06.11.2021 Views

NOVEMBRO_digi

Edição digital da revista do Centro Lusitano de Zurique

Edição digital da revista do Centro Lusitano de Zurique

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

CRÓNICA

CRÓNICA

Guerra colonial portuguesa:

a nossa bazuca destruidora!

COSTA GUIMARÃES (*)

Cerca de 14 mil milhões de euros

a fundo perdido vêm da Europa

para Portugal para recuperar da

crise pandémica, nos próximos

sete anos mas a nossa Guerra

Colonial (ou do Ultramar)

custou-nos mais de vinte e

quatro mil milhões de euros.

Que Bazuca de destruição!

Os números constam do novo livro “Os

números da Guerra de África”, publicado

em Agosto deste ano, pelo Tenente-

Coronel Pedro Marquês de Sousa, através

da Guerra e Paz, Editores L.da.

Ao longo de 380 páginas, este mestre

em História pela Faculdade de Letras da

Universidade de Lisboa e doutor pela

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

da Universidade Nova de Lisboa, oferecemos

um portentoso retrato da Guerra

Colonial Portuguesa.

DESPESAS DA GUERRA

A Guerra Colonial chegou a custar seis por

cento do nosso PIB (cf. p. 259). Segundo

os valores da actualidade, “a guerra

de África terá custado ao Estado

Português mais de vinte e quatro

mil milhões de euros”. O que nos faz

ficar espantados com as actuais despesas

militares: 588 milhões de euros (Exército),

519 milhões (Marinha) e 411 milhões (Força

Aérea) em 2018.

Apesar destes valores, não imaginamos

como combatiam os nossos jovens: “A

alimentação consistia em dobrada

liofilizada que, ao ser recuperada

com água, deixava um cheiro

nauseabundo, capaz de tirar o apetite

mesmo ao mais esfomeado, bacalhau,

conservado na maior parte das vezes

em latas de cal, e os vegetais era raro

aparecerem; carne, só de caça, pois a

congelada também não aparecia...”

(Salgueiro Maia, in Capitão de Abril —

História da Guerra do Ultramar e do 25 de

Abril).

Um furriel, no Niassa, em Moçambique,

escreve que “os homens tinham de

comer durante alguns dias apenas

arroz com feijão” (cf. p. 287).

Se olharmos para o número de mortos na

Guerra Colonial Portugal, constatámos

que o Minho deu, desgraçadamente para

muitas mães, namoradas e noivas, irmãos,

primos e amigos um contributo ímpar e

esteve na linha da frente dos sacrifícios de

vidas, entre 1961 e 1974.

Se exceptuarmos o distrito do Porto, o

Minho (incluindo os distritos de Braga e

Viana do Castelo) ocupa um dramático

segundo lugar no pódio do número de

vítimas mortais durante aqueles anos: 760

mortos contra 925 portuenses.

Nestes distritos, Porto e Braga (sem contar

com Viana do Castelo), eram recrutados

65 % dos militares

Se olharmos pela tabela distrital, Braga

surge em segundo lugar com 580 mortos, o

que proporcionalmente, face à densidade

populacional, coloca o distrito em

primeiro lugar. O distrito do Porto regista

925 mortos. Para se averiguar a desgraça

que aconteceu nos distritos do interior do

país, Lisboa regista 553 mortos, menos 47

mancebos mortos que Braga.

É verdade que os locais com “mais

homens em idade militar eram os

distritos de Porto, Lisboa e Braga”

e a região Norte ( a Norte do rio Vouga)

tinha mais de 50% dos homens em idade

de ir à tropa....Porto ocupa o primeiro

lugar (15,3%) seguido de Braga com 8.6%.

Trata-se de um conjunto de dados

que o autor admite como “certamente

discutível” sobre uma guerra que “marcou

e marca profundamente toda uma

geração de cidadãos, em especial

os combatentes” mas sabe-se que é

a primeira “investigação rigorosa”

que nos permite “aspirar a estar mais

próximos da verdade histórica”

— escreve o presidente da Comissão

Portuguesa de História Militar (CPHM),

João Vieira Borges, Major-General.

Com uma escrita simples, “acompanhada

de um conjunto alargado de quadros

e gráficos complementares”, este livro

possui uma “dose muito equilibrada

de razão e de paixão” e é por isso que

a sugerimos como um bom presente

de Natal para combatentes da Guerra

Colonial Portuguesa.

UMA OPERAÇÃO ÚNICA

NA NOSSA HISTÓRIA

“Nunca em Portugal se tinha realizado

um processo de recrutamento e

mobilização militar com a dimensão

daquela que aconteceu durante o

período da Guerra em África (1961-

1974), com grandes implicações sociais

e económicas, desde o aumento da

emigração até ao impacto nas contas

do Estado” — garante o autor.

Sim, durante a guerra da restauração

(1640.1668), nas invasões francesas

(1807.1811) e mesmo na I Guerra Mundial,

nunca Portugal se tinha organizado e

realizado um sistema de recrutamento e

mobilização militar com a dimensão do

período entre 1961-1974.

De facto, acrescenta, durante treze anos,

o Governo português “empenhou

bastantes recursos, mas foi incapaz

de encontrar uma solução política

para o problema colonial”, apesar dos

conselhos estrangeiros, da perda da Índia

(1961) e da atitude dos principais aliados

portugueses, prevaleceu o princípio do

“orgulhosamente sós”.

ALGUNS NÚMEROS

A Guerra Colonial Portuguesa empenhou

nas três frentes (Angola, Moçambique e

Guiné-Bissau) oitocentos mil portugueses,

sendo 70% oriundos de Portugal e os

restantes recrutados nas Colónias.

Na fase final da guerra, tínhamos 163

mil mancebos destacados no Ultramar,

algo que “nunca tinha sucedido na

História de Portugal”, sendo 70 mil

em Angola, mais de 35 mil na Guiné e

quase 57 mil em Moçambique.

Um grande número jovens fugiu da guerra

e emigrou — cerca de 230 mil —, sendo

umas 202 mil faltosos e cerca de vinte

mil refractários, aos quais se juntam mais

nove mil desertores. Basta ver que, em

1933 emigraram 115 mil portugueses, em

1959 saíram de Portugal 400 mil pessoas

e em 1960, a emigração subiu para quase

um milhão e meio de portugueses, a

uma média anual de quase cem mil

portugueses. Sabe-se hoje que, em França,

em 1974, estavam em França — onde já

viviam 600 mil lusitanos — 60 mil jovens

que fugiram da guerra.

Acresce que muitos jovens “casavam

antes do serviço militar”, antes dos 20

anos. Este número de jovens casadoiros

sobe de 2560, em 1960, para os 5340, em

1972. O elevado número de homens em

idade militar que “não sabiam ler” tem

severas implicações na preparação dos

nossos soldados, antes de serem enviados

para os terrenos de guerra.

A guerra colonial causou a morte de

44.600 pessoas e ferimentos graves

em 53 mil baixas entre os combatentes

portugueses (p. 97).

No capítulo dos soldados, registam-se

mais de dez mil mortos e mais de 31 mil

feridos graves.

Na população civil, temos seis mil mortos

e 12 mil feridos graves. Nos movimentos

de Libertação os números apontam para

a morte de 28 mil mortos e menos de dez

mil feridos graves.

A TRASLADAÇÃO DOS MORTOS

A trasladação dos mortos em combate,

é um dos “aspectos mais tristes e

lamentáveis”: a impossibilidade, no

início, e depois a dificuldade para as

famílias receberem o corpo do seu filho

morto na guerra. No início da guerra,

os corpos tinham de ser sepultados

em África, não sendo possível fazer

transladações, mas posteriormente,

com a utilização de urnas em chumbo,

passou a ser possível a transladação para

a Metrópole, se a família do falecido

assegurasse os encargos. Assim, até 1966,

se a família do militar morto pretendesse

transladar o corpo para a Lisboa, “tinha

de pagar essa despesa que variava

entre os dez mil e os quinze mil

escudos”.

Só em 1967, o transporte do corpo deixou

de ser despesa para a família, através do

transporte militar muito demorado. Por

outras vias, o transporte de um cadáver

variava entre os 21 mil e os 52 mil escudos.

Num país pobre, muitas famílias ficaram

sem capacidade financeira para esse gesto

tão significativo.

Um livro que envergonha este Portugal,

mas devemos um obrigado a quem o

escreveu.

COMO TUDO COMEÇOU

Nos anos 50 começam a surgir os

embriões de importantes organizações

políticas. Em 1954 é criada União das

Populações do Norte de Angola (UPNA),

que em 1958 passa a designar-se União das

Populações de Angola (UPA). Em 1962, a

UPA e o Partido Democrático de Angola

(PDA) constituem a Frente Nacional de

Libertação de Angola (FNLA).

O Movimento Popular para a Libertação

de Angola (MPLA) foi fundado em 1956,

ano em que Amílcar Cabral criou o

Partido Africano para a Independência da

Guiné e Cabo Verde (PAIGC, na foto). E

m 1960 surge o Comité de Libertação

de São Tomé e Príncipe (CLSTP) e em

1962 é criada a Frente de Libertação de

Moçambique (FRELIMO), que resulta

da fusão de três movimentos: União

Democrática Nacional de Moçambique

(UDENAMO), União Nacional Africana

de Moçambique Independente (UNAMI)

e Mozambique African National Union

(MANU). A União Nacional para a

Independência Total de Angola (UNITA)

surgiu em 1966.

(*) António Costa Guimarães, é

Jornalista, foi Capelão Militar e

Director do jornal Correio do Minho

20 Lusitano de Zurique - Novembro 2021 | www.cldz.eu Lusitano de Zurique - Novembro 2021 | www.cldz.eu

21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!