Revista Eletrônica de Julho - Centrodoscapitaes.org.br
Revista Eletrônica de Julho - Centrodoscapitaes.org.br
Revista Eletrônica de Julho - Centrodoscapitaes.org.br
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Um VLCC no tsunami do Japão.<<strong>br</strong> />
Capt. Makoto Kusanagi<<strong>br</strong> />
Em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2011, um terremoto <strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> 9 na escala Ritchter assolou o Japão, seguido <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />
tsunami que chegou a alcançar uma altura <strong>de</strong> 10m. O impacto fez com que a ilha mais importante do Japão,<<strong>br</strong> />
Honchu, se <strong>de</strong>slocasse 2.4m para oeste. Sendai era o porto mais próximo do epicentro do terremoto e foi a<<strong>br</strong> />
cida<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>vastada pelo tsunami. O “Nichihiko”, um Very Large Cru<strong>de</strong> Carrier (VLCC), se encontrava<<strong>br</strong> />
atracado <strong>de</strong>scarregando óleo cru no terminal <strong>de</strong> Sendai quando ocorreu o terremoto. Quem relata essa<<strong>br</strong> />
experiência, na primeira pessoa, é seu capitão Makoto Kusanagi.<<strong>br</strong> />
No dia do terremoto eu ocupava o cargo <strong>de</strong> capitão do “Nichihiko”, um VLCC <strong>de</strong> 280.000 Tpb. No dia<<strong>br</strong> />
anterior havíamos atracado no terminal <strong>de</strong> hidrocarbonetos <strong>de</strong> Sendai e estávamos <strong>de</strong>scarregando petróleo cru<<strong>br</strong> />
para a refinaria quando ocorreu o terremoto. As condições meteorológicas eram boas e claras e soprava uma<<strong>br</strong> />
ligeira <strong>br</strong>isa so<strong>br</strong>e a bonita baia <strong>de</strong> Matsushima.<<strong>br</strong> />
Às 1446h, as canetas e lápis da mesa<<strong>br</strong> />
da sala <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> carga começaram a se<<strong>br</strong> />
mover e a tela do computador a dar saltos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
forma irregular. Fiz uma <strong>br</strong>eve pausa e assimilei<<strong>br</strong> />
a sensação. Comentei com o Imediato: “é um<<strong>br</strong> />
terremoto, temos <strong>de</strong> parar a <strong>de</strong>scarga”. Os<<strong>br</strong> />
tremores prosseguiram, algo que não é raro no<<strong>br</strong> />
Japão. Então ocorreu um estrondo surdo muito<<strong>br</strong> />
forte que foi sentido como se uma po<strong>de</strong>rosa<<strong>br</strong> />
força tivesse levantado o navio por inteiro por<<strong>br</strong> />
vários metros. Em seguida houve uma sacudida<<strong>br</strong> />
violenta especialmente para cima e para baixo.<<strong>br</strong> />
Eu tentei sair disparado para o passadiço, mas<<strong>br</strong> />
acabei ficando entre o painel <strong>de</strong> controle e uma<<strong>br</strong> />
antepara e me agarrei o melhor que pu<strong>de</strong>. O<<strong>br</strong> />
Imediato gritava e or<strong>de</strong>nou a parada das<<strong>br</strong> />
bombas <strong>de</strong> carga e o fechamento das válvulas<<strong>br</strong> />
do manifold.<<strong>br</strong> />
Peguei um rádio portátil e fui cambaleando do controle <strong>de</strong> carga para o corredor com intenção <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
alcançar a escada. Em meus anos <strong>de</strong> experiência no mar, vivi várias situações <strong>de</strong> condições meteorológicas<<strong>br</strong> />
adversas, mas esta era uma sensação completamente distinta. Senti que todo o navio tremia intensamente<<strong>br</strong> />
enquanto tentava manter-me em pé para chegar à escada que levava ao passadiço. Tropecei e fui <strong>de</strong> encontro<<strong>br</strong> />
aos corrimões e anteparas. Percebi que os movimentos haviam mudado e que o navio agora balançava <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />
bordo para outro. Consegui então chegar ao passadiço.<<strong>br</strong> />
As fortes sacudidas ainda continuavam e a primeira coisa que observei ao entrar na casa do leme foi<<strong>br</strong> />
que nosso pequeno santuário estava em pedaços espalhados pelo compartimento. Nosso talismã Konpira e as<<strong>br</strong> />
folhas da árvore sagrada Sakaki estavam espalhados por toda parte. Um grupo <strong>de</strong> visitantes <strong>de</strong> terra estava<<strong>br</strong> />
agarrado aos corrimões a vante do passadiço. De forma instintiva me dirigi à asa <strong>de</strong> bombordo para comprovar<<strong>br</strong> />
se a popa do navio estava fora d’água. A Guarda Costeira <strong>de</strong> Shiogama difundia por VHF a todos os navios o<<strong>br</strong> />
seguinte aviso <strong>de</strong> segurança: “Atenção, atenção, por favor, fiquem cientes <strong>de</strong> que se aproxima um tsunami!”<<strong>br</strong> />
Entretanto as águas <strong>de</strong>ntro e fora do porto <strong>de</strong> Sendai estavam absolutamente calmas e os arredores do porto<<strong>br</strong> />
especialmente tranqüilos. Escutamos a repetição do mesmo aviso por VHF: “Atenção, atenção...” Embora tendo<<strong>br</strong> />
entendido a informação do aviso, ainda tinha que avaliar o seu significado em sua totalida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
O Imediato me chamou e transmitiu mensagem do capitão do terminal para que <strong>de</strong>satracássemos<<strong>br</strong> />
imediatamente. Da asa do passadiço vi que vários navios menores se dirigiam para alto mar a toda velocida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Or<strong>de</strong>nei aos oficiais <strong>de</strong> máquinas que preparassem o motor principal o mais rápido possível. A <strong>de</strong>sconexão dos<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>aços <strong>de</strong> carregamento havia começado e os rebocadores se encaminhavam ao navio para a mano<strong>br</strong>a <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
saída.<<strong>br</strong> />
O Terceiro Oficial subiu ao passadiço para me comunicar que estavam transmitindo avisos pela<<strong>br</strong> />
televisão <strong>de</strong> que o tsunami chegaria à costa <strong>de</strong> Shiogama às 1500h. Rapidamente consultei o meu relógio <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
pulso: Eram 1450h. Com apenas 10 minutos para preparar a mano<strong>br</strong>a murmurei que seria tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais.<<strong>br</strong> />
Alguns tripulantes e o pessoal <strong>de</strong> terra <strong>de</strong>sconectavam os <strong>br</strong>aços <strong>de</strong> carregamento. Minha impaciência<<strong>br</strong> />
aumentava conforme via passar próximo outros navios <strong>de</strong> pequeno porte que abandonavam o porto. O Terceiro<<strong>br</strong> />
Oficial me telefonou para informar que se esperava que o tsunami alcançasse mais <strong>de</strong> 10 metros <strong>de</strong> altura. “Dez<<strong>br</strong> />
metros? Você tem certeza?” perguntei pensando que <strong>de</strong>veria tratar-se <strong>de</strong> um engano. “Mais <strong>de</strong> 10 metros”,<<strong>br</strong> />
contestou ele.<<strong>br</strong> />
Minha mente funcionava confusamente. Perguntei-me que efeito teria no navio uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> água<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> 10 metros <strong>de</strong> altura, se o casco seria capaz <strong>de</strong> aguentar o impacto inicial, se os rebocadores situados no<<strong>br</strong> />
costado po<strong>de</strong>riam capear essa onda e se suas tripulações so<strong>br</strong>eviveriam. Refletia so<strong>br</strong>e qual era a melhor<<strong>br</strong> />
situação em que po<strong>de</strong>ria orientar o navio e se teríamos tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>satracar. Estava convicto <strong>de</strong> que teria <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
sair com o navio para o alto mar sem ter em conta os danos que esta mano<strong>br</strong>a po<strong>de</strong>ria ocasionar. Fazer-se ao<<strong>br</strong> />
mar para enfrentar uma tormenta que se aproxima ou a um perigo, é uma regra fundamental da náutica.<<strong>br</strong> />
Pelo VHF a guarda costeira informava a chegada <strong>de</strong> um enorme tsunami (este aviso foi dado aos<<strong>br</strong> />
gritos). O chefe do terminal chegou ao passadiço e me advertiu que <strong>de</strong>veríamos sair o quanto antes. Informou-<<strong>br</strong> />
6