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A Filosofia Explica Grandes Que - Clovis de Barros Filho

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dominação só é de fato eficaz quando desobriga o dominante a dar explicações

a respeito de suas decisões. Quando estas são tomadas como óbvias. Ter de

argumentar é indicativo de fraqueza.

Coisas que convêm

Muito do que aprendemos na escola é sobre o mundo. Sobre o lugar onde

estamos. Sobre o terreno de jogo. Sobre as condições materiais da vida. Assim,

o movimento dos astros, os climas, o relevo, a vegetação, os outros animais, o

nosso próprio corpo, suas células, seus órgãos, seus sistemas de órgãos etc. E

tudo isso poderá nos interessar ou não. Mas raramente seremos estimulados a

relacionar assuntos tão diversos com nossas trajetórias específicas.

Até você, que adora física e química, que se encantou ao descobrir a

biologia como ciência da vida, deve admitir a existência de saberes mais

relacionados à sua própria vida. Fundamentais para continuar vivendo. Porque

uma coisa é a digestão celular e seus Complexos de Golgi. Outra é dar-se conta

de que rabada ou mocotó – no meu caso qualquer coisa com alho – não caem

bem em refeições noturnas.

Alguns destes saberes ajudam qualquer um. Seja você quem for. Como,

por exemplo, evitar um mergulho de cabeça numa piscina vazia. Tentar voar

sem nenhum recurso flutuador. Ou não confundir soro com vaselina na hora

que precisamos mais dos nutrientes do primeiro do que de lubrificação das

nossas vias sanguíneas.

Outras coisas que aprendemos têm a ver com nossas particularidades.

Recentemente aprendi, por acaso, uma prática dietética que revolucionou

minha rotina. Convidado para jantar por alunos/amigos médicos em Belo

Horizonte, optei por um risoto de camarão com quiabo. Nunca fui um grande

admirador de suas babas. Mas a iguaria se revelou magnífica e altamente

eficaz para o trânsito. Passei a noite dormitando no vaso. Dose excessiva, por

certo.

Mas, desde então, revelou-se terapêutico. Ingerido com moderação todas

as noites, tornou minhas manhãs menos presas. Mais respeitadoras dos fluxos

existenciais. Articuladas com a impermanência do mundo da vida. E se o preço

desta previsibilidade evacuativa parecer alto demais, afinal quiabo toda noite,

sempre se poderá optar por uma vida menos previsível. Uma surpresa a cada

manhã. Como já sugeriam há muito os inesquecíveis secos e molhados.

Todos esses saberes permitem identificar coisas que não nos convêm. E

discriminá-las das que nos convêm. São os primeiros passos para aprender a

viver. Perceber que as coisas do mundo não nos são indiferentes. Que algumas

nos caem bem e outras nos caem mal. Pelo menos por algum tempo. E que,

por isso mesmo, as julgamos boas e más. Enquanto este tempo durar.

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