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A Filosofia Explica Grandes Que - Clovis de Barros Filho

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Mas na hora que você se abaixa de manhã para recolher o jornal que lhe

foi entregue por assinatura e se dispõe a ler, é porque tem certeza de que tudo

aquilo aconteceu mesmo. E quando você, conduzindo seu veículo, muda de

trajeto por conta de uma informação de trânsito ouvida no rádio, é por estar

seguro de que o caminho habitual estará congestionado, pelas razões

anunciadas.

Da mesma forma, quando alguém, agora longe da mídia, conversando

com você num bar, se apresenta como professor de ética da universidade,

como admirador de música sertaneja, como louco por fígado acebolado e

grão-de-bico com salada de agrião, você dá continuidade ao diálogo

presumindo que tudo isso seja verdade.

Porque se mentirmos sobre nós mesmos, impedimos nossos interlocutores

de conhecer nossas práticas, hábitos, apetites, em suma, para falar simples, de

saber quem somos. O que impediria nossa identificação. E qualquer confiança

na veracidade de nossas afirmações.

O efeito benéfico de qualquer afirmação mentirosa é sempre de curto

alcance. Pouco sustentável. Porque uma vez associada a prática ao autor, suas

declarações tornam-se doravante suspeitas. “Este não é de confiança”,

dizemos. E, se por hipótese, todos se tornassem mentirosos, se a mentira virasse

regra universal, qualquer iniciativa mentirosa seria ineficaz. Ninguém daria

crédito a um mentiroso, sabendo tratar-se de um. O que tornaria a convivência

impossível. Por tudo isso, só podemos concluir, então, que mentir não é

adequado. Não ajuda a viver e conviver bem.

Por que mentimos assim mesmo?

Mas, apesar de toda esta argumentação, o fato é que mentimos com

frequência. Uns mais, outros menos, é fato. Então, de duas uma: ou somos

ignorantes e não sabemos viver, servimo-nos de uma razão viciada e erramos a

cada mentira; ou então, a mentira nos parece, em situações concretas da vida,

muito conveniente. Conveniência nossa, do mentiroso, mas também

conveniência do outro. A quem pretendemos proteger da verdade.

Comecemos pelo mais comum. Mentir para atender a conveniência de

quem mente. Conveniência do canalha, que age mal com vistas a um benefício

próprio. Daquele que sonega suas verdadeiras intenções para fazer crer no que

não pretende e auferir benefícios desta falsa crença. Conveniência do

xavequeiro, do paquerador, que, com escopo de cópula singular, faz crer em

projetos de longa duração, com direito a nomes para a prole, bairro e

arquitetura da futura residência e envelhecimento compartilhado.

Sempre se poderia argumentar que as delícias proporcionadas por uma

aproximação física prazerosa, com um parceiro desejado, têm total primazia

quando comparadas às miudezas de vidas a longo prazo. Afinal, sempre

passam tantas coisas pela nossa cabeça quando cogitamos sobre o futuro.

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