br />
em residências e empresas a partir<br />
de qualquer canto do mundo, sendo<br />
também o maior produto de negócio<br />
da Output Tech Solutions. A ideia de<br />
criar o Xiphefu foi concebida “quando<br />
eu estava a fazer o trabalho final<br />
de curso, em 2012, e quis baixar o consumo<br />
de energia na minha casa”, conta<br />
o engenheiro informático e co-fundador<br />
da startup, Jessen Sengulane.<br />
Por várias razões, o projecto chegou a<br />
ser abandonado ainda no ano da sua<br />
concepção. Entretanto, “em 2016, vi um<br />
vídeo onde alguns brasileiros já utilizavam<br />
a tecnologia com um aplicativo<br />
no telemóvel, e então decidi voltar<br />
a pegar no projecto e em menos de seis<br />
meses já conseguia ligar e desligar a<br />
lâmpada com um telemóvel através<br />
do bluetooth”.<br />
O tempo passou e o sistema evoluiu.<br />
O jovem Jessen Sengulane inovou até<br />
que conseguiu que o dispositivo Xiphefu<br />
(que cabe na palma da mão e é de<br />
fácil instalação) passasse a receber e<br />
aceitar comandos através de serviços<br />
Texto Emídio Massacola • Fotografia Mariano Silva<br />
de mensagem SMS, uma solução muito<br />
mais barata em comparação com o uso<br />
de dados. Mais ainda, o Xiphefu recebeu<br />
autonomia para, através de agendamentos,<br />
reagir a comandos, incluindo<br />
os de voz. E isto já pode ser feito com<br />
recurso ao aplicativo Xiphefu, que está<br />
a ser programado para funcionar em<br />
vários sistemas operativos.<br />
Em 2017, Sengulane foi convidado<br />
para apresentar o projecto num concurso<br />
aqui em Moçambique, mas dele<br />
não arrecadou qualquer prémio. No<br />
ano seguinte, já a pensar em desistir e<br />
mudar de negócio, “porque trabalhava<br />
arduamente e não via resultados”, eis<br />
que lhe surge um convite para apresentar<br />
o projecto na African Week realizada<br />
pela UNESCO em 2019, em Paris,<br />
sob indicação do Ministério da Ciência<br />
e Tecnologia. Na França, o projecto<br />
foi um dos mais visitados havendo até<br />
quem quisesse comprar o Xiphefu, e… o<br />
resto é história.<br />
Já em <strong>Setembro</strong> de 2019, a startup foi<br />
indicada para participar da ITU Telecom<br />
World 2019 na Hungria e, no meio<br />
de 150 empresas de 40 países, foi finalista<br />
de uma das categorias, sendo que no<br />
dia da decisão recebeu um prémio de<br />
reconhecimento de “Projecto de Grande<br />
Impacto Social” concorrendo, para<br />
isso, o facto de ser de baixo custo. A<br />
startup comercializa dois dispositivos<br />
Xiphefu, o de menor capacidade por 2<br />
800 meticais e o de maior capacidade<br />
por 3500 meticais.<br />
Nestes tempos de Covid-19, o Xiphefu foi<br />
adaptado para funcionar como spray<br />
em túneis de desinfecção criados pela<br />
startup, que incluem sensores automáticos<br />
utilizados também para lavagem<br />
das mãos.<br />
46<br />
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47
megafone<br />
MILLENNIUM BIM LANÇA<br />
NOVAS ACTUALIZAÇÕES<br />
PARA O APP SMARTIZI<br />
O Milleniumm bim actualizou<br />
o seu aplicativo SmartIZI com<br />
uma nova funcionalidade, sendo<br />
possível agora realizar transacções<br />
internacionais de forma<br />
mais rápida e segura. A ideia, inserida<br />
no âmbito da sua transformação<br />
digital, é “facilitar a vida<br />
dos clientes” evitando perdas<br />
de tempo e dinheiro.<br />
O aplicativo SmartIzi, utilizado<br />
por cerca de 40% da base<br />
de dados de clientes do banco<br />
e que já realizaram mais de 11<br />
milhões de transacções mensais<br />
no app, está disponível na Google<br />
Play Store e Apple Store para<br />
smartphones e tablets com<br />
os sistemas operativos Android<br />
e iOs, respectivamente.<br />
BCI DOA MATERIAIS<br />
DE BIOSSEGURANÇA<br />
À PROVÍNCIA DE CABO<br />
DELGADO<br />
O Banco Comercial e de Investimentos<br />
(BCI), no âmbito dos esforços<br />
para o combate ao novo<br />
Coronavírus, doou materiais<br />
de protecção e de higienização,<br />
designadamente máscaras faciais,<br />
recipientes e detergentes,<br />
à província de Cabo Delgado.<br />
Os meios foram encaminhados<br />
por uma equipa de colaboradores<br />
do banco, chefiada pelo<br />
director comercial Regional,<br />
João Carrilho, que reafirmou o<br />
compromisso da instituição financeira<br />
com o País: “O BCI está<br />
sempre disponível para dar o<br />
seu contributo através de iniciativas<br />
desta natureza”.<br />
ABSA BANK LANÇA APP QUE<br />
PERMITE TRANFERIR DINHEIRO<br />
PARA O EXTERIOR<br />
Banco lançou, quase em simultâneo, o NovoFx e a<br />
Pangea, para apoio à importação e exportação<br />
o novofx é um aplicativo lançado pelo absa bank<br />
moçambique que permite realizar transferências bancárias<br />
internacionais com as principais moedas de circulação<br />
no mundo. Na app lançada em finais de Agosto, que promete<br />
“comodidade e flexibilidade”, os clientes poderão fazer<br />
o upload da documentação, acompanhar o estado de cada<br />
transacção e receber o código swift directamente na caixa<br />
de email. O aplicativo pode ser descarregado na Google Play<br />
Store ou Apple Store, devendo a sessão ser iniciada com os<br />
dados do internet banking.<br />
Ainda no âmbito da digitalização de serviços, a Banca Corporativa<br />
e de Investimento do Absa, o banco lançou a Pangea,<br />
uma plataforma de gestão online que pretende apresentar<br />
soluções de apoio à importação e exportação bem como a<br />
internacionalização dos negócios dos seus clientes. Na plataforma<br />
vai ser possível submeter Cartas de Crédito e Garantias<br />
Bancárias e ainda acompanhar e monitorar o estado de cada<br />
transacção.“Esta nova solução permite aos nossos clientes<br />
gerirem de forma remota, mais directa e imediata, a sua actividade<br />
de comércio exterior. Ao mesmo tempo, reforçamos<br />
a informação de suporte em tempo real para que possam<br />
acompanhar cada fase da transacção”, diz Bernardo Aparício,<br />
Director da Banca Corporativa e de Investimento do Absa<br />
Bank Moçambique, garantindo para breve “mais novidades<br />
que melhoram a experiência dos clientes”.<br />
O Absa Bank Moçambique é parte do grupo Absa Group Limited.<br />
Está cotado na Bolsa de Valores de Johanesburgo, África do Sul,<br />
sendo um dos maiores e mais diversificados grupos financeiros<br />
no continente com presença em 12 países africanos incluindo<br />
Moçambique, e tem cerca de 42 mil colaboradores.<br />
ABILITY LANÇA APP PARA<br />
INCENTIVAR A DOAÇÃO DE<br />
SANGUE<br />
A startup Ability, com o apoio da<br />
seguradora Fidelidade, lançou, a<br />
28 de Agosto, o aplicativo More-<br />
Life com a intenção de permitir<br />
que os seus usuários possuam<br />
informações dos diferentes postos<br />
de doação de sangue, assim<br />
como aceder a dados que revelam<br />
a gestão do líquido vital.<br />
Com este aplicativo pretende-se<br />
aumentar o número de doadores,<br />
uma vez que o mesmo permite<br />
uma interacção em tempo<br />
real, entre o Serviço Nacional de<br />
Sangue e os utilizadores. Também<br />
possibita o acesso a alguns<br />
serviços da seguradora.<br />
MOZA ELEITO O MELHOR<br />
BANCO DA ÁFRICA<br />
AUSTRAL<br />
O Moza Banco foi eleito Melhor<br />
Banco Regional da África Austral<br />
pela prestigiada African Banker<br />
Magazine apoiada pelo Banco<br />
Africano de Desenvolvimento.<br />
O principal factor para esta distinção<br />
foi a evolução dos indicadores<br />
da actividade comercial<br />
que o Banco tem vindo a registar,<br />
a expansão da rede de balcões,<br />
bem como a disponibilização<br />
de produtos e serviços de<br />
valor acrescentado para os clientes<br />
e o mercado alargado.<br />
“É para nós um motivo de grande<br />
orgulho”, disse o Presidente do<br />
Conselho de Administração do<br />
Moza Banco, João Figueiredo, para<br />
quem os parceiros e colaboradores<br />
da instituição são “os verdadeiros<br />
‘obreiros’ deste prémio”.<br />
48<br />
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sociedade<br />
“Educação deve ser interactiva e não<br />
apenas repetição do que o professor diz”<br />
Numa altura de mais dúvidas do que certezas na área da educação devido ao Covid-19, Paul Gomis,<br />
representante da UNESCO em Moçambique, fala sobre o Plano Estratégico da Educação, um programa de dez<br />
anos recentemente aprovado e que promete avanços assinaláveis na qualidade do ensino em Moçambique<br />
a<br />
educação é um dos motores<br />
de uma Nação. E é justamente<br />
neste ponto que<br />
Moçambique tem um dos<br />
principais travões ao desenvolvimento:<br />
à medida<br />
que se foi promovendo a massificação<br />
do ensino, a sua qualidade foi sendo<br />
posta em causa. A UNESCO, a Organização<br />
das Nações Unidas para a<br />
Educação, a Ciência e a Cultura, trabalha<br />
há décadas com os vários gover-<br />
Texto Emídio Massacola & Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & D.R.<br />
Considerando as dificuldades do<br />
País, qual é o seu ponto de vista sobre<br />
a mudança de contexto no presente<br />
e no futuro, e que lições relevantes<br />
deve tirar deste tal novo<br />
normal em todas as vertentes<br />
da vida da sociedade, e especificamente<br />
na educação?<br />
A pandemia do Covid-19 colocou-nos<br />
uma série de situações que não previmos<br />
e estamos a descobri-las dia após<br />
dia, tentando aprender a ajustarmonos<br />
do País na perpectiva de melhorar<br />
o sistema educativo e, nesse sentido,<br />
desempenhou um papel chave<br />
na elaboração das linhas estratégicas<br />
do Plano de Educação de dez anos que<br />
será implementado já a partir deste<br />
mês, quando as aulas retornarem.<br />
À E&M, Paul Gomis, representante da<br />
UNESCO em Moçambique, explica em<br />
que assenta a estratégia delineada<br />
conjuntamente com o Governo e analisa<br />
as três fases do Plano.<br />
50<br />
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Que enquadramento se atribui, por<br />
exemplo, ao ensino à distância?<br />
Foi deliberada uma política educacional<br />
para as grandes cidades porque<br />
uma das emergências que importa,<br />
neste momento, é o ensino à distância.<br />
Existe a geração de jovens que está<br />
a implorar para retornar à escola, e<br />
ainda que existam os melhores equipamentos<br />
nas escolas, o que não é o<br />
nosso caso, o perigo está no caminho<br />
de casa para a escola porque as crianças<br />
não respeitam as medidas de prevenção,<br />
como sabemos. Por isso, o distanciamento<br />
social está na base do que<br />
debatemos com o Ministério da Educação<br />
e outros parceiros e será mitigado<br />
em três modalidades: a aprendizagem<br />
móvel – que tem as suas limitações –,<br />
requer que as pessoas tenham tablets<br />
e também computadores, o que será<br />
difícil de concretizar em Moçambique.<br />
No entanto, precisamos de promover<br />
essa mudança porque é o futuro.<br />
E quando as políticas de educação das<br />
grandes cidades de países em deseneducação<br />
que estivessem doentes, o que viria a<br />
elevar os custos para o País. Mas também<br />
houve um grande esforço para<br />
“curar” a economia abrindo o seu funcionamento.<br />
A educação e o ensino não<br />
estão nunca isolados da conjuntura<br />
macro das coisas.<br />
Indo concretamente ao sector da<br />
educação, o que pensa sobre o retorno<br />
às aulas no meio desta pandemia<br />
e qual vai ser a principal mudança<br />
a que vamos assistir no ano lectivo?<br />
Em sectores específicos como a educação,<br />
desde 2017, o País desenvolveu<br />
seriamente 68 documentos estratégicos,<br />
desde a revisão da política de educação<br />
até às políticas de educação de<br />
grandes cidades, entre vários outros.<br />
O último foi o Plano de Educação de dez<br />
anos, que demonstrava que o País haveria<br />
de atravessar um processo de<br />
transformação do futuro. Mesmo depois<br />
de o primeiro ciclo se iniciar – porque<br />
era uma década dividida em três<br />
se está a verificar. O plano que temos<br />
agora é que, no próximo ano, nos adequemos<br />
à situação e implementemos<br />
estratégias para reduzir os efeitos<br />
do Covid-19 no sistema da educação.<br />
O passo seguinte será que, ao fim dos<br />
primeiros três anos, recuperemos o<br />
tempo perdido.<br />
Qual é o conteúdo deste Plano Estratégico<br />
da Educação no País?<br />
Normalmente quando se tem um bom<br />
plano, uma boa estratégia não se deveria<br />
dissociar das emergências do<br />
desenvolvimento. Um plano preciso<br />
traz previsões para emergências, então,<br />
nós precisamos de olhar para este<br />
plano e conciliá-lo com os efeitos do<br />
Covid-19. A pandemia permitiu fazer<br />
uma leitura e perceber como poderá<br />
afectar o sistema. Não se pode liderar<br />
sob bases emocionais criadas pela<br />
emergência, portanto, é preciso ter<br />
‘sangue frio’ para lidar com a emergência<br />
e não desistir do desenvolvi-<br />
“Não se pode liderar sob bases emocionais criadas pela<br />
emergência, portanto, é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar<br />
com a emergência e não desistir do desenvolvimento”<br />
-nos às novas realidades. Isso afecta todos<br />
os sectores da vida — cultura, comportamento<br />
social, política, etc. O seu<br />
impacto foi dramático para todos os<br />
países, particularmente aqueles em<br />
vias de desenvolvimento. O que devemos<br />
fazer é aceitar a situação e compreender<br />
que devemos mudar a nossa<br />
maneira de viver e aí deve haver uma<br />
grande mudança.<br />
Mas há também oportunidades<br />
que antes não tínhamos como, por<br />
exemplo, o contacto com meios tecnológicos<br />
que, na educação, poderão<br />
ser importantes num país como<br />
Moçambique. Concorda?<br />
Sim, a mudança está a trazer oportunidades<br />
para descobrir novas formas<br />
de fazer as coisas, estamos a aprender<br />
uns com os outros no mesmo espaço e<br />
de forma bastante rápida. Este é um<br />
contexto global, e países como Moçambique<br />
têm muitas outras mudanças por<br />
implementar bem antes do covid-19.<br />
A este respeito, e olhando de forma geral<br />
para o problema, neste momento o<br />
primeiro desafio passou por garantir<br />
que as pessoas pudessem viver, ainda<br />
ciclos – Moçambique estava pronto<br />
para seguir em frente, mas logo eclodiu<br />
a pandemia. Nós temos dez anos de<br />
estratégia e é possível fazer o controlo<br />
de cada período porque só de uma vez<br />
seria muito pesado gerir a situação. A<br />
ideia é tornar a avaliação da implementação<br />
do Plano mais flexível. Nos<br />
primeiros três anos, é um ciclo com<br />
várias condições incluindo a preparação<br />
do sistema de educação para mover-se<br />
com agilidade para os seus objectivos.<br />
Entre o primeiro e o segundo<br />
ano, precisamos de rever se as crianças<br />
estão a estudar correctamente,<br />
porque o ambiente mudou bastante, e<br />
é necessário adoptar estratégias para<br />
não manter o sistema estático. O mais<br />
importante é que podemos mudar as<br />
estratégias e as abordagens de acordo<br />
com o grande objectivo que, desta<br />
vez, se vai centrar mais na qualidade<br />
do ensino do que apenas nos números.<br />
De que maneira esta situação da pandemia<br />
está a afectar estes planos?<br />
A pandemia não vai suscitar muitas<br />
mudanças e, por agora, é simplesmente<br />
este atraso no arranque das aulas que<br />
mento, porque de outro modo isso seria<br />
mais devastador ainda.<br />
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51
sociedade<br />
Nesse sentido, da capacitação de<br />
professores, o que tem sido feito?<br />
Há já vários anos, desde a Independência<br />
creio, apoiamos uma das agências<br />
de formação de professores. Isto<br />
sempre esteve dentro da estratégia<br />
a par, também, da educação de<br />
adultos e de famílias. Nós temos aquilo<br />
que chamamos de sistema de desenvolvimento<br />
com habilidades, temos<br />
educação cívica, científica. Por<br />
que não temos bons cientistas a trabalhar<br />
na indústria extractiva? O Governo<br />
sempre quis fazer isso, mas, infelizmente,<br />
nunca teve o número suvolvimento<br />
estão direccionadas para o<br />
ensino através do uso de telemóveis é<br />
óptimo porque muitos países não têm<br />
essas políticas, e Moçambique já tem.<br />
Um outro ponto é a televisão. Sabemos,<br />
de acordo com o último censo, que<br />
o raio de acesso à televisão é limitado.<br />
Como se sabe, a TVM está a fazer um<br />
bom trabalho contribuindo e promovendo<br />
a educação em massa. Por outro<br />
lado, existe a rádio, que é extremamente<br />
poderosa, até pelo facto de<br />
o País estar a introduzir 19 dialectos<br />
locais para serem os primeiros elos<br />
de ligação com a educação de muitas<br />
crianças de todas as regiões do País,<br />
o que é muito bom. Isto é fundamental<br />
porque temos visto que na primeira<br />
vez que a criança vai à escola existe<br />
uma disrupção entre o seio da sua<br />
família, da sua comunidade, e também<br />
da sua língua nativa, o que é uma mudança<br />
significativa para uma criança.<br />
Então aprender na ‘sua’ primeira<br />
língua ajuda bastante nas classes iniciais,<br />
e a rádio está a fazer esse papel.<br />
O que me está a dizer é que o modelo<br />
ensaiado durante a pandemia,<br />
em que não havia aulas presenciais<br />
serviu como ‘tubo de ensaio’ para<br />
as mudanças que se avizinham no<br />
sistema de ensino?<br />
Como disse, há um número limitado de<br />
professores capacitados, de materiais<br />
de ensino, há a padronização da língua,<br />
etc. A experiência do ensino que<br />
se adoptou nos últimos meses já existia<br />
em pequena escala antes da pandemia.<br />
Agora, com o Covid-19 teve de<br />
ser mais abrangente porque não podemos<br />
correr o risco de ter as crianças<br />
sem qualquer tipo de educação.<br />
Então, queremos fazer uso dessa abordagem<br />
de ensino à distância para generalizar<br />
o ensino ao longo do País.<br />
A educação pela televisão ou pela rádio<br />
já estavam lá na nossa estratégia<br />
para o ensino e, com a pandemia,<br />
a ideia foi expandir e pôr em prática.<br />
O Covid-19 veio mostrar-nos que temos<br />
de acelerar este processo, mas<br />
não existem recursos suficientes e temos<br />
várias necessidades.<br />
Todas estas estratégias estão incluídas<br />
no plano de dez anos?<br />
Absolutamente! Como UNESCO acreditamos<br />
que o ensino à distância, que<br />
é uma das modalidades de ensino das<br />
grandes cidades, é uma ferramenta<br />
para o desenvolvimento, mas também<br />
“O covid-19 veio foi mostrar-nos que temos de acelerar este<br />
processo — do ensino à distância via meios digitais, televisão<br />
e rádio —, mesmo que ainda não existam todas as condições”<br />
é estratégia para educação porque<br />
se educamos de modo tradicional nunca<br />
vamos alcançar o desenvolvimento.<br />
O mundo está a caminhar muito rápido.<br />
Hoje em dia, quando se vai para<br />
uma sala de aula, o que se vê? Crianças<br />
sendo ordenadas pelos professores<br />
para repetir algo vezes sem conta.<br />
Essa não é a metodologia mais indicada<br />
de ensino. Precisamos de<br />
tornar a educação numm processo<br />
mais interactivo e esse modelo é<br />
chamado de Metodologia de Aprendizagem<br />
Activa, onde as crianças são<br />
incentivadas a usar as suas capacidades<br />
cognitivas para aprender<br />
mais, ao invés de apenas repetir o<br />
que o professor diz. E a qualidade de<br />
professores também é limitada e está<br />
a ser melhorada.<br />
52<br />
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educação<br />
ficiente de parceiros para o ajudarem<br />
a implementar este tipo de plano.<br />
Essas estratégias abrangem todas<br />
as classes?<br />
Nós iniciámos para fazer uma abordagem<br />
sectorial desde a primeira classe<br />
para uma aprendizagem a todos<br />
os níveis até aos níveis universitários<br />
mais altos como o PhD. Mas o foco<br />
inicial será na educação primária e<br />
secundária.<br />
Quem vai implementar essa estratégia<br />
de desenvolvimento de ensino,<br />
o Ministério da Educação e Desenvolvimento<br />
Humano (MINEDH)?<br />
Bom, seria de esperar que o Estado fizesse<br />
isso por si só, mas em qualquer<br />
parte do mundo não podemos ver e<br />
esperar que as coisas sejam assim. O<br />
sector privado deve estar envolvido,<br />
a comunidade internacional deve estar<br />
envolvida porque são parceiros e<br />
todos temos interesse em melhorar os<br />
sistemas de educação dos países em<br />
desenvolvimento. Estamos todos aqui<br />
para apoiar o Governo de Moçambique<br />
e a Sociedade Civil nesse desígnio.<br />
Pode parecer estranho mas a pandemia<br />
e todas as mudanças que ela implica<br />
trazem uma constatação: Moçambique<br />
já tinha, antes da eclosão<br />
do Covid-19, um plano que articula<br />
e preconiza o que deve ser o ensino<br />
e a educação, que estabelece metas<br />
qualitativas, que advoga o ensino à<br />
distância, que inclui nos programas<br />
educativos muitos dos princípios que,<br />
agora, são vistos como ainda mais fundamentais,<br />
como a preocupação com<br />
o meio ambiente, o empreendedorismo<br />
ou os meios digitais. Então, o que<br />
estamos a fazer agora, não é apenas<br />
implementar tudo isto neste Plano Estratégico,<br />
mas conferir, num último estágio,<br />
uma velocidade maior a toda<br />
esta implementação.<br />
Como é que se podem obter resultados<br />
diferentes nos próximos dez<br />
anos, comparativamente à década<br />
que passou, e na qual também já tinha<br />
existido um plano estratégico?<br />
É uma boa questão. A estratégia mudou<br />
a partir do momento em que foi<br />
aceite um plano a dez anos que, se<br />
bem me recordo, nunca tinha existido<br />
(o anterior tinha sido de três anos).<br />
Então, aí há uma visão transformadora<br />
e todos aderiram a ela, todos estão<br />
a participar assumindo a dianteira do<br />
desenvolvimento do Plano. E se pergunta<br />
sobre o Ministério, eu posso assegurar<br />
que a sua visão e comprometimento<br />
são os mesmos, desde a ex-ministra<br />
com quem começámos a trabalhar,<br />
até à actual, com quem o processo<br />
foi finalizado. E, mais uma vez, esses<br />
assuntos não são abordados apenas ao<br />
nível do MINEDH, mas também no Conselho<br />
de Ministros, no Parlamento.<br />
A UNESCO está no país há várias<br />
décadas. Olhando criticamente, se o<br />
ensino hoje, e há muita gente que o<br />
diz, está pior, não há aqui uma responsabilidade<br />
dos parceiros internacionais<br />
também?<br />
Tem razão na sua constatação, só que<br />
ela enferma de uma questão que tem<br />
que ver com os objectivos de cada momento.<br />
Nas décadas de 90, e já na primeira<br />
deste século, o objectivo foi de<br />
aumento da abrangência do sistema<br />
de ensino, ou seja, a urgência era<br />
a de fazer chegar a escola a milhões<br />
de crianças que estavam ‘fora’ dela.<br />
E isso foi conseguido, os números<br />
estão aí. A taxa de crianças escolarizadas,<br />
o esforço financeiro dispendido<br />
na construção de infra-estruturas<br />
de educação... Houve um crescimento<br />
massivo que está documentado. Claro<br />
que, quando o foco está na quantidade,<br />
a qualidade sofre porque não dá,<br />
infelizmente, para conseguir as duas<br />
coisas ao mesmo tempo. É por isso que,<br />
neste Plano, o foco está na qualidade<br />
do ensino e nas formas mais adequadas<br />
de a promover correctamente<br />
junto de milhões de crianças moçambicanas.<br />
E acreditamos que um Plano<br />
que envolve desta forma parceiros<br />
e doadores internacionais, Governo<br />
e entidades privadas tem tudo para<br />
dar certo. Nunca se fez algo assim em<br />
Moçambique e acredito plenamente<br />
que veremos os frutos deste trabalho<br />
que agora começa nas futuras<br />
gerações.<br />
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53
lá Fora<br />
Quanto é que a África<br />
deve, e a quem?<br />
A dívida africana é um assunto delicado para o continente e, em muitos<br />
aspectos, até sombrio. É que ninguém ousa apresentar números exactos, mas<br />
uma coisa é certa: a dívida é muito mais do que aquilo que pode pagar e vai<br />
desde os empréstimos aos investimentos, na sua maioria com “condições”<br />
Texto United World International • Fotografia D.R.<br />
quanto mais endividado,<br />
mais difícil é para o<br />
Continente o alcance da<br />
sua própria soberania<br />
económica, e, portanto,<br />
política. Neste artigo, publicado<br />
a 29 de Agosto passado pela<br />
United World International – uma<br />
organização internacional que reúne<br />
intelectuais de todo o mundo para<br />
reflectir, descrever e discutir preocupações<br />
relacionadas com os desenvolvimentos<br />
geopolíticos mais críticos da<br />
actualidade – tenta calcular os valores<br />
aproximados da dívida para compreender<br />
a magnitude do que chama<br />
por “desastre”.<br />
Nesta publicação, a United World International<br />
cruza informações de várias<br />
fontes para lançar o debate em<br />
torno da dívida pública africana da<br />
sua sustentabilidade e viabilidade. De<br />
acordo com o artigo, a dívida de África<br />
como percentagem do PIB e das receitas<br />
de exportação era de, pelo menos,<br />
417 mil milhões de dólares até 2018,<br />
sendo a mais elevada entre as regiões<br />
em desenvolvimento.<br />
Várias instituições financeiras, incluindo<br />
organizações internacionais, como<br />
o Banco Mundial e o FMI, e o sector privado,<br />
detinham cerca de 32% a 36% da<br />
dívida de África. A China, um dos maiores<br />
credores do continente, tinha uma<br />
quota de, pelo menos, 20% em 2018.<br />
Citando o Comité para o Jubileu da<br />
Dívida, o artigo revela que a dívida<br />
externa de África duplicou em apenas<br />
dois anos, de 5,9% das receitas<br />
governamentais em 2015 para 11,8%<br />
em 2017. A agência norte-americana<br />
de rating Fitch lembra que Moçambique<br />
e a República do Congo têm estado<br />
em situação de incumprimento desde<br />
2016, e as classificações indicam que<br />
os países enfrentam um stress ainda<br />
maior à vista - especialmente dado o<br />
efeito no novo Coronavírus. A Zâmbia<br />
é classificada como “CC” que significa<br />
“provável incumprimento”, enquanto<br />
que o Gabão, Moçambique e a República<br />
do Congo são classificados como<br />
“CCC”, que é “incumprimento como<br />
uma possibilidade concreta”. Outros 13<br />
países africanos, ainda de acordo com<br />
a Fitch, estão na categoria “B” – a passar<br />
por uma situação financeira muito<br />
difícil, que se baseia, em grande parte,<br />
nas medidas especulativas. Sete<br />
países também têm uma perspectiva<br />
“negativa” na classificação, nomeadamente<br />
o Quénia, Uganda, Camarões,<br />
Etiópia, Namíbia, Nigéria e África do Sul.<br />
“O fraco desempenho creditício de<br />
muitos países da África Subsaariana<br />
(além da elevada dívida pública) reduz<br />
a sua sustentabilidade e resistência à<br />
dívida e torna-os ainda mais vulneráveis<br />
ao choque global do Coronavírus”,<br />
revela um relatório da Fitch Ratings.<br />
A posição do FMI<br />
O Fundo Monetário Internacional (FMI)<br />
projectou que o crescimento económico<br />
africano diminuiria 1,6% em <strong>2020</strong>,<br />
num contexto de condições fiscais mais<br />
restritivas, de uma queda acentuada<br />
dos preços de exportação e de graves<br />
perturbações da actividade económica<br />
associadas à pandemia.<br />
Contudo, o FMI continua a ser um dos<br />
principais credores da região, e de<br />
tempos em tempos tem-se mostrado a<br />
favor do “perdão da dívida” dos países<br />
mais fracos e vulneráveis. Por exemplo,<br />
a 14 de Abril do presente ano aprovou<br />
500 milhões de dólares para cancelar<br />
pagamentos de seis meses de<br />
dívida de 25 países, 19 dos quais africanos.<br />
Mas será isto suficiente para<br />
apoiar um continente sem infra-estruturas<br />
próprias e sem uma produção<br />
bem estabelecida? Não! É mais um<br />
gesto de relações públicas por parte<br />
do FMI. Por exemplo, a África do Sul,<br />
um dos países economicamente mais<br />
desenvolvidos de África, é detentor<br />
de cerca de 4,3 mil milhões de dólares<br />
em dívida para com o FMI, a uma taxa<br />
de juro de 1,1% reembolsável por cinco<br />
anos. No entanto, é irrealista que a<br />
África do Sul pague.<br />
O clube de Paris<br />
“Esta organização é de particular interesse<br />
em termos de política francesa<br />
e neocolonialismo”, avança o<br />
artigo, explicando que o Clube de<br />
Paris é uma organização intergovernamental<br />
informal de países credores<br />
e mais desenvolvidos, sob os<br />
auspícios da França, criada em 1956<br />
e com 22 membros, incluindo a França,<br />
Alemanha, Reino Unido, Estados<br />
Unidos, Coreia do Sul, Israel e Japão.<br />
O objectivo declarado dos últimos<br />
anos tem sido o de reestruturar a dívida<br />
dos países em desenvolvimento,<br />
mas o volume da mesma pode ser<br />
comparado ao rendimento dos países.<br />
Por exemplo, enquanto o Egipto tem<br />
54<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
África<br />
O Fundo Monetário Internacional continua a ser um dos<br />
principais credores da região e, de tempos em tempos, tem-se<br />
mostrado a favor do perdão da dívida dos países vulneráveis<br />
os empréstimos intergovernamentais<br />
isentos de juros aos países menos desenvolvidos<br />
com relações diplomáticas<br />
com a China.<br />
uma dívida recorde para com o Clube<br />
de Paris de 8,46 mil milhões de dólares,<br />
a sua dívida total para 2019 é estimada<br />
pelo FMI em “apenas” 85% do PIB,<br />
em comparação com 95% para Angola,<br />
109% para Moçambique e mesmo<br />
207% para o Sudão.<br />
O Presidente Francês, Emmanuel<br />
Macron, simulou, recentemente, que<br />
tinha ido para África e aconselhou<br />
o Clube de Paris a perdoar a dívida.<br />
Contudo, os peritos explicam que a declaração<br />
de Macron não é tanto uma<br />
proposta de caridade, mas sim uma<br />
tentativa de pressionar a China a aderir<br />
ao Clube de Paris, onde as dívidas<br />
africanas estão a ser negociadas e<br />
onde Pequim só aceitou até agora a<br />
posição de observador nos últimos<br />
dois anos.<br />
O (indiscutível) peso da China<br />
Tal como já referido, este país detém<br />
pelo menos 20% do total da dívida pública<br />
dos países africanos desde 2018.<br />
Em comparação com instituições como<br />
o FMI, o Banco Mundial e o Clube de<br />
Paris, os peritos notam que os empréstimos<br />
da China são muito mais rápidos,<br />
baratos e fáceis de obter, sendo por<br />
isso que os Estados Unidos, em particular,<br />
são muito críticos em relação<br />
à abordagem chinesa, por alegadamente<br />
ser incapaz de oferecer uma<br />
alternativa de crédito que seja viável<br />
à luta pelo desenvolvimento de África.<br />
O Continente deve à China pelo menos<br />
145 mil milhões de dólares, o que a torna<br />
no maior credor bilateral.<br />
Devido à magnitude destas dívidas, alguns<br />
especialistas argumentam que a<br />
China desempenha um papel especial<br />
na campanha de alívio da dívida, especialmente<br />
em empréstimos concessionais<br />
e comerciais, que representam<br />
a maior parte dos encargos de África<br />
em relação à gigante asiática. E há motivos<br />
para tal constatação. Por exemplo,<br />
em 2018, o Presidente chinês Xi<br />
Jinping anunciou o perdão para todos<br />
A dívida externa é, de alguma forma,<br />
importante?<br />
No caso de África, que só é emprestada,<br />
explorada e impedida de realmente<br />
se recompor, este factor apenas<br />
prolonga a pobreza, bem como as disparidades<br />
e tensões sociais.<br />
A questão da estabilização do sistema<br />
social é particularmente aguda nos<br />
países africanos. Sem construir um<br />
Estado e as suas próprias infra-estruturas,<br />
é extremamente difícil para os<br />
líderes africanos, mesmo aqueles que<br />
tentam não ser um ‘fantoche’ do Ocidente,<br />
tomarem decisões estratégicas.<br />
Por mais generoso que seja o perdão<br />
da dívida, as corporações e organizações<br />
internacionais exigem soluções<br />
políticas ou contratos lucrativos. Assim,<br />
enquanto África for incapaz de<br />
abandonar o modelo de dependência<br />
colonial e passar à auto-suficiência<br />
com as suas próprias infra-estruturas,<br />
será atormentada pela dívida, pela<br />
compulsão ao sistema liberal ocidental<br />
e mesmo pela pressão militar.<br />
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55
NOVOS ÂNGULOS<br />
A big data e a democracia zen<br />
Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development<br />
dizem-nos as notícias que as sanções contra<br />
o Tik Tok, o WeChat e a Huawei Technologies<br />
representam apenas o começo, e que o que se<br />
segue tem potencial para remodelar a sociedade<br />
e a economia global nas próximas décadas.<br />
“Sim, sim, está bem”, dirá alguém que não<br />
é utilizador de nenhuma destas ‘coisas’ e que até nem liga<br />
muito a tecnologias. Como eu, há não muito tempo.<br />
Mas há uma guerra a decorrer – e cada vez menos silenciosa<br />
– a este respeito. Agora, batalha-se pela legitimidade<br />
do acesso a dados sobre frigoríficos inteligentes (quem os tenha),<br />
apps de exercícios, preferências sociais e ‘likes’.<br />
“Tudo isto é fundamentalmente um ataque à própria Internet”,<br />
dizia Andrew Sullivan, presidente da Internet Society,<br />
que defende redes abertas em todo o mundo e que diz que as<br />
recentes medidas de restrição de acesso de dados impostas<br />
pelos EUA às empresas chinesas não passa de “uma tentativa<br />
de destruir a economia que cresceu em torno de aplicativos<br />
em rede”. Há quem defenda exactamente o contrário,<br />
que tudo isto é bem mais do que apenas uma guerra comercial<br />
em que a nossa actividade na rede, seja ela qual for, é o<br />
motivo que leva as maiores empresas do mundo a quererem<br />
saber cada vez mais sobre nós. E que estaremos, por<br />
isso, globalmente, perante o mais feroz ataque à democracia<br />
como a conhecemos. Os pólos extremam-se, de um lado e do<br />
outro. Inclino-me mais para o segundo.<br />
Porquê? Se formos ponderados na análise e pouco desconfiados,<br />
percebemos facilmente que a big data e a sua análise,<br />
recorrendo a mecanismos de Inteligência Artificial, pode<br />
ser decisiva para diminuir assimetrias sociais, ajudar a dirigir<br />
políticas específicas para quem precisa delas, descobrir<br />
doenças, inventar curas e tornar o mundo melhor. Tudo cor-<br />
-de-rosa portanto, e com violinos a tocar. Mas pode, de facto.<br />
Porém, há situações que têm de ser acauteladas e não é difícil<br />
perceber que tudo isto também pode ser utilizado para<br />
influenciar, viciar e controlar. Aliás, isso já está a ser feito.<br />
E casos como o da Cambridge Analytica – que ficou provado<br />
–, em que os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook<br />
foram utilizadas para influenciar a opinião de eleitores<br />
para ajudar políticos a influenciarem eleições em vários<br />
países (Estados Unidos, França, Reino Unido), devem alertar-<br />
-nos para o que já está a acontecer. E aqui entra a tal ameaça<br />
à democracia. E de forma bastante directa. Para não ir às<br />
questões de privacidade sobre as quais assenta, também,<br />
qualquer sociedade livre e democrática, em que esse é um<br />
direito construído ao longo de séculos.<br />
A verdade é que há uma nova guerra mundial já em curso,<br />
acelerada pela pandemia que despertou o apetite, e ele não<br />
é pequeno, das grandes tecnológicas mundiais, interessadas<br />
em fazer passar o pacote do “novo normal digital” que nunca<br />
antes haviam conseguido vender tão bem como agora.<br />
Sobre a apropriação dos dados de milhares de milhões de<br />
pessoas por parte das plataformas chinesas, Donald Trump<br />
ameaçou e cumpriu com um bloqueio ao acesso de dados privados<br />
de cidadãos norte-americanos. Claro que não faria o<br />
mesmo, como não fez, se fosse a Google, a Amazon ou o Facebook<br />
a fazê-lo com o resto de nós, que não somos americanos.<br />
Mas, para o melhor ou para o pior, os EUA são uma democracia<br />
e a questão suscitou indignação social, e por isso tem<br />
vindo a ser debatida publicamente, com os líderes destas<br />
tecnológicas a serem escrutinados em comissões de inquérito<br />
abertas à sociedade, precisamente sobre o tema. Algo que<br />
não se passa na China, ao que se sabe.<br />
Tem vindo a crescer a necessidade de um esforço mais amplo<br />
para criar “redes limpas” nas várias frentes, que vão das<br />
redes 5G aos serviços em nuvem, ou da detenção dos cabos<br />
submarinos de fibra óptica que têm impactado acordos corporativos<br />
à própria nova geopolítica em que países e empresas<br />
estão pressionados a escolher um lado.<br />
Quando o bilionário chinês da tecnologia, Jack Ma, fundador<br />
do Alibaba (a versão chinesa da Amazon), considerou a<br />
‘big data’ “mais importante do que o petróleo na condução<br />
da economia ao longo deste século”, não estava a brincar.<br />
E a batalha pelo controlo sobre os dados ameaça dividir o<br />
mundo em campos concorrentes, especialmente porque a<br />
inteligência artificial e a “Internet das Coisas” implicam que<br />
produtos como torradeiras, relógios e calças de ioga transmitam<br />
dados. É verdade. Está tudo ligado.<br />
A questão é a quê e para quê... Porque seria, afinal,<br />
interessante perceber porque é que um qualquer alguém<br />
atrás de um computador, do outro lado do mundo, estará assim<br />
tão interessado em saber, em tempo real e com animados<br />
gráficos e bastante complexos indicadores de desempenho,<br />
o que se passa dentro das nossas calças?<br />
As sanções impostas pelo Ocidente à Huawei e ao TikTok podem bem ter sido a estreia<br />
de um novo tipo de conflito. O controlo dos dados que já são “o petróleo” do século XXI<br />
56<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
ócio<br />
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio<br />
60<br />
Nesta edição<br />
visitamos o<br />
Santuário Bravio<br />
de Vilanculos,<br />
em Inhambane<br />
e<br />
g<br />
O Ficka é um<br />
62<br />
restaurante<br />
e um conceito.<br />
Fomos<br />
‘prová-lo’<br />
63<br />
A escolha<br />
da Adega<br />
recai numa<br />
arrojada<br />
selecção de<br />
tequilas
SANTUÁRIO<br />
BRAVIO DE<br />
VILANCULOS<br />
e<br />
Maravilhas de um arquipélago<br />
SANTUÁRIO BRAVIO DE VILANCULOS<br />
UM PARAÍSO DESCONHECIDO<br />
o distrito de vilanculos, a<br />
714 quilómetros da capital,<br />
é sempre uma referência<br />
turística para quem quer<br />
conhecer a beleza mítica escondida<br />
no sul de Moçambique.<br />
No entanto, o que pouco<br />
se sabe é que além do majestoso<br />
arquipélago de Bazaruto,<br />
há muito mais para<br />
descobrir nessa terra da<br />
“boa gente” de Inhambane.<br />
À entrada da península de<br />
São Sebastião, há uma área<br />
de conservação sob gestão<br />
privada de cerca de 40 mil<br />
hectares na costa moçambicana:<br />
o Santuário Bravio de<br />
Vilanculos. O projecto alberga<br />
algumas das mais importantes<br />
espécies da biodiversidade<br />
marinha e terrestre<br />
de Moçambique. “A ideia<br />
foi sempre incentivar a<br />
protecção da biodiversidade”,<br />
explica Hugh Brown,<br />
empresário e membro do<br />
grupo que detém a licença<br />
especial para o desenvolvimento<br />
da conservação da<br />
natureza e turismo de baixa<br />
densidade naquele local.<br />
Num investimento total de<br />
76 milhões de dólares, o projecto<br />
foi lançado no ano 2000<br />
com a realização de estudos<br />
científicos pela União Internacional<br />
de Conservação.<br />
Três anos mais tarde, o Conselho<br />
de Ministros aprovou<br />
a licença. As praias são cristalinas<br />
e de areia fina, numa<br />
combinação perfeita entre<br />
a paisagem da zona costeira<br />
e os mistérios de uma<br />
floresta quase intacta, decorada<br />
por gazelas, zebras,<br />
antílopes, cobras, impalas e<br />
pássaros (mais de 1500 espécies),<br />
alguns destes animais<br />
colocados no espaço como<br />
resultado dos programas de<br />
protecção da biodiversidade.<br />
A localização da área dá-lhe<br />
também uma vista privilegiada<br />
das águas do Índico,<br />
que invadem este “pedaço<br />
de céu” em Moçambique,<br />
numa harmonia entre a<br />
natureza e as pequenas<br />
embarcações artesanais de<br />
humildes pescadores que<br />
procuram sustento para as<br />
suas famílias nos finais das<br />
tardes. O programa de conservação<br />
em curso aponta<br />
para uma protecção bem-<br />
-sucedida, com mais de 400<br />
espécies marinhas diferentes,<br />
além de uma vegetação<br />
rica e autenticamente moçambicana.<br />
O projecto não<br />
só mudou o potencial turístico<br />
da região, mas também<br />
a vida de muitos moçambicanos<br />
que lá vivem. Antes<br />
do Santuário Bravio, a vida<br />
das comunidades era baseada<br />
na pesca de subsistência,<br />
mas hoje há alternativas<br />
para fugir da pobreza típica<br />
das zonas rurais do sul de<br />
Moçambique. O Santuário<br />
Bravio de Vilanculos deu<br />
às comunidades locais mais<br />
de 180 empregos directos e<br />
indirectos, com um impacto<br />
económico visível na vida<br />
de mais de 6000 pessoas<br />
que vivem nos arredores.<br />
“A vida mudou para todos<br />
aqui”, observa Jeremias Vilanculos,<br />
gestor da “Msasa<br />
House”, localizada no interior<br />
do Santuário. “As pessoas<br />
hoje trabalham nas<br />
casas privadas e nos hotéis<br />
que cá existem. Este movimento<br />
todo valorizou muito<br />
esta região.” Na área, é<br />
possível encontrar 20 residências<br />
privadas, duas lojas<br />
comerciais e um programa<br />
comunitário que inclui quatro<br />
escolas e um hospital,<br />
bem como um centro de logística,<br />
oficinas e uma vila<br />
de funcionários. Ao grupo<br />
60<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
de Hugh Brown, não coube<br />
apenas pensar e implementar<br />
o projecto. Quando lá<br />
chegaram, faltava um “pouco<br />
de tudo” na região. Além<br />
de parcerias para edificar<br />
as infra-estruturas, foi necessário<br />
abrir vias de acesso<br />
no interior da área de<br />
conservação – um processo<br />
marcado pelas<br />
dificuldades no transporte,<br />
de barco, de cerca de 40<br />
mil toneladas de materiais<br />
de construção. “As comunidades<br />
locais aqui sempre<br />
foram uma prioridade para<br />
o projecto”, salienta Brown.<br />
“Procuramos sempre apoiar<br />
as pessoas. Mesmo quando<br />
estávamos a construir,<br />
foram os pescadores que<br />
transportaram tudo e, consequentemente,<br />
ganharam<br />
muito dinheiro.” Para Gabriel<br />
Zivane, chefe da comunidade<br />
de Chingunguene, a<br />
cerca de 20 quilómetros do<br />
centro do Santuário, o crescimento<br />
daquela região<br />
após o projecto é incalculável,<br />
a contar pelo facto de<br />
as populações estarem mais<br />
conscientes da importância<br />
da conservação. “Hoje, graças<br />
a este projecto, temos<br />
escolas aqui. Eu não pude ir<br />
à escola, mas hoje os meus<br />
netos podem. Além disso,<br />
eles ensinaram-nos que temos<br />
de cuidar dos animais”,<br />
observa Zivane. A área tem<br />
estado no radar de pesquisadores<br />
internacionais. Recentemente,<br />
Brown dirigiu<br />
uma equipa que esteve a<br />
analisar a biodiversidade<br />
marinha e costeira daquela<br />
área, numa pesquisa multidisciplinar<br />
que se estendeu<br />
às ilhas Primeiras e<br />
Segundas e que envolveu<br />
a Universidade Pedagógica<br />
de Moçambique. “As constatações<br />
preliminares são<br />
claras. Esta parte de Vilanculos<br />
tem uma biodiversidade<br />
riquíssima e única,<br />
que merece ser preservada”,<br />
conclui o empresário.<br />
texto ESTÊVÃO AZARIAS<br />
CHAVISSO<br />
fotografia D.R.<br />
O Santuário alberga algumas das mais importantes<br />
espécies de Moçambique. Vale a pena ir... e ficar<br />
ROTEIRO<br />
Como ir<br />
Voe com a LAM até Vilanculos<br />
e organize o transfer para o<br />
Santuário directamente com os<br />
hotéis. A ligação faz-se de barco<br />
e dura cerca de 40 minutos.<br />
ONDE DORMIR<br />
Existem duas unidades<br />
hoteleiras no Santuário: Dugong<br />
Beach Lodge e Pambele Beach<br />
House.<br />
Onde comer<br />
Os hotéis referenciados têm<br />
restaurantes, com um cardápio<br />
em que predominam os<br />
mariscos. Destaque para o caril<br />
de caranguejo, servido com<br />
matapa.<br />
O QUE FAZER<br />
Além de visitar pontos com<br />
uma beleza turística única e<br />
ver animais, é possível praticar<br />
desportos náuticos, incluindo<br />
passeios de barco e pesca<br />
desportiva.<br />
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61
FICKA<br />
Restaurante<br />
Café<br />
De Segunda a<br />
Sábado, das<br />
07h às 21h<br />
Rua Consiglieri<br />
Pedroso, nº 181,<br />
Maputo<br />
84 135 0005<br />
g<br />
62<br />
independentemente dos méritos<br />
do Ficka (e são vários,<br />
mas já lá iremos), o novo<br />
espaço que recentemente<br />
abriu na Baixa de Maputo<br />
não pode senão deixar-nos a<br />
pensar, pela escolha que fez<br />
para a sua localização, como<br />
esta zona da cidade poderia<br />
hoje ser se a recuperação<br />
deste espaço histórico tivesse<br />
sido levada à prática. Não<br />
precisamos de ir tão longe<br />
como à Bourbon Street, em<br />
New Orleans, nos Estados<br />
Unidos, cuja recuperação a<br />
tornou num dos num dos espaços<br />
mais emblemáticos da<br />
cidade e um ponto de atracção<br />
turística mundial.<br />
Mas não, não é preciso ir<br />
tão longe. Basta atermo-nos<br />
a outras cidades no continente<br />
africano para percebermos<br />
como tudo poderia<br />
ser diferente. Não é este<br />
certamente o espaço adequado<br />
para explanar como,<br />
ao longo das décadas pós-independência,<br />
por várias vezes<br />
se equacionou a questão<br />
da recuperação da Baixa de<br />
Maputo. Mas, para os mais<br />
RESTAURANTE FICKA<br />
curiosos, não resistimos a sugerir,<br />
por exemplo, a leitura<br />
da tese de doutoramento de<br />
Lisandra Ângela Franco de<br />
Mendonça (“Conservação da<br />
Arquitectura e do Ambiente<br />
Urbano Modernos: A Baixa<br />
de Maputo”) através da<br />
qual não só nos é dada uma<br />
fascinante contextualização<br />
histórica, como podemos<br />
compreender melhor as<br />
razões da presente (e triste)<br />
situação a que a zona está<br />
votada (o estudo está online).<br />
Mas deixemos o passado.<br />
O que o Ficka deixa claro é<br />
que, mais do que um espaço<br />
gastronómico, se trata de<br />
um projecto com um “conceito”,<br />
um “concept restaurant”.<br />
O que define um “concept<br />
restaurant”? De forma muito<br />
resumida, é a “ideia” (ou o<br />
“tema”) que, antes de qualquer<br />
outro aspecto, preside<br />
à organização do espaço, à<br />
sua decoração, ao design<br />
(nos seus mais pequenos deo<br />
novo espaço que recentemente<br />
abriu na Baixa de Maputo segue<br />
uma tendência global<br />
UM ESPAÇO QUE É UM CONCEITO<br />
talhes), ao estilo do serviço e,<br />
claro, last but not the least, à<br />
proposta gastronómica.<br />
Num “concept restaurant”, a<br />
qualidade do produto culinário<br />
e o desfrute gastronómico<br />
são, como sempre,<br />
factores essenciais, mas o<br />
que é genuinamente decisivo<br />
é a totalidade da “experiência”<br />
de quem o visita, ou<br />
seja, a percepção que fica de<br />
que, mais do que cumprir o<br />
ritual alimentar, se está a<br />
aderir à “ideia” e à “comunidade”<br />
daqueles que se identificam<br />
com o conceito que<br />
está na origem do projecto.<br />
Neste contexto, compreende-se,<br />
de igual forma, que o<br />
essencial da proposta gastronómica<br />
incide, sobretudo,<br />
naquilo que “faz a diferença”<br />
e se liga à “ideia”. Um<br />
olhar superficial pelo menu<br />
pode até dar a impressão,<br />
precipitada, de que não difere<br />
do que é comum encontrar<br />
noutros sítios. Como<br />
sempre, são os detalhes que<br />
importam. Deixemos então<br />
aqui algumas sugestões: nas<br />
entradas experimente, por<br />
exemplo, as “Ficka Wings”<br />
(asinhas de frango frito com<br />
molho de queijo azul) ou as<br />
“Cascas Fritas” (cascas de batata<br />
frita com maionese de<br />
bacon). Nas saladas, a nossa<br />
escolha vai para a salada de<br />
beterraba e feijão e, em especial,<br />
para a “Veggie Cous”<br />
(à base de couscous). Há várias<br />
opções interessantes de<br />
hamburgueres mas o “Ficka<br />
Burger” (alface, tomate, cebola,<br />
bacon, queijo cheddar<br />
e queijo azul) destaca-se<br />
entre todos. E se é daqueles<br />
que não resiste ao frango,<br />
então o “Frango de Laranja”<br />
é a escolha preferencial,<br />
apesar do “Frango Mazive”<br />
(marinado em cerveja) também<br />
ser uma boa opção. Se é<br />
apreciador de doces, a nossa<br />
sugestão é que experimente<br />
a “Concha de Canela” (à base<br />
de uma receita tradicional<br />
sueca).<br />
texto rui Trindade<br />
fotografia Jay Garrido<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
Casamigos<br />
Tequila<br />
Reposado<br />
País<br />
México<br />
Cor<br />
Ouro pálido<br />
Sabor<br />
Rico e cremoso com notas<br />
de caramelo e cacau<br />
Teor Alcoólico<br />
40%<br />
Casamigos<br />
Tequila Añejo<br />
País<br />
México<br />
Cor<br />
Clara, brilhante, âmbar Dourado<br />
Sabor<br />
Macio e sedoso com notas<br />
de caramelo e baunilha<br />
Teor Alcoólico<br />
40%<br />
José Cuervo<br />
Especial<br />
País<br />
México<br />
Cor<br />
Dourada<br />
Sabor<br />
Notas herbáceas de carvalho<br />
com final longo e picante<br />
Teor Alcoólico<br />
38%<br />
Tequila só é... tequila se<br />
tiver sido produzida com os<br />
agaves da região de Jalisco<br />
Casamigos<br />
A Tequila de George<br />
Clooney surpreendeu o mercado<br />
não é certamente por acaso que os mexicanos<br />
se têm batido, ao longo dos anos, pelo direito<br />
à exclusividade do uso da designação da<br />
palavra tequila. Reclamam que a tequila genuína,<br />
com os seus típicos 40% de teor alcoólico,<br />
só é verdadeira se tiver sido feita com os agaves<br />
da região de Jalisco, cidade mexicana a 65<br />
quilómetros de Guadalajara.<br />
Apesar da variedade de tequilas produzidas, e<br />
da existência de famosas marcas de referência,<br />
o mercado foi surpreendido, no início de<br />
2013, com uma tequila com características únicas.<br />
Designada Casamigos, tinha também uma<br />
outra particularidade: um dos seus criadores<br />
era o actor norte-americano George Clooney<br />
que, com um seu amigo e empresário, Rande<br />
Gerber, tinham por hábito passar férias juntos<br />
no México. Conta Rande Gerber que “os barmen<br />
recomendavam tipos diferentes de tequila.<br />
Depois de alguns meses, o George virou-se para<br />
mim e disse: por que é que nós não fazemos<br />
a nossa própria tequila?.” E foi isso que fizeram.<br />
Depois de consultarem amigos que viviam<br />
na região, a dupla trabalhou com um mestre<br />
destilador em Jalisco, no México, para achar o<br />
exacto perfil de sabor de que estavam à procura<br />
— sem queimar e sem ser pungente. Gerber<br />
e Clooney tinham inclinação por uma Reposado<br />
— tequila suave, equilibrada, que é envelhecida<br />
em barris de carvalho por meses —<br />
e foi por aí que iniciaram a sua actividade.<br />
A sua primeira opção foi pôr uma mistura de<br />
agave 100% Blue Weber cozida lentamente<br />
num forno de tijolos e deixada em fermentação<br />
por bastante tempo. Na realidade, o processo<br />
da fermentação é extra lento, mais do<br />
dobro do padrão das convencionais 80 horas<br />
de maturação das leveduras.<br />
O resultado é uma tequila bastante suave cujo<br />
sabor não precisa ser mascarado por sal e limão.<br />
A marca começou por lançar dois sabores,<br />
o Blanco e o Reposado. A Casamigos Reposado<br />
é uma tequila suave, limpa, com notas de<br />
caramelo, enquanto a Casamigos Blanco é nítida<br />
e clara com toques subtis de baunilha.<br />
O sucesso da Casamigos superou todas as expectativas<br />
e venceu alguns prémios internacionais.<br />
Entre 2016 e 2017, as vendas cresceram<br />
54% e, com o valor da marca em alta, Clooney<br />
e Gerber venderam a Casamigos à Diageo<br />
por mil milhões de dólares, num grande negócio<br />
sem ressaca no dia seguinte, por certo.<br />
Casamigos<br />
Tequila<br />
Blanco<br />
País<br />
México<br />
COR<br />
Nítida e clara<br />
SaBOR<br />
Citrinos,<br />
baunilha e<br />
agave doce<br />
Teor alcoólico<br />
40%<br />
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63
os olhos de uma objectiva<br />
não captam o que está<br />
além dos seus limites. É como<br />
se o universo escondesse<br />
os desafios que, inevitavelmente,<br />
se haveriam de<br />
impor à equipa de Afrocinemakers,<br />
um grupo de jovens<br />
unido pela paixão pelo<br />
cinema, que agora vêem esse<br />
embalo tornar-se numa<br />
responsabilidade.<br />
A empresa foi constituída<br />
há cerca de cinco anos por<br />
Jared. J. Nota (realizador e<br />
editor), Omar Faquirá (produtor<br />
e gestor de projectos),<br />
Ivo Mabjaia (realizador e<br />
roteirista) e Agostinho Guila<br />
(produtor), mas, na verdade,<br />
todos fazem um pouco<br />
de tudo.<br />
Entre várias curtas-metragens<br />
produzidas apenas para<br />
“aprender fazendo”, o desafio<br />
por eles próprios imposto<br />
foi o de melhorar a cada<br />
nova produção. E o esforço<br />
brilhou sob o holofote. Recentemente,<br />
os jovens levaram<br />
para casa o prémio de<br />
“Melhor Curta-Metragem”<br />
com o trabalho “Ontogénesis”,<br />
de Jared J. Nota e Ivo<br />
Mabjaia, num concurso pro-<br />
AFROCINE-<br />
MAKERS<br />
AFROCINEMAKERS<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong><br />
CINEMA COM PAIXÃO<br />
movido pelo Centro Cultural<br />
moçambicano-alemão. “Este<br />
prémio deu-nos mais visibilidade<br />
e, justamente por termos<br />
vencido, a nossa ideia<br />
é de passarmos por uma<br />
espécie de workshop para<br />
elevar os nossos níveis.<br />
Agora somos obrigados a<br />
produzir com uma qualidade<br />
que seja elegível para<br />
qualquer concurso a nível<br />
internacional” contou Jared<br />
Nota. Nesta senda, Omar Faquirá<br />
confessa: “já descobrimos<br />
algumas fórmulas para<br />
produzir e poder concorrer”<br />
e, no mínimo, “é preciso<br />
manter o padrão”.<br />
Em particular, “Ontogénesis”<br />
projectou a pequena<br />
empresa de cinema para<br />
os olhos do mundo, tendo já<br />
recebido pedidos para rodar<br />
o filme em festivais no<br />
Brasil (Baía) e Alemanha.<br />
E, sem insuflar o ego, “viajar<br />
para esses países só para<br />
ver o filme a rodar não<br />
agrega muito valor em si<br />
(sorri Jared), porque pretendemos<br />
pegar no valor que<br />
Recentemente, os jovens levaram<br />
para casa o prémio de “Melhor Curta-<br />
Metragem” com o filme “Ontogénesis”<br />
serviria para a nossa logística<br />
lá e adquirir material, o<br />
nosso grande ‘calcanhar de<br />
Aquiles’”. A Afrocinemakers<br />
também passa por um dilema<br />
‘conhecido por todos’ – a<br />
falta de fundos.<br />
A solução disso na área da<br />
produção de filmes passa<br />
por arrecadar quotas<br />
mensais entre os mais de<br />
50 outros colaboradores<br />
que abraçaram a causa dos<br />
“(des)apaixonados”. E assim<br />
o filme avança. Novas imagens<br />
têm o seu lançamento<br />
para breve, segundo revela<br />
Faquirá.<br />
Existem ainda mais três<br />
projectos que estão a caminho<br />
entre os quais uma série<br />
“cujo episódio-piloto também<br />
já está a caminho.Temos<br />
uma Ontologia que, por<br />
agora, está na fase de produção<br />
dos roteiros, estamos<br />
na angariação de fundos internos<br />
para um filme ainda<br />
sem título, que fala sobre<br />
uma jovem moça que<br />
sofre de distúrbios de carácter<br />
espiritual e a saída é<br />
aprender o curandeirismo”,<br />
concluiu.<br />
texto Emídio Massacola<br />
fotografia Mariano silva<br />
65
Lister<br />
Smealth<br />
Modelo<br />
Lister<br />
Stealth SUV<br />
Velocidade<br />
314 km/h<br />
Preço<br />
144 770<br />
dólares<br />
v<br />
LISTER STEALTH, O SUV<br />
a competitiva linha dos<br />
SUV não pára de surpreender<br />
o mundo com novidades.<br />
Desta vez correm notícias<br />
de que um dos players deste<br />
competitivo mercado lançou<br />
uma proposta que parece<br />
bater toda a concorrência<br />
no que à velocidade diz<br />
respeito. A britânica Lister<br />
Motor Company divulgou o<br />
SUV Lister Stealth, um projecto<br />
desenvolvido sob a base<br />
do Jaguar F-Pace SVR capaz<br />
de acelerar a 314 km/h,<br />
mais veloz do que o Bentley<br />
Bentayga Speed (306 km/h)<br />
e que o Lamborghini Urus<br />
(305 km/h). Com a ambição<br />
de se tornar no SUV mais<br />
veloz do mundo, a marca<br />
desenvolveu uma variante<br />
do motor V8 a debitar<br />
uns extraordinários 675 cv.<br />
O funcionamento mecânico<br />
mantém os 5.0 Supercharged<br />
que equipa o topo de<br />
gama do SUV britânico, mas<br />
com novo compressor e fil-<br />
MAIS RÁPIDO DO MUNDO<br />
tro de ar, intercooler modificado,<br />
quatro ponteiras de<br />
escape em aço inoxidável<br />
e reprogramação da ECU<br />
para fornecer 675 cv e 881<br />
Nm – aumento de 22% face<br />
aos números do SVR, que<br />
anuncia 550 cv e 681 Nm.<br />
Apesar da sua pujança, visto<br />
mais de perto, o Lister pode<br />
não ser o mais potente.<br />
Esse estatuto pertence ao<br />
Dodge Durango Hellcat, com<br />
uns incríveis 720 cv, o mais<br />
rápido a cumprir 0 a 100<br />
km/h em 3,6 segundos, mais<br />
lento 0,1 segundos do que o<br />
Lamborghini Urus.<br />
Mas não há SUV produzido<br />
em série com superior<br />
velocidade de ponta. O Lister<br />
Stealth é capaz de ‘voar<br />
baixinho’ a 314 km/h, mais<br />
veloz do que Bentley Bentayga<br />
Speed (306 km/h) e<br />
Lamborghini Urus (305 km/<br />
O Lister Stealth é um projecto<br />
desenvolvido sobre a base do Jaguar<br />
F-Pace SVR pode chegar aos 314 km/h<br />
h). O Stealth também beneficia<br />
de uma série de upgrades<br />
de chassis e aerodinâmica,<br />
mais rodas forjadas<br />
de 23 polegadas de Vossen, e<br />
ponte de Weir nappa guarnição<br />
de couro. O interior<br />
pode ser totalmente personalizado,<br />
com a Lister a oferecer<br />
até 36 opções de cor e<br />
90 opções de costura. A Lister<br />
procura transformar-se<br />
num segmento de produção<br />
semi-oficial da Jaguar, semelhante<br />
ao que a Alpina<br />
é para a BMW, e a AMG era<br />
para a Mercedes-Benz, pelo<br />
que provavelmente será<br />
tratado como um dos Jaguares<br />
mais afinados por Lister<br />
nos próximos anos, incluindo,<br />
possivelmente, o I-Pace.<br />
Por outro lado, a Lister não<br />
vai desistir dos seus modelos<br />
autónomos. A empresa<br />
ainda está a produzir versões<br />
continuadas do seu famoso<br />
carro de corrida Knobbly,<br />
e tem um super-carro<br />
nas obras para suceder ao<br />
seu super-carro Storm dos<br />
anos 90.<br />
66<br />
www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>