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A Filosofia Explica Grandes Que - Clovis de Barros Filho

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configurariam o tal mal pelo mal. Em defesa do autor, sempre se poderá

argumentar que sádicos e perversos agem mal porque têm algum prazer nisto.

Se assim não fosse, seriam demônios, na categorização kantiana.

Bem, até aqui concluímos que o homem não é nem animal nem demônio.

Mas, se a origem do mal não está na sensibilidade, coisa de corpo e de animal,

nem na razão prática, coisa de alma e de demônio, onde poderia estar?

Preste atenção agora. Aqui está o pulo do gato da teoria kantiana sobre o

mal. A sua origem estaria no encontro dos dois. Encontro da sensibilidade,

apetites e pulsões com a consciência moral, com a razão prática. E qual seria o

problema nesse encontro entre o que sentimos e o que pensamos? O mal estaria

na inversão da hierarquia legítima entre ambos. Numa defasagem entre o que

deveria acontecer e o que acaba acontecendo.

Comecemos pelo que deveria acontecer. Sempre segundo Kant, qual seria

a relação hierárquica legítima entre a consciência moral e os apetites do corpo?

A prevalência da primeira, é claro. Senão não seria Kant. De tal maneira que

os últimos devem ser satisfeitos dentro dos limites e das condições definidos

pela primeira. Em outras palavras, a satisfação deve ser buscada de acordo

com a lei moral. Se preferirem, a busca da felicidade deve estar subjugada ao

dever.

Passemos, agora, ao que acaba acontecendo. A inversão desta hierarquia

legítima. Isto é, na adequação indevida das normas aos apetites. No

alinhamento do dever aos interesses do momento. Na lei como trampolim para

a felicidade. Quando só deveríamos aceitar o gozo e a felicidade na medida em

que estivessem conforme a lei moral, o que fazemos é respeitar esta última nos

limites e nas condições que nos permitam gozar e buscar o mais eficazmente

possível a felicidade. Perceba que, nesta reflexão kantiana, a busca da

felicidade pode ser o próprio mal. Mas nem sempre os filósofos pensaram

assim.

Bem. Com estas propostas sobre o bem e o mal temos que pôr um fim a

este nosso segundo capítulo. Se você termina este capítulo com a sensação de

dúvida, de dispor de menos certezas sobre a vida e sobre a convivência do que

tinha antes de começar a leitura então nosso objetivo foi alcançado. Afinal,

ética tem mais a ver com problematização da nossa convivência do que com

um gabarito de respostas certas que o professor apresenta tirando do bolso de

seu avental.

Se você quiser ir além sobre o que discuti aqui, eis algumas sugestões

(sempre entre tantas outras também imperdíveis): Ética, de Adolfo Sanchez

Vazquez, Kant e a religião nos limites da simples razão, Marcel Conche e sua

Educação filosófica, Comte-Sponville e o capítulo “Labirintos da moral” do seu

Tratado do desespero e da beatitude. E aqui eu me calo para não

submergirmos.

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