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A Filosofia Explica Grandes Que - Clovis de Barros Filho

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a constituem: a vida social, o uso da razão e da linguagem. Porque logos

significa tanto uma quanto outra. O homem seria ao mesmo tempo social,

racional e comunicativo. Para Rousseau, nenhum desses critérios satisfaz.

Porque os animais seriam tanto sociais quanto disporiam de algum tipo de

competência intelectiva e comunicacional, semiótica até. Se diferença houver

é apenas de grau. Não de princípio.

O animal, seja ele qual for, já nasce com seu instinto. E esse instinto é

tudo de que precisa. É tudo que vai ter. Por isso, qualquer animal disporá, ao

longo da vida, dos mesmos recursos de que já dispunha ao nascer. Um animal

não aprende a viver. Porque não precisa. Já nasce sabendo.

Assim, um gato já sabe viver como gato desde o primeiro dia. O mesmo

vale para um pombo. Exemplos de Rousseau. Ou para uma tartaruga. Exemplo

meu. Aliás, incrível a tartaruga. Sai do ovo, na praia. Vem a primeira onda. E

ela já sai tartarugando. Nadando. Boiando. Se virando, em suma.

A comparação deste instinto com um programa de informática é

inevitável. Como se todo animal fosse programado desde o nascimento para ser

aquele animal. O tal programa oferece resposta para as diversas situações de

vida que supostamente encontrará. De maneira a não ficar nunca sem resposta.

Em último caso, na falta de uma solução melhor, foge.

Assim, exemplifica Rousseau, um gato, mesmo com muita fome, não se

alimentará de grãos. Não passará pela sua cabeça fazer uma boquinha com

aquela nova iguaria. Da mesma forma, um pombo, também faminto, não

come filé. Nem em aperitivo.

E, pelo fato de já dispor de solução para tudo, os animais não precisam

inventar nada. Nem improvisar. Nem criar. Devem agradecer a Epimeteu. Que

tão diligentemente lhes proveio de tudo que precisam. Poupando-os de toda

incerteza sobre a vida. Ou, talvez, amaldiçoá-lo. Pelas mesmas razões. Por não

terem que decidir sobre nada. Por não terem nas mãos as rédeas da própria

existência. Por estarem condenados a ser alguma coisa sem poder dar a louca

e mudar tudo. Por não serem humanos, em suma.

Pois é. Eu não esqueci. É o homem que nos interessa. Mas essas reflexões

sobre os animais nos ajudarão. Eu não os faria perder tempo assim. Pelo

menos não tão descaradamente. O homem também tem instinto. Pouco. Mas

tem. Quando nasce procura o seio materno. Instintivamente. Algo de natureza

que tenha sobrado. Alguma coisinha de recurso que Epimeteu tenha esquecido

no fundo do tacho.

Mas, diferentemente do resto dos animais, no caso do homem não dá para

viver só com isso. Um homem cem por cento instintivo é um homem morto.

Na ficção há casos. Irmãos amamentados por lobos, outros por macacos

grandes e até por equinos. Por galináceos seria mais difícil por causa da

dentição. Coloque um recém nascido humano ao lado de um ovo de tartaruga.

Comprove você mesmo a diferença de desenvoltura. A tartaruguinha parece

preparada para tudo. O humano, o contrário.

Cabe ao homem, portanto, ir além. Transcender às inclinações naturais.

Descolar dos instintos. Aprender a viver. Por pobreza de natureza. Por falta de

instinto. Por carência de recursos. O homem se vê obrigado a aprender a nadar.

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