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posição em relação a eles. Assim, desviamos, aproximamos, esbarramos,
tropeçamos, driblamos. E, tudo isto, pensando em outra coisa.
Ao dirigir nosso veículo, agimos o tempo todo. Movimentos simultâneos,
intercalados, correlatos, em sequências de grande complexidade. Mas, a menos
que ainda estejamos na autoescola, ou tenhamos algum problema, todas estas
ações dispensam a intervenção explícita de nossas instâncias deliberativas. Um
verdadeiro piloto automático.
Internamente, os movimentos dependem ainda menos de nós.
Interferimos episodicamente. Pela alimentação, medicamentos etc. Mas quase
tudo dentro de nós vai rolando por conta própria. Mesmo quando implica
relação com o mundo. Na premência da diurética. Ou da diarreia. Ou ainda no
trabalho de devolução alimentar. Convocação do Raul. Situação que me faz
lembrar de Mme. Catrangy, professora do maternal de meu filho. Em Paris.
Rue Roland. VIIème.
Mulher na iminência da aposentadoria. De aparência trivial para a idade.
E denunciando enfado no transcorrer de nosso curto encontro. Chamou-me no
final da aula e advertiu: “Escute, senhor. Seu filho, Martin, vomitou no
corredor.” Num primeiro momento imaginei que estivesse preocupada com o
estado de saúde do menino. Depois me dei conta de tratar-se de uma
advertência. De uma avaliação do seu comportamento. De um tratamento
moral a uma manifestação – anomalia digestiva – que não pertence ao seu
campo. A conduta ali apreciada não é objeto da moralidade. Não constitui um
ato moral.
Apesar de tantos exemplos que nos excluem do campo da moral, também
é verdade que deliberamos o tempo inteiro para viver. E muito da nossa
intervenção no mundo resulta diretamente de uma apreciação, de um juízo, de
uma escolha refletida entre possibilidades. Em outras palavras, se a vida fora
da moral é ampla, a que lhe diz respeito também o é. Mas para, de fato, poder
escolher, não basta ponderar, refletir, deliberar. É preciso poder fazê-lo
livremente. Ou seja, a moral pouco ou nada tem a ver com a coação.
Ponderação livre sobre a vida
Muitos questionam nossa liberdade. Afinal, se tudo no universo vive como
só poderia viver, regido por causalidades materiais, e a pera cai da pereira sem
nunca poder se opor, por que seríamos diferentes? O que permitiria que
fôssemos autores de nós mesmos? Semideuses, criadores da nossa própria
trajetória? Assim, se o vento venta, a maré mareia e o sapo sapeia, não
deveríamos, nós também, ser o mero resultado de vetores causais que nos
determinariam absolutamente? O que nos facultaria transcender à
inexorabilidade da matéria, de suas relações e seus fluxos?
O assunto vai longe. Consagraremos a ele um capítulo inteiro. Aqui basta
deixar claro que não há ética entre sapos ou peras. Que se trata de uma