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imperfeição de não ser Deus –, o físico – o sofrimento – e o moral – o pecado,
a canalhice. Do primeiro, o mal metafísico, nos ocuparemos nas aulas sobre
Deus. Interessa-nos aqui os dois outros. O físico e o moral.
O mal físico é sofrimento. E ódio pelo mundo que entristece. Que faz
sofrer. Nada disso se confunde com o mal moral. Que é deliberação racional
inadequada sobre a própria conduta. Mesma distância que separa o amor do
bem moral, da virtude. Amor é sentimento. Afeto do corpo. Inexorabilidade
decorrente dos encontros com o mundo. Sensação que se impõem. O amor é
tudo de bom. Ame e faça o que quiser, propõe Agostinho.
Em contrapartida, virtude é amor falsificado. Parece mas não é. Imitação
de amor. Como se amor houvesse. Assim, generosidade é virtude. Deliberação
moral de dar, que supre a falta de amor. Respeito é virtude. Prêmio de
consolação, racionalmente escolhido, para ocupar o lugar de um amor que já
se foi. Gratidão é virtude. Foi tudo que sobrou. Valeu. Valeu pelos momentos de
amor compartilhados e já pretéritos. Gratidão, para quando se é gente fina. E o
amor acaba com dignidade.
Mas a verdade é que não amamos muito. Não amamos muita gente.
Façamos a conta: filhos pequenos, filhos grandes quando não se tornaram
delinquentes, cônjuges, nos primeiros tempos, pais quando não tiranizaram
muito, alguns amigos talvez. Se espremermos, umas dez pessoas. No caso de
alguém particularmente amoroso, quem sabe o dobro.
Admitamos: falta muita gente. E as relações com as pessoas não podem
contar com o amor. Nem esperar que você as ame. Por isso, a moral é tão
importante. Deliberação autônoma. Que pressupõe alguma soberania da razão.
Justamente quando não há amor. Um sucedâneo dele. Já que não ama, delibere
e faça como se amasse. Um amor prático para Kant. Se amássemos mais,
careceríamos de menos moral.
Mas quando o mal é físico, a assimetria é mais que evidente. Hiper-real.
Porque o amor é escasso. E o ódio, abundante. Inesgotável. Assimetria afetiva.
Excesso de mal. Mediocridade de bem. Afinal, um riso nunca compensará um
choro. Um momento de tranquilidade nunca compensará um de depressão. E
uma criança brincando feliz nunca compensará outra, em choque pela morte
dos pais. Enquanto os orgasmos são efêmeros, em conta-gotas, as dores, estas
contamos aos baldes.
E não pretendemos aqui nenhuma negação da vida. Afinal, todo vivente
continuará lutando pela própria potência, buscando gozar o máximo possível e
sofrer o mínimo possível. Princípio freudiano do prazer já presente em
Montaigne. Trata-se de estender a alegria e diminuir – tanto quanto pudermos –
a tristeza. Mas todo este esforço tem limites. Porque gozar sem entrave esbarra
sempre na existência do outro. Questão moral por excelência. Questão
relevante, quando o amor rareia.
Dever moral