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53ª Edição_Revista ATRAÇÃO

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Por Dra. Telma Mª S Machado

Navegar é preciso.

Viver também o é

Aracaju SE BR

Diretora de Comunicação da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (ABRAME), Graduada em Ciências Biológicas e

em Direito, Pós-Graduada em Direito Processual Público, Juiza Federal da Seção Judiciária de Sergipe, Mestre em Filosofia,

Essa frase não foi dita pela primeira vez pelo genial poeta português

Fernando Pessoa (1888-1935) no título de um dos seus poemas.

A frase original data do século I antes de Cristo, e foi pronunciada

pelo general Pompeu (que compôs o 1º Triunvirato Romano, estabelecido

em Professor

60 a.C., com Júlio César e Crasso) para encorajar marinheiros

receosos: “Navigare necesse, vivere non est necesse.”

No século XIV, o poeta italiano Petrarca modificou a expressão para

“Navegar Gonçalo

é preciso, viver não é preciso”.

Fernando Pessoa utilizou, no título de um dos seus poemas, a frase

transformada, Ferreira e interpretou a Melo assertiva:

“Navegar é Preciso”

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

“Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Quero para mim o espírito [d]esta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo

e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;

ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue

o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

Pois bem. Conforme proclamou o filósofo alemão Martin Heidegger

(1889-1976), a poesia deu nome às coisas e fundou o ser, e, pela sua

possibilidade de facultar inúmeras interpretações, outros sentidos podem

ser experimentados com a icônica frase – não obstante a genialidade

das palavras do eminente poeta português –, através de metáforas e

simbologias.

Com essas observações, é que me atrevo a escrever sobre como

prefiro interpretar a frase modificada por Petrarca.

Inicialmente, são necessárias algumas considerações sobre os múltiplos

significados gramaticais do vocábulo “preciso” utilizado na frase

“Navegar é preciso, viver não é preciso”: 1) forma derivada do verbo

precisar, necessitar, sentir a necessidade de algo, indispensável, imperativo,

fundamental (sentido que emerge do poema de Fernando Pessoa,

segundo o qual não basta viver, é necessário dar sentido à vida); 2) que

é feito com rigor (exato, correto, determinado, definido etc.); 3) que se

expressa de forma clara e categórica (explícito, objetivo, peremptório

etc.); 4) que é resumido e conciso (breve, sumário, sintético etc.); 5) que

é feito com perfeição (acurado, esmerado, primoroso etc.).

Pretendo focar principalmente no sentido do item 2, acima: determinar,

calcular com exatidão, correção, segurança etc., e fazer uma

comparação entre a navegação (em que tanto sucesso tiveram os portugueses)

e a vida.

Mesmo antes das modernas tecnologias que, na contemporaneidade,

tornaram segura a navegação, nos séculos passados ela não estava

simplesmente sujeita à “alea jacta est” (“a sorte está lançada”), frase

atribuída a Júlio César, que teria sido pronunciada enquanto atravessava

o rio Rubicão, em contraposição a uma proibição e iniciando a guerra civil

contra Pompeu (o autor da frase original analisada neste artigo). Não, a

navegação desde épocas remotas seguia algumas técnicas. Mas o fato é

que hoje, graças à ciência, é muito mais fácil e seguro navegar, inclusive

porque se pode fazer previsões mais precisas quanto aos movimentos

das águas e do vento, além de se ter acesso a ótimos materiais para a

construção das embarcações e aparelhos destinados à segurança náutica.

Daí poder-se afirmar que, no geral, navegar é preciso, no sentido de ser

seguro, pela possibilidade de determinação dos fatores que influenciam

a navegação, embora os casos fortuitos e força maior, que são exceções.

Mas, e quanto a viver? Deveríamos ter a presciência dos desafios a

serem transpostos para o nosso progresso espiritual? A Doutrina Espírita

responde de forma fundamentada à última indagação que, prima facie, a

sensatez já diz que, no geral, não podemos nem devemos saber de tudo,

nas questões 307, 392 e 393 de O Livro dos Espíritos. A precisão quanto

a viver estaria vinculada a essa pré-ciência? A resposta é negativa, conforme

fundamentação a seguir.

Embora não tenhamos os aparatos tecnológicos para prever situações

que podem redundar em um naufrágio espiritual, temos todas as

possibilidades de retirar lições dos percalços decorrentes de equívocos

transatos e, ao mesmo tempo, arquitetar melhores condições para as

existências futuras. Ou seja, o arquétipo do conto de fadas, de viver feliz

para sempre, é fato no percurso espiritual, considerando que o progresso

é Lei Divina e, portanto, a felicidade é inafastável.

Sob o aspecto espiritual, portanto, pode-se afirmar que viver é preciso,

sim, porque escolhas e respectivas consequências são inelutavelmente

vinculadas.

44 Atração_ maio de 2022

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