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estrita materialidade ou enquanto signo, indicativo de outras coisas. Uma maçã,
por exemplo. É uma fruta. Não há dúvida. Mas indica também alimento, saúde,
pecado, erotismo, dieta e muito mais.
Quando refletimos sobre ética há um complicador. Enquanto no caso da
maçã a materialidade da fruta e a palavra são facilmente distinguíveis, na
ética, o pensamento que se serve da palavra ética e a materialidade da ética se
confundem. Ética é também pensamento. Elucubração intelectiva. Que ganha
completitude na vida, na ação, na convivência.
Pelo fato de ambas remeterem quando enunciadas a alguma
exterioridade e não a outras possíveis – a fruta maçã ao pecado, por exemplo, e
a palavra ética ao valor canalha da conduta – dizemos que todo signo é
ideológico. Seu uso, portanto, não é neutro. Isto é, atende aos interesses
daqueles que deles se servem. Porque significar as coisas do mundo é forma
privilegiada de manifestar o que se pretende. Seja enquanto agente social
singular, seja enquanto membro de um grupo, classe etc.
A título de exemplo. Quando eu digo as palavras “universidade pública”,
confiro-lhes um sentido que me interessa. Cem por cento gratuita, laica, sem
escopo lucrativo, voltada para a pesquisa, para a produção de conhecimento e
para a sociedade como um todo. Mas as mesmas palavras podem querer dizer
muitas outras coisas. E esses múltiplos sentidos têm a ver com os interesses dos
agentes que se servem desta significação. E todos estarão empenhados em
obter a adesão dos demais aos sentidos que lhes convêm. Tornando-os, assim,
legítimos.
Com efeito. Quando relacionamos qualquer coisa a algum significado,
pretendemos que esta coisa queira dizer para os demais o mesmo que quer
dizer para nós. Que todos compartilhem do sentido que a ela estamos
atribuindo. A má notícia é que, na vida em sociedade, nossos interesses podem
ser excludentes dos de outros. Outros que também se servem dos signos. Que
também lhes atribuem sentidos. Sentidos que lhes são convenientes. Alinhados
com suas pretensões.
Por isso, ante interesses contraditórios, haverá luta pela definição do
sentido legítimo, do bom sentido. Considerado óbvio. Porque nomear não é só
dar nome a coisas e a ideias abstratas. É impor uma certa visão do mundo que
convém a quem nomeia. No caso da ética, o troféu é precioso.
Afinal, a todos interessa, em algum momento da vida, participar da
disputa sobre o que se deve e o que não se deve fazer. Na impossibilidade de
propor no quadro deste curso uma história sociológica das noções de ética e
moral e seus interesses correlatos, fiquemos com uma proposta de sentido
aceita e compartilhada por muitos.
Distâncias e tangências
Todo homem – na particularidade de suas trajetórias – vive situações que