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A CORRESPONDêNCIA DE FRADIQUE MENDES - Figaro

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investigação experimental. «Estou em presença destas (escreve ele a Madame de Jouarre),<br />

como em face duma carta alheia fechada com sinete e lacre». Na presença, porém,<br />

daquelas que se «exteriorizam» e vivem todas no ruído e na fantasia, Fradique achava-se<br />

tão livre e tão irresponsável como perante um volume impresso. «Folhear o livro (diz ele<br />

ainda a Madame de Jouarre), anotá-lo nas margens acetinadas, criticá-lo em voz alta com<br />

independência e veia, levá-lo no cupé para ler à noite em casa, aconselhá-lo a um amigo,<br />

atirá-lo para um canto percorridas as melhores páginas — é bem permitido, creio eu,<br />

segundo a Cartilha e o Código».<br />

Seriam estas subtilezas (como sugeria um cruel amigo nosso) as dum homem<br />

que teoriza e idealiza o seu temperamento de carrejão, para o tornar literariamente<br />

interessante? Não sei. O comentário mais instrutivo das suas teorias dava-o ele, visto<br />

numa sala, entre «o efémero feminino». Certas mulheres muito voluptuosas, quando<br />

escutam um homem que as perturba, abrem insensivelmente os lábios. Em Fradique eram<br />

os olhos que se alargavam. Tinha-os pequenos e cor de tabaco: mas junto duma dessas<br />

mulheres de exterior, «estrelas de mundanismo», tornavam-se-lhe imensos, cheios de<br />

luz negra, aveludados, quase húmidos. A velha lady Mongrave comparava-os, «às goelas<br />

abertas de duas serpentes». Havia ali, com efeito, um acto de aliciação e de absorção —<br />

mas havia sobretudo a evidência da perturbação e do encanto que o inundavam. Nessa<br />

atenção de beato diante da Virgem, no murmúrio quente da voz mais amolecedora<br />

que um ar de estufa, no humedecimento enleado dos seus olhos finos, — as mulheres<br />

viam apenas a influência omnipotentemente vencedora das suas graças de Forma e de<br />

Alma, sobre um homem esplendidamente viril. Ora nenhum homem mais perigoso, do<br />

que aquele que dá sempre às mulheres a impressão clara, quase tangível — de que elas<br />

são irresistíveis, e subjugam o coração mais rebelde só com mover os ombros lentos ou<br />

murmurar «que linda tarde!» Quem se mostra facilmente seduzido — facilmente se torna<br />

sedutor. É a lenda india, tão sagaz e real, do espelho encantado em que a velha Maharina<br />

se via radiosalmente bela. Para obter e reter esse espelho, em que, com tanto esplendor, se<br />

reflecte a sua pele engelhada — que pecados e que traições não cometerá a Maharina?...<br />

Creio, pois, que Fradique foi profundamente amado, e que magnificamente o mereceu.<br />

As mulheres encontravam nele esse ser. raro entre os homens — um Homem. E para elas<br />

Fradique possuia esta superioridade inestimável, quase única na nossa geração — uma<br />

alma extremamente sensível, servida por um corpo extremamente forte.<br />

De maior duração e intensidade que os seus amores, foram todavia as amizades<br />

que Fradique a si atraiu pela sua excelência moral. Quando eu conheci Fradique em<br />

Lisboa, no remoto ano de 1867, julguei sentir na sua natureza (como no seu verso), uma<br />

impassibilidade brilhante e metálica: e através da admiração que me deixara a sua arte,<br />

a sua personalidade, o seu viço, a sua cabaia de seda — confessei um dia a J. Teixeira de<br />

Azevedo, que não encontrara no poeta das LAPIDÁRIAS aquele tépido leite da bondade<br />

humana, sem o qual o velho Shakespeare (nem eu, depois dele) , compreendia que um<br />

homem fosse digno da humanidade. A sua mesma polidez, tão risonha e perfeita, me<br />

parecera mais composta por um sistema do que genuinamente ingénita. Decerto, porém,<br />

concorreu para a formação deste juízo uma carta (já velha, de 1855) que alguém me<br />

confiou, e em que Fradique, com toda a leviana altivez da mocidade, lançava este rude<br />

programa de conduta: — «Os homens nasceram para trabalhar, as mulheres para chorar,<br />

e nós, os fortes, para passar friamente através!...»<br />

Mas em 1880, quando a nossa intimidade uma noite se fixou a uma mesa do<br />

Bignon, Fradique tinha cinquenta anos: e, ou porque eu então o observasse com uma<br />

assiduidade mais penetrante, ou porque nele se tivesse já operado com a idade esse<br />

fenómeno que Fustan de Carmanges chamou depois le degel de Fradique, bem cedo senti,

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