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a constituem: a vida social, o uso da razão e da linguagem. Porque logos
significa tanto uma quanto outra. O homem seria ao mesmo tempo social,
racional e comunicativo. Para Rousseau, nenhum desses critérios satisfaz.
Porque os animais seriam tanto sociais quanto disporiam de algum tipo de
competência intelectiva e comunicacional, semiótica até. Se diferença houver
é apenas de grau. Não de princípio.
O animal, seja ele qual for, já nasce com seu instinto. E esse instinto é
tudo de que precisa. É tudo que vai ter. Por isso, qualquer animal disporá, ao
longo da vida, dos mesmos recursos de que já dispunha ao nascer. Um animal
não aprende a viver. Porque não precisa. Já nasce sabendo.
Assim, um gato já sabe viver como gato desde o primeiro dia. O mesmo
vale para um pombo. Exemplos de Rousseau. Ou para uma tartaruga. Exemplo
meu. Aliás, incrível a tartaruga. Sai do ovo, na praia. Vem a primeira onda. E
ela já sai tartarugando. Nadando. Boiando. Se virando, em suma.
A comparação deste instinto com um programa de informática é
inevitável. Como se todo animal fosse programado desde o nascimento para ser
aquele animal. O tal programa oferece resposta para as diversas situações de
vida que supostamente encontrará. De maneira a não ficar nunca sem resposta.
Em último caso, na falta de uma solução melhor, foge.
Assim, exemplifica Rousseau, um gato, mesmo com muita fome, não se
alimentará de grãos. Não passará pela sua cabeça fazer uma boquinha com
aquela nova iguaria. Da mesma forma, um pombo, também faminto, não
come filé. Nem em aperitivo.
E, pelo fato de já dispor de solução para tudo, os animais não precisam
inventar nada. Nem improvisar. Nem criar. Devem agradecer a Epimeteu. Que
tão diligentemente lhes proveio de tudo que precisam. Poupando-os de toda
incerteza sobre a vida. Ou, talvez, amaldiçoá-lo. Pelas mesmas razões. Por não
terem que decidir sobre nada. Por não terem nas mãos as rédeas da própria
existência. Por estarem condenados a ser alguma coisa sem poder dar a louca
e mudar tudo. Por não serem humanos, em suma.
Pois é. Eu não esqueci. É o homem que nos interessa. Mas essas reflexões
sobre os animais nos ajudarão. Eu não os faria perder tempo assim. Pelo
menos não tão descaradamente. O homem também tem instinto. Pouco. Mas
tem. Quando nasce procura o seio materno. Instintivamente. Algo de natureza
que tenha sobrado. Alguma coisinha de recurso que Epimeteu tenha esquecido
no fundo do tacho.
Mas, diferentemente do resto dos animais, no caso do homem não dá para
viver só com isso. Um homem cem por cento instintivo é um homem morto.
Na ficção há casos. Irmãos amamentados por lobos, outros por macacos
grandes e até por equinos. Por galináceos seria mais difícil por causa da
dentição. Coloque um recém nascido humano ao lado de um ovo de tartaruga.
Comprove você mesmo a diferença de desenvoltura. A tartaruguinha parece
preparada para tudo. O humano, o contrário.
Cabe ao homem, portanto, ir além. Transcender às inclinações naturais.
Descolar dos instintos. Aprender a viver. Por pobreza de natureza. Por falta de
instinto. Por carência de recursos. O homem se vê obrigado a aprender a nadar.