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Crónica
O SEXO DOS NOSSOS
DEUSES
Paulo Marques
Quinze portugueses ilustres (“15 Portugueses
Ilustres”, Paulo Marques,
Porto Editora, 2012). Quinze
homens e mulheres com
grandes contribuições em
áreas como a Literatura, a
Educação, a Cultura, a Arte
e a Política que, ao inscreverem
o seu nome na História,
se distinguiram da
maioria dos comuns mortais
exceto numa coisa: a
sua vida amorosa e íntima
onde, talvez, tenham sido
como os demais.
Das suas biografias constam
todos os feitos, incluindo
os mais privados. E desses,
os que se provam, e os
que se afirmam nos bastidores,
reiteradamente, mas
sem certezas. Como dizia o
Eça: «de um homem público
tudo é lícito revelar-se,
até mesmo o rol da roupa
suja». Cá vai então:
A Amália, cedo percebeu
que não estava talhada
para a felicidade amorosa,
excluída que foi pela excecionalidade.
Casou-se com
um guitarrista que a maltratava,
apaixonou-me perdidamente
por um playboy,
forçou-se a amar um banqueiro
que dava tudo por
ela, e partilhou quase quatro
décadas da sua vida
com um engenheiro que
nunca amou. Ainda assim,
despertou as mais acesas
paixões: teve homens e
mulheres a fazerem-lhe a
corte. Inventaram-lhe tantas
calúnias e mentiras que
nem da fama de bissexual se livrou.
Não há, todavia, provas que atestem…
doma». Apesar disso, parece que se
divertiu. E bem.
O Cunhal amou (e viveu) exigindo discrição
e silêncio. Terá aprendido a so-
amor lhe limitasse a vida política, a
entrega ao partido. Além disso, achava
a homossexualidade «uma coisa
muito triste». E estamos falados.
A Maria de Lourdes Pintasilgo
foi acusada de
demagoga, populista,
utópica, ingénua, «terceiro-mundista»,
comunista,
«meloantunista»,
beata e … lésbica. Para
a História ficará como
aquela que trocou as
paixões pelo estudo,
pela religião, pela política,
pela defesa de
grandes causas, mas
como nunca se lhe conheceram
namorados,
nunca casou, nunca
teve filhos, as más-línguas
(?) afiançam que
era lésbica e que teve
uma relação com uma
das fundadoras do movimento
Graal no nosso
país. Vá-se lá saber.
Francisco Sá Carneiro
foi um herói romântico
que desafiou os princípios
da sociedade do
seu tempo. Teve o assombro
de assumir em
público a relação com
uma dinamarquesa
belíssima por quem se
fazia acompanhar nos
atos oficiais. Foi uma
afronta à velha hipocrisia
e ao falso puritanismo
portugueses. Ironicamente,
o chefe da
Direita portuguesa, um
católico militante, casado,
vivia com uma mulher
“ilegítima”. Todavia,
contra tudo e contra
todos, não abdicou do seu amor por
Snu. Às razões de Estado e às conveniências
prevaleceram as razões do
coração. Uma história romântica mas,
infelizmente, breve e trágica. Faleceriam
ambos, quatro anos depois de se
terem conhecido, em circunstâncias
nunca completamente esclarecidas.
não teve, porém, uma vida pessoal que
possamos considerar bafejada pela sorte.
Mal-amada, celibatária, não deu «os
beijos que tinha a dar», «não [foi] amorosa»,
nunca «ninguém se interessou»
por ela, e não viveu «suficientemente,
com gosto, com paixão». A agravar, o
regime fascista saneou-a do ensino
com um processo do qual fazem parte
acusações de libertinagem com homens,
e alusões enviesadas de relações
com mulheres. Não se entende…
O cantor lírico Tomás Alcaide e o Sidónio
Pais foram ambos uns sedutores e
uns mulherengos. Sobre o chefe carismático
(e autoritário) em quem muitos
viram o «salvador da pátria», era voz
corrente em Coimbra: «tudo se pode
confiar a Sidónio, menos a mulher».
A jurista, escritora e feminista Elina Guimarães,
a grande atriz Maria Matos e a
Maria Lamas, uma heroína do século
XX, casaram, procriaram e foram felizes
(?).
Em relação ao Régio, apesar de constar
que manteve várias relações episódicas
com mulheres, nunca constituiu família
e a sua vida amorosa permanece um
mistério. O poeta combatia ferozmente
a sua natureza sensual. Fazia fé em
viver casto e inteiramente para a sua
Obra. Escolheu o trabalho por companhia.
O Torga era um homem de hábitos
monásticos, arisco, duro como pedra,
ensimesmado na escrita. Antes de casar
avisou a mulher: «quero que saibas,
enquanto é tempo, que em todas as
circunstâncias te troco por um verso.»
Nem mais.
A Fernanda de Castro conviveu e foi
amiga de muitos homossexuais, possuía
um espírito muito modernista para
a época, mas amou o António Ferro,
entreteve-se a escrever (e bem), com os
Parques Infantis, com a beneficência
e a cultura, e com a representação do
país, no papel de «Primeira-Dama» do
Estado Novo.
“VÃO PARA A
VOSSA TERRA!”
Paulo Marques
Originários do Norte da Índia, especialmente das regiões de Rajahsthan,
Haryana e Punjabe, a partir do século XI, através do vale do Danúbio, os
ciganos espalharam-se pela Europa. A diáspora do povo iniciou-se em
obediência à impiedosa ordem de deportação do sultão Mahmud de
Ghazni (971 – 1030).
Entraram em Portugal, pelo Alentejo, na viragem do século XV para o
século XVI: Gil Vicente dedicou-lhes o Auto das Ciganas, representado na
Corte de D. João III, em 1521.
Passados poucos anos, logo em 1526, saiu a primeira lei repressiva: «Que os
ciganos não entrem no reino e que saiam os que nele estiverem.»
A ordem seria apenas a primeira de muitas.
A desgraçada da nossa última rainha,
D. Amélia de Orleães, nasceu sob o E o princípio subjacente à ordem manteve-se ao longo do tempo,
signo da tragédia. Atravessou guerras, continuando, triste e vergonhosamente, presente. É mais que conhecido e
exílios, revoluções e regicídios, e lá foi sabido: a ignorância é a mãe de todos os preconceitos.
lidão, a autossuficiência e a autodisciplina
na clandestinidade e na prisão.
sentido de sacrifício. Sofreu as maio-
Dentro das minorias em Portugal – estima-se que existam atualmente
sempre sobrevivendo com o seu forte
Sabe-se que casou aos quarenta e
res injustiças, entre elas, a infidelidade cerca de 40 mil ciganos portugueses, isto é, 0,3% da população do país – os
O Botto, embora tenha acabado por sete anos, que teve uma filha, e pouco
mais se conhece da sua vida emo-
ter alimentado uma relação amorosa racismo e xenofobia.
descarada do real esposo, a calúnia de ciganos constituem a mais grave e escandalosa de todas as situações de
casar antes da partida para o exílio
definitivo no Brasil, era claramente (e cional e íntima. Ignoram-se os seus
com Mouzinho de Albuquerque e o
Já cá estão há mais de 500 anos e há mais de 500 anos que continuam a
descaradamente) homossexual. Por amores, apesar da sua capacidade de
boato de que mantinha jogos de paixão
com uma das suas damas. Chegou
ouvir: «Vão para a vossa terra!»
ter celebrado na sua poesia a beleza despertar paixões. Teve várias mulheres,
no entanto, não falava nelas, não
a publicar-se um romance pornográfi-
Acusam-nos de não se integrarem: só que não entendem que a sua
masculina, acabou sendo acusado pelos
semifradescos conservadores da
A escritora e pedagoga Irene Lisboa,
se fazia acompanhar por elas em atos
co, que Lisboa consumia aos milhares resistência à integração é uma questão de sobrevivência. Se tivessem
moral de produzir «Literatura de So-
mulher inteligente, autora de obra literária
e educativa de elevado mérito
a intitulava como «Marquesa da Baca-
visceral de liberdade e independência, há muito que tinham desaparecido.
públicos, nem nunca permitiu que o
de exemplares no ano de 1908, e que abandonado a sua cultura, tradição, língua e costumes, a sua necessidade
lhoa».
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