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Edição de Maio 2022, do Lusitano de Zurique - DIGITAL

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Crónica

O SEXO DOS NOSSOS

DEUSES

Paulo Marques

Quinze portugueses ilustres (“15 Portugueses

Ilustres”, Paulo Marques,

Porto Editora, 2012). Quinze

homens e mulheres com

grandes contribuições em

áreas como a Literatura, a

Educação, a Cultura, a Arte

e a Política que, ao inscreverem

o seu nome na História,

se distinguiram da

maioria dos comuns mortais

exceto numa coisa: a

sua vida amorosa e íntima

onde, talvez, tenham sido

como os demais.

Das suas biografias constam

todos os feitos, incluindo

os mais privados. E desses,

os que se provam, e os

que se afirmam nos bastidores,

reiteradamente, mas

sem certezas. Como dizia o

Eça: «de um homem público

tudo é lícito revelar-se,

até mesmo o rol da roupa

suja». Cá vai então:

A Amália, cedo percebeu

que não estava talhada

para a felicidade amorosa,

excluída que foi pela excecionalidade.

Casou-se com

um guitarrista que a maltratava,

apaixonou-me perdidamente

por um playboy,

forçou-se a amar um banqueiro

que dava tudo por

ela, e partilhou quase quatro

décadas da sua vida

com um engenheiro que

nunca amou. Ainda assim,

despertou as mais acesas

paixões: teve homens e

mulheres a fazerem-lhe a

corte. Inventaram-lhe tantas

calúnias e mentiras que

nem da fama de bissexual se livrou.

Não há, todavia, provas que atestem…

doma». Apesar disso, parece que se

divertiu. E bem.

O Cunhal amou (e viveu) exigindo discrição

e silêncio. Terá aprendido a so-

amor lhe limitasse a vida política, a

entrega ao partido. Além disso, achava

a homossexualidade «uma coisa

muito triste». E estamos falados.

A Maria de Lourdes Pintasilgo

foi acusada de

demagoga, populista,

utópica, ingénua, «terceiro-mundista»,

comunista,

«meloantunista»,

beata e … lésbica. Para

a História ficará como

aquela que trocou as

paixões pelo estudo,

pela religião, pela política,

pela defesa de

grandes causas, mas

como nunca se lhe conheceram

namorados,

nunca casou, nunca

teve filhos, as más-línguas

(?) afiançam que

era lésbica e que teve

uma relação com uma

das fundadoras do movimento

Graal no nosso

país. Vá-se lá saber.

Francisco Sá Carneiro

foi um herói romântico

que desafiou os princípios

da sociedade do

seu tempo. Teve o assombro

de assumir em

público a relação com

uma dinamarquesa

belíssima por quem se

fazia acompanhar nos

atos oficiais. Foi uma

afronta à velha hipocrisia

e ao falso puritanismo

portugueses. Ironicamente,

o chefe da

Direita portuguesa, um

católico militante, casado,

vivia com uma mulher

“ilegítima”. Todavia,

contra tudo e contra

todos, não abdicou do seu amor por

Snu. Às razões de Estado e às conveniências

prevaleceram as razões do

coração. Uma história romântica mas,

infelizmente, breve e trágica. Faleceriam

ambos, quatro anos depois de se

terem conhecido, em circunstâncias

nunca completamente esclarecidas.

não teve, porém, uma vida pessoal que

possamos considerar bafejada pela sorte.

Mal-amada, celibatária, não deu «os

beijos que tinha a dar», «não [foi] amorosa»,

nunca «ninguém se interessou»

por ela, e não viveu «suficientemente,

com gosto, com paixão». A agravar, o

regime fascista saneou-a do ensino

com um processo do qual fazem parte

acusações de libertinagem com homens,

e alusões enviesadas de relações

com mulheres. Não se entende…

O cantor lírico Tomás Alcaide e o Sidónio

Pais foram ambos uns sedutores e

uns mulherengos. Sobre o chefe carismático

(e autoritário) em quem muitos

viram o «salvador da pátria», era voz

corrente em Coimbra: «tudo se pode

confiar a Sidónio, menos a mulher».

A jurista, escritora e feminista Elina Guimarães,

a grande atriz Maria Matos e a

Maria Lamas, uma heroína do século

XX, casaram, procriaram e foram felizes

(?).

Em relação ao Régio, apesar de constar

que manteve várias relações episódicas

com mulheres, nunca constituiu família

e a sua vida amorosa permanece um

mistério. O poeta combatia ferozmente

a sua natureza sensual. Fazia fé em

viver casto e inteiramente para a sua

Obra. Escolheu o trabalho por companhia.

O Torga era um homem de hábitos

monásticos, arisco, duro como pedra,

ensimesmado na escrita. Antes de casar

avisou a mulher: «quero que saibas,

enquanto é tempo, que em todas as

circunstâncias te troco por um verso.»

Nem mais.

A Fernanda de Castro conviveu e foi

amiga de muitos homossexuais, possuía

um espírito muito modernista para

a época, mas amou o António Ferro,

entreteve-se a escrever (e bem), com os

Parques Infantis, com a beneficência

e a cultura, e com a representação do

país, no papel de «Primeira-Dama» do

Estado Novo.

“VÃO PARA A

VOSSA TERRA!”

Paulo Marques

Originários do Norte da Índia, especialmente das regiões de Rajahsthan,

Haryana e Punjabe, a partir do século XI, através do vale do Danúbio, os

ciganos espalharam-se pela Europa. A diáspora do povo iniciou-se em

obediência à impiedosa ordem de deportação do sultão Mahmud de

Ghazni (971 – 1030).

Entraram em Portugal, pelo Alentejo, na viragem do século XV para o

século XVI: Gil Vicente dedicou-lhes o Auto das Ciganas, representado na

Corte de D. João III, em 1521.

Passados poucos anos, logo em 1526, saiu a primeira lei repressiva: «Que os

ciganos não entrem no reino e que saiam os que nele estiverem.»

A ordem seria apenas a primeira de muitas.

A desgraçada da nossa última rainha,

D. Amélia de Orleães, nasceu sob o E o princípio subjacente à ordem manteve-se ao longo do tempo,

signo da tragédia. Atravessou guerras, continuando, triste e vergonhosamente, presente. É mais que conhecido e

exílios, revoluções e regicídios, e lá foi sabido: a ignorância é a mãe de todos os preconceitos.

lidão, a autossuficiência e a autodisciplina

na clandestinidade e na prisão.

sentido de sacrifício. Sofreu as maio-

Dentro das minorias em Portugal – estima-se que existam atualmente

sempre sobrevivendo com o seu forte

Sabe-se que casou aos quarenta e

res injustiças, entre elas, a infidelidade cerca de 40 mil ciganos portugueses, isto é, 0,3% da população do país – os

O Botto, embora tenha acabado por sete anos, que teve uma filha, e pouco

mais se conhece da sua vida emo-

ter alimentado uma relação amorosa racismo e xenofobia.

descarada do real esposo, a calúnia de ciganos constituem a mais grave e escandalosa de todas as situações de

casar antes da partida para o exílio

definitivo no Brasil, era claramente (e cional e íntima. Ignoram-se os seus

com Mouzinho de Albuquerque e o

Já cá estão há mais de 500 anos e há mais de 500 anos que continuam a

descaradamente) homossexual. Por amores, apesar da sua capacidade de

boato de que mantinha jogos de paixão

com uma das suas damas. Chegou

ouvir: «Vão para a vossa terra!»

ter celebrado na sua poesia a beleza despertar paixões. Teve várias mulheres,

no entanto, não falava nelas, não

a publicar-se um romance pornográfi-

Acusam-nos de não se integrarem: só que não entendem que a sua

masculina, acabou sendo acusado pelos

semifradescos conservadores da

A escritora e pedagoga Irene Lisboa,

se fazia acompanhar por elas em atos

co, que Lisboa consumia aos milhares resistência à integração é uma questão de sobrevivência. Se tivessem

moral de produzir «Literatura de So-

mulher inteligente, autora de obra literária

e educativa de elevado mérito

a intitulava como «Marquesa da Baca-

visceral de liberdade e independência, há muito que tinham desaparecido.

públicos, nem nunca permitiu que o

de exemplares no ano de 1908, e que abandonado a sua cultura, tradição, língua e costumes, a sua necessidade

lhoa».

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