Revista Eletrônica de Julho - Centrodoscapitaes.org.br
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afunilado pelo corredor entre a ilha e o continente empurrava o navio mais do que o <strong>de</strong>sejado, motivo pelo qual<<strong>br</strong> />
reduzi para muito-<strong>de</strong>vagar-adiante. O segundo e último par <strong>de</strong> bóias se aproximava e nem sinal <strong>de</strong> prático que,<<strong>br</strong> />
contatado seguidamente pelo rádio, afirmava sempre que estava a caminho. Temeroso com a proximida<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />
terminal e não divisando sinal da lancha do prático resolvi parar a máquina.<<strong>br</strong> />
Eu conhecia bem as características <strong>de</strong> mano<strong>br</strong>abilida<strong>de</strong> do “Bragança” para saber que ainda teria um<<strong>br</strong> />
bom trecho em que po<strong>de</strong>ria governar apenas com o seguimento do navio.<<strong>br</strong> />
Finalmente surgiu o Prático. Subiu célere a escada <strong>de</strong> que<strong>br</strong>a-peito, alcançou rapidamente o<<strong>br</strong> />
passadiço, <strong>de</strong>sculpou-se pelo in<strong>de</strong>sculpável e assumiu a mano<strong>br</strong>a após tomar conhecimento <strong>de</strong> que a máquina<<strong>br</strong> />
estava parada, que o marinheiro ainda governava bem com o seguimento e que o píer sul do Tebar estava<<strong>br</strong> />
sendo marcado como referência da proa. Inquirido so<strong>br</strong>e os rebocadores para a mano<strong>br</strong>a informou que “já estão<<strong>br</strong> />
vindo”. Os rebocadores pertenciam ao Terminal.<<strong>br</strong> />
Por algum tempo o Prático manteve o navio da mesma maneira que o recebeu até que o marinheiro<<strong>br</strong> />
avisou que não estava mais conseguindo governar. O seguimento já não era suficiente. Precisando a<strong>br</strong>ir do<<strong>br</strong> />
terminal que ainda estava pela proa o prático solicitou máquina muito-<strong>de</strong>vagar-adiante e leme 10º a BE.<<strong>br</strong> />
Hedilberto acionou o telégrafo e o que se ouviu, ao invés do característico ruído do motor partindo, foi um<<strong>br</strong> />
estri<strong>de</strong>nte chiado <strong>de</strong> escape <strong>de</strong> ar. Som<strong>br</strong>ia expectativa. Atmosfera carregada. Nova tentativa <strong>de</strong> partida na<<strong>br</strong> />
Praça <strong>de</strong> Máquinas e a mesma sensação <strong>de</strong> frustração no passadiço: o MCP não partiu novamente. Hedilberto<<strong>br</strong> />
avisa que o indicador <strong>de</strong> ar <strong>de</strong> partida do MCP no painel indica pressão perigosamente baixa. Corro a telefonar<<strong>br</strong> />
para a máquina e a informação que tenho do Chefe Ivalter é <strong>de</strong>sanimadora: A pressão muito baixa das garrafas<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ar não permitirá nova partida e o tempo para carregá-las é imprevisível. Aviso para que tentem uma partida<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> emergência caso contrário o navio irá bater no Terminal. Novo agonizante chiado <strong>de</strong> ar e nada <strong>de</strong> partida. O<<strong>br</strong> />
indicador <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong> ar no passadiço cai a zero. O Terminal cresce na proa. Sensação <strong>de</strong> total impotência.<<strong>br</strong> />
O prático, um tipo semelhante a europeu, vermelho, grandalhão, <strong>de</strong> cabelos grisalhos e extremamente<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sbocado, anda impaciente <strong>de</strong> uma asa para outra es<strong>br</strong>avejando pelo rádio contra os rebocadores que até<<strong>br</strong> />
àquela hora não haviam aparecido. Era preciso que tomássemos algumas atitu<strong>de</strong>s rapidamente. Man<strong>de</strong>i o<<strong>br</strong> />
Imediato tocar postos <strong>de</strong> emergência peguei o VHF e, pelo canal 16, fiz a seguinte advertência dramática:<<strong>br</strong> />
- Terminal, aqui é o Comandante do “Bragança”.<<strong>br</strong> />
Isto é uma emergência. Parem as operações. Estamos<<strong>br</strong> />
sem máquina e sem governo e o navio irá inevitavelmente<<strong>br</strong> />
bater no Terminal. Avisem os outros navios e protejam-se.<<strong>br</strong> />
Um navio operava no píer sul e outro no píer<<strong>br</strong> />
norte. Lem<strong>br</strong>o-me ainda da súplica do operador:<<strong>br</strong> />
- Comandante, pelo amor <strong>de</strong> Deus...<<strong>br</strong> />
- Sinto muito. Não há mais nada a fazer. Os<<strong>br</strong> />
rebocadores do Terminal não apareceram - lamentei.<<strong>br</strong> />
Os canhões <strong>de</strong> água <strong>de</strong> combate a incêndio ao<<strong>br</strong> />
longo da passarela do convés principal foram acionados.<<strong>br</strong> />
Tudo era muito intenso, muito rápido, <strong>de</strong>sesperador. Não<<strong>br</strong> />
havia tempo para raciocinar. Muitos tripulantes, <strong>de</strong> coletes<<strong>br</strong> />
salva vidas, se prepararam para se jogar n’água antes do<<strong>br</strong> />
Terminal <strong>de</strong> São Sebastião - TEBAR<<strong>br</strong> />
impacto.<<strong>br</strong> />
Avisei o Prático que iria largar os dois ferros que estavam prontos – felizmente a guarnição da proa<<strong>br</strong> />
não abandonou os seus postos. O navio, impulsionado pelo vento SW, ainda tinha apreciável seguimento. O<<strong>br</strong> />
Prático <strong>de</strong>saconselhou esse procedimento alegando, com razão, que o navio iria girar e bater <strong>de</strong> qualquer<<strong>br</strong> />
maneira. Confirmei seu temor e disse que não havia alternativa e eu preferia bater com os ferros n’água. Eu<<strong>br</strong> />
achava, no íntimo, que com os ferros n’água servindo <strong>de</strong> freio, o impacto no Terminal seria amenizado. Por<<strong>br</strong> />
outro lado o impacto seria lateral evitando que a proa fosse rasgando com tudo e nos envolvendo em um<<strong>br</strong> />
verda<strong>de</strong>iro inferno <strong>de</strong> chamas. Mas não havia tempo para conjecturas. Quase ao mesmo tempo em que informei<<strong>br</strong> />
o Prático da minha intenção já fui or<strong>de</strong>nando a proa para que largassem os dois ferros e <strong>de</strong>ixassem correr todos<<strong>br</strong> />
os quartéis <strong>de</strong> amarras.<<strong>br</strong> />
O estrondo dos dois ferros sendo largados foi ensur<strong>de</strong>cedor. Fumaça e poeira envolveram o castelo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
proa. Uma massa <strong>de</strong> ferro e aço <strong>de</strong>slocando 117.000 toneladas se movia inexoravelmente contra o Terminal.<<strong>br</strong> />
Dois ferros (âncoras) <strong>de</strong> <strong>de</strong>z toneladas cada um, sustentados por amarras <strong>de</strong> 340 metros <strong>de</strong> comprimento,<<strong>br</strong> />
formadas por elos <strong>de</strong> aço fundido, foram expelidos pelos escovéns, um <strong>de</strong> cada bordo. Ao portar pelos ferros,<<strong>br</strong> />
como se previa, o navio começou imediatamente a girar. Os chicotes das amarras gemiam presas apenas pelo<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>aga (arganeu firmemente fixado na antepara do paiol da amarra que a sustenta). A tensão no passadiço era<<strong>br</strong> />
in<strong>de</strong>scritível. A esposa do Oficial <strong>de</strong> Máquinas Ivan, Zélia Angelim, que assistia a mano<strong>br</strong>a, rezava baixinho. Na<<strong>br</strong> />
proa, nem se fala. O <strong>de</strong>sastre era iminente. Com o giro, por BB, a proa passou lambendo o píer. Agora era<<strong>br</strong> />
esperar o giro completo e o impacto lateral. Foi quando entrou em ação o nosso Anjo da Guarda. Chegaram<<strong>br</strong> />
dois benditos rebocadores. Corajosamente um <strong>de</strong>les se enfiou entre o Terminal e o navio e se posicionou a ré,<<strong>br</strong> />
na altura da superestrutura, para nos empurrar para fora. O nervosismo continuava. Será que o rebocador vai<<strong>br</strong> />
conseguir ou vai também ser esmagado contra o cais? A princípio o rebocador parecia não ter força suficiente<<strong>br</strong> />
para aguentar o <strong>de</strong>slocamento do navio e estava sendo também por ele levado. Mas, aos poucos, sua tenaz<<strong>br</strong> />
resistência foi prevalecendo. Num abençoado momento, a pouquíssimos metros do píer, o navio parou <strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>slocar em direção ao Terminal e começou a ser afastado pela força do rebocador.<<strong>br</strong> />
Alívio geral. Jamais me esquecerei daquela singular sensação: A transição rápida <strong>de</strong> uma extrema<<strong>br</strong> />
angústia para uma total euforia. Parecia inacreditável que nada <strong>de</strong> grave houvesse acontecido, a não ser um<<strong>br</strong> />
enorme susto.<<strong>br</strong> />
Ao final <strong>de</strong> tudo, sozinho no camarote, minhas pernas tremiam incontrolavelmente.<<strong>br</strong> />
Escapei <strong>de</strong> mais uma no “Bragança” (tóc...tóc...tóc)<<strong>br</strong> />
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