?fe^5"BSo^ - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
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Revista do Instituto Universida<strong>de</strong> Popular - Ano II - N 0 4<br />
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Instituto Universida<strong>de</strong> Popular<br />
Av. Senador Lemos, 557 - Telégrafo<br />
Fone: 224-9074 - CEP 66020 - Cx. Postal 1098<br />
Belém-Pará-Brasil<br />
CONSELHO DIRETIVO<br />
Diretoria Executiva<br />
Diretor Geral: Dario Schaeffer<br />
Secretaria Geral: Ivana Freitas<br />
COORDENAÇÃO DOS NÚCLEOS<br />
Curso Básico<br />
Aldalice Oterloo<br />
João Simões Filho<br />
Estudos Ecumênicos<br />
Rosa Marga Rothe<br />
Francisco Cetrulo<br />
Extensão<br />
Georgina Galvão<br />
Cristina Alcântara<br />
Cultura<br />
Wlad Lima<br />
Comunicação<br />
João Cláudio Arroyo<br />
Serviços Gerais<br />
Rubens do Vale<br />
Elgis Castro<br />
Conselho <strong>de</strong> Representantes<br />
CUT, CBB, FETAGRI, CPB, IECLB, IP AR,<br />
Igreja Anglicana, SDDH, FASE, CIPES,<br />
<strong>Centro</strong> 19 <strong>de</strong> Julho, CAMPOS, CPT,<br />
NAEA Proet/UFPa.<br />
Revista CUÍRA é uma publicação trimestral<br />
do Instituto Universida<strong>de</strong> Popular, <strong>de</strong> caráter<br />
formativo, que busca o <strong>de</strong>bate teórico e político<br />
sobre as questões <strong>de</strong> interesse dos movimentos<br />
sociais propondo-se como instrumento <strong>de</strong> ligação<br />
entre a prática e a teoria dos militantes que lutam<br />
por uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, sem explo-<br />
rações, opressões, injustiças e discriminações.<br />
As matérias assinadas não representam ne-<br />
cessariamente as posições da entida<strong>de</strong>.<br />
Edição: João Cláudio Arroyo<br />
Jornalista Responsável:<br />
José Maria Pedroso Piteira<br />
Reg Prof 888/DRT-Pa<br />
Fotos: Arquivo UNIPOP/Créditos<br />
Foto <strong>de</strong> capa: Hélio Machado<br />
Ilustrações: Nailson, Nonato e Paulo Teixeira<br />
Diagramação: Nailson Guimarães '<br />
Past-upiNailson Guimarães e Nonatd<br />
Projeto gráfico:<br />
PONTO DE VISTA<br />
Trav. Vilcta, Pass. Sáo José, 96<br />
Fone: 226-4110 - Marco - Belém-Pará<br />
SUMÁRIO<br />
Editorial. 04<br />
Cartas/Notas 06<br />
ECOLOGIA<br />
Amazônia: integração, caos e violência 10<br />
Camilo Vianna<br />
DIREITOS HCJMANOS<br />
índios: pelo direito à vida 14<br />
Roberto Zwetsch<br />
EDUCAÇÃO POPULAR<br />
3 anos formando: O curso básico no<br />
Projeto Unípop 20<br />
Aldalice Otterloo<br />
CONJUNTURA<br />
A culpa é do povo 24<br />
João Cláudio Arroyo<br />
MOVIMENTO SINDICAL<br />
Collor, o Bonapartismo e o Sindicalismo 28<br />
Ricardo Antunes<br />
MOVIMENTO POPULAR<br />
Meninos e meninas <strong>de</strong> rua.<br />
Marginalida<strong>de</strong>: Opção ou Imposição<br />
Noêmia Freitas Cavalcanti<br />
TEOLOGIA e POLÍTICA<br />
O céu e a terra nas eleições presi<strong>de</strong>nciais.<br />
Ainda um tema da atualida<strong>de</strong><br />
Heraldo Maués<br />
CULTURA<br />
A esterilização feminina: submissão voluntária.<br />
Suzanne Serruya Weyl<br />
INTERNACIONAL<br />
Estratégia do imperialismo Norte-americano<br />
para a América Latina: Santa Fé II<br />
ENTREVISTA<br />
Padre Bruno Secchi<br />
João Cláudio Arroyo<br />
TEORIA e ESTRATÉGIA<br />
A <strong>de</strong>mocracia partidária e a formação<br />
do militante revolucionário 62<br />
Flávio Valentim<br />
TEORIA e ESTRATÉGIA<br />
Cidadania: uma ban<strong>de</strong>ira revolucionária 64<br />
Alex Fiúza <strong>de</strong> Ateio<br />
Humor 71<br />
30<br />
40<br />
46<br />
50<br />
56
Quero a liberda<strong>de</strong><br />
Quero o Vinho e o Pão<br />
Quero ser amiza<strong>de</strong><br />
Quero amor prazer<br />
Quero nossa cida<strong>de</strong><br />
sempre ensolarada<br />
os meninos e o povo no po<strong>de</strong>r<br />
eu quero ver.<br />
Milton Nascimento<br />
eninos e Meninas <strong>de</strong> rua, substância<br />
do egoísmo que inunda as cida<strong>de</strong>s<br />
na medida em que transborda a míséna<br />
da periferia dos gran<strong>de</strong>s centros urbanos<br />
e do interior do país.<br />
Invan<strong>de</strong>m as praças, as rodoviárias,<br />
as feiras, as avenidas. Acumulam-se<br />
nos estacionamentos, nos semáforos,<br />
nos bares, ven<strong>de</strong>ndo chicletes, bugingangas,<br />
incomodando as "pessoas <strong>de</strong> bem".<br />
São milhões!<br />
São mais <strong>de</strong> 7 milhões os meninos<br />
e meninas que vivem na rua e da rua<br />
assaltando, passando drogas, pedindo<br />
esmolas, revirando o lixo e, trabalhando.<br />
O Governo não tem se arriscado a apresentar<br />
qualquer estatística que quantifique<br />
o "menor abandonado", mas este número<br />
consta no recente relatório da Anistia<br />
Internacional "Brasil, Crianças Vítimas<br />
<strong>de</strong> Assassinatos e Cruelda<strong>de</strong>s". Já o Movimento<br />
Nacional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua, a partir<br />
do levantamento informal <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s afins,<br />
trabalha com um número maior, algo superior<br />
a 30 milhões.<br />
São milhões. Mas ainda incomodam pouco,<br />
precisam incomodar muito mais, porque<br />
a imagem da criança abandonada<br />
é exatamente a representação <strong>de</strong> um país<br />
que abandonou o seu próprio futuro.<br />
A cara feia da realida<strong>de</strong> da criança<br />
e do adolescente abandonado é a síntese<br />
mais completa <strong>de</strong> todas as mazelas <strong>de</strong> nossa<br />
socieda<strong>de</strong>. A Dívida Externa, a concentração<br />
<strong>de</strong> renda, o analfabetismo, a imprevidência,<br />
a violência e a hipocrisia.<br />
É preciso incomodar mais, é preciso<br />
indignar-se. Mas, nem os sindicatos tratam<br />
<strong>de</strong>sta questão, os centros comunitários<br />
muito pouco, e acabamos reproduzindo<br />
as condições para que o "menor abandonado"<br />
fique cada vez menor e ainda mais abandonado.<br />
Com quem po<strong>de</strong>m contar?<br />
Incomodam muito pouco estes milhões.<br />
Insignificantes milhões.
CARTAS E NOTAS<br />
CARTA: Se "Violência Gera Violência", Entáo...<br />
O slogan que tinha como objeti-<br />
vo a <strong>de</strong>núncia, o alerta, se transforma<br />
em jargão para justificar os atos <strong>de</strong><br />
violência utilizados para controlar o<br />
crime; ou seja, os justiceiros se julgam<br />
os combatentes vorazes da criminalida-<br />
<strong>de</strong>. "Se o cara está violando a lei, os<br />
padrões <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong>, conseqüente-<br />
mente ele merece ser espancado, tortu-<br />
rado, humilhado em público por ter ge-<br />
rado a ira".<br />
Não estamos falando aqui dos<br />
esquadrões da morte organizados, ou<br />
dos justiceiros da Baixada Fluminense,<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Passe algumas tar<strong>de</strong>s nas redon-<br />
<strong>de</strong>zas do Palácio do Governo, praça D.<br />
Pedro II, Praça do Relógio, locais on<strong>de</strong><br />
há gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> mendigos,<br />
meninos <strong>de</strong> rua, alcoólatras, lúpen<br />
(marginalizados) da socieda<strong>de</strong>, ou ain-<br />
da "família trapo" e "pivetes", como<br />
são <strong>de</strong>nominados pelos comerciários<br />
da redon<strong>de</strong>za, e po<strong>de</strong>rá observar cenas<br />
chocantes. A avi<strong>de</strong>z dos últimos em<br />
proteger seus patrimônios repassa aos<br />
seus funcionários a preocupação cons-<br />
tante em estarem alertas a qualquer<br />
indício <strong>de</strong> perigo. Maior que a preocu-<br />
pação em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus direitos, tão<br />
<strong>de</strong>srespeitados; há a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />
tectar "pivetes" cheirando cola às pro-<br />
ximida<strong>de</strong>s para imediatamente entrar<br />
em ação os patrões, geralmente os mais<br />
jovens, filhos, sobrinhos etc, que re-<br />
solvem testar sua pontaria, golpes <strong>de</strong><br />
karatê, ou po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um chute <strong>de</strong> "ma-<br />
cho" na cara do pobre coitado que foi<br />
pego. Chegando ao absurdo <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>-<br />
rem um ladrão por uma semana, numa<br />
casa <strong>de</strong>socupada (<strong>de</strong>les) para ser tortu-<br />
rado; ou ainda o próprio patriarca que<br />
<strong>de</strong> revólver em punho <strong>de</strong>sfila pela pra-<br />
ça. Os abusos cometidos por esses<br />
"<strong>de</strong>fensores da paz e/ou do patrimô-<br />
nio" não <strong>de</strong>ixa nada a <strong>de</strong>sejar às ações<br />
da polícia, que quando chega por lá<br />
consegue enfileirar <strong>de</strong> 20 a 30 menores<br />
para colocar no camburão, puxando pe-<br />
los cabelos, batendo no rosto, que-<br />
brando o nariz, a boca e assim por<br />
diante. E a comunida<strong>de</strong> local lembra<br />
saudosa <strong>de</strong> um torturador que chegava<br />
quebrando pra valer a moçada, e que<br />
nunca mais apareceu por lá.<br />
Auda Tavares.<br />
Fica a pergunta: a quem recor-<br />
rer? A quem <strong>de</strong>nunciar?<br />
A Constituição já garante direi-<br />
tos humanos fundamentais nas ruas,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988. No entanto, inconstitucio-<br />
nalida<strong>de</strong> e impunida<strong>de</strong> são dois princí-<br />
pios que permeiam e reforçam os atos<br />
<strong>de</strong> violência.<br />
Do relatório da Anistia Interna-<br />
cional^ revista "Istoé/Senhor" divulga<br />
na matéria "Outra vez. Brasil", a se-<br />
guinte <strong>de</strong>núncia: que "a tortura no<br />
Brasil é endêmica e que integrantes da<br />
polícia admitem tratar-se <strong>de</strong> uma das<br />
principais técnicas para solucionar<br />
crimes". Nos parece que a tese não tem<br />
como únicos <strong>de</strong>fensores integrantes da<br />
polícia, e, como já <strong>de</strong>u para observar,<br />
existem mais pessoas empenhadas nes-<br />
ta prática. E a conivência das autorida-<br />
<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>ixa nenhuma dúvida diante<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações do tipo: "Por que este<br />
<strong>de</strong>staque todo para o espancamento <strong>de</strong><br />
um marginal?" Pergunta proferida por<br />
uma autorida<strong>de</strong> local, conhecida <strong>de</strong> to-<br />
dos nós, quando questionado sobre<br />
<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> tortura.<br />
LIVROS:<br />
COMISSÃO DE FABRICA E TRABALHADORES NA<br />
INDÚSTRIA, <strong>de</strong> Iran Jácome Rodrigues*, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Editora Cortez/FASE.<br />
Leõncio Martins Rodrigues<br />
Em fins da década <strong>de</strong> 70, gran<strong>de</strong><br />
parte das greves da região do ABC pau-<br />
lista que assinalaram o retorno da classe<br />
trabalhadora à política brasileira foi di-<br />
rigida por um organismo relativamente<br />
novo no sindicalismo do país: as co-<br />
missões <strong>de</strong> fábrica. Algumas <strong>de</strong>ssas co-<br />
missões atuaram in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />
respectivo sindicato; outras mantiveram<br />
fortes contatos com o sindicato oficial.<br />
Esses novos organismos ,que às vezes<br />
atuavam na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, introduzi-<br />
ram um elemento <strong>de</strong> renovação <strong>de</strong> di-<br />
namismo não só no movimento sindical<br />
mas também em todo o sistema <strong>de</strong> ra-<br />
lações <strong>de</strong> trabalho brasileiro. Na medida<br />
em que as comissões que surgiram eram<br />
organismos não previstos na legislação<br />
sindical, sua atuação, à margem ou em<br />
colaboração com os sindicatos oficiais,<br />
a<br />
CUÍRA<br />
significou um elemento que tendia a mi-<br />
nar o mo<strong>de</strong>lo corporativo. As comissões<br />
<strong>de</strong> fábrica não necessariamente estavam<br />
subordinadas aos sindicatos oficiais. As-<br />
sim, abriam o caminho para um relacio-<br />
namento entre os trabalhadores e as em-<br />
presas que passava ao largo não apenas<br />
da estrutura sindical mas também do<br />
Ministério e da Justiça do Trabalho. As<br />
comissões <strong>de</strong> fábrica constituíram, <strong>de</strong>ste<br />
modo,um elementopertubador <strong>de</strong> todo<br />
o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho vigo-<br />
rante há muitos anos entre nós.<br />
O presente livro do Prof. Iran Já-<br />
come Rodrigues estuda uma das princi-<br />
pais experiências <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> co-<br />
missões <strong>de</strong> fábrica surgidas da movimen-<br />
tação operária ocorrida no Cobrar da<br />
década. Sua pesquisa, que analisa em<br />
<strong>de</strong>talhe o significado da comissão <strong>de</strong>fá-<br />
brica para a afirmação da dignida<strong>de</strong> dos<br />
trabalhadores <strong>de</strong> uma das principais<br />
montadoras do país, constitui um do-<br />
cumento essencial para a compreensão<br />
não só <strong>de</strong> um importante momento da<br />
trajetória <strong>de</strong> nosso sindicalismo como<br />
também dos problemas e dilemas que<br />
envolvem a atuação <strong>de</strong> uma comissão<br />
<strong>de</strong> fábrica.<br />
(■) Iran Jácome Rodrigues nasceu em Rio Branco-Acre. em<br />
1949 É formado em Ciências Sociais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo on<strong>de</strong> também obteve o titulo <strong>de</strong> mestre em Ciência Políti-<br />
ca. Atualmente faz o doutorado em Sociologia por esta mesma<br />
Universida<strong>de</strong>, É professor na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia e Admi<br />
nistraçáo da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo
DENÚNCIA:<br />
i ALBRÁS CONTAMINA MEIO AMBIENTE<br />
AO INICIAR PRODUÇÃO DA FASE II<br />
ODILENO RABELO MEIRELES.<br />
Doze mil homens da Construção<br />
Civil, contratados por empreiteiras, tra-<br />
balhando em ritmo acelerado na con-<br />
clusão da Fase II da fábrica <strong>de</strong> Barcare-<br />
na.<br />
Segundo <strong>de</strong>núncia dos trabalha-<br />
dores da Albrás, a empresa, para não<br />
atrasar o seu cronograma, iniciou o pro-<br />
cesso <strong>de</strong> produção da Fase II sem que o<br />
sistema <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> gases estivesse<br />
em operação.<br />
Além disso, na redução I (Proces-<br />
so Eletrolítico <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong><br />
Alumina em Alumínio), on<strong>de</strong> as cubas<br />
iío abertas, o sistema <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong><br />
gases já não vem funcionando, a<strong>de</strong>qua-<br />
damente há algum tempo.<br />
Em 15.05, a Técnica do DIESAT<br />
(Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estudos<br />
e <strong>Pesquisa</strong>s da Saú<strong>de</strong> e dos Ambientes<br />
<strong>de</strong> Trabalho), entida<strong>de</strong> que assessora o<br />
Sindicato dos Metalúrgicos do Pará, que<br />
tem o acesso às instalações da empresa<br />
garantido a qualquer momento, por for-<br />
ça do Acordo Coletivo da categoria,teve<br />
a entrada impedida pela gerência da fá-<br />
brica, que alegou não ser "momento pa-<br />
ra a realização do trabalho",porque a<br />
produção não se encontrava estabiliza-<br />
da, o que comprova que algo <strong>de</strong> muito<br />
estranho está ocorrendo no interior da<br />
fábrica, e que a empresa <strong>de</strong>sejava man-<br />
ter a situação oculta.<br />
A pressa em produzir a qualquer<br />
custo vem trazendo danos irreversíveis<br />
aos trabalhadores e ã produção da re-<br />
gião.<br />
Em algumas áreas, na direção dos<br />
ventos dominantes, as emissões <strong>de</strong> gases<br />
e materiais particulados, principalmente<br />
fluoretos, têm reduzido a níveis insignifi-<br />
cantes importante fonte <strong>de</strong> renda da po-<br />
pulação local - a'ativida<strong>de</strong> extrativista,<br />
em especial a da pupunha, que apodrece<br />
no pé, cheia <strong>de</strong> manchas negras, ficando<br />
impossibilitada a sua comercialização.<br />
Além disso, a lavoura em São<br />
Francisco do Con<strong>de</strong> está seriamente<br />
comprometida, porque apenas raízes em<br />
plantas rasteiras têm <strong>de</strong>senvolvimento<br />
normal. '<br />
Os trabalhadores, especialmeríte<br />
os envolvidos em tarefas mais pesadas,<br />
são tratados como peças <strong>de</strong>scartáveis.<br />
Uma vez gastos, quando sobrevivem, são<br />
atirados à margem e repostos.<br />
Em uma semana foram <strong>de</strong>mitidos<br />
cinco trabalhadores doentes do setor <strong>de</strong><br />
redução - todos com doenças causadas<br />
pelas péssimas condições <strong>de</strong> trabalho.<br />
Estes companheiros jamais en-<br />
contrarão outro emprego com as garan-<br />
tias trabalhistas respeitadas e a Pre-<br />
vidência Social não lhes garante qual-<br />
quer compensação.<br />
São homens jovens, todos com<br />
família, que serão obrigados a sobreviver<br />
na miséria, à custa <strong>de</strong> biscastes, sempre<br />
que a doença o permitir.<br />
Quando os trabalhadores come-<br />
çam a ser afastados repetidamente por<br />
doença, a empresa propõe um acordo:<br />
oferece-lhes três meses <strong>de</strong> salário para<br />
que aceitem a <strong>de</strong>missão sem criar pro-<br />
blemas.<br />
Assim, livra-se <strong>de</strong> "um peso mor-<br />
to", <strong>de</strong> "mão-<strong>de</strong>-obra que não produz''.<br />
Na gran<strong>de</strong> pressa <strong>de</strong> produzir -<br />
tocando a obra da Fase II noite e dia -<br />
onze trabalhadores da Construção Civil<br />
per<strong>de</strong>ram a vida - quatro nos últimos<br />
seis meses.<br />
Em 12 ou 13 <strong>de</strong> maio, mais um<br />
aci<strong>de</strong>nte grave vitimou dois trabalhado-<br />
res da Construção. Um <strong>de</strong>les encontra-se<br />
hospitalizado com 70% do corpo quei-<br />
mado.<br />
O Sindicato dos Metalúrgicos do<br />
Pará vem <strong>de</strong>nunciar a propaganda <strong>de</strong>-<br />
magógica da Albrás, <strong>de</strong>senvolvida<br />
através <strong>de</strong> pseudo-Benefícios Sociais<br />
Campanhas Milionárias <strong>de</strong> Segurança<br />
do Trabalho e Meio Ambiente, enquanto<br />
que na realida<strong>de</strong> enormes prejuízos vêm<br />
sendo causados à população local e aos<br />
trabalhadores.<br />
Os fluoretos são especialmente<br />
perigosos para crianças e adolescentes,<br />
pois, além <strong>de</strong> provocarem doenças respi-<br />
ratórias, causam <strong>de</strong>formações ósseas ir-<br />
reversíveis.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que esta situação<br />
alcançou o limite da tolerabilida<strong>de</strong>, o<br />
Sindicato dos Metalúrgicos do Estado do<br />
Pará, além <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong> imediato medi-<br />
das jurídicas cabíveis, está recebendo a<br />
solidarieda<strong>de</strong> das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Proteção<br />
da Saú<strong>de</strong> e Meio-Ambiente e <strong>de</strong> Defesa<br />
dos Direitos Humanos, no sentido <strong>de</strong><br />
discutir o encaminhamento <strong>de</strong> Ações<br />
Conjuntas <strong>de</strong> luta contra esses abusos.<br />
CUIRA
DOSSIÊ COLÔMBIA URGENTE<br />
SISAC<br />
O Serviço Informativo Sobre<br />
América Central - SISAC - acaba <strong>de</strong><br />
lançar o DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />
GENTE, que tem por objetivo divulgar<br />
no Brasil informações sobre a realida<strong>de</strong><br />
colombiana e promover a solidarieda<strong>de</strong><br />
com o povo <strong>de</strong>sse país.<br />
O DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />
GENTE <strong>de</strong>smistifica a fachada <strong>de</strong>mo-<br />
crática que os governos tentaram su-<br />
cessivamente passar para a comunida<strong>de</strong><br />
internacional, aprofunda o problema<br />
do narcotráfico, <strong>de</strong>nuncia a sistemática<br />
violação dos direito humanos, revela<br />
um movimento popular muito atuante<br />
e freqüetemente reprimido com ex-<br />
8<br />
PORÃO CULTURAL<br />
ÇTM você é o ator<br />
proposta do Po ^°- dor Lemos<br />
l^K^—SoeDom<br />
Pedro, bem perto da Praç^<br />
Brasil) ou ligue praUNIPO^n<br />
224-9074.<br />
xmri! VAI VER COMO<br />
IwAPARTICIPAÇAO<br />
IMWTO ESPECIAL<br />
CUÍRA<br />
Ca<strong>de</strong>rnos SISAC n 0 2, SISAC, São Paulo, 1990,<br />
Ilustrado, 21,5 x 31,5 cm, 146 páginas.<br />
trema violência, mostra o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento dos grupos paramilitares e como<br />
prestam serviços ao Estado e ao narco-<br />
tráfico, percorre a trajetória da Igreja<br />
institucional e da Igreja dos Pobres,<br />
apresenta as organizações partidárias e<br />
guerrilheiras colombianas e termina<br />
com uma análise <strong>de</strong> conjuntura.<br />
Este profundo trabalho <strong>de</strong> pes-<br />
quisa acaba por revelar-nos um país<br />
<strong>de</strong>sconhecido e calado à força. Um país<br />
com problemas <strong>de</strong> extrema complexi-<br />
da<strong>de</strong> e difícil solução. Um povo que<br />
busca na paz a saída para a sua crise e<br />
necessita da solidarieda<strong>de</strong> internacio-<br />
nal para ajudá-lo a conquistá-la.<br />
O DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />
GENTE, publicado pelo SISAC, com a<br />
colaboração do Comitê <strong>de</strong> Soladarie-<br />
da<strong>de</strong> com a Colômbia, po<strong>de</strong> ser adqui-<br />
rido no seguinte en<strong>de</strong>reço:<br />
SISAC : Rua Professor Sebastião Soares <strong>de</strong> Faria, 57 - 6 o andar<br />
01317 - São Paulo - SP - Brasil - Tel.: (011) 284-6220<br />
Caixa-Poslal 65.031 - CEP 01390 - Sáo Paulo ■ SP<br />
PREÇO: 9 BTN F (individual)<br />
12 BTN F (entida<strong>de</strong>)<br />
:Co.- , y inI Cuinchar: "v^e<br />
cuwha» lu- r;a '' irr;t3noo uma vara <strong>de</strong><br />
f0meS. A Danr., p 835 v. crueíM Ui.<br />
. - , . -rvi !t!r ; V ' o'oi-- - ■' ^<br />
eu n^*^" 11 -• i r «, «rjK V «nhuma.<br />
cyipuna. lOo U-O' .<br />
^'"^^Ad^K^as.. Am/- Q^ "ào pâ^<br />
rrx^----- : " re
PEÇA AS PUBLICAÇÕES<br />
Esta seqüência dos Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong><br />
Formação Política da UNIPOP foi<br />
produzido pelos participantes do<br />
Curso Básico/90 em exercício prático<br />
<strong>de</strong> compreensão do conteúdo <strong>de</strong>ba-<br />
tido.<br />
Este trabalho visa oferecer auxilio<br />
a monitores e li<strong>de</strong>ranças na dis-<br />
cussão sobre a evolução da estrutu-<br />
ra social e na formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong><br />
base.<br />
DA UNIPOP<br />
ATENÇÃO: NO caso <strong>de</strong> pedidos em ata-<br />
cado para entida<strong>de</strong>s, aceitamos popos-<br />
tas.<br />
UNIPOP - Av. Senador Lemos, 557 - CEP 66020 ■ Cx.<br />
Postal 1098 - Belém-Pará Fone: (091)224-9074<br />
1 Desejo receber as publicações indicadas abaixo,<br />
J e para isso segue cheque em nome da Unipop.<br />
1<br />
1 Cód.<br />
1 Dhs<br />
O livro Momento Novo <strong>de</strong> Canto e<br />
Luta reúne 197 cantos surgidos nas<br />
igrejas e na música popular brasilei-<br />
ra. Inclue ainda poesias, citações,<br />
ilustrações e fotografias.<br />
CANTOS ECUMÊNICOS<br />
Momento<br />
Novo <strong>de</strong><br />
Canto e Luta<br />
A minha boca se<br />
escancara alegre<br />
contra meus inimigos<br />
I Sam 2.1<br />
Núcleo <strong>de</strong> Estudos Ecumênicos<br />
Instituto Universida<strong>de</strong> Popular<br />
L002<br />
Fnri TPI<br />
1 Cheque NP Banco/Ag.:<br />
C005 - Socieda<strong>de</strong> Pnm t a '" Cr$ 2 00,<br />
C006 - Sociedari* ^ mrt,Va " «>$ 200<br />
C0 08 - Socieda<strong>de</strong> can> a ■' Cr$ 20 0.<br />
-r—____ e Ca P"a/.sta - Cr$200<br />
■ .
ECOLOGIA<br />
Amazônia: Integração,<br />
Caos e Violência.<br />
Caracterizado por brutal<br />
agressão ambiental, social e<br />
humana, o ufamsticamente<br />
<strong>de</strong>nominado processo <strong>de</strong> in-<br />
tegração da Amazônia brasileira,<br />
<strong>de</strong>liberadamente colocada à mar-<br />
gem <strong>de</strong> fatos e acontecimentos que<br />
fazem a história <strong>de</strong> nosso país, não<br />
passa <strong>de</strong> insensatez ou insanida<strong>de</strong><br />
total e absoluta dos seus i<strong>de</strong>alizado-<br />
res e executores.<br />
A longa expectativa <strong>de</strong> to-<br />
do o povo brasileiro por uma inte-<br />
gração harmoniosa, está sendo frus-<br />
trada em todos os aspectos por essa<br />
verda<strong>de</strong>ira anexação forçada e exe-<br />
cutada a ferro e fogo. Falando-se<br />
em respeitar não só a natureza da<br />
região, que seria o FUTURO CE-<br />
LEIRO DO MUNDO E BERÇO<br />
DE CIVILIZAÇÕES, como<br />
também valores culturais ainda pra-<br />
ucamente <strong>de</strong>sconhecidos em sua<br />
imensa maioria, o <strong>de</strong>sperdício pare-<br />
ce ser a norma obrigatória da tão<br />
esperada integração. Sonho este<br />
acalentado ao longo dos séculos, a<br />
partir da viagem exploratória do<br />
conquistador espanhol Francisco<br />
Orellana e <strong>de</strong> seus companheiros,<br />
que se diziam empenhados na busca<br />
não só do PAÍS DA CANELA, do<br />
REINO DO ELDORADO e, quem<br />
sabe, do IMPÉRIO DAS AMA-<br />
ZONAS, quando na realida<strong>de</strong> tudo<br />
leva a crer que estavam apenas na<br />
procura do metal dourado que vem<br />
enlouquecendo os homens ao longo<br />
dos tempos.<br />
A partir daí, a não ser o<br />
inimaginável furor predatório <strong>de</strong><br />
agora, nada parece haver mudado.<br />
A avi<strong>de</strong>z do lucro imediato continua<br />
representando estímulo maior da<br />
ocupação da "REGIÀO ESPLEN-<br />
DOROSA". Só que as <strong>de</strong>nominadas<br />
"drogas do sertão" <strong>de</strong> outrora, que<br />
estimularam piratas, bucaneiros,<br />
10<br />
CUÍRA<br />
O pulmão do ntundo fl<br />
,tP. resistindo ^ P rus __A,l7 na<br />
busco do te "'"L .fc wcgmçoo-<br />
P meKiemataam
amazônidas, assim como outros<br />
exemplares da fauna, alguns sob<br />
ameaça <strong>de</strong> extinção. Gigantescos<br />
projetos graciosamente rotulados <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimentistas na realida<strong>de</strong><br />
não passam <strong>de</strong> focos <strong>de</strong> problemas,<br />
pela incrível capacida<strong>de</strong> predatória<br />
que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam.<br />
Supermineradoras retiram<br />
bens naturais e apenas uma <strong>de</strong>las se<br />
assenhoreou <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10% do ter-<br />
ritório nacional, exatamente on<strong>de</strong><br />
se situam as maiores reservas <strong>de</strong> di-<br />
ferentes minérios do mundo inteiro.<br />
Em recente e rápida visita<br />
que fez ao Projeto Gran<strong>de</strong> Carajás,<br />
o Presi<strong>de</strong>nte da República elogiou<br />
fartamente o empreendimento, <strong>de</strong>s-<br />
conhecendo publicações técnico-<br />
científicas do Instituto <strong>de</strong> Desenvol-<br />
vimento Econômico e Social do Es-<br />
tado do Pará, assim como parecer<br />
<strong>de</strong> técnico <strong>de</strong> po<strong>de</strong>roso banco in-<br />
ternacional que patrocina a obra fa-<br />
raônica , dando como praticamente<br />
inviável a empreitada, publicado em<br />
todos os jornais do país, reforçando<br />
a opinião dos técnicos do IDESP.<br />
Servindo como pólo <strong>de</strong><br />
atração, esses verda<strong>de</strong>iros enclaves<br />
nacionais ou multinacionais, são ro-<br />
<strong>de</strong>ados por verda<strong>de</strong>iros cinturões <strong>de</strong><br />
miséria e <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação, com a frágil<br />
argumentação <strong>de</strong> que seriam gera-<br />
dores <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> empregos,<br />
quando na realida<strong>de</strong>, retiram o ho-<br />
mem da região do seu local <strong>de</strong> vida,<br />
trabalho e alimentação, transfor-<br />
mando-o peões e migrantes, para a<br />
periferia dos centros populacionais<br />
maiores, tornando as cida<strong>de</strong>s<br />
amazônicas praticamente inadminis-<br />
tráveis. Tais enclaves acabam apre-<br />
sentando as características <strong>de</strong> alie-<br />
nação à cultura e à realida<strong>de</strong> regio-<br />
nal, com todas as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
cida<strong>de</strong> fortificada, on<strong>de</strong> a separação<br />
em categorias, i<strong>de</strong>ntifica na Amazô-<br />
nia brasileira, uma espécie <strong>de</strong> "apa-<br />
rheid caboclo".<br />
Vale lembrar que a Serra<br />
dos Camarões, da Mineração Vale<br />
do Rio Doce, alar<strong>de</strong>ada como áas<br />
maiores minas, não só do país, como<br />
do mundo inteiro, nem sequer pos-<br />
sui cemitério e, nos casos <strong>de</strong> óbito<br />
do escalão superior, seus restos<br />
mortais são encaminhados <strong>de</strong> volta<br />
para o lugar <strong>de</strong> origem e os <strong>de</strong> nível<br />
inferior são sepultados nas comuni-<br />
da<strong>de</strong>s periféricas ao projeto.<br />
A construção <strong>de</strong> uma fer-<br />
rovia <strong>de</strong> Carajás a Itaqui, na costa<br />
do Maranhão, com aproximadamen-<br />
te 1.000 km <strong>de</strong> extensão, <strong>de</strong>u como<br />
resultante gigantesca <strong>de</strong>vastação<br />
que se per<strong>de</strong> na linha do horizonte<br />
<strong>de</strong> cada lado da ferrovia ,que trans-<br />
portou, somente no ano passado, 33<br />
milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> minério <strong>de</strong><br />
ferro para fora da região.<br />
O complexo si<strong>de</strong>rúrgico,<br />
ainda em construção, <strong>de</strong> ferro-guza<br />
que usa exclusivamente carvão ve-<br />
getal da mata nativa, já se caracteri-<br />
za como <strong>de</strong> alta predação e, o que é<br />
muito mais grave, fez retirar dos<br />
seus lugares <strong>de</strong> origem e produção<br />
<strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> alimento, milhares<br />
<strong>de</strong> migrantes,,que em ativida<strong>de</strong> diu-<br />
turna estão violentando sua própria<br />
saú<strong>de</strong> nesse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, ,que é<br />
e xeculada sem nenhuma proteção,<br />
ao mesmo tempo que os responsá-<br />
veis por essa situação trágica pro-<br />
curam ludibriar a opinião pública<br />
nacional e internacional, afiançando<br />
em relatórios suntuosos ou <strong>de</strong>cla-<br />
rações habilmente feitas que o<br />
combustível dos fornos seria res-<br />
tos <strong>de</strong> serrarias. Neste particular,<br />
outra violentação ambiental,<br />
econômica e social po<strong>de</strong> ser idcnli-<br />
ficada com extrema facilida<strong>de</strong> c diz<br />
respeito a <strong>de</strong>rrubada da castanheira<br />
para exportação da ma<strong>de</strong>ira.<br />
"Não respeitando a cultura<br />
e a realida<strong>de</strong> regional, os<br />
gran<strong>de</strong>s projetos produzem<br />
cida<strong>de</strong>s fortificadas on<strong>de</strong> a<br />
separação em categorias<br />
i<strong>de</strong>ntifica na Amazônia bra-<br />
sileira uma espécie <strong>de</strong><br />
apartheid caboclo."<br />
apesar <strong>de</strong> ser espécime silvestre,<br />
gran<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong> divisas, imune<br />
ao corte por Decreto Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Com vistas à produção e,<br />
principalmente, exportação <strong>de</strong> hi-<br />
dróeletricida<strong>de</strong>, a construção das gi-<br />
gantescas e faraônicas i hidrelétricas<br />
representam agressão brutal e preo-<br />
cupante, além <strong>de</strong> incríveis erros da<br />
engenharia nacional, como foi o ca-<br />
so reconhecido publicamente pelo<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República em relação<br />
a Balbina ,no rio Uatumã, no Estado<br />
do Amazonas, on<strong>de</strong> um arremedo<br />
<strong>de</strong> centro <strong>de</strong> pesquisas está sendo<br />
construído.<br />
Cortando um dos maiores<br />
rios do mundo <strong>de</strong> margem a mar-<br />
gem, a hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí, no<br />
Estado do Pará, resultou em severo<br />
problema social e humano, no cha-<br />
mado Baixo Tocantins paraense. Os<br />
i<strong>de</strong>alizadores e construtores da hi-<br />
drelétrica, por <strong>de</strong>sconhecimento,<br />
ignoram a fauna aquática e o pró-<br />
prio ribeirinho, na ânsia <strong>de</strong> produzir<br />
eletricida<strong>de</strong>, principalmente para a<br />
indústria <strong>de</strong> alumínio da Albrás, no<br />
município <strong>de</strong> Barcarena, às proxi-<br />
mida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Belém. E, a partir do fe-<br />
chamento da represa, o alimento tí-<br />
pico do ribeirinho está diminuindo<br />
sensivelmente, em quantida<strong>de</strong> e ta-<br />
manho, uma vez que outras espécies<br />
não conseguem atravessar a barrei-<br />
ra <strong>de</strong> concreto e aço. O mapará,<br />
alimento do dia-a-dia, que em anos<br />
anteriores chegava a ser exportado,<br />
para fora do Estado, está <strong>de</strong>sapare-<br />
cendo Irapidamenle, tal qual a pi-<br />
ramulaba na foz e o camarão rosa<br />
na costa norte, levando a um estado<br />
<strong>de</strong> fome que é hoje encontradiço<br />
em milhares e milhares <strong>de</strong> (amazôni-<br />
das ribeirinhos.<br />
Outro problema sumamen-<br />
te grave e que nem sequer vem sen-<br />
do consi<strong>de</strong>rado pelas autorida<strong>de</strong>s<br />
chamadas "competentes", a não ser<br />
com medidas inóquas, é a poluição<br />
dos rios que já está em pleno anda<br />
mento-nãosó nos chamados rios <strong>de</strong><br />
ouro, como nos lugares <strong>de</strong> queima<br />
do minério amarelo e das minas <strong>de</strong><br />
terra firme.<br />
Até mesmo rios gigantes-<br />
cos, como conseqüência da mine-<br />
ração <strong>de</strong>senfreada nas margens e no<br />
leito, apresentam poluição física, re-<br />
sultante das dragas e das bombas,<br />
' li<br />
CUÍRA
modificando a própria biologia <strong>de</strong>s-<br />
ses cursos d'água, que complemen-<br />
tam outro aspecto muito mais grave<br />
e <strong>de</strong> difícil solução que é a ativida<strong>de</strong><br />
garimpeira, uma vez que nem o nú-<br />
mero correto <strong>de</strong> garimpeiros chega<br />
a ser conhecido e - pelas infor-<br />
mações variam <strong>de</strong> 600 mil a 2 mi-<br />
lhões. Outro aspecto altamente ne-<br />
gativo da mineração na Amazônia,<br />
afora o contrabando, que parece ser<br />
permitido, é o uso do mercúrio para<br />
separar, por lavagem ou queima, o<br />
ouro do amálgama. Através da res-<br />
piração ou da alimentação, uma vez<br />
que nos cursos d'água o azougue,<br />
como é também chamado, entra na<br />
ca<strong>de</strong>ia alimentar. A doença <strong>de</strong> Mi-<br />
namata, já foi diagnosticada e a<br />
catástrofe, a doença do mercúrio, a<br />
consi<strong>de</strong>rar o que já ocorreu não só<br />
no Japão, como em outros países, já<br />
"O alimento típico do ribei-<br />
rinho está diminuindo<br />
sensivelmente, uma vez que<br />
outras espécies não conse-<br />
guem atravessar a barreira<br />
<strong>de</strong> concreto e aço que é a<br />
hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí."<br />
está em andamento. Até o momen-<br />
to, qualquer iniciativa para impedir<br />
o surgimento catastrófico da doença<br />
do mercúrio ou <strong>de</strong> Minamata, é me-<br />
ramente simbólico, apesar das cons-<br />
tantes, contun<strong>de</strong>ntes e angustiantes<br />
<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> técnicos nacionais e<br />
internacionais e, particularmente,<br />
<strong>de</strong> integrantes do grupo <strong>de</strong> trabalho<br />
da Comissão Executiva <strong>de</strong> Meio<br />
Ambiente da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Pará e da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Preser-<br />
vação dos Recursos Naturais c Cul-<br />
turais da Amazônia (SOPREN).<br />
A <strong>de</strong>vastação da mata ciliar<br />
e as doenças, principalmente a cha-<br />
mada malária garimpeira, campeiam<br />
livremente nos garimpos da<br />
Amazônia brasileira, agravadas, re-<br />
centemente, com o esvaziamento da<br />
superitendência <strong>de</strong> campanhas.<br />
12<br />
CUIRA<br />
A trágica história da árvore<br />
da borracha, já ultrapassando dois<br />
séculos <strong>de</strong> existência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi<br />
retirada com permissão governa-<br />
mental e levada do Tapajós para<br />
dar origem aos seringais nativos do<br />
su<strong>de</strong>ste asiático, via Museu Botâni-<br />
co <strong>de</strong> Londres, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra-<br />
da causa básica e fundamental <strong>de</strong><br />
toda essa catástrofe, talvez sem pa-<br />
ralelo na história da humanida<strong>de</strong>, a<br />
continuar com a impetuosida<strong>de</strong> co-<br />
mo vem se <strong>de</strong>senvolvendo, <strong>de</strong> nada<br />
adiantando as tímidas argumen-<br />
tações governamentais <strong>de</strong> que a<br />
<strong>de</strong>vastação até agora levada a cabo<br />
representa mo<strong>de</strong>sta cicatriz no seio<br />
da mata amazônica.<br />
Os dados <strong>de</strong>sencontrados<br />
sobre o percentual já <strong>de</strong>vastado são<br />
outra face da <strong>de</strong>sinformação exis-<br />
tente, talvez <strong>de</strong>liberadamente, para<br />
encobrir ou mesmo mascarar algu-<br />
ma informação que justifique <strong>de</strong>sa-<br />
certo <strong>de</strong> tal envergadura. E preciso<br />
consi<strong>de</strong>rar que a própria concei-<br />
tuação <strong>de</strong> Região Amazônica brasi-<br />
leira se presta a confusões, uma vez<br />
que a chamada Amazônia Clássica<br />
ou Região Norte abrange perto <strong>de</strong><br />
3 milhões <strong>de</strong> quilômetros quadrados<br />
e a Amazônia dita Legal, resultante<br />
<strong>de</strong> Decreto governamental, no iní-<br />
cio dos anos 50, alarga essa ex-<br />
tensão para 5 milhões <strong>de</strong> Km2<br />
abarcando terras do nor<strong>de</strong>ste situa-<br />
das no Maranhão e amplas ex-<br />
tensões do <strong>Centro</strong>-Oeste, represen-<br />
tadas por Mato Grosso e Goiás.<br />
Mais recentemente, a inclusão do<br />
Estado do Tocantins dificulta me-<br />
lhor compreensão da Amazônia<br />
Brasileira.<br />
A ampliação da região<br />
amazônica resultou <strong>de</strong> artifícios<br />
políticos, que originaram verda<strong>de</strong>i-<br />
ros super-ministérios, através dos<br />
chamados incentivos fiscais, que<br />
acabaram criando na área <strong>de</strong> in-<br />
fluência da Amazônia Legal uma si-<br />
tuação verda<strong>de</strong>iramente caótica, <strong>de</strong>-<br />
senca<strong>de</strong>ando todo um processo <strong>de</strong><br />
corrupção,, praticamente incon-<br />
trolável, estimulando instrumentos<br />
predadores, cuja priorida<strong>de</strong> parece<br />
ser a da pecuária, existindo hoje<br />
mais <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong><br />
solos <strong>de</strong>gradados.<br />
O surto rodoviário a partir<br />
da super-estrada Belém-Brasília foi<br />
outro mecanismo predador <strong>de</strong> ex-<br />
cepcional importância, pois através<br />
<strong>de</strong>le a colonização <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada<br />
acabou funcionando como instru-<br />
mento <strong>de</strong> uma agressão <strong>de</strong> inquie-<br />
tante eficiência e, a especulação <strong>de</strong><br />
terra alcança índices surpreen<strong>de</strong>n-<br />
tes, atingindo terras indígenas e <strong>de</strong><br />
moradores tradicionais, além daque-<br />
las do Estado.<br />
O resultado mais imediato<br />
da situação caótica por que atraves-<br />
sa a Amazônia brasileira é a violên-<br />
cia, particularmente no sul do Pará,<br />
chegando a repercutir no exterior e<br />
diferenciando-se das quadrilhas or-<br />
ganizadas que atuam no Rio <strong>de</strong> Ja-<br />
neiro, São Paulo e Minas, por serem<br />
grupos armados por gran<strong>de</strong>s pro-<br />
prietários <strong>de</strong> terra.<br />
Todas as evidências indi-<br />
cam ser a Amazônia não só passa-<br />
gem do narcotráfico, mas também<br />
como produção, comercialização, e<br />
uso <strong>de</strong> droga em seus principais<br />
centros urbanos e área <strong>de</strong> interiora-<br />
nos.<br />
A migração do homem ru-<br />
ral, expulso <strong>de</strong> sua terra em busca<br />
<strong>de</strong> melhores dias, cria severos pro-<br />
blemas administrativos nas comu-<br />
nida<strong>de</strong>s amazônicas <strong>de</strong> todos os por-<br />
tes, <strong>de</strong>smantelando as ativida<strong>de</strong>s bá-<br />
sicas do hileiano.<br />
Excluindo os chamados<br />
brazilianista" ou seja, estrangeiros<br />
que se <strong>de</strong>dicam a escrever ou rees-<br />
crever a história do Brasil e da<br />
Amazônia, já é possível i<strong>de</strong>ntificar<br />
um tipo <strong>de</strong> literatura <strong>de</strong> lavra <strong>de</strong><br />
pretensos conhecedores da região,<br />
que, confundindo a opinião pública<br />
nacional e internacional, conse-<br />
gue promover seus responsáveis,<br />
caracterizando uma espécie <strong>de</strong> co-<br />
lonialismo sumamente <strong>de</strong>sconfor-<br />
tante e altamente predador, uma<br />
vez que seus autores arvoram-se a<br />
porta-vozes <strong>de</strong> problemas que prati-<br />
camente <strong>de</strong>sconhecem.<br />
Camillo Vianna, Vice reitor da UFPa presi<strong>de</strong>nte da SOPREN<br />
(Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Preservação dos Recursos Naturais s Culturais<br />
da Amazônia)
m\<br />
=ss^^^^^?<br />
U^NOO SOAS ^'NAÔ.<br />
A ONiPOP busCA (W<br />
eôSA CAMPANHA (
A Amazônia é um verda<strong>de</strong>iro<br />
mundo na América do Sul.<br />
Abrange uma imensa área <strong>de</strong><br />
floresta tropical que inclui to-<br />
da a região norte do Brasil e partes da<br />
Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela,<br />
Guiana, Suriname e Guiana Francesa.<br />
Perfaz 2/5 da superfície da América do<br />
Sul, com 6,5 milhões <strong>de</strong> km^ , ou 1/3 da<br />
reserva mundial <strong>de</strong> florestas tropicais.<br />
É a vigésima parte da Terra. A<br />
Amazônia continental é responsável<br />
por 1/5 da disponibilida<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong><br />
água doce.<br />
Números por <strong>de</strong>mais<br />
eloqüentes. O que se escon<strong>de</strong> por <strong>de</strong>-<br />
trás <strong>de</strong>les ?<br />
A Amazônia é um mundo <strong>de</strong><br />
água e florestas. Um mundo integrado<br />
ecologicamente e auto-sustentado por<br />
um ciclo <strong>de</strong> águas tão bem estudado<br />
pelos ecologistas do Instituto Max<br />
Plank ou por Herbert Schubart. Nela<br />
provavelmente vamos encontrar a<br />
maior riqueza mundial em espécies <strong>de</strong><br />
fauna c flora reunidas num mesmo<br />
ecossistema.<br />
A parte brasileira da Amazô-<br />
nia, a partir <strong>de</strong> 1966, passou a ser obje-<br />
to <strong>de</strong> uma ação governamental e ga-<br />
nhou por isso novo nome e nova<br />
abrangência. Aos 3,5 milhões <strong>de</strong> km 2<br />
da região norte, o governo anexou todo<br />
o atual estado <strong>de</strong> Mato Grosso, parte<br />
<strong>de</strong> Goiás (o atual Tocantins), e parte<br />
do Maranhão. A região <strong>de</strong>nominada<br />
oficialmente Amazônia Legal alcança<br />
uma extensão <strong>de</strong> aproximadamente 5<br />
milhões <strong>de</strong> km2 , isto é, 2/3 da superfí-<br />
cie do Brasil.<br />
Diante <strong>de</strong>sta vastidão, nos<br />
sentimos pequenos.<br />
Mas o que importa <strong>de</strong>stacar<br />
aqui c outra coisa. Ao contrário do que<br />
dizia um general da ditadura militar<br />
que se implantou no Brasil cm 1%4 -<br />
'Ama/.ônia:tcrra sem homens"-, esta<br />
região tão pródiga se lornou ao longo<br />
<strong>de</strong> milhares c milhares <strong>de</strong> anos o habi-<br />
tai <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> povos. Es-<br />
tes povos por muito lempo viveram, do<br />
14<br />
CUÍRA<br />
DIREITOS HUMANOS<br />
índios:<br />
Pelo Direito à Vida<br />
seu modo, felizes. Desenvolveram téc-<br />
nicas e formas <strong>de</strong> organização social<br />
perfeitamente a<strong>de</strong>quadas ao meio am-<br />
biente tropical da floresta, domestican-<br />
do plantas, animais, encontrando so-<br />
luções apropriadas para a vida na flo-<br />
resta. Assim, este espaço vital foi se<br />
transformando pela ação paciente <strong>de</strong>s-<br />
tes povos em espaço cultural, mítico,<br />
sagrado.<br />
Roberto Zwetsch<br />
Numerosos são também os Tukano,do<br />
Alto Rio Negro(AM).<br />
Há, porém, povos mais redu-<br />
zidos .como os Kulina^do Acre e sul do<br />
Amazonas, com 2500, ou os Deni (AM),<br />
do baixo Purus, com 900.<br />
Por fim, temos povos quase<br />
extintos, que foram reduzidos a 30/40<br />
pessoas, como os Enauenê Nauê(MT)<br />
e os Assurini(PA), ou os Munkú(MT).<br />
"Eu sou Yanomami - Nós Yanomami pensamos que o homem<br />
branco era bom pra nós. Agora eu estou vendo que é a última<br />
invasão da terra indígena, as outras já estão invadidas ... Os<br />
brancos só conhecem negócio e dinheiro. O nosso pensamento<br />
é a terra ... Nosso interesse é preservar a terra ... O branco não<br />
tem respeito pela natureza, ele não sabe o que é bom, ele tem<br />
que apren<strong>de</strong>r conosco."<br />
Davi Kopenawa - Prêmio Global 500/88.ONU<br />
Os Povos da Amazônia<br />
Os primeiros povos morado-<br />
res do espaço amazônico se per<strong>de</strong>m no<br />
tempo. Gran<strong>de</strong>s migrações vindas do<br />
Norte e do Oeste, provavelmente, fo-<br />
ram as responsáveis pelo primeiro po-<br />
voamento da região. Alguns arqueólo-<br />
gos já <strong>de</strong>scobriram ossadas <strong>de</strong> seres<br />
humanos datadas pelo processo do<br />
Carbono 14 em 400 mil anos. Portanto,<br />
ao falarmos <strong>de</strong> Amazônia, temos <strong>de</strong><br />
nos dar conta <strong>de</strong> que estamos diante <strong>de</strong><br />
culturas milenares.<br />
Hoje existem, pelo menos,<br />
200 diferentes povos que vivem na re-<br />
gião perfeitamente integrados ao meio<br />
ambiente e com razoável grau <strong>de</strong> auto-<br />
nomia, alguns mais,outros menos.<br />
A gran<strong>de</strong> maioria dos povos<br />
indígenas do Brasil se encontra na<br />
Amazônia. Encontramos lá populações<br />
relativamente numerosas como os Ma-<br />
kuxi(RR),com 15 mil indivíduos, os Ti-<br />
kuna do Alto Solimões(AM), com 18<br />
mil, ou os Yanomami(RR),com 9 mil.<br />
Muitos foram totalmente ex-<br />
tintos e <strong>de</strong>les sabemos, por vezes, ape-<br />
nas o nome ou nem isso. Uma perda<br />
humana e cultural irreparável, irreme-<br />
diável.<br />
Todos estes povos significam<br />
culturas, línguas, tradições, modos <strong>de</strong><br />
viver e se organizar, próprios, específi-<br />
cos, plenos <strong>de</strong> sentido e valor. É menti-<br />
ra da i<strong>de</strong>ologia dominante taxá-los <strong>de</strong><br />
bárbaros, ignorantes, preguiçosos, em-<br />
pencilhos para o progresso. Isto se en-<br />
sina, muitas vezes, ainda hoje em nos-<br />
sas escolas e se divulga pelos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa. Contra esta<br />
mentalida<strong>de</strong> etnocêntrica, nós estamos<br />
lutando. É preciso esclarecer a socie-<br />
da<strong>de</strong> e apresentar a outra versão es-<br />
quecida, dos fatos.<br />
A Invasão<br />
Sobretudo a partir da década<br />
<strong>de</strong> 70, a Amazônia passou a ser alvo <strong>de</strong><br />
uma violenta invasão provocada por
"Ao falarmos da Amazônia,<br />
temos <strong>de</strong> nos dar conta <strong>de</strong><br />
estarmos diante <strong>de</strong> culturas<br />
milenares".<br />
uma política governamental <strong>de</strong>libera-<br />
da. Tratava-se <strong>de</strong> fazer da Amazônia<br />
uma área <strong>de</strong> expansão do capitalismo<br />
brasileiro associado a grupos interna-<br />
cionais.<br />
Além disso, tida como espaço<br />
"vazio", a região <strong>de</strong>via cumprir um pa-<br />
pel especial: servir como receptora <strong>de</strong><br />
uma enorme massa <strong>de</strong> migrantes sem<br />
terra ou com pouca terra, além <strong>de</strong> pe-<br />
quenos comerciantes e especuladores,<br />
expulsos <strong>de</strong> outras regiões <strong>de</strong>vido ao<br />
brutal processo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> ter-<br />
ra e riquezas que se <strong>de</strong>senvolvia no<br />
país. A Amazônia serviu, portanto,<br />
como válvula <strong>de</strong> escape para as tensões<br />
sociais no Brasil. Quem sofreu foram<br />
os povos indígenas e os antigos mora-<br />
dores posseiros, que há muito habita-<br />
vam a floresta.<br />
Nessa onda avassaladora,<br />
muitas al<strong>de</strong>ias indígenas <strong>de</strong>saparece-<br />
ram. Casos como os dos Yanomami,<br />
Waimiri-Atroari, Assurini, Parakanã,<br />
Nambiquara são tristemente exempla-<br />
res. No trajeto da rodovia BR-280, a<br />
Perimctral Norte, numa extensão <strong>de</strong><br />
225 km, on<strong>de</strong> havia 15 al<strong>de</strong>ias Yano-<br />
mami,nos inícios dos 70, hoje só restam<br />
4 pessoas. Estima-se que só esta rodo-<br />
via ceifou pelo menos mil vidas dos<br />
Yanomami. Estes crimes não cessaram.<br />
Depois da invasão <strong>de</strong> 40 mil garimpei-<br />
ros na área Yanomami, há uns dois<br />
anos,temos informações <strong>de</strong> que morre-<br />
ram <strong>de</strong>vido a doenças e chacinas entre<br />
1500 a 2000 pessoas. O filme "Ouro em<br />
Roraima - Extinção dos Yanomami"<br />
(1989) documenta esta invasão com<br />
cenas terríveis. Trata-se <strong>de</strong> um verda-<br />
<strong>de</strong>iro massacre, um genocídio. Mais<br />
grave é que este crime está sendo prati-<br />
cado diante dos nossos olhos e da<br />
omissão das autorida<strong>de</strong>s.<br />
Há outros interesses. Alguns<br />
pesquisadores chamaram a Amazônia<br />
<strong>de</strong> o Inferno Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido aos perigos<br />
que abriga. Outros a trataram como o<br />
Paraíso Perdido. Entre ambas as ava-<br />
liações, temos um mundo <strong>de</strong> possibili-<br />
da<strong>de</strong>s. E o capitalismo predatório no<br />
Brasil não per<strong>de</strong>u tempo.<br />
As novas técnicas e máquinas<br />
utilizadas na <strong>de</strong>rrubada da floresta, os<br />
novos meios <strong>de</strong> comunicação e os<br />
transportes auxiliaram a forjar um pro-<br />
cesso extremamente rápido <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
truição entendido como "progresso".<br />
Tudo em nome do binômio "segurança<br />
e <strong>de</strong>senvolvimento" ,cunhado pelo re-<br />
gime militar e concretizado por gran-<br />
<strong>de</strong>s empresas capitalistas, nacionais e<br />
multinacionais.<br />
Os principais projetos que fa-<br />
zem parte <strong>de</strong>sta última investida contra<br />
a Amazônia incluem colonização, ex-<br />
tração <strong>de</strong> recursos florestais, sobretudo<br />
ma<strong>de</strong>ira, extração <strong>de</strong> minérios e proje-<br />
tos agropecuários.<br />
Menciono apenas alguns<br />
exemplos. O primeiro gran<strong>de</strong> Projeto<br />
recente foi, sem dúvida, o Projeto Jari,<br />
do magnata norte-americano Daniel<br />
Keith Ludwig. Ele se dizia dono <strong>de</strong> cer-<br />
ca <strong>de</strong> 3 milhões <strong>de</strong> hectares na foz do<br />
rio Amazonas ,em terras do Estado do<br />
Pará e do atual Amapá. Incluía plantio<br />
<strong>de</strong> arroz, fábrica <strong>de</strong> celulose, expor-<br />
tação <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e minérios. Só a mi-<br />
neração <strong>de</strong> caulim <strong>de</strong>u lucro. Todo o<br />
resto fracassou. E o governo brasileiro<br />
foi quem socorreu o milionário norte-<br />
americano num programa <strong>de</strong> "naciona-<br />
lização" que se tornou um verda<strong>de</strong>iro<br />
escândalo nacional, haja vista que<br />
quem pagou a conta foi o povo brasi-<br />
leiro, mas quem ficou com a priorida<strong>de</strong><br />
foram 22 grupos empresariais nacio-<br />
nais e, pasmem, o próprio Mr. Ludwig,<br />
como acionista indireto.<br />
"Mantido o ritmo, chegare-<br />
mos ao ano 2000 com 'feri-<br />
da' na floresta igual à su-<br />
perfície da França".<br />
Outro exemplo é o Programa<br />
Gran<strong>de</strong> Carajás (PGC), localizado no<br />
Pará. Naquela serra, foi encontrada<br />
uma das maiores jazidas <strong>de</strong> ferro do<br />
mundo, com um potencial <strong>de</strong> 20 bi-<br />
lhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> ferro e ainda<br />
manganês, cobre, alumínio, níquel, es-<br />
tanho e ouro.<br />
Todas estas riquezas não re-<br />
nováveis são para exportação,e os su-<br />
cessivos governos, <strong>de</strong>liberadamente,<br />
optaram por este caminho. "Exportar é<br />
a solução" é o lema dos tecnocratas..<br />
Aliás, tudo indica que há uma aliança<br />
tácita entre governo e gran<strong>de</strong>s grupos<br />
econômicos, <strong>de</strong> modo que os interesses<br />
se harmonizam - e dane-se o país e o<br />
povo. para exportar, o PGC cons-<br />
truiu uma estrada <strong>de</strong> ferro com 890km<br />
que vai da serra <strong>de</strong> Carajás até o porto<br />
<strong>de</strong> Ponta da Ma<strong>de</strong>ira, em São Luis do<br />
Maranhão. Como se podia prever, a es-<br />
trada cortou território indígena. Os<br />
Gavião precisaram obstruir a estrada<br />
para serem ouvidos pelo governo e re-<br />
ceberem in<strong>de</strong>nização pelos danos cau-<br />
sados.<br />
15<br />
CUÍRA
Afora outros problemas, um<br />
dos mais graves é a <strong>de</strong>struição que as<br />
usinas <strong>de</strong> ferro-gusa estão provocando<br />
ao longo <strong>de</strong> toda a estrada <strong>de</strong> ferro, ao<br />
utilizarem em seus fornos carvão vegetal.<br />
"Dos 5 mlffióes <strong>de</strong> índios do<br />
séc.XVI, hoje só restam 230<br />
mi^e 180 tribos diferentes no<br />
Brasff".<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> baratear<br />
custos, o carvão é produzido com a mar<br />
<strong>de</strong>ira das florestas próximas, o que já<br />
causou um <strong>de</strong>smatamento na região<br />
que tem provocado inclusive mudanças<br />
climáticas no regime <strong>de</strong> chuvas. Este<br />
caso é tão escandaloso que a pressão<br />
dos ambientalistas levou o atual Se-<br />
cretário <strong>de</strong> Meio Ambiente, Eng.José<br />
Lutzemberger, a fechar várias usinas<br />
porque elas se negavam a cumprir a <strong>de</strong>-<br />
terminação da lei ambiental que obriga<br />
o reflorestamento nas áreas <strong>de</strong>smaia-<br />
das, e com espécies nativas.<br />
Outro caso que merece<br />
atenção é o famoso Projeto JICA uma<br />
aliança entre os governos brasileirol e<br />
japonês para a exploração do serrado<br />
no Brasil Central ,com vistas à expor-<br />
tação <strong>de</strong> grãos para o Japão. Envolve<br />
uma área <strong>de</strong> 60 milhões <strong>de</strong> hectares.<br />
Dele faz parte a pavimentação e ex-<br />
tensão da rodovia BR-364, como aber-<br />
tura <strong>de</strong> uma saída para o Pacífico, o<br />
que encurtaria muito a distância para a<br />
Ásia. Outro exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação<br />
são as estradas. Philip Fearnsi<strong>de</strong>, pes-<br />
quisador do 1NPA - Instituto Na-<br />
cional <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s da Amazônia, fez<br />
um estudo sobre o impacto das estra-<br />
das no <strong>de</strong>smatamento do estado <strong>de</strong><br />
Rondônia e chegou a conclusões preo-<br />
cupantes. Ele mostra como o <strong>de</strong>sma-<br />
tamento é provocado pela abertura <strong>de</strong><br />
estradas, em função da colonização ofi-<br />
cial. As estradas são projetadas no pa-<br />
pel e não respeitam a topografia da re-<br />
gião, as áreas indígenas ou <strong>de</strong> antigos<br />
posseiros. Valem estritamente os inte-<br />
resses econômicos imediatistas do<br />
gran<strong>de</strong> capital. Fearnsi<strong>de</strong> ainda afirma<br />
que este <strong>de</strong>smatamento é crescente,<br />
<strong>de</strong>scontrolado, e sem nenhum critério<br />
seletivo. Um verda<strong>de</strong>iro absurdo, tanto<br />
econômico como ecológico. Sobretudo,<br />
16<br />
CUÍRA<br />
um crime humano contra os povos<br />
indígenas e os próprios migrantes utili-<br />
zados como ponta-<strong>de</strong>-lança <strong>de</strong> uma<br />
ocupação <strong>de</strong>senfreada e sem qualquer<br />
planejamento. Que o digam aqueles<br />
que já visitaram as novas cida<strong>de</strong>s nasci-<br />
das <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 70 em todo aquela<br />
estado.<br />
O único jeito <strong>de</strong> sustar este<br />
processo - aparentemente irreversível -<br />
seria impedir novos planos <strong>de</strong> coloni-<br />
zação e novas estradas, dificultando,<br />
por exemplo, que o Banco Mundial fi-<br />
nanciasse estas barbarida<strong>de</strong>s, como no<br />
Projeto POLONOROESTE. Só assim<br />
se conseguiria reter os migrantes nos<br />
seus locais <strong>de</strong> origem. Mas isto supõe<br />
que o governo teria, obrigatoriamente,<br />
<strong>de</strong> enfrentar a <strong>de</strong>manda por terras <strong>de</strong><br />
trabalho. O que significa realizar a Re-<br />
forma Agrária, num país on<strong>de</strong>, por esta<br />
causa, milhares <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res camponeses<br />
têm sido assassinados na última déca-<br />
da. No caso <strong>de</strong> Rondônia, a área <strong>de</strong>s-<br />
maiada já chega a 35.700 km^, isto é,<br />
14,7% do estado. Uma taxa muito ele-<br />
vada se consi<strong>de</strong>rarmos que isto ocorreu<br />
em apenas 15 anos !<br />
Há outro dado que no faz<br />
pensar. Desmataram-se, entre 75 e80,<br />
mais <strong>de</strong> 4,9 milhões <strong>de</strong> hectares e, entre<br />
78 e 80, mais <strong>de</strong> 4,2 milhões <strong>de</strong> hectares<br />
<strong>de</strong> vegetação natural na Amazônia, o<br />
que <strong>de</strong>monstra um ritmo anual <strong>de</strong> 1,8<br />
milhão <strong>de</strong> hectares/ano no qüinqüênio.<br />
Para comparar, isto signinca que na<br />
Amazônia se <strong>de</strong>smaia a cada 2 anos a<br />
área equivalente à superfície da Holan-<br />
da e ,mantido o ritmo, chegaremos ao<br />
ano 2000 com a "ferida" na floresta<br />
igual à superfície da França, o maior<br />
país da Europa <strong>de</strong>pois da URSS. Isto é<br />
grave para o Brasil empara o mundo in-<br />
teiro. Não é possível ficar passivo dian-<br />
te <strong>de</strong> tamanha sanha <strong>de</strong>struidora. Os<br />
governos, as Igrejas, todos os cidadãos<br />
conscientes do planeta precisam acor-<br />
dar e se íengajar na luta em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>s-<br />
se patrimônio comum contra o imedia-<br />
tismo capitalista predatório. Aquütra-<br />
ta-se <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> lesa:humanida<strong>de</strong>.<br />
Haveria ainda que falar dos<br />
Planos j'Energéticos; do Governo brasi-<br />
leiro, o Plano 2010, que prevê cons-<br />
trução <strong>de</strong> inúmeras hidrelétricas no<br />
país, 17 <strong>de</strong>las incidindo em áreas indí-<br />
genas. O maior erro técnico nesse par-<br />
ticular foi a construção <strong>de</strong> Balbina,<br />
uma hidrelétrica que fica ao norte <strong>de</strong><br />
Manaus, no coração da Amazônia. Para<br />
produzir 250 megawatts, a Eletronorte<br />
inundou uma área <strong>de</strong> floresta superior<br />
a 2.340 km2. Por falhas técnicas ,a flo-<br />
resta não pô<strong>de</strong> ser cortada e a inun-<br />
dação ocorreu assim mesmo, causando<br />
um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>sastre ecológico. Boa<br />
parte da área inundada era tradicional<br />
território do povo Waimiri-Atroari,<br />
cuja população no final dos anos 60 era<br />
<strong>de</strong> 3000 pessoas, e hoje está reduzida a<br />
350, nas piores condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
O governo ainda planeja<br />
construir várias usinas no vale do rio<br />
Xingu, que vão inundar tradicionais<br />
territórios indígenas. Em março <strong>de</strong><br />
1989, os Povos do Xingu organizaram<br />
um encontro em Altamira ,no Pará, se<br />
posicionando contra as usinas. O go-<br />
verno se fez <strong>de</strong> surdo. Mas a luta conti-<br />
nua. A questão é que os tecnocratas<br />
não se preocupam em consultar os di-<br />
retamente envolvidos. É como se o es-<br />
paço amazônico fosse uma vazio on<strong>de</strong><br />
tudo é permitido. Esta mentalida<strong>de</strong><br />
precisa mudar, urgentemente.<br />
A Resistência Indígena<br />
A resistência indígena sempre<br />
aconteceu, tanto no período colonial<br />
como no Império e <strong>de</strong>pois ,na Repúbli-<br />
ca. Mas é indiscutível que os povos<br />
indígenas foram os gran<strong>de</strong>s per<strong>de</strong>dores<br />
na guerra movida a pólvora, vírus e ba-<br />
cilos. Tanto é que houve uma verda<strong>de</strong>i-<br />
ra hecatombe populacional. Dos 5 mi-<br />
lhões do séc. XVI, hoje só restam 230<br />
mil, e 180 tribos diferentes no Brasil.<br />
A partir do final dos anos 70,<br />
a luta indígena no Brasil conseguiu dar<br />
passos importantes. Surgiram as As-<br />
sembléias Indígenas, reunindo li<strong>de</strong>ran-<br />
ças e até comunida<strong>de</strong>s inteiras. Depois<br />
veio a UNI - União das Nações Indíge-<br />
nas para articular estas lutas a nível na-<br />
cional, seguida <strong>de</strong> organizações regio-<br />
nais e locais.<br />
O Brasil é gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Os<br />
povos indígenas são francamente mino-<br />
ritários. E vivem dispersos por vastas<br />
regiões^ sobretudo na Amazônia. Tudo<br />
isto dificulta muito a sua organização<br />
autônoma. Há diferentes estágios no<br />
contato com a socieda<strong>de</strong> nacional e dis-<br />
tintas formas <strong>de</strong> enfrentamento dos<br />
novos problemas que o contato criou.<br />
Mas eles caminham. Isto é o<br />
que importa.
Na Amazônia, atualmente<br />
existe um bem articulado movimento<br />
indígena que <strong>de</strong> ano para ano se forta-<br />
lece. Em abril passado ocorreu em Ma-<br />
naus a II Assembléia Geral das Orga-<br />
nizações Indígenas ,que integram a<br />
COIAB - Coor<strong>de</strong>nação das Organi-<br />
zações Indígenas da Amazônia Brasi-<br />
leira. Para o Movimento Indígena, é<br />
unânime a priorida<strong>de</strong> da luta pela ter-<br />
ra. Terra contínua, sem as retaliações<br />
que o governo vem impondo nos úti-<br />
mos anos. Terra como espaço <strong>de</strong> vida e<br />
<strong>de</strong> reprodução cultural. Terra livre.<br />
Orlando Baré, um dos lí<strong>de</strong>res,<br />
disse que a "conquista da auto<strong>de</strong>termi-<br />
nação está diretamente ligada à con-<br />
quista da <strong>de</strong>marcação das terras indí-<br />
genas e a sua garantia."<br />
Um outro consenso é a neces-<br />
sida<strong>de</strong> das alianças. Alianças que per-<br />
mitam a união com outros segmentos<br />
da socieda<strong>de</strong> brasileira, como os traba-<br />
lhadores rurais e os sem-terra, ribeiri-<br />
nhos, seringueiros, trabalhadores urba-<br />
nos, estudantes e até com as Universi-<br />
da<strong>de</strong>s. Os Povos Indígenas enten<strong>de</strong>m<br />
que o seu <strong>de</strong>stino está vinculado ao<br />
<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
E têm se valido, em suas lutas mais re-<br />
centes, <strong>de</strong> todo o potencial simbólico<br />
que conseguem mobilizar junto à<br />
opinão pública. Isto ficou muito paten-<br />
te na última Constituinte.<br />
A Aliança dos Povos da Flo-<br />
resta - uma idéia que <strong>de</strong>ve muito à luta<br />
do lí<strong>de</strong>r seringueiro e ecologista Chino<br />
Men<strong>de</strong>s - é uma <strong>de</strong>stas iniciativas «.a<br />
união dos oprimidos. Ela propõe for-<br />
mas <strong>de</strong> vida e trabalho na floresta que<br />
respeitam os direitos dos povos, garan-<br />
tem a preservação do meio ambiente e<br />
são economicamente viáveis. A propos-<br />
ta das Reservas Extrativistas foi a res-<br />
ponsável pelo assassinato <strong>de</strong> Chico<br />
Men<strong>de</strong>s. Porque ela oferece uma alter-<br />
nativa para o <strong>de</strong>senvolvimento autosus-<br />
tentado e não predatório da Amazônia.<br />
Há um projeto militar e <strong>de</strong>-<br />
senvolvimentista que merece ser men-<br />
cionado. Ele é conhecido como Projeto<br />
Calha Norte. Criado em 1985, abrange<br />
6.500 km <strong>de</strong> fronteira, nos limites do<br />
Brasil com a Venezuela, Colômbia,<br />
Guiana, Suriname e Guiana Francesa.<br />
Consta <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> bases milita-<br />
res do exército e aeronáutica, com a<br />
abertura <strong>de</strong> pistas <strong>de</strong> pouso para aviões<br />
militares e civis. Tem como objetivo<br />
controlar as fronteiras (conteúdo béli-<br />
co) e <strong>de</strong>senvolver estas regiões afasta-<br />
das (conteúdo econômico).<br />
Acontece que várias <strong>de</strong>stas<br />
bases se localizam nas áreas indígenas ,e<br />
o mais grave é a disposição dos milita-<br />
res em não <strong>de</strong>marcar as terras indíge-<br />
nas. No máximo, aceitam a criação <strong>de</strong><br />
colônias agrícolas. Mas as comunida<strong>de</strong>s<br />
já se posicionaram contra e vão <strong>de</strong>fen-<br />
<strong>de</strong>r os seus direitos, até na Justiça.<br />
Na prática, este tipo <strong>de</strong> in-<br />
gerência militar mostra a que ponto<br />
chega, no Brasil, a militarização da<br />
questão indígena, como também a<br />
questão amazônica. O que nos preocupa<br />
é que esta tutela militar nos últimos<br />
anos coinci<strong>de</strong> com o saque aos miné-<br />
rios do subsolo indígena, com o <strong>de</strong>sre-<br />
peito aos direitos humanos e a <strong>de</strong>vas-<br />
tação das florestas.<br />
No dia 30 <strong>de</strong> maio ,saiu num<br />
jornal <strong>de</strong> São Paulo (Folha <strong>de</strong> São Pau-<br />
lo) uma notícia preocupante. A Escola<br />
Superior <strong>de</strong> Guerra produziu uma do-<br />
cumento recente, "Estruturas do Po<strong>de</strong>r<br />
Nacional para o ano 2000", on<strong>de</strong> admi-<br />
te, inclusive, o recurso à guerra(!) para<br />
superar "as pressões que impe<strong>de</strong>m a<br />
conquista dos objetivos nacionais per-<br />
manentes na Amazônia." Isto significa<br />
o continuísmo do atual mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento. Pelas razões já expos-<br />
tas, este posicionamento revela uma<br />
atitu<strong>de</strong> autoritária verda<strong>de</strong>iramente<br />
absurda, sob iodos os nontos <strong>de</strong> vista.<br />
Grave é o fato dos militares i<strong>de</strong>ntifica-<br />
rem como alvos <strong>de</strong>ssa ação bélica o<br />
narcotráfico, o contrabando e as orga-<br />
nizações preservacionistas e indigenis-<br />
tas, as quais estariam atuando para fa-<br />
17<br />
CUIRA
vorecer a internacionalização da<br />
Amazônia. O secretário do Conselho<br />
Indígenista Missionário-CIMI, da Igre-<br />
ja Católica, consultado sobre a notícia,<br />
disse: "São idéias velhas, anacrônicas e<br />
inconstitucionais. A auto<strong>de</strong>terminação<br />
que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos é o direito dos povos<br />
indígenas serem povos etnicamente di-<br />
ferenciados, como a Constituição reco-<br />
" A gente encontra nas tribos<br />
um tal grau <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong><br />
social Impossível <strong>de</strong> se encon-<br />
trar nas socieda<strong>de</strong>s capitalis-<br />
tas".<br />
nhece. A ESG, ao contrário, quer im-<br />
por acima da lei a sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> se-<br />
gurança nacional. E acusa os que <strong>de</strong>-<br />
fen<strong>de</strong>m a Constituição <strong>de</strong> serem contra<br />
a nação." Como vocês po<strong>de</strong>m ver, no<br />
Brasil, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os povos indígenas e o<br />
meio ambiente amazônico, sob a ótica<br />
militar, é entendido como traição, co-<br />
mo um crime!<br />
Quero apenas <strong>de</strong>stacar mais<br />
um fato. Apesar <strong>de</strong> ser uma luta <strong>de</strong>si-<br />
gual, os povos indígenas não mostram<br />
medo. Resistem, se aliam, procuram<br />
convencer a socieda<strong>de</strong> nacional, se arti-<br />
culam e assim vão construindo um ca-<br />
minho <strong>de</strong> libertaç o. A gente se alegra<br />
com pequenas vitóí...., uoao em 1984,<br />
quando da auto<strong>de</strong>marcação da terra<br />
dos Kulina e Kaxinauá, no Acre. Ou<br />
quando a pressão do movimento indí-<br />
gena e dos seus aliados na Constituinte<br />
impôs uma <strong>de</strong>rrota aos militares, lati-<br />
fundiários e empresas, garantido uma<br />
legislação favorável aos seus interesses<br />
históricos. Valendo-se disso, a Procu-<br />
radoria Geral da República vem assu-<br />
mindo causas em <strong>de</strong>fesa do patrimônio<br />
e das culturas indígenas. Num país co-<br />
mo o nosso, isto é um ganho extraor-<br />
dinário.<br />
O FUTURO: um compromis-<br />
so com a vida<br />
Quem conheceu e teve o pri-<br />
vilegio <strong>de</strong> conviver com uma das inú-<br />
meras comunida<strong>de</strong>s indígenas da<br />
Amazônia, não consegue esquecer a<br />
experiência jamais.<br />
Costumo dizer que da comu-<br />
nida<strong>de</strong> indígena não se volta o mesmo.<br />
18<br />
CUÍRA<br />
Tanto pela indignação que a gente sen-<br />
te vendo as injustiças, como pela beleza<br />
e igualitarismo que se <strong>de</strong>scobre junto a<br />
estas populações. Quando a gente as-<br />
sume o projeto indígena como uma<br />
priorida<strong>de</strong> na nossa vida, muita coisa<br />
muda. Tantc no nível <strong>de</strong> consciência,<br />
como <strong>de</strong> fé Cí mesmo no nível bem<br />
concreto da prática cotidiana. A gente<br />
se torna um cúmplice, um aliado-cúm-<br />
plice <strong>de</strong>sses povos, das suas lutas e da<br />
formulação <strong>de</strong> seus projetos <strong>de</strong> re-<br />
sistência e libertação.<br />
Um antropólogo dizia que a<br />
gente encontra formas <strong>de</strong> viver que ex-<br />
primem um tal grau <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong><br />
social impossível <strong>de</strong> encontrar nas so-<br />
cieda<strong>de</strong>s capitalistas, <strong>de</strong> mercado, on<strong>de</strong><br />
vale a lei do mais forte, da busca indi-<br />
vidualista <strong>de</strong> lucro e vantagens pes-<br />
soais.As formas <strong>de</strong> vida tribal, mais<br />
comunitárias e interpessoais, nos <strong>de</strong>s-<br />
lumbram, nos fazem conhecer novas<br />
dimensões da vida humana. São como<br />
representações concretas <strong>de</strong> utopias<br />
que nós, homens da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, só<br />
conseguimos observar no passado (ex.<br />
comunida<strong>de</strong>s cristãs primitivas, movi-<br />
mentos milenarístas etc.) ou projetar<br />
num futuro distante, ao imaginarmos<br />
uma socieda<strong>de</strong> nova, sem explorados<br />
nem exploradores. Essa utopia que um<br />
dia um famoso pensador alemão <strong>de</strong>s-<br />
creveu assim: na nova socieda<strong>de</strong> se po-<br />
<strong>de</strong>rá, finalmente, "caçar pela manhã,<br />
pescar ao meio dia, cuidar do gado ao<br />
entar<strong>de</strong>cer e filosofar <strong>de</strong>pois do jantar"<br />
(Marx). Ora, isto eu encontrei entre os<br />
Kulina, com quem convivi por 5 anos,<br />
numa pequena al<strong>de</strong>ia do alto rio Purus<br />
(Acre). Evi<strong>de</strong>ntemente, isto tem seu<br />
preço. Baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> população,<br />
uma vida muito simples, em um relati-<br />
vo isolamento. É claro que não é mo-<br />
<strong>de</strong>lo para nós, das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>r-<br />
nas. Mas nos ajudam a buscar novas<br />
formas <strong>de</strong> vida e convivência nas quais<br />
o ser humano em aliança com a nature-<br />
za seja o objetivo mais importante.<br />
A questão indígena na<br />
Amazônia é tão grave que supõe um<br />
compromisso com a Vida. Nesse senti-<br />
do, é urgente unir esforços do Primeiro<br />
e do Terceiro Mundos em <strong>de</strong>fesa dos<br />
povos indígenas, dos negros, das mu-<br />
lheres, das crianças, todos vítimas <strong>de</strong><br />
um sistema que <strong>de</strong>vora vidas humanas<br />
sem conta. E preciso garantir a vida<br />
<strong>de</strong>sta gente, preservando seu espaço fí-<br />
sico e cultural, a sua terra.<br />
No fundo, é uma questão que<br />
diz respeito ao tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que<br />
queremos para o nosso país. O Brasil<br />
só será livre e <strong>de</strong>mocrático se pu<strong>de</strong>r-<br />
mos, no futuro, contar com a presença<br />
autônoma dos Povos Indígenas, com<br />
suas culturas e seus modos <strong>de</strong> vida e<br />
projetos alternativos. Sua sobrevivên-<br />
cia está ligada à nossa sobrevivência<br />
como povo soberano, on<strong>de</strong> prevaleçam<br />
os critérios <strong>de</strong> justiça social e paz.<br />
Roberto Zwetsch é pastor da Igreja Luterana.<br />
BIBLIOGRAFIA:<br />
AÇÃO PELA CIDADANIA, Roraima: O aviso da Morte. Relatório<br />
sobre a Viagem da Comissão da Ação pela Cidadania ao Estado<br />
<strong>de</strong> Roraima, entre 9 e 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1989, CCPY/CEDI/CIMI,<br />
SÃO PAULO, 1989<br />
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indiani, 03/06/1990, p 7<br />
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vastação, in CIÊNCIA HOJE, n 0 61, janeirolevereiro <strong>de</strong> 1990. pp<br />
47-52<br />
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PAULO, 03/06/1990. p A-2.<br />
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LOPES, Bernardo Líro. Nuvens Escuras ao Norte, in TEORIA E<br />
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abril/1990.<br />
ZWETSCH, Roberto E.-HEINE, Heiner (fotos), MADIHÃ Mens<br />
chen im Amazonaswakt, Kassel Erlangen, 1968
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EDUCAÇÃO POPULAR<br />
3 anos formando:<br />
O Curso Básico no Projeto<br />
UNIPOP<br />
Completando 3 anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, formando companheiros do movimento<br />
popular, sindical e ecumênico, a UNIPOP apresenta uma avaliação <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong> suas principais ativida<strong>de</strong>s: O Curso Básico. Socializar esta expe-<br />
Aldalice Otterloo<br />
riência também faz parte <strong>de</strong> nossa metodologia.<br />
A<br />
UNIPOP, com o objetivo <strong>de</strong><br />
abrir o <strong>de</strong>bate sobre o seu projeto<br />
<strong>de</strong> formação, inicia a exposição<br />
sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
suas ativida<strong>de</strong>s, socializando as avaliações<br />
e questionamentos internos<br />
com os companheiros direta ou indiretamente<br />
envolvidos no processo educativo<br />
das classes trabalhadoras. Ao<br />
mesmo tempo em que se abre para as<br />
críticas e sugestões <strong>de</strong> todos os setores<br />
da socieda<strong>de</strong> interessados no assunto.<br />
Iniciamos então, com a avaliação<br />
da proposta <strong>de</strong> formação através<br />
do Curso Básico, uma das ativida<strong>de</strong>s<br />
fundamentais da UNIPOP, <strong>de</strong>sejando<br />
que cada setor interessado em formação<br />
envie suas observações à revista<br />
CUÍRA ou procure pessoalmente a<br />
coor<strong>de</strong>nação da UNIPOP.<br />
A PRIMEIRA TENTATIVA<br />
(1987/1988)<br />
O Curso Básico tem como ob-<br />
jetivos fundamentais: a) contribuir pa-<br />
ra o aprofundamento do conhecimento<br />
que os militantes já possuem sobre a<br />
realida<strong>de</strong> brasileira; b) municiar os<br />
movimentos sindical, popular e<br />
ecumênico com instrumentos <strong>de</strong> leitura<br />
e análise que lhes possibilitem, nos<br />
seus processos organizativos, gerar suas<br />
próprias alternativas <strong>de</strong> ação.<br />
Definidos os objetivos e o pú-<br />
blico-alvo como as li<strong>de</strong>ranças interme-<br />
diárias do Movimento Popular e Sindi-<br />
cal, partiu-se para a elaboração da pro-<br />
posta curricular. Que conteúdos seriam<br />
necessários para atingir esses objeti-<br />
vos? A equipe responsável pensou nu-<br />
ma estrutura curricular que não reti-<br />
rasse a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> suas bases por um<br />
período muito longo, e que ao mesmo<br />
tempo contemplasse o nível e a diver-<br />
sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas on<strong>de</strong> atuavam. Daí<br />
que foram organizados quatro módu-<br />
los^) Ajustamento; b) Reciclagem; c)<br />
Básico e d) Específico.<br />
20<br />
CUÍRA<br />
Dinâmica <strong>de</strong> Grupo: a educação além da razão<br />
A UNIPOP, a partir dos re-<br />
sultados avaliativos <strong>de</strong>ssa primeira ex-<br />
periência, buscou i<strong>de</strong>ntificar pontos <strong>de</strong><br />
estrangulamento <strong>de</strong> uma proposta que,<br />
teoricamente, tinha tudo para dar cer-<br />
to. Ospontosforam:<br />
- heterogeneida<strong>de</strong> da turma<br />
tanto a nível <strong>de</strong> leitura e escrita, quanto<br />
<strong>de</strong> acúmulo <strong>de</strong> informações provocada<br />
por falta <strong>de</strong> critérios na seleção dos<br />
participantes pelas entida<strong>de</strong>s;<br />
"Mudamos conteúdo, utili-<br />
zamos novas técnicas, mas<br />
não alteráramos a metodolo-<br />
gia".<br />
- pouca disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
tempo dos professores convidados, que<br />
permitisse um planejar conjunto <strong>de</strong> to-<br />
do processo a ser <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado em ca-<br />
da unida<strong>de</strong>;<br />
- a estrutura do curso por<br />
módulos em períodos alternados, alia-<br />
da ao acúmulo <strong>de</strong> tarefas dos militantes<br />
em suas Entida<strong>de</strong>s, levou a uma frag-<br />
mentação da proposta curricular por<br />
parte dos alunos, uma vez que havia<br />
aqueles que frenquentavam a primeira<br />
unida<strong>de</strong> do Módulo <strong>de</strong> Ajustamento e<br />
voltavam na primeira unida<strong>de</strong> do Mó-<br />
dulo seguinte com a justificativa <strong>de</strong> es-<br />
tarem <strong>de</strong>sempenhando outras "tarefas<br />
importantes".<br />
- a relação teoria-prática re-<br />
produziu a tradicional dicotomia pre-<br />
sente nos sistemas <strong>de</strong> ensino, pois no<br />
afã <strong>de</strong> transmitir conteúdos significati-<br />
vos para a militância, <strong>de</strong>ixou-se <strong>de</strong> con-<br />
si<strong>de</strong>rar as experiências concretas da<br />
mesma. A partir da análise <strong>de</strong>sses<br />
pontos, buscou-se as alterações que a<br />
nossa compreensão política e a fragili-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa concepção <strong>de</strong> formação<br />
apontaram para superar essas dificul-<br />
da<strong>de</strong>s. Assim, partimos para a segunda
tentativa <strong>de</strong> concretizar o Curso Bási-<br />
co, como espaço <strong>de</strong> formação.<br />
A BUSCA CONTINUA<br />
(1989)<br />
Fortalecidos pela discussão<br />
feita em Seminários com as Entida<strong>de</strong>s<br />
que compõem o Conselho <strong>de</strong> Representantes<br />
da UNIPOP, pelos <strong>de</strong>bates<br />
sobre questões levantadas por outras<br />
Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação, que nos possibilitaram<br />
aprofundar ou pelo menos<br />
<strong>de</strong>linear nossa concepção <strong>de</strong> formação,<br />
a qual <strong>de</strong>ve ser norteada pelos princípios<br />
<strong>de</strong> autonomia, criativida<strong>de</strong>, inserção<br />
social, participação e outros que<br />
possam contribuir para a formação <strong>de</strong><br />
li<strong>de</strong>rança crítica e autônoma. Para isso,<br />
era preciso:<br />
- romper com a prática tradicional<br />
<strong>de</strong> educação;<br />
- relacionar a metodologia <strong>de</strong><br />
formação com o projeto político mais<br />
amplo;<br />
- que as necessida<strong>de</strong>s da formulação<br />
teórica fossem orientadas pela<br />
prática;<br />
- levar em conta as propostas<br />
que os movimentos estão elaborando a<br />
fim <strong>de</strong> houvesse coerência no processo<br />
<strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> ação política;<br />
"4 prática ó a fonte da teo-<br />
ria, na qual esta se nutre<br />
como objeto <strong>de</strong> conheci-<br />
mento, interpretaçãoe trans-<br />
formação".<br />
- trabalhar a relação meto-<br />
dológica prática-teórica-prática, que<br />
leve em conta uma melhor investigação<br />
da realida<strong>de</strong> e a maior significação do<br />
conteúdo;<br />
- rever a relação educador-<br />
educando a partir da concepção <strong>de</strong><br />
educação e <strong>de</strong> conhecimento que pos-<br />
sibilitasse um repensar crítico das in-<br />
formações que se estabelecem entre<br />
aquele que ensina e aquele que apren-<br />
<strong>de</strong>;<br />
- manter um contato mais es-<br />
treito com as Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massa que<br />
enviam os seus representantes buscan-<br />
do perceber com elas entendiam a<br />
UNIPOP como espaço <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
seus militantes;<br />
- <strong>de</strong>finir melhor os critérios<br />
<strong>de</strong> seleção visando reduzir a heteroge-<br />
neida<strong>de</strong> da turma.<br />
Nessa segunda experiência, a<br />
estrutura continuou pelo sistema <strong>de</strong><br />
módulos, embora reduzidos para<br />
três:l) AJUSTAMENTO, com duas<br />
Unida<strong>de</strong>s: Dinâmica <strong>de</strong> Grupo e Mé-<br />
todos <strong>de</strong> Estudo e Visões <strong>de</strong> Mundo na<br />
História da Filosofia - O Método<br />
Dialético. I<strong>de</strong>ologia, dominação e alie-<br />
nação. A questão do Conhecimento.<br />
Por que conhecer? Este módulo foi<br />
completamentado por duas oficinas:<br />
Redação e Expressão e Matemática,<br />
lógica e cotiano, trabalhando a questão<br />
salarial, inflação, custo <strong>de</strong> vida, dissídio<br />
coletivo, etc...;2) BÁSICO, com 6 uni-<br />
da<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foram introduzidas as Uni-<br />
da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> História, partindo das Socie-<br />
da<strong>de</strong>s pré-capitalistas; História do Ca-<br />
pitalismo I (Capitalismo Concorren-<br />
cial, Monopolista, Estado e Classe So-<br />
cial); História do Capitalismo II (Capi-<br />
talismo Depen<strong>de</strong>nte, Características do<br />
Imperialismo); História do Socialismo<br />
(<strong>de</strong>senvolvido através <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate<br />
com discussões sobre Anarquismo, a<br />
Social-Democracia, e o Marxismo);<br />
Geografia: a produção do espaço brasi-<br />
leiro (apropriação do território e a<br />
questão da regionalização, a Amazônia<br />
e a expansão do Capital) e Análise <strong>de</strong><br />
Conjutura (como fazer análise <strong>de</strong> Con-<br />
juntura, a Conjuntura Brasileira e as<br />
Questões Amazônicas. A conjuntura<br />
Brasileira e a Organização dos Traba-<br />
lhadores, com participação <strong>de</strong> repre-<br />
sentantes das Centrais Sindicais - Sin-<br />
dicalistas e Assessores jurídicos ). Co-<br />
mo ativida<strong>de</strong>s complementares <strong>de</strong>sse<br />
Módulo foram <strong>de</strong>senvolvidas duas ofi-<br />
cinas: Comunicação (produção e utili-<br />
zação dos MCM; gran<strong>de</strong> imprensa e<br />
imprensa alternativa: o que está por<br />
trás da informação?) e Formação Cul-<br />
tural do Povo Brasileiro (por que no<br />
Brasil é comum a frase "sabe com<br />
quem está falando?"? por que o povo<br />
brasileiro não gosta <strong>de</strong> discutir políti-<br />
ca? por que vê na religião a solução pa-<br />
ra todos os males? Também foi vista a<br />
questão indígena e a questão do negro,<br />
aproveitando filmes, danças, textos...;3)<br />
ESPECÍFICO com duas finalida<strong>de</strong>s:<br />
Organizações populares urbanas no<br />
Brasil e no Estado do Pará e Classe<br />
Operária, Capitalismo e Estrutura Sin-<br />
dical no Brasil.<br />
Um dado que chamou<br />
atenção nessa experiência foi a elabo-<br />
ração <strong>de</strong> Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Formação, a par-<br />
tir <strong>de</strong> conteúdos trabalhados em algu-<br />
mas Unida<strong>de</strong>s do Curso Básico como:<br />
"Dialética e Consciência", "A Pro-<br />
dução do Espaço e a Luta", "Análise<br />
<strong>de</strong> Conjuntura e as Eleições Presi<strong>de</strong>n-<br />
ciais". Este ponto, nos parece muito<br />
21<br />
CUIRA
positivo para uma Entida<strong>de</strong> que quer<br />
contribuir para a capacitação -<strong>de</strong> Li<strong>de</strong>-<br />
ranças dos Movimentos Sindical e Po-<br />
pular - colocar as idéias no papel e<br />
abrir espaço para o <strong>de</strong>bate.<br />
A análise do processo e dos<br />
resultados nos levaram a perceber que<br />
as mudanças introduzidas não altera-<br />
ram substantivamente a proposta do<br />
Curso Básico. Mudamos conteúdo, uti-<br />
lizamos novas técnicas, mas não alte-<br />
ramos a metodologia, ou seja, o trata-<br />
mento político-pedagógico dos conteú-<br />
dos historicamente acumulados e nem<br />
as condições para que os militantes pu-<br />
<strong>de</strong>ssem criticar e elaborar novos co-<br />
nhecimentos. Isto porque não altera-<br />
mos a nossa concepção dicotômica en-<br />
tre teoria e prática.<br />
Segundo Sny<strong>de</strong>rs "é indis-<br />
pensável que a teoria tenha nascido <strong>de</strong><br />
uma prática real naqueles a quem se di-<br />
rige, que seja a tomada <strong>de</strong> consciência<br />
da prática ou, pelo menos, dos conhe-<br />
cimentos que os animam e que eles<br />
gostariam <strong>de</strong> ver encarnados na práti-<br />
ca".<br />
Essa visão <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> na re-<br />
lação teoria-prática se fundamenta na<br />
premissa <strong>de</strong> que a teoria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />
prática uma vez que esta "<strong>de</strong>termina o<br />
horizonte do <strong>de</strong>senvolvimento e pro-<br />
gresso do conhecimento", <strong>de</strong> acordo<br />
com Vasques, ou seja, a prática é a fon-<br />
te da teoria, na qual esta se nutre como<br />
objeto <strong>de</strong> conhecimento, interpretação<br />
e transformação.<br />
As unida<strong>de</strong>s do programa <strong>de</strong>s-<br />
tacados pelos participantes constatam a<br />
afirmação acima, consi<strong>de</strong>rando que fo-<br />
ram exatamente aquelas que participa-<br />
ram das experiências e das inquietações<br />
vividas por eles no seu cotidiano.<br />
"A formação se dá <strong>de</strong>ntro<br />
do processo organizativo".<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo<br />
docente mais fixo e engajado nos<br />
processos <strong>de</strong> formação, articulado com<br />
os processos organizativos das classes<br />
trabalhadoras, é outro ponto que precisa<br />
ser aprofundado.<br />
A partir <strong>de</strong>ssas análises passamos<br />
a nos preparar para enfrentar<br />
mais um <strong>de</strong>safio: elaborar uma nova<br />
proposta para o Curso Básico, que incluísse<br />
todas as críticas e reflexões advindas<br />
das duas experiências anteriores.<br />
22<br />
CUÍRA<br />
O AMADURECIMENTO<br />
DA PROPOSTA (1990)<br />
Com a vantagem <strong>de</strong> ter con-<br />
quistado um espaço próprio no final <strong>de</strong><br />
89, que oferecia as condições para o <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s adminis-<br />
trativas, pedagógicas, culturais, ecumê-<br />
nicas e <strong>de</strong> comunicação, partimos para<br />
a estruturação do Curso Básico -1990.<br />
Na tentativa <strong>de</strong> integrar todas<br />
as reflexões feitas nas experiências an-<br />
teriores, com as contribuições dos alu-<br />
nos <strong>de</strong> 1989, e da nossa participação<br />
em Seminários e Encontros <strong>de</strong> Ava-<br />
liação Sobre Metodologia e Educação<br />
Popular, elaboramos para 1990 a se-<br />
guinte Proposta para o Curso Básico.<br />
CURSO BÁSICO DE<br />
FORMAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA<br />
Conteúdos Básicos: o eixo<br />
central será a categoria trabalho:<br />
a) História: a formação das<br />
socieda<strong>de</strong>s primitivas, escravista?feudal<br />
c capitalista . A origem e o papel do<br />
Estado. b) Economia: O valor do tra-<br />
balho. O Capital e a produção <strong>de</strong><br />
mais-valia. O confronto entre Capital e<br />
Trabalho. c) Filosofia; Origem e carac-<br />
terística do Conhecimento. Por que<br />
conhecer? A nossa maneira <strong>de</strong> pensar e<br />
agir é orientada pela nossa visão <strong>de</strong><br />
mundo. Mas, como ela se forma? I<strong>de</strong>o-<br />
logia, dominação e alienação.<br />
Linha Metodológica<br />
A formação que queremos<br />
baseia-se numa concepção <strong>de</strong> educação<br />
que procura romper com a dicotomia<br />
teoria x prática.<br />
Concebemos portanto que a<br />
formação se dá <strong>de</strong>ntro do processo or-<br />
ganizativo, partindo da prática, refle-<br />
tindo à luz da teoria e voltando à práti-<br />
ca para recriar as condições <strong>de</strong> luta e<br />
organização, tendo clareza <strong>de</strong> que con-<br />
dições está se partindo e como se criam<br />
novas condições.<br />
A partir <strong>de</strong>sses pressupostos<br />
procurou-se planejar as ativida<strong>de</strong>s do<br />
curso trabalhando os conteúdos <strong>de</strong><br />
forma integrada e não mais por módu-<br />
los, articulando momentos <strong>de</strong> re-<br />
creação com a dinâmica <strong>de</strong> grupo,<br />
exercícios <strong>de</strong> leitura e fichamento <strong>de</strong><br />
textos simples, <strong>de</strong> leitura e interpre-<br />
tação <strong>de</strong> textos, com elaboração <strong>de</strong> pe-<br />
quenos novos textos, buscando sempre<br />
a relação com a prática. A História se-<br />
ria vista através dos Modos <strong>de</strong> Pro-<br />
dução, contextualizados e relacionados<br />
ao momento presente, exercitando o<br />
afloramento das visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong><br />
homem e <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> que o processo<br />
histórico nos impõe e que nos leva a<br />
refletir e a produzir cultura e conheci-<br />
mento sistematizado, <strong>de</strong>smistificando o<br />
conhecimento científico como algo<br />
"Será se a História não po-<br />
<strong>de</strong>rá ser trabalhada a partir<br />
do presente, no sentido <strong>de</strong><br />
superarmos a forma linear<br />
como temos feito?"<br />
afeito apenas a intelectuais. Procurou-<br />
se também exercitar o uso e a pro-<br />
dução <strong>de</strong> recursos pedagógicos como<br />
ví<strong>de</strong>os, teatro <strong>de</strong> bonecos, transparên-<br />
cia, cartaz, sociodramas, historinhas,<br />
assim como utilização <strong>de</strong> técnicas que<br />
estimulam a participação <strong>de</strong> todos.<br />
O Processo <strong>de</strong> Avaliação<br />
Para ser coerente com a linha<br />
metodológica, criaram-se mecanismos<br />
<strong>de</strong> verificação da aprendizagem através<br />
<strong>de</strong> exercícios práticos <strong>de</strong> fichamento <strong>de</strong><br />
texto, participação em trabalhos <strong>de</strong><br />
grupo, e elaboração <strong>de</strong> instrumentos<br />
que possibilitasem a socialização do
aprendido no Curso com as suas bases,<br />
como as cartilhas sobre os modos <strong>de</strong><br />
produção já publicadas.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento da tercei-<br />
ra experiência e seus resultados<br />
O Curso Básico <strong>de</strong> Formação<br />
Sócio-Política da UNIPOP teve início<br />
no dia 13 <strong>de</strong> março com a presença <strong>de</strong><br />
30 militantes, sendo <strong>de</strong>zesseis sindica-<br />
listas (Construção Civil, Urbanitários.<br />
Oposição Comerciaria, Previdência So-<br />
cial, Aeroviários, Professores, Fun-<br />
cionários da SESPA, Processamento <strong>de</strong><br />
Dados e Metalúrgicos); cinco do Mo-<br />
vimento popular (ligados à CBB); dois<br />
da Pastoral religiosa (Luterana e Me-<br />
todista); dois do Movimento da Repú-<br />
blica do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor; dois do<br />
Movimento <strong>de</strong> Defesa do Negro; um do<br />
Movimento <strong>de</strong> Defesa dos Direitos<br />
Humanos; um do Movimento Popular<br />
<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e um do Movimento <strong>de</strong> Mu-<br />
lheres.<br />
Des<strong>de</strong> a primeira semana,<br />
procurou-se trabalhar uma dinâmica<br />
que possibilitasse o entrosamento do<br />
grupo e a socialização dos conhecimen-<br />
tos que cada militante já havia sistema-<br />
tizado, usando técnicas <strong>de</strong> construção<br />
coletiva <strong>de</strong> textos, <strong>de</strong>ixando livre a cria-<br />
Apren<strong>de</strong>r juntos é saber muito mais<br />
tivida<strong>de</strong> da apresentação. Na primeira<br />
semana foram refletidos e sistematiza-<br />
dos conceitos <strong>de</strong> Homem, Cultura e<br />
Trabalho pela discussão sobre a relação<br />
Homem x Natureza, mediatizada pela<br />
ação do homem: o trabalho, e apartir<br />
daí como se processou a caminhada dos<br />
homens para a formação das socieda-<br />
<strong>de</strong>s, através dos Modos <strong>de</strong> Produção.<br />
Utilizou-se uma linha <strong>de</strong> tempo, discu-<br />
tindo a evolução do trabalho humano<br />
com a criação dos instrumentos <strong>de</strong><br />
Trabalho, o aparecimento da proprie-<br />
da<strong>de</strong> privada, o surgimento do Estado,<br />
das Classes Sociais, das Visões úe<br />
Mundo que caracterizavam cada uma<br />
<strong>de</strong>ssas socieda<strong>de</strong>s. O papel da Igreja na<br />
Socieda<strong>de</strong> Feudal (que provocou uma<br />
discussão acirrada entre os participan-<br />
tes, obrigando a inclusão <strong>de</strong> uma uni-<br />
da<strong>de</strong> sobre a religiosida<strong>de</strong> popular e as<br />
religiões oficiais). As características do<br />
pré-capitalismo e a sedimentação do<br />
Capitalismo. Foram usados como re-<br />
cursos pedagógicos: textos (na ^gran<strong>de</strong><br />
maioria reescritos pelos professores<br />
numa linguagem acessível ao nível dos<br />
participantes); filmes: A GUERRA<br />
DO FOGO, na discussão do Modo <strong>de</strong><br />
Produção Primitivo; SPARTACUS, na<br />
discussão sobre o Modo <strong>de</strong> Produção e<br />
relações sociais no escravagismo; A<br />
MISSÃO, no Modo <strong>de</strong> Produção Feu-<br />
dal; MARX (documentário da TV<br />
Educativa sobre os pressupostos da<br />
Teoria <strong>de</strong> Marx) e TERRA E LIBER-<br />
DADE, na discussão da socieda<strong>de</strong> Ca-<br />
pitalista; Transparências, mapas geo-<br />
gráficos e Técnicas variadas <strong>de</strong> Dinâ-<br />
mica <strong>de</strong> Grupo e <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Lúdicas.<br />
Estas? feitas diariamente por exigência<br />
do próprio grupo, foram extremamente<br />
positivas para relaxamento, entrosa-<br />
mento e aprofundamento das relações<br />
interpessoais. Os exercícios práticos<br />
(individuais ou coletivos) <strong>de</strong> leitura e<br />
fichamento <strong>de</strong> texto e leitura e inter-<br />
pretação <strong>de</strong> texto, foram consi<strong>de</strong>radas<br />
positivamente pelos participantes que<br />
apren<strong>de</strong>ram a exercitar a leitura, i<strong>de</strong>n-<br />
tificar as idéias principais do texto e<br />
emitir opinião sobre essas idéias. O<br />
exercício <strong>de</strong> produção coletiva <strong>de</strong> texto<br />
e o fato da UNIPOP ter transformado<br />
em Cartilha estimulou as pessoas a par-<br />
ticiparem e a justificarem cada vez que,<br />
por algum problema, eram obrigadas a<br />
faltar.<br />
Com essa metodologia foi<br />
possível discutir a prática, principal-<br />
mente na discussão sobre o capitalis-<br />
mo, apesar das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> enten-<br />
dimento sobre mais-valia, papel do Es-<br />
tado, se o pessoal admistrativo que tra-<br />
balha na fábrica e que também é explo-<br />
rado produz ou não mais-valia. Foi<br />
uma das gran<strong>de</strong>s polêmicas. A análise<br />
da teoria marxista relacionada ao mo-<br />
mento histórico <strong>de</strong> sua elaboração e o<br />
estágio hoje do capitalismo <strong>de</strong>ixou en-<br />
tre os participantes (pelo menos a<br />
maioria)a compreensão <strong>de</strong> que ne-<br />
nhuma teoria po<strong>de</strong> ser aplicada sem<br />
um estudo das condições concretas do<br />
presente. Os momentos <strong>de</strong> avaliação no<br />
processo também foram muito impor-<br />
tantes, pois ajudaram a aprofundar<br />
forma e conteúdo do Curso em si, da<br />
relação grupai e culminância através <strong>de</strong><br />
uma ficha <strong>de</strong> avaliação, cujos resulta-<br />
dos retratam bem os avanços e os acer-<br />
tos conquistados, após as reflexões das<br />
duas primeiras experiências.<br />
Entretanto, mesmo com to-<br />
dos os pontos positivos, nos questio-<br />
namos se a História não po<strong>de</strong>rá ser<br />
trabalhada partindo-se do presente,<br />
buscando-se a referência no passado e<br />
não da forma linear como temos feito.<br />
Talvez essa inversão possibilitasse<br />
aprofundar mais e melhor a socieda<strong>de</strong><br />
capitalista e suas contradições, permi-<br />
tindo a discussão sobre as questões<br />
atuais do socialismo, assunto que teve<br />
que ser suprimido por falta <strong>de</strong> tempo.<br />
Mas, como temos a clareza <strong>de</strong> que ne-<br />
nhuma experiência <strong>de</strong> formação é um<br />
projeto inacabado, continuaremos ten-<br />
tando, estimulados a estudar e apro-<br />
fundar os dados fornecidos por esta<br />
nova etapa que se encerrou no dia 15<br />
<strong>de</strong> junho do corrente, pois com certeza<br />
novos questionamentos surgirão.<br />
A busca continua !<br />
Aldalice Otlerloo, Pedagoga. Coor<strong>de</strong>nadora do Curso Básico da<br />
UNIPOP<br />
B>blíogratia:<br />
FONTES, Editza e COSTA, Marly - Relatório <strong>de</strong> Avaliação do<br />
Curso Regular para Li<strong>de</strong>ranças Intermediárias. Belém. UNIPOP,<br />
1987 (texto mimeogratado)<br />
OTTERLOO, Aldalice, VEIGA. Hecilda - Relatório <strong>de</strong> Avaliação<br />
do Curso Regular, Belém. UNIPOP, 1988 (texto mimeografado).<br />
SCALON, Ted e COSTA, Graça Smlese Preliminar do Seminá<br />
no sobre Concepção <strong>de</strong> Formação da UNIPOP. Belém, <strong>de</strong>z<br />
1988 (texto mimeogratado)<br />
OTTERLOO, Aldalice - Relatório <strong>de</strong> Avaliaçác do Curso Regular<br />
para Formação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças, Belém, UNIPOP, 1989.(texto mi-<br />
meografado)<br />
UNIPOP Planejamento Anual <strong>de</strong> 1990. Belém, Pará. 1990.<br />
SNYDERS. Georges - Para on<strong>de</strong> vão as pedagogias não direti-<br />
vas? Lisboa. Moraes Editora. 1974.<br />
VASQUEZ. Adolfo Sanchez - Filosofia da práxis. 2" ed.. Rio. Paz<br />
e Terra. 1977.<br />
23<br />
CUIRA
os últimos trinta anos, o Brasil<br />
foi um dos países que mais <strong>de</strong>-<br />
senvolveu a sua economia sem<br />
que isto tivesse como conseqüência a<br />
diminuição da pobreza. Como nós,<br />
somente o Paquistão e a Venezuela<br />
conseguiram combinar tão bem o<br />
crescimento econômico e concentração<br />
<strong>de</strong> renda no mesmo período. Aliás, por<br />
falar em concentração <strong>de</strong> renda, o Bra-<br />
sil, empatado com o Panamá e a<br />
Colômbia, só per<strong>de</strong> para Serra Leoa<br />
por 2 pontos e para Honduras por 5<br />
pontos. Estes dados, que por si só<br />
constituem uma grave <strong>de</strong>núncia, não<br />
são produtos <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> intelectuais<br />
<strong>de</strong> esquerda ou da oposição. Estas in-<br />
formações constam no relatório do,<br />
nada socialista. Banco Mundial. Que<br />
ainda <strong>de</strong>dica razoável espaço <strong>de</strong> sua<br />
análise sobre a lastimável situação do<br />
Brasil, para criticar o que avalia ser<br />
um dos focos do problema, ou seja, o<br />
mo<strong>de</strong>lo brasileiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
agrícola, baseado no favorecimento do<br />
gran<strong>de</strong> produtor, na concentração da<br />
proprieda<strong>de</strong> rural e na priorização da<br />
produção para exportação em <strong>de</strong>tri-<br />
mento da produção <strong>de</strong> alimentos bási-<br />
cos como o feijão, arroz e o trigo, que<br />
aten<strong>de</strong>riam as necessida<strong>de</strong>s das popu-<br />
lações <strong>de</strong> baixa renda. Na verda<strong>de</strong>, o<br />
Banco Mundial se queixa da distância<br />
que alguns países capitalistas guardam<br />
do próprio capitalismo, vivendo em<br />
métodos e concepções qualquer coisa<br />
que mais se aproxima do final do feu-<br />
dalismo. No entanto, avaliar a realida-<br />
<strong>de</strong> e suas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>transfor-<br />
mar apenas pelo prisma da economia,<br />
limita enormemente esta mesma po-<br />
tencialida<strong>de</strong>. Melhor observan política<br />
como fenômeno cultural, tem sido o<br />
caminho mais eficiente para elaborar<br />
propostas aos <strong>de</strong>safios da conjuntura,<br />
como por exemplo o jogo <strong>de</strong> cena e <strong>de</strong><br />
palavras com o qual as elites econômi-<br />
cas dominam o conjunto da socieda<strong>de</strong>.<br />
Um jogo cm que se as mentiras são as<br />
verda<strong>de</strong>s e quando o passado é o que se<br />
propões como futuro. Além disso, para<br />
milhões <strong>de</strong> brasileiros, a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
crita no relatório do Banco Mundial, é<br />
não mais do que o seu cotidiano. Por-<br />
tanto, há muito que a miséria, o aban-<br />
dono oficial e a usura <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser<br />
novida<strong>de</strong> para a gran<strong>de</strong> maioria da po-<br />
pulação.<br />
24<br />
CUÍRA<br />
A.<br />
CONJUNTURA<br />
João Cláudio Arroyo<br />
" O conceito <strong>de</strong> luta política precisa ser ampliado e<br />
atingir a dimensão <strong>de</strong> luta cultural. A análise da<br />
economia não explica tudo <strong>de</strong> uma conjuntura, é<br />
preciso observar costumes e hábitos políticos presen-<br />
tes na socieda<strong>de</strong>. Por on<strong>de</strong> começar é o maior <strong>de</strong>sa-<br />
fio, mas o Governo Paralelo já <strong>de</strong>u a dica: Educação<br />
Urgente."<br />
A Culpa é do Povo ?<br />
Velhas Novida<strong>de</strong>s<br />
Andamos em tempos <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s "novida<strong>de</strong>s". Agora mesmo,<br />
em nome <strong>de</strong> um "Brasil Novo" e da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o governo fe<strong>de</strong>ral reedita<br />
o passado. Senão vejamos: em março,<br />
ainda nas badalações da posse presi-<br />
<strong>de</strong>ncial, é divulgado mais um re<strong>de</strong>ntor<br />
plano econômico que <strong>de</strong>veria ser o úl-<br />
timo cartucho contra a inflação, então<br />
eleita como a causa <strong>de</strong> todos os males.<br />
Só que, quando Collor dizia apontar<br />
sua única bala contra o "Monstro da<br />
Inflação", <strong>de</strong> fato - por má pontaria ou<br />
má vonta<strong>de</strong> política - o que aparecia na<br />
alça <strong>de</strong> mira, outra vez, era a testa do<br />
trabalhador brasileiro. E, mais uma<br />
vez, os salários são os principais culpa-<br />
dos pela inflação. De novo, o manjadís-<br />
simo arrocho salarial.<br />
"Com Coffor, também o dis-<br />
curso é mais importante<br />
quo a ação e a versão mais<br />
importante do que o fato".<br />
Ao lado disso tudo, como nos<br />
velhos tempos, voltamos a receber as<br />
missões do FMI dispostas a tele-<br />
guiara nossa economia. E, por fim, lan-<br />
çadá^l como gran<strong>de</strong> sacada do momen-<br />
to, reaparece a esclerosada proposta do<br />
pacto social, agora com o pseudônimo<br />
<strong>de</strong> "entendimento nacional".<br />
Por incrível que pareça, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste<br />
brevíssimo levantamento das "novas"<br />
atitu<strong>de</strong>s governamentais, não po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar <strong>de</strong>le. É, ele mesmo.<br />
Sarney, cruz-credo.<br />
As semelhanças entre Collor<br />
e Sarney são muitas, resguardado o<br />
momento histórico. Semelhanças estas<br />
muito bem percebidas por Jânio <strong>de</strong><br />
Freitas ao comentar o balanço <strong>de</strong> 180<br />
dias do governo em artigo publicado na<br />
Folha <strong>de</strong> São Paulo: "o discurso <strong>de</strong><br />
Collor reproduziu a montagem <strong>de</strong> fra-<br />
ses apenas retóricas e afirmações in-<br />
comprováveis, que caracterizam o esti-<br />
lo sarneiano com as tiradas sobre a<br />
gran<strong>de</strong> reforma agrária, as elevações do<br />
po<strong>de</strong>r aquisitivo dos salários, as gran-<br />
<strong>de</strong>s realizações do tudo pelo social, e<br />
outras <strong>de</strong>liberadas irrealida<strong>de</strong>s verbais<br />
dç Sarney".<br />
Com Collor também o dis-<br />
curso é mais importante que a ação e a<br />
versão mais importante do que o fato.<br />
Nesta postura, miséria e enganação<br />
tem sido um binômio constante, fican-<br />
do cada vez mais evi<strong>de</strong>nte que já não<br />
basta nos limitarmos ao estudo e 'a<br />
<strong>de</strong>núncia do primeiro termo, mas que
<strong>de</strong>vemos nos aprofundar cada vez mais<br />
nos mistérios do segundo. Pois miséria<br />
e enganação são gran<strong>de</strong>zas diretamente<br />
proporcionais, como diriam os ma-<br />
temáticos. Ou seja, quanto maior a<br />
miséria mais facilmente o povo é iludi-<br />
do e manobrado. "Miséria é miséria em<br />
qualquer canto. Riquezas são diferen-<br />
tes", diriam os Titãs.<br />
Em gran<strong>de</strong>s traços, o "Brasil<br />
Novo" se parece muito com a "Nova<br />
República", as coisas parecem se mexer<br />
para não mudar. Porém, ainda que as<br />
gran<strong>de</strong>s coisas <strong>de</strong>morem a mudar, o<br />
mais difícil é mudar as pequenas coisas,<br />
aquilo que se repete aos milhões, por<br />
milhões, no dia-a-dia da atitu<strong>de</strong> dos<br />
anônimos, indivíduos, transeuntes, fon-<br />
tes dos números dos institutos <strong>de</strong> pes-<br />
quisa da opinião pública.<br />
Observando a "olho nu", em<br />
"Na Bahia, o Ibope registrou<br />
que 80% do eleitorado preferem<br />
votar no que 'rouba<br />
mas faz'."<br />
gran<strong>de</strong> escala, não faz muito sentido<br />
que Já<strong>de</strong>r Barbalho,no Pará, ou Antô-<br />
nio Carlos Magalhães,na Bahia, <strong>de</strong>ntre<br />
outros, <strong>de</strong>tivessem altíssimos índices <strong>de</strong><br />
popularida<strong>de</strong> em suas campanhas a go-<br />
vernador. Aparentemente, é incompre-<br />
ensível que figuras execradas como cor-<br />
ruptos sejam tão bem aceitas pela so-<br />
cieda<strong>de</strong>. No entanto, em pesquisa <strong>de</strong><br />
opinião, o Ibope revelou um <strong>de</strong>talhe<br />
gigantesco, registrou que mais <strong>de</strong> 80%<br />
do eleitorado prefere votar no que<br />
"rouba.mas faz". Provavelmente se en-<br />
veredarmos pelos labirintos do ima-<br />
ginário popular encontraremos outras<br />
justificativas do tipo "se eu tivesse lá<br />
também roubaria" ou "voto em rico<br />
porque não precisa roubar".<br />
Uma primeira reflexão neste<br />
sentido po<strong>de</strong> ser: como <strong>de</strong>scolar a ima-<br />
gem da ativida<strong>de</strong> política da prática da<br />
mutreta, da corrupção e da ostentação<br />
que significativas parcelas da popu-<br />
lação mantêm?<br />
Além da prática majoritária<br />
dos políticos tradicionais, uma possível<br />
causa da associação da política à cor-<br />
rupção <strong>de</strong>ve ser a cultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sparti-<br />
darização da ativida<strong>de</strong> política. A secu-<br />
lar falta <strong>de</strong> organização política <strong>de</strong> nos-<br />
sa socieda<strong>de</strong> não oferece mediações <strong>de</strong><br />
intervenção do indivíduo nos rumos do<br />
país. Desta forma, a pessoa é colocada<br />
sozinha em confronto com a gigantesca<br />
máquina do sistema e, inferiorizada, ou<br />
marginaliza-se por opção ou condição,<br />
ou absorve as regras do jogo e tenta sa-<br />
far o seu "pão <strong>de</strong> cada dia" custe o que<br />
custar na base do vale-tudo. Para este<br />
indivíduo, cidadania é apenas mais uma<br />
palavra no dicionário sem significado<br />
prático, e política é apenas mais um<br />
meio <strong>de</strong> ganhar a vida.<br />
Sem mediações para a sua in-<br />
tervenção política, como sindicatos, as-<br />
sociações ou partidos, os indivíduos se<br />
fragilizam diante do po<strong>de</strong>r dos<br />
governantes e per<strong>de</strong>m a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fiscalizar as atitu<strong>de</strong>s do executivo e<br />
do legislativo, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> exercer um<br />
direito fundamental para a constituição<br />
da cidadania. Assim é que muitos ainda<br />
se surpreen<strong>de</strong>m com a bem humorada<br />
<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Josias <strong>de</strong> Souza (FSP), que<br />
comparou o programa do governo Col-<br />
lor, na campanha,com o programa em<br />
execução do governo Collor, no gover-<br />
no. E ridiculariza o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>-<br />
monstrando as suas discrepáncias e o<br />
seu cinismo. On<strong>de</strong> se lia, durante a<br />
campanha, "<strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>scartar um pla-<br />
no concebido em laboratórios acadê-<br />
micos", leia-se, no governo, "lá vem o<br />
plano 'Brasil Novo' que promete inau-<br />
gurar uma nova série <strong>de</strong>les". On<strong>de</strong> em<br />
campanha se lia, "as datas-bases <strong>de</strong>vem<br />
se transformar em oportunida<strong>de</strong> para a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> aumentos reais (...), ao<br />
invés <strong>de</strong> representarem penosos emba-<br />
tes para discutir a mera reposição <strong>de</strong><br />
perdas já impostas", hoje, no governo,<br />
se lê "e tome arrocho". Como fazer<br />
com que a opinião pública se comova e<br />
reaja diante <strong>de</strong> tanta hipocrisia?<br />
Estes questionamentos não<br />
são nada simples. Por que o sujeito não<br />
se indigna frente à corrupção, à hipo-<br />
crisia ou à violência da gran<strong>de</strong> máquina<br />
estatal, em função <strong>de</strong> estar brutalizado,<br />
convivendo e lidando, como autor e ví-<br />
tima, <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> con-<br />
duta em um jogo <strong>de</strong>sumanizante que<br />
rola no seu espaço-o tempo todo. Um<br />
jogo que acaba, por exemplo, com a<br />
aparente contradição <strong>de</strong> quem votou<br />
em Lula em 89, e em Já<strong>de</strong>r ou ACM<br />
em 90. Tudo regido, <strong>de</strong> uma forma ou<br />
<strong>de</strong> outra, pela fórmula, "leve vantagem<br />
em tudo, certo?".<br />
Luta Cultural<br />
A luta política, neste país-<br />
continente, <strong>de</strong> milhões integrados por<br />
milhões <strong>de</strong> tv's (certamente o nosso<br />
mais forte laço <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> do<br />
Oiapoque ao Chuí), é mais do que<br />
nunca uma luta cultural. É preciso ope-<br />
rar por <strong>de</strong>ntro do imaginário popular,<br />
impregnado pela hipocrisia, pela gros-<br />
seria e pela <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>, reconsti-<br />
tuindo-o em um sentimento humanista,<br />
plural, com forte senso <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong><br />
e justiça a partir dos nossos concretos<br />
exemplos <strong>de</strong> vida até a elaboração <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s políticas. É preciso que a ela-<br />
boração <strong>de</strong> políticas tenham manejos<br />
culturais, que incidam sobre a ética e os<br />
valores morais da socieda<strong>de</strong> no sen-<br />
tido da libertação, e não mais da<br />
opressão.<br />
"Que bom seria se cada<br />
sindicato tivesse uma escoli-<br />
nha".<br />
É preciso reverter a tendência<br />
da socieda<strong>de</strong> que prefere espontanea-<br />
mente se organizar em grupos <strong>de</strong> ex-<br />
termínio ou em bandos mafiosos (em<br />
busca <strong>de</strong> resultados rápidos para os<br />
seus problemas) do que buscar organi-<br />
CUIRA
zações do tipo sindicato, partido, igreja<br />
(salvo as pentecostais) etc. É também<br />
preciso buscar novas formas <strong>de</strong> organi-<br />
zação. Os jornais divulgam mais o<br />
jogo <strong>de</strong> bastidores das campanhas do<br />
que as idéias dos candidatos. Isto por-<br />
que o que ven<strong>de</strong> mais é a tramóia, o ar-<br />
dil. E os politicamente marginalizados,<br />
os setores populares e progressistas or-<br />
ganizados,não percebem a importância<br />
<strong>de</strong>sse fato, e marginalizam-se cada vez<br />
mais sem divulgar as suas idéias.<br />
Cabral, o ministro, <strong>de</strong>ixa a<br />
Anistia Internacional esperando para<br />
aten<strong>de</strong>r Cláudia Raia e isso quase passa<br />
<strong>de</strong>spercebido. Collor manda processar<br />
a Folha <strong>de</strong> São Paulo por revelar a ver-<br />
da<strong>de</strong> sobre a contratação <strong>de</strong> agências<br />
<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> sem concorrência, e os<br />
sindicatos não participam da <strong>de</strong>fesa<br />
com peso. Provavelmente, se não for<br />
ampliado o entendimento da luta polí-<br />
tica para muito além da luta econômica,<br />
o gueto será líquido e certo. Isso vale<br />
para os partidos, sindicatos, asso-<br />
ciações etc.<br />
Educação Paralela<br />
Mas, nem tudo é sombra e <strong>de</strong>-<br />
solação: eis que surge uma iniciativa<br />
das mais felizes e inteligentes dos últi-<br />
mos tempos. O lançamento do Pro-<br />
grama Educação Urgente do governo<br />
paralelo organizado a partir do PT.<br />
Uma iniciativa que rompe com a tra-<br />
dição da oposição <strong>de</strong> esquerda que li-<br />
mita-se ao embate econômico e dá um<br />
salto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> na disputa política,<br />
colocando em xeque o governo Collor,<br />
<strong>de</strong>safiando a sua coerência e se colo-<br />
cando <strong>de</strong> igual para igual.<br />
O fato do primeiro programa<br />
ser sobre Educação acerta em cheio<br />
um dos focos <strong>de</strong> nossa crise, propondo<br />
medidas concretas e viáveis, além <strong>de</strong><br />
servir <strong>de</strong> exemplo ao conjunto do mo-<br />
vimento popular e sindical, propondo<br />
talvez que as associações e sindicatos<br />
passem a levar tão a sério a questão da<br />
educação quanto levam a questão sala-<br />
rial. Absurdo? Que bom seria se cada<br />
sindicato tivesse uma escolhinha <strong>de</strong> al-<br />
fabetização ou capacitação pfofissiona<br />
para a categoria, revolucionando a sua<br />
relação com os trabalhadores através<br />
<strong>de</strong> metodologias participativas, dialéti-<br />
cas, para a formação <strong>de</strong> indivíduos crí-<br />
ticos e criativos.<br />
26<br />
CUIRA<br />
Talvez seja necessário que a<br />
esquerda não seja tão "esquerda", co-<br />
mo é vista pela maioria da socieda<strong>de</strong>,<br />
para perceber, como nos sugeriu Luís<br />
Roberto Alves, professor da ECA-<br />
USP, em recente seminário oromovido<br />
pelo CELADEC.que "na verda<strong>de</strong>,<br />
quando um eleitor troca o seu voto por<br />
um par <strong>de</strong> sapatos, é porque esta c a<br />
sua forma <strong>de</strong> reagir, na medida em que<br />
conclui que a política, da maneira co-<br />
mo é feita, faz, <strong>de</strong> fato, com que o seu<br />
voto não valha muito mais do que um<br />
par <strong>de</strong> sapatos". Devemos perceber<br />
ainda que esta postura não <strong>de</strong>ve rece-<br />
ber o rótulo fácil da "alienação", por-<br />
que no universo concreto daquele in-<br />
divíduo, aquela era a melhor conduta<br />
diante <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> constituída. Às<br />
^ret >^'<br />
vezes, quando se taxa uma postura co-<br />
mo esta <strong>de</strong> "alienada", não compreen-<br />
<strong>de</strong>mos que trata-se <strong>de</strong> uma alienação<br />
em relação aos que se gostaríamos que<br />
a realida<strong>de</strong> fosse, mas não é. Ao seu jei-<br />
to, o chamado "senso comum", muitas<br />
vezes <strong>de</strong>monstra muito mais conexão<br />
com a realida<strong>de</strong> do que muitos <strong>de</strong> nós.<br />
Logo, é preciso perceber que quando<br />
confundimos a realida<strong>de</strong> com o que<br />
gostaríamos que ela fosse, aí sim en-<br />
contramos a "alienação". É, não vai re-<br />
solver culpar o povo pelos nossos insu-<br />
cessos.<br />
João Cláudio Airoyo é educador popular, Coor<strong>de</strong>nador do nú-<br />
cleo <strong>de</strong> Editoração e Comunicação da UNIPOP.
MOVIMENTO SINDICAL<br />
Collor, o Bonapartismo<br />
e o Sindicalismo<br />
Ricardo Antunes<br />
Quando se lança o olhar para a<br />
campanha eleitoral e para o<br />
período posterior à posse, pa-<br />
recem evi<strong>de</strong>ntes os traços que apresen-<br />
tam similitu<strong>de</strong>s entre Collor e o bona-<br />
partismo. Não, naturalmente, aqueles<br />
traços que remetem à persona do pri-<br />
meiro Bonaparte, o Napoleão. Este foi<br />
um <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> uma Revolução<br />
<strong>de</strong>cisiva. Collor nos remete ao segundo<br />
Bonaparte, o Luís Bonaparte, o sobri-<br />
nho, que celebrizou-se na França por<br />
ter sido responsável por um golpe <strong>de</strong><br />
estado... Nãc. se trata, entretanto, <strong>de</strong><br />
buscar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre singularida<strong>de</strong>s<br />
muito distintas, como a França <strong>de</strong><br />
meados do século passado e o Brasil<br />
dos anos 90. Este caminho-recurso me-<br />
todológico duvidoso- resultaria em al-<br />
go muito pouco fértil, senão grotesco.<br />
Há, entretanto, uma dimensão univer-<br />
salizante, presente no fenômeno social<br />
e político do bonapartismo e que, por<br />
isso, faz com que este conceito, ori-<br />
ginário da contextualida<strong>de</strong> francesa,<br />
em muito a transcenda. Cremos que<br />
somente neste plano torna-se possível<br />
fazer alusão às conexões existentes en-<br />
tre Collor e o bonapartismo.<br />
"No dia da posse, o presi-<br />
<strong>de</strong>nte jurou dar 'a vida', se<br />
necessário, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
os pobres".<br />
plano Collor é exemplar a este respei-<br />
to. Tem um télos que visa a mo<strong>de</strong>rni-<br />
da<strong>de</strong> do gran<strong>de</strong> capital e, para alcançar<br />
tal objetivo, implementa algumas me-<br />
didas que, em sua imediatida<strong>de</strong>, e só<br />
neste plano, ferem aspectos <strong>de</strong> setores<br />
do capital. Voltaremos a este ponto<br />
mais adiante.<br />
Os <strong>de</strong>safios do Governo Collor no sindicalismo combativo são<br />
muitos, mas os resultados do sindicalismo <strong>de</strong> Magri e Me<strong>de</strong>i-<br />
ros são reveladores: Magri, o ministro - bibelô, nada resolve,<br />
apenas enfeita o primeiro escalão do governo. Enquanto que<br />
Me<strong>de</strong>iros limita-se a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r migalhas aos aposentados, con-<br />
tando com o apoio da collorida Re<strong>de</strong> Globo.<br />
A primeira <strong>de</strong>las remete-nos<br />
ao fato <strong>de</strong> que nos projetos bonapartis-<br />
tas os interesses gerais da Or<strong>de</strong>m são<br />
sempre prevalentes, mesmo quando,<br />
em alguns aspectos contigenciais, estes<br />
setores dominantes, são atingidos. O<br />
28<br />
CUÍRA<br />
Uma segunda dimensão in-<br />
trínseca ao bonapartismo advém do fato<br />
<strong>de</strong> que a persona do Bonaparte carece<br />
<strong>de</strong> uma massa <strong>de</strong> manobra que permita<br />
calibrar a sua autonomia relativa frente<br />
aos interesses dominantes. Na França<br />
<strong>de</strong> Luís Bonaparte, o campesinato e o<br />
lumpem-proletariado prestaram-se a<br />
este papel. Aqui aflora a figura mais di-<br />
fusa, mas real, dos "<strong>de</strong>scamisados", dos<br />
"pés <strong>de</strong>scalços", este enorme contigen-<br />
te que vivência, em sua cotidianeida<strong>de</strong>,<br />
condições as mais adversas. E que crê<br />
na na figura do Presi<strong>de</strong>nte, dando-lhe<br />
apoio muitas vezes incondicional. E<br />
Collor usa com enorme sabedoria polí-<br />
tica esta "relação direta com as mas-<br />
sas". Lembre-se aqui da fala presi<strong>de</strong>n-<br />
cial no Parlatório, no dia da Posse,<br />
quando jurou dar "a vida", se necessá-<br />
rio, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r "os pobres".<br />
Mas o bonapartismo não pára<br />
aí. Ten<strong>de</strong> a uma constante regressão do<br />
po<strong>de</strong>r parlamentar. Neste sentido, a<br />
forma pela qual Collor encaminhou ao<br />
Congresso as Medidas Provisórias<br />
(muitas <strong>de</strong>las, como já se falou à<br />
exaustão, claramente anliconstitucio-<br />
nais) expressa limpadamente esta di-<br />
mensão acima aludida. E já há outros<br />
exemplos: os vetos presi<strong>de</strong>nciais. De-<br />
pois da aprovação da M.P. 168, Collor<br />
vetou praticamente todos os acordos<br />
feitos pelos seus representantes parla-<br />
mentares. Não po<strong>de</strong> haver maior <strong>de</strong>s-<br />
prezo ao Parlamento que a sua pura e<br />
simples <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração. A tendência<br />
autocrática e ditatorial foi o traço co-<br />
mum a todas as manifestações bona-<br />
partistas. Veja-se, além da experiência<br />
francesa, a Alemanha da era Bismarc-<br />
kiana. Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi-<br />
<strong>de</strong>rar, nesta aproximação entre Collor<br />
e o bonapartismo, a sua dimensão "a-<br />
ventureira". Era a saída possível, <strong>de</strong><br />
uma Or<strong>de</strong>m, num quadro eleitoral em<br />
que seus representantes, <strong>de</strong> Maluf a<br />
Ulysses, passando pelo ensaio da can-
didatura Jânio, não conseguiram <strong>de</strong>co-<br />
lar. Em contrapartida, as opções pela<br />
esquerda, com Lula e Brizola, assusta-<br />
vam crescentemente os <strong>de</strong>fensores do<br />
statusquo. Collor foi a expressão (bem<br />
sucedida) <strong>de</strong> um improviso necessá-<br />
rio, da Or<strong>de</strong>m, frente aos riscos presen-<br />
tes no quadro eleitoral.<br />
Há, entretanto, pontos origi-<br />
nais que conformam o nosso bonapar-<br />
tismo recente. E o entendimento do<br />
significado do Plano nos auxilia enor-<br />
memente, uma vez que se trata <strong>de</strong> um<br />
governo recentemente empossado e<br />
com um período <strong>de</strong> mandato que, ob-<br />
viamente, po<strong>de</strong> permitir indicações<br />
e não análises conclusivas.<br />
Duas consi<strong>de</strong>rações prelimi-<br />
nares são imperiosas: é preciso apreen-<br />
<strong>de</strong>r o Plano em sua essencialida<strong>de</strong>, em<br />
sua dimensão globalizante, em seu té-<br />
los, e não se per<strong>de</strong>r na sua dimensão<br />
contigencial, fenomênica, epidérmica.<br />
O que implica captar as articulações<br />
recíprocas entre as dimensões econô-<br />
micas e políticas, presentes no Plano.<br />
Obvieda<strong>de</strong> que, uma vez <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra-<br />
da tem levado a resultados tristes. A<br />
fratura <strong>de</strong>stes níveis ajuda a enten<strong>de</strong>r,<br />
por exemplo, a aproximação tão gran<strong>de</strong><br />
entre os economistas da Or<strong>de</strong>m e do<br />
"da oposição", efusivos com a coerên-<br />
cia técnica do Plano.<br />
O seu sentido essencial, mui-<br />
tos já o disseram, é dar um novo salto<br />
para a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> capitalista. Um<br />
"neo-juscelinismo" mesclado com o<br />
i<strong>de</strong>ário do pós-64, contextualizado para<br />
os anos 90. É o acentuar do mo<strong>de</strong>lo<br />
produtor para exportação, competitivo<br />
frente às economias avançadas, o que<br />
supõe a franquia da nossa produção<br />
aos capitais monopólicos externos. Tu-<br />
do em clara integração com o i<strong>de</strong>ário<br />
neo-liberal. A privatização do Estado<br />
preenche outro requisito imprescindível<br />
<strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>ário. Os procedimentos para a<br />
obtenção <strong>de</strong>ste télos segue, em dose<br />
única, o essencial do receituário do<br />
FMl:o enxugamento da liqui<strong>de</strong>z, o<br />
quadro recessivo <strong>de</strong>corrente, a redução<br />
do déficit público, a "mo<strong>de</strong>rnização"<br />
(privatista) do Estado, o estímulo às<br />
exportações e, é claro, a prática do ar-<br />
rocho salarial, secularmente utilizada<br />
em nosso país. É um <strong>de</strong>senho econômi-<br />
co nitidamente neo-liberal. O "inter-<br />
vencionismo exacerbado", presente no<br />
Plano e que <strong>de</strong>sagradou os setores mais<br />
à direita, lembra a última medida ne-<br />
cessária para uma lógica <strong>de</strong> um Estado<br />
que se quer todo privatizado. É a sim-<br />
biose entre a proposição política auto-<br />
crática e a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundo<br />
neo-liberal. O caso chileno, entre mui-<br />
tos outros, mostra que não há nenhu-<br />
ma incompatibilida<strong>de</strong> entre estes planos.<br />
Neste sentido, o confisco <strong>de</strong><br />
recursos financeiros, o aumento da car-<br />
ga tributária sobre os ganhos <strong>de</strong> capi-<br />
tal, a punição aos abusos do po<strong>de</strong>r<br />
econômico, os crimes contra o Estado,<br />
etc, atingem somente na imediatida<strong>de</strong>,<br />
na contigência, na circunstancialida<strong>de</strong>,<br />
os interesses do gran<strong>de</strong>capital,poisoho<br />
rizonte aberto com o Plano lhes é fran-<br />
camente favorável. O mesmo não po<strong>de</strong><br />
ser dito em relação ao pequeno e mé-<br />
dio capital e a chamada economia infor-<br />
mal, que viverão dias difíceis. Tudo<br />
isso, entretanto, possibilita a oscilação<br />
existente, no seio empresarial, entre<br />
uma a<strong>de</strong>são total ao Plano e a tentativa<br />
<strong>de</strong> "relaxá-lo", "sem per<strong>de</strong>r a sua<br />
essência". Idéia que se expressa lapi-<br />
darmente na frase: "o remédio está<br />
correto, mas a dose é exagerada". Essa<br />
ambigüida<strong>de</strong> é, aliás, a expressão dos<br />
"O Plano é a simbiose entre<br />
a proposição política auto-<br />
crátíca e a essencialida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fundo neo-liberal".<br />
limites da consciência da Or<strong>de</strong>m em<br />
nosso país: ela tem seus pés muito pre-<br />
sos no Hic et nunc, e fica sempre teme-<br />
rosa frente a projetos que impliquem<br />
perdas iniciais, visando ganhos pos-<br />
teriores. A resistência da burguesia in-<br />
dustrial ao Varguismo, ao longo da dé-<br />
cada <strong>de</strong> 30, e a reação ao Plano Cruza-<br />
do, através da escassez <strong>de</strong> produtos, são<br />
alguns exemplos <strong>de</strong>ste temor. As nos-<br />
sas classes dominantes não gostam nem<br />
mesmo da tática <strong>de</strong> empatar no pri-<br />
meiro-tempo, para ganhar o jogo no<br />
segundo-tempo. E veja-se que o Plano<br />
não faz-porque aí sim feriria os inte-<br />
resses dominantes - nenhuma referên-<br />
cia a uma mudança radical na política<br />
econômica e no padrão <strong>de</strong> acumulação,<br />
visando a erradicação da miséria e o<br />
fim do arrocho salarial; nenhuma<br />
alusão à enorme sucção <strong>de</strong> capitais, que<br />
migram para o Primeiro Mundo; ne-<br />
"O sindicalismo combativo<br />
centrará inicialmente suas<br />
ações na forma mais <strong>de</strong>fen-<br />
siva <strong>de</strong> todas as suas lutas:<br />
a preservação do emprego.<br />
£ o fará através do con-<br />
fronto".<br />
nhuma referência séria à reforma agrá-<br />
ria e nehuma referência à <strong>de</strong>sprivati-<br />
zação do Estado. Estes, sim, pontos<br />
que interessam <strong>de</strong>cisivamente àqueles<br />
que vivem do seu trabalho. Neste pólo,<br />
po<strong>de</strong>m-se prever momentos <strong>de</strong> extrema<br />
dificulda<strong>de</strong>. Os setores mais organiza-<br />
dos, que constituem a base social do<br />
sindicalismo combativo, centrarão ini-<br />
cialmente suas ações na forma mais <strong>de</strong>-<br />
fensiva <strong>de</strong> todas as suas lutas: a preser-<br />
vação do emprego; manter-se enquanto<br />
ser-que-vive-do-seu-trabalho. E o farão<br />
através <strong>de</strong> um sindicalismo <strong>de</strong> confron-<br />
to, uma vez que suas reivindicações en-<br />
contrarão ainda maiores resistências no<br />
interior do mundo patronal. O sindica-<br />
lismo <strong>de</strong> resultados, este sim viverá seu<br />
primeiro momento <strong>de</strong> crise: não co-<br />
lherá resultados e verá aumentar o <strong>de</strong>s-<br />
contentamento em suasbases.Ficará en-<br />
tre a a<strong>de</strong>são ao projeto neo-liberal do<br />
Governo Collor e a espontaneida<strong>de</strong><br />
tensa das bases. Os segmentos mais <strong>de</strong>-<br />
sorganizados, que conferem base social<br />
a Collor, colherão as agruras oriun-<br />
das <strong>de</strong> recessão, arrocho, <strong>de</strong>sempre-<br />
gro etc.<br />
Para concluir este artigo, que<br />
sugere similitu<strong>de</strong>s entre Collor e o bo-<br />
napartismo, vale a pena apontar para<br />
uma diferença, entre muitas outras<br />
existentes. Uma diferença básica, ele-<br />
mentar, mas <strong>de</strong>cisiva quando se trafega<br />
no mundo da política: o Luís Bonapar-<br />
te vivenciou uma crise social no univer-<br />
so do Primeiro Mundo; aqui, o bona-<br />
parlismo <strong>de</strong> Collor encontrou uma si-<br />
tuação social muito mais grave e instá-<br />
vel. Que não dá margem a muitas pre-<br />
visões.<br />
Ricardo Anlunes é professor Doutor em sociologia na UNI-<br />
CAMP SP e autor, entre outros livros, <strong>de</strong> A Rebeldia do Trabalho<br />
(Ed Unícamp/Ed Ensaio) e O que é Sindical(smo?(Ed Brasi-<br />
liense)<br />
29<br />
CUIRA
MOVIMENTO POPULAR<br />
Meninos e Meninas <strong>de</strong>Rua<br />
Em IQ^S<br />
Roberto<br />
P a r k<br />
usou o conceito<br />
<strong>de</strong> "homem<br />
marginal" no<br />
sentido <strong>de</strong> carac-<br />
terizar as popu-<br />
lações imigran-<br />
tes que procura-<br />
vam se integrar<br />
na socieda<strong>de</strong><br />
norte - america-<br />
na. Na América<br />
Latina o termo<br />
passa a ser utili-<br />
zado, principal-<br />
mente após a 2 a<br />
Guerra Mundial,<br />
quando ocorreu<br />
uma aceleração<br />
do ritmo <strong>de</strong> ur-<br />
banização e imi-<br />
gração interna.<br />
Segun-<br />
do Park, o ho-<br />
mem marginal<br />
seria aquele a<br />
quem o "<strong>de</strong>stino<br />
con<strong>de</strong>nou a vi-<br />
ver em duas so-<br />
cieda<strong>de</strong>s e em<br />
duas culturas<br />
não apenas dife-<br />
rentes, mas an-<br />
tagônicas". Na<br />
América Latina<br />
o termo está li-<br />
gado ao <strong>de</strong>sen-<br />
volviment o<br />
econômico. Em outras palavras, a mar-<br />
ginalida<strong>de</strong> na América Latina resulta<br />
<strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento indus-<br />
trial que não incorporou extensas ca-<br />
madas sociais, as quais não têm acesso<br />
aòs frutos <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Percebe-se então que o con-<br />
ceito <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> é utilizado <strong>de</strong>n-<br />
tro <strong>de</strong> dois campos <strong>de</strong> entendimento:<br />
um no campo da personalida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o<br />
indivíduo é consi<strong>de</strong>rado marginal por<br />
pertencer a duas culturas. Serve para<br />
caracterizar um grupo internamente<br />
<strong>de</strong>sarticulado. Por outro lado, o concei-<br />
to <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> serve para se refe-<br />
rir à carência <strong>de</strong> participação social,<br />
30<br />
CUÍRA<br />
-.■ms m<br />
Marginalida<strong>de</strong>:<br />
Opção<br />
ou imposição?<br />
Jair Gomes da Silva Noêmia Freitas Cavalcanti<br />
Vagam em bandos ou solitários,<br />
trombando com a insensibilida<strong>de</strong><br />
das pessoas, <strong>de</strong>nunciando a hipo-<br />
crisia da socieda<strong>de</strong> e atestando o<br />
fracasso escandaloso do capitalis-<br />
mo como solução universal para a<br />
humanida<strong>de</strong>. No Brasil, os meni-<br />
nos e meninas <strong>de</strong> rua são mais <strong>de</strong><br />
25 milhões, e isto diz quase tudo.<br />
i.-píw<br />
ao isolamento e mes-<br />
mo à falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifi-<br />
cação aos padrões da<br />
cultura dominante ou<br />
é empregado como<br />
sinônimo <strong>de</strong> pobreza<br />
cultural ou <strong>de</strong> popu-<br />
lação <strong>de</strong> baixa renda.<br />
Po<strong>de</strong>mos<br />
então observar a<br />
existência <strong>de</strong> duas<br />
concepções distintas<br />
<strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>:<br />
uma que se volta para<br />
a personalida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />
seu enfoque central é<br />
o estudo do <strong>de</strong>sajus-<br />
tamento psicológico<br />
do homem submetido<br />
a viver em duas cultu-<br />
ras diferentes; a outra<br />
se volta para a análise<br />
das relações sociais<br />
das populações cha-<br />
madas marginais. Esta<br />
última acepção se di-<br />
vi<strong>de</strong> em duas vertentes<br />
interpretativas: a Fun-<br />
cionalista e a Históri-<br />
co-estrutural.<br />
A marginalida<strong>de</strong> na<br />
Teoria Funcionalista.<br />
Dentro da<br />
Teoria Funcionalista a<br />
marginalida<strong>de</strong> possui<br />
como tema central "a<br />
falta <strong>de</strong> integração", e,<br />
baseando-se na teoria da mo<strong>de</strong>rnização<br />
expõe que, para que um país atinja um<br />
grau avançado <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização é ne-<br />
cessário que ele passe por um processo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cumprindo várias<br />
etapas, até que atinja essa mo<strong>de</strong>rni-<br />
zação, que é vista como um processo <strong>de</strong><br />
melhoramento e <strong>de</strong> progresso técnico<br />
industrial através <strong>de</strong> mudanças sociais e<br />
tecnológicas que se opera <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
mesmo padrão estrutural. Essa mo<strong>de</strong>r-<br />
nização possui como mo<strong>de</strong>lo os países<br />
<strong>de</strong>senvolvidos da Europa Oci<strong>de</strong>ntal e a<br />
América do Norte.
Concepções sobre a margina-<br />
lida<strong>de</strong> na perspectiva funcionalista.<br />
- Marginalida<strong>de</strong> como um<br />
problema físico-ecológico:<br />
Dentro <strong>de</strong>ssa concepção, o<br />
marginal é o indivíduo que é i<strong>de</strong>ntifi-<br />
cado através <strong>de</strong> sua situação <strong>de</strong> mora-<br />
dia (favelas, cortiços, mocambos), e<br />
que po<strong>de</strong>ria explicar diversas carac-<br />
terísticas sociais, econômicas, culturais<br />
e políticas, e que trazem em seu bojo a<br />
criminalida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>semprego, a instabi-<br />
lida<strong>de</strong> e a alienação política.<br />
pobreza:<br />
Marginalida<strong>de</strong> e cultura <strong>de</strong><br />
A pobreza das populações<br />
marginais seria o fator dinâmico a difi-<br />
cultar a participação <strong>de</strong>ssas populações<br />
na esfera da cultura nacional, criando<br />
<strong>de</strong>sse modo uma subcultura, um mundo<br />
à parte. Seus principais aspectos po-<br />
<strong>de</strong>m ser apresentados da seguinte<br />
forma:<br />
1- Ausência <strong>de</strong> participação e<br />
integração efetiva dos pobres nas prin-<br />
cipais instituições da socieda<strong>de</strong>;<br />
2- No âmbito da família:<br />
ausência <strong>de</strong> infância, iniciação sexual<br />
precoce, uniões livres, casamentos con-<br />
sensuais, ocorrência relativamente fre-<br />
qüente <strong>de</strong> abandono do lar;<br />
3- Condições precárias <strong>de</strong> ha-<br />
bitação;<br />
4- Forte sentimento <strong>de</strong> mar-<br />
ginalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>samparo, <strong>de</strong>pendência e<br />
<strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>.(l)<br />
- Marginalida<strong>de</strong> como falta <strong>de</strong><br />
participação:<br />
Dentro <strong>de</strong>ssa concepção a<br />
marginalida<strong>de</strong> se caracteriza pela falta<br />
<strong>de</strong> participação <strong>de</strong> parcela da popu-<br />
lação na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos, benefícios e<br />
na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões da socieda<strong>de</strong>. Essa<br />
falta <strong>de</strong> participação resulta apenas da<br />
falta <strong>de</strong> organização interna dos grupos<br />
marginalizados.<br />
- Marginalida<strong>de</strong> como resíduo<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento econômico:<br />
Justifica esta concepção que<br />
o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento'<br />
econômico ocorre paulatinamente, <strong>de</strong>'<br />
forma que não é capaz <strong>de</strong> beneficiar<br />
toda a população <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ao<br />
mesmo tempo. Mas, na medida em que<br />
se atinge esse estágio i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento, o grupos marginais pas-<br />
sarão a participar dos benefícios mate-<br />
riais e culturais resultantes do processo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país.<br />
Marginalida<strong>de</strong> sob a perspec-<br />
tiva Histórico-Estrutural.<br />
A concepção sobre margina-<br />
lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da análise histórico-es-<br />
trutural parte do princípio <strong>de</strong> que as<br />
"A marginalida<strong>de</strong> caracteriza-<br />
se como um fenômeno estrutu-<br />
rai."<br />
populações marginalizadas cm termos<br />
sociais integram o sistema c funcionam<br />
como ingredientes <strong>de</strong> seu dinamismo<br />
apesar das "contradições", "conflitos"<br />
e "dominação", ou seja, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa<br />
concepção a marginalida<strong>de</strong> seria uma<br />
maneira (modo) <strong>de</strong> se inserir na estru-<br />
tura global da socieda<strong>de</strong>, isto é, ela<br />
(população marginal) é parte integran-<br />
te <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>.<br />
Essa população marginal vai<br />
se caracterizar pela carência <strong>de</strong> recur-<br />
sos produtivos e por ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> baixa<br />
produtivida<strong>de</strong> econômica, sendo que<br />
essas ocupações <strong>de</strong> baixa produtivida<strong>de</strong><br />
têm mercado <strong>de</strong> trabalho reduzido c<br />
instável no plano individual e estáveis<br />
a nível estrutural. Esses fatores levam a<br />
uma geração <strong>de</strong> renda limitada e instá-<br />
vel.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />
"marginal" essa população ocupa uma<br />
função vital para o Sistema Capitalistas<br />
pois é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa população que se<br />
cria uma força <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> baixo<br />
custo para o sistema capitalista já que o<br />
seu tipo <strong>de</strong> habitação e o seu grau <strong>de</strong><br />
utilização <strong>de</strong> serviços públicos tais co-<br />
mo saú<strong>de</strong>, saneamento, energia elétri-<br />
ca e educação é mínimo.<br />
Partindo do exposto, con-<br />
clui-se que a marginalida<strong>de</strong> caracteri-<br />
za-se como um fenômeno estrutural,<br />
resultante <strong>de</strong> contradições básicas do<br />
sistema e não <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajustes ou dis-<br />
funções que atrapalham o funciona-<br />
mento e o equilíbrio social.<br />
Dentro <strong>de</strong>sse fenômeno estru-<br />
tural observa-se que a força <strong>de</strong> trabalho<br />
que não consegue se inserir nas ativi-<br />
da<strong>de</strong>s tipicamente capitalistas passa<br />
então a exercer ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho ar-<br />
caico e normalmente ocupações<br />
"São as crianças que estão<br />
carregando o fardo mais pesa-<br />
do do progresso".<br />
autônomas <strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> mercado-<br />
rias, os pequenos serviços <strong>de</strong> reparação<br />
e manutenção e os empregos domésti-<br />
cos remunerados, além das várias for-<br />
mas <strong>de</strong> subemprego, trabalhos ocasio-<br />
nais e intermitentes.<br />
É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse quadro <strong>de</strong> ex-<br />
ploração e exclusão que vamos locali-<br />
zar os meninos e meninas trabalhado-<br />
res que tentam a sobrevivência nas ruas<br />
da cida<strong>de</strong> e que são auxiliados nesse<br />
processo pelo Movimento República<br />
do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />
O Menor Trabalhador<br />
Opção ou Imposição Social?<br />
Atualmente são as crianças<br />
que sofrem as mais graves conseqüên-<br />
cias da crise econômica que assola o<br />
Terceiro Mundo. E no bojo <strong>de</strong>sta crise<br />
está a questão da dívida externa, cujo<br />
pagamento penaliza os mais pobres,<br />
aqueles que menos usufruíram dos bi-<br />
lhões <strong>de</strong> dólares irresponsavelmente<br />
emprestados <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sonesta.<br />
Estima-se em meio milhão o<br />
número <strong>de</strong> crianças mortas nos países<br />
sub-<strong>de</strong>senvolvidos como resultado <strong>de</strong>s-<br />
sa "or<strong>de</strong>m" econômica vigente. Em ou-<br />
31<br />
CUÍRA
trás palavras, são as crianças que estão<br />
carregando o fardo mais pesado do<br />
"progresso".<br />
Para quase novecentos mi-<br />
lhões <strong>de</strong> pessoas, aproximadamente um<br />
sexto da humanida<strong>de</strong>, a marcha do pro-<br />
gresso humano tornou-se, agora, um<br />
retrocesso. Em muitas nações, o <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento está em marcha-a-ré. O es-<br />
tado <strong>de</strong> penúria e miséria que se espa-<br />
lha pelo mundo não vem ocorrendo em<br />
partes isoladas do mundo, ou em <strong>de</strong>-<br />
terminado tempo, mas sim ao longo<br />
dos anos e em vários continentes, seja<br />
nas favelas, nas malocas ou nas comu-<br />
nida<strong>de</strong>s rurais.<br />
No Brasil esta tragédia mani-<br />
festa-se não apenas nas taxas <strong>de</strong> óbitos<br />
infantis crescentes, mas também nos<br />
vinte e cinco milhões <strong>de</strong> crianças aban-<br />
donadas e marginalizadas em todos os<br />
pontos <strong>de</strong>ste país.<br />
A situação da criança no Bra-<br />
sil é uma das mais graves, principal-<br />
mente por ser uma população relati-<br />
vamente jovem, sendo aproximada-<br />
mente 50% <strong>de</strong>sta população formados<br />
<strong>de</strong> crianças, e que apenas uma minoria<br />
usufrui <strong>de</strong> bens básicos como saú<strong>de</strong>,<br />
educação, lazer, cultura, alimentação<br />
a<strong>de</strong>quada, etc.<br />
"Para quase um sexto da hu-<br />
manida<strong>de</strong>, a marcha do pro-<br />
gresso humano tornou-se um<br />
retrocesso."<br />
A maioria da população in-<br />
fantil brasileira encontra-se jogada nas<br />
ruas tentando sobreviver às custas <strong>de</strong><br />
mil estratégias, enfrentando a violên-<br />
cia, a discriminação, o perigo das dro-<br />
gas e da <strong>de</strong>linqüência.<br />
Os compromissos assumidos<br />
pelo Estado com esse contigente da<br />
população são dos mais duvidosos<br />
possíveis, pois os meios <strong>de</strong> comuni-<br />
cação lançam a público projetos com<br />
resultados eficazes, mas que <strong>de</strong> fato<br />
não influem em nada no interior <strong>de</strong>ssa<br />
parcela da população.<br />
O Brasil enfrenta graves<br />
questões que vão do campo às gran<strong>de</strong>s<br />
cida<strong>de</strong>s na questão da terra, do <strong>de</strong>sem-<br />
prego e do controle <strong>de</strong> bens, causando<br />
um profundo <strong>de</strong>snível no modo <strong>de</strong> vida<br />
da população.<br />
32<br />
CUÍRA<br />
A miséria também <strong>de</strong>sagrega a fairília<br />
É sabido que 10% da popu-<br />
lação brasileira <strong>de</strong>têm 90% da pro-<br />
dução <strong>de</strong> bens neste país, acirrando es-<br />
sa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe cada vez<br />
maior, sendo que toda essa crise é re-<br />
fletida <strong>de</strong> forma bastante cruel na<br />
existência da infância brasileira,que é<br />
obrigada a buscar a suasobrevivênciamo<br />
espaço das ruas, causando com isso<br />
uma trauma no crescimento do ser<br />
humano,que é obrigado a optar por um<br />
precoce comportamento adulto.<br />
A maior parte dos menores<br />
que trabalham ou vivem nas ruas,<br />
provém das famílias mais pauperizadas<br />
da classe trabalhadora. Geralmente os<br />
pais <strong>de</strong>stes menores apresentam baixo<br />
nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>squalificação<br />
profissional, não restando-lhes outra<br />
alternativa senão a inserção em setores<br />
economicamente improdutivos, carac-<br />
terizados por ocupações pouco rentá-<br />
veis, subempregos ou ativida<strong>de</strong>s autô-<br />
nomas; os que são absorvidos como<br />
trabalhadores em setores produtivos<br />
têm baixa remuneração por seu traba-<br />
lho. A instabilida<strong>de</strong> ocupacional ocorre<br />
frenqüentemente. Percebe-se portanto<br />
que a sobrevivência do grupo familiar<br />
só é- conseguida com gran<strong>de</strong>s sacrifí-<br />
cios.<br />
i<br />
Em caso da existência <strong>de</strong> uma<br />
família formalmente estruturada, os<br />
responsáveis por ela são obrigados a<br />
enfrentar, além da jornada <strong>de</strong> trabalho<br />
excessiva, a realização <strong>de</strong> "bicos" nos<br />
finais <strong>de</strong> semana. Em <strong>de</strong>corrência dis-<br />
so, acontece uma divisão sexual do tra-<br />
balho on<strong>de</strong> a menina assume preco-<br />
cemente o papel da mulher adulta nos<br />
serviços domésticos. Os meninos pas-<br />
sam também por processo semelhante<br />
<strong>de</strong> adultização precoce, <strong>de</strong>sempenhan-<br />
do tarefas que contribuam para o or-<br />
çamento familiar.
A obrigatorieda<strong>de</strong> do traba-<br />
lho <strong>de</strong>ssas crianças influenciará na<br />
maior ou menor freqüência à escola,<br />
resultando muitas vezes no seu total<br />
abandono, sendo portanto, precárias as<br />
condições <strong>de</strong> socialização do menor,<br />
tanto do ponto <strong>de</strong> vista material como<br />
psico-social e seu comportamento "an-<br />
ti-social" (cheirar cola, roubar, peram-<br />
bular pelas ruas, etc.) não é mais do<br />
que uma resposta a essas carências ma-<br />
teriais e afetivas que fazem parte <strong>de</strong> seu<br />
mundo. E é neste contexto que os<br />
menores passam a freqüentar a rua, em<br />
geral <strong>de</strong>sempenhando ativida<strong>de</strong>s como<br />
ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> saco, picolezeiros, lava-<br />
dores <strong>de</strong> carro, engraxates, ven<strong>de</strong>dores<br />
<strong>de</strong> cheiro, etc. A rua é um espaço livre,<br />
para eles não há uma separação rígida<br />
entre trabalho e lazer, mas apenas si-<br />
tuações vividas com maior ou menor<br />
periculosida<strong>de</strong>, experimentando assim<br />
uma vida <strong>de</strong> aventura, riscos e insegu-<br />
ranças. Porém o trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />
nas ruas apresenta realmente sérias di-<br />
ficulda<strong>de</strong>s. A disputa pelos espaços ur-<br />
banos mais freqüentados e rentáveis<br />
provocam um ambiente <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong><br />
entre os menores, pois os mais expe-<br />
rientes são favorecidos na ocupação<br />
dos melhores "pontos". Outro proble-<br />
ma é o assédio que enfrentam do Jui-<br />
zado <strong>de</strong> Menores, da polícia, dos fiscais<br />
da Prefeitura ("rapa") que os levam a<br />
assumir internamente o sentido <strong>de</strong><br />
clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s.<br />
Aos poucos esses menores<br />
vão adquirindo experiência e autono-<br />
mia na vivência do espaço urbano; <strong>de</strong>-<br />
senvolvem então a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> con-<br />
viver habilmente entre os limites da le-<br />
galida<strong>de</strong> e da contravenção. Apren<strong>de</strong>m<br />
a comportar-se a<strong>de</strong>quadamente com os<br />
diferentes personagens <strong>de</strong>sse espaço<br />
social (fiscais, prostitutas, polícia, etc.)<br />
e a nunca <strong>de</strong>sperdiçar a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pequenos furtos. Viver nas ruas é<br />
sempre um risco, mesmo para os que<br />
<strong>de</strong>dicam-se somente ao trabalho. To-<br />
dos eles estão em uma "situação irregu-<br />
lar" e, portanto, sujeitos a apreensão<br />
policial ou ao encaminhamento para<br />
uma instituição.<br />
- Meninos <strong>de</strong> rua - o dia-a-dia.<br />
Por uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coo-<br />
perar com o grupo familiar para sua<br />
sobrevivência, o menino cedo chega ao<br />
espaço da rua, seja para ganhar uns<br />
poucos trocados e voltar para sua casa,<br />
contribuindo assim diretamente com o<br />
orçamento doméstico, ou contribuindo<br />
indiretamente, ou seja, com sua ausên-<br />
cia no contexto familiar.<br />
Esses meninos provêm <strong>de</strong><br />
famílias das mais pauperizadas possí-<br />
veis, buscando na rua a alternativa para<br />
a satisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s bási-<br />
cas <strong>de</strong> sobrevivência, bem como a pró-<br />
pria participação social.<br />
Impossibilitados <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r<br />
sua força <strong>de</strong> trabalho no mercado for-<br />
mal,eles,enamaioriadas vezes a família<br />
toda, vêem-se obrigados a buscar sua<br />
"A infância brasileira é obriga-<br />
da a buscar sua sobrevivência<br />
na rua".<br />
sobrevivência na forma <strong>de</strong> trabalho "in-<br />
termitente" e "ocasional", on<strong>de</strong> se in-<br />
sere significativamente o "biscate", a<br />
única fonte <strong>de</strong> rendimento, ou seja, <strong>de</strong><br />
sobrevivência, sendo configuradas as<br />
formas <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s.<br />
Na rua, esses mesmos meninos<br />
e meninas estão expostos aos maltra-<br />
tos, exploração e violência <strong>de</strong> terceiros,<br />
daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cedo apren<strong>de</strong>rem<br />
a se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r para ocasiões mais difí-<br />
ceis, como coloca Sônia Cheniaux: "fa-<br />
ce a isto, o menino <strong>de</strong>ve adquirir uma<br />
percepção aguçada e crítica do que<br />
ocorre à sua volta, tanto a nível do fac-<br />
tual quanto a nível das relações". (2)<br />
Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobre-<br />
vivência dos meninos, que os leva ao<br />
espaço da rua, acaba por torná-los prá-<br />
ticos e criativos na solução dos pro-<br />
blemas do cotidiano. Como coloca Fis-<br />
cher Ferreira, se estas soluções e es-<br />
tratégias estão ou não próximas do di-<br />
reito e da moral, é uma questão que<br />
não po<strong>de</strong> fazer parte <strong>de</strong> seu universo <strong>de</strong><br />
preocupações, porque impediria o <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobre-<br />
vivência a qualquer custo. (3)<br />
Daí, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo estes meninos<br />
interiorizam que a socieda<strong>de</strong> espera<br />
que eles só venham resultar em serem<br />
criminosos, por já consi<strong>de</strong>rá-los assim<br />
criminosos em potencial.<br />
Na rua, esses meninos encon-<br />
tram-se numa situação-limite caracte-<br />
rizada pelo medo, já que a repressão<br />
policial exerce o "controle" social; isso<br />
resulta na insegurança e revolta do<br />
menor, conduzindo-o muitas vezes à <strong>de</strong>-<br />
liqüência.<br />
Assim, diariamente vão sur-<br />
gindo as dificulda<strong>de</strong>s, mas, a necessi-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência, aliada à satis-<br />
fação quase que imediata obtida com o<br />
trabalho <strong>de</strong>senvolvido nas ruas, faz<br />
com que a permanência <strong>de</strong>sses meninos<br />
na rua se justifique, mesmo correndo<br />
riscos e enfrentando perigos; mesmo<br />
porque a rua é o local on<strong>de</strong> se estabele-<br />
cem as relações <strong>de</strong> trabalho, vida, luta e<br />
sobrevivência. É na rua que o menino<br />
encontra seus companheiros, on<strong>de</strong> vive<br />
e on<strong>de</strong> também concilia lazer com tra-<br />
balho. É este espaço da rua que consti-<br />
tui o seu mundo e sua maior lição <strong>de</strong><br />
vida. Muitas vezes a rua é a única esco-<br />
la que freqüenta, on<strong>de</strong> apren<strong>de</strong> a so-<br />
breviver.<br />
No contexto do menino <strong>de</strong><br />
rua, encontra-se também a menina.<br />
Embora existam meninas no trabalho<br />
<strong>de</strong> rua, a sua presença é bem menor, já<br />
que freqüentemente elas assumem as<br />
responsabilida<strong>de</strong>s domésticas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce-<br />
do como arrumando a casa, cozinhan-<br />
do, lavando para os irmãos menores.<br />
Daí,o que ocorre na maioria das vezes é<br />
33<br />
CUIRA
que o menino 6 quem vai para a rua<br />
trabalhar, enquanto a menina perma-<br />
nece cuidando dos irmãos menores, dos<br />
serviços domésticos e algumas vezes,<br />
até freqüentando a escola.<br />
Assim, o que se verifica na<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sses meninos é que<br />
o trabalho é a via <strong>de</strong> acesso às "oportu-<br />
nida<strong>de</strong>s" <strong>de</strong> participação socialj já que<br />
eles não po<strong>de</strong>m competir em igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> condições numa socieda<strong>de</strong> altamen-<br />
te competitiva. Logo, o trabalho é a<br />
contingência a que estão sujeitos para<br />
sobreviver, e não uma forma <strong>de</strong> terapia<br />
ou <strong>de</strong> saída para a <strong>de</strong>liqiíência, como<br />
muitos acreditam.<br />
"O trabalho torna-se uma<br />
contingência necessária à sobrevivência<br />
34<br />
"Experimentado uma vida <strong>de</strong><br />
aventura, riscos e fnseguran*<br />
ça...os menores adquirem a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conviver habil-<br />
mente entre os limites da lega-<br />
lida<strong>de</strong> e da contravenção."<br />
<strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> residência localizado,<br />
que compartilha o que é possível com-<br />
partilhar - o produto <strong>de</strong> seu trabalho<br />
em níveis ínfimos, tais como a ativida<strong>de</strong><br />
No Ver-o-peso, cartão postal <strong>de</strong> Belém do Pará, centenas <strong>de</strong><br />
meninos e meninas disputam a sobrevivência enfrentando<br />
a indiferença e a violência policial<br />
CUIRA<br />
realizada pelos meninos na rua, o <strong>de</strong>-<br />
sempenho das tarefas domésticas pelas<br />
meninas ou, ainda, o trabalho realizado<br />
pela mulher, notadamente em 'casas<br />
<strong>de</strong> família' como empregadas domésti-<br />
cas". (4)<br />
As famílias <strong>de</strong>sses meninos,<br />
alijadas do processo <strong>de</strong> produção,lalém<br />
da condição <strong>de</strong> pauperização em que<br />
vivem, vêem-se na situação <strong>de</strong> sobre-<br />
vivência a qualquer custo, lançando<br />
mão <strong>de</strong> estratégias: para superar os<br />
obstáculos sociais que impe<strong>de</strong>m a sua<br />
inserção na divisão social do trabalho.<br />
Assim, o sistema social permite que es-<br />
sas crianças fiquem impedidas <strong>de</strong> ter o<br />
direito a uma infância normal, sendo<br />
levadas a trabalhar em condições pre-<br />
judiciais e incompatíveis com sua con-<br />
dição <strong>de</strong> crianças, sendo indiferente a<br />
essa situação.<br />
"...direito e moral náo po<strong>de</strong>m<br />
fazer parte do universo <strong>de</strong><br />
preocupações dos menores <strong>de</strong><br />
rua, porque Isso impediria o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua capa-<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência a<br />
qualquer custo".<br />
Dessa forma, o que se verifica<br />
é que esses meninos, vivendo em situa-<br />
ção <strong>de</strong> penúria^buscam na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
rua a satisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s<br />
básicas e <strong>de</strong> sobrevivência em uma so-<br />
cieda<strong>de</strong> que os conduz a uma vida <strong>de</strong><br />
instabilida<strong>de</strong> e insegurança, não apre-<br />
sentado-lhes nenhuma perspectiva <strong>de</strong><br />
participação social mais digna.<br />
Noèmia Freitas Cavalcanti e Jair Gomes da Silva sáo Bacharéis<br />
em Serviço Social pela UFPa<br />
1 Veja em Manoel losa Bcrlmek Marginalida<strong>de</strong> Social e re-<br />
lações <strong>de</strong> classe em São Paulo Petrópolis, Vozes. 1975, p,<br />
18 19<br />
2 CHEN1AUX, Sônia. Trapaceados e Trapaceiros - O menor <strong>de</strong><br />
rua e o Serviço Social Cortez Editora. Sáo Paulo, 1982. p.27<br />
3- FISCHER FERREIRA. Rosa Maria. Meninos <strong>de</strong> Rua. São Pau<br />
Io. CEOt C. 1980. p 88<br />
4 CHENIAUX. Sônia. Ibid ■ p.36
Pôster Integrante<br />
evista CUÍRA n 0 4<br />
« . | *<br />
Wííf-y' :í: - ■'■<br />
t-wtm<br />
-".. ■
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TEOLOGIA E POLÍTICA<br />
O Céu e a Terra nas<br />
Eleições Presi<strong>de</strong>nciais<br />
Ainda um Tema da<br />
Atualida<strong>de</strong>.^ Heraldo Maués<br />
" Cerca <strong>de</strong> 1 ano <strong>de</strong>pois das eleições presi<strong>de</strong>nciais, esta análise que relaciona religião e eleições é atual, provocativa e nos oferece<br />
pistas para compreen<strong>de</strong>r o papel das igrejas no amadurecimento da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
Trabalhando com algo além do racional e do lógico, as igrejas ocupam cada vez mais espaços nas disputas políticas."<br />
Com as eleições <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1990, <strong>de</strong>stinadas à escolha dos<br />
novos governos dos Estados,<br />
bem como à renovação do Congresso e<br />
das Assembléias Estaduais, consi<strong>de</strong>ro<br />
a<strong>de</strong>quada a divulgação mais ampla <strong>de</strong><br />
artigo feito para uma discussão restrita<br />
<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> cientistas sociais preo-<br />
cupados com o estudos da religião. O<br />
texto começava com a pergunta insti-<br />
gante, que ainda po<strong>de</strong> ser formulada,<br />
com relação às próximas eleições.<br />
O que o céu tem a ver com a<br />
terra no caso das eleições presi<strong>de</strong>n-<br />
ciais? Certamente muito, a julgar pelo<br />
que notificou a imprensa do Brasil. Na<br />
elaboração <strong>de</strong>stas notas, examinei prin-<br />
cipalmente jornais locais (em Belém),<br />
limitando-me ao segundo turno, mas<br />
também consultei alguns do Rio e <strong>de</strong><br />
São Paulo, assim como revistas <strong>de</strong> cir-<br />
culação nacional (**)<br />
Minha preocupação central foi<br />
a <strong>de</strong> examinar como as igrejas e seus<br />
principais representantes, os sacerdo-<br />
tes, enquanto <strong>de</strong>tentores dos bens<br />
simbólicos <strong>de</strong> salvação, intervinham no<br />
processo eleitoral <strong>de</strong> variadas manei-<br />
ras. A hipótese subjacente é que as<br />
formas <strong>de</strong> intervir se faziam, como no<br />
ritual e no mito, <strong>de</strong> acordo com a<br />
gramática própria, sendo possível, pois,<br />
ler essas formas <strong>de</strong> intervenção e o ine-<br />
vitável entrechoque resultante no cam-<br />
po religioso <strong>de</strong> tal modo a ter compre-<br />
ensão mais clara <strong>de</strong>ssas mesmas igrejas<br />
e da socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> atuam.<br />
O material colhido levou-me<br />
a tomar basicamente em consi<strong>de</strong>ração<br />
a Igreja Católica e algumas igrejas pro-<br />
testantes (sobretudo pentecostais). En-<br />
contrei poucas notícias referentes a<br />
cultos <strong>de</strong> origem africana, mas, pela sua<br />
relevância, também <strong>de</strong>vo incluí-las na<br />
40<br />
CUÍRA<br />
análise. Começarei examinando as dife-<br />
rentes posições católicas, para <strong>de</strong>pois<br />
tratar dos protestantes; e embora não<br />
possa falar em "igreja africana" ou "a-<br />
fro-brasileira", as posições dos lí<strong>de</strong>res<br />
do candomblé e da umbanda oferecem<br />
contraponto a essas igrejas cristãs, po-<br />
<strong>de</strong>ndo nos dizer, como será colocado<br />
ao final, coisas relevantes sobre a so-<br />
cieda<strong>de</strong> brasileira surpreendida em si-<br />
tuação especial <strong>de</strong> drama.<br />
É diante <strong>de</strong>sse "drama eleito-<br />
ral" que a Igreja Católica se divi<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
acordo com a tendência já bem conhe-<br />
cida entre "conservadores", "mo<strong>de</strong>ra-<br />
dos" e "progressistas".<br />
sa<br />
1 - Muitas notícias na impren-<br />
Na periferia <strong>de</strong> Maceió, a<br />
missa rezada com a presença <strong>de</strong> Fer-<br />
nando Collor e Frei Damião causa<br />
gran<strong>de</strong> comoção entre o povo simples.<br />
No interior do Amazonas, em São Ga-<br />
briel da Cachoeira, Lula consegue ser o<br />
segundo mais votado no primeiro tur-<br />
no entre os índios do Alto Rio Negro,<br />
em razão do apoio do CIMI. No inte-<br />
rior <strong>de</strong> Pernambuco, no município <strong>de</strong><br />
Cortês, apesar <strong>de</strong> não haver um só co-<br />
mitê da Frente Brasil Popular, Lula<br />
consegue vencer com folga a eleição,<br />
graças ao trabalho do padre italiano<br />
Ermínio Canova, vigário local. Muitas<br />
outras situações po<strong>de</strong>riam ser relata-<br />
das, sendo que, pelo noticiário dos jor-<br />
nais, a balança das posições dos sacer-<br />
dotes católicos parecia pen<strong>de</strong>r clara-<br />
mente em favor <strong>de</strong> Lula. Não obstante,<br />
as palavras aparentemente mo<strong>de</strong>radas<br />
do Arcebispo <strong>de</strong> Belém, que claramen-<br />
te se alinha entre os conservadores,<br />
convidam à reflexão, ao referir o fato<br />
<strong>de</strong> que é insignificante o número <strong>de</strong><br />
bispos que ficaram ao lado <strong>de</strong> Lula (O<br />
Liberal, Belém, 17/11/90).<br />
2 - As posições <strong>de</strong> católicos e<br />
protestantes<br />
Há um paralelo que po<strong>de</strong> ser<br />
traçado entre as posições dos católicos<br />
e dos protestantes. Os apoios a Lula<br />
situaram-se mais claramente no protes-<br />
tantismo histórico, enquanto, <strong>de</strong> modo<br />
geral, os pentecostais (que congregam<br />
"Foram instalados com/fés<br />
evangélicos Pró-Lu/a em 17<br />
estados"<br />
maior número <strong>de</strong> fiéis das classes po-<br />
pulares) ficaram com Collor. Isso per-<br />
mite uma comparação como o apoio<br />
dado a Collor pelo seguidores <strong>de</strong> Frei<br />
Damião, também pertencentes às clas-<br />
ses populares.<br />
Esta, no entanto, é uma com-<br />
paração imperfeita, pois não leva sufi-<br />
cientemente em conta o papel <strong>de</strong>sem-<br />
penhado pelos membros das Comuni-<br />
da<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base (CEBs) que,<br />
notoriamente, se engajaram na candi-<br />
datura <strong>de</strong> Lula e também pertencem,<br />
majoritariamente, às classes populares.<br />
O que fez com que católicos e protes-<br />
tantes do povo se dividissem entre as<br />
duas candidaturas no segundo turno?<br />
Sem querer respon<strong>de</strong>r cabalmente a es-<br />
sa pergunta, arriscaria dizer que pelo<br />
menos uma parte da resposta se encon-<br />
tra na forma pela qual são vivenciados<br />
o catolicismo popular tradicional e o
pentecostalismo, <strong>de</strong> uma lado, e o cato-<br />
licismo da chamada Igreja Popular (das<br />
CEBs), <strong>de</strong> outro; diria mesmo que há<br />
uma proximida<strong>de</strong> maior entre o catoli-<br />
cismo das CEBs e o protestantismo<br />
histórico do que em relação ao catoli-<br />
cismo popular tradicional (1).<br />
Entre os protestantes houve,<br />
claramente, vários apoios dados a Lula,<br />
entre os quais o do Movimento Evan-<br />
gelista Pró-Leonel Brizola, em Nova<br />
Iguaçu (RJ) e o trabalho da <strong>de</strong>putada<br />
fe<strong>de</strong>ral Benedita da Silva, que conse-<br />
guiu, segundo suas <strong>de</strong>clarações, instalar<br />
comitês evangélicos pró-Lula em 17 es-<br />
tados brasileiros. Além disso, logo após<br />
o resultado do primeiro turno, "duzen-<br />
"Coffor recebeu o apoio do<br />
presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração<br />
Evangélica Brasileira"<br />
tos pastores evangélicos do Rio <strong>de</strong> Ja-<br />
neiro, São Paulo, Rio Gran<strong>de</strong> so Sul,<br />
Minas Gerais, Espírito Santo e Pará di-<br />
vulgaram manifesto em apoio ao can-<br />
didato da Frente Brasil Popular (...).<br />
Os pastores pertencem às igrejas Epis-<br />
copal do Brasil, Congregacional,<br />
Evangélica <strong>de</strong> Confissão Luterana no<br />
Brasil, Metodista, Assembléia <strong>de</strong> Deus<br />
e Presbiteriana Unida (...y'(0 Liberal,<br />
Belém, 28/11/89).<br />
De outro lado, porém, os<br />
apoios a Collor eram muito significati-<br />
vos, partindo justamente das igrejas e<br />
seitas protestantes <strong>de</strong> maior número <strong>de</strong><br />
a<strong>de</strong>ptos, pelas suas características pro-<br />
selitistas ligadas ao pentencostalismo e<br />
à "cura divina". Assim, Collor recebeu<br />
apoio do presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração<br />
Evangélica do Brasil, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>-<br />
ral Gi<strong>de</strong>l Dantas <strong>de</strong> Queirós, assim co-<br />
mo do irmão <strong>de</strong>ste, pastor Gineton<br />
Dantas <strong>de</strong> Queirós, que ficou encarre-<br />
gado <strong>de</strong> fazer sua campanha entre igre-<br />
jas pentecostais do Nor<strong>de</strong>ste. Também<br />
apoiou Collor o pastor Túlio Barros<br />
Ferreira, presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma das Con-<br />
venções Fraternais da Assembléia <strong>de</strong><br />
Deus no Estado do Rio, que congrega<br />
60 igrejas do Evangelho Quadrangular.<br />
O Conselho Nacional <strong>de</strong>sta mesma, an-<br />
tes do primeiro turno, divulgou uma<br />
circular aos "ministros, aspirantes e<br />
obreiros cre<strong>de</strong>nciados (...) pedindo aos<br />
pastores que não votem e que também<br />
orientem os membros <strong>de</strong> sua igreja a<br />
não votarem nos candidatos <strong>de</strong> esquer-<br />
da, como Lula, Freire, Brizola e Covas<br />
(...) Para o segundo turno (...) a con<strong>de</strong>-<br />
nação do voto em Lula - e o pedido<br />
para votar em Collor - é mais explícita<br />
ainda. Nas <strong>de</strong>z razões alinhadas para<br />
não votar no candidato do PT, a nota o<br />
chama <strong>de</strong> 'extremista', 'radical' e 'revol-<br />
tado* e diz que, no po<strong>de</strong>r, tomaria pro-<br />
vidências para 'cercear a liberda<strong>de</strong> reli-<br />
giosa"'(Jornal do Brasil, Rio, 03/12/89)<br />
3- O drama das eleições e os<br />
mitos e rituais religiosos.<br />
Pensando nas eleições en-<br />
quanto drama, com diferentes atores<br />
envolvidos, creio ser possível sublinhar<br />
com alguma niti<strong>de</strong>z alguns pontos da<br />
"leitura" que procuro fazer neste arti-<br />
go-<br />
As igrejas cristãs, especialistas<br />
em mitos e rituais, participaram <strong>de</strong>sse<br />
drama <strong>de</strong> forma extremamente ativa.<br />
Seus próprios (e <strong>de</strong> outros) mitos e ri-<br />
tuais se juntaram para compor o ritual<br />
cívico maior, que exaltava o mito da<br />
<strong>de</strong>mocracia restaurada através do voto<br />
direto para presi<strong>de</strong>nte.<br />
Missas, cultos, romarias, cir-<br />
culares, manifestos, <strong>de</strong>clarações, men-<br />
sagens através daimprensa,tudo isso se<br />
reuniu ao conjunto <strong>de</strong> ações e <strong>de</strong>cla-<br />
rações expressivas que compuseram a<br />
representação do drama das eleições.<br />
Mas, como ficou evi<strong>de</strong>nte pelo relato<br />
acima, suas posições divergiram e/ou<br />
convergiram em vários pontos, a <strong>de</strong>s-<br />
peito <strong>de</strong> todas partirem <strong>de</strong> um mesmo<br />
"mito fundador" (suas origens messiâ-<br />
nicas, não tão ligadas às práticas <strong>de</strong>mo-<br />
cráticas), mas <strong>de</strong> acordo com linhas que<br />
sublinham ou esquecem <strong>de</strong>terminadas<br />
passagens ou versões do relato "mi-<br />
tológico", o que se reflete nas i<strong>de</strong>ntida-<br />
<strong>de</strong>s assumidas pelas igrejas e por seus<br />
comungantes. Sem preten<strong>de</strong>r apresen-<br />
tar análise exaustiva ou conclusiva, al-<br />
guns pontos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>stacados a se-<br />
guir.<br />
Em primeiro lugar, ficou cla-<br />
ro, pelas notícias reunidas, que a Igreja<br />
Católica, enquanto organização com<br />
pretensões universais e totalizantes,<br />
não aparece alinhada, como instituição,<br />
com qualquer candidato em particular.<br />
É fácil pensafloapoio<strong>de</strong>ssa igreja a Lu-<br />
la. Não obstante, "igrejas particulares"<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, representadas'por bispos<br />
em suas dioceses, ou na sua condição<br />
<strong>de</strong> dirigentes eclesiásticos, ficaram a fa-<br />
vor <strong>de</strong>ste ou daquele candidato. As di-<br />
ferenças i<strong>de</strong>ológicas e <strong>de</strong> classe certa-<br />
41<br />
CUÍRA
mente perpassaram à instituição e seus<br />
membros. No caso <strong>de</strong> simples sacerdo-<br />
tes isto fica mais claro, na medida em<br />
que suas posições viararam muito e fo-<br />
ram mais <strong>de</strong>finidas do que no caso dos<br />
IS P os - jsj0 que concerne aos protes-<br />
tantes, igrejas como um todo tomaram<br />
posição clara à direita do espectro polí-<br />
tico, assim como também organizações<br />
congregando igrejas particulares (Con-<br />
fe<strong>de</strong>ração Evangélica do Brasil, por<br />
exemplo). Não obstante, pastores e<br />
membros <strong>de</strong> igrejas, individualmente,<br />
tomaram posição em favor <strong>de</strong> Lula. Na<br />
maioria dos casos,tratava-se <strong>de</strong>opção<br />
política pura. Pelo menos num caso (o<br />
irmão <strong>de</strong> Lula, pastor Beto, do Evange-<br />
lho Quadrangular) po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>tectar em<br />
sua atitu<strong>de</strong> (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />
convicções regiliosas e políticas) o que<br />
Da Matta chamou <strong>de</strong> "o voto amigo"<br />
(2).<br />
"Apesar <strong>de</strong> um mesmo "mi-<br />
to fundador", a Igreja Cato-<br />
fica se distingue dos protes-<br />
tantes por sua sacrementa-<br />
lída<strong>de</strong> concreta"<br />
4. As posições das igrejas e as<br />
"clivagens" (diferenças) <strong>de</strong> classe.<br />
De forma muito tentativa e<br />
imperfeita, partindo-se da premissa <strong>de</strong><br />
que as classes dominantes não apoiaram<br />
Lula, po<strong>de</strong>-se pensar as posições<br />
políticas das igrejas cristãs diante dos<br />
candidatos do segundo turno <strong>de</strong> acordo<br />
com <strong>de</strong>terminadas "clivagens".<br />
Em primeiro lugar, fica evi<strong>de</strong>nte<br />
que seus membros estiveram divididos<br />
entre os dois candidatos através<br />
<strong>de</strong> clivagens <strong>de</strong> classe social e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia<br />
política e religiosa. Do lado da<br />
Igreja Católica ficaram, <strong>de</strong> modo geral,<br />
com Lula os militantes das CEBs que,<br />
do ponto <strong>de</strong> vista social, situam-se majoritariamente<br />
nas classes populares,<br />
assim como a intelectualida<strong>de</strong> (classe<br />
média) <strong>de</strong> esquerda (na qual se incluem<br />
bispos e sacerdotes que apoiaram Lu-<br />
Ia).<br />
Os católicos que ficaram com<br />
Collor foram, grosso modo, os praticantes<br />
do catolicismo popular tradicional<br />
(majoritariamente também das<br />
classes populares) e a maior parte dos<br />
membros da classe média (incluindo<br />
42<br />
CUÍRA<br />
bispos e sacerdotes).<br />
No tocante às igrejas protes-<br />
tantes, ficaram com Lula os membros<br />
da intelectualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquerda (<strong>de</strong><br />
classe média), sobretudo no protestan-<br />
tismo histórico, enquanto que, com<br />
Collor, ficaram os protestantes das<br />
classes populares, sobretudo no pente-<br />
costalismo e nas seitas <strong>de</strong> cura divina,<br />
assim como a maior parte da classe<br />
média, tanto pentecostais como inte-<br />
grantes <strong>de</strong> igrejas do protestantismo<br />
histórico.<br />
5 - O discurso das cúpulas re-<br />
ligiosas e as diferentças fundamentais<br />
entre católicos e protestantes.<br />
Mas esta tentativa <strong>de</strong> análise<br />
ficaria incompleta, se não incorporasse<br />
o discurso das cúpulas religiosas, tanto<br />
na Igreja Católica como nas diversas<br />
igrejas protestantes. Entre os católicos,<br />
alguns bispos, mesmoj o secretário e o<br />
vice-presi<strong>de</strong>nte da CNBB, D. Celso<br />
Queiroz e D. Paulo Pontes, respecti-<br />
vamente, manifestaram suas posições<br />
pró-Lula, mais ou menos claramente.<br />
Enquanto bispos, esses personagens do<br />
drama eleitoral se manifestavam, <strong>de</strong> fa-<br />
to, em nome pessoal, sem que isso pu-<br />
<strong>de</strong>sseconfundir-secom a posição da en-<br />
tida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que participavam ou da pró-<br />
pria Igreja Católica brasileira.<br />
Algumas autorida<strong>de</strong>s mais<br />
proeminentes, no entanto, como o<br />
Car<strong>de</strong>al Arcebispo <strong>de</strong> São Paulo, D.<br />
Paulo Evaristo Arns, e o presi<strong>de</strong>nte da<br />
CNBB, D. Luciano <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Al-<br />
meida, assumiram claramente posição<br />
mais equidistante. Este, especialmente<br />
no segundo turno, tem um discurso<br />
ainda mais enfático nesta linha equidis-<br />
tante e cautelosa:<br />
"A gran<strong>de</strong> apreensão <strong>de</strong> todos<br />
nós é a do dia seguinte. O importante é<br />
que aquele que sair vencedor saiba ga-<br />
nhar, enquanto o per<strong>de</strong>dor saiba per-<br />
<strong>de</strong>r. Isso é muito importante para que o<br />
eleito seja capaz <strong>de</strong> integrar no plura-<br />
lismo partidário todas as forças vivas<br />
do país, para uma retomada do nosso<br />
crescimento, não só na parte econômi-<br />
ca, mas no campo social e também para<br />
que haja <strong>de</strong> novo em todos os brasilei-<br />
ros a esperança <strong>de</strong> tempos <strong>de</strong> melhor<br />
redistribuição dos benefícios das opor-<br />
tunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida, sobretudo com a me-<br />
lhoria <strong>de</strong> vida da população mais po-<br />
bre" (palavras <strong>de</strong> D. Luciano,transcritas<br />
em O Liberal, Belém, 10/12/89).<br />
A essa postura <strong>de</strong> D. Luciano<br />
<strong>de</strong>ve-se somar a própria posição da<br />
CNBB, que também é veiculada pelo<br />
presi<strong>de</strong>nte. Assim, em nota oficial inti-<br />
tulada "Igreja e Política", a entida<strong>de</strong><br />
esclarece, inicialmente, a posição da<br />
Igreja diante das eleições:<br />
"A atuação da Igreja situa-se<br />
além dos partidos e candidatos. As<br />
exigências éticas explicitivas pela Igre-<br />
ja <strong>de</strong>vem ser patrimônio ae todo parti-<br />
do e <strong>de</strong> cada candidato que se propõe a<br />
construir a socieda<strong>de</strong> justa e frater-<br />
naí...). "A posição da Igreja, reafir-<br />
mada em seus documentos, é <strong>de</strong> não<br />
optar oficialmente por partidos ou<br />
candidatos (...). As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> voto<br />
por parte <strong>de</strong> membros da hierarquia<br />
não implicam, portanto, |o envolvi-<br />
mento da Igreja. São meramente pes-<br />
soais e causam ambigüida<strong>de</strong>s e reações<br />
\—) ■ "Além disso a nota não es-<br />
quece <strong>de</strong> reafirmar certas posições éti-<br />
cas e doutrinárias para as quais <strong>de</strong>sejo<br />
chamar atenção aqui. Assim, posicio-<br />
nando-se sobre a temática da "dignida-<br />
<strong>de</strong> da pessoa humana", o documento<br />
afirma que a Igreja...(...) entre outros<br />
"Não se po<strong>de</strong> negar que a<br />
ótica protestante combina<br />
muito mais facilmente com o<br />
capitalismo <strong>de</strong> que a católi-<br />
ca"<br />
pontos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito à vida, opon-<br />
do-se ao aborto, à tortura e à eutanásia.<br />
Rejeita o racismo, a opressão e o uso<br />
da violência (...)".<br />
Dentro <strong>de</strong>ssa temática, um<br />
ponto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância é a afir-<br />
mação <strong>de</strong> alerta contra o "risco do esta-<br />
tismo, que limita a liberda<strong>de</strong>", ao<br />
mesmo tempo em que o documento<br />
critica a crescente concentração <strong>de</strong><br />
renda que "agrava as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s so-<br />
ciais". Alguns pontos da doutrina so-<br />
cial da Igreja são bem explicitados em<br />
referência à realida<strong>de</strong> brasileira:<br />
"A Igreja empenha-se em<br />
promover a justiça no uso da terra, nas<br />
relações <strong>de</strong> trabalho e na solução da dí-<br />
vida externa (...)" (A Província do Pará,<br />
Belém, 02/12/90).
Importante também para a<br />
compreensão da posição da Igreja<br />
Católica diante do drama das eleições é<br />
a divulgação <strong>de</strong> uma "plataforma" <strong>de</strong><br />
sete pontos, aprovada pela CNBB e<br />
"<strong>de</strong>batida em todas as dioceses, paró-<br />
quias e Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Ba-<br />
se". Entre os pontos da plataforma<br />
estão a <strong>de</strong>fesa da reforma agrária, a jus-<br />
ta distribuição do solo urbano, a pre-<br />
servação do meio ambiente, a partici-<br />
pação dos trabalhadores nos sindicatos<br />
e na gestão das empresas, a ênfase da<br />
função social da empresa, a partici-<br />
pação dos trabalhadores nos lucros e<br />
auditoria pública da dívida externa bra-<br />
sileira.<br />
É verda<strong>de</strong> que essa platafor-<br />
ma, em muitos pontos, não fica distan-<br />
te do programa <strong>de</strong> Lula, o que permitiu<br />
a seus partidários, no interior da Igreja,<br />
traçarem perfil <strong>de</strong> candidato sobre o<br />
qual não se po<strong>de</strong>ria ter dúvida. Não<br />
obstante, o que vai aí colocado como<br />
postura oficial ou aprovada pela CNBB<br />
e mesmo como pronunciamento do seu<br />
presi<strong>de</strong>nte é algo que pertence a uma<br />
tradição muito antiga na Igreja Católi-<br />
ca. Voltarei a este ponto adiante.<br />
Vale agora contrastar essas<br />
posições oficiais ou oficiosas da Igrejas<br />
Católicas com as <strong>de</strong> algumas igrejas<br />
protestantes, que como foi visto acima,<br />
oficialmente, através <strong>de</strong> documentos e<br />
circulares, assumiram, sem ro<strong>de</strong>ios,<br />
apoio a Collor <strong>de</strong> Mello. Estes elemen-<br />
tos permitem a leitura das diferenças<br />
entre essas igrejas, ao lado do esclare-<br />
cimento do sentido <strong>de</strong> aspectos funda-<br />
mentais da doutrina social católica.<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> partirem <strong>de</strong> um<br />
mesmo "mito fundador", a Igreja Cató-<br />
lica se distingue das protestantes por<br />
sua sacramentalida<strong>de</strong>, como acentua<br />
Pierre Sanchis (3), o que lhe confere<br />
características próprias: o caráter não<br />
apenas simbólico dos sacramentos<br />
(como no protestantismo), mas que se<br />
apresenta como elemento da realida<strong>de</strong><br />
(como, por exemplo, a presença real da<br />
divinda<strong>de</strong> no pão e vinho consagrados)<br />
é dado <strong>de</strong> fundamental importância pa-<br />
ra compreensão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica.<br />
Ao lado e em relação com is-<br />
so, é preciso consi<strong>de</strong>rar a marca in<strong>de</strong>lé-<br />
vel, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer o estigma, pro-<br />
porcionado por certos sacramentos<br />
como o do batismo, o do casamento<br />
(indissolúvel) e o da or<strong>de</strong>m (que separa<br />
o sacerdote dos outros homens, confe-<br />
rindo-lhe po<strong>de</strong>res rituais que não per-<br />
<strong>de</strong>m nunca, como o da consagração).<br />
Se relacionarmos isto com a caracterís-<br />
tica fundamental do protestantismo, o<br />
sacerdócio universal (isto é, cada<br />
cristão, cada crente, po<strong>de</strong>ndo interpre-<br />
tar a Bíblia, po<strong>de</strong> também ser um pre-<br />
gador da palavra <strong>de</strong> Deus), po<strong>de</strong>remos<br />
mais facilmente compreen<strong>de</strong>r as postu-<br />
ras diferenciadas assumidas pelas igre-<br />
jas cristãs durante o drama/ritual das<br />
eleições presi<strong>de</strong>nciais no Brasil.<br />
Mo caso do catolicismo, a sa-<br />
cramentalida<strong>de</strong> conduz não só à sepa-<br />
ração do sacerdote em relação ao leigo,<br />
mas também conduz à estrutura<br />
hierárquica assumida pela igreja, estru-<br />
tura que não po<strong>de</strong> existir numa igreja<br />
on<strong>de</strong> todos, potencialmente, são pre-<br />
gadores ou sacerdotes. A sacramentali-<br />
da<strong>de</strong> simbólica do protestantismo,<br />
versão diferente do mito fundador do<br />
cristianismo, conduz não apenas ao sa-<br />
cerdócio universal, mas à fragmentação<br />
em numerosas igrejas e seitas (4).<br />
E aí está, certamente, um da-<br />
do fundamental: a Igreja católica (uni-<br />
versal) tem a pretensão da totalida<strong>de</strong><br />
(5), o que não se coloca no caso dos<br />
protestantes. Por isso c importante pa-<br />
ra os católicos que, mesmo divididos<br />
cm suas posturas políticas c i<strong>de</strong>ológi-<br />
cas, eles se aprescniem unidos com re-<br />
lação a <strong>de</strong>terminados aspectos que<br />
constituem o fundamental na cons-<br />
trução da sua catolicida<strong>de</strong> (expressão<br />
aqui entendida como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, isto é,<br />
o ser católico). O sentido <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong><br />
está expresso no documento da CNBB,<br />
acima citado:<br />
"Em vista do segundo turno é<br />
preciso ter presente que a unida<strong>de</strong> da<br />
Igreja não se expressa pela coincidência<br />
partidária, mas pela serieda<strong>de</strong> no esfor-<br />
ço <strong>de</strong> cada um escolher, <strong>de</strong> respeitar a<br />
opção feita pelos outros e zelar no pro-<br />
cesso eleitoral pelas condições <strong>de</strong> ver-<br />
da<strong>de</strong> e garantia da concórdia social"<br />
(trecho da nota oficial "Igreja e Políti-<br />
ca").<br />
E aqui po<strong>de</strong>mos retomar os<br />
pontos da doutrina social expressos nos<br />
documentos da CNBB e na fala <strong>de</strong> seu<br />
presi<strong>de</strong>nte e repetidos com muita fi<strong>de</strong>-<br />
lida<strong>de</strong> por outros bispos no Brasil du-<br />
rante o processo eleitoral. Um primei-<br />
ro ponto se refere ao documento "Igre-<br />
ja e Política", quando o mesmo alerta<br />
para o "risco do estatismo" e para a<br />
crescente concentração <strong>de</strong> renda, que<br />
"agrava as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais". Há<br />
tempos, referindo-se ao Plano Nacio-<br />
nal <strong>de</strong> Reforma Agrária da Nova<br />
República, D. Ivo Lorscheiter, então<br />
presi<strong>de</strong>nte da CNBB, também expres-<br />
sava a posição da entida<strong>de</strong> em termos<br />
semelhantes, não aceitando a alternati-<br />
va entre comunismo e capitalismo(6).<br />
Efetivamente, entre regimes<br />
políticos e econômicos reais e concre-<br />
tos, a Igreja Católica coloca como al-<br />
ternativaasua doutrina social.Assim, no<br />
caso da reforma agrária, ela é a favor <strong>de</strong><br />
sua realização baseada no princípio do<br />
direito à proprieda<strong>de</strong>, que é um princí-<br />
pio <strong>de</strong> justiça social, isto é, que todos<br />
os trabalhadores do campo tenham di-<br />
reito a sua terra, princípio que não se<br />
43<br />
CUÍRA
confun<strong>de</strong> nem com proprieda<strong>de</strong> coleti-<br />
va ou estatal, nem com o direito capita-<br />
lista <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (isto é, dos atuais<br />
proprietários).<br />
O mesmo se coloca em re-<br />
lação a outros campos, como quando se<br />
trata <strong>de</strong> reforma urbana, da partici-<br />
pação dos trabalhadores na gestão e<br />
nos lucros das empresas, da exigência<br />
do salário justo e <strong>de</strong> muitos outros<br />
pontos, que po<strong>de</strong>m ser resumidos por<br />
expressões sempre repetidas, como<br />
"<strong>de</strong>senvolvimento da pessoa humana",<br />
"realização do bem comum" e "cons-<br />
trução <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> justa e fraterna".<br />
Trata-se <strong>de</strong> fato <strong>de</strong> princípios<br />
muito antigos, que encontram suas ori-<br />
gens no período medieval, quando a<br />
Igreja con<strong>de</strong>nava o lucro e a usura e <strong>de</strong>-<br />
fendia o justo preço e o justo salário.<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>-se falar numa dou-<br />
trina não capitalista (mas também não<br />
comunista, evi<strong>de</strong>ntemente). Para que<br />
se <strong>de</strong>senvolvesse o capitalismo no<br />
mundo oci<strong>de</strong>ntal teria sido necessária a<br />
Reforma e o surgimento <strong>de</strong> uma ética<br />
calvinista? Talvez não, mas creio que<br />
não se po<strong>de</strong> negar que a ética protes-<br />
tante combina muito mais com o capi-<br />
talismo do que a católica.<br />
Neste ponto, para terminar<br />
estas consi<strong>de</strong>rações sobre as igrejas<br />
cristãs, <strong>de</strong>vo lembrar o manifesto do<br />
Comitê Nacional Inter-Religioso <strong>de</strong><br />
Apoio a Lula, do qual participavam<br />
católicos e protestantes <strong>de</strong> esquerda:<br />
"Nós conhecemos Luís Inácio<br />
Lula da Silva <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu aparecimento<br />
como lí<strong>de</strong>r sindical, lutando à frente<br />
dos trabalhadores para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus<br />
direitos. Damos testemunho <strong>de</strong> sua fé<br />
em Deus, fé que se traduz na sua vida a<br />
serviço da justiça e da paz.<br />
Lula não buscou as igrejas com<br />
fins eleitorais. Ao contrário.cnstãos se<br />
uniram à Frente Brasil Popular por ve-<br />
rem em seu programa um instrumento<br />
<strong>de</strong> concretização histórica <strong>de</strong> valores<br />
que são a substância do projeto <strong>de</strong> Je-<br />
sus ~ Reino <strong>de</strong> Deus" (O Liberal,<br />
Belém, 04/12/89).<br />
O documento, elaborado por<br />
intelectuais cristãos seguidores da Teo-<br />
logia da Libertação, com intensa mi-<br />
litância política e religiosa, ao mesmo<br />
tempo que reafirma princípios <strong>de</strong> uma<br />
ética e uma crença milenares, aposta,<br />
por outro lado, no novo, representado<br />
pela candidatura <strong>de</strong> um militante sindi-<br />
cal que emergiu politicamente <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um dos setores mais avançados do<br />
44<br />
CUÍRA<br />
capitalismo brasileiro, que sempre <strong>de</strong>-<br />
senvolveu política sindical mo<strong>de</strong>rna,<br />
sem peleguismo, que ajudou a fundar o<br />
partido que, entre os partidos brasilei-<br />
ros, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o mais mo-<br />
<strong>de</strong>rno. Creio que esta aparente contra-<br />
dição não po<strong>de</strong>ria ser assimilada pela<br />
maioria dos membros das diferentes<br />
igrejas cristãs a que pertencem os auto-<br />
res e signatários do manifesto.<br />
6- Em conclusão: a lógica dos<br />
cultos afro e a interpretação da socie-<br />
da<strong>de</strong> brasileira.<br />
Para essa maioria e, vale di-<br />
zer, para a maioria da população brasi-<br />
leira, provavelmente a lógica mais fácil<br />
<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r aparece no discurso <strong>de</strong> lí-<br />
<strong>de</strong>res <strong>de</strong> culto <strong>de</strong> origem afro, como no<br />
<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong> Ogum, publica-<br />
do assim que se <strong>de</strong>finiram os candida-<br />
tos do segundo turno. Segundo suas<br />
previsões.<br />
"(...) as vibrações prelimina-<br />
res indicam que o candidato da Frente<br />
Brasil Popular (...) será o próximo pre-<br />
si<strong>de</strong>nte do país. Ás conclusões <strong>de</strong>finiti-<br />
vas dos estudos do pai-<strong>de</strong>-santo sairão<br />
nos próximos dias.<br />
(...) Neste momento, explicou<br />
Jair <strong>de</strong> Ogum, os estudos espirituais<br />
apontam Lula em melhor situação que<br />
Collor em função das vibrações saídas<br />
do povo. O candidato da Frente Brasil<br />
Popular está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um quadro <strong>de</strong><br />
muita energia, agitando a população<br />
como na época <strong>de</strong> Tancredo Neves. Isto<br />
po<strong>de</strong> ser, entretanto, prejudicial para<br />
ele no <strong>de</strong>correr da campanha. Hoje o<br />
que se vê é gente nas ruas acen<strong>de</strong>ndo<br />
vela e chorando por Lula, como uma<br />
partida <strong>de</strong> futebol on<strong>de</strong> o grito final<br />
está preso na garganta. E o povo assa-<br />
nhado cheira a ba<strong>de</strong>rna e leva à repe-<br />
tição <strong>de</strong> fatos como <strong>de</strong> Volta Redonda,<br />
cujos saldos são maléficos ao cândida-
to, contrapõe o pai-<strong>de</strong>-santo. Por essa<br />
análise, Jair <strong>de</strong> Ogum conclui que a si-<br />
tuação fica melhor para Collor <strong>de</strong> Mel-<br />
lo, do PRN. O candidato colorido, se-<br />
gundo o pai-<strong>de</strong>-santo, conta com a vi-<br />
bração <strong>de</strong> Oxosse, uma entida<strong>de</strong> espiri-<br />
tual vaidosa, conquistadora, do tipo<br />
que não entra numa briga para per<strong>de</strong>r e<br />
<strong>de</strong> Ogum (...). Espiritualmente, Ogum<br />
é uma regência boa, <strong>de</strong> vibrações nego-<br />
ciadoras, sensível, cauteloso, culminan-<br />
do com uma força maliciosa" (A<br />
Província do Pará, Belém, 23/11/89).<br />
Numa socieda<strong>de</strong> como a bra-<br />
sileira, que Da Matta(7) <strong>de</strong>finiu como<br />
"relacionai", o discurso <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong><br />
Ogum faz muito sentido, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n-<br />
temente <strong>de</strong> suas pretensões religiosas<br />
ou espirituias. O lado mo<strong>de</strong>rno e "indi-<br />
vidualista" (não relacionai) <strong>de</strong> um can-<br />
didato que age através <strong>de</strong> ações "im-<br />
pessoais" como greves, passeatas,<br />
gran<strong>de</strong>s concentrações <strong>de</strong> massa, pro-<br />
gramas elaborados e discutidos por in-<br />
tectuais, contrasta certamente com o<br />
lado tradicional do outro candidato,<br />
que é elegante, vistoso e rico, mas ao<br />
mesmo tempo cauteloso e malicioso,<br />
procurando se aproximar do lado tradi-<br />
cional do catolicismo popular, mas ao<br />
mesmo tempo não esquecendo <strong>de</strong> cul-<br />
tivar relações com as igrejas protestan-<br />
tes e com as autorida<strong>de</strong>s católicas<br />
mais conservadoras.<br />
Se a proposta do novo esteve<br />
tão perto da vitória, isso indica, certa-<br />
mente, um processo' <strong>de</strong> mudança já<br />
consi<strong>de</strong>rável na socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
Não obstante, a confirmação da pre-<br />
visão <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong> Ogum também mostra<br />
como ainda pesa o tradicional, o rela-<br />
cionai e os aspectos totalizantes que<br />
<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> lado o indivíduo, ou apenas<br />
o vêem como o "político aproveita-<br />
dor". Destarte, o argumento ultima-<br />
mente muito utilizado pelas elites, co-<br />
mo um dos instrumentos <strong>de</strong> sua domi-<br />
nação, <strong>de</strong> que o rico não vai precisar<br />
"roubar", se atingir o po<strong>de</strong>r, foi<br />
também elemento importante na vitó-<br />
ria <strong>de</strong> Collor.<br />
Espero que essa análise e as<br />
reflexões que a acompanham tenham<br />
algum valor para motivar novas análi-<br />
ses e reflexões sobre as eleições <strong>de</strong> ou-<br />
tubro <strong>de</strong> 1990. Novamente as igrejas e<br />
seus agentes se mobilizam e influem,<br />
ativamente, no processo eleitoral. A<br />
análise <strong>de</strong>sse novo drama, do ponto <strong>de</strong><br />
vista do papel <strong>de</strong>sempenhado pelas<br />
agências produtoras e controladoras <strong>de</strong><br />
"bens simbólicos <strong>de</strong> salvação" (as dife-<br />
rentes igrejas) é algo que po<strong>de</strong>rá ficar<br />
para novo artigo, que po<strong>de</strong>rá ou não<br />
confirmar as interpretações, acima co-<br />
locadas, como leituras <strong>de</strong>ssas agências<br />
e <strong>de</strong> seu papel social na realida<strong>de</strong> polí-<br />
tica brasileira.<br />
Heraldo Maués Professor Adjunto do Departamento <strong>de</strong> História<br />
e Antropologia e do Núcleo <strong>de</strong> Altos Estudos Amazónicos/NAEA<br />
da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará.<br />
Jornais e revistas consultados:<br />
A Província do Pará, [Belém.<br />
Oiráno do Pará, Belém<br />
Familia Cristã, São Paulo.<br />
Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo.<br />
Jornal do Brasil, Rio.<br />
O Liberal, Belém<br />
Veja, São Paulo<br />
(*) Texto originalmenfe elaborado para ser discutido no Grupo<br />
<strong>de</strong> Catolicismo do Instituto <strong>de</strong> Estudos da Religiâo/ISER, na reu<br />
mão <strong>de</strong> 30 a 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1990 A mesma foi adiada duas ve-<br />
zes, por causa do "confisco" do Plano Collor e só pô<strong>de</strong> reali-<br />
zar-se nos dias 6 e 7 <strong>de</strong> julho do mesmo ano Os trabalhos <strong>de</strong><br />
verão sair em número especial das Comunicações do ISÍ R Este<br />
lexto, <strong>de</strong>stinado à Revista CUÍRA da UNIPOP, sofreu algumas<br />
modificações e e adaptações para divulgação mais ampla em<br />
âmbito local<br />
(**) A pesquisa nos jornais e revistas foi realizada pelos bolsis-<br />
tas <strong>de</strong> iniciação cientifica Fernando Arthur <strong>de</strong> Freitas Neves e <strong>de</strong><br />
aperfeiçoamento Ana Negrão do Espírito Santo, que participam,<br />
sob minha orientação, do projeto "Fontes para o Estudo da<br />
História Social e Religiosa da Região do Salgado", financiado<br />
pelo CNPq<br />
,H Cf Francisco C Rolim, "Religião e Classes Populares"<br />
Potópolis Fd Vozes, 1980. e "O que e Pentecostalismo". Sáo<br />
Paulo 'd Brasiliense. 1987<br />
í?, "Uma nota sobre o voto amigo" Comunicações do ISER 1<br />
(3): 3 11, 1982.<br />
(3) "Uma 'i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica'?" Comunicações do ISER 5 (221:<br />
5 16, 1986<br />
14) Cf Rubem César FERNANDES. "Os Cavaleiros do Bom Je-<br />
sus: Uma introdução às religiões populares". São Paulo: Ed.<br />
Brasiliense, 1982<br />
(5) Cf Jean DELUMEAU. le Christianisme va-t il mourir?" Pa-<br />
ris: Hachetfe, 1977<br />
(6i Cf Regina R. NOVAES, "Igreja Católica, Reforma Agrária e<br />
Nova República" Religião e Socieda<strong>de</strong> 12 (31 54 62<br />
{7) "Carnavais.. Malandros e Heróis: Para uma sociologia do di-<br />
lema brasileiro" Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar Editores, 1979<br />
AZ<br />
CUIRA
CULTURA<br />
A Esterilização Feminina<br />
Submissão Voluntária ?<br />
Suzanne Serruya Weyl<br />
"Eu não quis fazer a história<br />
antes,a arqueologia<br />
O comportamento reprodutivo<br />
feminino mudou significamen-<br />
te nas últimas três décadas.<br />
Como principal resultado <strong>de</strong>sta mu-<br />
dança ocorreu um importante <strong>de</strong>clínio<br />
da taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong>, que relaciona o<br />
n 0 <strong>de</strong> filhos por mulher. As taxas <strong>de</strong> fe-<br />
cundida<strong>de</strong> total brasileiras eram secu-<br />
larmente elevadas, mesmo levando-se<br />
em conta diferenças regionais e urba-<br />
no-rurais. O <strong>de</strong>clínio apontado pelos<br />
números do censo <strong>de</strong> 80 surpreen<strong>de</strong>-<br />
ram tanto pela magnitu<strong>de</strong> da redução<br />
como pelo fato <strong>de</strong> ter atingido todas as<br />
regiões brasileiras(l).<br />
Inúmeros estudos multidisci-<br />
plinares surgiram para explicar este<br />
fenômeno, articulando fatores que se<br />
conjugam em diferentes níveis.<br />
Vilmar Faria, pesquisador e<br />
presi<strong>de</strong>nte da Associação Nacional <strong>de</strong><br />
46<br />
CUIRA<br />
M. Foucalt<br />
linguagem;<br />
silêncio."'<br />
^ ^<br />
O estudo da saú<strong>de</strong> da mulher nos oferece um bom espe-<br />
lho da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste país. No país dos WO milhões <strong>de</strong> ca-<br />
riados, dos 12 milhões <strong>de</strong> sem-terra e dos 20 milhões<br />
<strong>de</strong> analfabetos, entre outras mazelas, milhares <strong>de</strong> mu-<br />
lheres optam pela esterilida<strong>de</strong> como se com isso pu<strong>de</strong>s-<br />
sem salvar suas vidas da miséria crescente, sacrifican-<br />
do sonhos e realizações.E um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> públi-<br />
ca, sem dúvidas, mas principalmente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental<br />
e moral dos donos do po<strong>de</strong>r e da mídia.<br />
<strong>Pesquisa</strong> e Pós-Graduaçao em Ciências<br />
Sociais, aponta como causa estrutural<br />
mais básica o padrão <strong>de</strong> expansão<br />
econômica pós-64, com crescente pro-<br />
letarização e o empobrecimento relati-<br />
vo das camadas <strong>de</strong> menor rendimento.<br />
Discute a intervenção, com ou sem in-<br />
^co^-<br />
tencionalida<strong>de</strong>, da "omissão" gover-<br />
namental e a ação das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> e concorda que<br />
a <strong>de</strong>terminante mais próxima <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>-<br />
clínio seria o aumento do uso <strong>de</strong> meios<br />
anticoncepcionais, cm especial a pílula<br />
e esterilização.(2)
A "DOURADA"<br />
PREFERÊNCIA<br />
PERDE<br />
Segundo Elza Berquó, pes-<br />
quisadora da UNICAMP, das razões<br />
que levaram à queda da fecundida<strong>de</strong><br />
marital, a principal é o uso <strong>de</strong> métodos<br />
anticoncepcionais (3). Estudos recen-<br />
tes <strong>de</strong>monstram que 2/3 das mulheres<br />
"O controle da natalida<strong>de</strong><br />
apareceu em diversos dis-<br />
cursos como a solução para<br />
vários males nacionais".<br />
usam algum tipo <strong>de</strong> método anticon<br />
cepcional, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma faixa etária<br />
<strong>de</strong> 15 a 44 anos. Diferente do que este<br />
dado po<strong>de</strong> isoladamenic traduzir, en-<br />
contramos que em cada cinco mulheres<br />
que usam algum método anticoncep-<br />
cional quatro optaram por apenas dois<br />
<strong>de</strong>les: a pílula e a esterilização <strong>de</strong>finiti-<br />
va, em geral sem indicação e orientação<br />
a<strong>de</strong>quada.(4)<br />
A pílula é o método mais co-<br />
nhecido : 99% das mulheres entre 15 e<br />
44 anos o conhecem, 70% já experi-<br />
mentaram pelo menos uma vez, mas<br />
apenas 25% o elegeram como método<br />
contraceptivo. Somente na região Sul é<br />
que a pílula atinge 54% da preferência<br />
feminina. Os métodos naturais são<br />
usados por apenas 4% da população<br />
usuária dos métodos contraceptivos no<br />
Brasil, contra 41%. das mulheres dos<br />
países do primeiro mundo. O DIU e o<br />
Diafragma são pouco conhecidos e <strong>de</strong><br />
difícil acesso principalmente pela po-<br />
pulação <strong>de</strong> baixa renda.(5)<br />
CIO<br />
OS CORPOS EM SILEN-<br />
No Brasil, o método mais usa-<br />
do é a esterilização feminina. Esta pre-<br />
ferência revela uma série <strong>de</strong> aspectos<br />
importantes. O crescimento da pre-<br />
ferência por este método é recente e<br />
veloz; em alguns estados, como São<br />
Paulo, o número <strong>de</strong> usuários pratiôa-<br />
mente dobrou em apenas oito anos. No<br />
Nor<strong>de</strong>ste, na análise das faixas etárias<br />
,* • ^6*#<br />
' *•' i<br />
Até 1960, o nível <strong>de</strong> reprodução brasileira mameve-se estável, por<br />
volta <strong>de</strong> 6,2 filho/mulher, apresentando uma pequena queda em torno 1965<br />
a 1967 e diminuindo consi<strong>de</strong>ravelmente até 1980, quando vamos encontrar<br />
uma taxa <strong>de</strong> 3,4 filhosImulher.<br />
Na região Norte, na década <strong>de</strong> 60/70, a taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> total<br />
foi <strong>de</strong> 8,15, a maior do Brasil. Na década seguinte (70/80) ocorreu uma re-<br />
dução <strong>de</strong> 21%, registrando-se o número <strong>de</strong> filhos/mulher <strong>de</strong> 6,45(12lA taxa<br />
<strong>de</strong> crescimento da década, no Brasil, foi <strong>de</strong> 2.5%, o que representou uma re-<br />
dução na intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 14%.<br />
.<br />
CUIRA<br />
47
das mulheres que optaram por este mé-<br />
todo encontramos um percentual <strong>de</strong><br />
21,42% <strong>de</strong> mulheres nor<strong>de</strong>stinas, que<br />
antes dos 30 anos já haviam encerrado<br />
sua carreira reprodutiva, e <strong>de</strong> quase 5%<br />
4,73%) antes dos 25 anos (6).<br />
Sabendo que o Brasil tem um<br />
número gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestações em ado-<br />
lescentes e que em geral é após o se-<br />
gundo filho que a mulher procura a la-<br />
queadura tubária, é possível projetar<br />
um quadro <strong>de</strong> dramático encurtamento<br />
do ciclo reprodutivo feminino. Outro<br />
aspecto é que a laqueadura é realizada<br />
tradicionalmente na última gestação<br />
recorrendo a cesárias. No Pará, 82,6%<br />
das mulheres esterilizadas adotaram es-<br />
te procedimento, que tem uma série <strong>de</strong><br />
complicações (7). A primeira <strong>de</strong>las é<br />
uma taxa <strong>de</strong> cesárias alarmante que<br />
implica um aumento <strong>de</strong>snecessário dos<br />
riscos <strong>de</strong> complicações ç morbida<strong>de</strong><br />
materno e fetal. Do ponto <strong>de</strong> vista da<br />
Saú<strong>de</strong> Pública existe a preocupação <strong>de</strong><br />
que a laqueadura tubária venha a pro-<br />
vocar uma série <strong>de</strong> alterações hormo-<br />
nais com conseqüências que po<strong>de</strong>m ir<br />
<strong>de</strong> distúrbios menstruais até menopau-<br />
sa precoce (8). Esta questão é agravada<br />
por duas características citadas: o con-<br />
tigente <strong>de</strong> mulheres com laqueadura<br />
tubária é jovem e numeroso.<br />
O uso ina<strong>de</strong>quado dos méto-<br />
dos contraceptivos, embora já evi<strong>de</strong>n-<br />
ciado nos estudos, está longe <strong>de</strong> ser<br />
avalidado com serieda<strong>de</strong>. O outro pon-<br />
to que fica muito claro é a falta <strong>de</strong> uma<br />
política populacional explícica e con-<br />
seqüente do governo brasileiro, tanto<br />
no sentido mais amplo, que abrange<br />
uma gama <strong>de</strong> interações <strong>de</strong>mográficas,<br />
econômicas e políticas, quanto, mais<br />
especificamente, relacionada à taxa <strong>de</strong><br />
aumento populacional e seu principal<br />
<strong>de</strong>terminante, a fecundida<strong>de</strong>.<br />
QUALIDADE X QUANTI-<br />
DADE A posição oficial do governo<br />
nestas três décadas foi ambígua, com<br />
forte tom pró-natalida<strong>de</strong>. Nesta linha,o<br />
governo argumentava que a população<br />
é fator <strong>de</strong> crescimento e a ocupação <strong>de</strong><br />
espaços vazios,uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se-<br />
gurança nacional. O controle <strong>de</strong> natali-<br />
da<strong>de</strong> apareceu em inúmeros discursos<br />
como a solução para vários males na-<br />
cionais. Razões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida foram assumidas como justifi-<br />
cativa para racionalizar a família, <strong>de</strong>-<br />
frontando-se nesse <strong>de</strong>bate tanto idéias<br />
48<br />
CUÍRA<br />
da garantia <strong>de</strong> "qualida<strong>de</strong>s" físicas da<br />
população como o neomalthusianis-<br />
mo que busca na racionalização do ta-<br />
manho da família, as respostas para to-<br />
do tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajustamento.f9)<br />
Mais recentemente o governo<br />
brasileiro iniciou programas <strong>de</strong> atenção<br />
à Saú<strong>de</strong> da Mulher que implantariam<br />
"ações que aten<strong>de</strong>m às especificida<strong>de</strong>s<br />
da mulher em todas as fases <strong>de</strong> sua vi-<br />
da"(ll). Caberia então <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />
programa <strong>de</strong> atendimento global, o<br />
planejamento familiar, que gerou mui-<br />
ta polêmica. De um lado, se colocavam<br />
as entida<strong>de</strong>s femininas, preocupadas<br />
com a execução <strong>de</strong> uma programa que<br />
po<strong>de</strong>ria se transformar em um verda-<br />
<strong>de</strong>iro "programa oficial <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />
natalida<strong>de</strong>", dada a falta <strong>de</strong> preparação<br />
em vários níveis (técnico p político,<br />
principalmente), da re<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong><br />
assistência à saú<strong>de</strong>. Ao lado da igreja,<br />
que via na ação governamental uma<br />
transgressão aos seus valores, agrupa-<br />
ram-se os mais diversos interesses, que<br />
se posicionavam contra o pograma. As<br />
multinacionais <strong>de</strong> medicamentos e as<br />
entida<strong>de</strong>s controlistas tentavam então<br />
reservar um "mercado consumidor",<br />
cuja ação oficial certamente os prejudi-<br />
caria.<br />
"O argumento neomafthu-<br />
s/ano, tão combatido quanto<br />
difundido, baseia-se na<br />
idéia <strong>de</strong> que o aumento po-<br />
puiacíonai é o fator que im-<br />
pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvoivimento".<br />
AS INSTITUIÇÕES DE<br />
CONTROLE<br />
Entrando no espaço institu-<br />
cional, surge a Benfam, a primeira or-<br />
ganização fundada no Brasil,em 1965.<br />
Em 1971, foi reconhecida como "orga-<br />
nização privada sem fins lucrativos", o<br />
mesmo ocorrendo com o "<strong>Centro</strong> <strong>de</strong><br />
Assistência Integrada à Mulher e à<br />
Criança" (CEPAIMC). Tais organi-<br />
zações possuem recursos financeiros<br />
vindos do exterior e estrutura para<br />
apoio técnico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta, que<br />
serve para avaliar em q^ianto a<br />
"questão <strong>de</strong>mográfica" no 3 o mundo<br />
importa aos países <strong>de</strong>senvolvidos.<br />
A ação <strong>de</strong>stas entida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong><br />
ser verificada em vários campos, quer<br />
seja financiando pesquisas na área <strong>de</strong><br />
reprodução humana ou estimulando os<br />
serviços <strong>de</strong> planejamento familiar.<br />
Por meio <strong>de</strong> discursos diver-<br />
sos,em que ao lado <strong>de</strong> argumentos neo-<br />
malthusianosjse coloca o da liberda<strong>de</strong><br />
sexual, separando o prazer sexual da<br />
procriação, o "MODELO BENFAM"<br />
<strong>de</strong> família tem sido apresentado como<br />
solução para todos os males. Tal mo<strong>de</strong>-<br />
lo prevê poucos filhos (dois ou três),<br />
preconizando a "anticoncepção como<br />
um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> todos", agindo autoritaria-<br />
mente com objetivo único <strong>de</strong> alcançar<br />
metas <strong>de</strong>mográficas pré-estabelecida-<br />
<strong>de</strong>s. O argumento neomalthusiano, tão<br />
combatido quanto difundido, baseia-se<br />
na idéia <strong>de</strong> que o aumento populacio-<br />
nal é o fator que impe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento, enten<strong>de</strong>ndo que um gran<strong>de</strong><br />
número <strong>de</strong> filhos é a causa e não uma<br />
conseqüência da pobreza. Tal hipótese<br />
não se comprovou. Na maioria dos paí-<br />
ses on<strong>de</strong> houve diminuições do cresci-<br />
mento populacional, isto ocorreu pela<br />
melhoria das condições <strong>de</strong> vida da po-<br />
pulação, sem execução <strong>de</strong> uma política<br />
<strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>. A<br />
pobreza, a <strong>de</strong>sinformação e o sub<strong>de</strong>-<br />
senvolvimento não têm suas causas no<br />
tamanho da população e da família e<br />
sim na forma pela qual a socieda<strong>de</strong> se<br />
organiza, na produção e distribuição <strong>de</strong><br />
riquezas.
OS NÀO FILHOS DA T.V.<br />
É consenso, entre os autores<br />
que discutem a transição <strong>de</strong>mográfica,<br />
que a questão <strong>de</strong>terminante para a ins-<br />
titucionalização dos métodos anticon-<br />
cepcionais se constitui no <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento das relações capitalistas <strong>de</strong> pro-<br />
dução. Atualmente, o número <strong>de</strong> mu-<br />
"A televisão vincula uma<br />
família padrão: um casal e<br />
dois filhos."<br />
lheres brasileiras que usam algum mé-<br />
todo anticoncepcional é alto: cerca <strong>de</strong><br />
2/3, só comparado ao nível <strong>de</strong> países<br />
<strong>de</strong>senvolvidos.<br />
Entretanto, é preciso <strong>de</strong>scar-<br />
tar da ação governamental o caráter<br />
conspiratório e introduzir ao <strong>de</strong>bate fa-<br />
tores culturais e conseqüências não an-<br />
tecipadas das políticas governamentais.<br />
Vilmar Faria, pesquisdor da UNI-<br />
CAMP, argumenta que <strong>de</strong>terminadas<br />
políticas públicas funcionaram como<br />
potencializadoras das mudanças no<br />
comportamento reprodutivo sem que<br />
tenha sido colocado como objetivo <strong>de</strong>s-<br />
tas políticas. (11)<br />
Citamos duas: a política <strong>de</strong><br />
Crédito Direto ao Consumidor, cujo<br />
exercício do cálculo econômico racio-<br />
nal agiria como um instrumento <strong>de</strong> so-<br />
brevivência social, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um con-<br />
texto multifatorial. O valer-se do ra-<br />
ciona! também foi reforçado por políti-<br />
ca <strong>de</strong> crédito direto ao consumidor se-<br />
letiva que facilita certos bens dispensá-<br />
veis à reprodução familiar,"encarecen-<br />
do" os custos <strong>de</strong> produção e manu-<br />
tenção dos filhos.<br />
Outra questão, a das Telecc<br />
municações, é uma das mais importan-<br />
tes nesta análise. Embora auto-<strong>de</strong>fi-<br />
nindo-se com a função básica <strong>de</strong><br />
"transformar a população em mercado<br />
ativo <strong>de</strong> consumo", a televisão foi e é<br />
alvo <strong>de</strong> numerosos estudos que tentam<br />
<strong>de</strong>svendar seu complexo processo <strong>de</strong><br />
ação global no social. Aproximando<br />
mais este foco, é permitido falar que a<br />
televisão vinculou uma família-padrão<br />
bem típica: um casal e dois filhos: um<br />
garoto e uma menina. Esta família mo-<br />
<strong>de</strong>lo se coloca em contraposição à<br />
família gran<strong>de</strong>, ausente ou bem locali-<br />
zada em tipos: emigrantes/rural. Apre<br />
sentada principalmente nas novelas mas<br />
também estrategicamente em anúncios,<br />
programas etc, esta família represen-<br />
tou discursos convergentes no sentido<br />
da manutenção da instituição, mas <strong>de</strong><br />
seu controle numérico.<br />
O OLHAR OCULTO<br />
É através da conjunção <strong>de</strong>stes<br />
fatos, sinteticamente colocados, que se<br />
construiu um quadro objetivo das con-<br />
dições que levaram as mulheres a dimi-<br />
nuir o n 0 <strong>de</strong> filhos e recorrer a esterili-<br />
zação e a pílula. Entretanto, é preciso<br />
pensar que o fato e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um nú-<br />
mero tão expressivo <strong>de</strong> mulheres recor-<br />
rem, principalmente, 'a esterilização<br />
não se <strong>de</strong>ve a unamida<strong>de</strong> tão objetiva.<br />
É preciso refletir sobre o que ainda<br />
está invisível nesta ação, mas associado<br />
às tantas razões objetivas já levantadas.<br />
A voluntarieda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sejo<br />
das mulheres, embora pensados <strong>de</strong>ntro<br />
dos limites <strong>de</strong> cidadania a que estão<br />
subjugados, conduz a um primeiro e<br />
fundamental questionamento. A ima-<br />
gem feminina, construída fortemente<br />
sobre a maternida<strong>de</strong> durante décadas,<br />
recebe uma nova carga i<strong>de</strong>ológica, que<br />
não a livra <strong>de</strong> ser a "mãe <strong>de</strong>dicada",<br />
mas a controla <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> padrões<br />
numéricos <strong>de</strong>sejados não só pela mu-<br />
lher, mas pela socieda<strong>de</strong>. Qual repre-<br />
sentação, significado.tem para esta no-<br />
va mulher, que ainda crê ativamente na<br />
função maternal "divina", o <strong>de</strong>sejo por<br />
um método <strong>de</strong>finitivo, irreversível ou o<br />
própio fato <strong>de</strong> estar esterilizada ?<br />
Buscando enten<strong>de</strong>r estes sig-<br />
nificados, argumentamos que a con-<br />
vergência <strong>de</strong> inúmeros discursos sobre<br />
a esterilização constrói uma submissão<br />
no controle do corpo da mulher. Esta<br />
"submissão voluntária", retratada no<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> realizar a laqueadura tubária,<br />
se traduz como um efeito positivo do<br />
po<strong>de</strong>r sob o corpo. Ou seja, "fazer a<br />
operação" não é só sucumbir aos limi-<br />
tes da cidadania impostos às mulheres<br />
e em especial as <strong>de</strong> baixa renda. Repre-<br />
senta também uma ação coletiva, vo-<br />
luntária que se materializa ao nível do<br />
indivíduo. Assim, longe <strong>de</strong> imaginar<br />
que o controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> foi ma-<br />
quiavelicamente engendrado pelo go-<br />
verno e pelas instituições, é preciso en-<br />
ten<strong>de</strong>r as esferas mais próximas da <strong>de</strong>-<br />
cisão e do <strong>de</strong>sejp <strong>de</strong> se submeter à "o-<br />
peração". Outro ponto que <strong>de</strong>ve ser<br />
consi<strong>de</strong>rado é que a participação femi-<br />
nina na produção em geral é subordi-<br />
nada às funções reprodutivas. O <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> controlar, regular o tempo <strong>de</strong> con-<br />
cepção po<strong>de</strong> significar uma estratégia,<br />
que permita à mulher melhor ação na<br />
produção. Embora a mulher que tem<br />
menos filhos permaneça responsável<br />
pela educação, acompanhamento dos<br />
filhos e pelo trabalho doméstico, po-<br />
<strong>de</strong>mos questionar se ter menos filhos<br />
realmente altera a distribuição do tem-<br />
po e do espaço feminino ? O cotidiano<br />
<strong>de</strong>sta mulher que tem menos filhos tem<br />
um novo contexto ?<br />
O NORMAL, NATURAL ?<br />
Enfim, existem várias<br />
questões que ultrapassam a mudança<br />
numérica, mas permanecem ocultas.<br />
Refletir sobre estas questões exige uma<br />
dimensão prática que estamos buscan-<br />
do nas protagonistas <strong>de</strong>sta história, em<br />
entrevistas individuais, cujos discursos<br />
revelam na concretu<strong>de</strong>, o imaginário e<br />
o real <strong>de</strong> "ser operada", "estar ligada".<br />
Acreditamos ser importante<br />
refletir, mais atentamente, sobre uma<br />
ação tão significante na vida feminina -<br />
fazer uma cirurgia <strong>de</strong>finitiva: esterili-<br />
zação - que foi "naturalizada", "norma-<br />
lizada" com tamanha rapi<strong>de</strong>z na vida<br />
da maioria das mulheres "operadas".<br />
Suzanne Serruya Weyl. especialista em Ginecologia e ObsteUÍ-<br />
cia, professora da UEPa. e mestranda do NAEA.<br />
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1 - SIMÕES, Celso & OLIVEIRA, Luiz Perfil Eslalistico <strong>de</strong> Crian-<br />
ças e Mães no Brasil, <strong>de</strong>terminantes gerais e características da<br />
transição recente. Rio <strong>de</strong> Janeiro, IBGE, 1988.<br />
2 MARTINE, G. e CAMARGO, L Crescimento e distribuição<br />
da população brasileira: tendências recentes - Revistas Brasilei-<br />
ra <strong>de</strong> Estudos da População 01 99-140, Jan. 1984<br />
3 - FARIA. VILMAR EVANGELHISTAS " Políticas <strong>de</strong> Governo e<br />
Regulamentação da Fecundida<strong>de</strong> : Conseqüências não Anteci-<br />
padas e Efeitos perversos. ín " Ciências Sociais Hoje ", AN<br />
POCS, 1989<br />
4 - ARILLA, MM at. ali - direito <strong>de</strong> ter ou não ter filhos no Brasil<br />
2* ed Sào Paulo - Conselho Estadual <strong>de</strong> Condição Feminina,<br />
1986 V 1 (Coleção ca<strong>de</strong>rnos do CECF<br />
5 ■ FAGUNDES, A. e PtNOTTI, J A " Uma análise crítica da<br />
conlracepção no Brasil " Revista Feminina (16)(9): 776-8, set.<br />
1988<br />
6 - SIMÕES, Celso Op. cit<br />
7 - BERQUÓ, ELZA - "A Esterilização Feminina no Brasil Hoje ".<br />
Revista Ciência e Tecnologia, Revista <strong>de</strong> Cultura vozes. Ano<br />
Set/Out, 1989, n 0 5<br />
8 BERQUÓ, ELZA - Op. cit.<br />
9 - CELESTINO, Aparecido Clice " Estudo Comparativo da<br />
Morfotogia Endometrial e do Perfil Hormonal em Pacientes com<br />
Ligadura Tubária ". Tese <strong>de</strong> Doutorado apreBentada à Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Medicina da USP São Paulo, 1988<br />
10 ARILLA MM Op. Cl.<br />
11 - ARILLA, MM. - Op cit.<br />
12 - FARIA, Vilm» • Op. cil.<br />
49<br />
CU1RA
INTERNACIONAL<br />
Estratégia do Imperialismo<br />
Norte-americano para a<br />
América Latina: Santa Fé II*<br />
(1 a parte)<br />
O texto aqui reproduzido é <strong>de</strong> fundamental importância para se com-<br />
preen<strong>de</strong>r a estratégia imperialista para a América Latina nos próximos<br />
anos. Assim como o Documento <strong>de</strong> Santa Fé I <strong>de</strong>lineou pistas para a domi-<br />
nação dos Estados Unidos sobre o continente durante os anos 80, Santa Fé<br />
II preten<strong>de</strong> assentar as bases da estratégia <strong>de</strong> dominação para os ano 90.<br />
É fundamental conhecê-lo por várias razões. Entre elas, porque a di-<br />
mensão i<strong>de</strong>ológica se toma cada vez maior e mais trabalhada pelos estrate-<br />
gistas norte-americanos. Conceitos como "cultura", "<strong>de</strong>mocracia", "teolo-<br />
gia", "comunicação social" são tratados durante todo o texto e são articu-<br />
lados para a elaboração <strong>de</strong> diversas propostas da estratégia imperialista.<br />
O CEPIS <strong>de</strong>cidiu divulgar Santa Fé II para que todos nós possamos<br />
tomar consciência <strong>de</strong>stas propostas <strong>de</strong> dominação e da estratégia geral que<br />
lhes serviu <strong>de</strong> base.<br />
Assim, acreditamos nós, po<strong>de</strong>remos também construir com maior lu-<br />
ci<strong>de</strong>z nossa estratégia <strong>de</strong> libertação e lutar por ela com mais clareza no co-<br />
tidiano das lutas populares.<br />
Equipe do CEPIS.<br />
São Paulo, Junho <strong>de</strong> 1989<br />
DOCUMENTO SANTA FÉ II<br />
Introdução: A ameaça às Américas.<br />
As Américas continuam sendo alvo<br />
<strong>de</strong> agressão. Alertamos sobre este<br />
perigo em 1980.(1) A agressão se<br />
manifesta na subversão comunista,<br />
nas ações terroristas e no tráfico <strong>de</strong> drogas.<br />
A capacida<strong>de</strong> das incipientes <strong>de</strong>mocracias la-<br />
tinas <strong>de</strong> enfrentar estas agressões viu-se mi-<br />
nada pelo estancamento econômico em toda<br />
a região, agravado pelo problema da dívida.<br />
A violência política resultante e o empobre-<br />
cimento crescente provocaram uma crise<br />
migratória cada vez maior tanto <strong>de</strong>ntro da<br />
região como a partir <strong>de</strong>la. Apesar dos esfor-<br />
ços iniciais da administração Reagan para<br />
enfrentar estes problemas e suas causas pro-<br />
50<br />
CUÍRA<br />
fundas, a situação agrava-se cada vaz mais<br />
ao ingressarem nos Estados Unidos na últi-<br />
ma década do século-XX. A falta <strong>de</strong> pro-<br />
gresso po<strong>de</strong> ser atribuída principalmente ao<br />
fracasso para conseguir um acordo bipar-<br />
tidário que encare <strong>de</strong> maneira coerente e<br />
efetiva os problemas que a América Latina<br />
enfrenta.(2)<br />
Problemas no Horizonte<br />
A re<strong>de</strong> comunista subversiva e<br />
terrorista esten<strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> Chiapas, ao sul do<br />
México, até o Chile, convertendo toda a cos-<br />
ta do Pacífico, ao Sul do Rio Gran<strong>de</strong>, em<br />
cenário <strong>de</strong> franco conflito. É evi<strong>de</strong>nte que a<br />
estratégia comunista <strong>de</strong> conflito para a re-<br />
gião é chegar ao po<strong>de</strong>r ou, pelo menos, con-<br />
seguir que as forças <strong>de</strong> segurança oci<strong>de</strong>ntais<br />
se vejam envolvidas em operações prolonga-<br />
das simultâneas em vários países. A magni-<br />
tu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta operação tem como implicação<br />
estratégica reduzir os compromissos assumi-<br />
dos pelos Estados Unidos no continente eu-<br />
ro-asiático e, <strong>de</strong>sta forma, aumentar a capa-<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coação soviética. Isto é verda<strong>de</strong><br />
mesmo que haja uma redução das forças<br />
nucleares estratégicas da URSS como resul-<br />
tado dos acordos sobre controle <strong>de</strong> arma-<br />
mentos. Ao mesmo tempo, a estratégia <strong>de</strong><br />
conflito soviética sobrecarrega ao máximo as<br />
capacida<strong>de</strong>s com que os Estados Unidos<br />
contam para cumprir suas responsabilida<strong>de</strong>s<br />
globais. Durante a última década, em vez<br />
<strong>de</strong> diminuir, esta ameaça subversiva terroris-<br />
ta aumentou. Nicarágua e Cuba, estados<br />
clientes da URSS no hemisfério, envolve-<br />
ram-se no tráfico <strong>de</strong> drogas e estabelecem<br />
relações <strong>de</strong> cooperação e talvez até <strong>de</strong> con-<br />
trole, com as máfias <strong>de</strong> traficantes <strong>de</strong> drogas<br />
da Colômbia. Os enormes recursos provi-<br />
nientes do tráfico <strong>de</strong> drogas aumentaram as<br />
potencialida<strong>de</strong>s da ameaça subversivas mui-<br />
to além do que se previra inicialmente. A<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser necessário utilizar forças<br />
militares norte-americanas para combater<br />
esta ameaça se discute agora, publicamente,<br />
ante os comitês do Congresso.<br />
Ao mesmo tempo, as economias<br />
latino-americanas andam aos tropeços, com<br />
índices <strong>de</strong> crescimento apenas marginalmen-<br />
te positivos. A Comissão Econômica para a<br />
América Latina e Caribe da ONU, em seu<br />
relatório preliminar para 1987, assinala que<br />
em termos per capita, o PIB total da região<br />
aumentou somente 0.5% em 1987, compa-<br />
rado com o um também fraco aumento <strong>de</strong><br />
1,4% em 1986. O relatório conclui que estas<br />
cifras indicam que "em 1987 continou a <strong>de</strong>-<br />
terioração das condições <strong>de</strong> vida que atingem<br />
a maioria das economias latino-americanas<br />
mais pobres". Por outro lado, acelerou-se a<br />
taxa <strong>de</strong> inflação. À frente, encontra-se a Ni-<br />
carágua, com 1,226%, o Brasil, com 338%, a<br />
Argentina, com 178%, e o México, com<br />
144%. O que mais me preocupa são as altas<br />
taxas <strong>de</strong> inflação das três maiores nações la-<br />
tino-americanas, que também apresentam as<br />
dívidas mais elevadas. Quando recordamos
que o total da dívida externa aumentou 4%<br />
em relação a 1986, parece inevitável que o<br />
problema do serviço da dívida se tornará<br />
mais oneroso durante a próxima década.<br />
A maioria dos norte-americanos<br />
consi<strong>de</strong>ram ," a emigração latina como um<br />
problema <strong>de</strong> imigração estaduni<strong>de</strong>nse. É vis-<br />
to, fundamentalmente, como um problema<br />
<strong>de</strong> verificar como absorver ou <strong>de</strong>sincentivar<br />
as milhões <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>slocadas que procu-<br />
ram os Estados Unidos. A reaçáo inicial, e<br />
provavelmente a primeira <strong>de</strong>ntre muitas, foi<br />
a Lei Simpson-Rodino. Esta procura absor-<br />
ver os imigrantes ilegais que possam com-<br />
provar residência nos Estados Unidos <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> 1982, e <strong>de</strong>sincentivar imigrantes<br />
que vieram <strong>de</strong>pois, impondo multas aos em-<br />
pregadores que contratem imigrantes ilegais<br />
a partir <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1986, data em<br />
que foi aprovada. No entanto, o problema<br />
não se alicerça apenas no atrativo que têm<br />
os Estados Unidos para os imigrantes vo-<br />
luntários, mas no <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> milhões<br />
<strong>de</strong> pessoas por causa da violência marxista,<br />
da pobreza, das más gestões governamen-<br />
tais, e do aumento geral da ilegalida<strong>de</strong> e da<br />
corrupção na própria América Latina. A ori-<br />
gem do problema está nas pressões que ge-<br />
ram a emigração.<br />
Se as atuais tendências se manti-<br />
veram, é quase certo que enfrentaremos:<br />
. mais atitu<strong>de</strong>s hostis latino-americanas;<br />
. maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estados pró-soviéti-<br />
cos;<br />
. mais subversão;<br />
. maiores ameaças ao sistema financeiro in-<br />
ternacional;<br />
. maior criminalida<strong>de</strong> e tráfico <strong>de</strong> drogas<br />
provocados pela subversão;<br />
. maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ondas <strong>de</strong> imigração;e,<br />
por último;<br />
. maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> envolvimento mili-<br />
tar dos Estados Unidos.<br />
O que verificamos é que continua<br />
a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferènça estratégica contra a<br />
qual advertimos no primeiro relatório <strong>de</strong>ste<br />
Comitê em 1980. Se os Estados Unidos não<br />
enfocam a região <strong>de</strong> maneira coerente, séria<br />
e bipartidária, não há perspectiva alguma <strong>de</strong><br />
reverter estas tendências. O preço para en-<br />
frentar cada um dos sintomas já se elevou<br />
astronomicamente e o preço que os Estados<br />
Unidos serão obrigados a pagar ultrapassará<br />
qualquer experiência anterior duranie nos-<br />
sos 200 anos <strong>de</strong> história.<br />
A Necessida<strong>de</strong> da Democracia.<br />
O maior êxito aparente da admi-<br />
nistração Reagan na América Latina fpi o<br />
retorno à <strong>de</strong>mocracia. Este êxito, meámo<br />
que conte com o apoio bipartidário, po<strong>de</strong>'ser<br />
muito mais frágil do que pensamos atual-<br />
mente. É preciso atentar para os pontos vul-<br />
neráveis do regime <strong>de</strong>mocrático.<br />
*** ^*tóié.<br />
Nosso conceito <strong>de</strong> regime inclui<br />
tanto o governo temporário como o perma-<br />
nente. Numa <strong>de</strong>mocracia, o governo tem-<br />
porário é o funcionário eleito. O governo<br />
permanente é a estrutura institucional fc as<br />
burocracias que não mudam com as<br />
eleições, como, por exemplo, a burocracia<br />
militar, judicial e civil. Para continuar sendo<br />
<strong>de</strong>mocrático, o regime tem <strong>de</strong> prestar contas<br />
à socieda<strong>de</strong>. Isto exige uma compreensão da<br />
verda<strong>de</strong>ira natureza do estatismo.(3)<br />
O estatismo ocorre quando a so-<br />
cieda<strong>de</strong> está per<strong>de</strong>ndo ou já per<strong>de</strong>u a capa-<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir do regime uma prestação <strong>de</strong><br />
contas. Na América Latina, o estatismo é<br />
um problema persistente e profundo. Toc-<br />
queville reconheceu a persistência do esta-<br />
tismo na França apesar da revolução. Assi-<br />
nalou que o "ancien regime" ainda mantinha<br />
o po<strong>de</strong>r mesmo <strong>de</strong>pois que a revolução ha-<br />
via aparentemente substituído <strong>de</strong> forma<br />
permanente o governo monárquico pela As-<br />
sembléia Constituinte. Escreveu:<br />
"Não nos admiremos mais diante<br />
da assombrosa facilida<strong>de</strong> com que se reins-<br />
taurou a centralização na França jno co-<br />
meço do século. Os homens do '89' haviam<br />
<strong>de</strong>rrubado o edifício, mas ficaram os alicer-<br />
ces, mesmo nas mentes dos que o <strong>de</strong>struí-<br />
ram, e sobre esses alicerces pu<strong>de</strong>ram recons-<br />
truí-lo, incsperadamante, e com maior soli-<br />
<strong>de</strong>z que antes."<br />
O esquema mental tradicional <strong>de</strong><br />
muitos povos latino-americanos é tal que,<br />
embora possam mudar as formas <strong>de</strong> gover-<br />
no permanente e temporário do momento,<br />
continua gerando estatismo. As adminis-<br />
trações po<strong>de</strong>m ser instáveis e mudar, mas<br />
todas, durante seu mandato, procuram ex-<br />
pandir o papel do regime. Os po<strong>de</strong>res expan-<br />
sivos e absorventes do regime continuam em<br />
todos os países on<strong>de</strong> esta perspectiva domi-<br />
na a cultura política.<br />
Se a eleição <strong>de</strong> uma adminis-<br />
tração não vier acompanhada <strong>de</strong> uma mu-<br />
dança tanto <strong>de</strong> regime como <strong>de</strong> cultura poli-<br />
51<br />
CUIRA
tica, os Estados Unidos e a América Latina<br />
continuarão se distanciando cada vez mais.<br />
Não <strong>de</strong>veria ser motivo <strong>de</strong> surpresa, como<br />
aparentemente o é, que a União Soviética<br />
tenha recebido uma acolhida tao calorosa<br />
por parte dos lí<strong>de</strong>res recém-eleitos. No en-<br />
tanto, é com surpresa que numerosos jornais<br />
estaduni<strong>de</strong>nses assinalam o aumento dos<br />
contatos entre os soviéticos e os dirigentes<br />
latino-americanos recém-eleitos. Entre os<br />
êxitos soviéticos estão: a assinatura <strong>de</strong> acor-<br />
dos <strong>de</strong> intercâmbio cultural e cooperação<br />
econômica entre o chanceler Eduard She-<br />
vardnadze e o Brasil e o Uruguai em 1987;<br />
os acordos da dívida entre a URSS e o Peru,<br />
mediante os quais Moscou concordou em<br />
encomendar aos estaleiros da Marinha pe-<br />
ruana a construção <strong>de</strong> 80 barcos pesqueiros<br />
e comerciais, como parte <strong>de</strong> um plano para<br />
reduzir a dívida; e o primeiro acordo <strong>de</strong> pes-<br />
ca <strong>de</strong> importância entre Moscou e Argentina<br />
em 1986. Não é uma ironia que os esforços<br />
soviéticos <strong>de</strong> estabelecer vínculos com essas<br />
nações latino-americanas tenham se visto<br />
beneficiados pela nova onda <strong>de</strong> governos<br />
eleitos que varreu a região. Isto não é ape-<br />
nas resultante dos esforços dos novos lí<strong>de</strong>res<br />
em se distanciarem das administrações mili-<br />
tares prece<strong>de</strong>ntes que, em muitos casos,<br />
também, cooperam com os soviéticos. Nem<br />
foi simplesmente uma tentativa <strong>de</strong> acalmar<br />
suas respectivas alas esquerdas pró-soviéti-<br />
cas no plano interno, nem uma reação natu-<br />
ral à mudança <strong>de</strong> tática soviética em relação<br />
aos Estados do Terceiro Mundo.<br />
Todos estes fatores influíram,<br />
porém mais importante ainda é o fato <strong>de</strong><br />
que o regime latino é estatista por hábito,<br />
mesmo quando governado por representan-<br />
tes <strong>de</strong>mocraticamente eleitos. O regime "di-<br />
rigista" substitui cada vez mais a iniciativa do<br />
cidadão e reduz constantemente as esferas<br />
autônomas da socieda<strong>de</strong> civil. O regime so-<br />
viético é mais compatível com o estatismo la-<br />
tino do que os Estados Unidos. Isto é verda-<br />
<strong>de</strong> em muitos casos, mesmo que o regime la-<br />
tino seja ostensivamente <strong>de</strong>mocrático. O<br />
aumento das bolsas <strong>de</strong> estudo concedidas<br />
pela URSS para estudantes latinos é um si-<br />
nal <strong>de</strong> que Moscou reconhece que a edu-<br />
cação e o estágio em ministérios estatais so-<br />
viéticos favorecem sua penetração no regime<br />
estatista latino. Em 1978, Moscou ofereceu<br />
2.900 bolsas <strong>de</strong> estudo; uma década <strong>de</strong>pois,<br />
o total triplicou chegando a quase 10.000. A<br />
disposição soviética <strong>de</strong> estabelecer intercâm-<br />
bio e construir enormes projetos para o se-<br />
tor público ajusta-se à mentalida<strong>de</strong> estatista<br />
das culturas soviética e latina.<br />
Além disso, a disposição soviética<br />
<strong>de</strong> adquirir computadores e "software" brasileiros<br />
lhe abre o acesso aos países mais ricos<br />
da América Latina. Isto também vai<br />
acompanhado <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> estabelecer<br />
empresas mistas ("joint ventures") <strong>de</strong> ferro-manganês,<br />
por exemplo, e <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r veí-<br />
52<br />
CUÍRA<br />
culos <strong>de</strong> lançamento que estimulem o pro-<br />
grama espacial brasileiro. Por sua vez, essas<br />
medidas pressionam a Argentina a aumentar<br />
sua cooperação com os soviéticos, em parti-<br />
cular porque Moscou continua preocupada<br />
com o <strong>de</strong>sequilíbrio comercial provocado<br />
por sua enorme compra <strong>de</strong> grãos argentinos.<br />
Não obstante, o problema subja-<br />
cente é <strong>de</strong> caráter cultural: é a luta em torno<br />
<strong>de</strong> qual é a natureza do melhor regime. Por-<br />
tanto, o assunto não gira somente em redor<br />
das formas e processos mediante os quais os<br />
lí<strong>de</strong>res são eleitos. Concentrar a atenção nos<br />
processos eleitorais ofusca os <strong>de</strong>mais requisi-<br />
tos necessários para que exista a prestação<br />
<strong>de</strong> contas <strong>de</strong>mocrática. Entre os paladinos<br />
da <strong>de</strong>mocracia estaduni<strong>de</strong>nse, existe a<br />
tendência a enfatizar as eleições e ignorar os<br />
<strong>de</strong>mais requisitos. Por exemplo, muitas ve-<br />
zes o estatismo é consi<strong>de</strong>rado simplesmente<br />
como uma forma <strong>de</strong> assistência e segurança<br />
social. O que não se compreen<strong>de</strong> é que o re-<br />
gime estatista na América Latina abale a in-<br />
<strong>de</strong>pendência da socieda<strong>de</strong> como comunida-<br />
<strong>de</strong> ativa e auto-sustentadora, que possa pe-<br />
dir contas a seus representantes e que <strong>de</strong> fa-<br />
to o faça. O regime <strong>de</strong>mocrático é aquele em<br />
que o Governo tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
preservar a socieda<strong>de</strong> existente do ataque<br />
exterior ou da usurpação por parte do apa-<br />
relho estatal permanente.<br />
Os Estados Unidos estão numa<br />
etapa <strong>de</strong> ressurgimento. Recobramos o or-<br />
gulho e o sentido <strong>de</strong> propósitos com os quais<br />
este país foi construído e se transformou na<br />
gran<strong>de</strong> potência que é hoje. Porém esse<br />
gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r veio acompanhado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
responsabilida<strong>de</strong>s. OsEE.UU.não se po<strong>de</strong>m<br />
dar ao luxo <strong>de</strong> continuar dando tropeções<br />
como um elefante numa loja <strong>de</strong> cristais. A<br />
União Soviética representa para nós um ad-<br />
versário que não está submetido ao mesmo<br />
tipo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas que o nosso Go-<br />
verno; a estrutura do po<strong>de</strong>r em Moscou<br />
permite ao Bureau Político aplicar uma polí-<br />
tica exterior efetiva, coor<strong>de</strong>nada e a longo<br />
prazo. Os que elaboraram a política estadu-<br />
ni<strong>de</strong>nse têm <strong>de</strong> lidar com o fato <strong>de</strong> que os in-<br />
teresses soviéticos são contrários aos nossos,<br />
não só em termos geopolíticos, mas,<br />
também, porque os valores e a i<strong>de</strong>ologia que<br />
promovem são fundamentalmente antagôni-<br />
cos ao regime <strong>de</strong>mocrático e à liberda<strong>de</strong>. Os<br />
elaboradores da política estaduni<strong>de</strong>nse têm<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r reconhecer a ameaça que os sovié-<br />
ticos representam e contrapor-se a ela. Isto<br />
significa que as políticas e os programas <strong>de</strong><br />
objetivos-específicos têm <strong>de</strong> conjugar-se<br />
com os interesses e objetivos nacionais esta-<br />
duni<strong>de</strong>nses a longo prazo e manter sempre<br />
esses interesses e objetivos muito presentes.<br />
Além <strong>de</strong> terem <strong>de</strong> enfrentar a<br />
ameaça soviética, as nações latino-america-<br />
nas confrontam-se com muitos problemas<br />
internos e estruturais. A melhor forma <strong>de</strong> os<br />
EE.UU. ajudarem estes países a se ajuda-<br />
rem a si mesmos é garantir que qualquer es-<br />
forço genuíno para promover a <strong>de</strong>mocracia<br />
seja recompensado. Não po<strong>de</strong>mos permitir<br />
que os traficantes <strong>de</strong> entorpecentes, os ter-<br />
roristas ou um estado expansivo os escravize,<br />
como tampouco po<strong>de</strong>mos permitir que a ti-<br />
rania imperial dos soviéticos se expanda.<br />
Não po<strong>de</strong>mos observar passiva-<br />
mente a luta para sair da pobreza ser preju-<br />
dicada por políticas míopes em relação à dí-<br />
vida ou por políticas econômicas que <strong>de</strong>s-<br />
truam a economia.<br />
Os elaboradores <strong>de</strong> política esta-<br />
duni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong>vem transmitir uma mensagem<br />
forte e precisa: o bom vizinho está <strong>de</strong> volta e<br />
regressou para ficar.<br />
Parte I - Uma Estratégia para o<br />
Regime Democrático:<br />
Bases para uma Política Democrática<br />
Os norte-americanos têm-se incli-<br />
nado a crer que, para assumir atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>-<br />
mocráticas no governo permanente e para<br />
promover a melhoria das relações entre os<br />
EE.UU. e a América Latina, bastam<br />
eleições <strong>de</strong>mocráticas. No entanto, os fatos<br />
<strong>de</strong>monstram que, mesmo que se tenham ins-<br />
taurado formas <strong>de</strong>mocráticas na América<br />
Latina, o padrão <strong>de</strong> estatismo não se alterou.<br />
Os Estados Unidos estão enfrentando, <strong>de</strong> fa-<br />
to, crescentes dificulda<strong>de</strong>s no manejo dos<br />
problemas políticos, econômicos e diplomá-<br />
ticos com muitas <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>mocracias en-<br />
quanto testemunham o aumento da influên-<br />
cia e da visibilida<strong>de</strong> soviética.<br />
Os soviéticos fazem uma distinção<br />
clara entre estar no Governo e ter o po<strong>de</strong>r.<br />
Esta distinção significa abordar o que se<br />
consi<strong>de</strong>ra a essência do regime, quer dizer,<br />
se a forma <strong>de</strong> governo correspon<strong>de</strong> à estrutu<br />
ra do governo permanente. Por exemplo, es-<br />
ta distinção explica porque os soviéticos con-<br />
si<strong>de</strong>ram que os comunistas nacionais que<br />
estão no Governo não têm o po<strong>de</strong>r enquan-<br />
to não controlam as forças armadas. Os Es-<br />
tados Unidos necessitam ser igualmente rea-<br />
listas. Os Estados Unidos <strong>de</strong>vem alcançar<br />
uma cultura pró-<strong>de</strong>mocrática no governo<br />
permanente assim como na administração<br />
temporária.<br />
O regime <strong>de</strong>mocrático exige que o<br />
mecanismo político permanente, constituído<br />
pelas estruturas burocráticas encarregadas<br />
<strong>de</strong> manter a or<strong>de</strong>m e administrar a justiça,<br />
assim como o governo temporário formado<br />
pela administração eleita estejam a serviço<br />
da socieda<strong>de</strong>. O regime <strong>de</strong>mocrático tem<br />
como propósito preservar a in<strong>de</strong>pendência<br />
da socieda<strong>de</strong>, fazer da socieda<strong>de</strong> uma co-<br />
munida<strong>de</strong> mais verda<strong>de</strong>ira, e respon<strong>de</strong>r-pe^<br />
rante ela.
Os elementos mais significativos<br />
do objetivo <strong>de</strong>sta política dos Estados Uni-<br />
dos implicam que os lí<strong>de</strong>res latino-america-<br />
nos aceitem controles do po<strong>de</strong>r político e<br />
mantenham a diferença entre regime e so-<br />
cieda<strong>de</strong>. A tendência nos Estados Unidos é<br />
concentrar-se excessivamente nos processos<br />
eleitorais. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da importân-<br />
cia que possam ter, a compreensão do pro-<br />
blema <strong>de</strong> estabelecer um efetivo regime<br />
constitucional e <strong>de</strong>mocrático na América La-<br />
tina é limitada.<br />
SSo Pauh, Junho <strong>de</strong> 1989<br />
Para a Leitura do Documento<br />
Frei Betto<br />
Em maio <strong>de</strong> 1980, assessores <strong>de</strong> Ronald Reagan elaboraram um do-<br />
cumento <strong>de</strong> propostas àpolítica externa do novo presi<strong>de</strong>nte americano. O<br />
Documento da Santa Fé, que reunia as propostas, reforçava a Doutrina<br />
Monroe (leia-se:" a América - incluída a Latina -para os americanos")<br />
e referia-se explicitamente à Teologia da Libertação: "A política exterior<br />
dos EUA <strong>de</strong>ve começar a enfrentar (e não simplesmente reagr posterior-<br />
mente) a Teóloga da Libertação tal como é utilizada na América Latina<br />
pelo clero da 'Teologia da Libertação'. O papel da Igreja na América<br />
Latina - acrescentava o documento - é vital para o conceito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
política. Lamentavelmente, as forças marxistas-leninistas utilizarama a<br />
Igreja como uma arma política contra a proprieda<strong>de</strong> privada e o sistema<br />
capitalista <strong>de</strong> produção, infiltrando a comunida<strong>de</strong> religiosa com idéias<br />
que são menos critãs que comunistas".<br />
Vem à luz agora o Documento Santa Fé II, <strong>de</strong>stinado ao governo Bu-<br />
sh e intitulado "Uma estratégia para a América Latina nos anos 90". As-<br />
sinado por L. Francis Boucney, Roger Fontaine, David C. Jordan e o Ge-<br />
neral Gordom Sumner Jr, no novo texto <strong>de</strong>stacam-se três temas: a neces-<br />
sida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia, a ofensiva cultural marxista e o acerto da dívida<br />
externa.<br />
Estatismo e comunismo ■ Os assessores <strong>de</strong> Bush acreditam qie "o<br />
maior triunfo da administração Reagan na Américd Latina foi o retomo<br />
à <strong>de</strong>mocracia "(sic), distinguem entre "governo permanente - as estruturas<br />
institucionais que não mudam com o resultado das eleições" (a insti-<br />
tuição militar, a judicial e a civil) e "governo temporal" - o que resulta<br />
das eleições", e consi<strong>de</strong>ram que o ffan<strong>de</strong> inimigo da <strong>de</strong>mocracia seria "o<br />
estatismo ", ou seja, a presença do Estado na esfera econômica. Esse esta-<br />
tismo, reflexo da in<strong>de</strong>sejada egemonia do governo temporal sobre o per-<br />
manente, justificaria a crescente aproximação do Cone Sul com a URSS.<br />
"As novas conquistas soviéticas incluem: um acordo pelo ministro Ed-<br />
ward Shevardnadze para um intercâmbio cultural e <strong>de</strong> coopereção<br />
econômica com o Brasil e Uruguai em 1987", uma vez que "o regime so-<br />
viético é mais compatível com o estatismo latino que o dos Estados Uni-<br />
dos". Essa infiltração comunista não <strong>de</strong>scarta nem a tecnologia <strong>de</strong> pon-<br />
ta, pois "a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Moscou <strong>de</strong> comprar computadores e 'software'<br />
brasileiros abre uma porta rumo ao país mais rico da América Latina'',<br />
além <strong>de</strong> cooperação na área mineral e no programa espacial <strong>de</strong> nosso<br />
país.<br />
Para os autores do documento, evita-se o avanço da ofensiva soviéti-<br />
ca promovendo no Continente a verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>mocracia - aquela que pre-<br />
sença a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ataque externo e <strong>de</strong> intromissão interna do aparelho<br />
<strong>de</strong> Estado. Todo po<strong>de</strong>r à inicativa privada! No caso específico do Brasil,<br />
Santa Fé II elogia Sameypopr ter evitado um "golpe <strong>de</strong> Estado'' do Con-<br />
gresso. Nacional (sic) ao <strong>de</strong>cidir ficar 5 anos no governo e <strong>de</strong>rrotar o par-<br />
lamentarismo na Constituinte. Mas alerta para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "um<br />
governo esquerdista tomar o po<strong>de</strong>r na década <strong>de</strong> 90", favorecido pelo es-<br />
tatismo, pelo déficit público e o peso da dívida externa. Nesta hipótese, es-<br />
taria justificado um novo golpe militar, uma vez que "o Exército po<strong>de</strong>ria<br />
realizar um papel histórico como po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rador". Porém os homens<br />
<strong>de</strong> Bush reconhecem que isto imopediria 'o Brasil <strong>de</strong> alcançar a meia <strong>de</strong><br />
chegar ao final do século como uma gran<strong>de</strong> potência.<br />
A Teologia da Libertação - Gramsci seria o gran<strong>de</strong> inspirador da<br />
atual "ofensiva cultural marxista" no Continente, por ter aprofundado as<br />
relações entre valores nacionais e criação <strong>de</strong> um regime eslatisla. Agora a<br />
O Haiti representa um exemplo<br />
dramático. Depois da fuga da família Duva-<br />
lier, as autorida<strong>de</strong>s dos Estados Unidos esta-<br />
vam ansiosas por estabelecerem a <strong>de</strong>mocra-<br />
cia, que dizer, realizar eleições. Resultado: o<br />
fracasso sangrento <strong>de</strong> novembro passado<br />
que <strong>de</strong>monstrou que o Haiti - tanto a socie-<br />
da<strong>de</strong> como o regime - estava totalmente<br />
<strong>de</strong>spreparado para estabelecer um governo<br />
<strong>de</strong>mocrático. Esta visão limitada <strong>de</strong>monstra<br />
que as autorida<strong>de</strong>s dos EE.UU. não com-<br />
preen<strong>de</strong>ratruo profundo conflito cultural que<br />
existe nos países latino-americanos. Mesmo<br />
que se realizem eleições, o próprio regime<br />
po<strong>de</strong> continuar a ser profundamente estatis-<br />
ta e continuará a avançar inexoravelmente<br />
para o po<strong>de</strong>r absolutista sobre uma socieda-<br />
<strong>de</strong> cada vez mais <strong>de</strong>bilitada.(4)<br />
Neste sentido político, o estatismo<br />
inclui a estatizaçâo(5) e o nacionalismo inte-<br />
gral. Estas são tendências que conduzem ao<br />
controle centralizado da ativida<strong>de</strong> econômi-<br />
ca e ao embaçamento da distinção entre so-<br />
cieda<strong>de</strong> e regime. Se os eleitos para o gover-<br />
estratégia comunista consitirid em preservar o processo <strong>de</strong>mocrático, re-<br />
forçando o estatismo e obtendo o predomínio <strong>de</strong> novos valores culturais<br />
sobre a economia. Os canais à "dominação cultural da nação " seriam<br />
' a religião, as escolas, os meios <strong>de</strong> comunicação e as universida<strong>de</strong>s''.<br />
A Teologia da Libertação é encarada, nesse contexto, como uma<br />
"doutrina poliica disfarçada <strong>de</strong> crença religiosa, com um significado an-<br />
tipapal c anti-livre empresa, <strong>de</strong>stinada a <strong>de</strong>bilitar a in<strong>de</strong>pendência da so-<br />
cieda<strong>de</strong> frente ao controle estatista". A relcitura que os teólogos da liber-<br />
tação fazem da fé cristã seria parte da estratégia cultural <strong>de</strong> reinterpretar a<br />
arte e os <strong>de</strong>mais bens simbólicos. Haveria uma verda<strong>de</strong>ira "indústria da<br />
conscientização'' e que <strong>de</strong>ve ser atacada com <strong>de</strong>cisão pela administração<br />
Bush:<br />
A dívida externa - Quanto à divida externa, o documento aprova o<br />
Plano Baker c propõe a criação <strong>de</strong> mercados nacionais <strong>de</strong> capital, como<br />
forma <strong>de</strong> administrá-la A ontinuar a evasão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s somas <strong>de</strong> capital,<br />
alertam eles, os países <strong>de</strong>vedores enfrentam crescimento negativo cjá não<br />
"terão divisas para comprar produtos norte-americanos". A saída estaria<br />
em reinverter o montante da dívida no mercado internacional e incre-<br />
mentar os intercâmbios <strong>de</strong> capital (<strong>de</strong>bt equity stvaps), mas sem "nacio-<br />
nalismo negativo". Evitar-se-ia tal risco vinculando a compra <strong>de</strong> parte da<br />
dívida à associação <strong>de</strong> empresas nacionais e estrangeiras e favorecendo a<br />
privatização das estatais c paraestatais.<br />
Em suma, a equipe <strong>de</strong> Bush parece ter fé nessas propostas nada san-<br />
tas Acredita que o que é bom para os Estados Unidos é bom para a<br />
América Latina. Resta saber se os latino-americanos concordarão.<br />
53<br />
CUIRA
no mantêm opiniões estatizantes sobre o re-<br />
gime, então oprocesso<strong>de</strong> estatizaçâo e, por-<br />
tanto, em direção a um regime anti<strong>de</strong>mocrá-<br />
tico, nflo seria revertido com o realizar <strong>de</strong><br />
eleições.<br />
A Ofensiva Cultural Marxista<br />
O principal teórico marxista inovador<br />
que reconheceu a relações entre os valores<br />
que o povo tem e a criação do regime<br />
estatizante foi Antônio Gramsci<br />
(1881-1937). Gramsci argumentou que a<br />
cultura ou a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores na socieda<strong>de</strong><br />
primam sobre a economia. Segundo Gramsci,<br />
os trabalhadores não conquistariam o regime<br />
<strong>de</strong>mocrático mas os intelectuais sim.<br />
Para Gramsci, a maioria dos homens ostentam<br />
os valores comuns <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong>,<br />
porém não estão conncientes do porquê <strong>de</strong><br />
suas opiniões nem <strong>de</strong> como as adquiriram.<br />
Desta análise se <strong>de</strong>duziu que era possível<br />
controlar ou formar o regime mediante o<br />
processo <strong>de</strong>mocrático se os marxistas fossem<br />
capazes <strong>de</strong> criar os valores comuns hegemônicos<br />
da nação. Os métodos marxistas e os<br />
intelectuais marxistas podiam conseguir isto<br />
dominando a cultura da nação, processo que<br />
requer uma gran<strong>de</strong> influência em sua religião,<br />
escolas, meios <strong>de</strong> comunicação e universida<strong>de</strong>s.<br />
Para os teóricos marxistas, o método<br />
mais eficaz para criar um regime estatista<br />
em um maio <strong>de</strong>mocrático era através da<br />
conquista da cultura da nação. Seguindo este<br />
padrão, todos os movimentos marxistas na<br />
América Latina têm sido dirigidos por intelectuais<br />
e estudantes, e não por trabalhadorcs<br />
Neste contexto é que se <strong>de</strong>ve<br />
compreen<strong>de</strong>r a Teologia da Libertação: é<br />
uma doutrina política disfarçada <strong>de</strong> crença<br />
religiosa, que tem um significado contra o<br />
Papa e contra a livre empresa, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitar<br />
a in<strong>de</strong>pendência da socieda<strong>de</strong> ante o<br />
controle estatista. Trata-se <strong>de</strong> um retorno ao<br />
Galicanismo do século XVII, on<strong>de</strong> reis por<br />
direito divino procuravam subordinar a Igreja,<br />
que era tradicionalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
Deste modo, vemos a inovação da doutrina<br />
marxista enxertada num antigo fenômeno<br />
religioso e cultural.<br />
O ataque não é dirigido somente<br />
a um ou dois elementos da cultura. Atinge<br />
uma ampla frente que trata <strong>de</strong> dar uma nova<br />
<strong>de</strong>finição a toda a cultura, utilizando uma<br />
terminologia nova, <strong>de</strong> forma que, assim como<br />
o Catolicismo é re<strong>de</strong>finido pelos teólogos<br />
da libertação, a arte se transforma, os livros<br />
são reinterpretados, os currículos; são revistos.<br />
A orientação da penetração cultural da<br />
América Latina é seguida pelos diferentes<br />
teóricas educacionais marxistas em escolas e<br />
universida<strong>de</strong>s. O controle do Estado sobre a<br />
educação aumenta através dos livros <strong>de</strong> textos<br />
e manuais e mais controle é ditado pela<br />
burocracia da educação. Um exemplo típico<br />
foi verbalizado no governo <strong>de</strong> Lázaro Cár<strong>de</strong>nas,<br />
no México, na década <strong>de</strong> 30. Gonzalo<br />
54<br />
CUÍRA<br />
Vazques Vela, ministro da Educação <strong>de</strong><br />
Cár<strong>de</strong>nas afirmou que o "materialismo<br />
dialético era a base filosófica da educação<br />
mexicana".<br />
A influência da Esquerda sobre<br />
gran<strong>de</strong> parte dos meios <strong>de</strong> difusão em toda a<br />
América Latina também <strong>de</strong>ve ser entendida<br />
neste contexto. Nenhuma eleição <strong>de</strong>mocráti-<br />
ca po<strong>de</strong> mudar a contínua tranformação em<br />
direção ao regime estatista se a "indústria<br />
que mo<strong>de</strong>la a consciência" estiver em mãos<br />
<strong>de</strong> intelectuais estatistas. Os meios <strong>de</strong> di-<br />
fusão, as igrejas e as ecolas continuarão mu-<br />
dando as formas <strong>de</strong>mocráticas rumo ao esta-<br />
tismo se os Estados Unidos e os incipientes<br />
governos <strong>de</strong>mocráticos não reconhecem isto<br />
como uma luta do regimeA cultura social e<br />
o regime <strong>de</strong>vem ser mo<strong>de</strong>lados para prote-<br />
ger uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />
Uma Resposta Institucional<br />
Proposta 1<br />
Os Estados Unidos não po<strong>de</strong>m<br />
preocupar-se apenas com os processos <strong>de</strong>-<br />
mocráticos formais mas <strong>de</strong>vem estabelecer<br />
programas <strong>de</strong> apoio à <strong>de</strong>mocracia entre a<br />
burocracia permanente, incluindo os milita-<br />
res e a cultura política.<br />
Proposta 2<br />
Os EE.UU. <strong>de</strong>verão reconhecer a<br />
necessida<strong>de</strong> que os governos que tentam<br />
criar regimes <strong>de</strong>mocráticos têm <strong>de</strong> conter os<br />
partidos anti<strong>de</strong>mocráticos.<br />
Para enfatizar o regime <strong>de</strong>mocrá-<br />
tico, será necessário ir além da forma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocracia (ou seja, as eleições) e propor-<br />
çionar^quando for possível, os meios para
fortalecer as instituições locais <strong>de</strong>mocráticas<br />
tais como os sindicalistas, os grupos <strong>de</strong> negó-<br />
cios in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, associações comerciais e<br />
organizações educacionais. A Alemanha<br />
posterior a Hitler 6 um exemplo instrutivo.<br />
Somente através do fortalecimento <strong>de</strong> gru-<br />
pos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e autônomos, tais como<br />
os grupos <strong>de</strong> negócio do México ou a im-<br />
prensa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Peru, a socieda<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática ne-<br />
cessária para <strong>de</strong>rrubar o autoritarismo esta-<br />
tista.<br />
Os elaooradores <strong>de</strong> política dos<br />
Estados Unidos não <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>sprezar as<br />
preocupações dos li<strong>de</strong>res políticos em re-<br />
lação à implementação da <strong>de</strong>mocracia em<br />
seus respectivos países. O que po<strong>de</strong> à pri-<br />
meira vista náo parecer plena <strong>de</strong>mocrati-<br />
zação, po<strong>de</strong>ria realmente <strong>de</strong>monstrar ser<br />
uma resposta pon<strong>de</strong>rada às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
tal país. Deve-se dar às <strong>de</strong>mocracias latino-<br />
americanas a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve-<br />
rem suas instituições políticas até o ponto<br />
em que se perceba certo grau <strong>de</strong> estabilida-<br />
<strong>de</strong>. A fim <strong>de</strong> que isto aconteça o mais rápido<br />
possível, as forças contrárias ao <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento da <strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong>vem ser mini-<br />
mizadas tanto quanto possível. Esta propos-<br />
ta é importante não só porque apoia o direi-<br />
to dos regimes latino-americanos <strong>de</strong> estabe-<br />
leceram os limites constitucionais da conduta<br />
política <strong>de</strong>mocrática, mas também porque<br />
reafirma o compromisso dos EE.UU. com a<br />
autonomia latino-americana.<br />
De acordo com nosso compro-<br />
misso com a auto<strong>de</strong>terminação latino-ameri-<br />
cana,<strong>de</strong>vemos aceitar o fato <strong>de</strong> que na maio-<br />
ria dos regimes latino-americanos vai existir<br />
maior concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r executivo do<br />
que no legislativo. A tendência latino-ameri-<br />
cana <strong>de</strong> driblar o po<strong>de</strong>r legislativo mediante<br />
<strong>de</strong>cretos do executivo tem uma longa histó-<br />
ria e em países como México e Peru, isto<br />
quer dizer que é o aparelho do partido ou o<br />
eleitorado que verda<strong>de</strong>iramente limitam o<br />
po<strong>de</strong>r do Executivo. O elemento <strong>de</strong>cisivo é o<br />
•fato <strong>de</strong> o regime prestar contas ao povo, ou<br />
não.<br />
Proposta 3<br />
Os Estados Unidos <strong>de</strong>vem forta-<br />
lecer sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivar os valores<br />
do regime <strong>de</strong>mocrático com as forças arma-<br />
das da região. Segundo este critério, o pro-<br />
grama Internacional <strong>de</strong> Educação e Treina-<br />
mento Militar (IMET) não seria rompido<br />
em virtu<strong>de</strong>, por exemplo, do não pagamento<br />
das dívidas contraídas com a Agência Inter-<br />
nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento.<br />
Proposta 4<br />
Os EE.UU. <strong>de</strong>vem fomentar ó<br />
orçamento da Agência <strong>de</strong> Informações d»<br />
EE.UU. (USIA) e do Departamento <strong>de</strong> Di-<br />
plomacia Pública.<br />
Na luta para sustentar o avanço<br />
da América Latina em direção a um regime<br />
<strong>de</strong>mocrático, os EE.UU. têm <strong>de</strong> manter e<br />
<strong>de</strong>senvolver programas que cultivem os va-<br />
lores <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong>ntro do governo per-<br />
manente. A este respeito, o programa IMET<br />
é <strong>de</strong> extraordinário valor na conformação do<br />
regime <strong>de</strong>mocrático, já que permite que os<br />
militares dos Estados Unidos compartilhem<br />
com outros sua interpretação da <strong>de</strong>mocra-<br />
cia. Por conseguinte, o impacto <strong>de</strong>ste pro-<br />
grama não po<strong>de</strong> ser visto somente em ter-<br />
mos <strong>de</strong> seus benefícios militares, mas<br />
também em sua contribuição ao esforço <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocratização. Vincular este programa a<br />
outros programas dos EE.UU. é contrapro-<br />
ducente, já que estancaria a iniciativa.<br />
Em vez <strong>de</strong> dificultar, <strong>de</strong>sta manei-<br />
ra, os diferentes programas, os elaboradores<br />
da política dos EE.UU. <strong>de</strong>vem reconhecer o<br />
potencial dinâmico que têm estes tipos <strong>de</strong><br />
programas para influenciar as percepções<br />
sociais e institucionais dos regimes latino-<br />
americanos. O <strong>de</strong>senvolvimento da política<br />
cultural é <strong>de</strong>cisivo para o apoio dos EE.UU.<br />
aos esforços latino-americanos <strong>de</strong> melhorara<br />
cultura <strong>de</strong>mocrática. E preciso combater o<br />
esforço gramsciano <strong>de</strong> abalar e <strong>de</strong>struir a<br />
tradição <strong>de</strong>mocrática mediante a subversão<br />
e a corrupção das instituições que simboli-<br />
zam ou mantêm essa tradição. Fomentar o<br />
orçamento da USIA, com este problema<br />
particular em mente, <strong>de</strong>ve ser uma priorida-<br />
<strong>de</strong> suprema. A USIA é nossa agência para<br />
travar a guerra cultural.<br />
Proposta 5<br />
Para promover verda<strong>de</strong>iramente<br />
os direitos humanos, os Estados Unidos <strong>de</strong>-<br />
verão ajudar a fortalecer o sistema jurídico<br />
da região. Devem também distinguir os gru-<br />
pos <strong>de</strong> direitos humanos que apoiam o regi-<br />
me <strong>de</strong>mocrático daqueles que apoiam o es-<br />
tatismo.<br />
Os direitos humanos só po<strong>de</strong>m<br />
ser propriamente entendidos como o direitq<br />
dos homens <strong>de</strong> exigir contas dos sistemas <strong>de</strong><br />
justiça do Estado. Um sistema ineficaz, tec-<br />
nologicamente atrasado e carente <strong>de</strong> pes-<br />
soal, não presta contas. Quando o sistema <strong>de</strong><br />
justiça do Estado - os tribunais e a polícia -<br />
estiveram bem financiados e prestarem con-<br />
tas diante das autorida<strong>de</strong>s responsáveis,<br />
então se po<strong>de</strong>rá dizer que a América Latina<br />
avança para o regime <strong>de</strong>mocrático. Os<br />
EE.UU. <strong>de</strong>verão ajudar este processo dire-<br />
tamente numa escala maior do que o fazem<br />
agora. Em vez <strong>de</strong> ignorar as diferenças que<br />
existem entre os grupos <strong>de</strong> direitos humanos<br />
que apoiam o regime e aqueles que, segun-<br />
do o mo<strong>de</strong>lo gramsciano, apoiam o estatis-<br />
mo, os elaboradores <strong>de</strong> política dos Estados<br />
Unidos têm <strong>de</strong> ser capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />
as raízes do problema a fim <strong>de</strong> combatê-lo, e<br />
não se limitarem a atacar seus sintomas.<br />
Parte II - Estratégia Econômica<br />
A política econômica dos Estados<br />
Unidos <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r a nosso apoio ao<br />
regime <strong>de</strong>mocrático. Esse regime necessita<br />
<strong>de</strong> um sistema econômico saudável, in<strong>de</strong>-<br />
pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> excessivo controle e ingerência<br />
governamentais. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um<br />
mercado nacional <strong>de</strong> capitais privado e<br />
autônomo é indispensável para que uma so-<br />
cieda<strong>de</strong> conserve sua in<strong>de</strong>pendência. Uma<br />
das maiores <strong>de</strong>cepções com a era <strong>de</strong> Reagan<br />
foi o fato <strong>de</strong> não ter utilizado a crise da dívi-<br />
da para criar mercados <strong>de</strong> capitais saudáveis,<br />
como este Comitê recomendou em 1980.<br />
Quando o problema da dívida se transfor-<br />
mou em crise, em 1982, concentrou-se a<br />
atenção em manter a solvência dos credores<br />
e a liqui<strong>de</strong>z dos <strong>de</strong>vedores. Embora esse ob-<br />
jetivomal tenha sido alcançado, per<strong>de</strong>u-se em<br />
geral a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduzir as socie-<br />
da<strong>de</strong>s latino-americanas ao capitalismo <strong>de</strong>-<br />
mocrático, ou seja, sistemas <strong>de</strong> livre empresa<br />
e mercados nacionais <strong>de</strong> capitais, que susten-<br />
tem socieda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Porém não é<br />
<strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong> para fazê-lo. A atual crise<br />
da dívida <strong>de</strong>ve ser utilizada para promover o<br />
processo <strong>de</strong> transição do governo <strong>de</strong>mocrá-<br />
tico ao regime <strong>de</strong>mocrático na América La-<br />
tina.<br />
(•) Texto organizado e traduzido pelo <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Educação Po-<br />
pular do Instituto Se<strong>de</strong>s Sapientiae<br />
Publicado no Boletim AGEN n° l39-09/Fev./1989 e Revista Teo<br />
ria e Política n^S<br />
(1) Uma nova Política Internacional para a Década dos Oitenta<br />
Comitê <strong>de</strong> Santa Fé, LFRANCIS BOUCHEY ROGER WFON-<br />
TAINE. DAVID CJORDAN, GORDON SUMMER e LEWIS TAMBS<br />
editor<br />
(2) Por exemplo, o Congresso falhou em provi<strong>de</strong>nciar uma alter-<br />
nativa para o plano da Bacia do Caribe (<strong>de</strong>mora <strong>de</strong> dois anos e<br />
meio), Radio Marti (três anos), linanciamenlo para El Salvador<br />
(quase Ires anos), e ainda hoje, ao ser elaborado este documen-<br />
to, não existe uma política bípartidáría sobre o Panamá<br />
(3) As expressões "statism" e "statisr, do original, foram tradu-<br />
zidas por "eslatismo" e ■'estalista"; já que se trata <strong>de</strong> neoloais-<br />
mo (N.T.).<br />
W) Algus exemplos notáveis são o México e o Peru, on<strong>de</strong> a<br />
reação dos governos diante dos <strong>de</strong>sastres econômicos induzi-<br />
dos pelo regime foi apo<strong>de</strong>rar-se <strong>de</strong> seus sistemas bancários pri-<br />
vados, agravando ainda mais a situação.<br />
(5) No original ■'eslalism" (MT,)<br />
CUÍRA<br />
55
ENTREVISTA<br />
Retrato da Luta João Cláudio Arroyo<br />
"Na primeira manifestação que ocorreu no Brasil, os meninos <strong>de</strong> rua, em Belém do Pará, fizeram uma passeata<br />
em frente ao Palácio do Governo contra a operação 'pente-fino' que pretendia limpar a cida<strong>de</strong> para o Círio . Et<br />
também, para dizer que não são eles o lixo da cida<strong>de</strong>".<br />
Meninos e meninas esquecidas pela socieda<strong>de</strong>, convivendo com lodo o tipo <strong>de</strong> violência, trabalhando sem nenhuma proteção, ca-<br />
rentes <strong>de</strong> recursos, <strong>de</strong> amor, sendo consi<strong>de</strong>rados um lixo e uma ameaça à socieda<strong>de</strong>. Este foi o espaço concreto, que um padre saksiano,<br />
<strong>de</strong> nome Bruno, e um grupo <strong>de</strong> jovens enxergaram on<strong>de</strong> começaram a vivenciar sua fé, originando o movimento da República do Peque-<br />
no Ven<strong>de</strong>dor.<br />
Hoje, padre Bruno Secchi, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter transferido o prêmio da UNICEFI89 às crianças, sai da coor<strong>de</strong>nação geral da República<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong> trabalho por acreditar que a sua saída é mais um passo para o amadurecimento e emancipação da República.<br />
Seu afastamento é também parte <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir ç aprofundar a sua opção <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contribuir com a causa da criança<br />
e da adolescência que mora no subúrbio, on<strong>de</strong> ele irá viver.<br />
Padre Bruno,em entrevista a CUÍRA, nos falou entre outras coisas da origem, dos momentos mais importantes da República, <strong>de</strong><br />
sua paixão pela causa dos meninos e meninas <strong>de</strong> rua e do porquê <strong>de</strong> sua saída do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />
56<br />
CUÍRA
CUIRA - Padre, como tudo começou?<br />
BRUNO : Eu trabalhava na Escola<br />
Salesiana e lá surgiu um,grupo <strong>de</strong> jo-<br />
vens que se reunia todas as semanas<br />
para refletir um espaço concreto on<strong>de</strong><br />
se pu<strong>de</strong>sse vivenciar a fé que este grupo<br />
tinha; vimos que os meninos e meninas<br />
trabalhadores não es-<br />
tavam tendo nenhuma<br />
atenção específica. Foi<br />
aí que se iniciou um<br />
trabalho <strong>de</strong> aproxi-<br />
mação aos meninos do<br />
Ver-o-peso. Se fez um<br />
primeiro contato com<br />
eles, <strong>de</strong>pois se criou<br />
certa amiza<strong>de</strong> e mais<br />
tar<strong>de</strong> um pequeno res-<br />
taurante, que no iní-<br />
cio inclusive se cha-<br />
mava Restaurante do<br />
Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />
Do restaurante, se <strong>de</strong>u<br />
todo um processo <strong>de</strong><br />
discussão com os pró-<br />
prios meninos sobre a<br />
realida<strong>de</strong> do trabalho<br />
<strong>de</strong>les. A partir <strong>de</strong>ssas<br />
discussões, surgiram<br />
grupos organizados <strong>de</strong><br />
meninos que começa-<br />
ram a se unir em pe-<br />
quenas cooperativas,<br />
daí mudamos logo o<br />
nome, no início <strong>de</strong> 71,<br />
para República do<br />
Pequeno Ven<strong>de</strong>dor,<br />
porque significava um<br />
trabalho participativo,<br />
on<strong>de</strong> os meninos<br />
iriam fazer parte <strong>de</strong><br />
todo o processo. Em<br />
1972 percebemos que<br />
o trabalho com os<br />
meninos precisava ter<br />
um apoio maior, não<br />
podia ser limitado a<br />
um trabalho direto, só com eles. Surgiu<br />
então a campanha <strong>de</strong> Emaús, uma es-<br />
tratégia para conquistar também a par-<br />
ticipação da população no <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento do projeto. E também porque<br />
nós não queríamos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convê-<br />
nios. Éramos a única entida<strong>de</strong>, naquela<br />
época, que não tinha convênio com a<br />
FBESP (entida<strong>de</strong> executora <strong>de</strong> política<br />
nacional do "bem-estar" do menor),<br />
nós rejeitávamos, nessa época, qual-<br />
quer convênio com entida<strong>de</strong><br />
governamental. Em função dissüj pre-<br />
cisávamos <strong>de</strong> meios alternativos <strong>de</strong> so-<br />
brevivência . A Campanha <strong>de</strong> Emaús<br />
vinha nos dar esta alternativa <strong>de</strong> uma<br />
forma tal que quem <strong>de</strong>sse.as coisas da-<br />
ria no anonimato, então ninguém iria<br />
se projetar através do nosso trabalho.<br />
CUIRA - A República existiu como<br />
projeto na cabeça <strong>de</strong> alguém?<br />
BRUNO : Não, não existiu realmen-<br />
te como projeto feito, pré-elaborado.<br />
Existiu como uma experiência que nós<br />
iríamos fazer com os meninos do<br />
Ver-o-peso, a partir da prática com<br />
eles. Nós iríamos trabalhar como os<br />
meninos <strong>de</strong> forma participativa (ainda<br />
não tínhamos a clareza que hoje lemos,<br />
mas isto já estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo) mas<br />
não com eles, e sim com todo o grupo<br />
<strong>de</strong> jovens que estavam evoluindo nesta<br />
prática.<br />
O resto foi se construindo através <strong>de</strong><br />
um processo também <strong>de</strong> reflexão e ava-<br />
liação daquilo que estava acontecendo.<br />
CUIRA - Se pudéssemos ter dois mo-<br />
mentos mais importantes nessa tra-<br />
jetória da República,quais seriam eles?<br />
BRUNO : Acredito<br />
que tenha sido o mo-<br />
mento cm que toda a<br />
equipe parou, niguém<br />
trabalhou mais como<br />
grupo, "vamos parar<br />
por alguns meses para<br />
rever a prática com os<br />
meninos a partir <strong>de</strong><br />
uma experiência pes-<br />
soal com eles na rua",<br />
<strong>de</strong>cidimos.<br />
CUÍRA - Quando<br />
foi isso?<br />
BRUNO : Isso foi<br />
em 78 ou 79, se não<br />
me engano, numa as-<br />
sembléia no mês <strong>de</strong><br />
julho até outubro ou<br />
novembro. Dessa pa-<br />
rada surgiu uma pro-<br />
posta que hoje já está<br />
mais consolidada, não<br />
só na República, mas<br />
que se tornou, diga-<br />
mos assim, a base<br />
orgânica <strong>de</strong> todo o<br />
trabalho: o surgimen-<br />
to dos núcleos <strong>de</strong> Ba-<br />
se, a partir da expe-<br />
riência pessoal dos vo-<br />
luntários (hoje utili-<br />
zamos mais o termo<br />
militantes).<br />
No meio <strong>de</strong>sta<br />
experiência, <strong>de</strong> repen-<br />
te, nos <strong>de</strong>mos conta<br />
<strong>de</strong> que existiam 15<br />
grupos <strong>de</strong> meninos<br />
organizados. Esta experiência fez<br />
também com que houvesse uma re-<br />
dução da equipe. De 50 que éramos,<br />
acabou se reduzindo a 15, 20..., foi uma<br />
experiência <strong>de</strong> fogo.<br />
CUIRA - Mas isto foi motivado por<br />
questões externas ou internas da equi-<br />
pe? BRUNO : Por questões internas, a<br />
equipe estava se fragilizando, a coisa<br />
foi virando rotina, o atendimento esta-<br />
va se tornando atendimento <strong>de</strong> massas.<br />
57<br />
CUIRA
CUÍRA - Divergência?<br />
BRUNO : Não divergências profun-<br />
das, mas o trabalho estava se tornando<br />
muito superficial e precisávamos fazer<br />
uma retomada. Este foi um momento<br />
marcante.<br />
Outro que acho muito bonito, liga-<br />
do à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Emaús, foi quando se re-<br />
fletia como seria a escola. Nós tínha-<br />
mos utilizado um pequeno prédio para<br />
escola nos primeiros dois anos, on<strong>de</strong><br />
tinha funcionado um estábulo. Precisá-<br />
vos rever toda a escola:como vai ser?<br />
como não vai ser? até o aspecto físico<br />
tem que ser a<strong>de</strong>quado àquilo que é a<br />
proposta pedagógica, metodológica da<br />
escola. Surgiu então a idéia <strong>de</strong> fazer ti-<br />
po uma al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> malocas coberta s<strong>de</strong><br />
"Mesmos nos movimentos<br />
populares, nos movimentos<br />
sindicais, a questão da<br />
criança sempre foi <strong>de</strong>ixada<br />
à margem'<br />
palhas. Isso realmente foi até uma <strong>de</strong>s-<br />
coberta que surgiu a partir <strong>de</strong> toda uma<br />
preocupação do grupo, para que a es-<br />
cola visualmente pu<strong>de</strong>sse refletir algo<br />
inserido na realida<strong>de</strong> do povo da<br />
Amazônia.<br />
CUÍRA - Quando foi a formação da es-<br />
cola?<br />
BRUNO : Isto foi em 83/84 na cida-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> Emaús. A escola já existia duran-<br />
te dois anos, mas cm ambientes impro-<br />
visados.<br />
CUÍRA - Como é que evoluiu a estru-<br />
tura do projeto?<br />
BRUNO : Inicialmente havia a es-<br />
trutura <strong>de</strong> um pequeno grupo. Tudo<br />
era resolvido socializando as diversas<br />
situações. Por exemplo, <strong>de</strong>pois do al-<br />
moço, no restaurante, se uniam todos<br />
os meninos, 40 a 50 que se sentavam e<br />
viam as suas situações. Tudo era feito<br />
<strong>de</strong> uma forma bem global.<br />
Tem outra coisa que marcou muito<br />
esta era da República: foi quando uma<br />
equipe <strong>de</strong> voluntários começou a traba-<br />
lhar em tempo integral, portanto re-<br />
munerado. Eu me lembro que quando<br />
éramos em torno <strong>de</strong> 12 ou 13 se viu<br />
58<br />
CUIRA<br />
como ia ser a nossa remuneração, ven-<br />
do o seguinte: <strong>de</strong> que nós dispomos?<br />
Do conjunto que nós dispomos, quais<br />
vamos dispor para pagamento das pes-<br />
soas que estão aqui? e como vão ser<br />
pagas estas pessoas? então vão ser pa-<br />
gos conforme a situação <strong>de</strong> cada um,<br />
havia até uma cozinheira que ganhava<br />
mais do que a assistente social. Interes-<br />
sante que isto <strong>de</strong>pois não pu<strong>de</strong>mos<br />
manter porque o grupo aumentou e di-<br />
versificou.<br />
Estruturalmente,no início da Repú-<br />
blica era a assembléia. Hoje temos uma<br />
estrutura mais complexa. Por outro la-<br />
do procuramos manter uma estrutura<br />
que responda da melhor forma possível<br />
a toda esta idéia <strong>de</strong> participação. Hoje<br />
nós temos a assembléia do movimento<br />
que é composta por todos os membros<br />
do movimento e os <strong>de</strong>legados dos me-<br />
ninos. A assembléia do movimento es-<br />
colhe os coor<strong>de</strong>nadores titulares e ad-<br />
juntos <strong>de</strong> cada uma das expresões:<br />
República, Campanha, Cida<strong>de</strong> e Cen-<br />
tro <strong>de</strong> Defesa do Menor. As assem-<br />
bléias das expressões escolhem o seu<br />
conselho executivo, a assembléia da<br />
República escolhe o conselho da<br />
República, a assembléia da cida<strong>de</strong> es-<br />
colhe o conselho da Cida<strong>de</strong>. Hoje exis-<br />
te um vínculo da República com a ins-<br />
petoria Salesiana Missionária da<br />
Amazônia, é uma obra vinculada à<br />
Congregação Salesiana. mas que<br />
mantém a sua característica participa-<br />
tiva pelo processo <strong>de</strong>cisório através <strong>de</strong><br />
um regulamento geral que foi elabora-<br />
do dois anos atrás. Através <strong>de</strong>sse regu-<br />
lamento se travam também as relações<br />
com a própria inspetoria procurando<br />
traduzir, na experiência prática, uma<br />
participação efetiva e concreta, <strong>de</strong> co-<br />
gestão, por assim dizer, entre o grupo<br />
que constitui a República e a própria<br />
Congreção Salesiana.<br />
CUÍRA - Padre Bruno, por que se apai-<br />
xonar pelos meninos e meninas <strong>de</strong><br />
rua?<br />
BRUNO : Olha, acho que a paixão<br />
pelos meninos e meninas <strong>de</strong> rua é con-<br />
seqüência da paixão pelo povo. Por que<br />
esta paixão específica? Porque eu acre-<br />
dito que têm alguns elementos que<br />
contribuem para isso. É um contigente<br />
muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa população oprimi-<br />
da, marginalizada, tem um potencial<br />
em termos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r crescer numa nova<br />
mentalida<strong>de</strong>, com valores novos, dife-<br />
rentes dos valores da socieda<strong>de</strong> em que<br />
vivemos, porque é todo um contigente<br />
disponível ao processo educativo. Um<br />
segundo aspecto é.porque neste con-<br />
texto da socieda<strong>de</strong> em que vivemos, es-<br />
te é o segmento' mais frágil, mais fra-<br />
co, mais <strong>de</strong>sprotegido.<br />
CUÍRA - Nessa luta em <strong>de</strong>fesa dos me-<br />
ninos e meninas, quais são as princi-<br />
pais barreiras encontradas?<br />
BRUNO : Uma gran<strong>de</strong> barreira é a<br />
opinião pública. Ela não é favorável,<br />
apesar <strong>de</strong> muitos chavões em favor da<br />
criança. Na verda<strong>de</strong> existe uma opinião<br />
violenta, ao ponto <strong>de</strong> se dizer que a so-<br />
lução é o próprio mecanismo <strong>de</strong> segu-<br />
rança, a polícia.<br />
Nós enfrentamos outras dificulda-<br />
<strong>de</strong>s sérias, por exemplo, nos órgãos <strong>de</strong><br />
controle social. Porque são meninos<br />
que trabalham na rua, se <strong>de</strong>frontam<br />
diariamente com a polícia, com o "ra-<br />
pa", com os gran<strong>de</strong>s proprietários do<br />
comércio, das lojas. Uma terceira difi-<br />
culda<strong>de</strong> é o agravamento da própria si-<br />
tuação. Em 72 nós fizemos um le-<br />
vantamento em 16 feiras livres <strong>de</strong><br />
Belém, encontramos em torno <strong>de</strong> 600<br />
meninos, homens, que trabalham nas<br />
feiras. Hoje, só no Ver-o-peso e no<br />
comércio, tem mais <strong>de</strong> 1500. Naquela<br />
época não encontramos sequer uma<br />
menina que trabalhasse na rua. Hoje as<br />
meninas disputam os mesmos cargos<br />
que os meninos. Isso é um claro reflexo<br />
do empobrecimento generalizado da<br />
população e que se traduz nessa procu-<br />
ra da sobrevivência a qualquer custo<br />
pela rua e em qualquer ida<strong>de</strong> (muitas<br />
vezes nos perguntam qual é a faixa etá-<br />
ria. É muito difícil <strong>de</strong>fini-la).<br />
De fevereiro até mês passado procu-<br />
raram a República no Ver-o-peso mais<br />
<strong>de</strong> 1100 meninos, sem contar os que<br />
não procuraram. Os que não tiveram<br />
condições <strong>de</strong> chegar até lá são mais <strong>de</strong><br />
1500. Ora, isto é extremamente grave.<br />
Outra coisa, os meninos não tinham<br />
chegado num nível <strong>de</strong> reação a toda es-<br />
ta situação como hoje. Não havia na-<br />
quela época meninos em bando chei-<br />
rando cola. Hoje isto é cada vez mais<br />
forte, a ponto <strong>de</strong> ser um dos problemas<br />
wiais preocupantes. Sentimos uma sen-<br />
sação <strong>de</strong> impotência diante <strong>de</strong>ssa reali-<br />
da<strong>de</strong>. Tal sensação é algo muito forte, c<br />
preciso ter realmente uma visão global
mais clara para sentir que não está se<br />
fazendo um buraco na água, mas que<br />
estamos contribuindo em alguma coisa.<br />
Acredito que a própria metodo-<br />
logia nova, todo este traduzir a realida-<br />
<strong>de</strong> dos meninos, o valor da Educação<br />
<strong>de</strong> base popular foi um ganho, um<br />
avanço muito gran<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>u e ex-<br />
trapolou os limites da República. Hoje<br />
é algo consolidado a nível <strong>de</strong> Brasil.<br />
Não digo que tenha sido a República<br />
que tenha feito tudo isso sozinha, mas<br />
ela contribuiu consi<strong>de</strong>ravelmente nessa<br />
nova postura.<br />
Outra dificulda<strong>de</strong>, acredito que<br />
tenha sido também esta relação com o<br />
Estado. Durante 10 anos, na década <strong>de</strong><br />
70, nós procuramos manter distância.<br />
Hoje estamos numa relação mais ma-<br />
dura, afinal <strong>de</strong> contas nós estamos<br />
prestando um serviço ao Estado, é pre-<br />
ciso que o Estado contribua com isso,<br />
mas, mantendo autonomia. Esta foi<br />
sempre a nossa gran<strong>de</strong> preocupação,<br />
tanto é verda<strong>de</strong> que qualquer convênio,<br />
qualquer proposta à sua aceitação, ex-<br />
trapolava uma <strong>de</strong>cisão conjunta <strong>de</strong> co-<br />
or<strong>de</strong>nação geral. Por exemplo, quando<br />
em 81 ou 82 se firmou convênio com a<br />
SEDUC, foi uma discussão junto a co-<br />
munida<strong>de</strong> do bairro do Benguí.<br />
CUIRA - O movimento já ganhou uma<br />
dimensão política, ainda que não par-<br />
tidária. Por exemplo, agora recetemen-<br />
te foi aprovado o estatuto do menor<br />
que mobilizou entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong><br />
civil, mobilizou políticos. Como é que a<br />
República participou <strong>de</strong>ste processo?<br />
BRUNO : Participou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o iní-<br />
cio. No caso do estatuto da criança e do<br />
adolescente tem que ser visto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
processo <strong>de</strong> nossa participação, não só<br />
da República e seus meninos mas junto<br />
com outros grupos <strong>de</strong> meninos <strong>de</strong> ou-<br />
tras entida<strong>de</strong>s, no próprio processo da<br />
constituição fe<strong>de</strong>ral, nas propostas, na<br />
emenda popular. Não se arranjou tudo<br />
que se queria, mas houve uma mobili-<br />
zação muito gran<strong>de</strong>. A República par-<br />
ticipou efetivamente aqui em Belém <strong>de</strong><br />
várias manifestações, atos políticos.<br />
Houve vários momentos que marca-<br />
ram um pouco a história da República<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira manifestação que<br />
ocorreu no Brasil: os meninos se uni-<br />
ram para fazer uma passeata até a fren-<br />
te do palácio, aqui em Belém, quando<br />
no Círio, a maior procissão do País, foi<br />
feita uma operação pente-fino para ti-<br />
rar os meninos da rua. Foram mais <strong>de</strong><br />
300 a 400 meninos na frente do palácio<br />
para dizer que não eram eles o lixo da<br />
cida<strong>de</strong>, e conseguiram parar com a<br />
operação, e a polícia e o secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Pública naquela época ficou<br />
assim muito...<br />
CUÍRA - Quem era?<br />
BRUNO : Não me lembro.<br />
CUÍRA - E o governador da época?<br />
BRUNO : Na época era o Já<strong>de</strong>r.<br />
Houve outra, a questão do rapa por<br />
exemplo, teve toda uma manifestação<br />
dos meninos junto a prefeitura e a pró-<br />
pria secretaria <strong>de</strong> economia popular.<br />
Aconteceram momentos significativos na<br />
"Se a política salarial, <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> educação são<br />
do jeito que são, isto reflete<br />
nos meninos".<br />
própria assembléia na época da consti-<br />
tuinte. Então, a origem do estatuto se<br />
dá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o processo constituinte, que<br />
iniciou a participação dos meninos a<br />
partir do I o Encontro Nacional <strong>de</strong> Me-<br />
ninos e Meninas <strong>de</strong> Rua em maio <strong>de</strong><br />
86. Isto nos fortaleceu na época especi-<br />
ficamente da constituinte, <strong>de</strong>pois nas<br />
constituintes estaduais e finalmente já<br />
no 2 o Encontro Nacional <strong>de</strong> Meninos e<br />
Meninas <strong>de</strong> Rua que foi no ano passa-<br />
do. O estatuto da criança e do adoles-<br />
cente já estava mais ou menos sistema-<br />
tizados. Organicamente, tinha se cons-<br />
tituído o Fórum D.CA, fórum <strong>de</strong> enti-<br />
da<strong>de</strong>s não governamentais em <strong>de</strong>fesa<br />
da criança e do adolescente que reco-<br />
lheu todas estas sugestões e todos estes<br />
apelos a nível <strong>de</strong> educadores <strong>de</strong> meni-<br />
nos <strong>de</strong> lodo o Brasil e sistematizou o<br />
projeto-<strong>de</strong>-lei. É claro que a República<br />
esteve envolvida em todo este processo.<br />
Realmente a dimensão política do<br />
trabalho que vem se realizando procura<br />
ser a mais clara possível. Muito embora<br />
saibamos que não po<strong>de</strong> ser uma di-<br />
mensão político-partidária, isto<br />
não significa que possamos ficar neu-<br />
tros politicamente, porque não existe o<br />
apolítico, <strong>de</strong>vemos ter consciência dis-<br />
so como a República e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />
aspecto, me parece que é preciso por<br />
exemplo notar também o seguinte:<br />
mesmo nos movimentos populares,<br />
movimentos sindicais, a questão da<br />
criança sempre foi <strong>de</strong>ixada "íl margem,<br />
nós tentamos torná-la mais próxima<br />
num movimento mais amplo. Tivemos<br />
algum avanço neste sentido, muito em-<br />
bora tenha ainda muito que andar.<br />
Acho que hoje a questão da criança<br />
não é mais vista como algo |a espera<br />
do assistencialismo, hoje já tem outra<br />
beleza. Eu acredito que a República<br />
tenha contribuído também para essa<br />
visão.<br />
"Já recusamos verbas pú-<br />
blicas, tivemos propostas<br />
tentadoras e atentadoras".<br />
CUÍRA - Então quer dizer que até<br />
mesmo o movimento político, vamos<br />
dizer assim tradicional, o movimento<br />
sindical e o próprio movimento comu-<br />
nitário, não têm Incluído a pauta da<br />
reivindicação das crianças junto às<br />
suas?<br />
BRUNO : Sempre esteve muito au-<br />
sente, é a tal coisa, refletiam um pouco<br />
a mentalida<strong>de</strong> geral <strong>de</strong> que a criança é<br />
criança, não tem nada a ver com isso.<br />
CUIRA - Então o senhor concordaria<br />
que eles acabam sendo conservadores<br />
neste aspecto?<br />
BRUNO: De certa forma sim, é<br />
o não reconhecer que é todo um conti-<br />
gente da população, um segmento da<br />
população que está numa fase <strong>de</strong> cres-<br />
cimento e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma nova<br />
mentalida<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> ficar a mar-<br />
gem <strong>de</strong>sse processo esperando os 16,17<br />
ou 18 anos.<br />
CUIRA - Dentro <strong>de</strong>ste quadro, como é<br />
que po<strong>de</strong>ria haver essa união <strong>de</strong> esfor-<br />
ços entre movimento sindical e movi-<br />
mento dos partidos que têm preocu-<br />
pações sociais com o movimento <strong>de</strong><br />
"menores"?<br />
BRUNO : Eu acredito que há sindi-<br />
catos hoje que já começam a incluir a<br />
questão do menor trabalhador, até nos<br />
seus programas <strong>de</strong> luta sindical. Há ex-<br />
periências nesse sentido em várias par-<br />
tes do Brasil. O Movimento Nacional<br />
<strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua tem ho-<br />
je uma ligação muito estreita com esses<br />
segmentos e é reconhecido por estes<br />
segmentos como uma parcela real-<br />
mente importante no conjunto do mo-<br />
59<br />
CUIRA
vimento popular, do movimento sindi-<br />
cal. Agora, como ainda somos muito<br />
novos temos muito pouca experiência<br />
para <strong>de</strong>finir com clareza essas relações.<br />
Acho que é um processo.que está se<br />
construindo, que está no início. Pra<br />
você ter uma idéia, o Movimento Na-<br />
cional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua<br />
surgiu em 85. Cinco anos é muito pou-<br />
co, estamos quase que na fase das ten-<br />
tativas do que está sendo tentado con-<br />
cretamente agora.<br />
CUÍRA -Nesse quadro nacional co-<br />
mo é que se po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>finir as preo-<br />
cupações <strong>de</strong> quem trabalha com a<br />
questão dos meninos, com o atual go-<br />
verno? »<br />
BRUNO : Olha, 6 claro e evi<strong>de</strong>nte<br />
que o atual governo não está absolu-<br />
tamente voltado realmente aos <strong>de</strong>sca-<br />
misados e aos pés-<strong>de</strong>scalços. Nós per-<br />
cebemos isso como reflexo na vida dos<br />
meninos, no sentido <strong>de</strong> que não existe<br />
uma política clara, existe uma política<br />
que até agora pensamos estar se <strong>de</strong>-<br />
monstrando como uma política assis-<br />
tencialista simplesmente.<br />
Agora no momento recessivo^está se<br />
refletindo tremendamente esta posição.<br />
Isso <strong>de</strong>ixa realmente uma preocupação:<br />
em que é que vai dar isso? a vida <strong>de</strong>sses<br />
garotos piorando e não se vê pelo me-<br />
nos uma política clara voltada <strong>de</strong> fato a<br />
atingir as causas do problema que gera<br />
a situação <strong>de</strong>sses meninos. Se a política<br />
salariali é do jeito que é, isso se reflete<br />
contu<strong>de</strong>ntemente na vida <strong>de</strong>sses meni-<br />
nos. Se a política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é o que é,<br />
isso reflete nos meninos. Se a política<br />
"A República não é o Padre<br />
Bruno...e seria um fracasso<br />
se ela não sobrevivesse sem<br />
a minha pessoa".<br />
educacional é do jeito que é, com a<br />
evasão escolar , isto é um reflexo claro<br />
da política educacional elitista do país.<br />
Perspectivas? Não dá pra ver perspec-<br />
tivas <strong>de</strong> real avanço.<br />
CUÍRA • Se não há perspectivas em<br />
relação a esse governo, qual a solução<br />
pra questão dos meninos?<br />
60<br />
CUIRA<br />
BRUNO : Existe um contigente ca-<br />
da vez maior <strong>de</strong> meninos que vive num<br />
reflexo imediato <strong>de</strong> uma política que eu<br />
acredito vai ser <strong>de</strong>sastrosa a nível <strong>de</strong><br />
política salarial, por exemplo. Não há<br />
condições <strong>de</strong> pensar numa melhoria<br />
substancial na vida dos meninos com a<br />
política salarial atual. A questão da<br />
saú<strong>de</strong> é a mesma coisa e da educação,<br />
mais ligada à realida<strong>de</strong> dos meninos, é<br />
um aspecto muito importante aliado às<br />
políticas básicas: trabalho, saú<strong>de</strong>, mo-<br />
radia, e a reforma agrária. Acredito que<br />
se <strong>de</strong>ve continuar fazendo um trabalho<br />
<strong>de</strong> base, procurando não sei... eu não<br />
tenho perspectivas a curto prazo. A<br />
curto prazo não existem perspectivas, a<br />
não ser esta <strong>de</strong> continuar e fortalecer<br />
um trabalho <strong>de</strong> base, um trabalho fun-<br />
damentalmente educativo, <strong>de</strong> uma no-<br />
va mentalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> organização.<br />
CUÍRA - A República hoje é uma una-<br />
nimida<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong>, principalmente<br />
aqui em Belém do Pará, já recebeu<br />
prêmio da UNICEF e tem trânsito livre<br />
com políticos do PT ao PDS, como é<br />
que se conquista essa unanimida<strong>de</strong>?<br />
BRUNO : Eu não sei como se con-<br />
quista isso. Eu faria referência<br />
talvez "a situação das crianças. A tão<br />
chamada questão do menor nunca foi<br />
vista <strong>de</strong> uma forma conflitiva <strong>de</strong>ntro<br />
z-^.<br />
& J<br />
das reiaçoes sociais. Evi<strong>de</strong>nte que não é<br />
tão tranqüila assim a visão que a opi-<br />
nião pública tem sobre o movimento.<br />
Hoje, temos sinais disso. Agora, nós<br />
procuramos fazer um trabalho sério<br />
com os meninos.um trabalho que pu-<br />
<strong>de</strong>sse ganhar muita coisa, pela com-<br />
petência. Isto po<strong>de</strong> ter contribuído.<br />
CUÍRA - Foi preciso passar a imagem<br />
<strong>de</strong> instituição apolítíca, foi preciso tal-<br />
vez oferecer alguma concessão política<br />
ao po<strong>de</strong>r pra essa unanimida<strong>de</strong>?<br />
BRUNO: Não, sempre tivemos<br />
consciência e clareza <strong>de</strong> que este não<br />
seria um trabalho apolítico, seria um<br />
trabalho apartidário, mas não apolíti-<br />
co.<br />
Concessões então, nem falar, pelo<br />
menos que eu me lembre, não foi dada<br />
nehuma concessão, ao contrário, houve<br />
momentos inclusive muito fortes neste<br />
sentido, para que nada que viesse em<br />
forma <strong>de</strong> colaboração pu<strong>de</strong>sse ter al-<br />
gum retorno, seja a nível político, co-<br />
mo a nível mesmo <strong>de</strong> concessões, até<br />
em relação a negócios não muito claros<br />
e fáceis, não aceitávamos recursos que<br />
não fossem claros na sua origem. Nós<br />
já recusamos recursos <strong>de</strong> verbas públi-<br />
cas, tivemos propostas tentadoras e<br />
atentadoras, mas olha, acho que a<br />
questão financeira nunca mepreocupou<br />
e hoje po<strong>de</strong>mos dizer que há muito<br />
tempo não recebemos propostas que
não sejam coisas bem claras e <strong>de</strong>finidas<br />
e acredito que fica claro a todos os se-<br />
gmentos que a República não dá<br />
concessões. Agora acredito que a gente<br />
po<strong>de</strong> sim conseguir conquistar espaços,<br />
principalmente na área dos meninos <strong>de</strong><br />
uma forma coerente, sem abrir mão<br />
dos princípios e sendo respeitado<br />
mesmo por aqueles que não pensam<br />
como nós, tem muita gente que não<br />
pensa como nós mas respeita, acho que<br />
nós conseguimos travar este tipo <strong>de</strong> re-<br />
lação, não sabemos te dizer porque se<br />
chegou a isso, mas chegamos. E uma<br />
pergunta assim que eu nunca <strong>de</strong>tive pa-<br />
ra uma resposta mais pensada histori-<br />
camente.<br />
CUÍRA - Vinte anos <strong>de</strong> trabalho como<br />
coor<strong>de</strong>nador geral da República e ago-<br />
ra parar, por que parar? No seu balan-<br />
ço tem algo que induz a esta parada?<br />
BRUNO: Sim, tem vários dados.<br />
Primeiro, eu, por princípio, consi<strong>de</strong>ro<br />
muito arriscado uma obra como esta,<br />
trabalho como este, estar muito vincu-<br />
lado a uma pessoa. Acho que este tra-<br />
balho está <strong>de</strong>mais vinculado a minha<br />
pessoa, é preciso que haja este <strong>de</strong>svin-<br />
culamento e no caso aqui eu tenho cer-<br />
teza que isso só vai se dar quando hou-<br />
ver mesmo um corte meio radical. Fo-<br />
ram feitas muitas tentativas neste sen-<br />
tido <strong>de</strong> convencer,como <strong>de</strong> fato é, que a<br />
República não é o padre Bruno, acho<br />
que saindo isso vai ajudar. Po<strong>de</strong> haver<br />
um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajuste no começo,<br />
e é ao meu ver um dos aspectos mais<br />
fortes, que me leva a parar. Sair da<br />
República agora é importante para sis-<br />
tematizar muitas coisas (muitas coisas<br />
que eu falei aqui foram coisas que eu<br />
tenho na cabeça, mas tem coisas que eu<br />
falei que precisam ser mais bem masti-<br />
gadas, mais bem aprofundadas, refleti-<br />
das). Tem muitas questões aindapen-<br />
<strong>de</strong>ntes que não estão muito bem elabo-<br />
radas até do ponto <strong>de</strong> vista teórico.<br />
"Não vou viver <strong>de</strong> lembran-<br />
ças. Vivo <strong>de</strong> opções".<br />
Fundamentalmente, estes motivos me<br />
levam a sair da República. Fui eu quem<br />
pediu e já venho pedindo isso há muito<br />
tempo, mas no ano passado tive que<br />
colocar em xeque-mate para marcar a<br />
data pra sair. Eu saio tranqüilo e com<br />
uma profunda confiança que a Repú-<br />
blica vai continuar sem mim e amadu-<br />
recer. Deve ser esse passo que vai aju-<br />
dar a própria emancipação da Repúbli-<br />
ca. Seria um fracasso se a República<br />
não tivesse condições <strong>de</strong> sobreviver<br />
sem a minha pessoa. E <strong>de</strong>pois, eu nun-<br />
ca gostei <strong>de</strong> estar em evidência. Uma<br />
pessoa acaba virando um mito, quando<br />
na verda<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>ve estar no centro<br />
são os meninos, não a pessoa que tra-<br />
balha, mesmo que trabalhe com eles.<br />
Isso tudo <strong>de</strong>ve ser incorporado à opi-<br />
nião pública.<br />
Aliado a isto, claro, eu tenho o <strong>de</strong>-<br />
sejo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter um tempo <strong>de</strong> re-<br />
flexão, tem toda uma dimensão que le-<br />
va a aprofundar essa opção que é a fé.<br />
CUÍRA - Já existe um projeto neste<br />
sentido?<br />
BRUNO: Bom, não é bem um pro-<br />
jeto, eu vou viver uma situação um<br />
pouco diferente. Eu vou morar num<br />
quarto, numa pequena casa, num<br />
subúrbio, on<strong>de</strong> posso fazer uma expe-<br />
riência <strong>de</strong> vizinhança, <strong>de</strong> meninos que<br />
moram lá, on<strong>de</strong> eu possa <strong>de</strong> noite, com<br />
o meu pessoal, po<strong>de</strong>r me relacionar <strong>de</strong><br />
uma forma mais estreita com os meni-<br />
nos que moram na rua, on<strong>de</strong> eu possa<br />
Konhecer e evi<strong>de</strong>nciar as questões que<br />
estão hoje muito abafadas, que é a rea-<br />
lida<strong>de</strong> ou a situação dos meninos que<br />
moram no interior da Amazônia(por-<br />
que é muito evi<strong>de</strong>nciada a situação dos<br />
meninos, da "área urbana") evi<strong>de</strong>nciar<br />
o nível <strong>de</strong> abandono que estão largan-<br />
do as crianças da Amazônia, relações<br />
entre os conflitos <strong>de</strong> terras e as crian-<br />
ças, a relação entre os gran<strong>de</strong> projetos<br />
e elas, a relação entre educação e a fa^-<br />
ta <strong>de</strong> infra-estrutura <strong>de</strong> educação e<br />
saú<strong>de</strong> com a criança. A evasão do cam-<br />
po para a cida<strong>de</strong>, a própria relação que<br />
existe entre o próprio garimpo e as<br />
questões das crianças. Essas são<br />
questões que são da nossa região, me-<br />
ninos e meninas que estão morrendo<br />
por aí, não só fisicamente mas em ter-<br />
mos <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>s. Isso não se evi<strong>de</strong>n-<br />
cia porque eles não.estão concentrados<br />
na cida<strong>de</strong>, incomodando. Eu gostaria<br />
<strong>de</strong> contribuir com isso também, é para<br />
isso também esta parada da República.<br />
CUÍRA - Mas mesmo sem per<strong>de</strong>r o<br />
vínculo acho que já po<strong>de</strong>ríamoos falar<br />
em lembranças. Qual seria a lembran-<br />
ça que talvez marque mais daqui pra<br />
frente?<br />
BRUNO: Olha, tem duas lembran-<br />
ças, na verda<strong>de</strong>, é a lembrança <strong>de</strong>ssa<br />
meninada toda que passou aqui, que<br />
marca a vida da gente, esta relação hu-<br />
mana muito forte que se travou com<br />
tantos meninos e uma segunda é a lem-<br />
brança <strong>de</strong> todos aqueles que <strong>de</strong> fato fi-<br />
zeram o movimento durante todo esse<br />
tempo, que foram jovens, rapazes, mo-<br />
ças, meninos e meninas que <strong>de</strong>ram uma<br />
parcela <strong>de</strong> si para que tudo isto pu<strong>de</strong>sse<br />
ser construído, que pu<strong>de</strong>sse se tornar<br />
significativo na vida dos meninos e na<br />
própria socieda<strong>de</strong>, esse pessoal que<br />
construiu realmente o movimento.<br />
Vou lembrar sem dúvida nenhume<br />
dos erros e acertos, <strong>de</strong>ssa dinâmica to-<br />
da que me ajudou a crescer numa re-<br />
lação dialética. Acho interessante co-<br />
mo isso aconteceu aqui na República.<br />
Agora, outra lembrança também é<br />
sentir que o movimento caminha muito<br />
bem. Talvez uma coisa que eu me lem-<br />
bre é o primeiro fogareiro a carvão, o<br />
restaurante, mas eu não gosto <strong>de</strong> viver<br />
<strong>de</strong> lembranças, eu vivo mais <strong>de</strong> opções.<br />
João Cláudio Arroyo é Editor da Cuíra<br />
^<br />
61<br />
CUIRA
Carinhosamente, <strong>de</strong>dico este artigo ao<br />
companheiro Valter Pompeu por acreditar<br />
também nestas coisas.<br />
^Sr^SS^J^<br />
TEORIA E ESTRATÉGIA<br />
, verda<strong>de</strong> «"T<br />
concertado<br />
, sempre i<br />
A Democracia<br />
Partidária<br />
überda<strong>de</strong>^PT^ecofn<br />
esua<br />
è a Formação do<br />
nação"<br />
(Vlcto r Scrge)<br />
Militante Revolucionário.<br />
Flávio Valentim<br />
Historicamente, po<strong>de</strong>mos afir-<br />
mar sem temor <strong>de</strong> engano, que<br />
nenhuma estrutura partidária<br />
está con<strong>de</strong>nada ao fracasso pelo exces-<br />
so <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia. Em outras palavras,<br />
a <strong>de</strong>mocracia.antes mesmo do proces-<br />
so <strong>de</strong> conquista e construção do Socia-<br />
lismo, vem revelando-se como instru-<br />
mento fundamental e indispensável <strong>de</strong><br />
libertação <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> domi-<br />
nação política e i<strong>de</strong>ológica.<br />
A <strong>de</strong> r A <strong>de</strong>rrocada do Partido Úni-<br />
co e a falência da concepção monolítica<br />
<strong>de</strong> partido no Leste Europeu, a inviabi-<br />
lida<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>los únicos <strong>de</strong> partido<br />
(herdados da III Internacional) em<br />
germinarem novas experiências revolu-<br />
cionárias no mundo e, por fim, a pró-<br />
pria cultura anti<strong>de</strong>mocrática da es-<br />
querda tradicional brasileira são fato-<br />
res que nos impulsionam a uma re-<br />
flexão crítica do valor e do papel da<br />
<strong>de</strong>mocracia partidária como um exercí-<br />
cio estratégico para a <strong>de</strong>mocracia so-<br />
cialista e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reno-<br />
vação da cultura ético-política <strong>de</strong> nos-<br />
sos militantes - incluindo od dirigentes<br />
- <strong>de</strong> esquerda.<br />
Esta abordagem da relação<br />
entre <strong>de</strong>mocracia partidária e formação<br />
i<strong>de</strong>ológica do militante - no quadro <strong>de</strong><br />
revolução política quase mundial - não<br />
<strong>de</strong>ve ser concebida como pesa<strong>de</strong>lo ou<br />
arrependimento que oprimem o cére-<br />
bro <strong>de</strong> nossos militantes mais antigos,<br />
mas como uma manifestação <strong>de</strong> inquie-<br />
tu<strong>de</strong> das novas gerações <strong>de</strong> militantes,<br />
<strong>de</strong>sanimadas com as matrizes tradicio-<br />
nais <strong>de</strong> partido e com vonta<strong>de</strong> própria<br />
<strong>de</strong> participar <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> auto-<br />
crítica e da busca <strong>de</strong> novas<br />
62<br />
CUÍRA<br />
concepções <strong>de</strong> partido, <strong>de</strong> militante e<br />
<strong>de</strong> Socialismo.<br />
Ao encararmos abertamente<br />
este <strong>de</strong>bate, lembramos Augusto <strong>de</strong><br />
Franco (Dirigente Nacional do PT):<br />
"As novas gerações não se emocionam<br />
com os discursos tradicionais...A vida<br />
partidária vai se tornando <strong>de</strong>sinteres-<br />
sante. O Partido vira uma espécie <strong>de</strong><br />
estágio <strong>de</strong> carreira, instrumento <strong>de</strong><br />
ambição pessoal". Esta constatação nos<br />
remete a uma revisão, quer do ponto<br />
<strong>de</strong> vista teórico, quer do ponto <strong>de</strong> vista<br />
político-orgânico da esquerda brasilei-<br />
ra que assimilou a i<strong>de</strong>ologização dou-<br />
trinária do " Marxismo-Leninismo",<br />
que foi obra da III Internacional e mais<br />
particularmente dos fundamentos teó-<br />
ricos Soviéticos, concebidos como apli-<br />
cabilida<strong>de</strong> universal na teoria do Esta-<br />
do, na visão <strong>de</strong> revolução e na con-<br />
cepção <strong>de</strong> partido.<br />
A própria história tem ajuda-<br />
do nesta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão, mos-<br />
trando que precisamos <strong>de</strong>senvolver um<br />
pensamento novo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e ori-<br />
ginal, sem <strong>de</strong>sconhecer a necessida<strong>de</strong> e<br />
a contemporaneida<strong>de</strong> do<br />
Marxismo enquanto sistema e método<br />
orientador <strong>de</strong> práticas sociais e revolu-<br />
cionárias. Não há dúvidas,portanto,que<br />
o processo <strong>de</strong> construção partidária ra-<br />
dicalmente <strong>de</strong>mocrático está intrinse-<br />
camente combinado com o processo e<br />
o caráter da revolução social e, princi-<br />
palmente,com a própria ética política<br />
do militante.<br />
TRÊS CRÍTICAS NE-<br />
CESSÁRIAS<br />
Em primeiro lugar, não po-<br />
<strong>de</strong>mos esquecer em hipótese alguma da<br />
concepção hegemonista <strong>de</strong> partido, que
vem acarretando sérios prejuízos à <strong>de</strong>-<br />
mocracia interna, na medida em que<br />
fortalece uma relação simplesmente<br />
quantitativa (portanto autoritária) en-<br />
tre a maioria e minoria, alimentando<br />
assim uma visão <strong>de</strong>formada <strong>de</strong> hege-<br />
monia, substituindo a imposição pelo<br />
convencimento, gerando o hegemo-<br />
nismo. Baseadas nas visões <strong>de</strong> "em-<br />
brião do partido revolucionário" ou <strong>de</strong><br />
"guardiões da linha oficial do partido"<br />
estas matrizes <strong>de</strong> construção partidária<br />
fazem das suas posições políticas refe-<br />
renciais infalíveis e imutáveis, atuando<br />
assim numa verda<strong>de</strong>ira prática messiâ-<br />
nica <strong>de</strong> iluminar os equívocos dos <strong>de</strong>-<br />
mais grupos ou entãqíornam-seincapa-<br />
zes e refratários ao conviver com as di-<br />
vergências internas como motor do<br />
aprofudamento das <strong>de</strong>finições políti-<br />
cas, teóricas e orgânicas do partido.<br />
É <strong>de</strong> extrema importância, no<br />
entanto, <strong>de</strong>stacar que a necessida<strong>de</strong> da<br />
ruptura com o hegemonismo é um <strong>de</strong>-<br />
safio não apenas para a maioria, mas<br />
também para as minorias do partido,<br />
uma vez que o problema é cultural, ou<br />
seja, exige uma formação global para a<br />
<strong>de</strong>mocracia.<br />
Em segundo, é preciso superar<br />
a relação autoritária entre direção e<br />
base, que indubitavelmente é um dos<br />
aspectos herdados pela esquerda tradi-<br />
cional.<br />
Infelizmente, o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento intelectual dos dirigentes não<br />
foi acompanhado por um crescimento<br />
dos militantes <strong>de</strong> base. Isto contribuí<br />
para que a maioria dos militantes <strong>de</strong><br />
base se trasformasse em simples re-<br />
produtores da política elaborada pelos<br />
dirigentes ^ facilitando com que<br />
a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração teórica e<br />
formulação política fossem patrimônio<br />
exclusivo e um po<strong>de</strong>r interno <strong>de</strong> um re-<br />
duzido número <strong>de</strong> militantes <strong>de</strong>dicados<br />
a esta tarefa (os chamados "capa-pre-<br />
tas"). A importância da criação <strong>de</strong><br />
uma originalida<strong>de</strong> na relação <strong>de</strong> base<br />
parte da exigência da própria luta <strong>de</strong><br />
classes, que obviamente é também uma<br />
luta intelectual e que, mais do<br />
que nunca, é fundamental incentivar a<br />
liberda<strong>de</strong> e o exercício da criativida<strong>de</strong><br />
política e teórica na formação <strong>de</strong> novos<br />
quadros dirigentes.<br />
Finalmente, tratemos um<br />
pouco da ética do militante revolu-<br />
cionário.<br />
Não há dúvidas em afirmar<br />
que a formação política da maioria dos<br />
nossos militantes <strong>de</strong> esquerda, muitas<br />
vezes, está <strong>de</strong>terminada e orientada<br />
apenas pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção<br />
na luta interna. Em outras palavras, a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer discursos e dispu-<br />
tar cargos <strong>de</strong> direção partidária. Tal<br />
formação, além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r acarretar o<br />
sectarismo, po<strong>de</strong> também originar a<br />
inexperiência <strong>de</strong> combate aos agentes e<br />
instrumentos <strong>de</strong> dominação da burgue-<br />
sia. Todavia, parece óbvio que os mé-<br />
todos <strong>de</strong>formados da luta interna, tais<br />
como: o sectarismo, as "queimações", o<br />
hegemonismo etc. fazem parte da nos-<br />
sa história <strong>de</strong> intolerância no tratamen-<br />
to das divergências políticas.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que não po<strong>de</strong> exis-<br />
tir partido revolucionário sem existir<br />
militantes revolucionários, principal-<br />
mente porque o socialismo é um proje-<br />
to e uma utopia humana a ser concreti-<br />
zada, ou seja, a transformação social<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> humana <strong>de</strong> fazer<br />
história, <strong>de</strong> homens i<strong>de</strong>ologicamente<br />
convencidos e animados na construção<br />
do Socialismo.<br />
Neste sentido, torna-se ne-<br />
cessário compreen<strong>de</strong>r que a construção<br />
do partido revolucionário <strong>de</strong>ve estar<br />
voltada não apenas para a estrutura<br />
política, mas também para a estrutura<br />
i<strong>de</strong>ológica, ou melhor dizendo: na con-<br />
vivência interna do partido <strong>de</strong>vem<br />
emergir elementos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> liber-<br />
tação, mesmo que não esteja configu-<br />
rada na socieda<strong>de</strong> uma conjuntura fa-<br />
vorável à crise revolucionária.<br />
A vida interna do partido <strong>de</strong>-<br />
ve passar, portanto, a <strong>de</strong>senvolver hábi-<br />
tos <strong>de</strong> companheirismo, costumes <strong>de</strong><br />
solidarieda<strong>de</strong>, idéias <strong>de</strong> franqueza e<br />
comportamentos <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> entre<br />
os militantes.<br />
Portanto,parece evi<strong>de</strong>nte que<br />
a formação intelectual e o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento da sensibilida<strong>de</strong> são partes in-<br />
separáveis na construção do militante<br />
revolucionário.<br />
Partindo <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>-<br />
rações, po<strong>de</strong>mos concluir, afirmando<br />
que certas transformações socialistas<br />
não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m meramente da simples<br />
concepção politicista da "tomada do<br />
aparato estatal", mas é preciso cons-<br />
truir "embriões" e "sementes" <strong>de</strong> um<br />
novo po<strong>de</strong>r político, <strong>de</strong> uma nova he-<br />
gemonia i<strong>de</strong>ológica e <strong>de</strong> uma nova<br />
visão <strong>de</strong> homem, mesmo estando em<br />
socieda<strong>de</strong>s burguesas. Pois, inevitavel-<br />
mente, existe uma relação estratégica<br />
entre a construção partidária e cons-<br />
trução do socialismo.<br />
Flavio Valenlim ó membro do Diretório Municipal do Partido dos<br />
Trabalhadores.<br />
63<br />
CUIRA
Qual o valor <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate e do<br />
resgate (ou construção?) da<br />
no o <strong>de</strong> cidadania hoje, no<br />
Brasil, no momento em que após quase<br />
rinta anos elegemos nosso Presi<strong>de</strong>nte<br />
por sufrágio direto e universal e nos<br />
preparamos, por outro lado, para in-<br />
gressar no terceiro milênio D.C. da<br />
história mundial?<br />
Por certo, a abordagem do<br />
tema não é simples e envolve dificulda-<br />
<strong>de</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m teórica e histórica, seme-<br />
lhantes às que têm sido causa e objeto<br />
da já não tão recente polêmica que se<br />
instaurou nos meios acadêmicos - e<br />
mesmo dos partidos (particularmente<br />
os <strong>de</strong> inspiração marxista) - acerca da<br />
"natureza" da <strong>de</strong>mocracia: se esta teria<br />
valor universal - in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>.". :emente <strong>de</strong><br />
sua gênese histórica (ou seja, do con-<br />
texto sócio-político que condicionou o<br />
aparecimento <strong>de</strong> certas prlticas políti-<br />
cas e da consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
consolidar no plano social as noções<br />
<strong>de</strong>correntes das mesmas = "wcltans-<br />
chauung")- ou não - neste último caso,<br />
reduzindo-se o conteúdo do conceito a<br />
mera estratégia <strong>de</strong> perpetuação da do-<br />
minação burguesa.<br />
A CIDADANIA COMO<br />
"VALOR"<br />
O advento da década que tra-<br />
çará as coor<strong>de</strong>nadas do ingresso da<br />
humanida<strong>de</strong> no terceiro milênio reme-<br />
te às socieda<strong>de</strong>s latino-americanas, par-<br />
ticularmente à brasileira, questões <strong>de</strong><br />
conteúdo histórico-filosófico <strong>de</strong>cisivo.<br />
O retorno aos regimes <strong>de</strong>mocráticos,<br />
após décadas <strong>de</strong> autoritarismo susten-<br />
tado por Estados burocrático-militares,<br />
recoloca em luz a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
concluir <strong>de</strong>finitivamente o ciclo <strong>de</strong> in-<br />
gresso <strong>de</strong>ssas nações na era da contem-<br />
poraneida<strong>de</strong> mundial, marcadamente<br />
assinalada pelo resgate <strong>de</strong> valores co-<br />
mo liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mocracia, bem-estar e<br />
paz social. A construção (talvez o tei-<br />
mo re-construção nem mesmo caiba, no<br />
caso, por falta <strong>de</strong> raízes históricas mais<br />
estáveis) das <strong>de</strong>mocracias do cone sul,<br />
por certo, implicará uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa-<br />
fios. O mais significativo, por certo,<br />
será a relação dialética entre as'con-<br />
quistas objetivas <strong>de</strong> direitos e espaços<br />
organizados da socieda<strong>de</strong> civil, vis-a-<br />
vis, o avanço <strong>de</strong> uma cultura (concebi-<br />
da como exercício hegemônico <strong>de</strong> valo-<br />
64<br />
CUÍRA<br />
TEORIA E ESTRATÉGIA<br />
Cidadania:<br />
uma Ban<strong>de</strong>ira<br />
Revolucionária n<br />
Tem sentido falar <strong>de</strong> socialismo a quem não<br />
reconhece nem os seus próprios direitos como ci-<br />
dadão? É possível construir a hegemonia socialista<br />
sem que esta seja intimamente vinculada h cons-<br />
trução da <strong>de</strong>mocracia e da cidadania? E,se fosse<br />
possível, seria socialismo?<br />
rej e práticas sociais) que dê suporte e<br />
sentido a toda essa trajetória que, por<br />
ora, apenas se arrisca <strong>de</strong>nominar-se <strong>de</strong><br />
"período <strong>de</strong> transição". Den-<br />
tre esses valores, situa-se, é claro, o <strong>de</strong><br />
cidadania, cuja universalida<strong>de</strong> acaba <strong>de</strong><br />
ser consagrada pela autocrítica a que<br />
se submetem os regimes sodalisias do<br />
leste europeu. Ensaia-se um processo<br />
que parece superar, <strong>de</strong> vez, o perigo <strong>de</strong><br />
se reduzir esse conceito a um pretenso<br />
conteúdo burguês originário do revolu-<br />
cionarismo francês do final do século<br />
XVIII. Trata-se, assim, <strong>de</strong> colocar em<br />
discussão a noção <strong>de</strong> cidadania como<br />
questão cultural central à consolidação<br />
da própria <strong>de</strong>mocracia.<br />
Para início <strong>de</strong> conversa, con-<br />
si<strong>de</strong>remos o que atirma Ag-<br />
nes Heller a respeito da questão do que<br />
seja valor. Respon<strong>de</strong> ela: "Que enten-<br />
<strong>de</strong>mos por valor? Tudo o que faz parte<br />
do ser genérico do homem e contribui,<br />
direta ou indiretamente, para a explici-<br />
tação <strong>de</strong>sse ser genérico..'.'(1). E como<br />
esse humano-genérico não é uma reali-<br />
da<strong>de</strong> acabada, mas algo em elaboração,<br />
em permanente "<strong>de</strong>vir" - para usarmos<br />
uma terminologia hegeliana, mas que<br />
está afinada com os princípios do ma-<br />
Alex Fiúza Mello<br />
terialismo histórico - o valor se torna<br />
instrumento próprio e necessário <strong>de</strong>ssa<br />
caminhada rumo à auto-<strong>de</strong>finição ou<br />
auto-compreensão ontológica do ho-<br />
mem, da humanida<strong>de</strong> sobre si mesma,<br />
constituindo-se, por conseguinte, em<br />
algo objetivo - como coloca Heller -<br />
mas cuja objetivida<strong>de</strong> não é natural,<br />
mas social. Òu seja: tanto é construído<br />
quanto transformado historicamente<br />
pelo seu criador. Sendo uma "categoria<br />
ontológico-social", o valor não tem<br />
essência própria (em si), pois seu con-<br />
teúdo é <strong>de</strong>terminado pelo contexto so-<br />
cial em que é sustentado enquanto<br />
noção que <strong>de</strong>marca o agir, a vonta<strong>de</strong>, o<br />
<strong>de</strong>sejo, a necessida<strong>de</strong>, a utopia, o pra-<br />
zer humanos, e lhes dá sentido a nível<br />
da razão. Conseqüentemente, haverá<br />
valores que serão negados e esqueci-<br />
dos, outros porém sustentados e revita-<br />
lizados no <strong>de</strong>correr dos tempos e na<br />
transmutação da vida das socieda<strong>de</strong>s,<br />
reformulados por certo, porém resga-<br />
tados no bojo do processo <strong>de</strong> supe-<br />
ração das estruturas econômicas e so-<br />
ciais e universalizados como conquista<br />
da humanida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
das <strong>de</strong>terminações político-culturais<br />
que engendraram sua origem. Po<strong>de</strong>-
mos, assim, falar <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia antiga,<br />
<strong>de</strong>mocracia medieval, <strong>de</strong>mocracia bur-<br />
guesa e, apesar das objetivações, fala-<br />
mos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia (no substantivo),<br />
como enten<strong>de</strong>ndo elementos similares<br />
e/ou comuns (práticas e valores)<br />
entre esses regimes políticos.<br />
"Para Marx, o homem só ó<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se afirma sua<br />
individualida<strong>de</strong> em cada<br />
uma <strong>de</strong> suas relações com o<br />
mundo".<br />
que permanecem e são "aperfeiçoados"<br />
historicamente, malgrado as imensas e<br />
mesmo abismais diversida<strong>de</strong>s e particu-<br />
larida<strong>de</strong>s existentes entre os vários mo-<br />
dos <strong>de</strong> produção.<br />
Dentre os conceitos que "so-<br />
breviveram" às evoluções dos tempos e<br />
às revoluções das eras, encontra-se o <strong>de</strong><br />
cidadania. Por quê? Pelas razões <strong>de</strong>-<br />
duzíveis do argumento <strong>de</strong> Heller: o<br />
conceito (a noção) <strong>de</strong> cidadania ainda<br />
permanece, pela potencialida<strong>de</strong> simbó-<br />
lica (política) que possui enquanto<br />
valor <strong>de</strong> construção e constituição do<br />
ser humano como realida<strong>de</strong> coleti-<br />
va/social, <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação 1 da so-<br />
cieda<strong>de</strong> humana na busca <strong>de</strong> superação<br />
das suas contradições e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />
Defen<strong>de</strong>mos aqui que a noção <strong>de</strong> cida-<br />
dania - como a <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia - não<br />
po<strong>de</strong> ser reduzida (ou reduzívcl) à sua<br />
vertente burguesa, mas se constitui va-<br />
lor <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> universal, inclusive à<br />
edificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> socialista,<br />
cuja a cultura não po<strong>de</strong>rá ser elaborada<br />
sem a assimilação/superação <strong>de</strong> práti-<br />
cas e valores conquistados no ihterior<br />
do próprio mundo burguês, maS que<br />
não se limitam a ele porque resultantes<br />
<strong>de</strong> longos processos <strong>de</strong> lutas empreen-<br />
didas, inclusive e sobretudo, por movi-<br />
mentos populares, <strong>de</strong> trabalhadores, na<br />
busca incessante <strong>de</strong> participação nos<br />
frutos do progresso tecnológico e nas<br />
<strong>de</strong>cisões oriundas das esferas do po<strong>de</strong>r<br />
institucionalizadas (Estado). Certa-<br />
mente o fenômeno "Solidarieda<strong>de</strong>", na<br />
Polônia, o movimento interno à URSS<br />
que resultou na Perestroika ou a revol*<br />
ta estudantil da Praça da Paz Celestial,<br />
na China, não po<strong>de</strong>m ser analisados<br />
redutivamente como meras reações<br />
"contra-revolucionárias", "pró-capita-<br />
listas" ou "revisionista", sob pena <strong>de</strong>,<br />
antidialeticamente, compreen<strong>de</strong>rmos a<br />
"verda<strong>de</strong> da história" (para parafra-<br />
searmos Adam Schaff) como resultado<br />
<strong>de</strong> tramas maquiavelicamente prepara-<br />
das. Simplismo e ignorância estes, já<br />
brilhantemente <strong>de</strong>nunciados por Um-<br />
berto Eco em seu recente livro "O<br />
Pêndulo <strong>de</strong> Foucault".<br />
Se a <strong>de</strong>mocracia, como muito<br />
bem colocou Décio Saes, é o "resultado<br />
<strong>de</strong> um longo processo social (relação<br />
entre agentes) que não correspon<strong>de</strong> às<br />
intenções, nem <strong>de</strong> um, nem <strong>de</strong> outro<br />
agente... (ou seja) a sua forma objetiva<br />
não correspon<strong>de</strong> nem à intenção da<br />
classe exploradora, nem à intenção da<br />
classe explorada..." (2), embora seja<br />
produto da ação <strong>de</strong> ambas, assim<br />
também a cidadania, enquanto valor,<br />
representa uma conquista histórica não<br />
apenas da burguesia - na sua luta con-<br />
tra a aristocracia fundiária feudal pela<br />
consolidação da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado<br />
- mas das classes trabalhadoras contra a<br />
burguesia pós-revolucionária pelo re-<br />
conhecimento dos direitos econômicos<br />
e políticos em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com os<br />
proprietários. Não po<strong>de</strong>mos esquecer<br />
que a implantação dos Estados mo<strong>de</strong>r-<br />
nos burgueses na Europa se <strong>de</strong>u muito<br />
antes da superação do voto sensitário<br />
fundado na posse e no patrimônio e<br />
que o advento do voto direto e univer-<br />
sal (incluindo as mulheres) é fenômeno<br />
do século XX, na maioria dos países a<br />
partir dos anos 50, e <strong>de</strong>ve-se a um lon-<br />
go processo <strong>de</strong> lutas populares. Da<br />
mesma forma ,a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organi-<br />
zação, <strong>de</strong> pensamento, o pluripartida-<br />
rismo etc. A noção <strong>de</strong> cidadania, assim,<br />
po<strong>de</strong>mos percebê-la como o verso da<br />
medalha cuja a outra face é a <strong>de</strong>mocra-<br />
cia: no sentido que uma abarca a outra,<br />
ou se intercompletam. Enquanto a <strong>de</strong>-<br />
mocracia é o valor que realiza o inte-<br />
resse geral - "vonta<strong>de</strong> geral rousseau-<br />
niana"(e que não é a simples soma das<br />
vonta<strong>de</strong>s individuais) - a cidadania é o<br />
valor que resgata a dimensão do indiví-<br />
duo, no confronto com o seus pares.<br />
De fato, os fundamentos do<br />
pensamento político mo<strong>de</strong>rno estão as-<br />
sentados em teorias sociais que tomam<br />
o "indivíduo" como ponto <strong>de</strong> partida<br />
para toda a reflexão conceptiva <strong>de</strong> so-<br />
cieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> política, <strong>de</strong> Estado.<br />
Assim como Hobbes<br />
(1538-1679), no dizer <strong>de</strong> Macpherson,<br />
"rejeitando os conceitos tradicionais <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>, justiça e lei natural, <strong>de</strong>duziu<br />
os direitos e <strong>de</strong>veres políticos a partir<br />
dos interesses e das vonta<strong>de</strong>s dos invi-<br />
divíduos dissociados" (3), Locke<br />
(1632-1704) estabelecerá como essên-<br />
cia humana a liberda<strong>de</strong> da <strong>de</strong>pendência<br />
das vonta<strong>de</strong>s alheias, concretizada co-<br />
mo exercício <strong>de</strong> posse daquilo que se<br />
tem necessida<strong>de</strong> para ser feliz. Como<br />
completa Macpherson, "a socieda<strong>de</strong>-<br />
em Locke-torna-se uma porção <strong>de</strong> in-<br />
divíduos livres e iguais, relacionados<br />
entre si como proprietários <strong>de</strong> suas<br />
próprias capacida<strong>de</strong>s e do que adquiri-<br />
ram mediante a prática <strong>de</strong>stas" (4). O<br />
"contrato social", o pacto, a fundação<br />
da socieda<strong>de</strong> política (do Estado), ao<br />
contrário <strong>de</strong> significar a anulação do<br />
indivíduo perante a coletivida<strong>de</strong>, será<br />
antes a realização possível <strong>de</strong> seus inte-<br />
resses, ameaçados constantemente pelo<br />
"estado <strong>de</strong> guerra" <strong>de</strong>generador diante<br />
da ausência <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r mediador e<br />
regulador que represente esses mesmos<br />
interesses. O Leviatã hobbesiano não<br />
apenas representa, como encarna a<br />
vonta<strong>de</strong> e o interesse <strong>de</strong> cada indivíduo<br />
enquanto indivíduo - e não apenas co-<br />
mo membro <strong>de</strong> corpo social. Por mais<br />
que o conceito <strong>de</strong> cidadania não tenha<br />
sido plenamente <strong>de</strong>senvolvido por es-<br />
ses autores clássicos da teoria política,<br />
fica subjacente a suas teses que a noção<br />
<strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> exprimir a<br />
visão do mundo mercantilista do mo-<br />
mento (sendo neste sentido instrumen-<br />
tal aos interesses hegemônicos <strong>de</strong> uma<br />
classe burguesa ainda em <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento), consistia em pressuposto on-<br />
tológico central, pedra angular <strong>de</strong> todo<br />
o edifício doutrinário.<br />
65<br />
CUÍRA
A questão da cidadania apa-<br />
rece mais clara em Rousseau<br />
(1712-1778). Dois são os momentos<br />
capitais <strong>de</strong> sua afirmação: a partici-<br />
pação do indivíduo na formulação do<br />
pacto - o exercício <strong>de</strong> seu direito <strong>de</strong><br />
opção por uma associação livre com<br />
outros indivíduos em vista da confir-<br />
mação <strong>de</strong> seus interesses mediados peta<br />
"vonta<strong>de</strong> geral" que consagra sua con-<br />
dição <strong>de</strong> ser político e, a limitação do<br />
po<strong>de</strong>r soberano do Estado perante o<br />
"direito natural" <strong>de</strong> cada um gozar <strong>de</strong><br />
sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem. Se <strong>de</strong> um la-<br />
do o "ser cidadão" significa <strong>de</strong>sempe-<br />
nhar o papel <strong>de</strong> súdito perante um Es-<br />
tado representante da "vonta<strong>de</strong> geral"<br />
(os. <strong>de</strong>veres do cidadão), por outro tra-<br />
duz as garantias que <strong>de</strong>ve preten<strong>de</strong>r do<br />
corpo político institucionalizado, cria-<br />
do para salvaguardar sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
"ser" diante da ameaça da força dos<br />
grilhões societários (os direitos do ci-<br />
dadão). A cidadania, para os clássicos<br />
liberais, po<strong>de</strong> ser traduzida como a rea-<br />
lização possível, numa socieda<strong>de</strong> con-<br />
flituosa, da efetivação da liberda<strong>de</strong> da<br />
pessoa e que, em última instância, não<br />
po<strong>de</strong> ser senão aquela <strong>de</strong> um ser dota-<br />
do <strong>de</strong> razão. Tal é, por exemplo, a in-<br />
terpretação <strong>de</strong> Raymond Polin, que su-<br />
gere ainda que "esta liberda<strong>de</strong>, que faz<br />
o homem individual, não é a liberda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um nada; ela é livre autorida<strong>de</strong> e li-<br />
vre disposição <strong>de</strong> seu corpo, seus mem-<br />
bros, sua saú<strong>de</strong>, seus bens" (5). Mas,<br />
"dado que o homem é, enquanto pes-<br />
soa, seu próprio mestre, proprietário e<br />
senhor <strong>de</strong> sua própria pessoa, ele é em<br />
si próprio princípio e fundamento <strong>de</strong><br />
toda proprieda<strong>de</strong>" (6). Em conseqüên-<br />
cia, a noção <strong>de</strong> "pessoa" é inseparável<br />
da noção <strong>de</strong> "direito", o que redunda<br />
que a noção <strong>de</strong> cidadania, neste caso,<br />
envolve um conjunto <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>-<br />
veres entre indivíduos que coexistem<br />
num mesmo espaço e no interior <strong>de</strong> um<br />
mesmo "contrato social", por princípio<br />
em termo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> garantida pela<br />
racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem quis escapar às<br />
ameaças <strong>de</strong> um "estado <strong>de</strong> guerra" cas-<br />
trador da liberda<strong>de</strong> natural pela qual<br />
cada um veio ao mundo. Norberto<br />
Bobbio, conhecido pensador político<br />
contemporâneo, lembra que, segundo a<br />
doutrina jusnaturalista, "todos os ho-<br />
mens, indiscriminadamente, têm por<br />
natureza e, portanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte-<br />
mente <strong>de</strong> sua própria vonta<strong>de</strong>, e menos<br />
ainda da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns poucos ou<br />
<strong>de</strong> apenas um, certos direitos funda-<br />
66<br />
CUÍRA<br />
mentais, como o direito à vida, à liber-<br />
da<strong>de</strong>, à segurança, à felicida<strong>de</strong> ..." (7).<br />
Tal doutrina, <strong>de</strong> fato, está na base da<br />
Declaração dos Direitos, proclamada<br />
em 1776 nos Estados Unidos da Amé-<br />
rica do Norte e, da Declaração dos Di-<br />
reitos do Homem e do Cidadão, <strong>de</strong><br />
1789, na França Revolucionária, me-<br />
diante o que se afirmam as limitações<br />
da ação estatal sobre a socieda<strong>de</strong> civil e<br />
o indivíduo - ao contrário da idéia ab-<br />
solutista <strong>de</strong> Hobbes - na medida<br />
em que o po<strong>de</strong>r político só<br />
tem razão em existir (nesta<br />
"Suponhamos que o homem<br />
se/a homem, e que a re-<br />
lação <strong>de</strong>le com o mundo se-<br />
ja humano. Então, o amor só<br />
po<strong>de</strong> ser trocado por amor,<br />
confiança por confiança,<br />
etc... Se uma pessoa ama<br />
sem inspirar amor, então o<br />
amor <strong>de</strong>la é impotente e<br />
uma <strong>de</strong>sgraça'. K. Mane.<br />
lógica) para conservar os direitos natu-<br />
rais e não prescrilíveis do homem (con-<br />
forme reza o artigo 2 o da Declaração <strong>de</strong><br />
1789), não importando ser tal condição<br />
"natural" fruto <strong>de</strong> uma reconstrução<br />
fantástica (a-histórica) <strong>de</strong> um presumí-<br />
vel estado originário do homem, e cujo<br />
único objeto lógico, segundo Bobbio,<br />
"é o <strong>de</strong> aduzir uma boa razão para jus-<br />
tificar os limites do po<strong>de</strong>r do Estado"<br />
(8): este, o meio, o indivíduo, o fim.<br />
Seja por crença ontológica,<br />
seja por mera estratégia, i<strong>de</strong>ológica,<br />
tais são as raízes e os limites do pensa-<br />
mento liberal clássico a respeito da<br />
noção da cidadania, cuja realização<br />
máxima coinci<strong>de</strong> com a consolidação<br />
dos chamados regimes <strong>de</strong>mocráticos<br />
contemporâneos.<br />
Avancemos, porém, essa re-<br />
flexão mais "filosófica", pedindo licen-<br />
ça para proce<strong>de</strong>rmos a uma leitura um<br />
tanto quanto heterodoxa <strong>de</strong> umas pou-<br />
cas passagens <strong>de</strong> Marx, que ninguém<br />
ousaria classificar como pensador libe-<br />
ral-burguês. Nelas, po<strong>de</strong>mos encontrar<br />
preocupações teóricas substanciais<br />
quanto à realização individual do ho-<br />
mem - tema aliás muito presente em<br />
seus escritos ditos "da juventu<strong>de</strong>" -<br />
que, segundo Erich Fromm, seria o fim<br />
último e - nobre do advento futuro da<br />
socieda<strong>de</strong> comunista (9).<br />
Diz Marx n'A I<strong>de</strong>ologia<br />
Alemã: "Nos sucedâneos <strong>de</strong> comunida-<br />
<strong>de</strong>s que até agora existiram, no Estado<br />
etc, a liberda<strong>de</strong> pessoal só existia para<br />
os indivíduos que se tinham <strong>de</strong>senvol-<br />
vido nas condições <strong>de</strong> classe dominante<br />
e somente na medida em que eram in-<br />
divíduos <strong>de</strong>ssa classe. A comunida<strong>de</strong><br />
aparente, anteriormente constituída<br />
pelos indivíduos, adquire sempre pe-<br />
rante eles uma existência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
e, simultaneamente, porque significa a<br />
união <strong>de</strong> uma classe face a uma outra,<br />
representa não apenas uma comunida-<br />
<strong>de</strong> ilusória para a classe dominada, mas<br />
também uma nova ca<strong>de</strong>ia" (10). A nos-<br />
so ver, trata-se <strong>de</strong> uma passagem parti-<br />
cularmente importante para se com-<br />
preen<strong>de</strong>r o que, em essência, significa o<br />
fenômeno da alienação humana. O<br />
homem, ao re-criar-se como socieda<strong>de</strong>,<br />
pela complexificação e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
diversificação das ativida<strong>de</strong>s produtivas<br />
<strong>de</strong>correntes da progressiva evolução<br />
das forças produtivas, <strong>de</strong>ixa escapar <strong>de</strong><br />
seu controle sua própria "criatura"<br />
(portanto a si mesmo) que, ao <strong>de</strong>sen-<br />
volver-se imersa em contradições, foge<br />
da intenção e percepção <strong>de</strong> seu criador.<br />
A cooperação consciente e voluntária<br />
ce<strong>de</strong> lugar a uma "colaboração" que se<br />
apresenta como coisa estranha, pois<br />
restringe o indivíduo a <strong>de</strong>dicar-se a<br />
uma única ativida<strong>de</strong> produtiva sem que<br />
esse se aperceba da causa do fenômeno.<br />
A questão está em que as aparências da<br />
realida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>m a essência do pro-<br />
cesso. Os meios <strong>de</strong> produção, a ativida-<br />
<strong>de</strong> produtiva, o produto se volta contra<br />
o produtor como se possuíssem em si<br />
mesmos essa capacida<strong>de</strong> - fenômeno do<br />
"fetichismo" - encobrindo relações <strong>de</strong><br />
dominação social, isto é, exploração do<br />
homem pelo homem. O fato está em<br />
que a humanida<strong>de</strong>, para se <strong>de</strong>senvolver,<br />
para transformar a realida<strong>de</strong> mediante<br />
o emprego <strong>de</strong> forças produtivas que se<br />
fazem necessárias com sempre crescen-<br />
te aprimoramento, subjuga-se a si pró-<br />
pria, obrigando-se a reproduzir-se sob<br />
condições concretas adversas. A divisão<br />
social do trabalho se impôs como "ne-<br />
cessida<strong>de</strong>" histórica mas que se volta<br />
contra seu próprio criador. A socieda-<br />
<strong>de</strong>, dividida em classes, torna-se antíte-<br />
se do indivíduo - pelo menos da gran<strong>de</strong><br />
maioria dos indivíduos con<strong>de</strong>nados a<br />
sobreviver como meros instrumentos<br />
<strong>de</strong> produção ou força <strong>de</strong> trabalho.<br />
Fromm, citando um trecho<br />
dos Manuscritos Econômicos e Filosó-<br />
ficos <strong>de</strong> 1844, lembra que, para Marx, o
homem só é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte "... se afirma<br />
sua individualida<strong>de</strong> como homem total<br />
em cada uma <strong>de</strong> suas relações com o<br />
mundo, vendo, ouvindo, sorrindo, pro-<br />
vando, sentindo, querendo, amando -<br />
em resumo, afirma-se e exprime todos<br />
os órgãos <strong>de</strong> sua individualida<strong>de</strong>", e<br />
acrescenta, se não é apenas livre <strong>de</strong>,<br />
mas também livre para (11). E o mes-<br />
mo Fromm completa <strong>de</strong> forma revolu-<br />
cionária um sentido <strong>de</strong> socialismo pou-<br />
co explorado pela tradição marxista:<br />
"Para Marx, a meta do socialismo era a<br />
emancipação do homem, e esta era a<br />
mesma coisa que a auto-realização <strong>de</strong>le<br />
no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> seu relacionamento e<br />
i<strong>de</strong>ntificação com o homem e com a<br />
natureza. A meta do socialismo era o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> in-<br />
dividual" (12).<br />
É o resgate da dimensão da<br />
individualida<strong>de</strong> na história, em toda a<br />
sua plenitu<strong>de</strong> - e que não po<strong>de</strong> ser a<br />
antítese da coletivida<strong>de</strong> - a secreta uto-<br />
pia marxiana. Antes, é na ruptura da<br />
relação do "eu" e do "tu", como diria<br />
Lucien Goldmann, no reencontro do<br />
"nós' ! que repousamos fundamentos da<br />
axiologia <strong>de</strong> Marx. Como dirá Fromm,<br />
isto po<strong>de</strong> ser facilmente compreendido<br />
quando lemos como este co-fundador<br />
da I Internacional Comunista aplicou o<br />
conceito <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> ao fenôme-<br />
no do amor: "Suponhamos que o ho-<br />
mem seja homem", escreveu Marx, "e<br />
que a relação <strong>de</strong>le com o mundo seja<br />
humana. Então, o amor só po<strong>de</strong> ser<br />
trocado por amor, confiança por con-<br />
fiança etc. Se se <strong>de</strong>seja influenciar uma<br />
pessoa, é preciso ser-se uma pessoa<br />
realmente dotada <strong>de</strong> efeito estimulador<br />
è encorajador nas outras. Cada uma das<br />
relações da gente com o homem e a na-<br />
tureza tem <strong>de</strong> ser uma expressão es-<br />
pecífica correspon<strong>de</strong>nte ao objeto es-<br />
colhido, escolhido por nossa vida indi-<br />
vidual real. Se utna pessoa ama sem<br />
inspirar amor, isto é, se não é capaz, ao<br />
manifestar-se uma pessoa amável, <strong>de</strong><br />
tornar-se amada, então o amor <strong>de</strong>la é<br />
impotente e uma <strong>de</strong>sgraça" (13).<br />
Ora, a passagem da socieda<strong>de</strong><br />
socialista (direito da maioria) ao co-<br />
munismo (direito <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> cada<br />
um), o que significa senão a efetivação<br />
utópica, porém completa e conseqüen-<br />
te, da condição do indivíduo enquanto<br />
cidadão <strong>de</strong> fato (e não apenas formal,<br />
<strong>de</strong> direito) <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, que en-<br />
tão já não mais se lhe apresentaria co-<br />
mo "ilusória", mas como sua própria<br />
extensão?<br />
A utopia <strong>de</strong> Marx, na verda<strong>de</strong>,<br />
realiza a paixão dos liberais e jusnatu-<br />
ralistas, na medida em que esses, preo-<br />
cupados com os direitos individuais no<br />
seu confronto com a socieda<strong>de</strong>, não re-<br />
"Num país on<strong>de</strong> a lei é pre-<br />
texto para arbítrio e o arbí-<br />
trio motivo para lei; on<strong>de</strong> o<br />
direito é um privilégio <strong>de</strong><br />
poucos e o privilégio um di-<br />
reito contra muitos; falar-se<br />
em cidadania é um ato <strong>de</strong><br />
revolução".<br />
"Direitos <strong>de</strong> cidadania, en-<br />
tre nós, nunca serão ban-<br />
<strong>de</strong>iras do capital".<br />
velavam a limitação <strong>de</strong> seu discurso no<br />
interior <strong>de</strong> um contexto histórico- polí-<br />
tico on<strong>de</strong> apenas os proprietários po-<br />
<strong>de</strong>riam participar do "pacto social" e<br />
gozar <strong>de</strong> seus benefícios. Mesmo assim,<br />
a força <strong>de</strong> suas teses alimentou revo-<br />
luções e arrastou as massas à transfor-<br />
mação da condição medieval <strong>de</strong><br />
existência. E isso, no dizer <strong>de</strong> Marilena<br />
Chauí (14), graças aos "brancos", às<br />
"lacunas" entre as partes do discurso<br />
que o faziam po<strong>de</strong>roso e coerente na<br />
proporção que, exatamente por seu cu-<br />
nho i<strong>de</strong>ológico, não dizia tudo a todos -<br />
como, por exemplo, que ; na socieda<strong>de</strong><br />
do capital o direito à proprieda<strong>de</strong> só<br />
po<strong>de</strong> pertencer a alguns. Na lógica<br />
marxiana, somente com a superação da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes - que historica-<br />
mente redunda na superação do modo<br />
<strong>de</strong> produção capitalista - po<strong>de</strong> ser re-<br />
solvida a questão da distinção entre<br />
"homem" e "cidadão", consagrada na<br />
Declaração dos Direitos <strong>de</strong> 1789 e nas<br />
Constituições Republicanas contem-<br />
porâneas. Enquanto o direito à liber-<br />
da<strong>de</strong> é um direito do homem e consiste<br />
em po<strong>de</strong>r fazer tudo o que não prejudi-<br />
ca outrem, o direito à proprieda<strong>de</strong> é<br />
um direito do cidadão e significa, con-<br />
traditoriamente, <strong>de</strong>sfrutar os bens à sua<br />
vonta<strong>de</strong>, sem se importar com outrem,<br />
egoisticamente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />
socieda<strong>de</strong>. É esta "liberda<strong>de</strong>" indivi-<br />
dual <strong>de</strong> proprietário e não a liberda<strong>de</strong><br />
genérica do homem-total que constitui<br />
a estrutura da socieda<strong>de</strong> burguesa e faz<br />
com que cada um veja no outro não a<br />
realização, mas o limite da sua liberda-<br />
<strong>de</strong> - do homem e do "cidadão" , já que<br />
nem todos po<strong>de</strong>rão vir a sê-lo. Dialeti-<br />
camente, em Marx "a emancipação<br />
humana só se realizará quando o ho-<br />
mem INDIVIDUAL REAL (grifo nos-<br />
so) tiver absorvido o cidadão abstrato,<br />
quando, enquanto homem INDIVI-<br />
DUAL (i<strong>de</strong>m) na sua vida empírica, no<br />
seu trabalho individual, nas suas re-<br />
lações individuais, se tornar um ser<br />
genérico e quando,<strong>de</strong>ste modo, tiver<br />
reconhecido as suas forças próprias<br />
como forças sociais e ele próprio as ti-<br />
ver organizado como tais, e, por conse-<br />
guinte, quando já não afastará <strong>de</strong> si a<br />
força social sob forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r políti-<br />
co" (15). Talvez a única via para a re-<br />
cuperação da dimensão perdida da "ci-<br />
da<strong>de</strong>-obra" <strong>de</strong> Lefebvre, on<strong>de</strong> ao ho-<br />
mem na sua totalida<strong>de</strong> retornaria o<br />
"direito à cida<strong>de</strong>", o sentido urbano <strong>de</strong><br />
"festa", a sensação <strong>de</strong> possuir a cida<strong>de</strong>:<br />
ser CIDADÃO!<br />
A Cidadania como prática re-<br />
volucionária<br />
Por incrível que pareça, falar<br />
hoje em cidadania no Brasil, mesmo<br />
que limitando o conceito ao alcance<br />
permitido pelo i<strong>de</strong>ário burguês do sé-<br />
culo XVIII inscrito nas duas "Decla-<br />
rações" e consagrado nos vários textos<br />
constitucionais mo<strong>de</strong>rnos, ainda pro-<br />
voca reações em segmentos importan-<br />
tes <strong>de</strong>ntre aqueles que ainda se sentem,<br />
permita-nos Faoro o empréstimo do<br />
termo, "donos do po<strong>de</strong>r" - e, parado-<br />
xalmente, quando se vem <strong>de</strong> promulgar<br />
há pouco mais <strong>de</strong> um ano uma Carta<br />
Constitucional por muitos consi<strong>de</strong>rada<br />
como das mais avançadas do mundo em<br />
termos <strong>de</strong> direitos sociais. E por quê?<br />
A resposta a esta pergunta<br />
talvez a encontremos no brilhante en-<br />
saio <strong>de</strong> Francisco Weffort intitulado<br />
"Por que Democracia ?"(16). E, não<br />
por acaso, no âmbito <strong>de</strong> um argumen-<br />
to que trata do problema da consoli-<br />
dação da <strong>de</strong>mocracia brasileira - lem-<br />
bre-se que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos até aqui que<br />
<strong>de</strong>mocracia/cidadania são faces <strong>de</strong> uma<br />
mesma moeda: logo, a lógica weffortia-<br />
na também aqui é válida e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
utilida<strong>de</strong>.<br />
Weffort diz que o conserva-<br />
dorismo brasileiro nos legou uma con-<br />
cepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e uma idéia <strong>de</strong><br />
revolução profundamente autoritárias.<br />
67<br />
CUÍRA
em que a <strong>de</strong>mocracia não passa <strong>de</strong> "ins-<br />
trumento" à prática habitual do golpe;<br />
tão habitual que em nosso país golpe<br />
<strong>de</strong> Estado se chama "revolução". Nesse<br />
sentido, continua Weffort, "uma con-<br />
cepção autoritária^ <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia sig-<br />
nifica, além <strong>de</strong> certa preferência! pela<br />
ambigüida<strong>de</strong>, o gosto por doses maci-<br />
ças <strong>de</strong> cinismo"(17). Ambigüida<strong>de</strong> e ci-<br />
nismo se constituem, assim, no binô-<br />
mio que dá sentido (!) a um conceito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia segundo o qual esta é<br />
apenas um instrumento estratégico pa-<br />
ra se galgar o po<strong>de</strong>r, não uma meta<br />
política, um valor que aponta um fim e<br />
o justifica. E não é supérfluo acrescen-<br />
tar - muito pelo contrário - que esse<br />
perigo não é privilégio da direita !<br />
Mas o que se esperar <strong>de</strong> um<br />
país on<strong>de</strong> a cultura política <strong>de</strong> seu povo<br />
está alicerçada em quatrocentos anos<br />
<strong>de</strong> escravidão racial e social, além do<br />
que nos cem (apenas cem !) últimos<br />
restantes <strong>de</strong> história "civilizatória" - o<br />
mundo da República - o quadro não é<br />
menos "bárbaro" sob a própria lente<br />
do i<strong>de</strong>ário burguês (18). Bastaria to-<br />
marmos três exemplos - que na verda<strong>de</strong><br />
são apenas ângulos ou aspectos <strong>de</strong> um<br />
mesmo processo histórico <strong>de</strong> consti-<br />
tuição <strong>de</strong> nossa nacionalida<strong>de</strong> - <strong>de</strong> co-<br />
mo vem se dando as relações entre Es-<br />
tado e socieda<strong>de</strong> civil no Brasil neste<br />
último século, para termos uma idéia<br />
clara da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa tese: a) a<br />
.questão da terra_ (questão agrária); b) a<br />
questão partidária; c) a questão da<br />
.geslão do Estada Em outras palavras:<br />
o direito à proprieda<strong>de</strong> (terra), à repre-<br />
sentação e participação política, ao<br />
controle dos organismos <strong>de</strong> governo -<br />
três direitos clássicos <strong>de</strong> cidadania!<br />
a) A Questão Agrária<br />
A "Nova República", no ato<br />
<strong>de</strong> sua fundação com a eleição indireta<br />
<strong>de</strong> Tancredo Neves à presidência da<br />
República - candidato <strong>de</strong> oposição que<br />
era ao regime militar instaiaao no pais<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964 - <strong>de</strong>finiu como uma <strong>de</strong> suas<br />
metas prioritárias a "reforma agrária",<br />
ato político que tocaria no maior "en-<br />
clave" e tabu da história política do<br />
país, o latifúndio, que sobreviveria a<br />
todas as ditas "revoluções" ensaiadas<br />
no palco do teatro da vida nacional,<br />
quando não sustentou ele próprio - isto<br />
é, os interesses <strong>de</strong> classe subjacentes a<br />
essa estrutura econômica - os arreme-<br />
dos <strong>de</strong> mudanças "permitidas". O que<br />
passava <strong>de</strong>savisado no momemto das<br />
folias que saudavam o advento do "no-<br />
vo Brasil" (e quem <strong>de</strong> nós não curtiu<br />
68<br />
CUÍRA<br />
um pouquinho da festa ?) era que a<br />
meta mais "revolucionária" do Pro-<br />
grama <strong>de</strong> Governo traduzia, na prática,<br />
o seu "calcanhar <strong>de</strong> Aquiles". Não por<br />
acaso abortou.<br />
Recorrendo a estudos proce-<br />
didos por José <strong>de</strong> Souza Martins a res-<br />
peito da situação fundiária hodierna do<br />
País (19), po<strong>de</strong>mos verificar que a si-<br />
tuação é alarmante. Mais da meta<strong>de</strong><br />
dos estabelecimentos rurais tem menos<br />
<strong>de</strong> lOha. e dispõe <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> três por<br />
cento da terra; menos <strong>de</strong> um por cento<br />
dos estabelecimentos tem mais <strong>de</strong><br />
I(KM)ha. e dispõe <strong>de</strong> quase meta<strong>de</strong> da<br />
terra, isto sem falar que, no caso das<br />
pequenas proprieda<strong>de</strong>s, nem todas<br />
estão constituídas em terras próprias,<br />
quando imiito arrendadas, senão sim-<br />
plesmente ocupadas, sem título <strong>de</strong> pos-<br />
se. Aumentou na década <strong>de</strong> 70 a área<br />
disponível unicamente para os pro-<br />
prietários, o que resultou na formação<br />
ao longo <strong>de</strong> todo o território nacional<br />
<strong>de</strong> movimentos dos "Sem-Terra". Isso<br />
significa, para Martins, concentração<br />
da proprieda<strong>de</strong> e concentração da ex-<br />
ploração. E no interior <strong>de</strong>sse quadro<br />
dramático, tem sido a Amazônia o es-<br />
paço mais ilustrativo das tensões so-<br />
ciais geradas pelas estrutura fundiária<br />
vigente no País. Esta região, objeto <strong>de</strong><br />
planos governamentais <strong>de</strong> ocupação<br />
espacial por meio <strong>de</strong> incentivos a cor-<br />
rentes migratórias provenientes do<br />
Nor<strong>de</strong>ste, Sul e Su<strong>de</strong>ste, seja <strong>de</strong> zonas<br />
rurais como <strong>de</strong> urbanas (20), apresen-<br />
tou o maior índice <strong>de</strong> conflitos fundiá-<br />
rios ao longo dos anos 80. Só o Estado<br />
do Pará registra uma evolução extre-<br />
mamente preocupante do número <strong>de</strong>s<br />
assassinatos <strong>de</strong> trabalhadores rurais<br />
nos últimos doze anos (21).<br />
en<strong>de</strong>nte: em lugar <strong>de</strong> se colocar a dis-<br />
posição para colaborar na averiguação<br />
dos fatos, o Ministro da Justiça Paulo<br />
Brossard, preferiu dizer que se tratava<br />
<strong>de</strong> uma "ingerência" nos assuntos in-<br />
ternos do'País.<br />
b) O Sistema Partidário.<br />
À exceção do período atual -<br />
no qual se vislumbra pela primeira vez<br />
na história política do País a possibili-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> um sistema<br />
pluripartidário livre - o que se tem veri-<br />
ficado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a política regional das<br />
oligarquias da "República Velha" até o<br />
bipartidarismo biônico recente, é um<br />
sistema <strong>de</strong> organizações político-elei-<br />
torais <strong>de</strong> representação predominan-<br />
temente da classe empresarial rural e<br />
urbana. Os interesses das classes cam-<br />
ponesa e operária sempre estiveram<br />
sob controle da tutela estatal, quando<br />
não foram inviabilizados, no dizer <strong>de</strong><br />
Horácio Martins <strong>de</strong> Carvalho, "ora pe-<br />
la repressão policial-militar do Estado<br />
Autoritário ora pela marginalização<br />
dos setores i<strong>de</strong>ológicos que as po<strong>de</strong>-<br />
riam influenciar na prática ou na rei-<br />
vindicação <strong>de</strong> uma política potencial-<br />
mente contrária aos grupos econômi-<br />
cos e políticos dominantes"(22). Por<br />
outro lado, as arenas <strong>de</strong>cisórias a nível<br />
do parlamento sempre estiveram sob<br />
forte controle e pressão por parte do<br />
Executivo que, quando precisou fechar<br />
o Congresso (como o Presi<strong>de</strong>nte Geisel<br />
em 1977) para impor interesses escu-<br />
sos, nunca titubeou em fazê-lo. Tal in-<br />
terferência por parte <strong>de</strong> grupos que<br />
ANO 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 89 TOTAL<br />
TRABALHADORES<br />
ASSASSINADOS<br />
Em setembro <strong>de</strong> 1988, a Anis<br />
tia Internacional divulgava um relató-<br />
rio com o título: "BRASIL- VIOLÊN-<br />
CIA AUTORIZADA NAS ÁREAS<br />
RURAIS", no qual <strong>de</strong>nunciava <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong> casos <strong>de</strong> violação dos direitos da<br />
pessoa humana no campo e pedia pro-<br />
vidências para as autorida<strong>de</strong>s. A reação<br />
das autorida<strong>de</strong>s brasileiras foi surpre-<br />
09 06 06 15 34 15 20 30 25 64 71 45 30 420<br />
sempre utilizaram os aparelhos <strong>de</strong> Es-<br />
tado e os recursos públicos como "cosa<br />
nostra", patrimônio privado, levou a<br />
que a institucionalização da represen-<br />
tação política através dos partidos<br />
sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse e/ou fosse afetada<br />
pela dinâmica das tranformações pelas<br />
quais passou o Executivo, a ponto <strong>de</strong><br />
muitos dos partidos que tiveram in-
fluência no cenário político nacional,<br />
nos seus mais diversos momentos - co-<br />
mo o PSD e o PTB em 1945/1964 ou a<br />
ARENA e o MDB em 1964/1978 - te-<br />
rem sido engendrados a partir da ação<br />
direta do próprio governo, sem maior<br />
participação da socieda<strong>de</strong> civil (23).<br />
O fato é que o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento do sistema partidário brasileiro<br />
se processou discriminando sistemati-<br />
camente as aspirações das massas po-<br />
pulares. Quando o Estado não expur-<br />
gou organizações i<strong>de</strong>ologicamente <strong>de</strong>-<br />
claradas <strong>de</strong> oposição à or<strong>de</strong>m vigente -<br />
como o Partido Comunista (à exceção<br />
do curto período que vai <strong>de</strong> 1945 a<br />
1947) - sufocou prematoramente os<br />
movimentos sociais <strong>de</strong> base ou mesmo<br />
extinguiu o peróprio sistema <strong>de</strong> repre-<br />
sentação político-partidário, como<br />
ocorreu durante o "Estado Novo"<br />
(1937/1945). O bipartidarismo pós Ato<br />
Institucional n 0 !, <strong>de</strong> 1965, não passou<br />
<strong>de</strong> uma farsa que teve por objetivo<br />
manter artificilamente um canal insti-<br />
tucional <strong>de</strong> oposição consentida ao re-<br />
gime (no caso, o MDB), controlado pe-<br />
lo Executivo, e que cumpriu a terefa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> amenizar a imagem do Estado Au-<br />
toritário implantado a partir <strong>de</strong> 64.<br />
Em suma, como bem colocam<br />
Lamounier e Meneguello, "no Brasil, a<br />
instituição partidária é <strong>de</strong> certa forma<br />
tardia, e não se vincula estritamente a<br />
grupamentos sociais ou culturais bem<br />
<strong>de</strong>finidos, como em geral ocorreu na<br />
história européia" (24). Quanto à nova<br />
trajetória que vem sendo ensaiada a<br />
partir dos anos 80, com o atual sistema<br />
em vigência no País, preferimos por<br />
ora não tecer nenhum comentário em<br />
profundida<strong>de</strong>, mesmo proque ainda é<br />
muito cedo para sabermos o alcance da<br />
mudança.<br />
c) A Gestão do Estado: a<br />
usurpação como "lei"<br />
Dizia um jurista fascista dos<br />
anos 30, Francisco Campos: "tem lei<br />
que pega e tem lei que não pega". Tal<br />
fiase, carregada <strong>de</strong> significativo simbo-<br />
lismo, expressa muito bem o cinismo<br />
com que os po<strong>de</strong>res instituídos neste<br />
país sempre se conduziram no trata-<br />
mento da "coisa pública" que, em rea-<br />
lida<strong>de</strong>, nunca passou <strong>de</strong> um "espaço<br />
familiar" administrado em favor <strong>de</strong> in-<br />
teresses oligárquicos, cujo domínio e<br />
hegemonia sempre avalizaram repre-<br />
sentantes orgânicos a lembrarem aos<br />
adversários que, na gestão do Estado<br />
"privado", "aos amigos o pão, aos ini-<br />
migos o pau". Ou, <strong>de</strong> forma mais refi-<br />
nada, o dito atribuído a um político<br />
mineiro, com a mesma conotação: "aos<br />
amigos se faz justiça, aos inimigos se<br />
aplica a lei".<br />
Não é <strong>de</strong> hoje que a impuni-<br />
da<strong>de</strong> está garantida, por princípio, aos<br />
beneficiários dos crimes (crimes?) co-<br />
mo Coroa-Brastel, Tieppo, COSIPA,<br />
CAPEMI, DELFIM, VALEC, Naji<br />
Nahas etc. Os protetores e os protegi-<br />
dos <strong>de</strong>sses acordos já estão muito bem<br />
caracterizados em uma série <strong>de</strong> docu-<br />
mentários jornalísticos ultimamente<br />
publicados, e não precisa nenhum vôo<br />
teórico para se enten<strong>de</strong>r por que Gil-<br />
berto Dimenstein <strong>de</strong>nominou o Brasil<br />
<strong>de</strong> "República dos Padrinhos"(25).<br />
A verda<strong>de</strong> é que nossa histó-<br />
ria é a história das <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> civil, cercada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua ori-<br />
gem por uma estrutura escravocrata e<br />
discriminatória dos direitos da maioria,<br />
instaurada e reproduzida por inter-<br />
venção <strong>de</strong> um Estado militar, absolutis-<br />
ta e totalitário, com características in-<br />
clusive muito peculiares em relação a<br />
outros países da América Latina: para<br />
cá, transportou-se e resolveu fazer<br />
"morada" a própria Coroa, burocracia<br />
do país colonizador. Tal acontecimen-<br />
to, em nosso processo civilizatório, não<br />
<strong>de</strong>ve passar <strong>de</strong>spercebido) em toda a<br />
sua extensão, e serve para explicar mui-<br />
tos fenômenos que até hoje ocorrem -<br />
como a reprodução do "patrimonialis-<br />
mo" - e que têm certamente suas raízes<br />
na dominação colonial. O nosso Estado<br />
burguês não é o da Europa, que foi<br />
construído no bojo <strong>de</strong> uma luta ampla,<br />
<strong>de</strong> uma organização <strong>de</strong> classe que se<br />
impôs historicamente naquele conti-<br />
nente. Aqui, o Estado surgiu "<strong>de</strong> fora"<br />
pa;a "<strong>de</strong>ntro" e, po<strong>de</strong>mos dizer, foi o<br />
próprio artífice da socieda<strong>de</strong> burguesa<br />
nacional, até então inexistente.<br />
A fragilida<strong>de</strong> do material com<br />
que nossas instituições <strong>de</strong>mocráticas<br />
têm sido edificadas ao longo <strong>de</strong> nossa<br />
evolução política po<strong>de</strong> ser atestado pe-<br />
los freqüentes momentos <strong>de</strong> "curto-cir-<br />
cuito", nos quais geralmente os atingi-<br />
dos nunca são os donos do po<strong>de</strong>r, mas<br />
sim as classes populares. As "revo-<br />
luções pelo ato", gc pes ou tentativas<br />
<strong>de</strong> golpes se suce<strong>de</strong> am sem tréguas.<br />
Basta tomarmos o período republicano<br />
como exemplo:<br />
1889 - golpe militar / proclamação da<br />
República<br />
1930 - golpe militar / Getúlio Vargas<br />
ascen<strong>de</strong> ao po<strong>de</strong>r<br />
1932 - tentativa <strong>de</strong> restauração das ve-<br />
lhas oligarquias<br />
1935 - tentativa <strong>de</strong> rebelião militar sob<br />
direção comunista<br />
1937 - novo golpe <strong>de</strong> Estado / ditadura<br />
do Estado Novo<br />
1938 - tentativa <strong>de</strong> rebelião militar sob<br />
orientação integralista<br />
1945 - <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> Vargas do po<strong>de</strong>r<br />
1950 - tentativa <strong>de</strong> impedimento da<br />
posse <strong>de</strong> Vargas, <strong>de</strong>mocraticamente<br />
eleito para Presi<strong>de</strong>nte<br />
1954 - pressões militares levam Vargas<br />
ao suicídio<br />
1955 - tentativas <strong>de</strong> impedimento <strong>de</strong><br />
posse <strong>de</strong> Kubistchek , <strong>de</strong>mocraticane-<br />
te eleito Presi<strong>de</strong>nte<br />
69<br />
CUIRA
1961 - tentativa <strong>de</strong> impedimento da<br />
posse <strong>de</strong> João Goulart<br />
1964 - golpe militar / implantação do<br />
regime militar<br />
1967 - Costa e Silva assume pela força<br />
1969 - alijamento <strong>de</strong> Pedro Aleixo (vice<br />
<strong>de</strong> Costa e Silva) por uma junta militar<br />
1969 - imposição <strong>de</strong> Mediei pela força<br />
1977 - tentativa <strong>de</strong> golpe por Sílvio<br />
Frota (contra Geisel)<br />
Num país on<strong>de</strong> a lei é pretex-<br />
to para arbítrio e o arbítrio motivo pa-<br />
ra lei; on<strong>de</strong> o direito é um privilégio <strong>de</strong><br />
poucos e o privilégio um direito contra<br />
muitos, falar-se em cidadania é um ato<br />
<strong>de</strong> revolução!<br />
As revoluções que realmente<br />
se processaram na América Latina co-<br />
mo movimentos populares que subver-<br />
teram a or<strong>de</strong>m, antes <strong>de</strong> serem revo-<br />
luções pró-socialismo, foram revo-<br />
luções contra o imperialismo e pela<br />
afirmação dos direitos mínimos <strong>de</strong> ci-<br />
dadania <strong>de</strong> um povo. Enquanto os di-<br />
reitos individuais e a noção <strong>de</strong> cidada-<br />
nia pu<strong>de</strong>ram ser universalizados e as-<br />
similados pelas socieda<strong>de</strong>s burguesas<br />
dos países "centrais" - na medida em<br />
que essas orientaram a dinâmica do <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento capitalista à consti-<br />
tuição <strong>de</strong> seus mercados internos e à<br />
evolução do padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> suas po-<br />
pulações, inclusive da classe trabalha-<br />
dora - a or<strong>de</strong>m econômica mundial e a<br />
divisão internacional do trabalho <strong>de</strong>-<br />
corrente dos interesses hegemônicos<br />
países <strong>de</strong>sses con<strong>de</strong>nou às <strong>de</strong>mais<br />
nações, hoje chamadas "periféricas" - e<br />
que constituem o bloco "terceiro-<br />
mundista" - à condição <strong>de</strong> fornecedoras<br />
<strong>de</strong> matéria-prima e mão-<strong>de</strong>-obra bara-<br />
tas e que sustentaram a industriali-<br />
zação e a acumulação <strong>de</strong> capital dos co-<br />
lonizadores, em troca da exploração e<br />
da miséria <strong>de</strong> seus povos. Se Vinícius<br />
<strong>de</strong> Moraes, no poema "Operário em<br />
construção", ensina que "os pés do<br />
operário são as rodas do patrão" não<br />
menos correto é afirmar (e sem ne-<br />
nhum panfletismo) que o esplendor <strong>de</strong><br />
New York - com a estátua da Liberda-<br />
<strong>de</strong> - é a fome, o analfabetismo e os gri-<br />
lhões das massas latino-americanas.<br />
Falar em cidadania em nosso<br />
país é <strong>de</strong>spertar o povo para a tarefa <strong>de</strong><br />
lutar e reivindicar por direitos que co-<br />
locam em questão a própria orques-<br />
tração da exploração social que ainda<br />
se dá no plano internacional. Ou <strong>de</strong>se-<br />
jar, a gran<strong>de</strong> maioria, po<strong>de</strong>r ser consu-<br />
midora não significa exigir maior dis-<br />
tribuição <strong>de</strong> renda a nível interno e<br />
70<br />
CUIRA<br />
menos remessa <strong>de</strong> lucros para o estran-<br />
geiro? Mais serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e edu-<br />
cação, públicos, gratuitos e <strong>de</strong> qualida-<br />
<strong>de</strong>, não diminuiria as margens <strong>de</strong> <strong>de</strong>sti-<br />
nação corrupta das verbas públicas? E<br />
a aplicação menos parcial da lei, não<br />
revolucionária talvez a ocupação das<br />
ca<strong>de</strong>ias e as farsas consentidas dos tri-<br />
bunais? ^ .<br />
Direitos humanos, direitos do<br />
cidadão, meus senhores, neste país!...<br />
ainda arrepia e dá medo aos "padri-<br />
nhos" e "afilhados"..<br />
"Choque <strong>de</strong> Capitalis-<br />
mo"?...espanta latifundiário!<br />
Antes <strong>de</strong> Marx, Rousseau já<br />
cheira a comunista...<br />
Resta apenas uma certeza: as<br />
conquistas <strong>de</strong>mocráticas e os direitos<br />
<strong>de</strong> cidadania não serão nunca, entre<br />
nós, ban<strong>de</strong>iras do capital; terão <strong>de</strong> ser<br />
práfcas sustentadas pelos <strong>de</strong>spossuí-<br />
dos. Eis o sentido revolucionário <strong>de</strong>s-<br />
ses valores, hoje, no Brasil. A sua afir-<br />
mação se torna a única garantia a que<br />
gerações futuras não precisam fazer a<br />
experiência <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> nós e muitos<br />
dos que já se foram, retratada poetica-<br />
mente por Affonso Romano <strong>de</strong> San-<br />
ta'Anna:(26)<br />
"Na madrugada em que Getúlio<br />
se matou<br />
eu, no interior <strong>de</strong> Minas,<br />
dormia impunemente<br />
em adolescentes lençóis.<br />
Os pa<strong>de</strong>iros serviam pão<br />
nas janelas, e rios quintais<br />
os gaios serviam a aurora<br />
...O mais não me lembro.<br />
Foi um dia meio confuso<br />
com rádio, jornal e Juria,<br />
em que as lições eram dadas<br />
- fora dos muros da escola.<br />
Outros dias se seguiram<br />
com neblina, areia e espanto<br />
os pa<strong>de</strong>iros servindo o pão<br />
- para os parvos comensais<br />
e os gaios servindo a história<br />
- pela mão dos generais."<br />
Autor: Ale* Fiúza <strong>de</strong> Mello, professor do üepto. <strong>de</strong> Ciências Só<br />
cio-politicas do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Ciências Humanas da UFPa on<strong>de</strong> é<br />
pró-reitor <strong>de</strong> extensão.<br />
(*) Conferência proferida no XV Simpósio Nacional <strong>de</strong> História,<br />
sob promoção da ANPUH - Associação Nacional dos Professo-<br />
res Universitários <strong>de</strong> História. Belém, 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1989.<br />
(1) Agnes Heller, O cotidiano e a história, Ed Brasileira, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, 1972, pp.4.<br />
(2) Décio Saes, "A <strong>de</strong>mocracia burguesa e a lula operária", In<br />
Teoria & Política, n 0 2, Ed. Brasil Debates, Sào Paulo, 1980,<br />
pp.63<br />
(3) CB. Macpherson, A Teoria Política do Individualismo Pos-<br />
sessivo, Ed. Paz e Terra, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1979, pp. 14.<br />
(4) Op. cit., pp.15<br />
(5) Raymond Potím, "Indivíduo e Comunida<strong>de</strong>", in CG. Oulrino e<br />
M.T.R <strong>de</strong> Souza, O Pensamento Polílíco Clássico, TAQuelroz<br />
Ed., Sâo Paulo, 1980, pp. 134<br />
(6) Ibid. í<strong>de</strong>m.<br />
(7) Norberto Bobbio, Liberalismo e Democracia, 2 a Edição, Bra-<br />
silíense, Sâo Paulo, 1968, pp 11.<br />
(8) n. Bobbio, op. cit., pp. 13.<br />
(9) Erich Fromm, Conceito Marxista do Homme, Zahar ed.. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, 1979.<br />
(10) K. Marx, F. Engels,' A I<strong>de</strong>ologia Alemã, voi. I, Ed Presença.<br />
Lisboa, s/d.pp 80<br />
(11) Erich Fromm. op. clt.pp. 45.<br />
(12) Ibid I<strong>de</strong>m.<br />
(13) Ibid, I<strong>de</strong>m.<br />
(14) Marilena Chaui, Cultura e Democracia, Ed. Mo<strong>de</strong>rna, São<br />
Paulo, 1981, pp. 21/22.<br />
(15) Karl Marx, Textos Filosóficos. Editorial Estampa, Lisboa,<br />
s/d, pp.200/201<br />
(16) Francisco C. Weftort, Por que Democracia?, Ed. Brasillense,<br />
São Paulo, 1984<br />
(17) Francisco C Weffort, op. cit., pp.33<br />
(18) Náo por menos até hoje se discute na Aca<strong>de</strong>mia se houve<br />
ou náo aquilo que Florestan Fernan<strong>de</strong>s cunhou <strong>de</strong> "Revolução<br />
Burguesa no Brasil".<br />
(19) José <strong>de</strong> Souza Martins, Expropríação & Viotêcma, Ed. Hucí-<br />
tec, São Paulo, 1982<br />
(20) Estudo critico aconselhado a respeito do processo <strong>de</strong> colo<br />
nizaçáo da região amazônica se encontra in Jean Hebette e Ro-<br />
sa Acavado, Colonização para Quem?, NAEA/UFPa, série Pes-<br />
quisa n 0 1, Belém, 1979.<br />
(21) Fonte: Relatório <strong>de</strong> Conflitos 1988 Comissão Pastoral da<br />
Terra/Regional Norte II.<br />
(22) Horácio Martins <strong>de</strong> Carvalho, "O Caráter <strong>de</strong> Classe no Sis-<br />
tema Partidário Brasileiro", in Encontros com a Civilização Bra-<br />
sileira n^S, Ed Civilização Brasileira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1979, pp.<br />
120<br />
(23) Sobre o assunto, conferir Maria do Carmo C. <strong>de</strong> Souza, Es-<br />
tado e Partidos Políticos no Brasil, 2* ed , Ed. Alfa Omega. Sáo<br />
Paulo. 1983<br />
(24) Bolívar Lamounier e Rachel Meneguello. Partidos Políticos e<br />
Consolidação Democrática, Ed. Brasillense, Sáo Paulo. 1986.<br />
(26) Gilberto Dimenstoin, A República dos Padrinhos: chanta<br />
gem s corrupção em Brasília. Ed. Brasillense. Sáo Pauto, 1988<br />
(26) Poema 24 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1954
^P^A