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?fe^5"BSo^ - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

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Revista do Instituto Universida<strong>de</strong> Popular - Ano II - N 0 4<br />

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Ife-


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Instituto Universida<strong>de</strong> Popular<br />

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Fone: 224-9074 - CEP 66020 - Cx. Postal 1098<br />

Belém-Pará-Brasil<br />

CONSELHO DIRETIVO<br />

Diretoria Executiva<br />

Diretor Geral: Dario Schaeffer<br />

Secretaria Geral: Ivana Freitas<br />

COORDENAÇÃO DOS NÚCLEOS<br />

Curso Básico<br />

Aldalice Oterloo<br />

João Simões Filho<br />

Estudos Ecumênicos<br />

Rosa Marga Rothe<br />

Francisco Cetrulo<br />

Extensão<br />

Georgina Galvão<br />

Cristina Alcântara<br />

Cultura<br />

Wlad Lima<br />

Comunicação<br />

João Cláudio Arroyo<br />

Serviços Gerais<br />

Rubens do Vale<br />

Elgis Castro<br />

Conselho <strong>de</strong> Representantes<br />

CUT, CBB, FETAGRI, CPB, IECLB, IP AR,<br />

Igreja Anglicana, SDDH, FASE, CIPES,<br />

<strong>Centro</strong> 19 <strong>de</strong> Julho, CAMPOS, CPT,<br />

NAEA Proet/UFPa.<br />

Revista CUÍRA é uma publicação trimestral<br />

do Instituto Universida<strong>de</strong> Popular, <strong>de</strong> caráter<br />

formativo, que busca o <strong>de</strong>bate teórico e político<br />

sobre as questões <strong>de</strong> interesse dos movimentos<br />

sociais propondo-se como instrumento <strong>de</strong> ligação<br />

entre a prática e a teoria dos militantes que lutam<br />

por uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, sem explo-<br />

rações, opressões, injustiças e discriminações.<br />

As matérias assinadas não representam ne-<br />

cessariamente as posições da entida<strong>de</strong>.<br />

Edição: João Cláudio Arroyo<br />

Jornalista Responsável:<br />

José Maria Pedroso Piteira<br />

Reg Prof 888/DRT-Pa<br />

Fotos: Arquivo UNIPOP/Créditos<br />

Foto <strong>de</strong> capa: Hélio Machado<br />

Ilustrações: Nailson, Nonato e Paulo Teixeira<br />

Diagramação: Nailson Guimarães '<br />

Past-upiNailson Guimarães e Nonatd<br />

Projeto gráfico:<br />

PONTO DE VISTA<br />

Trav. Vilcta, Pass. Sáo José, 96<br />

Fone: 226-4110 - Marco - Belém-Pará<br />

SUMÁRIO<br />

Editorial. 04<br />

Cartas/Notas 06<br />

ECOLOGIA<br />

Amazônia: integração, caos e violência 10<br />

Camilo Vianna<br />

DIREITOS HCJMANOS<br />

índios: pelo direito à vida 14<br />

Roberto Zwetsch<br />

EDUCAÇÃO POPULAR<br />

3 anos formando: O curso básico no<br />

Projeto Unípop 20<br />

Aldalice Otterloo<br />

CONJUNTURA<br />

A culpa é do povo 24<br />

João Cláudio Arroyo<br />

MOVIMENTO SINDICAL<br />

Collor, o Bonapartismo e o Sindicalismo 28<br />

Ricardo Antunes<br />

MOVIMENTO POPULAR<br />

Meninos e meninas <strong>de</strong> rua.<br />

Marginalida<strong>de</strong>: Opção ou Imposição<br />

Noêmia Freitas Cavalcanti<br />

TEOLOGIA e POLÍTICA<br />

O céu e a terra nas eleições presi<strong>de</strong>nciais.<br />

Ainda um tema da atualida<strong>de</strong><br />

Heraldo Maués<br />

CULTURA<br />

A esterilização feminina: submissão voluntária.<br />

Suzanne Serruya Weyl<br />

INTERNACIONAL<br />

Estratégia do imperialismo Norte-americano<br />

para a América Latina: Santa Fé II<br />

ENTREVISTA<br />

Padre Bruno Secchi<br />

João Cláudio Arroyo<br />

TEORIA e ESTRATÉGIA<br />

A <strong>de</strong>mocracia partidária e a formação<br />

do militante revolucionário 62<br />

Flávio Valentim<br />

TEORIA e ESTRATÉGIA<br />

Cidadania: uma ban<strong>de</strong>ira revolucionária 64<br />

Alex Fiúza <strong>de</strong> Ateio<br />

Humor 71<br />

30<br />

40<br />

46<br />

50<br />

56


Quero a liberda<strong>de</strong><br />

Quero o Vinho e o Pão<br />

Quero ser amiza<strong>de</strong><br />

Quero amor prazer<br />

Quero nossa cida<strong>de</strong><br />

sempre ensolarada<br />

os meninos e o povo no po<strong>de</strong>r<br />

eu quero ver.<br />

Milton Nascimento<br />

eninos e Meninas <strong>de</strong> rua, substância<br />

do egoísmo que inunda as cida<strong>de</strong>s<br />

na medida em que transborda a míséna<br />

da periferia dos gran<strong>de</strong>s centros urbanos<br />

e do interior do país.<br />

Invan<strong>de</strong>m as praças, as rodoviárias,<br />

as feiras, as avenidas. Acumulam-se<br />

nos estacionamentos, nos semáforos,<br />

nos bares, ven<strong>de</strong>ndo chicletes, bugingangas,<br />

incomodando as "pessoas <strong>de</strong> bem".<br />

São milhões!<br />

São mais <strong>de</strong> 7 milhões os meninos<br />

e meninas que vivem na rua e da rua<br />

assaltando, passando drogas, pedindo<br />

esmolas, revirando o lixo e, trabalhando.<br />

O Governo não tem se arriscado a apresentar<br />

qualquer estatística que quantifique<br />

o "menor abandonado", mas este número<br />

consta no recente relatório da Anistia<br />

Internacional "Brasil, Crianças Vítimas<br />

<strong>de</strong> Assassinatos e Cruelda<strong>de</strong>s". Já o Movimento<br />

Nacional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua, a partir<br />

do levantamento informal <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s afins,<br />

trabalha com um número maior, algo superior<br />

a 30 milhões.<br />

São milhões. Mas ainda incomodam pouco,<br />

precisam incomodar muito mais, porque<br />

a imagem da criança abandonada<br />

é exatamente a representação <strong>de</strong> um país<br />

que abandonou o seu próprio futuro.<br />

A cara feia da realida<strong>de</strong> da criança<br />

e do adolescente abandonado é a síntese<br />

mais completa <strong>de</strong> todas as mazelas <strong>de</strong> nossa<br />

socieda<strong>de</strong>. A Dívida Externa, a concentração<br />

<strong>de</strong> renda, o analfabetismo, a imprevidência,<br />

a violência e a hipocrisia.<br />

É preciso incomodar mais, é preciso<br />

indignar-se. Mas, nem os sindicatos tratam<br />

<strong>de</strong>sta questão, os centros comunitários<br />

muito pouco, e acabamos reproduzindo<br />

as condições para que o "menor abandonado"<br />

fique cada vez menor e ainda mais abandonado.<br />

Com quem po<strong>de</strong>m contar?<br />

Incomodam muito pouco estes milhões.<br />

Insignificantes milhões.


CARTAS E NOTAS<br />

CARTA: Se "Violência Gera Violência", Entáo...<br />

O slogan que tinha como objeti-<br />

vo a <strong>de</strong>núncia, o alerta, se transforma<br />

em jargão para justificar os atos <strong>de</strong><br />

violência utilizados para controlar o<br />

crime; ou seja, os justiceiros se julgam<br />

os combatentes vorazes da criminalida-<br />

<strong>de</strong>. "Se o cara está violando a lei, os<br />

padrões <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong>, conseqüente-<br />

mente ele merece ser espancado, tortu-<br />

rado, humilhado em público por ter ge-<br />

rado a ira".<br />

Não estamos falando aqui dos<br />

esquadrões da morte organizados, ou<br />

dos justiceiros da Baixada Fluminense,<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Passe algumas tar<strong>de</strong>s nas redon-<br />

<strong>de</strong>zas do Palácio do Governo, praça D.<br />

Pedro II, Praça do Relógio, locais on<strong>de</strong><br />

há gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> mendigos,<br />

meninos <strong>de</strong> rua, alcoólatras, lúpen<br />

(marginalizados) da socieda<strong>de</strong>, ou ain-<br />

da "família trapo" e "pivetes", como<br />

são <strong>de</strong>nominados pelos comerciários<br />

da redon<strong>de</strong>za, e po<strong>de</strong>rá observar cenas<br />

chocantes. A avi<strong>de</strong>z dos últimos em<br />

proteger seus patrimônios repassa aos<br />

seus funcionários a preocupação cons-<br />

tante em estarem alertas a qualquer<br />

indício <strong>de</strong> perigo. Maior que a preocu-<br />

pação em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus direitos, tão<br />

<strong>de</strong>srespeitados; há a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

tectar "pivetes" cheirando cola às pro-<br />

ximida<strong>de</strong>s para imediatamente entrar<br />

em ação os patrões, geralmente os mais<br />

jovens, filhos, sobrinhos etc, que re-<br />

solvem testar sua pontaria, golpes <strong>de</strong><br />

karatê, ou po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um chute <strong>de</strong> "ma-<br />

cho" na cara do pobre coitado que foi<br />

pego. Chegando ao absurdo <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>-<br />

rem um ladrão por uma semana, numa<br />

casa <strong>de</strong>socupada (<strong>de</strong>les) para ser tortu-<br />

rado; ou ainda o próprio patriarca que<br />

<strong>de</strong> revólver em punho <strong>de</strong>sfila pela pra-<br />

ça. Os abusos cometidos por esses<br />

"<strong>de</strong>fensores da paz e/ou do patrimô-<br />

nio" não <strong>de</strong>ixa nada a <strong>de</strong>sejar às ações<br />

da polícia, que quando chega por lá<br />

consegue enfileirar <strong>de</strong> 20 a 30 menores<br />

para colocar no camburão, puxando pe-<br />

los cabelos, batendo no rosto, que-<br />

brando o nariz, a boca e assim por<br />

diante. E a comunida<strong>de</strong> local lembra<br />

saudosa <strong>de</strong> um torturador que chegava<br />

quebrando pra valer a moçada, e que<br />

nunca mais apareceu por lá.<br />

Auda Tavares.<br />

Fica a pergunta: a quem recor-<br />

rer? A quem <strong>de</strong>nunciar?<br />

A Constituição já garante direi-<br />

tos humanos fundamentais nas ruas,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988. No entanto, inconstitucio-<br />

nalida<strong>de</strong> e impunida<strong>de</strong> são dois princí-<br />

pios que permeiam e reforçam os atos<br />

<strong>de</strong> violência.<br />

Do relatório da Anistia Interna-<br />

cional^ revista "Istoé/Senhor" divulga<br />

na matéria "Outra vez. Brasil", a se-<br />

guinte <strong>de</strong>núncia: que "a tortura no<br />

Brasil é endêmica e que integrantes da<br />

polícia admitem tratar-se <strong>de</strong> uma das<br />

principais técnicas para solucionar<br />

crimes". Nos parece que a tese não tem<br />

como únicos <strong>de</strong>fensores integrantes da<br />

polícia, e, como já <strong>de</strong>u para observar,<br />

existem mais pessoas empenhadas nes-<br />

ta prática. E a conivência das autorida-<br />

<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>ixa nenhuma dúvida diante<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações do tipo: "Por que este<br />

<strong>de</strong>staque todo para o espancamento <strong>de</strong><br />

um marginal?" Pergunta proferida por<br />

uma autorida<strong>de</strong> local, conhecida <strong>de</strong> to-<br />

dos nós, quando questionado sobre<br />

<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> tortura.<br />

LIVROS:<br />

COMISSÃO DE FABRICA E TRABALHADORES NA<br />

INDÚSTRIA, <strong>de</strong> Iran Jácome Rodrigues*, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Editora Cortez/FASE.<br />

Leõncio Martins Rodrigues<br />

Em fins da década <strong>de</strong> 70, gran<strong>de</strong><br />

parte das greves da região do ABC pau-<br />

lista que assinalaram o retorno da classe<br />

trabalhadora à política brasileira foi di-<br />

rigida por um organismo relativamente<br />

novo no sindicalismo do país: as co-<br />

missões <strong>de</strong> fábrica. Algumas <strong>de</strong>ssas co-<br />

missões atuaram in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />

respectivo sindicato; outras mantiveram<br />

fortes contatos com o sindicato oficial.<br />

Esses novos organismos ,que às vezes<br />

atuavam na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, introduzi-<br />

ram um elemento <strong>de</strong> renovação <strong>de</strong> di-<br />

namismo não só no movimento sindical<br />

mas também em todo o sistema <strong>de</strong> ra-<br />

lações <strong>de</strong> trabalho brasileiro. Na medida<br />

em que as comissões que surgiram eram<br />

organismos não previstos na legislação<br />

sindical, sua atuação, à margem ou em<br />

colaboração com os sindicatos oficiais,<br />

a<br />

CUÍRA<br />

significou um elemento que tendia a mi-<br />

nar o mo<strong>de</strong>lo corporativo. As comissões<br />

<strong>de</strong> fábrica não necessariamente estavam<br />

subordinadas aos sindicatos oficiais. As-<br />

sim, abriam o caminho para um relacio-<br />

namento entre os trabalhadores e as em-<br />

presas que passava ao largo não apenas<br />

da estrutura sindical mas também do<br />

Ministério e da Justiça do Trabalho. As<br />

comissões <strong>de</strong> fábrica constituíram, <strong>de</strong>ste<br />

modo,um elementopertubador <strong>de</strong> todo<br />

o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho vigo-<br />

rante há muitos anos entre nós.<br />

O presente livro do Prof. Iran Já-<br />

come Rodrigues estuda uma das princi-<br />

pais experiências <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> co-<br />

missões <strong>de</strong> fábrica surgidas da movimen-<br />

tação operária ocorrida no Cobrar da<br />

década. Sua pesquisa, que analisa em<br />

<strong>de</strong>talhe o significado da comissão <strong>de</strong>fá-<br />

brica para a afirmação da dignida<strong>de</strong> dos<br />

trabalhadores <strong>de</strong> uma das principais<br />

montadoras do país, constitui um do-<br />

cumento essencial para a compreensão<br />

não só <strong>de</strong> um importante momento da<br />

trajetória <strong>de</strong> nosso sindicalismo como<br />

também dos problemas e dilemas que<br />

envolvem a atuação <strong>de</strong> uma comissão<br />

<strong>de</strong> fábrica.<br />

(■) Iran Jácome Rodrigues nasceu em Rio Branco-Acre. em<br />

1949 É formado em Ciências Sociais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo on<strong>de</strong> também obteve o titulo <strong>de</strong> mestre em Ciência Políti-<br />

ca. Atualmente faz o doutorado em Sociologia por esta mesma<br />

Universida<strong>de</strong>, É professor na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia e Admi<br />

nistraçáo da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo


DENÚNCIA:<br />

i ALBRÁS CONTAMINA MEIO AMBIENTE<br />

AO INICIAR PRODUÇÃO DA FASE II<br />

ODILENO RABELO MEIRELES.<br />

Doze mil homens da Construção<br />

Civil, contratados por empreiteiras, tra-<br />

balhando em ritmo acelerado na con-<br />

clusão da Fase II da fábrica <strong>de</strong> Barcare-<br />

na.<br />

Segundo <strong>de</strong>núncia dos trabalha-<br />

dores da Albrás, a empresa, para não<br />

atrasar o seu cronograma, iniciou o pro-<br />

cesso <strong>de</strong> produção da Fase II sem que o<br />

sistema <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> gases estivesse<br />

em operação.<br />

Além disso, na redução I (Proces-<br />

so Eletrolítico <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong><br />

Alumina em Alumínio), on<strong>de</strong> as cubas<br />

iío abertas, o sistema <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong><br />

gases já não vem funcionando, a<strong>de</strong>qua-<br />

damente há algum tempo.<br />

Em 15.05, a Técnica do DIESAT<br />

(Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estudos<br />

e <strong>Pesquisa</strong>s da Saú<strong>de</strong> e dos Ambientes<br />

<strong>de</strong> Trabalho), entida<strong>de</strong> que assessora o<br />

Sindicato dos Metalúrgicos do Pará, que<br />

tem o acesso às instalações da empresa<br />

garantido a qualquer momento, por for-<br />

ça do Acordo Coletivo da categoria,teve<br />

a entrada impedida pela gerência da fá-<br />

brica, que alegou não ser "momento pa-<br />

ra a realização do trabalho",porque a<br />

produção não se encontrava estabiliza-<br />

da, o que comprova que algo <strong>de</strong> muito<br />

estranho está ocorrendo no interior da<br />

fábrica, e que a empresa <strong>de</strong>sejava man-<br />

ter a situação oculta.<br />

A pressa em produzir a qualquer<br />

custo vem trazendo danos irreversíveis<br />

aos trabalhadores e ã produção da re-<br />

gião.<br />

Em algumas áreas, na direção dos<br />

ventos dominantes, as emissões <strong>de</strong> gases<br />

e materiais particulados, principalmente<br />

fluoretos, têm reduzido a níveis insignifi-<br />

cantes importante fonte <strong>de</strong> renda da po-<br />

pulação local - a'ativida<strong>de</strong> extrativista,<br />

em especial a da pupunha, que apodrece<br />

no pé, cheia <strong>de</strong> manchas negras, ficando<br />

impossibilitada a sua comercialização.<br />

Além disso, a lavoura em São<br />

Francisco do Con<strong>de</strong> está seriamente<br />

comprometida, porque apenas raízes em<br />

plantas rasteiras têm <strong>de</strong>senvolvimento<br />

normal. '<br />

Os trabalhadores, especialmeríte<br />

os envolvidos em tarefas mais pesadas,<br />

são tratados como peças <strong>de</strong>scartáveis.<br />

Uma vez gastos, quando sobrevivem, são<br />

atirados à margem e repostos.<br />

Em uma semana foram <strong>de</strong>mitidos<br />

cinco trabalhadores doentes do setor <strong>de</strong><br />

redução - todos com doenças causadas<br />

pelas péssimas condições <strong>de</strong> trabalho.<br />

Estes companheiros jamais en-<br />

contrarão outro emprego com as garan-<br />

tias trabalhistas respeitadas e a Pre-<br />

vidência Social não lhes garante qual-<br />

quer compensação.<br />

São homens jovens, todos com<br />

família, que serão obrigados a sobreviver<br />

na miséria, à custa <strong>de</strong> biscastes, sempre<br />

que a doença o permitir.<br />

Quando os trabalhadores come-<br />

çam a ser afastados repetidamente por<br />

doença, a empresa propõe um acordo:<br />

oferece-lhes três meses <strong>de</strong> salário para<br />

que aceitem a <strong>de</strong>missão sem criar pro-<br />

blemas.<br />

Assim, livra-se <strong>de</strong> "um peso mor-<br />

to", <strong>de</strong> "mão-<strong>de</strong>-obra que não produz''.<br />

Na gran<strong>de</strong> pressa <strong>de</strong> produzir -<br />

tocando a obra da Fase II noite e dia -<br />

onze trabalhadores da Construção Civil<br />

per<strong>de</strong>ram a vida - quatro nos últimos<br />

seis meses.<br />

Em 12 ou 13 <strong>de</strong> maio, mais um<br />

aci<strong>de</strong>nte grave vitimou dois trabalhado-<br />

res da Construção. Um <strong>de</strong>les encontra-se<br />

hospitalizado com 70% do corpo quei-<br />

mado.<br />

O Sindicato dos Metalúrgicos do<br />

Pará vem <strong>de</strong>nunciar a propaganda <strong>de</strong>-<br />

magógica da Albrás, <strong>de</strong>senvolvida<br />

através <strong>de</strong> pseudo-Benefícios Sociais<br />

Campanhas Milionárias <strong>de</strong> Segurança<br />

do Trabalho e Meio Ambiente, enquanto<br />

que na realida<strong>de</strong> enormes prejuízos vêm<br />

sendo causados à população local e aos<br />

trabalhadores.<br />

Os fluoretos são especialmente<br />

perigosos para crianças e adolescentes,<br />

pois, além <strong>de</strong> provocarem doenças respi-<br />

ratórias, causam <strong>de</strong>formações ósseas ir-<br />

reversíveis.<br />

Consi<strong>de</strong>rando que esta situação<br />

alcançou o limite da tolerabilida<strong>de</strong>, o<br />

Sindicato dos Metalúrgicos do Estado do<br />

Pará, além <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong> imediato medi-<br />

das jurídicas cabíveis, está recebendo a<br />

solidarieda<strong>de</strong> das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Proteção<br />

da Saú<strong>de</strong> e Meio-Ambiente e <strong>de</strong> Defesa<br />

dos Direitos Humanos, no sentido <strong>de</strong><br />

discutir o encaminhamento <strong>de</strong> Ações<br />

Conjuntas <strong>de</strong> luta contra esses abusos.<br />

CUIRA


DOSSIÊ COLÔMBIA URGENTE<br />

SISAC<br />

O Serviço Informativo Sobre<br />

América Central - SISAC - acaba <strong>de</strong><br />

lançar o DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />

GENTE, que tem por objetivo divulgar<br />

no Brasil informações sobre a realida<strong>de</strong><br />

colombiana e promover a solidarieda<strong>de</strong><br />

com o povo <strong>de</strong>sse país.<br />

O DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />

GENTE <strong>de</strong>smistifica a fachada <strong>de</strong>mo-<br />

crática que os governos tentaram su-<br />

cessivamente passar para a comunida<strong>de</strong><br />

internacional, aprofunda o problema<br />

do narcotráfico, <strong>de</strong>nuncia a sistemática<br />

violação dos direito humanos, revela<br />

um movimento popular muito atuante<br />

e freqüetemente reprimido com ex-<br />

8<br />

PORÃO CULTURAL<br />

ÇTM você é o ator<br />

proposta do Po ^°- dor Lemos<br />

l^K^—SoeDom<br />

Pedro, bem perto da Praç^<br />

Brasil) ou ligue praUNIPO^n<br />

224-9074.<br />

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IMWTO ESPECIAL<br />

CUÍRA<br />

Ca<strong>de</strong>rnos SISAC n 0 2, SISAC, São Paulo, 1990,<br />

Ilustrado, 21,5 x 31,5 cm, 146 páginas.<br />

trema violência, mostra o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento dos grupos paramilitares e como<br />

prestam serviços ao Estado e ao narco-<br />

tráfico, percorre a trajetória da Igreja<br />

institucional e da Igreja dos Pobres,<br />

apresenta as organizações partidárias e<br />

guerrilheiras colombianas e termina<br />

com uma análise <strong>de</strong> conjuntura.<br />

Este profundo trabalho <strong>de</strong> pes-<br />

quisa acaba por revelar-nos um país<br />

<strong>de</strong>sconhecido e calado à força. Um país<br />

com problemas <strong>de</strong> extrema complexi-<br />

da<strong>de</strong> e difícil solução. Um povo que<br />

busca na paz a saída para a sua crise e<br />

necessita da solidarieda<strong>de</strong> internacio-<br />

nal para ajudá-lo a conquistá-la.<br />

O DOSSIÊ COLÔMBIA UR-<br />

GENTE, publicado pelo SISAC, com a<br />

colaboração do Comitê <strong>de</strong> Soladarie-<br />

da<strong>de</strong> com a Colômbia, po<strong>de</strong> ser adqui-<br />

rido no seguinte en<strong>de</strong>reço:<br />

SISAC : Rua Professor Sebastião Soares <strong>de</strong> Faria, 57 - 6 o andar<br />

01317 - São Paulo - SP - Brasil - Tel.: (011) 284-6220<br />

Caixa-Poslal 65.031 - CEP 01390 - Sáo Paulo ■ SP<br />

PREÇO: 9 BTN F (individual)<br />

12 BTN F (entida<strong>de</strong>)<br />

:Co.- , y inI Cuinchar: "v^e<br />

cuwha» lu- r;a '' irr;t3noo uma vara <strong>de</strong><br />

f0meS. A Danr., p 835 v. crueíM Ui.<br />

. - , . -rvi !t!r ; V ' o'oi-- - ■' ^<br />

eu n^*^" 11 -• i r «, «rjK V «nhuma.<br />

cyipuna. lOo U-O' .<br />

^'"^^Ad^K^as.. Am/- Q^ "ào pâ^<br />

rrx^----- : " re


PEÇA AS PUBLICAÇÕES<br />

Esta seqüência dos Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong><br />

Formação Política da UNIPOP foi<br />

produzido pelos participantes do<br />

Curso Básico/90 em exercício prático<br />

<strong>de</strong> compreensão do conteúdo <strong>de</strong>ba-<br />

tido.<br />

Este trabalho visa oferecer auxilio<br />

a monitores e li<strong>de</strong>ranças na dis-<br />

cussão sobre a evolução da estrutu-<br />

ra social e na formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong><br />

base.<br />

DA UNIPOP<br />

ATENÇÃO: NO caso <strong>de</strong> pedidos em ata-<br />

cado para entida<strong>de</strong>s, aceitamos popos-<br />

tas.<br />

UNIPOP - Av. Senador Lemos, 557 - CEP 66020 ■ Cx.<br />

Postal 1098 - Belém-Pará Fone: (091)224-9074<br />

1 Desejo receber as publicações indicadas abaixo,<br />

J e para isso segue cheque em nome da Unipop.<br />

1<br />

1 Cód.<br />

1 Dhs<br />

O livro Momento Novo <strong>de</strong> Canto e<br />

Luta reúne 197 cantos surgidos nas<br />

igrejas e na música popular brasilei-<br />

ra. Inclue ainda poesias, citações,<br />

ilustrações e fotografias.<br />

CANTOS ECUMÊNICOS<br />

Momento<br />

Novo <strong>de</strong><br />

Canto e Luta<br />

A minha boca se<br />

escancara alegre<br />

contra meus inimigos<br />

I Sam 2.1<br />

Núcleo <strong>de</strong> Estudos Ecumênicos<br />

Instituto Universida<strong>de</strong> Popular<br />

L002<br />

Fnri TPI<br />

1 Cheque NP Banco/Ag.:<br />

C005 - Socieda<strong>de</strong> Pnm t a '" Cr$ 2 00,<br />

C006 - Sociedari* ^ mrt,Va " «>$ 200<br />

C0 08 - Socieda<strong>de</strong> can> a ■' Cr$ 20 0.<br />

-r—____ e Ca P"a/.sta - Cr$200<br />

■ .


ECOLOGIA<br />

Amazônia: Integração,<br />

Caos e Violência.<br />

Caracterizado por brutal<br />

agressão ambiental, social e<br />

humana, o ufamsticamente<br />

<strong>de</strong>nominado processo <strong>de</strong> in-<br />

tegração da Amazônia brasileira,<br />

<strong>de</strong>liberadamente colocada à mar-<br />

gem <strong>de</strong> fatos e acontecimentos que<br />

fazem a história <strong>de</strong> nosso país, não<br />

passa <strong>de</strong> insensatez ou insanida<strong>de</strong><br />

total e absoluta dos seus i<strong>de</strong>alizado-<br />

res e executores.<br />

A longa expectativa <strong>de</strong> to-<br />

do o povo brasileiro por uma inte-<br />

gração harmoniosa, está sendo frus-<br />

trada em todos os aspectos por essa<br />

verda<strong>de</strong>ira anexação forçada e exe-<br />

cutada a ferro e fogo. Falando-se<br />

em respeitar não só a natureza da<br />

região, que seria o FUTURO CE-<br />

LEIRO DO MUNDO E BERÇO<br />

DE CIVILIZAÇÕES, como<br />

também valores culturais ainda pra-<br />

ucamente <strong>de</strong>sconhecidos em sua<br />

imensa maioria, o <strong>de</strong>sperdício pare-<br />

ce ser a norma obrigatória da tão<br />

esperada integração. Sonho este<br />

acalentado ao longo dos séculos, a<br />

partir da viagem exploratória do<br />

conquistador espanhol Francisco<br />

Orellana e <strong>de</strong> seus companheiros,<br />

que se diziam empenhados na busca<br />

não só do PAÍS DA CANELA, do<br />

REINO DO ELDORADO e, quem<br />

sabe, do IMPÉRIO DAS AMA-<br />

ZONAS, quando na realida<strong>de</strong> tudo<br />

leva a crer que estavam apenas na<br />

procura do metal dourado que vem<br />

enlouquecendo os homens ao longo<br />

dos tempos.<br />

A partir daí, a não ser o<br />

inimaginável furor predatório <strong>de</strong><br />

agora, nada parece haver mudado.<br />

A avi<strong>de</strong>z do lucro imediato continua<br />

representando estímulo maior da<br />

ocupação da "REGIÀO ESPLEN-<br />

DOROSA". Só que as <strong>de</strong>nominadas<br />

"drogas do sertão" <strong>de</strong> outrora, que<br />

estimularam piratas, bucaneiros,<br />

10<br />

CUÍRA<br />

O pulmão do ntundo fl<br />

,tP. resistindo ^ P rus __A,l7 na<br />

busco do te "'"L .fc wcgmçoo-<br />

P meKiemataam


amazônidas, assim como outros<br />

exemplares da fauna, alguns sob<br />

ameaça <strong>de</strong> extinção. Gigantescos<br />

projetos graciosamente rotulados <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimentistas na realida<strong>de</strong><br />

não passam <strong>de</strong> focos <strong>de</strong> problemas,<br />

pela incrível capacida<strong>de</strong> predatória<br />

que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam.<br />

Supermineradoras retiram<br />

bens naturais e apenas uma <strong>de</strong>las se<br />

assenhoreou <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10% do ter-<br />

ritório nacional, exatamente on<strong>de</strong><br />

se situam as maiores reservas <strong>de</strong> di-<br />

ferentes minérios do mundo inteiro.<br />

Em recente e rápida visita<br />

que fez ao Projeto Gran<strong>de</strong> Carajás,<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República elogiou<br />

fartamente o empreendimento, <strong>de</strong>s-<br />

conhecendo publicações técnico-<br />

científicas do Instituto <strong>de</strong> Desenvol-<br />

vimento Econômico e Social do Es-<br />

tado do Pará, assim como parecer<br />

<strong>de</strong> técnico <strong>de</strong> po<strong>de</strong>roso banco in-<br />

ternacional que patrocina a obra fa-<br />

raônica , dando como praticamente<br />

inviável a empreitada, publicado em<br />

todos os jornais do país, reforçando<br />

a opinião dos técnicos do IDESP.<br />

Servindo como pólo <strong>de</strong><br />

atração, esses verda<strong>de</strong>iros enclaves<br />

nacionais ou multinacionais, são ro-<br />

<strong>de</strong>ados por verda<strong>de</strong>iros cinturões <strong>de</strong><br />

miséria e <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação, com a frágil<br />

argumentação <strong>de</strong> que seriam gera-<br />

dores <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> empregos,<br />

quando na realida<strong>de</strong>, retiram o ho-<br />

mem da região do seu local <strong>de</strong> vida,<br />

trabalho e alimentação, transfor-<br />

mando-o peões e migrantes, para a<br />

periferia dos centros populacionais<br />

maiores, tornando as cida<strong>de</strong>s<br />

amazônicas praticamente inadminis-<br />

tráveis. Tais enclaves acabam apre-<br />

sentando as características <strong>de</strong> alie-<br />

nação à cultura e à realida<strong>de</strong> regio-<br />

nal, com todas as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

cida<strong>de</strong> fortificada, on<strong>de</strong> a separação<br />

em categorias, i<strong>de</strong>ntifica na Amazô-<br />

nia brasileira, uma espécie <strong>de</strong> "apa-<br />

rheid caboclo".<br />

Vale lembrar que a Serra<br />

dos Camarões, da Mineração Vale<br />

do Rio Doce, alar<strong>de</strong>ada como áas<br />

maiores minas, não só do país, como<br />

do mundo inteiro, nem sequer pos-<br />

sui cemitério e, nos casos <strong>de</strong> óbito<br />

do escalão superior, seus restos<br />

mortais são encaminhados <strong>de</strong> volta<br />

para o lugar <strong>de</strong> origem e os <strong>de</strong> nível<br />

inferior são sepultados nas comuni-<br />

da<strong>de</strong>s periféricas ao projeto.<br />

A construção <strong>de</strong> uma fer-<br />

rovia <strong>de</strong> Carajás a Itaqui, na costa<br />

do Maranhão, com aproximadamen-<br />

te 1.000 km <strong>de</strong> extensão, <strong>de</strong>u como<br />

resultante gigantesca <strong>de</strong>vastação<br />

que se per<strong>de</strong> na linha do horizonte<br />

<strong>de</strong> cada lado da ferrovia ,que trans-<br />

portou, somente no ano passado, 33<br />

milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> minério <strong>de</strong><br />

ferro para fora da região.<br />

O complexo si<strong>de</strong>rúrgico,<br />

ainda em construção, <strong>de</strong> ferro-guza<br />

que usa exclusivamente carvão ve-<br />

getal da mata nativa, já se caracteri-<br />

za como <strong>de</strong> alta predação e, o que é<br />

muito mais grave, fez retirar dos<br />

seus lugares <strong>de</strong> origem e produção<br />

<strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> alimento, milhares<br />

<strong>de</strong> migrantes,,que em ativida<strong>de</strong> diu-<br />

turna estão violentando sua própria<br />

saú<strong>de</strong> nesse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, ,que é<br />

e xeculada sem nenhuma proteção,<br />

ao mesmo tempo que os responsá-<br />

veis por essa situação trágica pro-<br />

curam ludibriar a opinião pública<br />

nacional e internacional, afiançando<br />

em relatórios suntuosos ou <strong>de</strong>cla-<br />

rações habilmente feitas que o<br />

combustível dos fornos seria res-<br />

tos <strong>de</strong> serrarias. Neste particular,<br />

outra violentação ambiental,<br />

econômica e social po<strong>de</strong> ser idcnli-<br />

ficada com extrema facilida<strong>de</strong> c diz<br />

respeito a <strong>de</strong>rrubada da castanheira<br />

para exportação da ma<strong>de</strong>ira.<br />

"Não respeitando a cultura<br />

e a realida<strong>de</strong> regional, os<br />

gran<strong>de</strong>s projetos produzem<br />

cida<strong>de</strong>s fortificadas on<strong>de</strong> a<br />

separação em categorias<br />

i<strong>de</strong>ntifica na Amazônia bra-<br />

sileira uma espécie <strong>de</strong><br />

apartheid caboclo."<br />

apesar <strong>de</strong> ser espécime silvestre,<br />

gran<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong> divisas, imune<br />

ao corte por Decreto Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Com vistas à produção e,<br />

principalmente, exportação <strong>de</strong> hi-<br />

dróeletricida<strong>de</strong>, a construção das gi-<br />

gantescas e faraônicas i hidrelétricas<br />

representam agressão brutal e preo-<br />

cupante, além <strong>de</strong> incríveis erros da<br />

engenharia nacional, como foi o ca-<br />

so reconhecido publicamente pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República em relação<br />

a Balbina ,no rio Uatumã, no Estado<br />

do Amazonas, on<strong>de</strong> um arremedo<br />

<strong>de</strong> centro <strong>de</strong> pesquisas está sendo<br />

construído.<br />

Cortando um dos maiores<br />

rios do mundo <strong>de</strong> margem a mar-<br />

gem, a hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí, no<br />

Estado do Pará, resultou em severo<br />

problema social e humano, no cha-<br />

mado Baixo Tocantins paraense. Os<br />

i<strong>de</strong>alizadores e construtores da hi-<br />

drelétrica, por <strong>de</strong>sconhecimento,<br />

ignoram a fauna aquática e o pró-<br />

prio ribeirinho, na ânsia <strong>de</strong> produzir<br />

eletricida<strong>de</strong>, principalmente para a<br />

indústria <strong>de</strong> alumínio da Albrás, no<br />

município <strong>de</strong> Barcarena, às proxi-<br />

mida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Belém. E, a partir do fe-<br />

chamento da represa, o alimento tí-<br />

pico do ribeirinho está diminuindo<br />

sensivelmente, em quantida<strong>de</strong> e ta-<br />

manho, uma vez que outras espécies<br />

não conseguem atravessar a barrei-<br />

ra <strong>de</strong> concreto e aço. O mapará,<br />

alimento do dia-a-dia, que em anos<br />

anteriores chegava a ser exportado,<br />

para fora do Estado, está <strong>de</strong>sapare-<br />

cendo Irapidamenle, tal qual a pi-<br />

ramulaba na foz e o camarão rosa<br />

na costa norte, levando a um estado<br />

<strong>de</strong> fome que é hoje encontradiço<br />

em milhares e milhares <strong>de</strong> (amazôni-<br />

das ribeirinhos.<br />

Outro problema sumamen-<br />

te grave e que nem sequer vem sen-<br />

do consi<strong>de</strong>rado pelas autorida<strong>de</strong>s<br />

chamadas "competentes", a não ser<br />

com medidas inóquas, é a poluição<br />

dos rios que já está em pleno anda<br />

mento-nãosó nos chamados rios <strong>de</strong><br />

ouro, como nos lugares <strong>de</strong> queima<br />

do minério amarelo e das minas <strong>de</strong><br />

terra firme.<br />

Até mesmo rios gigantes-<br />

cos, como conseqüência da mine-<br />

ração <strong>de</strong>senfreada nas margens e no<br />

leito, apresentam poluição física, re-<br />

sultante das dragas e das bombas,<br />

' li<br />

CUÍRA


modificando a própria biologia <strong>de</strong>s-<br />

ses cursos d'água, que complemen-<br />

tam outro aspecto muito mais grave<br />

e <strong>de</strong> difícil solução que é a ativida<strong>de</strong><br />

garimpeira, uma vez que nem o nú-<br />

mero correto <strong>de</strong> garimpeiros chega<br />

a ser conhecido e - pelas infor-<br />

mações variam <strong>de</strong> 600 mil a 2 mi-<br />

lhões. Outro aspecto altamente ne-<br />

gativo da mineração na Amazônia,<br />

afora o contrabando, que parece ser<br />

permitido, é o uso do mercúrio para<br />

separar, por lavagem ou queima, o<br />

ouro do amálgama. Através da res-<br />

piração ou da alimentação, uma vez<br />

que nos cursos d'água o azougue,<br />

como é também chamado, entra na<br />

ca<strong>de</strong>ia alimentar. A doença <strong>de</strong> Mi-<br />

namata, já foi diagnosticada e a<br />

catástrofe, a doença do mercúrio, a<br />

consi<strong>de</strong>rar o que já ocorreu não só<br />

no Japão, como em outros países, já<br />

"O alimento típico do ribei-<br />

rinho está diminuindo<br />

sensivelmente, uma vez que<br />

outras espécies não conse-<br />

guem atravessar a barreira<br />

<strong>de</strong> concreto e aço que é a<br />

hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí."<br />

está em andamento. Até o momen-<br />

to, qualquer iniciativa para impedir<br />

o surgimento catastrófico da doença<br />

do mercúrio ou <strong>de</strong> Minamata, é me-<br />

ramente simbólico, apesar das cons-<br />

tantes, contun<strong>de</strong>ntes e angustiantes<br />

<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> técnicos nacionais e<br />

internacionais e, particularmente,<br />

<strong>de</strong> integrantes do grupo <strong>de</strong> trabalho<br />

da Comissão Executiva <strong>de</strong> Meio<br />

Ambiente da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Pará e da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Preser-<br />

vação dos Recursos Naturais c Cul-<br />

turais da Amazônia (SOPREN).<br />

A <strong>de</strong>vastação da mata ciliar<br />

e as doenças, principalmente a cha-<br />

mada malária garimpeira, campeiam<br />

livremente nos garimpos da<br />

Amazônia brasileira, agravadas, re-<br />

centemente, com o esvaziamento da<br />

superitendência <strong>de</strong> campanhas.<br />

12<br />

CUIRA<br />

A trágica história da árvore<br />

da borracha, já ultrapassando dois<br />

séculos <strong>de</strong> existência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi<br />

retirada com permissão governa-<br />

mental e levada do Tapajós para<br />

dar origem aos seringais nativos do<br />

su<strong>de</strong>ste asiático, via Museu Botâni-<br />

co <strong>de</strong> Londres, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra-<br />

da causa básica e fundamental <strong>de</strong><br />

toda essa catástrofe, talvez sem pa-<br />

ralelo na história da humanida<strong>de</strong>, a<br />

continuar com a impetuosida<strong>de</strong> co-<br />

mo vem se <strong>de</strong>senvolvendo, <strong>de</strong> nada<br />

adiantando as tímidas argumen-<br />

tações governamentais <strong>de</strong> que a<br />

<strong>de</strong>vastação até agora levada a cabo<br />

representa mo<strong>de</strong>sta cicatriz no seio<br />

da mata amazônica.<br />

Os dados <strong>de</strong>sencontrados<br />

sobre o percentual já <strong>de</strong>vastado são<br />

outra face da <strong>de</strong>sinformação exis-<br />

tente, talvez <strong>de</strong>liberadamente, para<br />

encobrir ou mesmo mascarar algu-<br />

ma informação que justifique <strong>de</strong>sa-<br />

certo <strong>de</strong> tal envergadura. E preciso<br />

consi<strong>de</strong>rar que a própria concei-<br />

tuação <strong>de</strong> Região Amazônica brasi-<br />

leira se presta a confusões, uma vez<br />

que a chamada Amazônia Clássica<br />

ou Região Norte abrange perto <strong>de</strong><br />

3 milhões <strong>de</strong> quilômetros quadrados<br />

e a Amazônia dita Legal, resultante<br />

<strong>de</strong> Decreto governamental, no iní-<br />

cio dos anos 50, alarga essa ex-<br />

tensão para 5 milhões <strong>de</strong> Km2<br />

abarcando terras do nor<strong>de</strong>ste situa-<br />

das no Maranhão e amplas ex-<br />

tensões do <strong>Centro</strong>-Oeste, represen-<br />

tadas por Mato Grosso e Goiás.<br />

Mais recentemente, a inclusão do<br />

Estado do Tocantins dificulta me-<br />

lhor compreensão da Amazônia<br />

Brasileira.<br />

A ampliação da região<br />

amazônica resultou <strong>de</strong> artifícios<br />

políticos, que originaram verda<strong>de</strong>i-<br />

ros super-ministérios, através dos<br />

chamados incentivos fiscais, que<br />

acabaram criando na área <strong>de</strong> in-<br />

fluência da Amazônia Legal uma si-<br />

tuação verda<strong>de</strong>iramente caótica, <strong>de</strong>-<br />

senca<strong>de</strong>ando todo um processo <strong>de</strong><br />

corrupção,, praticamente incon-<br />

trolável, estimulando instrumentos<br />

predadores, cuja priorida<strong>de</strong> parece<br />

ser a da pecuária, existindo hoje<br />

mais <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong><br />

solos <strong>de</strong>gradados.<br />

O surto rodoviário a partir<br />

da super-estrada Belém-Brasília foi<br />

outro mecanismo predador <strong>de</strong> ex-<br />

cepcional importância, pois através<br />

<strong>de</strong>le a colonização <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada<br />

acabou funcionando como instru-<br />

mento <strong>de</strong> uma agressão <strong>de</strong> inquie-<br />

tante eficiência e, a especulação <strong>de</strong><br />

terra alcança índices surpreen<strong>de</strong>n-<br />

tes, atingindo terras indígenas e <strong>de</strong><br />

moradores tradicionais, além daque-<br />

las do Estado.<br />

O resultado mais imediato<br />

da situação caótica por que atraves-<br />

sa a Amazônia brasileira é a violên-<br />

cia, particularmente no sul do Pará,<br />

chegando a repercutir no exterior e<br />

diferenciando-se das quadrilhas or-<br />

ganizadas que atuam no Rio <strong>de</strong> Ja-<br />

neiro, São Paulo e Minas, por serem<br />

grupos armados por gran<strong>de</strong>s pro-<br />

prietários <strong>de</strong> terra.<br />

Todas as evidências indi-<br />

cam ser a Amazônia não só passa-<br />

gem do narcotráfico, mas também<br />

como produção, comercialização, e<br />

uso <strong>de</strong> droga em seus principais<br />

centros urbanos e área <strong>de</strong> interiora-<br />

nos.<br />

A migração do homem ru-<br />

ral, expulso <strong>de</strong> sua terra em busca<br />

<strong>de</strong> melhores dias, cria severos pro-<br />

blemas administrativos nas comu-<br />

nida<strong>de</strong>s amazônicas <strong>de</strong> todos os por-<br />

tes, <strong>de</strong>smantelando as ativida<strong>de</strong>s bá-<br />

sicas do hileiano.<br />

Excluindo os chamados<br />

brazilianista" ou seja, estrangeiros<br />

que se <strong>de</strong>dicam a escrever ou rees-<br />

crever a história do Brasil e da<br />

Amazônia, já é possível i<strong>de</strong>ntificar<br />

um tipo <strong>de</strong> literatura <strong>de</strong> lavra <strong>de</strong><br />

pretensos conhecedores da região,<br />

que, confundindo a opinião pública<br />

nacional e internacional, conse-<br />

gue promover seus responsáveis,<br />

caracterizando uma espécie <strong>de</strong> co-<br />

lonialismo sumamente <strong>de</strong>sconfor-<br />

tante e altamente predador, uma<br />

vez que seus autores arvoram-se a<br />

porta-vozes <strong>de</strong> problemas que prati-<br />

camente <strong>de</strong>sconhecem.<br />

Camillo Vianna, Vice reitor da UFPa presi<strong>de</strong>nte da SOPREN<br />

(Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Preservação dos Recursos Naturais s Culturais<br />

da Amazônia)


m\<br />

=ss^^^^^?<br />

U^NOO SOAS ^'NAÔ.<br />

A ONiPOP busCA (W<br />

eôSA CAMPANHA (


A Amazônia é um verda<strong>de</strong>iro<br />

mundo na América do Sul.<br />

Abrange uma imensa área <strong>de</strong><br />

floresta tropical que inclui to-<br />

da a região norte do Brasil e partes da<br />

Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela,<br />

Guiana, Suriname e Guiana Francesa.<br />

Perfaz 2/5 da superfície da América do<br />

Sul, com 6,5 milhões <strong>de</strong> km^ , ou 1/3 da<br />

reserva mundial <strong>de</strong> florestas tropicais.<br />

É a vigésima parte da Terra. A<br />

Amazônia continental é responsável<br />

por 1/5 da disponibilida<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong><br />

água doce.<br />

Números por <strong>de</strong>mais<br />

eloqüentes. O que se escon<strong>de</strong> por <strong>de</strong>-<br />

trás <strong>de</strong>les ?<br />

A Amazônia é um mundo <strong>de</strong><br />

água e florestas. Um mundo integrado<br />

ecologicamente e auto-sustentado por<br />

um ciclo <strong>de</strong> águas tão bem estudado<br />

pelos ecologistas do Instituto Max<br />

Plank ou por Herbert Schubart. Nela<br />

provavelmente vamos encontrar a<br />

maior riqueza mundial em espécies <strong>de</strong><br />

fauna c flora reunidas num mesmo<br />

ecossistema.<br />

A parte brasileira da Amazô-<br />

nia, a partir <strong>de</strong> 1966, passou a ser obje-<br />

to <strong>de</strong> uma ação governamental e ga-<br />

nhou por isso novo nome e nova<br />

abrangência. Aos 3,5 milhões <strong>de</strong> km 2<br />

da região norte, o governo anexou todo<br />

o atual estado <strong>de</strong> Mato Grosso, parte<br />

<strong>de</strong> Goiás (o atual Tocantins), e parte<br />

do Maranhão. A região <strong>de</strong>nominada<br />

oficialmente Amazônia Legal alcança<br />

uma extensão <strong>de</strong> aproximadamente 5<br />

milhões <strong>de</strong> km2 , isto é, 2/3 da superfí-<br />

cie do Brasil.<br />

Diante <strong>de</strong>sta vastidão, nos<br />

sentimos pequenos.<br />

Mas o que importa <strong>de</strong>stacar<br />

aqui c outra coisa. Ao contrário do que<br />

dizia um general da ditadura militar<br />

que se implantou no Brasil cm 1%4 -<br />

'Ama/.ônia:tcrra sem homens"-, esta<br />

região tão pródiga se lornou ao longo<br />

<strong>de</strong> milhares c milhares <strong>de</strong> anos o habi-<br />

tai <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> povos. Es-<br />

tes povos por muito lempo viveram, do<br />

14<br />

CUÍRA<br />

DIREITOS HUMANOS<br />

índios:<br />

Pelo Direito à Vida<br />

seu modo, felizes. Desenvolveram téc-<br />

nicas e formas <strong>de</strong> organização social<br />

perfeitamente a<strong>de</strong>quadas ao meio am-<br />

biente tropical da floresta, domestican-<br />

do plantas, animais, encontrando so-<br />

luções apropriadas para a vida na flo-<br />

resta. Assim, este espaço vital foi se<br />

transformando pela ação paciente <strong>de</strong>s-<br />

tes povos em espaço cultural, mítico,<br />

sagrado.<br />

Roberto Zwetsch<br />

Numerosos são também os Tukano,do<br />

Alto Rio Negro(AM).<br />

Há, porém, povos mais redu-<br />

zidos .como os Kulina^do Acre e sul do<br />

Amazonas, com 2500, ou os Deni (AM),<br />

do baixo Purus, com 900.<br />

Por fim, temos povos quase<br />

extintos, que foram reduzidos a 30/40<br />

pessoas, como os Enauenê Nauê(MT)<br />

e os Assurini(PA), ou os Munkú(MT).<br />

"Eu sou Yanomami - Nós Yanomami pensamos que o homem<br />

branco era bom pra nós. Agora eu estou vendo que é a última<br />

invasão da terra indígena, as outras já estão invadidas ... Os<br />

brancos só conhecem negócio e dinheiro. O nosso pensamento<br />

é a terra ... Nosso interesse é preservar a terra ... O branco não<br />

tem respeito pela natureza, ele não sabe o que é bom, ele tem<br />

que apren<strong>de</strong>r conosco."<br />

Davi Kopenawa - Prêmio Global 500/88.ONU<br />

Os Povos da Amazônia<br />

Os primeiros povos morado-<br />

res do espaço amazônico se per<strong>de</strong>m no<br />

tempo. Gran<strong>de</strong>s migrações vindas do<br />

Norte e do Oeste, provavelmente, fo-<br />

ram as responsáveis pelo primeiro po-<br />

voamento da região. Alguns arqueólo-<br />

gos já <strong>de</strong>scobriram ossadas <strong>de</strong> seres<br />

humanos datadas pelo processo do<br />

Carbono 14 em 400 mil anos. Portanto,<br />

ao falarmos <strong>de</strong> Amazônia, temos <strong>de</strong><br />

nos dar conta <strong>de</strong> que estamos diante <strong>de</strong><br />

culturas milenares.<br />

Hoje existem, pelo menos,<br />

200 diferentes povos que vivem na re-<br />

gião perfeitamente integrados ao meio<br />

ambiente e com razoável grau <strong>de</strong> auto-<br />

nomia, alguns mais,outros menos.<br />

A gran<strong>de</strong> maioria dos povos<br />

indígenas do Brasil se encontra na<br />

Amazônia. Encontramos lá populações<br />

relativamente numerosas como os Ma-<br />

kuxi(RR),com 15 mil indivíduos, os Ti-<br />

kuna do Alto Solimões(AM), com 18<br />

mil, ou os Yanomami(RR),com 9 mil.<br />

Muitos foram totalmente ex-<br />

tintos e <strong>de</strong>les sabemos, por vezes, ape-<br />

nas o nome ou nem isso. Uma perda<br />

humana e cultural irreparável, irreme-<br />

diável.<br />

Todos estes povos significam<br />

culturas, línguas, tradições, modos <strong>de</strong><br />

viver e se organizar, próprios, específi-<br />

cos, plenos <strong>de</strong> sentido e valor. É menti-<br />

ra da i<strong>de</strong>ologia dominante taxá-los <strong>de</strong><br />

bárbaros, ignorantes, preguiçosos, em-<br />

pencilhos para o progresso. Isto se en-<br />

sina, muitas vezes, ainda hoje em nos-<br />

sas escolas e se divulga pelos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa. Contra esta<br />

mentalida<strong>de</strong> etnocêntrica, nós estamos<br />

lutando. É preciso esclarecer a socie-<br />

da<strong>de</strong> e apresentar a outra versão es-<br />

quecida, dos fatos.<br />

A Invasão<br />

Sobretudo a partir da década<br />

<strong>de</strong> 70, a Amazônia passou a ser alvo <strong>de</strong><br />

uma violenta invasão provocada por


"Ao falarmos da Amazônia,<br />

temos <strong>de</strong> nos dar conta <strong>de</strong><br />

estarmos diante <strong>de</strong> culturas<br />

milenares".<br />

uma política governamental <strong>de</strong>libera-<br />

da. Tratava-se <strong>de</strong> fazer da Amazônia<br />

uma área <strong>de</strong> expansão do capitalismo<br />

brasileiro associado a grupos interna-<br />

cionais.<br />

Além disso, tida como espaço<br />

"vazio", a região <strong>de</strong>via cumprir um pa-<br />

pel especial: servir como receptora <strong>de</strong><br />

uma enorme massa <strong>de</strong> migrantes sem<br />

terra ou com pouca terra, além <strong>de</strong> pe-<br />

quenos comerciantes e especuladores,<br />

expulsos <strong>de</strong> outras regiões <strong>de</strong>vido ao<br />

brutal processo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> ter-<br />

ra e riquezas que se <strong>de</strong>senvolvia no<br />

país. A Amazônia serviu, portanto,<br />

como válvula <strong>de</strong> escape para as tensões<br />

sociais no Brasil. Quem sofreu foram<br />

os povos indígenas e os antigos mora-<br />

dores posseiros, que há muito habita-<br />

vam a floresta.<br />

Nessa onda avassaladora,<br />

muitas al<strong>de</strong>ias indígenas <strong>de</strong>saparece-<br />

ram. Casos como os dos Yanomami,<br />

Waimiri-Atroari, Assurini, Parakanã,<br />

Nambiquara são tristemente exempla-<br />

res. No trajeto da rodovia BR-280, a<br />

Perimctral Norte, numa extensão <strong>de</strong><br />

225 km, on<strong>de</strong> havia 15 al<strong>de</strong>ias Yano-<br />

mami,nos inícios dos 70, hoje só restam<br />

4 pessoas. Estima-se que só esta rodo-<br />

via ceifou pelo menos mil vidas dos<br />

Yanomami. Estes crimes não cessaram.<br />

Depois da invasão <strong>de</strong> 40 mil garimpei-<br />

ros na área Yanomami, há uns dois<br />

anos,temos informações <strong>de</strong> que morre-<br />

ram <strong>de</strong>vido a doenças e chacinas entre<br />

1500 a 2000 pessoas. O filme "Ouro em<br />

Roraima - Extinção dos Yanomami"<br />

(1989) documenta esta invasão com<br />

cenas terríveis. Trata-se <strong>de</strong> um verda-<br />

<strong>de</strong>iro massacre, um genocídio. Mais<br />

grave é que este crime está sendo prati-<br />

cado diante dos nossos olhos e da<br />

omissão das autorida<strong>de</strong>s.<br />

Há outros interesses. Alguns<br />

pesquisadores chamaram a Amazônia<br />

<strong>de</strong> o Inferno Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido aos perigos<br />

que abriga. Outros a trataram como o<br />

Paraíso Perdido. Entre ambas as ava-<br />

liações, temos um mundo <strong>de</strong> possibili-<br />

da<strong>de</strong>s. E o capitalismo predatório no<br />

Brasil não per<strong>de</strong>u tempo.<br />

As novas técnicas e máquinas<br />

utilizadas na <strong>de</strong>rrubada da floresta, os<br />

novos meios <strong>de</strong> comunicação e os<br />

transportes auxiliaram a forjar um pro-<br />

cesso extremamente rápido <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

truição entendido como "progresso".<br />

Tudo em nome do binômio "segurança<br />

e <strong>de</strong>senvolvimento" ,cunhado pelo re-<br />

gime militar e concretizado por gran-<br />

<strong>de</strong>s empresas capitalistas, nacionais e<br />

multinacionais.<br />

Os principais projetos que fa-<br />

zem parte <strong>de</strong>sta última investida contra<br />

a Amazônia incluem colonização, ex-<br />

tração <strong>de</strong> recursos florestais, sobretudo<br />

ma<strong>de</strong>ira, extração <strong>de</strong> minérios e proje-<br />

tos agropecuários.<br />

Menciono apenas alguns<br />

exemplos. O primeiro gran<strong>de</strong> Projeto<br />

recente foi, sem dúvida, o Projeto Jari,<br />

do magnata norte-americano Daniel<br />

Keith Ludwig. Ele se dizia dono <strong>de</strong> cer-<br />

ca <strong>de</strong> 3 milhões <strong>de</strong> hectares na foz do<br />

rio Amazonas ,em terras do Estado do<br />

Pará e do atual Amapá. Incluía plantio<br />

<strong>de</strong> arroz, fábrica <strong>de</strong> celulose, expor-<br />

tação <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e minérios. Só a mi-<br />

neração <strong>de</strong> caulim <strong>de</strong>u lucro. Todo o<br />

resto fracassou. E o governo brasileiro<br />

foi quem socorreu o milionário norte-<br />

americano num programa <strong>de</strong> "naciona-<br />

lização" que se tornou um verda<strong>de</strong>iro<br />

escândalo nacional, haja vista que<br />

quem pagou a conta foi o povo brasi-<br />

leiro, mas quem ficou com a priorida<strong>de</strong><br />

foram 22 grupos empresariais nacio-<br />

nais e, pasmem, o próprio Mr. Ludwig,<br />

como acionista indireto.<br />

"Mantido o ritmo, chegare-<br />

mos ao ano 2000 com 'feri-<br />

da' na floresta igual à su-<br />

perfície da França".<br />

Outro exemplo é o Programa<br />

Gran<strong>de</strong> Carajás (PGC), localizado no<br />

Pará. Naquela serra, foi encontrada<br />

uma das maiores jazidas <strong>de</strong> ferro do<br />

mundo, com um potencial <strong>de</strong> 20 bi-<br />

lhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> ferro e ainda<br />

manganês, cobre, alumínio, níquel, es-<br />

tanho e ouro.<br />

Todas estas riquezas não re-<br />

nováveis são para exportação,e os su-<br />

cessivos governos, <strong>de</strong>liberadamente,<br />

optaram por este caminho. "Exportar é<br />

a solução" é o lema dos tecnocratas..<br />

Aliás, tudo indica que há uma aliança<br />

tácita entre governo e gran<strong>de</strong>s grupos<br />

econômicos, <strong>de</strong> modo que os interesses<br />

se harmonizam - e dane-se o país e o<br />

povo. para exportar, o PGC cons-<br />

truiu uma estrada <strong>de</strong> ferro com 890km<br />

que vai da serra <strong>de</strong> Carajás até o porto<br />

<strong>de</strong> Ponta da Ma<strong>de</strong>ira, em São Luis do<br />

Maranhão. Como se podia prever, a es-<br />

trada cortou território indígena. Os<br />

Gavião precisaram obstruir a estrada<br />

para serem ouvidos pelo governo e re-<br />

ceberem in<strong>de</strong>nização pelos danos cau-<br />

sados.<br />

15<br />

CUÍRA


Afora outros problemas, um<br />

dos mais graves é a <strong>de</strong>struição que as<br />

usinas <strong>de</strong> ferro-gusa estão provocando<br />

ao longo <strong>de</strong> toda a estrada <strong>de</strong> ferro, ao<br />

utilizarem em seus fornos carvão vegetal.<br />

"Dos 5 mlffióes <strong>de</strong> índios do<br />

séc.XVI, hoje só restam 230<br />

mi^e 180 tribos diferentes no<br />

Brasff".<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> baratear<br />

custos, o carvão é produzido com a mar<br />

<strong>de</strong>ira das florestas próximas, o que já<br />

causou um <strong>de</strong>smatamento na região<br />

que tem provocado inclusive mudanças<br />

climáticas no regime <strong>de</strong> chuvas. Este<br />

caso é tão escandaloso que a pressão<br />

dos ambientalistas levou o atual Se-<br />

cretário <strong>de</strong> Meio Ambiente, Eng.José<br />

Lutzemberger, a fechar várias usinas<br />

porque elas se negavam a cumprir a <strong>de</strong>-<br />

terminação da lei ambiental que obriga<br />

o reflorestamento nas áreas <strong>de</strong>smaia-<br />

das, e com espécies nativas.<br />

Outro caso que merece<br />

atenção é o famoso Projeto JICA uma<br />

aliança entre os governos brasileirol e<br />

japonês para a exploração do serrado<br />

no Brasil Central ,com vistas à expor-<br />

tação <strong>de</strong> grãos para o Japão. Envolve<br />

uma área <strong>de</strong> 60 milhões <strong>de</strong> hectares.<br />

Dele faz parte a pavimentação e ex-<br />

tensão da rodovia BR-364, como aber-<br />

tura <strong>de</strong> uma saída para o Pacífico, o<br />

que encurtaria muito a distância para a<br />

Ásia. Outro exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação<br />

são as estradas. Philip Fearnsi<strong>de</strong>, pes-<br />

quisador do 1NPA - Instituto Na-<br />

cional <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s da Amazônia, fez<br />

um estudo sobre o impacto das estra-<br />

das no <strong>de</strong>smatamento do estado <strong>de</strong><br />

Rondônia e chegou a conclusões preo-<br />

cupantes. Ele mostra como o <strong>de</strong>sma-<br />

tamento é provocado pela abertura <strong>de</strong><br />

estradas, em função da colonização ofi-<br />

cial. As estradas são projetadas no pa-<br />

pel e não respeitam a topografia da re-<br />

gião, as áreas indígenas ou <strong>de</strong> antigos<br />

posseiros. Valem estritamente os inte-<br />

resses econômicos imediatistas do<br />

gran<strong>de</strong> capital. Fearnsi<strong>de</strong> ainda afirma<br />

que este <strong>de</strong>smatamento é crescente,<br />

<strong>de</strong>scontrolado, e sem nenhum critério<br />

seletivo. Um verda<strong>de</strong>iro absurdo, tanto<br />

econômico como ecológico. Sobretudo,<br />

16<br />

CUÍRA<br />

um crime humano contra os povos<br />

indígenas e os próprios migrantes utili-<br />

zados como ponta-<strong>de</strong>-lança <strong>de</strong> uma<br />

ocupação <strong>de</strong>senfreada e sem qualquer<br />

planejamento. Que o digam aqueles<br />

que já visitaram as novas cida<strong>de</strong>s nasci-<br />

das <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 70 em todo aquela<br />

estado.<br />

O único jeito <strong>de</strong> sustar este<br />

processo - aparentemente irreversível -<br />

seria impedir novos planos <strong>de</strong> coloni-<br />

zação e novas estradas, dificultando,<br />

por exemplo, que o Banco Mundial fi-<br />

nanciasse estas barbarida<strong>de</strong>s, como no<br />

Projeto POLONOROESTE. Só assim<br />

se conseguiria reter os migrantes nos<br />

seus locais <strong>de</strong> origem. Mas isto supõe<br />

que o governo teria, obrigatoriamente,<br />

<strong>de</strong> enfrentar a <strong>de</strong>manda por terras <strong>de</strong><br />

trabalho. O que significa realizar a Re-<br />

forma Agrária, num país on<strong>de</strong>, por esta<br />

causa, milhares <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res camponeses<br />

têm sido assassinados na última déca-<br />

da. No caso <strong>de</strong> Rondônia, a área <strong>de</strong>s-<br />

maiada já chega a 35.700 km^, isto é,<br />

14,7% do estado. Uma taxa muito ele-<br />

vada se consi<strong>de</strong>rarmos que isto ocorreu<br />

em apenas 15 anos !<br />

Há outro dado que no faz<br />

pensar. Desmataram-se, entre 75 e80,<br />

mais <strong>de</strong> 4,9 milhões <strong>de</strong> hectares e, entre<br />

78 e 80, mais <strong>de</strong> 4,2 milhões <strong>de</strong> hectares<br />

<strong>de</strong> vegetação natural na Amazônia, o<br />

que <strong>de</strong>monstra um ritmo anual <strong>de</strong> 1,8<br />

milhão <strong>de</strong> hectares/ano no qüinqüênio.<br />

Para comparar, isto signinca que na<br />

Amazônia se <strong>de</strong>smaia a cada 2 anos a<br />

área equivalente à superfície da Holan-<br />

da e ,mantido o ritmo, chegaremos ao<br />

ano 2000 com a "ferida" na floresta<br />

igual à superfície da França, o maior<br />

país da Europa <strong>de</strong>pois da URSS. Isto é<br />

grave para o Brasil empara o mundo in-<br />

teiro. Não é possível ficar passivo dian-<br />

te <strong>de</strong> tamanha sanha <strong>de</strong>struidora. Os<br />

governos, as Igrejas, todos os cidadãos<br />

conscientes do planeta precisam acor-<br />

dar e se íengajar na luta em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>s-<br />

se patrimônio comum contra o imedia-<br />

tismo capitalista predatório. Aquütra-<br />

ta-se <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> lesa:humanida<strong>de</strong>.<br />

Haveria ainda que falar dos<br />

Planos j'Energéticos; do Governo brasi-<br />

leiro, o Plano 2010, que prevê cons-<br />

trução <strong>de</strong> inúmeras hidrelétricas no<br />

país, 17 <strong>de</strong>las incidindo em áreas indí-<br />

genas. O maior erro técnico nesse par-<br />

ticular foi a construção <strong>de</strong> Balbina,<br />

uma hidrelétrica que fica ao norte <strong>de</strong><br />

Manaus, no coração da Amazônia. Para<br />

produzir 250 megawatts, a Eletronorte<br />

inundou uma área <strong>de</strong> floresta superior<br />

a 2.340 km2. Por falhas técnicas ,a flo-<br />

resta não pô<strong>de</strong> ser cortada e a inun-<br />

dação ocorreu assim mesmo, causando<br />

um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>sastre ecológico. Boa<br />

parte da área inundada era tradicional<br />

território do povo Waimiri-Atroari,<br />

cuja população no final dos anos 60 era<br />

<strong>de</strong> 3000 pessoas, e hoje está reduzida a<br />

350, nas piores condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

O governo ainda planeja<br />

construir várias usinas no vale do rio<br />

Xingu, que vão inundar tradicionais<br />

territórios indígenas. Em março <strong>de</strong><br />

1989, os Povos do Xingu organizaram<br />

um encontro em Altamira ,no Pará, se<br />

posicionando contra as usinas. O go-<br />

verno se fez <strong>de</strong> surdo. Mas a luta conti-<br />

nua. A questão é que os tecnocratas<br />

não se preocupam em consultar os di-<br />

retamente envolvidos. É como se o es-<br />

paço amazônico fosse uma vazio on<strong>de</strong><br />

tudo é permitido. Esta mentalida<strong>de</strong><br />

precisa mudar, urgentemente.<br />

A Resistência Indígena<br />

A resistência indígena sempre<br />

aconteceu, tanto no período colonial<br />

como no Império e <strong>de</strong>pois ,na Repúbli-<br />

ca. Mas é indiscutível que os povos<br />

indígenas foram os gran<strong>de</strong>s per<strong>de</strong>dores<br />

na guerra movida a pólvora, vírus e ba-<br />

cilos. Tanto é que houve uma verda<strong>de</strong>i-<br />

ra hecatombe populacional. Dos 5 mi-<br />

lhões do séc. XVI, hoje só restam 230<br />

mil, e 180 tribos diferentes no Brasil.<br />

A partir do final dos anos 70,<br />

a luta indígena no Brasil conseguiu dar<br />

passos importantes. Surgiram as As-<br />

sembléias Indígenas, reunindo li<strong>de</strong>ran-<br />

ças e até comunida<strong>de</strong>s inteiras. Depois<br />

veio a UNI - União das Nações Indíge-<br />

nas para articular estas lutas a nível na-<br />

cional, seguida <strong>de</strong> organizações regio-<br />

nais e locais.<br />

O Brasil é gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Os<br />

povos indígenas são francamente mino-<br />

ritários. E vivem dispersos por vastas<br />

regiões^ sobretudo na Amazônia. Tudo<br />

isto dificulta muito a sua organização<br />

autônoma. Há diferentes estágios no<br />

contato com a socieda<strong>de</strong> nacional e dis-<br />

tintas formas <strong>de</strong> enfrentamento dos<br />

novos problemas que o contato criou.<br />

Mas eles caminham. Isto é o<br />

que importa.


Na Amazônia, atualmente<br />

existe um bem articulado movimento<br />

indígena que <strong>de</strong> ano para ano se forta-<br />

lece. Em abril passado ocorreu em Ma-<br />

naus a II Assembléia Geral das Orga-<br />

nizações Indígenas ,que integram a<br />

COIAB - Coor<strong>de</strong>nação das Organi-<br />

zações Indígenas da Amazônia Brasi-<br />

leira. Para o Movimento Indígena, é<br />

unânime a priorida<strong>de</strong> da luta pela ter-<br />

ra. Terra contínua, sem as retaliações<br />

que o governo vem impondo nos úti-<br />

mos anos. Terra como espaço <strong>de</strong> vida e<br />

<strong>de</strong> reprodução cultural. Terra livre.<br />

Orlando Baré, um dos lí<strong>de</strong>res,<br />

disse que a "conquista da auto<strong>de</strong>termi-<br />

nação está diretamente ligada à con-<br />

quista da <strong>de</strong>marcação das terras indí-<br />

genas e a sua garantia."<br />

Um outro consenso é a neces-<br />

sida<strong>de</strong> das alianças. Alianças que per-<br />

mitam a união com outros segmentos<br />

da socieda<strong>de</strong> brasileira, como os traba-<br />

lhadores rurais e os sem-terra, ribeiri-<br />

nhos, seringueiros, trabalhadores urba-<br />

nos, estudantes e até com as Universi-<br />

da<strong>de</strong>s. Os Povos Indígenas enten<strong>de</strong>m<br />

que o seu <strong>de</strong>stino está vinculado ao<br />

<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

E têm se valido, em suas lutas mais re-<br />

centes, <strong>de</strong> todo o potencial simbólico<br />

que conseguem mobilizar junto à<br />

opinão pública. Isto ficou muito paten-<br />

te na última Constituinte.<br />

A Aliança dos Povos da Flo-<br />

resta - uma idéia que <strong>de</strong>ve muito à luta<br />

do lí<strong>de</strong>r seringueiro e ecologista Chino<br />

Men<strong>de</strong>s - é uma <strong>de</strong>stas iniciativas «.a<br />

união dos oprimidos. Ela propõe for-<br />

mas <strong>de</strong> vida e trabalho na floresta que<br />

respeitam os direitos dos povos, garan-<br />

tem a preservação do meio ambiente e<br />

são economicamente viáveis. A propos-<br />

ta das Reservas Extrativistas foi a res-<br />

ponsável pelo assassinato <strong>de</strong> Chico<br />

Men<strong>de</strong>s. Porque ela oferece uma alter-<br />

nativa para o <strong>de</strong>senvolvimento autosus-<br />

tentado e não predatório da Amazônia.<br />

Há um projeto militar e <strong>de</strong>-<br />

senvolvimentista que merece ser men-<br />

cionado. Ele é conhecido como Projeto<br />

Calha Norte. Criado em 1985, abrange<br />

6.500 km <strong>de</strong> fronteira, nos limites do<br />

Brasil com a Venezuela, Colômbia,<br />

Guiana, Suriname e Guiana Francesa.<br />

Consta <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> bases milita-<br />

res do exército e aeronáutica, com a<br />

abertura <strong>de</strong> pistas <strong>de</strong> pouso para aviões<br />

militares e civis. Tem como objetivo<br />

controlar as fronteiras (conteúdo béli-<br />

co) e <strong>de</strong>senvolver estas regiões afasta-<br />

das (conteúdo econômico).<br />

Acontece que várias <strong>de</strong>stas<br />

bases se localizam nas áreas indígenas ,e<br />

o mais grave é a disposição dos milita-<br />

res em não <strong>de</strong>marcar as terras indíge-<br />

nas. No máximo, aceitam a criação <strong>de</strong><br />

colônias agrícolas. Mas as comunida<strong>de</strong>s<br />

já se posicionaram contra e vão <strong>de</strong>fen-<br />

<strong>de</strong>r os seus direitos, até na Justiça.<br />

Na prática, este tipo <strong>de</strong> in-<br />

gerência militar mostra a que ponto<br />

chega, no Brasil, a militarização da<br />

questão indígena, como também a<br />

questão amazônica. O que nos preocupa<br />

é que esta tutela militar nos últimos<br />

anos coinci<strong>de</strong> com o saque aos miné-<br />

rios do subsolo indígena, com o <strong>de</strong>sre-<br />

peito aos direitos humanos e a <strong>de</strong>vas-<br />

tação das florestas.<br />

No dia 30 <strong>de</strong> maio ,saiu num<br />

jornal <strong>de</strong> São Paulo (Folha <strong>de</strong> São Pau-<br />

lo) uma notícia preocupante. A Escola<br />

Superior <strong>de</strong> Guerra produziu uma do-<br />

cumento recente, "Estruturas do Po<strong>de</strong>r<br />

Nacional para o ano 2000", on<strong>de</strong> admi-<br />

te, inclusive, o recurso à guerra(!) para<br />

superar "as pressões que impe<strong>de</strong>m a<br />

conquista dos objetivos nacionais per-<br />

manentes na Amazônia." Isto significa<br />

o continuísmo do atual mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento. Pelas razões já expos-<br />

tas, este posicionamento revela uma<br />

atitu<strong>de</strong> autoritária verda<strong>de</strong>iramente<br />

absurda, sob iodos os nontos <strong>de</strong> vista.<br />

Grave é o fato dos militares i<strong>de</strong>ntifica-<br />

rem como alvos <strong>de</strong>ssa ação bélica o<br />

narcotráfico, o contrabando e as orga-<br />

nizações preservacionistas e indigenis-<br />

tas, as quais estariam atuando para fa-<br />

17<br />

CUIRA


vorecer a internacionalização da<br />

Amazônia. O secretário do Conselho<br />

Indígenista Missionário-CIMI, da Igre-<br />

ja Católica, consultado sobre a notícia,<br />

disse: "São idéias velhas, anacrônicas e<br />

inconstitucionais. A auto<strong>de</strong>terminação<br />

que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos é o direito dos povos<br />

indígenas serem povos etnicamente di-<br />

ferenciados, como a Constituição reco-<br />

" A gente encontra nas tribos<br />

um tal grau <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong><br />

social Impossível <strong>de</strong> se encon-<br />

trar nas socieda<strong>de</strong>s capitalis-<br />

tas".<br />

nhece. A ESG, ao contrário, quer im-<br />

por acima da lei a sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> se-<br />

gurança nacional. E acusa os que <strong>de</strong>-<br />

fen<strong>de</strong>m a Constituição <strong>de</strong> serem contra<br />

a nação." Como vocês po<strong>de</strong>m ver, no<br />

Brasil, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os povos indígenas e o<br />

meio ambiente amazônico, sob a ótica<br />

militar, é entendido como traição, co-<br />

mo um crime!<br />

Quero apenas <strong>de</strong>stacar mais<br />

um fato. Apesar <strong>de</strong> ser uma luta <strong>de</strong>si-<br />

gual, os povos indígenas não mostram<br />

medo. Resistem, se aliam, procuram<br />

convencer a socieda<strong>de</strong> nacional, se arti-<br />

culam e assim vão construindo um ca-<br />

minho <strong>de</strong> libertaç o. A gente se alegra<br />

com pequenas vitóí...., uoao em 1984,<br />

quando da auto<strong>de</strong>marcação da terra<br />

dos Kulina e Kaxinauá, no Acre. Ou<br />

quando a pressão do movimento indí-<br />

gena e dos seus aliados na Constituinte<br />

impôs uma <strong>de</strong>rrota aos militares, lati-<br />

fundiários e empresas, garantido uma<br />

legislação favorável aos seus interesses<br />

históricos. Valendo-se disso, a Procu-<br />

radoria Geral da República vem assu-<br />

mindo causas em <strong>de</strong>fesa do patrimônio<br />

e das culturas indígenas. Num país co-<br />

mo o nosso, isto é um ganho extraor-<br />

dinário.<br />

O FUTURO: um compromis-<br />

so com a vida<br />

Quem conheceu e teve o pri-<br />

vilegio <strong>de</strong> conviver com uma das inú-<br />

meras comunida<strong>de</strong>s indígenas da<br />

Amazônia, não consegue esquecer a<br />

experiência jamais.<br />

Costumo dizer que da comu-<br />

nida<strong>de</strong> indígena não se volta o mesmo.<br />

18<br />

CUÍRA<br />

Tanto pela indignação que a gente sen-<br />

te vendo as injustiças, como pela beleza<br />

e igualitarismo que se <strong>de</strong>scobre junto a<br />

estas populações. Quando a gente as-<br />

sume o projeto indígena como uma<br />

priorida<strong>de</strong> na nossa vida, muita coisa<br />

muda. Tantc no nível <strong>de</strong> consciência,<br />

como <strong>de</strong> fé Cí mesmo no nível bem<br />

concreto da prática cotidiana. A gente<br />

se torna um cúmplice, um aliado-cúm-<br />

plice <strong>de</strong>sses povos, das suas lutas e da<br />

formulação <strong>de</strong> seus projetos <strong>de</strong> re-<br />

sistência e libertação.<br />

Um antropólogo dizia que a<br />

gente encontra formas <strong>de</strong> viver que ex-<br />

primem um tal grau <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong><br />

social impossível <strong>de</strong> encontrar nas so-<br />

cieda<strong>de</strong>s capitalistas, <strong>de</strong> mercado, on<strong>de</strong><br />

vale a lei do mais forte, da busca indi-<br />

vidualista <strong>de</strong> lucro e vantagens pes-<br />

soais.As formas <strong>de</strong> vida tribal, mais<br />

comunitárias e interpessoais, nos <strong>de</strong>s-<br />

lumbram, nos fazem conhecer novas<br />

dimensões da vida humana. São como<br />

representações concretas <strong>de</strong> utopias<br />

que nós, homens da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, só<br />

conseguimos observar no passado (ex.<br />

comunida<strong>de</strong>s cristãs primitivas, movi-<br />

mentos milenarístas etc.) ou projetar<br />

num futuro distante, ao imaginarmos<br />

uma socieda<strong>de</strong> nova, sem explorados<br />

nem exploradores. Essa utopia que um<br />

dia um famoso pensador alemão <strong>de</strong>s-<br />

creveu assim: na nova socieda<strong>de</strong> se po-<br />

<strong>de</strong>rá, finalmente, "caçar pela manhã,<br />

pescar ao meio dia, cuidar do gado ao<br />

entar<strong>de</strong>cer e filosofar <strong>de</strong>pois do jantar"<br />

(Marx). Ora, isto eu encontrei entre os<br />

Kulina, com quem convivi por 5 anos,<br />

numa pequena al<strong>de</strong>ia do alto rio Purus<br />

(Acre). Evi<strong>de</strong>ntemente, isto tem seu<br />

preço. Baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> população,<br />

uma vida muito simples, em um relati-<br />

vo isolamento. É claro que não é mo-<br />

<strong>de</strong>lo para nós, das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>r-<br />

nas. Mas nos ajudam a buscar novas<br />

formas <strong>de</strong> vida e convivência nas quais<br />

o ser humano em aliança com a nature-<br />

za seja o objetivo mais importante.<br />

A questão indígena na<br />

Amazônia é tão grave que supõe um<br />

compromisso com a Vida. Nesse senti-<br />

do, é urgente unir esforços do Primeiro<br />

e do Terceiro Mundos em <strong>de</strong>fesa dos<br />

povos indígenas, dos negros, das mu-<br />

lheres, das crianças, todos vítimas <strong>de</strong><br />

um sistema que <strong>de</strong>vora vidas humanas<br />

sem conta. E preciso garantir a vida<br />

<strong>de</strong>sta gente, preservando seu espaço fí-<br />

sico e cultural, a sua terra.<br />

No fundo, é uma questão que<br />

diz respeito ao tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que<br />

queremos para o nosso país. O Brasil<br />

só será livre e <strong>de</strong>mocrático se pu<strong>de</strong>r-<br />

mos, no futuro, contar com a presença<br />

autônoma dos Povos Indígenas, com<br />

suas culturas e seus modos <strong>de</strong> vida e<br />

projetos alternativos. Sua sobrevivên-<br />

cia está ligada à nossa sobrevivência<br />

como povo soberano, on<strong>de</strong> prevaleçam<br />

os critérios <strong>de</strong> justiça social e paz.<br />

Roberto Zwetsch é pastor da Igreja Luterana.<br />

BIBLIOGRAFIA:<br />

AÇÃO PELA CIDADANIA, Roraima: O aviso da Morte. Relatório<br />

sobre a Viagem da Comissão da Ação pela Cidadania ao Estado<br />

<strong>de</strong> Roraima, entre 9 e 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1989, CCPY/CEDI/CIMI,<br />

SÃO PAULO, 1989<br />

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Semana do índio-1990. S Leopoldo.<br />

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indiani, 03/06/1990, p 7<br />

COSTA, Vera Lúcia. Xingu: Hidrelélrícas coroam quatro séculos<br />

<strong>de</strong> Agressões, in CIÊNCIA HOJE, n 0 59, novembro <strong>de</strong> 1989, pp<br />

74-77.<br />

FEARNSIDE, Philip Martin, Rondônia: Estradas que levam à De-<br />

vastação, in CIÊNCIA HOJE, n 0 61, janeirolevereiro <strong>de</strong> 1990. pp<br />

47-52<br />

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holocausto e sobre uma nova possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convivência. Pe-<br />

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GOMES. Severo. Febeapá no ano 2001. in FOLHA DE SÃO<br />

PAULO, 03/06/1990. p A-2.<br />

GOTTLIEB. Oito R.-KAPLAN. Maria Auxiliadora C. Amazônia<br />

Tesouro Químico a Preservar, in CIÊNCIA HOJE, 61, janeiro/le<br />

vereiro <strong>de</strong> 1990, pp 17-20.<br />

LOPES, Bernardo Líro. Nuvens Escuras ao Norte, in TEORIA E<br />

DEBATE, n" 5, |an/fev/maí/l989. pp 22/25<br />

MAREWA(Movímento <strong>de</strong> apoio à Resistência Waimiri Atroari)<br />

Balbina: Catástrofe e Destruição na Amazônia. Manaus. 1987.<br />

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino <strong>de</strong>. Amazônia: Monopólio. Ex<br />

propriaçáo e Conflitos, Campinas: Papirus, 1989 (2* ed) (Série<br />

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OLIVEIRA F 0 , João Pacheco, Quem são os inimigos dos índios?<br />

E os seus Aliados? SÃO PAULO: Partido dos Trabalhadores,<br />

abril/1990.<br />

ZWETSCH, Roberto E.-HEINE, Heiner (fotos), MADIHÃ Mens<br />

chen im Amazonaswakt, Kassel Erlangen, 1968


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EDUCAÇÃO POPULAR<br />

3 anos formando:<br />

O Curso Básico no Projeto<br />

UNIPOP<br />

Completando 3 anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, formando companheiros do movimento<br />

popular, sindical e ecumênico, a UNIPOP apresenta uma avaliação <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong> suas principais ativida<strong>de</strong>s: O Curso Básico. Socializar esta expe-<br />

Aldalice Otterloo<br />

riência também faz parte <strong>de</strong> nossa metodologia.<br />

A<br />

UNIPOP, com o objetivo <strong>de</strong><br />

abrir o <strong>de</strong>bate sobre o seu projeto<br />

<strong>de</strong> formação, inicia a exposição<br />

sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

suas ativida<strong>de</strong>s, socializando as avaliações<br />

e questionamentos internos<br />

com os companheiros direta ou indiretamente<br />

envolvidos no processo educativo<br />

das classes trabalhadoras. Ao<br />

mesmo tempo em que se abre para as<br />

críticas e sugestões <strong>de</strong> todos os setores<br />

da socieda<strong>de</strong> interessados no assunto.<br />

Iniciamos então, com a avaliação<br />

da proposta <strong>de</strong> formação através<br />

do Curso Básico, uma das ativida<strong>de</strong>s<br />

fundamentais da UNIPOP, <strong>de</strong>sejando<br />

que cada setor interessado em formação<br />

envie suas observações à revista<br />

CUÍRA ou procure pessoalmente a<br />

coor<strong>de</strong>nação da UNIPOP.<br />

A PRIMEIRA TENTATIVA<br />

(1987/1988)<br />

O Curso Básico tem como ob-<br />

jetivos fundamentais: a) contribuir pa-<br />

ra o aprofundamento do conhecimento<br />

que os militantes já possuem sobre a<br />

realida<strong>de</strong> brasileira; b) municiar os<br />

movimentos sindical, popular e<br />

ecumênico com instrumentos <strong>de</strong> leitura<br />

e análise que lhes possibilitem, nos<br />

seus processos organizativos, gerar suas<br />

próprias alternativas <strong>de</strong> ação.<br />

Definidos os objetivos e o pú-<br />

blico-alvo como as li<strong>de</strong>ranças interme-<br />

diárias do Movimento Popular e Sindi-<br />

cal, partiu-se para a elaboração da pro-<br />

posta curricular. Que conteúdos seriam<br />

necessários para atingir esses objeti-<br />

vos? A equipe responsável pensou nu-<br />

ma estrutura curricular que não reti-<br />

rasse a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> suas bases por um<br />

período muito longo, e que ao mesmo<br />

tempo contemplasse o nível e a diver-<br />

sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas on<strong>de</strong> atuavam. Daí<br />

que foram organizados quatro módu-<br />

los^) Ajustamento; b) Reciclagem; c)<br />

Básico e d) Específico.<br />

20<br />

CUÍRA<br />

Dinâmica <strong>de</strong> Grupo: a educação além da razão<br />

A UNIPOP, a partir dos re-<br />

sultados avaliativos <strong>de</strong>ssa primeira ex-<br />

periência, buscou i<strong>de</strong>ntificar pontos <strong>de</strong><br />

estrangulamento <strong>de</strong> uma proposta que,<br />

teoricamente, tinha tudo para dar cer-<br />

to. Ospontosforam:<br />

- heterogeneida<strong>de</strong> da turma<br />

tanto a nível <strong>de</strong> leitura e escrita, quanto<br />

<strong>de</strong> acúmulo <strong>de</strong> informações provocada<br />

por falta <strong>de</strong> critérios na seleção dos<br />

participantes pelas entida<strong>de</strong>s;<br />

"Mudamos conteúdo, utili-<br />

zamos novas técnicas, mas<br />

não alteráramos a metodolo-<br />

gia".<br />

- pouca disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tempo dos professores convidados, que<br />

permitisse um planejar conjunto <strong>de</strong> to-<br />

do processo a ser <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado em ca-<br />

da unida<strong>de</strong>;<br />

- a estrutura do curso por<br />

módulos em períodos alternados, alia-<br />

da ao acúmulo <strong>de</strong> tarefas dos militantes<br />

em suas Entida<strong>de</strong>s, levou a uma frag-<br />

mentação da proposta curricular por<br />

parte dos alunos, uma vez que havia<br />

aqueles que frenquentavam a primeira<br />

unida<strong>de</strong> do Módulo <strong>de</strong> Ajustamento e<br />

voltavam na primeira unida<strong>de</strong> do Mó-<br />

dulo seguinte com a justificativa <strong>de</strong> es-<br />

tarem <strong>de</strong>sempenhando outras "tarefas<br />

importantes".<br />

- a relação teoria-prática re-<br />

produziu a tradicional dicotomia pre-<br />

sente nos sistemas <strong>de</strong> ensino, pois no<br />

afã <strong>de</strong> transmitir conteúdos significati-<br />

vos para a militância, <strong>de</strong>ixou-se <strong>de</strong> con-<br />

si<strong>de</strong>rar as experiências concretas da<br />

mesma. A partir da análise <strong>de</strong>sses<br />

pontos, buscou-se as alterações que a<br />

nossa compreensão política e a fragili-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa concepção <strong>de</strong> formação<br />

apontaram para superar essas dificul-<br />

da<strong>de</strong>s. Assim, partimos para a segunda


tentativa <strong>de</strong> concretizar o Curso Bási-<br />

co, como espaço <strong>de</strong> formação.<br />

A BUSCA CONTINUA<br />

(1989)<br />

Fortalecidos pela discussão<br />

feita em Seminários com as Entida<strong>de</strong>s<br />

que compõem o Conselho <strong>de</strong> Representantes<br />

da UNIPOP, pelos <strong>de</strong>bates<br />

sobre questões levantadas por outras<br />

Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação, que nos possibilitaram<br />

aprofundar ou pelo menos<br />

<strong>de</strong>linear nossa concepção <strong>de</strong> formação,<br />

a qual <strong>de</strong>ve ser norteada pelos princípios<br />

<strong>de</strong> autonomia, criativida<strong>de</strong>, inserção<br />

social, participação e outros que<br />

possam contribuir para a formação <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>rança crítica e autônoma. Para isso,<br />

era preciso:<br />

- romper com a prática tradicional<br />

<strong>de</strong> educação;<br />

- relacionar a metodologia <strong>de</strong><br />

formação com o projeto político mais<br />

amplo;<br />

- que as necessida<strong>de</strong>s da formulação<br />

teórica fossem orientadas pela<br />

prática;<br />

- levar em conta as propostas<br />

que os movimentos estão elaborando a<br />

fim <strong>de</strong> houvesse coerência no processo<br />

<strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> ação política;<br />

"4 prática ó a fonte da teo-<br />

ria, na qual esta se nutre<br />

como objeto <strong>de</strong> conheci-<br />

mento, interpretaçãoe trans-<br />

formação".<br />

- trabalhar a relação meto-<br />

dológica prática-teórica-prática, que<br />

leve em conta uma melhor investigação<br />

da realida<strong>de</strong> e a maior significação do<br />

conteúdo;<br />

- rever a relação educador-<br />

educando a partir da concepção <strong>de</strong><br />

educação e <strong>de</strong> conhecimento que pos-<br />

sibilitasse um repensar crítico das in-<br />

formações que se estabelecem entre<br />

aquele que ensina e aquele que apren-<br />

<strong>de</strong>;<br />

- manter um contato mais es-<br />

treito com as Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massa que<br />

enviam os seus representantes buscan-<br />

do perceber com elas entendiam a<br />

UNIPOP como espaço <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

seus militantes;<br />

- <strong>de</strong>finir melhor os critérios<br />

<strong>de</strong> seleção visando reduzir a heteroge-<br />

neida<strong>de</strong> da turma.<br />

Nessa segunda experiência, a<br />

estrutura continuou pelo sistema <strong>de</strong><br />

módulos, embora reduzidos para<br />

três:l) AJUSTAMENTO, com duas<br />

Unida<strong>de</strong>s: Dinâmica <strong>de</strong> Grupo e Mé-<br />

todos <strong>de</strong> Estudo e Visões <strong>de</strong> Mundo na<br />

História da Filosofia - O Método<br />

Dialético. I<strong>de</strong>ologia, dominação e alie-<br />

nação. A questão do Conhecimento.<br />

Por que conhecer? Este módulo foi<br />

completamentado por duas oficinas:<br />

Redação e Expressão e Matemática,<br />

lógica e cotiano, trabalhando a questão<br />

salarial, inflação, custo <strong>de</strong> vida, dissídio<br />

coletivo, etc...;2) BÁSICO, com 6 uni-<br />

da<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foram introduzidas as Uni-<br />

da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> História, partindo das Socie-<br />

da<strong>de</strong>s pré-capitalistas; História do Ca-<br />

pitalismo I (Capitalismo Concorren-<br />

cial, Monopolista, Estado e Classe So-<br />

cial); História do Capitalismo II (Capi-<br />

talismo Depen<strong>de</strong>nte, Características do<br />

Imperialismo); História do Socialismo<br />

(<strong>de</strong>senvolvido através <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate<br />

com discussões sobre Anarquismo, a<br />

Social-Democracia, e o Marxismo);<br />

Geografia: a produção do espaço brasi-<br />

leiro (apropriação do território e a<br />

questão da regionalização, a Amazônia<br />

e a expansão do Capital) e Análise <strong>de</strong><br />

Conjutura (como fazer análise <strong>de</strong> Con-<br />

juntura, a Conjuntura Brasileira e as<br />

Questões Amazônicas. A conjuntura<br />

Brasileira e a Organização dos Traba-<br />

lhadores, com participação <strong>de</strong> repre-<br />

sentantes das Centrais Sindicais - Sin-<br />

dicalistas e Assessores jurídicos ). Co-<br />

mo ativida<strong>de</strong>s complementares <strong>de</strong>sse<br />

Módulo foram <strong>de</strong>senvolvidas duas ofi-<br />

cinas: Comunicação (produção e utili-<br />

zação dos MCM; gran<strong>de</strong> imprensa e<br />

imprensa alternativa: o que está por<br />

trás da informação?) e Formação Cul-<br />

tural do Povo Brasileiro (por que no<br />

Brasil é comum a frase "sabe com<br />

quem está falando?"? por que o povo<br />

brasileiro não gosta <strong>de</strong> discutir políti-<br />

ca? por que vê na religião a solução pa-<br />

ra todos os males? Também foi vista a<br />

questão indígena e a questão do negro,<br />

aproveitando filmes, danças, textos...;3)<br />

ESPECÍFICO com duas finalida<strong>de</strong>s:<br />

Organizações populares urbanas no<br />

Brasil e no Estado do Pará e Classe<br />

Operária, Capitalismo e Estrutura Sin-<br />

dical no Brasil.<br />

Um dado que chamou<br />

atenção nessa experiência foi a elabo-<br />

ração <strong>de</strong> Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Formação, a par-<br />

tir <strong>de</strong> conteúdos trabalhados em algu-<br />

mas Unida<strong>de</strong>s do Curso Básico como:<br />

"Dialética e Consciência", "A Pro-<br />

dução do Espaço e a Luta", "Análise<br />

<strong>de</strong> Conjuntura e as Eleições Presi<strong>de</strong>n-<br />

ciais". Este ponto, nos parece muito<br />

21<br />

CUIRA


positivo para uma Entida<strong>de</strong> que quer<br />

contribuir para a capacitação -<strong>de</strong> Li<strong>de</strong>-<br />

ranças dos Movimentos Sindical e Po-<br />

pular - colocar as idéias no papel e<br />

abrir espaço para o <strong>de</strong>bate.<br />

A análise do processo e dos<br />

resultados nos levaram a perceber que<br />

as mudanças introduzidas não altera-<br />

ram substantivamente a proposta do<br />

Curso Básico. Mudamos conteúdo, uti-<br />

lizamos novas técnicas, mas não alte-<br />

ramos a metodologia, ou seja, o trata-<br />

mento político-pedagógico dos conteú-<br />

dos historicamente acumulados e nem<br />

as condições para que os militantes pu-<br />

<strong>de</strong>ssem criticar e elaborar novos co-<br />

nhecimentos. Isto porque não altera-<br />

mos a nossa concepção dicotômica en-<br />

tre teoria e prática.<br />

Segundo Sny<strong>de</strong>rs "é indis-<br />

pensável que a teoria tenha nascido <strong>de</strong><br />

uma prática real naqueles a quem se di-<br />

rige, que seja a tomada <strong>de</strong> consciência<br />

da prática ou, pelo menos, dos conhe-<br />

cimentos que os animam e que eles<br />

gostariam <strong>de</strong> ver encarnados na práti-<br />

ca".<br />

Essa visão <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> na re-<br />

lação teoria-prática se fundamenta na<br />

premissa <strong>de</strong> que a teoria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

prática uma vez que esta "<strong>de</strong>termina o<br />

horizonte do <strong>de</strong>senvolvimento e pro-<br />

gresso do conhecimento", <strong>de</strong> acordo<br />

com Vasques, ou seja, a prática é a fon-<br />

te da teoria, na qual esta se nutre como<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento, interpretação<br />

e transformação.<br />

As unida<strong>de</strong>s do programa <strong>de</strong>s-<br />

tacados pelos participantes constatam a<br />

afirmação acima, consi<strong>de</strong>rando que fo-<br />

ram exatamente aquelas que participa-<br />

ram das experiências e das inquietações<br />

vividas por eles no seu cotidiano.<br />

"A formação se dá <strong>de</strong>ntro<br />

do processo organizativo".<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo<br />

docente mais fixo e engajado nos<br />

processos <strong>de</strong> formação, articulado com<br />

os processos organizativos das classes<br />

trabalhadoras, é outro ponto que precisa<br />

ser aprofundado.<br />

A partir <strong>de</strong>ssas análises passamos<br />

a nos preparar para enfrentar<br />

mais um <strong>de</strong>safio: elaborar uma nova<br />

proposta para o Curso Básico, que incluísse<br />

todas as críticas e reflexões advindas<br />

das duas experiências anteriores.<br />

22<br />

CUÍRA<br />

O AMADURECIMENTO<br />

DA PROPOSTA (1990)<br />

Com a vantagem <strong>de</strong> ter con-<br />

quistado um espaço próprio no final <strong>de</strong><br />

89, que oferecia as condições para o <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s adminis-<br />

trativas, pedagógicas, culturais, ecumê-<br />

nicas e <strong>de</strong> comunicação, partimos para<br />

a estruturação do Curso Básico -1990.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> integrar todas<br />

as reflexões feitas nas experiências an-<br />

teriores, com as contribuições dos alu-<br />

nos <strong>de</strong> 1989, e da nossa participação<br />

em Seminários e Encontros <strong>de</strong> Ava-<br />

liação Sobre Metodologia e Educação<br />

Popular, elaboramos para 1990 a se-<br />

guinte Proposta para o Curso Básico.<br />

CURSO BÁSICO DE<br />

FORMAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA<br />

Conteúdos Básicos: o eixo<br />

central será a categoria trabalho:<br />

a) História: a formação das<br />

socieda<strong>de</strong>s primitivas, escravista?feudal<br />

c capitalista . A origem e o papel do<br />

Estado. b) Economia: O valor do tra-<br />

balho. O Capital e a produção <strong>de</strong><br />

mais-valia. O confronto entre Capital e<br />

Trabalho. c) Filosofia; Origem e carac-<br />

terística do Conhecimento. Por que<br />

conhecer? A nossa maneira <strong>de</strong> pensar e<br />

agir é orientada pela nossa visão <strong>de</strong><br />

mundo. Mas, como ela se forma? I<strong>de</strong>o-<br />

logia, dominação e alienação.<br />

Linha Metodológica<br />

A formação que queremos<br />

baseia-se numa concepção <strong>de</strong> educação<br />

que procura romper com a dicotomia<br />

teoria x prática.<br />

Concebemos portanto que a<br />

formação se dá <strong>de</strong>ntro do processo or-<br />

ganizativo, partindo da prática, refle-<br />

tindo à luz da teoria e voltando à práti-<br />

ca para recriar as condições <strong>de</strong> luta e<br />

organização, tendo clareza <strong>de</strong> que con-<br />

dições está se partindo e como se criam<br />

novas condições.<br />

A partir <strong>de</strong>sses pressupostos<br />

procurou-se planejar as ativida<strong>de</strong>s do<br />

curso trabalhando os conteúdos <strong>de</strong><br />

forma integrada e não mais por módu-<br />

los, articulando momentos <strong>de</strong> re-<br />

creação com a dinâmica <strong>de</strong> grupo,<br />

exercícios <strong>de</strong> leitura e fichamento <strong>de</strong><br />

textos simples, <strong>de</strong> leitura e interpre-<br />

tação <strong>de</strong> textos, com elaboração <strong>de</strong> pe-<br />

quenos novos textos, buscando sempre<br />

a relação com a prática. A História se-<br />

ria vista através dos Modos <strong>de</strong> Pro-<br />

dução, contextualizados e relacionados<br />

ao momento presente, exercitando o<br />

afloramento das visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong><br />

homem e <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> que o processo<br />

histórico nos impõe e que nos leva a<br />

refletir e a produzir cultura e conheci-<br />

mento sistematizado, <strong>de</strong>smistificando o<br />

conhecimento científico como algo<br />

"Será se a História não po-<br />

<strong>de</strong>rá ser trabalhada a partir<br />

do presente, no sentido <strong>de</strong><br />

superarmos a forma linear<br />

como temos feito?"<br />

afeito apenas a intelectuais. Procurou-<br />

se também exercitar o uso e a pro-<br />

dução <strong>de</strong> recursos pedagógicos como<br />

ví<strong>de</strong>os, teatro <strong>de</strong> bonecos, transparên-<br />

cia, cartaz, sociodramas, historinhas,<br />

assim como utilização <strong>de</strong> técnicas que<br />

estimulam a participação <strong>de</strong> todos.<br />

O Processo <strong>de</strong> Avaliação<br />

Para ser coerente com a linha<br />

metodológica, criaram-se mecanismos<br />

<strong>de</strong> verificação da aprendizagem através<br />

<strong>de</strong> exercícios práticos <strong>de</strong> fichamento <strong>de</strong><br />

texto, participação em trabalhos <strong>de</strong><br />

grupo, e elaboração <strong>de</strong> instrumentos<br />

que possibilitasem a socialização do


aprendido no Curso com as suas bases,<br />

como as cartilhas sobre os modos <strong>de</strong><br />

produção já publicadas.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento da tercei-<br />

ra experiência e seus resultados<br />

O Curso Básico <strong>de</strong> Formação<br />

Sócio-Política da UNIPOP teve início<br />

no dia 13 <strong>de</strong> março com a presença <strong>de</strong><br />

30 militantes, sendo <strong>de</strong>zesseis sindica-<br />

listas (Construção Civil, Urbanitários.<br />

Oposição Comerciaria, Previdência So-<br />

cial, Aeroviários, Professores, Fun-<br />

cionários da SESPA, Processamento <strong>de</strong><br />

Dados e Metalúrgicos); cinco do Mo-<br />

vimento popular (ligados à CBB); dois<br />

da Pastoral religiosa (Luterana e Me-<br />

todista); dois do Movimento da Repú-<br />

blica do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor; dois do<br />

Movimento <strong>de</strong> Defesa do Negro; um do<br />

Movimento <strong>de</strong> Defesa dos Direitos<br />

Humanos; um do Movimento Popular<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e um do Movimento <strong>de</strong> Mu-<br />

lheres.<br />

Des<strong>de</strong> a primeira semana,<br />

procurou-se trabalhar uma dinâmica<br />

que possibilitasse o entrosamento do<br />

grupo e a socialização dos conhecimen-<br />

tos que cada militante já havia sistema-<br />

tizado, usando técnicas <strong>de</strong> construção<br />

coletiva <strong>de</strong> textos, <strong>de</strong>ixando livre a cria-<br />

Apren<strong>de</strong>r juntos é saber muito mais<br />

tivida<strong>de</strong> da apresentação. Na primeira<br />

semana foram refletidos e sistematiza-<br />

dos conceitos <strong>de</strong> Homem, Cultura e<br />

Trabalho pela discussão sobre a relação<br />

Homem x Natureza, mediatizada pela<br />

ação do homem: o trabalho, e apartir<br />

daí como se processou a caminhada dos<br />

homens para a formação das socieda-<br />

<strong>de</strong>s, através dos Modos <strong>de</strong> Produção.<br />

Utilizou-se uma linha <strong>de</strong> tempo, discu-<br />

tindo a evolução do trabalho humano<br />

com a criação dos instrumentos <strong>de</strong><br />

Trabalho, o aparecimento da proprie-<br />

da<strong>de</strong> privada, o surgimento do Estado,<br />

das Classes Sociais, das Visões úe<br />

Mundo que caracterizavam cada uma<br />

<strong>de</strong>ssas socieda<strong>de</strong>s. O papel da Igreja na<br />

Socieda<strong>de</strong> Feudal (que provocou uma<br />

discussão acirrada entre os participan-<br />

tes, obrigando a inclusão <strong>de</strong> uma uni-<br />

da<strong>de</strong> sobre a religiosida<strong>de</strong> popular e as<br />

religiões oficiais). As características do<br />

pré-capitalismo e a sedimentação do<br />

Capitalismo. Foram usados como re-<br />

cursos pedagógicos: textos (na ^gran<strong>de</strong><br />

maioria reescritos pelos professores<br />

numa linguagem acessível ao nível dos<br />

participantes); filmes: A GUERRA<br />

DO FOGO, na discussão do Modo <strong>de</strong><br />

Produção Primitivo; SPARTACUS, na<br />

discussão sobre o Modo <strong>de</strong> Produção e<br />

relações sociais no escravagismo; A<br />

MISSÃO, no Modo <strong>de</strong> Produção Feu-<br />

dal; MARX (documentário da TV<br />

Educativa sobre os pressupostos da<br />

Teoria <strong>de</strong> Marx) e TERRA E LIBER-<br />

DADE, na discussão da socieda<strong>de</strong> Ca-<br />

pitalista; Transparências, mapas geo-<br />

gráficos e Técnicas variadas <strong>de</strong> Dinâ-<br />

mica <strong>de</strong> Grupo e <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Lúdicas.<br />

Estas? feitas diariamente por exigência<br />

do próprio grupo, foram extremamente<br />

positivas para relaxamento, entrosa-<br />

mento e aprofundamento das relações<br />

interpessoais. Os exercícios práticos<br />

(individuais ou coletivos) <strong>de</strong> leitura e<br />

fichamento <strong>de</strong> texto e leitura e inter-<br />

pretação <strong>de</strong> texto, foram consi<strong>de</strong>radas<br />

positivamente pelos participantes que<br />

apren<strong>de</strong>ram a exercitar a leitura, i<strong>de</strong>n-<br />

tificar as idéias principais do texto e<br />

emitir opinião sobre essas idéias. O<br />

exercício <strong>de</strong> produção coletiva <strong>de</strong> texto<br />

e o fato da UNIPOP ter transformado<br />

em Cartilha estimulou as pessoas a par-<br />

ticiparem e a justificarem cada vez que,<br />

por algum problema, eram obrigadas a<br />

faltar.<br />

Com essa metodologia foi<br />

possível discutir a prática, principal-<br />

mente na discussão sobre o capitalis-<br />

mo, apesar das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> enten-<br />

dimento sobre mais-valia, papel do Es-<br />

tado, se o pessoal admistrativo que tra-<br />

balha na fábrica e que também é explo-<br />

rado produz ou não mais-valia. Foi<br />

uma das gran<strong>de</strong>s polêmicas. A análise<br />

da teoria marxista relacionada ao mo-<br />

mento histórico <strong>de</strong> sua elaboração e o<br />

estágio hoje do capitalismo <strong>de</strong>ixou en-<br />

tre os participantes (pelo menos a<br />

maioria)a compreensão <strong>de</strong> que ne-<br />

nhuma teoria po<strong>de</strong> ser aplicada sem<br />

um estudo das condições concretas do<br />

presente. Os momentos <strong>de</strong> avaliação no<br />

processo também foram muito impor-<br />

tantes, pois ajudaram a aprofundar<br />

forma e conteúdo do Curso em si, da<br />

relação grupai e culminância através <strong>de</strong><br />

uma ficha <strong>de</strong> avaliação, cujos resulta-<br />

dos retratam bem os avanços e os acer-<br />

tos conquistados, após as reflexões das<br />

duas primeiras experiências.<br />

Entretanto, mesmo com to-<br />

dos os pontos positivos, nos questio-<br />

namos se a História não po<strong>de</strong>rá ser<br />

trabalhada partindo-se do presente,<br />

buscando-se a referência no passado e<br />

não da forma linear como temos feito.<br />

Talvez essa inversão possibilitasse<br />

aprofundar mais e melhor a socieda<strong>de</strong><br />

capitalista e suas contradições, permi-<br />

tindo a discussão sobre as questões<br />

atuais do socialismo, assunto que teve<br />

que ser suprimido por falta <strong>de</strong> tempo.<br />

Mas, como temos a clareza <strong>de</strong> que ne-<br />

nhuma experiência <strong>de</strong> formação é um<br />

projeto inacabado, continuaremos ten-<br />

tando, estimulados a estudar e apro-<br />

fundar os dados fornecidos por esta<br />

nova etapa que se encerrou no dia 15<br />

<strong>de</strong> junho do corrente, pois com certeza<br />

novos questionamentos surgirão.<br />

A busca continua !<br />

Aldalice Otlerloo, Pedagoga. Coor<strong>de</strong>nadora do Curso Básico da<br />

UNIPOP<br />

B>blíogratia:<br />

FONTES, Editza e COSTA, Marly - Relatório <strong>de</strong> Avaliação do<br />

Curso Regular para Li<strong>de</strong>ranças Intermediárias. Belém. UNIPOP,<br />

1987 (texto mimeogratado)<br />

OTTERLOO, Aldalice, VEIGA. Hecilda - Relatório <strong>de</strong> Avaliação<br />

do Curso Regular, Belém. UNIPOP, 1988 (texto mimeografado).<br />

SCALON, Ted e COSTA, Graça Smlese Preliminar do Seminá<br />

no sobre Concepção <strong>de</strong> Formação da UNIPOP. Belém, <strong>de</strong>z<br />

1988 (texto mimeogratado)<br />

OTTERLOO, Aldalice - Relatório <strong>de</strong> Avaliaçác do Curso Regular<br />

para Formação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças, Belém, UNIPOP, 1989.(texto mi-<br />

meografado)<br />

UNIPOP Planejamento Anual <strong>de</strong> 1990. Belém, Pará. 1990.<br />

SNYDERS. Georges - Para on<strong>de</strong> vão as pedagogias não direti-<br />

vas? Lisboa. Moraes Editora. 1974.<br />

VASQUEZ. Adolfo Sanchez - Filosofia da práxis. 2" ed.. Rio. Paz<br />

e Terra. 1977.<br />

23<br />

CUIRA


os últimos trinta anos, o Brasil<br />

foi um dos países que mais <strong>de</strong>-<br />

senvolveu a sua economia sem<br />

que isto tivesse como conseqüência a<br />

diminuição da pobreza. Como nós,<br />

somente o Paquistão e a Venezuela<br />

conseguiram combinar tão bem o<br />

crescimento econômico e concentração<br />

<strong>de</strong> renda no mesmo período. Aliás, por<br />

falar em concentração <strong>de</strong> renda, o Bra-<br />

sil, empatado com o Panamá e a<br />

Colômbia, só per<strong>de</strong> para Serra Leoa<br />

por 2 pontos e para Honduras por 5<br />

pontos. Estes dados, que por si só<br />

constituem uma grave <strong>de</strong>núncia, não<br />

são produtos <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> intelectuais<br />

<strong>de</strong> esquerda ou da oposição. Estas in-<br />

formações constam no relatório do,<br />

nada socialista. Banco Mundial. Que<br />

ainda <strong>de</strong>dica razoável espaço <strong>de</strong> sua<br />

análise sobre a lastimável situação do<br />

Brasil, para criticar o que avalia ser<br />

um dos focos do problema, ou seja, o<br />

mo<strong>de</strong>lo brasileiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

agrícola, baseado no favorecimento do<br />

gran<strong>de</strong> produtor, na concentração da<br />

proprieda<strong>de</strong> rural e na priorização da<br />

produção para exportação em <strong>de</strong>tri-<br />

mento da produção <strong>de</strong> alimentos bási-<br />

cos como o feijão, arroz e o trigo, que<br />

aten<strong>de</strong>riam as necessida<strong>de</strong>s das popu-<br />

lações <strong>de</strong> baixa renda. Na verda<strong>de</strong>, o<br />

Banco Mundial se queixa da distância<br />

que alguns países capitalistas guardam<br />

do próprio capitalismo, vivendo em<br />

métodos e concepções qualquer coisa<br />

que mais se aproxima do final do feu-<br />

dalismo. No entanto, avaliar a realida-<br />

<strong>de</strong> e suas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>transfor-<br />

mar apenas pelo prisma da economia,<br />

limita enormemente esta mesma po-<br />

tencialida<strong>de</strong>. Melhor observan política<br />

como fenômeno cultural, tem sido o<br />

caminho mais eficiente para elaborar<br />

propostas aos <strong>de</strong>safios da conjuntura,<br />

como por exemplo o jogo <strong>de</strong> cena e <strong>de</strong><br />

palavras com o qual as elites econômi-<br />

cas dominam o conjunto da socieda<strong>de</strong>.<br />

Um jogo cm que se as mentiras são as<br />

verda<strong>de</strong>s e quando o passado é o que se<br />

propões como futuro. Além disso, para<br />

milhões <strong>de</strong> brasileiros, a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

crita no relatório do Banco Mundial, é<br />

não mais do que o seu cotidiano. Por-<br />

tanto, há muito que a miséria, o aban-<br />

dono oficial e a usura <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser<br />

novida<strong>de</strong> para a gran<strong>de</strong> maioria da po-<br />

pulação.<br />

24<br />

CUÍRA<br />

A.<br />

CONJUNTURA<br />

João Cláudio Arroyo<br />

" O conceito <strong>de</strong> luta política precisa ser ampliado e<br />

atingir a dimensão <strong>de</strong> luta cultural. A análise da<br />

economia não explica tudo <strong>de</strong> uma conjuntura, é<br />

preciso observar costumes e hábitos políticos presen-<br />

tes na socieda<strong>de</strong>. Por on<strong>de</strong> começar é o maior <strong>de</strong>sa-<br />

fio, mas o Governo Paralelo já <strong>de</strong>u a dica: Educação<br />

Urgente."<br />

A Culpa é do Povo ?<br />

Velhas Novida<strong>de</strong>s<br />

Andamos em tempos <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s "novida<strong>de</strong>s". Agora mesmo,<br />

em nome <strong>de</strong> um "Brasil Novo" e da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o governo fe<strong>de</strong>ral reedita<br />

o passado. Senão vejamos: em março,<br />

ainda nas badalações da posse presi-<br />

<strong>de</strong>ncial, é divulgado mais um re<strong>de</strong>ntor<br />

plano econômico que <strong>de</strong>veria ser o úl-<br />

timo cartucho contra a inflação, então<br />

eleita como a causa <strong>de</strong> todos os males.<br />

Só que, quando Collor dizia apontar<br />

sua única bala contra o "Monstro da<br />

Inflação", <strong>de</strong> fato - por má pontaria ou<br />

má vonta<strong>de</strong> política - o que aparecia na<br />

alça <strong>de</strong> mira, outra vez, era a testa do<br />

trabalhador brasileiro. E, mais uma<br />

vez, os salários são os principais culpa-<br />

dos pela inflação. De novo, o manjadís-<br />

simo arrocho salarial.<br />

"Com Coffor, também o dis-<br />

curso é mais importante<br />

quo a ação e a versão mais<br />

importante do que o fato".<br />

Ao lado disso tudo, como nos<br />

velhos tempos, voltamos a receber as<br />

missões do FMI dispostas a tele-<br />

guiara nossa economia. E, por fim, lan-<br />

çadá^l como gran<strong>de</strong> sacada do momen-<br />

to, reaparece a esclerosada proposta do<br />

pacto social, agora com o pseudônimo<br />

<strong>de</strong> "entendimento nacional".<br />

Por incrível que pareça, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste<br />

brevíssimo levantamento das "novas"<br />

atitu<strong>de</strong>s governamentais, não po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar <strong>de</strong>le. É, ele mesmo.<br />

Sarney, cruz-credo.<br />

As semelhanças entre Collor<br />

e Sarney são muitas, resguardado o<br />

momento histórico. Semelhanças estas<br />

muito bem percebidas por Jânio <strong>de</strong><br />

Freitas ao comentar o balanço <strong>de</strong> 180<br />

dias do governo em artigo publicado na<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo: "o discurso <strong>de</strong><br />

Collor reproduziu a montagem <strong>de</strong> fra-<br />

ses apenas retóricas e afirmações in-<br />

comprováveis, que caracterizam o esti-<br />

lo sarneiano com as tiradas sobre a<br />

gran<strong>de</strong> reforma agrária, as elevações do<br />

po<strong>de</strong>r aquisitivo dos salários, as gran-<br />

<strong>de</strong>s realizações do tudo pelo social, e<br />

outras <strong>de</strong>liberadas irrealida<strong>de</strong>s verbais<br />

dç Sarney".<br />

Com Collor também o dis-<br />

curso é mais importante que a ação e a<br />

versão mais importante do que o fato.<br />

Nesta postura, miséria e enganação<br />

tem sido um binômio constante, fican-<br />

do cada vez mais evi<strong>de</strong>nte que já não<br />

basta nos limitarmos ao estudo e 'a<br />

<strong>de</strong>núncia do primeiro termo, mas que


<strong>de</strong>vemos nos aprofundar cada vez mais<br />

nos mistérios do segundo. Pois miséria<br />

e enganação são gran<strong>de</strong>zas diretamente<br />

proporcionais, como diriam os ma-<br />

temáticos. Ou seja, quanto maior a<br />

miséria mais facilmente o povo é iludi-<br />

do e manobrado. "Miséria é miséria em<br />

qualquer canto. Riquezas são diferen-<br />

tes", diriam os Titãs.<br />

Em gran<strong>de</strong>s traços, o "Brasil<br />

Novo" se parece muito com a "Nova<br />

República", as coisas parecem se mexer<br />

para não mudar. Porém, ainda que as<br />

gran<strong>de</strong>s coisas <strong>de</strong>morem a mudar, o<br />

mais difícil é mudar as pequenas coisas,<br />

aquilo que se repete aos milhões, por<br />

milhões, no dia-a-dia da atitu<strong>de</strong> dos<br />

anônimos, indivíduos, transeuntes, fon-<br />

tes dos números dos institutos <strong>de</strong> pes-<br />

quisa da opinião pública.<br />

Observando a "olho nu", em<br />

"Na Bahia, o Ibope registrou<br />

que 80% do eleitorado preferem<br />

votar no que 'rouba<br />

mas faz'."<br />

gran<strong>de</strong> escala, não faz muito sentido<br />

que Já<strong>de</strong>r Barbalho,no Pará, ou Antô-<br />

nio Carlos Magalhães,na Bahia, <strong>de</strong>ntre<br />

outros, <strong>de</strong>tivessem altíssimos índices <strong>de</strong><br />

popularida<strong>de</strong> em suas campanhas a go-<br />

vernador. Aparentemente, é incompre-<br />

ensível que figuras execradas como cor-<br />

ruptos sejam tão bem aceitas pela so-<br />

cieda<strong>de</strong>. No entanto, em pesquisa <strong>de</strong><br />

opinião, o Ibope revelou um <strong>de</strong>talhe<br />

gigantesco, registrou que mais <strong>de</strong> 80%<br />

do eleitorado prefere votar no que<br />

"rouba.mas faz". Provavelmente se en-<br />

veredarmos pelos labirintos do ima-<br />

ginário popular encontraremos outras<br />

justificativas do tipo "se eu tivesse lá<br />

também roubaria" ou "voto em rico<br />

porque não precisa roubar".<br />

Uma primeira reflexão neste<br />

sentido po<strong>de</strong> ser: como <strong>de</strong>scolar a ima-<br />

gem da ativida<strong>de</strong> política da prática da<br />

mutreta, da corrupção e da ostentação<br />

que significativas parcelas da popu-<br />

lação mantêm?<br />

Além da prática majoritária<br />

dos políticos tradicionais, uma possível<br />

causa da associação da política à cor-<br />

rupção <strong>de</strong>ve ser a cultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sparti-<br />

darização da ativida<strong>de</strong> política. A secu-<br />

lar falta <strong>de</strong> organização política <strong>de</strong> nos-<br />

sa socieda<strong>de</strong> não oferece mediações <strong>de</strong><br />

intervenção do indivíduo nos rumos do<br />

país. Desta forma, a pessoa é colocada<br />

sozinha em confronto com a gigantesca<br />

máquina do sistema e, inferiorizada, ou<br />

marginaliza-se por opção ou condição,<br />

ou absorve as regras do jogo e tenta sa-<br />

far o seu "pão <strong>de</strong> cada dia" custe o que<br />

custar na base do vale-tudo. Para este<br />

indivíduo, cidadania é apenas mais uma<br />

palavra no dicionário sem significado<br />

prático, e política é apenas mais um<br />

meio <strong>de</strong> ganhar a vida.<br />

Sem mediações para a sua in-<br />

tervenção política, como sindicatos, as-<br />

sociações ou partidos, os indivíduos se<br />

fragilizam diante do po<strong>de</strong>r dos<br />

governantes e per<strong>de</strong>m a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fiscalizar as atitu<strong>de</strong>s do executivo e<br />

do legislativo, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> exercer um<br />

direito fundamental para a constituição<br />

da cidadania. Assim é que muitos ainda<br />

se surpreen<strong>de</strong>m com a bem humorada<br />

<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Josias <strong>de</strong> Souza (FSP), que<br />

comparou o programa do governo Col-<br />

lor, na campanha,com o programa em<br />

execução do governo Collor, no gover-<br />

no. E ridiculariza o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>-<br />

monstrando as suas discrepáncias e o<br />

seu cinismo. On<strong>de</strong> se lia, durante a<br />

campanha, "<strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>scartar um pla-<br />

no concebido em laboratórios acadê-<br />

micos", leia-se, no governo, "lá vem o<br />

plano 'Brasil Novo' que promete inau-<br />

gurar uma nova série <strong>de</strong>les". On<strong>de</strong> em<br />

campanha se lia, "as datas-bases <strong>de</strong>vem<br />

se transformar em oportunida<strong>de</strong> para a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> aumentos reais (...), ao<br />

invés <strong>de</strong> representarem penosos emba-<br />

tes para discutir a mera reposição <strong>de</strong><br />

perdas já impostas", hoje, no governo,<br />

se lê "e tome arrocho". Como fazer<br />

com que a opinião pública se comova e<br />

reaja diante <strong>de</strong> tanta hipocrisia?<br />

Estes questionamentos não<br />

são nada simples. Por que o sujeito não<br />

se indigna frente à corrupção, à hipo-<br />

crisia ou à violência da gran<strong>de</strong> máquina<br />

estatal, em função <strong>de</strong> estar brutalizado,<br />

convivendo e lidando, como autor e ví-<br />

tima, <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> con-<br />

duta em um jogo <strong>de</strong>sumanizante que<br />

rola no seu espaço-o tempo todo. Um<br />

jogo que acaba, por exemplo, com a<br />

aparente contradição <strong>de</strong> quem votou<br />

em Lula em 89, e em Já<strong>de</strong>r ou ACM<br />

em 90. Tudo regido, <strong>de</strong> uma forma ou<br />

<strong>de</strong> outra, pela fórmula, "leve vantagem<br />

em tudo, certo?".<br />

Luta Cultural<br />

A luta política, neste país-<br />

continente, <strong>de</strong> milhões integrados por<br />

milhões <strong>de</strong> tv's (certamente o nosso<br />

mais forte laço <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> do<br />

Oiapoque ao Chuí), é mais do que<br />

nunca uma luta cultural. É preciso ope-<br />

rar por <strong>de</strong>ntro do imaginário popular,<br />

impregnado pela hipocrisia, pela gros-<br />

seria e pela <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>, reconsti-<br />

tuindo-o em um sentimento humanista,<br />

plural, com forte senso <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong><br />

e justiça a partir dos nossos concretos<br />

exemplos <strong>de</strong> vida até a elaboração <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s políticas. É preciso que a ela-<br />

boração <strong>de</strong> políticas tenham manejos<br />

culturais, que incidam sobre a ética e os<br />

valores morais da socieda<strong>de</strong> no sen-<br />

tido da libertação, e não mais da<br />

opressão.<br />

"Que bom seria se cada<br />

sindicato tivesse uma escoli-<br />

nha".<br />

É preciso reverter a tendência<br />

da socieda<strong>de</strong> que prefere espontanea-<br />

mente se organizar em grupos <strong>de</strong> ex-<br />

termínio ou em bandos mafiosos (em<br />

busca <strong>de</strong> resultados rápidos para os<br />

seus problemas) do que buscar organi-<br />

CUIRA


zações do tipo sindicato, partido, igreja<br />

(salvo as pentecostais) etc. É também<br />

preciso buscar novas formas <strong>de</strong> organi-<br />

zação. Os jornais divulgam mais o<br />

jogo <strong>de</strong> bastidores das campanhas do<br />

que as idéias dos candidatos. Isto por-<br />

que o que ven<strong>de</strong> mais é a tramóia, o ar-<br />

dil. E os politicamente marginalizados,<br />

os setores populares e progressistas or-<br />

ganizados,não percebem a importância<br />

<strong>de</strong>sse fato, e marginalizam-se cada vez<br />

mais sem divulgar as suas idéias.<br />

Cabral, o ministro, <strong>de</strong>ixa a<br />

Anistia Internacional esperando para<br />

aten<strong>de</strong>r Cláudia Raia e isso quase passa<br />

<strong>de</strong>spercebido. Collor manda processar<br />

a Folha <strong>de</strong> São Paulo por revelar a ver-<br />

da<strong>de</strong> sobre a contratação <strong>de</strong> agências<br />

<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> sem concorrência, e os<br />

sindicatos não participam da <strong>de</strong>fesa<br />

com peso. Provavelmente, se não for<br />

ampliado o entendimento da luta polí-<br />

tica para muito além da luta econômica,<br />

o gueto será líquido e certo. Isso vale<br />

para os partidos, sindicatos, asso-<br />

ciações etc.<br />

Educação Paralela<br />

Mas, nem tudo é sombra e <strong>de</strong>-<br />

solação: eis que surge uma iniciativa<br />

das mais felizes e inteligentes dos últi-<br />

mos tempos. O lançamento do Pro-<br />

grama Educação Urgente do governo<br />

paralelo organizado a partir do PT.<br />

Uma iniciativa que rompe com a tra-<br />

dição da oposição <strong>de</strong> esquerda que li-<br />

mita-se ao embate econômico e dá um<br />

salto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> na disputa política,<br />

colocando em xeque o governo Collor,<br />

<strong>de</strong>safiando a sua coerência e se colo-<br />

cando <strong>de</strong> igual para igual.<br />

O fato do primeiro programa<br />

ser sobre Educação acerta em cheio<br />

um dos focos <strong>de</strong> nossa crise, propondo<br />

medidas concretas e viáveis, além <strong>de</strong><br />

servir <strong>de</strong> exemplo ao conjunto do mo-<br />

vimento popular e sindical, propondo<br />

talvez que as associações e sindicatos<br />

passem a levar tão a sério a questão da<br />

educação quanto levam a questão sala-<br />

rial. Absurdo? Que bom seria se cada<br />

sindicato tivesse uma escolhinha <strong>de</strong> al-<br />

fabetização ou capacitação pfofissiona<br />

para a categoria, revolucionando a sua<br />

relação com os trabalhadores através<br />

<strong>de</strong> metodologias participativas, dialéti-<br />

cas, para a formação <strong>de</strong> indivíduos crí-<br />

ticos e criativos.<br />

26<br />

CUIRA<br />

Talvez seja necessário que a<br />

esquerda não seja tão "esquerda", co-<br />

mo é vista pela maioria da socieda<strong>de</strong>,<br />

para perceber, como nos sugeriu Luís<br />

Roberto Alves, professor da ECA-<br />

USP, em recente seminário oromovido<br />

pelo CELADEC.que "na verda<strong>de</strong>,<br />

quando um eleitor troca o seu voto por<br />

um par <strong>de</strong> sapatos, é porque esta c a<br />

sua forma <strong>de</strong> reagir, na medida em que<br />

conclui que a política, da maneira co-<br />

mo é feita, faz, <strong>de</strong> fato, com que o seu<br />

voto não valha muito mais do que um<br />

par <strong>de</strong> sapatos". Devemos perceber<br />

ainda que esta postura não <strong>de</strong>ve rece-<br />

ber o rótulo fácil da "alienação", por-<br />

que no universo concreto daquele in-<br />

divíduo, aquela era a melhor conduta<br />

diante <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> constituída. Às<br />

^ret >^'<br />

vezes, quando se taxa uma postura co-<br />

mo esta <strong>de</strong> "alienada", não compreen-<br />

<strong>de</strong>mos que trata-se <strong>de</strong> uma alienação<br />

em relação aos que se gostaríamos que<br />

a realida<strong>de</strong> fosse, mas não é. Ao seu jei-<br />

to, o chamado "senso comum", muitas<br />

vezes <strong>de</strong>monstra muito mais conexão<br />

com a realida<strong>de</strong> do que muitos <strong>de</strong> nós.<br />

Logo, é preciso perceber que quando<br />

confundimos a realida<strong>de</strong> com o que<br />

gostaríamos que ela fosse, aí sim en-<br />

contramos a "alienação". É, não vai re-<br />

solver culpar o povo pelos nossos insu-<br />

cessos.<br />

João Cláudio Airoyo é educador popular, Coor<strong>de</strong>nador do nú-<br />

cleo <strong>de</strong> Editoração e Comunicação da UNIPOP.


MOVIMENTO SINDICAL<br />

Collor, o Bonapartismo<br />

e o Sindicalismo<br />

Ricardo Antunes<br />

Quando se lança o olhar para a<br />

campanha eleitoral e para o<br />

período posterior à posse, pa-<br />

recem evi<strong>de</strong>ntes os traços que apresen-<br />

tam similitu<strong>de</strong>s entre Collor e o bona-<br />

partismo. Não, naturalmente, aqueles<br />

traços que remetem à persona do pri-<br />

meiro Bonaparte, o Napoleão. Este foi<br />

um <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> uma Revolução<br />

<strong>de</strong>cisiva. Collor nos remete ao segundo<br />

Bonaparte, o Luís Bonaparte, o sobri-<br />

nho, que celebrizou-se na França por<br />

ter sido responsável por um golpe <strong>de</strong><br />

estado... Nãc. se trata, entretanto, <strong>de</strong><br />

buscar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre singularida<strong>de</strong>s<br />

muito distintas, como a França <strong>de</strong><br />

meados do século passado e o Brasil<br />

dos anos 90. Este caminho-recurso me-<br />

todológico duvidoso- resultaria em al-<br />

go muito pouco fértil, senão grotesco.<br />

Há, entretanto, uma dimensão univer-<br />

salizante, presente no fenômeno social<br />

e político do bonapartismo e que, por<br />

isso, faz com que este conceito, ori-<br />

ginário da contextualida<strong>de</strong> francesa,<br />

em muito a transcenda. Cremos que<br />

somente neste plano torna-se possível<br />

fazer alusão às conexões existentes en-<br />

tre Collor e o bonapartismo.<br />

"No dia da posse, o presi-<br />

<strong>de</strong>nte jurou dar 'a vida', se<br />

necessário, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

os pobres".<br />

plano Collor é exemplar a este respei-<br />

to. Tem um télos que visa a mo<strong>de</strong>rni-<br />

da<strong>de</strong> do gran<strong>de</strong> capital e, para alcançar<br />

tal objetivo, implementa algumas me-<br />

didas que, em sua imediatida<strong>de</strong>, e só<br />

neste plano, ferem aspectos <strong>de</strong> setores<br />

do capital. Voltaremos a este ponto<br />

mais adiante.<br />

Os <strong>de</strong>safios do Governo Collor no sindicalismo combativo são<br />

muitos, mas os resultados do sindicalismo <strong>de</strong> Magri e Me<strong>de</strong>i-<br />

ros são reveladores: Magri, o ministro - bibelô, nada resolve,<br />

apenas enfeita o primeiro escalão do governo. Enquanto que<br />

Me<strong>de</strong>iros limita-se a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r migalhas aos aposentados, con-<br />

tando com o apoio da collorida Re<strong>de</strong> Globo.<br />

A primeira <strong>de</strong>las remete-nos<br />

ao fato <strong>de</strong> que nos projetos bonapartis-<br />

tas os interesses gerais da Or<strong>de</strong>m são<br />

sempre prevalentes, mesmo quando,<br />

em alguns aspectos contigenciais, estes<br />

setores dominantes, são atingidos. O<br />

28<br />

CUÍRA<br />

Uma segunda dimensão in-<br />

trínseca ao bonapartismo advém do fato<br />

<strong>de</strong> que a persona do Bonaparte carece<br />

<strong>de</strong> uma massa <strong>de</strong> manobra que permita<br />

calibrar a sua autonomia relativa frente<br />

aos interesses dominantes. Na França<br />

<strong>de</strong> Luís Bonaparte, o campesinato e o<br />

lumpem-proletariado prestaram-se a<br />

este papel. Aqui aflora a figura mais di-<br />

fusa, mas real, dos "<strong>de</strong>scamisados", dos<br />

"pés <strong>de</strong>scalços", este enorme contigen-<br />

te que vivência, em sua cotidianeida<strong>de</strong>,<br />

condições as mais adversas. E que crê<br />

na na figura do Presi<strong>de</strong>nte, dando-lhe<br />

apoio muitas vezes incondicional. E<br />

Collor usa com enorme sabedoria polí-<br />

tica esta "relação direta com as mas-<br />

sas". Lembre-se aqui da fala presi<strong>de</strong>n-<br />

cial no Parlatório, no dia da Posse,<br />

quando jurou dar "a vida", se necessá-<br />

rio, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r "os pobres".<br />

Mas o bonapartismo não pára<br />

aí. Ten<strong>de</strong> a uma constante regressão do<br />

po<strong>de</strong>r parlamentar. Neste sentido, a<br />

forma pela qual Collor encaminhou ao<br />

Congresso as Medidas Provisórias<br />

(muitas <strong>de</strong>las, como já se falou à<br />

exaustão, claramente anliconstitucio-<br />

nais) expressa limpadamente esta di-<br />

mensão acima aludida. E já há outros<br />

exemplos: os vetos presi<strong>de</strong>nciais. De-<br />

pois da aprovação da M.P. 168, Collor<br />

vetou praticamente todos os acordos<br />

feitos pelos seus representantes parla-<br />

mentares. Não po<strong>de</strong> haver maior <strong>de</strong>s-<br />

prezo ao Parlamento que a sua pura e<br />

simples <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração. A tendência<br />

autocrática e ditatorial foi o traço co-<br />

mum a todas as manifestações bona-<br />

partistas. Veja-se, além da experiência<br />

francesa, a Alemanha da era Bismarc-<br />

kiana. Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi-<br />

<strong>de</strong>rar, nesta aproximação entre Collor<br />

e o bonapartismo, a sua dimensão "a-<br />

ventureira". Era a saída possível, <strong>de</strong><br />

uma Or<strong>de</strong>m, num quadro eleitoral em<br />

que seus representantes, <strong>de</strong> Maluf a<br />

Ulysses, passando pelo ensaio da can-


didatura Jânio, não conseguiram <strong>de</strong>co-<br />

lar. Em contrapartida, as opções pela<br />

esquerda, com Lula e Brizola, assusta-<br />

vam crescentemente os <strong>de</strong>fensores do<br />

statusquo. Collor foi a expressão (bem<br />

sucedida) <strong>de</strong> um improviso necessá-<br />

rio, da Or<strong>de</strong>m, frente aos riscos presen-<br />

tes no quadro eleitoral.<br />

Há, entretanto, pontos origi-<br />

nais que conformam o nosso bonapar-<br />

tismo recente. E o entendimento do<br />

significado do Plano nos auxilia enor-<br />

memente, uma vez que se trata <strong>de</strong> um<br />

governo recentemente empossado e<br />

com um período <strong>de</strong> mandato que, ob-<br />

viamente, po<strong>de</strong> permitir indicações<br />

e não análises conclusivas.<br />

Duas consi<strong>de</strong>rações prelimi-<br />

nares são imperiosas: é preciso apreen-<br />

<strong>de</strong>r o Plano em sua essencialida<strong>de</strong>, em<br />

sua dimensão globalizante, em seu té-<br />

los, e não se per<strong>de</strong>r na sua dimensão<br />

contigencial, fenomênica, epidérmica.<br />

O que implica captar as articulações<br />

recíprocas entre as dimensões econô-<br />

micas e políticas, presentes no Plano.<br />

Obvieda<strong>de</strong> que, uma vez <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra-<br />

da tem levado a resultados tristes. A<br />

fratura <strong>de</strong>stes níveis ajuda a enten<strong>de</strong>r,<br />

por exemplo, a aproximação tão gran<strong>de</strong><br />

entre os economistas da Or<strong>de</strong>m e do<br />

"da oposição", efusivos com a coerên-<br />

cia técnica do Plano.<br />

O seu sentido essencial, mui-<br />

tos já o disseram, é dar um novo salto<br />

para a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> capitalista. Um<br />

"neo-juscelinismo" mesclado com o<br />

i<strong>de</strong>ário do pós-64, contextualizado para<br />

os anos 90. É o acentuar do mo<strong>de</strong>lo<br />

produtor para exportação, competitivo<br />

frente às economias avançadas, o que<br />

supõe a franquia da nossa produção<br />

aos capitais monopólicos externos. Tu-<br />

do em clara integração com o i<strong>de</strong>ário<br />

neo-liberal. A privatização do Estado<br />

preenche outro requisito imprescindível<br />

<strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>ário. Os procedimentos para a<br />

obtenção <strong>de</strong>ste télos segue, em dose<br />

única, o essencial do receituário do<br />

FMl:o enxugamento da liqui<strong>de</strong>z, o<br />

quadro recessivo <strong>de</strong>corrente, a redução<br />

do déficit público, a "mo<strong>de</strong>rnização"<br />

(privatista) do Estado, o estímulo às<br />

exportações e, é claro, a prática do ar-<br />

rocho salarial, secularmente utilizada<br />

em nosso país. É um <strong>de</strong>senho econômi-<br />

co nitidamente neo-liberal. O "inter-<br />

vencionismo exacerbado", presente no<br />

Plano e que <strong>de</strong>sagradou os setores mais<br />

à direita, lembra a última medida ne-<br />

cessária para uma lógica <strong>de</strong> um Estado<br />

que se quer todo privatizado. É a sim-<br />

biose entre a proposição política auto-<br />

crática e a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundo<br />

neo-liberal. O caso chileno, entre mui-<br />

tos outros, mostra que não há nenhu-<br />

ma incompatibilida<strong>de</strong> entre estes planos.<br />

Neste sentido, o confisco <strong>de</strong><br />

recursos financeiros, o aumento da car-<br />

ga tributária sobre os ganhos <strong>de</strong> capi-<br />

tal, a punição aos abusos do po<strong>de</strong>r<br />

econômico, os crimes contra o Estado,<br />

etc, atingem somente na imediatida<strong>de</strong>,<br />

na contigência, na circunstancialida<strong>de</strong>,<br />

os interesses do gran<strong>de</strong>capital,poisoho<br />

rizonte aberto com o Plano lhes é fran-<br />

camente favorável. O mesmo não po<strong>de</strong><br />

ser dito em relação ao pequeno e mé-<br />

dio capital e a chamada economia infor-<br />

mal, que viverão dias difíceis. Tudo<br />

isso, entretanto, possibilita a oscilação<br />

existente, no seio empresarial, entre<br />

uma a<strong>de</strong>são total ao Plano e a tentativa<br />

<strong>de</strong> "relaxá-lo", "sem per<strong>de</strong>r a sua<br />

essência". Idéia que se expressa lapi-<br />

darmente na frase: "o remédio está<br />

correto, mas a dose é exagerada". Essa<br />

ambigüida<strong>de</strong> é, aliás, a expressão dos<br />

"O Plano é a simbiose entre<br />

a proposição política auto-<br />

crátíca e a essencialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fundo neo-liberal".<br />

limites da consciência da Or<strong>de</strong>m em<br />

nosso país: ela tem seus pés muito pre-<br />

sos no Hic et nunc, e fica sempre teme-<br />

rosa frente a projetos que impliquem<br />

perdas iniciais, visando ganhos pos-<br />

teriores. A resistência da burguesia in-<br />

dustrial ao Varguismo, ao longo da dé-<br />

cada <strong>de</strong> 30, e a reação ao Plano Cruza-<br />

do, através da escassez <strong>de</strong> produtos, são<br />

alguns exemplos <strong>de</strong>ste temor. As nos-<br />

sas classes dominantes não gostam nem<br />

mesmo da tática <strong>de</strong> empatar no pri-<br />

meiro-tempo, para ganhar o jogo no<br />

segundo-tempo. E veja-se que o Plano<br />

não faz-porque aí sim feriria os inte-<br />

resses dominantes - nenhuma referên-<br />

cia a uma mudança radical na política<br />

econômica e no padrão <strong>de</strong> acumulação,<br />

visando a erradicação da miséria e o<br />

fim do arrocho salarial; nenhuma<br />

alusão à enorme sucção <strong>de</strong> capitais, que<br />

migram para o Primeiro Mundo; ne-<br />

"O sindicalismo combativo<br />

centrará inicialmente suas<br />

ações na forma mais <strong>de</strong>fen-<br />

siva <strong>de</strong> todas as suas lutas:<br />

a preservação do emprego.<br />

£ o fará através do con-<br />

fronto".<br />

nhuma referência séria à reforma agrá-<br />

ria e nehuma referência à <strong>de</strong>sprivati-<br />

zação do Estado. Estes, sim, pontos<br />

que interessam <strong>de</strong>cisivamente àqueles<br />

que vivem do seu trabalho. Neste pólo,<br />

po<strong>de</strong>m-se prever momentos <strong>de</strong> extrema<br />

dificulda<strong>de</strong>. Os setores mais organiza-<br />

dos, que constituem a base social do<br />

sindicalismo combativo, centrarão ini-<br />

cialmente suas ações na forma mais <strong>de</strong>-<br />

fensiva <strong>de</strong> todas as suas lutas: a preser-<br />

vação do emprego; manter-se enquanto<br />

ser-que-vive-do-seu-trabalho. E o farão<br />

através <strong>de</strong> um sindicalismo <strong>de</strong> confron-<br />

to, uma vez que suas reivindicações en-<br />

contrarão ainda maiores resistências no<br />

interior do mundo patronal. O sindica-<br />

lismo <strong>de</strong> resultados, este sim viverá seu<br />

primeiro momento <strong>de</strong> crise: não co-<br />

lherá resultados e verá aumentar o <strong>de</strong>s-<br />

contentamento em suasbases.Ficará en-<br />

tre a a<strong>de</strong>são ao projeto neo-liberal do<br />

Governo Collor e a espontaneida<strong>de</strong><br />

tensa das bases. Os segmentos mais <strong>de</strong>-<br />

sorganizados, que conferem base social<br />

a Collor, colherão as agruras oriun-<br />

das <strong>de</strong> recessão, arrocho, <strong>de</strong>sempre-<br />

gro etc.<br />

Para concluir este artigo, que<br />

sugere similitu<strong>de</strong>s entre Collor e o bo-<br />

napartismo, vale a pena apontar para<br />

uma diferença, entre muitas outras<br />

existentes. Uma diferença básica, ele-<br />

mentar, mas <strong>de</strong>cisiva quando se trafega<br />

no mundo da política: o Luís Bonapar-<br />

te vivenciou uma crise social no univer-<br />

so do Primeiro Mundo; aqui, o bona-<br />

parlismo <strong>de</strong> Collor encontrou uma si-<br />

tuação social muito mais grave e instá-<br />

vel. Que não dá margem a muitas pre-<br />

visões.<br />

Ricardo Anlunes é professor Doutor em sociologia na UNI-<br />

CAMP SP e autor, entre outros livros, <strong>de</strong> A Rebeldia do Trabalho<br />

(Ed Unícamp/Ed Ensaio) e O que é Sindical(smo?(Ed Brasi-<br />

liense)<br />

29<br />

CUIRA


MOVIMENTO POPULAR<br />

Meninos e Meninas <strong>de</strong>Rua<br />

Em IQ^S<br />

Roberto<br />

P a r k<br />

usou o conceito<br />

<strong>de</strong> "homem<br />

marginal" no<br />

sentido <strong>de</strong> carac-<br />

terizar as popu-<br />

lações imigran-<br />

tes que procura-<br />

vam se integrar<br />

na socieda<strong>de</strong><br />

norte - america-<br />

na. Na América<br />

Latina o termo<br />

passa a ser utili-<br />

zado, principal-<br />

mente após a 2 a<br />

Guerra Mundial,<br />

quando ocorreu<br />

uma aceleração<br />

do ritmo <strong>de</strong> ur-<br />

banização e imi-<br />

gração interna.<br />

Segun-<br />

do Park, o ho-<br />

mem marginal<br />

seria aquele a<br />

quem o "<strong>de</strong>stino<br />

con<strong>de</strong>nou a vi-<br />

ver em duas so-<br />

cieda<strong>de</strong>s e em<br />

duas culturas<br />

não apenas dife-<br />

rentes, mas an-<br />

tagônicas". Na<br />

América Latina<br />

o termo está li-<br />

gado ao <strong>de</strong>sen-<br />

volviment o<br />

econômico. Em outras palavras, a mar-<br />

ginalida<strong>de</strong> na América Latina resulta<br />

<strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento indus-<br />

trial que não incorporou extensas ca-<br />

madas sociais, as quais não têm acesso<br />

aòs frutos <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Percebe-se então que o con-<br />

ceito <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> é utilizado <strong>de</strong>n-<br />

tro <strong>de</strong> dois campos <strong>de</strong> entendimento:<br />

um no campo da personalida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o<br />

indivíduo é consi<strong>de</strong>rado marginal por<br />

pertencer a duas culturas. Serve para<br />

caracterizar um grupo internamente<br />

<strong>de</strong>sarticulado. Por outro lado, o concei-<br />

to <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> serve para se refe-<br />

rir à carência <strong>de</strong> participação social,<br />

30<br />

CUÍRA<br />

-.■ms m<br />

Marginalida<strong>de</strong>:<br />

Opção<br />

ou imposição?<br />

Jair Gomes da Silva Noêmia Freitas Cavalcanti<br />

Vagam em bandos ou solitários,<br />

trombando com a insensibilida<strong>de</strong><br />

das pessoas, <strong>de</strong>nunciando a hipo-<br />

crisia da socieda<strong>de</strong> e atestando o<br />

fracasso escandaloso do capitalis-<br />

mo como solução universal para a<br />

humanida<strong>de</strong>. No Brasil, os meni-<br />

nos e meninas <strong>de</strong> rua são mais <strong>de</strong><br />

25 milhões, e isto diz quase tudo.<br />

i.-píw<br />

ao isolamento e mes-<br />

mo à falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifi-<br />

cação aos padrões da<br />

cultura dominante ou<br />

é empregado como<br />

sinônimo <strong>de</strong> pobreza<br />

cultural ou <strong>de</strong> popu-<br />

lação <strong>de</strong> baixa renda.<br />

Po<strong>de</strong>mos<br />

então observar a<br />

existência <strong>de</strong> duas<br />

concepções distintas<br />

<strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>:<br />

uma que se volta para<br />

a personalida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

seu enfoque central é<br />

o estudo do <strong>de</strong>sajus-<br />

tamento psicológico<br />

do homem submetido<br />

a viver em duas cultu-<br />

ras diferentes; a outra<br />

se volta para a análise<br />

das relações sociais<br />

das populações cha-<br />

madas marginais. Esta<br />

última acepção se di-<br />

vi<strong>de</strong> em duas vertentes<br />

interpretativas: a Fun-<br />

cionalista e a Históri-<br />

co-estrutural.<br />

A marginalida<strong>de</strong> na<br />

Teoria Funcionalista.<br />

Dentro da<br />

Teoria Funcionalista a<br />

marginalida<strong>de</strong> possui<br />

como tema central "a<br />

falta <strong>de</strong> integração", e,<br />

baseando-se na teoria da mo<strong>de</strong>rnização<br />

expõe que, para que um país atinja um<br />

grau avançado <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização é ne-<br />

cessário que ele passe por um processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cumprindo várias<br />

etapas, até que atinja essa mo<strong>de</strong>rni-<br />

zação, que é vista como um processo <strong>de</strong><br />

melhoramento e <strong>de</strong> progresso técnico<br />

industrial através <strong>de</strong> mudanças sociais e<br />

tecnológicas que se opera <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

mesmo padrão estrutural. Essa mo<strong>de</strong>r-<br />

nização possui como mo<strong>de</strong>lo os países<br />

<strong>de</strong>senvolvidos da Europa Oci<strong>de</strong>ntal e a<br />

América do Norte.


Concepções sobre a margina-<br />

lida<strong>de</strong> na perspectiva funcionalista.<br />

- Marginalida<strong>de</strong> como um<br />

problema físico-ecológico:<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa concepção, o<br />

marginal é o indivíduo que é i<strong>de</strong>ntifi-<br />

cado através <strong>de</strong> sua situação <strong>de</strong> mora-<br />

dia (favelas, cortiços, mocambos), e<br />

que po<strong>de</strong>ria explicar diversas carac-<br />

terísticas sociais, econômicas, culturais<br />

e políticas, e que trazem em seu bojo a<br />

criminalida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>semprego, a instabi-<br />

lida<strong>de</strong> e a alienação política.<br />

pobreza:<br />

Marginalida<strong>de</strong> e cultura <strong>de</strong><br />

A pobreza das populações<br />

marginais seria o fator dinâmico a difi-<br />

cultar a participação <strong>de</strong>ssas populações<br />

na esfera da cultura nacional, criando<br />

<strong>de</strong>sse modo uma subcultura, um mundo<br />

à parte. Seus principais aspectos po-<br />

<strong>de</strong>m ser apresentados da seguinte<br />

forma:<br />

1- Ausência <strong>de</strong> participação e<br />

integração efetiva dos pobres nas prin-<br />

cipais instituições da socieda<strong>de</strong>;<br />

2- No âmbito da família:<br />

ausência <strong>de</strong> infância, iniciação sexual<br />

precoce, uniões livres, casamentos con-<br />

sensuais, ocorrência relativamente fre-<br />

qüente <strong>de</strong> abandono do lar;<br />

3- Condições precárias <strong>de</strong> ha-<br />

bitação;<br />

4- Forte sentimento <strong>de</strong> mar-<br />

ginalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>samparo, <strong>de</strong>pendência e<br />

<strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>.(l)<br />

- Marginalida<strong>de</strong> como falta <strong>de</strong><br />

participação:<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa concepção a<br />

marginalida<strong>de</strong> se caracteriza pela falta<br />

<strong>de</strong> participação <strong>de</strong> parcela da popu-<br />

lação na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos, benefícios e<br />

na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões da socieda<strong>de</strong>. Essa<br />

falta <strong>de</strong> participação resulta apenas da<br />

falta <strong>de</strong> organização interna dos grupos<br />

marginalizados.<br />

- Marginalida<strong>de</strong> como resíduo<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento econômico:<br />

Justifica esta concepção que<br />

o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento'<br />

econômico ocorre paulatinamente, <strong>de</strong>'<br />

forma que não é capaz <strong>de</strong> beneficiar<br />

toda a população <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ao<br />

mesmo tempo. Mas, na medida em que<br />

se atinge esse estágio i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento, o grupos marginais pas-<br />

sarão a participar dos benefícios mate-<br />

riais e culturais resultantes do processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país.<br />

Marginalida<strong>de</strong> sob a perspec-<br />

tiva Histórico-Estrutural.<br />

A concepção sobre margina-<br />

lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da análise histórico-es-<br />

trutural parte do princípio <strong>de</strong> que as<br />

"A marginalida<strong>de</strong> caracteriza-<br />

se como um fenômeno estrutu-<br />

rai."<br />

populações marginalizadas cm termos<br />

sociais integram o sistema c funcionam<br />

como ingredientes <strong>de</strong> seu dinamismo<br />

apesar das "contradições", "conflitos"<br />

e "dominação", ou seja, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa<br />

concepção a marginalida<strong>de</strong> seria uma<br />

maneira (modo) <strong>de</strong> se inserir na estru-<br />

tura global da socieda<strong>de</strong>, isto é, ela<br />

(população marginal) é parte integran-<br />

te <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>.<br />

Essa população marginal vai<br />

se caracterizar pela carência <strong>de</strong> recur-<br />

sos produtivos e por ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> baixa<br />

produtivida<strong>de</strong> econômica, sendo que<br />

essas ocupações <strong>de</strong> baixa produtivida<strong>de</strong><br />

têm mercado <strong>de</strong> trabalho reduzido c<br />

instável no plano individual e estáveis<br />

a nível estrutural. Esses fatores levam a<br />

uma geração <strong>de</strong> renda limitada e instá-<br />

vel.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />

"marginal" essa população ocupa uma<br />

função vital para o Sistema Capitalistas<br />

pois é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa população que se<br />

cria uma força <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> baixo<br />

custo para o sistema capitalista já que o<br />

seu tipo <strong>de</strong> habitação e o seu grau <strong>de</strong><br />

utilização <strong>de</strong> serviços públicos tais co-<br />

mo saú<strong>de</strong>, saneamento, energia elétri-<br />

ca e educação é mínimo.<br />

Partindo do exposto, con-<br />

clui-se que a marginalida<strong>de</strong> caracteri-<br />

za-se como um fenômeno estrutural,<br />

resultante <strong>de</strong> contradições básicas do<br />

sistema e não <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajustes ou dis-<br />

funções que atrapalham o funciona-<br />

mento e o equilíbrio social.<br />

Dentro <strong>de</strong>sse fenômeno estru-<br />

tural observa-se que a força <strong>de</strong> trabalho<br />

que não consegue se inserir nas ativi-<br />

da<strong>de</strong>s tipicamente capitalistas passa<br />

então a exercer ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho ar-<br />

caico e normalmente ocupações<br />

"São as crianças que estão<br />

carregando o fardo mais pesa-<br />

do do progresso".<br />

autônomas <strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> mercado-<br />

rias, os pequenos serviços <strong>de</strong> reparação<br />

e manutenção e os empregos domésti-<br />

cos remunerados, além das várias for-<br />

mas <strong>de</strong> subemprego, trabalhos ocasio-<br />

nais e intermitentes.<br />

É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse quadro <strong>de</strong> ex-<br />

ploração e exclusão que vamos locali-<br />

zar os meninos e meninas trabalhado-<br />

res que tentam a sobrevivência nas ruas<br />

da cida<strong>de</strong> e que são auxiliados nesse<br />

processo pelo Movimento República<br />

do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />

O Menor Trabalhador<br />

Opção ou Imposição Social?<br />

Atualmente são as crianças<br />

que sofrem as mais graves conseqüên-<br />

cias da crise econômica que assola o<br />

Terceiro Mundo. E no bojo <strong>de</strong>sta crise<br />

está a questão da dívida externa, cujo<br />

pagamento penaliza os mais pobres,<br />

aqueles que menos usufruíram dos bi-<br />

lhões <strong>de</strong> dólares irresponsavelmente<br />

emprestados <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sonesta.<br />

Estima-se em meio milhão o<br />

número <strong>de</strong> crianças mortas nos países<br />

sub-<strong>de</strong>senvolvidos como resultado <strong>de</strong>s-<br />

sa "or<strong>de</strong>m" econômica vigente. Em ou-<br />

31<br />

CUÍRA


trás palavras, são as crianças que estão<br />

carregando o fardo mais pesado do<br />

"progresso".<br />

Para quase novecentos mi-<br />

lhões <strong>de</strong> pessoas, aproximadamente um<br />

sexto da humanida<strong>de</strong>, a marcha do pro-<br />

gresso humano tornou-se, agora, um<br />

retrocesso. Em muitas nações, o <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento está em marcha-a-ré. O es-<br />

tado <strong>de</strong> penúria e miséria que se espa-<br />

lha pelo mundo não vem ocorrendo em<br />

partes isoladas do mundo, ou em <strong>de</strong>-<br />

terminado tempo, mas sim ao longo<br />

dos anos e em vários continentes, seja<br />

nas favelas, nas malocas ou nas comu-<br />

nida<strong>de</strong>s rurais.<br />

No Brasil esta tragédia mani-<br />

festa-se não apenas nas taxas <strong>de</strong> óbitos<br />

infantis crescentes, mas também nos<br />

vinte e cinco milhões <strong>de</strong> crianças aban-<br />

donadas e marginalizadas em todos os<br />

pontos <strong>de</strong>ste país.<br />

A situação da criança no Bra-<br />

sil é uma das mais graves, principal-<br />

mente por ser uma população relati-<br />

vamente jovem, sendo aproximada-<br />

mente 50% <strong>de</strong>sta população formados<br />

<strong>de</strong> crianças, e que apenas uma minoria<br />

usufrui <strong>de</strong> bens básicos como saú<strong>de</strong>,<br />

educação, lazer, cultura, alimentação<br />

a<strong>de</strong>quada, etc.<br />

"Para quase um sexto da hu-<br />

manida<strong>de</strong>, a marcha do pro-<br />

gresso humano tornou-se um<br />

retrocesso."<br />

A maioria da população in-<br />

fantil brasileira encontra-se jogada nas<br />

ruas tentando sobreviver às custas <strong>de</strong><br />

mil estratégias, enfrentando a violên-<br />

cia, a discriminação, o perigo das dro-<br />

gas e da <strong>de</strong>linqüência.<br />

Os compromissos assumidos<br />

pelo Estado com esse contigente da<br />

população são dos mais duvidosos<br />

possíveis, pois os meios <strong>de</strong> comuni-<br />

cação lançam a público projetos com<br />

resultados eficazes, mas que <strong>de</strong> fato<br />

não influem em nada no interior <strong>de</strong>ssa<br />

parcela da população.<br />

O Brasil enfrenta graves<br />

questões que vão do campo às gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s na questão da terra, do <strong>de</strong>sem-<br />

prego e do controle <strong>de</strong> bens, causando<br />

um profundo <strong>de</strong>snível no modo <strong>de</strong> vida<br />

da população.<br />

32<br />

CUÍRA<br />

A miséria também <strong>de</strong>sagrega a fairília<br />

É sabido que 10% da popu-<br />

lação brasileira <strong>de</strong>têm 90% da pro-<br />

dução <strong>de</strong> bens neste país, acirrando es-<br />

sa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe cada vez<br />

maior, sendo que toda essa crise é re-<br />

fletida <strong>de</strong> forma bastante cruel na<br />

existência da infância brasileira,que é<br />

obrigada a buscar a suasobrevivênciamo<br />

espaço das ruas, causando com isso<br />

uma trauma no crescimento do ser<br />

humano,que é obrigado a optar por um<br />

precoce comportamento adulto.<br />

A maior parte dos menores<br />

que trabalham ou vivem nas ruas,<br />

provém das famílias mais pauperizadas<br />

da classe trabalhadora. Geralmente os<br />

pais <strong>de</strong>stes menores apresentam baixo<br />

nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>squalificação<br />

profissional, não restando-lhes outra<br />

alternativa senão a inserção em setores<br />

economicamente improdutivos, carac-<br />

terizados por ocupações pouco rentá-<br />

veis, subempregos ou ativida<strong>de</strong>s autô-<br />

nomas; os que são absorvidos como<br />

trabalhadores em setores produtivos<br />

têm baixa remuneração por seu traba-<br />

lho. A instabilida<strong>de</strong> ocupacional ocorre<br />

frenqüentemente. Percebe-se portanto<br />

que a sobrevivência do grupo familiar<br />

só é- conseguida com gran<strong>de</strong>s sacrifí-<br />

cios.<br />

i<br />

Em caso da existência <strong>de</strong> uma<br />

família formalmente estruturada, os<br />

responsáveis por ela são obrigados a<br />

enfrentar, além da jornada <strong>de</strong> trabalho<br />

excessiva, a realização <strong>de</strong> "bicos" nos<br />

finais <strong>de</strong> semana. Em <strong>de</strong>corrência dis-<br />

so, acontece uma divisão sexual do tra-<br />

balho on<strong>de</strong> a menina assume preco-<br />

cemente o papel da mulher adulta nos<br />

serviços domésticos. Os meninos pas-<br />

sam também por processo semelhante<br />

<strong>de</strong> adultização precoce, <strong>de</strong>sempenhan-<br />

do tarefas que contribuam para o or-<br />

çamento familiar.


A obrigatorieda<strong>de</strong> do traba-<br />

lho <strong>de</strong>ssas crianças influenciará na<br />

maior ou menor freqüência à escola,<br />

resultando muitas vezes no seu total<br />

abandono, sendo portanto, precárias as<br />

condições <strong>de</strong> socialização do menor,<br />

tanto do ponto <strong>de</strong> vista material como<br />

psico-social e seu comportamento "an-<br />

ti-social" (cheirar cola, roubar, peram-<br />

bular pelas ruas, etc.) não é mais do<br />

que uma resposta a essas carências ma-<br />

teriais e afetivas que fazem parte <strong>de</strong> seu<br />

mundo. E é neste contexto que os<br />

menores passam a freqüentar a rua, em<br />

geral <strong>de</strong>sempenhando ativida<strong>de</strong>s como<br />

ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> saco, picolezeiros, lava-<br />

dores <strong>de</strong> carro, engraxates, ven<strong>de</strong>dores<br />

<strong>de</strong> cheiro, etc. A rua é um espaço livre,<br />

para eles não há uma separação rígida<br />

entre trabalho e lazer, mas apenas si-<br />

tuações vividas com maior ou menor<br />

periculosida<strong>de</strong>, experimentando assim<br />

uma vida <strong>de</strong> aventura, riscos e insegu-<br />

ranças. Porém o trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />

nas ruas apresenta realmente sérias di-<br />

ficulda<strong>de</strong>s. A disputa pelos espaços ur-<br />

banos mais freqüentados e rentáveis<br />

provocam um ambiente <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong><br />

entre os menores, pois os mais expe-<br />

rientes são favorecidos na ocupação<br />

dos melhores "pontos". Outro proble-<br />

ma é o assédio que enfrentam do Jui-<br />

zado <strong>de</strong> Menores, da polícia, dos fiscais<br />

da Prefeitura ("rapa") que os levam a<br />

assumir internamente o sentido <strong>de</strong><br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s.<br />

Aos poucos esses menores<br />

vão adquirindo experiência e autono-<br />

mia na vivência do espaço urbano; <strong>de</strong>-<br />

senvolvem então a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> con-<br />

viver habilmente entre os limites da le-<br />

galida<strong>de</strong> e da contravenção. Apren<strong>de</strong>m<br />

a comportar-se a<strong>de</strong>quadamente com os<br />

diferentes personagens <strong>de</strong>sse espaço<br />

social (fiscais, prostitutas, polícia, etc.)<br />

e a nunca <strong>de</strong>sperdiçar a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pequenos furtos. Viver nas ruas é<br />

sempre um risco, mesmo para os que<br />

<strong>de</strong>dicam-se somente ao trabalho. To-<br />

dos eles estão em uma "situação irregu-<br />

lar" e, portanto, sujeitos a apreensão<br />

policial ou ao encaminhamento para<br />

uma instituição.<br />

- Meninos <strong>de</strong> rua - o dia-a-dia.<br />

Por uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coo-<br />

perar com o grupo familiar para sua<br />

sobrevivência, o menino cedo chega ao<br />

espaço da rua, seja para ganhar uns<br />

poucos trocados e voltar para sua casa,<br />

contribuindo assim diretamente com o<br />

orçamento doméstico, ou contribuindo<br />

indiretamente, ou seja, com sua ausên-<br />

cia no contexto familiar.<br />

Esses meninos provêm <strong>de</strong><br />

famílias das mais pauperizadas possí-<br />

veis, buscando na rua a alternativa para<br />

a satisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s bási-<br />

cas <strong>de</strong> sobrevivência, bem como a pró-<br />

pria participação social.<br />

Impossibilitados <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r<br />

sua força <strong>de</strong> trabalho no mercado for-<br />

mal,eles,enamaioriadas vezes a família<br />

toda, vêem-se obrigados a buscar sua<br />

"A infância brasileira é obriga-<br />

da a buscar sua sobrevivência<br />

na rua".<br />

sobrevivência na forma <strong>de</strong> trabalho "in-<br />

termitente" e "ocasional", on<strong>de</strong> se in-<br />

sere significativamente o "biscate", a<br />

única fonte <strong>de</strong> rendimento, ou seja, <strong>de</strong><br />

sobrevivência, sendo configuradas as<br />

formas <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s.<br />

Na rua, esses mesmos meninos<br />

e meninas estão expostos aos maltra-<br />

tos, exploração e violência <strong>de</strong> terceiros,<br />

daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cedo apren<strong>de</strong>rem<br />

a se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r para ocasiões mais difí-<br />

ceis, como coloca Sônia Cheniaux: "fa-<br />

ce a isto, o menino <strong>de</strong>ve adquirir uma<br />

percepção aguçada e crítica do que<br />

ocorre à sua volta, tanto a nível do fac-<br />

tual quanto a nível das relações". (2)<br />

Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobre-<br />

vivência dos meninos, que os leva ao<br />

espaço da rua, acaba por torná-los prá-<br />

ticos e criativos na solução dos pro-<br />

blemas do cotidiano. Como coloca Fis-<br />

cher Ferreira, se estas soluções e es-<br />

tratégias estão ou não próximas do di-<br />

reito e da moral, é uma questão que<br />

não po<strong>de</strong> fazer parte <strong>de</strong> seu universo <strong>de</strong><br />

preocupações, porque impediria o <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobre-<br />

vivência a qualquer custo. (3)<br />

Daí, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo estes meninos<br />

interiorizam que a socieda<strong>de</strong> espera<br />

que eles só venham resultar em serem<br />

criminosos, por já consi<strong>de</strong>rá-los assim<br />

criminosos em potencial.<br />

Na rua, esses meninos encon-<br />

tram-se numa situação-limite caracte-<br />

rizada pelo medo, já que a repressão<br />

policial exerce o "controle" social; isso<br />

resulta na insegurança e revolta do<br />

menor, conduzindo-o muitas vezes à <strong>de</strong>-<br />

liqüência.<br />

Assim, diariamente vão sur-<br />

gindo as dificulda<strong>de</strong>s, mas, a necessi-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência, aliada à satis-<br />

fação quase que imediata obtida com o<br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvido nas ruas, faz<br />

com que a permanência <strong>de</strong>sses meninos<br />

na rua se justifique, mesmo correndo<br />

riscos e enfrentando perigos; mesmo<br />

porque a rua é o local on<strong>de</strong> se estabele-<br />

cem as relações <strong>de</strong> trabalho, vida, luta e<br />

sobrevivência. É na rua que o menino<br />

encontra seus companheiros, on<strong>de</strong> vive<br />

e on<strong>de</strong> também concilia lazer com tra-<br />

balho. É este espaço da rua que consti-<br />

tui o seu mundo e sua maior lição <strong>de</strong><br />

vida. Muitas vezes a rua é a única esco-<br />

la que freqüenta, on<strong>de</strong> apren<strong>de</strong> a so-<br />

breviver.<br />

No contexto do menino <strong>de</strong><br />

rua, encontra-se também a menina.<br />

Embora existam meninas no trabalho<br />

<strong>de</strong> rua, a sua presença é bem menor, já<br />

que freqüentemente elas assumem as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s domésticas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce-<br />

do como arrumando a casa, cozinhan-<br />

do, lavando para os irmãos menores.<br />

Daí,o que ocorre na maioria das vezes é<br />

33<br />

CUIRA


que o menino 6 quem vai para a rua<br />

trabalhar, enquanto a menina perma-<br />

nece cuidando dos irmãos menores, dos<br />

serviços domésticos e algumas vezes,<br />

até freqüentando a escola.<br />

Assim, o que se verifica na<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sses meninos é que<br />

o trabalho é a via <strong>de</strong> acesso às "oportu-<br />

nida<strong>de</strong>s" <strong>de</strong> participação socialj já que<br />

eles não po<strong>de</strong>m competir em igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> condições numa socieda<strong>de</strong> altamen-<br />

te competitiva. Logo, o trabalho é a<br />

contingência a que estão sujeitos para<br />

sobreviver, e não uma forma <strong>de</strong> terapia<br />

ou <strong>de</strong> saída para a <strong>de</strong>liqiíência, como<br />

muitos acreditam.<br />

"O trabalho torna-se uma<br />

contingência necessária à sobrevivência<br />

34<br />

"Experimentado uma vida <strong>de</strong><br />

aventura, riscos e fnseguran*<br />

ça...os menores adquirem a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conviver habil-<br />

mente entre os limites da lega-<br />

lida<strong>de</strong> e da contravenção."<br />

<strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> residência localizado,<br />

que compartilha o que é possível com-<br />

partilhar - o produto <strong>de</strong> seu trabalho<br />

em níveis ínfimos, tais como a ativida<strong>de</strong><br />

No Ver-o-peso, cartão postal <strong>de</strong> Belém do Pará, centenas <strong>de</strong><br />

meninos e meninas disputam a sobrevivência enfrentando<br />

a indiferença e a violência policial<br />

CUIRA<br />

realizada pelos meninos na rua, o <strong>de</strong>-<br />

sempenho das tarefas domésticas pelas<br />

meninas ou, ainda, o trabalho realizado<br />

pela mulher, notadamente em 'casas<br />

<strong>de</strong> família' como empregadas domésti-<br />

cas". (4)<br />

As famílias <strong>de</strong>sses meninos,<br />

alijadas do processo <strong>de</strong> produção,lalém<br />

da condição <strong>de</strong> pauperização em que<br />

vivem, vêem-se na situação <strong>de</strong> sobre-<br />

vivência a qualquer custo, lançando<br />

mão <strong>de</strong> estratégias: para superar os<br />

obstáculos sociais que impe<strong>de</strong>m a sua<br />

inserção na divisão social do trabalho.<br />

Assim, o sistema social permite que es-<br />

sas crianças fiquem impedidas <strong>de</strong> ter o<br />

direito a uma infância normal, sendo<br />

levadas a trabalhar em condições pre-<br />

judiciais e incompatíveis com sua con-<br />

dição <strong>de</strong> crianças, sendo indiferente a<br />

essa situação.<br />

"...direito e moral náo po<strong>de</strong>m<br />

fazer parte do universo <strong>de</strong><br />

preocupações dos menores <strong>de</strong><br />

rua, porque Isso impediria o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua capa-<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência a<br />

qualquer custo".<br />

Dessa forma, o que se verifica<br />

é que esses meninos, vivendo em situa-<br />

ção <strong>de</strong> penúria^buscam na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

rua a satisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s<br />

básicas e <strong>de</strong> sobrevivência em uma so-<br />

cieda<strong>de</strong> que os conduz a uma vida <strong>de</strong><br />

instabilida<strong>de</strong> e insegurança, não apre-<br />

sentado-lhes nenhuma perspectiva <strong>de</strong><br />

participação social mais digna.<br />

Noèmia Freitas Cavalcanti e Jair Gomes da Silva sáo Bacharéis<br />

em Serviço Social pela UFPa<br />

1 Veja em Manoel losa Bcrlmek Marginalida<strong>de</strong> Social e re-<br />

lações <strong>de</strong> classe em São Paulo Petrópolis, Vozes. 1975, p,<br />

18 19<br />

2 CHEN1AUX, Sônia. Trapaceados e Trapaceiros - O menor <strong>de</strong><br />

rua e o Serviço Social Cortez Editora. Sáo Paulo, 1982. p.27<br />

3- FISCHER FERREIRA. Rosa Maria. Meninos <strong>de</strong> Rua. São Pau<br />

Io. CEOt C. 1980. p 88<br />

4 CHENIAUX. Sônia. Ibid ■ p.36


Pôster Integrante<br />

evista CUÍRA n 0 4<br />

« . | *<br />

Wííf-y' :í: - ■'■<br />

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TEOLOGIA E POLÍTICA<br />

O Céu e a Terra nas<br />

Eleições Presi<strong>de</strong>nciais<br />

Ainda um Tema da<br />

Atualida<strong>de</strong>.^ Heraldo Maués<br />

" Cerca <strong>de</strong> 1 ano <strong>de</strong>pois das eleições presi<strong>de</strong>nciais, esta análise que relaciona religião e eleições é atual, provocativa e nos oferece<br />

pistas para compreen<strong>de</strong>r o papel das igrejas no amadurecimento da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Trabalhando com algo além do racional e do lógico, as igrejas ocupam cada vez mais espaços nas disputas políticas."<br />

Com as eleições <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />

1990, <strong>de</strong>stinadas à escolha dos<br />

novos governos dos Estados,<br />

bem como à renovação do Congresso e<br />

das Assembléias Estaduais, consi<strong>de</strong>ro<br />

a<strong>de</strong>quada a divulgação mais ampla <strong>de</strong><br />

artigo feito para uma discussão restrita<br />

<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> cientistas sociais preo-<br />

cupados com o estudos da religião. O<br />

texto começava com a pergunta insti-<br />

gante, que ainda po<strong>de</strong> ser formulada,<br />

com relação às próximas eleições.<br />

O que o céu tem a ver com a<br />

terra no caso das eleições presi<strong>de</strong>n-<br />

ciais? Certamente muito, a julgar pelo<br />

que notificou a imprensa do Brasil. Na<br />

elaboração <strong>de</strong>stas notas, examinei prin-<br />

cipalmente jornais locais (em Belém),<br />

limitando-me ao segundo turno, mas<br />

também consultei alguns do Rio e <strong>de</strong><br />

São Paulo, assim como revistas <strong>de</strong> cir-<br />

culação nacional (**)<br />

Minha preocupação central foi<br />

a <strong>de</strong> examinar como as igrejas e seus<br />

principais representantes, os sacerdo-<br />

tes, enquanto <strong>de</strong>tentores dos bens<br />

simbólicos <strong>de</strong> salvação, intervinham no<br />

processo eleitoral <strong>de</strong> variadas manei-<br />

ras. A hipótese subjacente é que as<br />

formas <strong>de</strong> intervir se faziam, como no<br />

ritual e no mito, <strong>de</strong> acordo com a<br />

gramática própria, sendo possível, pois,<br />

ler essas formas <strong>de</strong> intervenção e o ine-<br />

vitável entrechoque resultante no cam-<br />

po religioso <strong>de</strong> tal modo a ter compre-<br />

ensão mais clara <strong>de</strong>ssas mesmas igrejas<br />

e da socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> atuam.<br />

O material colhido levou-me<br />

a tomar basicamente em consi<strong>de</strong>ração<br />

a Igreja Católica e algumas igrejas pro-<br />

testantes (sobretudo pentecostais). En-<br />

contrei poucas notícias referentes a<br />

cultos <strong>de</strong> origem africana, mas, pela sua<br />

relevância, também <strong>de</strong>vo incluí-las na<br />

40<br />

CUÍRA<br />

análise. Começarei examinando as dife-<br />

rentes posições católicas, para <strong>de</strong>pois<br />

tratar dos protestantes; e embora não<br />

possa falar em "igreja africana" ou "a-<br />

fro-brasileira", as posições dos lí<strong>de</strong>res<br />

do candomblé e da umbanda oferecem<br />

contraponto a essas igrejas cristãs, po-<br />

<strong>de</strong>ndo nos dizer, como será colocado<br />

ao final, coisas relevantes sobre a so-<br />

cieda<strong>de</strong> brasileira surpreendida em si-<br />

tuação especial <strong>de</strong> drama.<br />

É diante <strong>de</strong>sse "drama eleito-<br />

ral" que a Igreja Católica se divi<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

acordo com a tendência já bem conhe-<br />

cida entre "conservadores", "mo<strong>de</strong>ra-<br />

dos" e "progressistas".<br />

sa<br />

1 - Muitas notícias na impren-<br />

Na periferia <strong>de</strong> Maceió, a<br />

missa rezada com a presença <strong>de</strong> Fer-<br />

nando Collor e Frei Damião causa<br />

gran<strong>de</strong> comoção entre o povo simples.<br />

No interior do Amazonas, em São Ga-<br />

briel da Cachoeira, Lula consegue ser o<br />

segundo mais votado no primeiro tur-<br />

no entre os índios do Alto Rio Negro,<br />

em razão do apoio do CIMI. No inte-<br />

rior <strong>de</strong> Pernambuco, no município <strong>de</strong><br />

Cortês, apesar <strong>de</strong> não haver um só co-<br />

mitê da Frente Brasil Popular, Lula<br />

consegue vencer com folga a eleição,<br />

graças ao trabalho do padre italiano<br />

Ermínio Canova, vigário local. Muitas<br />

outras situações po<strong>de</strong>riam ser relata-<br />

das, sendo que, pelo noticiário dos jor-<br />

nais, a balança das posições dos sacer-<br />

dotes católicos parecia pen<strong>de</strong>r clara-<br />

mente em favor <strong>de</strong> Lula. Não obstante,<br />

as palavras aparentemente mo<strong>de</strong>radas<br />

do Arcebispo <strong>de</strong> Belém, que claramen-<br />

te se alinha entre os conservadores,<br />

convidam à reflexão, ao referir o fato<br />

<strong>de</strong> que é insignificante o número <strong>de</strong><br />

bispos que ficaram ao lado <strong>de</strong> Lula (O<br />

Liberal, Belém, 17/11/90).<br />

2 - As posições <strong>de</strong> católicos e<br />

protestantes<br />

Há um paralelo que po<strong>de</strong> ser<br />

traçado entre as posições dos católicos<br />

e dos protestantes. Os apoios a Lula<br />

situaram-se mais claramente no protes-<br />

tantismo histórico, enquanto, <strong>de</strong> modo<br />

geral, os pentecostais (que congregam<br />

"Foram instalados com/fés<br />

evangélicos Pró-Lu/a em 17<br />

estados"<br />

maior número <strong>de</strong> fiéis das classes po-<br />

pulares) ficaram com Collor. Isso per-<br />

mite uma comparação como o apoio<br />

dado a Collor pelo seguidores <strong>de</strong> Frei<br />

Damião, também pertencentes às clas-<br />

ses populares.<br />

Esta, no entanto, é uma com-<br />

paração imperfeita, pois não leva sufi-<br />

cientemente em conta o papel <strong>de</strong>sem-<br />

penhado pelos membros das Comuni-<br />

da<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base (CEBs) que,<br />

notoriamente, se engajaram na candi-<br />

datura <strong>de</strong> Lula e também pertencem,<br />

majoritariamente, às classes populares.<br />

O que fez com que católicos e protes-<br />

tantes do povo se dividissem entre as<br />

duas candidaturas no segundo turno?<br />

Sem querer respon<strong>de</strong>r cabalmente a es-<br />

sa pergunta, arriscaria dizer que pelo<br />

menos uma parte da resposta se encon-<br />

tra na forma pela qual são vivenciados<br />

o catolicismo popular tradicional e o


pentecostalismo, <strong>de</strong> uma lado, e o cato-<br />

licismo da chamada Igreja Popular (das<br />

CEBs), <strong>de</strong> outro; diria mesmo que há<br />

uma proximida<strong>de</strong> maior entre o catoli-<br />

cismo das CEBs e o protestantismo<br />

histórico do que em relação ao catoli-<br />

cismo popular tradicional (1).<br />

Entre os protestantes houve,<br />

claramente, vários apoios dados a Lula,<br />

entre os quais o do Movimento Evan-<br />

gelista Pró-Leonel Brizola, em Nova<br />

Iguaçu (RJ) e o trabalho da <strong>de</strong>putada<br />

fe<strong>de</strong>ral Benedita da Silva, que conse-<br />

guiu, segundo suas <strong>de</strong>clarações, instalar<br />

comitês evangélicos pró-Lula em 17 es-<br />

tados brasileiros. Além disso, logo após<br />

o resultado do primeiro turno, "duzen-<br />

"Coffor recebeu o apoio do<br />

presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração<br />

Evangélica Brasileira"<br />

tos pastores evangélicos do Rio <strong>de</strong> Ja-<br />

neiro, São Paulo, Rio Gran<strong>de</strong> so Sul,<br />

Minas Gerais, Espírito Santo e Pará di-<br />

vulgaram manifesto em apoio ao can-<br />

didato da Frente Brasil Popular (...).<br />

Os pastores pertencem às igrejas Epis-<br />

copal do Brasil, Congregacional,<br />

Evangélica <strong>de</strong> Confissão Luterana no<br />

Brasil, Metodista, Assembléia <strong>de</strong> Deus<br />

e Presbiteriana Unida (...y'(0 Liberal,<br />

Belém, 28/11/89).<br />

De outro lado, porém, os<br />

apoios a Collor eram muito significati-<br />

vos, partindo justamente das igrejas e<br />

seitas protestantes <strong>de</strong> maior número <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>ptos, pelas suas características pro-<br />

selitistas ligadas ao pentencostalismo e<br />

à "cura divina". Assim, Collor recebeu<br />

apoio do presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração<br />

Evangélica do Brasil, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>-<br />

ral Gi<strong>de</strong>l Dantas <strong>de</strong> Queirós, assim co-<br />

mo do irmão <strong>de</strong>ste, pastor Gineton<br />

Dantas <strong>de</strong> Queirós, que ficou encarre-<br />

gado <strong>de</strong> fazer sua campanha entre igre-<br />

jas pentecostais do Nor<strong>de</strong>ste. Também<br />

apoiou Collor o pastor Túlio Barros<br />

Ferreira, presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma das Con-<br />

venções Fraternais da Assembléia <strong>de</strong><br />

Deus no Estado do Rio, que congrega<br />

60 igrejas do Evangelho Quadrangular.<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong>sta mesma, an-<br />

tes do primeiro turno, divulgou uma<br />

circular aos "ministros, aspirantes e<br />

obreiros cre<strong>de</strong>nciados (...) pedindo aos<br />

pastores que não votem e que também<br />

orientem os membros <strong>de</strong> sua igreja a<br />

não votarem nos candidatos <strong>de</strong> esquer-<br />

da, como Lula, Freire, Brizola e Covas<br />

(...) Para o segundo turno (...) a con<strong>de</strong>-<br />

nação do voto em Lula - e o pedido<br />

para votar em Collor - é mais explícita<br />

ainda. Nas <strong>de</strong>z razões alinhadas para<br />

não votar no candidato do PT, a nota o<br />

chama <strong>de</strong> 'extremista', 'radical' e 'revol-<br />

tado* e diz que, no po<strong>de</strong>r, tomaria pro-<br />

vidências para 'cercear a liberda<strong>de</strong> reli-<br />

giosa"'(Jornal do Brasil, Rio, 03/12/89)<br />

3- O drama das eleições e os<br />

mitos e rituais religiosos.<br />

Pensando nas eleições en-<br />

quanto drama, com diferentes atores<br />

envolvidos, creio ser possível sublinhar<br />

com alguma niti<strong>de</strong>z alguns pontos da<br />

"leitura" que procuro fazer neste arti-<br />

go-<br />

As igrejas cristãs, especialistas<br />

em mitos e rituais, participaram <strong>de</strong>sse<br />

drama <strong>de</strong> forma extremamente ativa.<br />

Seus próprios (e <strong>de</strong> outros) mitos e ri-<br />

tuais se juntaram para compor o ritual<br />

cívico maior, que exaltava o mito da<br />

<strong>de</strong>mocracia restaurada através do voto<br />

direto para presi<strong>de</strong>nte.<br />

Missas, cultos, romarias, cir-<br />

culares, manifestos, <strong>de</strong>clarações, men-<br />

sagens através daimprensa,tudo isso se<br />

reuniu ao conjunto <strong>de</strong> ações e <strong>de</strong>cla-<br />

rações expressivas que compuseram a<br />

representação do drama das eleições.<br />

Mas, como ficou evi<strong>de</strong>nte pelo relato<br />

acima, suas posições divergiram e/ou<br />

convergiram em vários pontos, a <strong>de</strong>s-<br />

peito <strong>de</strong> todas partirem <strong>de</strong> um mesmo<br />

"mito fundador" (suas origens messiâ-<br />

nicas, não tão ligadas às práticas <strong>de</strong>mo-<br />

cráticas), mas <strong>de</strong> acordo com linhas que<br />

sublinham ou esquecem <strong>de</strong>terminadas<br />

passagens ou versões do relato "mi-<br />

tológico", o que se reflete nas i<strong>de</strong>ntida-<br />

<strong>de</strong>s assumidas pelas igrejas e por seus<br />

comungantes. Sem preten<strong>de</strong>r apresen-<br />

tar análise exaustiva ou conclusiva, al-<br />

guns pontos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>stacados a se-<br />

guir.<br />

Em primeiro lugar, ficou cla-<br />

ro, pelas notícias reunidas, que a Igreja<br />

Católica, enquanto organização com<br />

pretensões universais e totalizantes,<br />

não aparece alinhada, como instituição,<br />

com qualquer candidato em particular.<br />

É fácil pensafloapoio<strong>de</strong>ssa igreja a Lu-<br />

la. Não obstante, "igrejas particulares"<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, representadas'por bispos<br />

em suas dioceses, ou na sua condição<br />

<strong>de</strong> dirigentes eclesiásticos, ficaram a fa-<br />

vor <strong>de</strong>ste ou daquele candidato. As di-<br />

ferenças i<strong>de</strong>ológicas e <strong>de</strong> classe certa-<br />

41<br />

CUÍRA


mente perpassaram à instituição e seus<br />

membros. No caso <strong>de</strong> simples sacerdo-<br />

tes isto fica mais claro, na medida em<br />

que suas posições viararam muito e fo-<br />

ram mais <strong>de</strong>finidas do que no caso dos<br />

IS P os - jsj0 que concerne aos protes-<br />

tantes, igrejas como um todo tomaram<br />

posição clara à direita do espectro polí-<br />

tico, assim como também organizações<br />

congregando igrejas particulares (Con-<br />

fe<strong>de</strong>ração Evangélica do Brasil, por<br />

exemplo). Não obstante, pastores e<br />

membros <strong>de</strong> igrejas, individualmente,<br />

tomaram posição em favor <strong>de</strong> Lula. Na<br />

maioria dos casos,tratava-se <strong>de</strong>opção<br />

política pura. Pelo menos num caso (o<br />

irmão <strong>de</strong> Lula, pastor Beto, do Evange-<br />

lho Quadrangular) po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>tectar em<br />

sua atitu<strong>de</strong> (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

convicções regiliosas e políticas) o que<br />

Da Matta chamou <strong>de</strong> "o voto amigo"<br />

(2).<br />

"Apesar <strong>de</strong> um mesmo "mi-<br />

to fundador", a Igreja Cato-<br />

fica se distingue dos protes-<br />

tantes por sua sacrementa-<br />

lída<strong>de</strong> concreta"<br />

4. As posições das igrejas e as<br />

"clivagens" (diferenças) <strong>de</strong> classe.<br />

De forma muito tentativa e<br />

imperfeita, partindo-se da premissa <strong>de</strong><br />

que as classes dominantes não apoiaram<br />

Lula, po<strong>de</strong>-se pensar as posições<br />

políticas das igrejas cristãs diante dos<br />

candidatos do segundo turno <strong>de</strong> acordo<br />

com <strong>de</strong>terminadas "clivagens".<br />

Em primeiro lugar, fica evi<strong>de</strong>nte<br />

que seus membros estiveram divididos<br />

entre os dois candidatos através<br />

<strong>de</strong> clivagens <strong>de</strong> classe social e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia<br />

política e religiosa. Do lado da<br />

Igreja Católica ficaram, <strong>de</strong> modo geral,<br />

com Lula os militantes das CEBs que,<br />

do ponto <strong>de</strong> vista social, situam-se majoritariamente<br />

nas classes populares,<br />

assim como a intelectualida<strong>de</strong> (classe<br />

média) <strong>de</strong> esquerda (na qual se incluem<br />

bispos e sacerdotes que apoiaram Lu-<br />

Ia).<br />

Os católicos que ficaram com<br />

Collor foram, grosso modo, os praticantes<br />

do catolicismo popular tradicional<br />

(majoritariamente também das<br />

classes populares) e a maior parte dos<br />

membros da classe média (incluindo<br />

42<br />

CUÍRA<br />

bispos e sacerdotes).<br />

No tocante às igrejas protes-<br />

tantes, ficaram com Lula os membros<br />

da intelectualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquerda (<strong>de</strong><br />

classe média), sobretudo no protestan-<br />

tismo histórico, enquanto que, com<br />

Collor, ficaram os protestantes das<br />

classes populares, sobretudo no pente-<br />

costalismo e nas seitas <strong>de</strong> cura divina,<br />

assim como a maior parte da classe<br />

média, tanto pentecostais como inte-<br />

grantes <strong>de</strong> igrejas do protestantismo<br />

histórico.<br />

5 - O discurso das cúpulas re-<br />

ligiosas e as diferentças fundamentais<br />

entre católicos e protestantes.<br />

Mas esta tentativa <strong>de</strong> análise<br />

ficaria incompleta, se não incorporasse<br />

o discurso das cúpulas religiosas, tanto<br />

na Igreja Católica como nas diversas<br />

igrejas protestantes. Entre os católicos,<br />

alguns bispos, mesmoj o secretário e o<br />

vice-presi<strong>de</strong>nte da CNBB, D. Celso<br />

Queiroz e D. Paulo Pontes, respecti-<br />

vamente, manifestaram suas posições<br />

pró-Lula, mais ou menos claramente.<br />

Enquanto bispos, esses personagens do<br />

drama eleitoral se manifestavam, <strong>de</strong> fa-<br />

to, em nome pessoal, sem que isso pu-<br />

<strong>de</strong>sseconfundir-secom a posição da en-<br />

tida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que participavam ou da pró-<br />

pria Igreja Católica brasileira.<br />

Algumas autorida<strong>de</strong>s mais<br />

proeminentes, no entanto, como o<br />

Car<strong>de</strong>al Arcebispo <strong>de</strong> São Paulo, D.<br />

Paulo Evaristo Arns, e o presi<strong>de</strong>nte da<br />

CNBB, D. Luciano <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Al-<br />

meida, assumiram claramente posição<br />

mais equidistante. Este, especialmente<br />

no segundo turno, tem um discurso<br />

ainda mais enfático nesta linha equidis-<br />

tante e cautelosa:<br />

"A gran<strong>de</strong> apreensão <strong>de</strong> todos<br />

nós é a do dia seguinte. O importante é<br />

que aquele que sair vencedor saiba ga-<br />

nhar, enquanto o per<strong>de</strong>dor saiba per-<br />

<strong>de</strong>r. Isso é muito importante para que o<br />

eleito seja capaz <strong>de</strong> integrar no plura-<br />

lismo partidário todas as forças vivas<br />

do país, para uma retomada do nosso<br />

crescimento, não só na parte econômi-<br />

ca, mas no campo social e também para<br />

que haja <strong>de</strong> novo em todos os brasilei-<br />

ros a esperança <strong>de</strong> tempos <strong>de</strong> melhor<br />

redistribuição dos benefícios das opor-<br />

tunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida, sobretudo com a me-<br />

lhoria <strong>de</strong> vida da população mais po-<br />

bre" (palavras <strong>de</strong> D. Luciano,transcritas<br />

em O Liberal, Belém, 10/12/89).<br />

A essa postura <strong>de</strong> D. Luciano<br />

<strong>de</strong>ve-se somar a própria posição da<br />

CNBB, que também é veiculada pelo<br />

presi<strong>de</strong>nte. Assim, em nota oficial inti-<br />

tulada "Igreja e Política", a entida<strong>de</strong><br />

esclarece, inicialmente, a posição da<br />

Igreja diante das eleições:<br />

"A atuação da Igreja situa-se<br />

além dos partidos e candidatos. As<br />

exigências éticas explicitivas pela Igre-<br />

ja <strong>de</strong>vem ser patrimônio ae todo parti-<br />

do e <strong>de</strong> cada candidato que se propõe a<br />

construir a socieda<strong>de</strong> justa e frater-<br />

naí...). "A posição da Igreja, reafir-<br />

mada em seus documentos, é <strong>de</strong> não<br />

optar oficialmente por partidos ou<br />

candidatos (...). As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> voto<br />

por parte <strong>de</strong> membros da hierarquia<br />

não implicam, portanto, |o envolvi-<br />

mento da Igreja. São meramente pes-<br />

soais e causam ambigüida<strong>de</strong>s e reações<br />

\—) ■ "Além disso a nota não es-<br />

quece <strong>de</strong> reafirmar certas posições éti-<br />

cas e doutrinárias para as quais <strong>de</strong>sejo<br />

chamar atenção aqui. Assim, posicio-<br />

nando-se sobre a temática da "dignida-<br />

<strong>de</strong> da pessoa humana", o documento<br />

afirma que a Igreja...(...) entre outros<br />

"Não se po<strong>de</strong> negar que a<br />

ótica protestante combina<br />

muito mais facilmente com o<br />

capitalismo <strong>de</strong> que a católi-<br />

ca"<br />

pontos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito à vida, opon-<br />

do-se ao aborto, à tortura e à eutanásia.<br />

Rejeita o racismo, a opressão e o uso<br />

da violência (...)".<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa temática, um<br />

ponto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância é a afir-<br />

mação <strong>de</strong> alerta contra o "risco do esta-<br />

tismo, que limita a liberda<strong>de</strong>", ao<br />

mesmo tempo em que o documento<br />

critica a crescente concentração <strong>de</strong><br />

renda que "agrava as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s so-<br />

ciais". Alguns pontos da doutrina so-<br />

cial da Igreja são bem explicitados em<br />

referência à realida<strong>de</strong> brasileira:<br />

"A Igreja empenha-se em<br />

promover a justiça no uso da terra, nas<br />

relações <strong>de</strong> trabalho e na solução da dí-<br />

vida externa (...)" (A Província do Pará,<br />

Belém, 02/12/90).


Importante também para a<br />

compreensão da posição da Igreja<br />

Católica diante do drama das eleições é<br />

a divulgação <strong>de</strong> uma "plataforma" <strong>de</strong><br />

sete pontos, aprovada pela CNBB e<br />

"<strong>de</strong>batida em todas as dioceses, paró-<br />

quias e Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Ba-<br />

se". Entre os pontos da plataforma<br />

estão a <strong>de</strong>fesa da reforma agrária, a jus-<br />

ta distribuição do solo urbano, a pre-<br />

servação do meio ambiente, a partici-<br />

pação dos trabalhadores nos sindicatos<br />

e na gestão das empresas, a ênfase da<br />

função social da empresa, a partici-<br />

pação dos trabalhadores nos lucros e<br />

auditoria pública da dívida externa bra-<br />

sileira.<br />

É verda<strong>de</strong> que essa platafor-<br />

ma, em muitos pontos, não fica distan-<br />

te do programa <strong>de</strong> Lula, o que permitiu<br />

a seus partidários, no interior da Igreja,<br />

traçarem perfil <strong>de</strong> candidato sobre o<br />

qual não se po<strong>de</strong>ria ter dúvida. Não<br />

obstante, o que vai aí colocado como<br />

postura oficial ou aprovada pela CNBB<br />

e mesmo como pronunciamento do seu<br />

presi<strong>de</strong>nte é algo que pertence a uma<br />

tradição muito antiga na Igreja Católi-<br />

ca. Voltarei a este ponto adiante.<br />

Vale agora contrastar essas<br />

posições oficiais ou oficiosas da Igrejas<br />

Católicas com as <strong>de</strong> algumas igrejas<br />

protestantes, que como foi visto acima,<br />

oficialmente, através <strong>de</strong> documentos e<br />

circulares, assumiram, sem ro<strong>de</strong>ios,<br />

apoio a Collor <strong>de</strong> Mello. Estes elemen-<br />

tos permitem a leitura das diferenças<br />

entre essas igrejas, ao lado do esclare-<br />

cimento do sentido <strong>de</strong> aspectos funda-<br />

mentais da doutrina social católica.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> partirem <strong>de</strong> um<br />

mesmo "mito fundador", a Igreja Cató-<br />

lica se distingue das protestantes por<br />

sua sacramentalida<strong>de</strong>, como acentua<br />

Pierre Sanchis (3), o que lhe confere<br />

características próprias: o caráter não<br />

apenas simbólico dos sacramentos<br />

(como no protestantismo), mas que se<br />

apresenta como elemento da realida<strong>de</strong><br />

(como, por exemplo, a presença real da<br />

divinda<strong>de</strong> no pão e vinho consagrados)<br />

é dado <strong>de</strong> fundamental importância pa-<br />

ra compreensão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica.<br />

Ao lado e em relação com is-<br />

so, é preciso consi<strong>de</strong>rar a marca in<strong>de</strong>lé-<br />

vel, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer o estigma, pro-<br />

porcionado por certos sacramentos<br />

como o do batismo, o do casamento<br />

(indissolúvel) e o da or<strong>de</strong>m (que separa<br />

o sacerdote dos outros homens, confe-<br />

rindo-lhe po<strong>de</strong>res rituais que não per-<br />

<strong>de</strong>m nunca, como o da consagração).<br />

Se relacionarmos isto com a caracterís-<br />

tica fundamental do protestantismo, o<br />

sacerdócio universal (isto é, cada<br />

cristão, cada crente, po<strong>de</strong>ndo interpre-<br />

tar a Bíblia, po<strong>de</strong> também ser um pre-<br />

gador da palavra <strong>de</strong> Deus), po<strong>de</strong>remos<br />

mais facilmente compreen<strong>de</strong>r as postu-<br />

ras diferenciadas assumidas pelas igre-<br />

jas cristãs durante o drama/ritual das<br />

eleições presi<strong>de</strong>nciais no Brasil.<br />

Mo caso do catolicismo, a sa-<br />

cramentalida<strong>de</strong> conduz não só à sepa-<br />

ração do sacerdote em relação ao leigo,<br />

mas também conduz à estrutura<br />

hierárquica assumida pela igreja, estru-<br />

tura que não po<strong>de</strong> existir numa igreja<br />

on<strong>de</strong> todos, potencialmente, são pre-<br />

gadores ou sacerdotes. A sacramentali-<br />

da<strong>de</strong> simbólica do protestantismo,<br />

versão diferente do mito fundador do<br />

cristianismo, conduz não apenas ao sa-<br />

cerdócio universal, mas à fragmentação<br />

em numerosas igrejas e seitas (4).<br />

E aí está, certamente, um da-<br />

do fundamental: a Igreja católica (uni-<br />

versal) tem a pretensão da totalida<strong>de</strong><br />

(5), o que não se coloca no caso dos<br />

protestantes. Por isso c importante pa-<br />

ra os católicos que, mesmo divididos<br />

cm suas posturas políticas c i<strong>de</strong>ológi-<br />

cas, eles se aprescniem unidos com re-<br />

lação a <strong>de</strong>terminados aspectos que<br />

constituem o fundamental na cons-<br />

trução da sua catolicida<strong>de</strong> (expressão<br />

aqui entendida como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, isto é,<br />

o ser católico). O sentido <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong><br />

está expresso no documento da CNBB,<br />

acima citado:<br />

"Em vista do segundo turno é<br />

preciso ter presente que a unida<strong>de</strong> da<br />

Igreja não se expressa pela coincidência<br />

partidária, mas pela serieda<strong>de</strong> no esfor-<br />

ço <strong>de</strong> cada um escolher, <strong>de</strong> respeitar a<br />

opção feita pelos outros e zelar no pro-<br />

cesso eleitoral pelas condições <strong>de</strong> ver-<br />

da<strong>de</strong> e garantia da concórdia social"<br />

(trecho da nota oficial "Igreja e Políti-<br />

ca").<br />

E aqui po<strong>de</strong>mos retomar os<br />

pontos da doutrina social expressos nos<br />

documentos da CNBB e na fala <strong>de</strong> seu<br />

presi<strong>de</strong>nte e repetidos com muita fi<strong>de</strong>-<br />

lida<strong>de</strong> por outros bispos no Brasil du-<br />

rante o processo eleitoral. Um primei-<br />

ro ponto se refere ao documento "Igre-<br />

ja e Política", quando o mesmo alerta<br />

para o "risco do estatismo" e para a<br />

crescente concentração <strong>de</strong> renda, que<br />

"agrava as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais". Há<br />

tempos, referindo-se ao Plano Nacio-<br />

nal <strong>de</strong> Reforma Agrária da Nova<br />

República, D. Ivo Lorscheiter, então<br />

presi<strong>de</strong>nte da CNBB, também expres-<br />

sava a posição da entida<strong>de</strong> em termos<br />

semelhantes, não aceitando a alternati-<br />

va entre comunismo e capitalismo(6).<br />

Efetivamente, entre regimes<br />

políticos e econômicos reais e concre-<br />

tos, a Igreja Católica coloca como al-<br />

ternativaasua doutrina social.Assim, no<br />

caso da reforma agrária, ela é a favor <strong>de</strong><br />

sua realização baseada no princípio do<br />

direito à proprieda<strong>de</strong>, que é um princí-<br />

pio <strong>de</strong> justiça social, isto é, que todos<br />

os trabalhadores do campo tenham di-<br />

reito a sua terra, princípio que não se<br />

43<br />

CUÍRA


confun<strong>de</strong> nem com proprieda<strong>de</strong> coleti-<br />

va ou estatal, nem com o direito capita-<br />

lista <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (isto é, dos atuais<br />

proprietários).<br />

O mesmo se coloca em re-<br />

lação a outros campos, como quando se<br />

trata <strong>de</strong> reforma urbana, da partici-<br />

pação dos trabalhadores na gestão e<br />

nos lucros das empresas, da exigência<br />

do salário justo e <strong>de</strong> muitos outros<br />

pontos, que po<strong>de</strong>m ser resumidos por<br />

expressões sempre repetidas, como<br />

"<strong>de</strong>senvolvimento da pessoa humana",<br />

"realização do bem comum" e "cons-<br />

trução <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> justa e fraterna".<br />

Trata-se <strong>de</strong> fato <strong>de</strong> princípios<br />

muito antigos, que encontram suas ori-<br />

gens no período medieval, quando a<br />

Igreja con<strong>de</strong>nava o lucro e a usura e <strong>de</strong>-<br />

fendia o justo preço e o justo salário.<br />

Neste sentido, po<strong>de</strong>-se falar numa dou-<br />

trina não capitalista (mas também não<br />

comunista, evi<strong>de</strong>ntemente). Para que<br />

se <strong>de</strong>senvolvesse o capitalismo no<br />

mundo oci<strong>de</strong>ntal teria sido necessária a<br />

Reforma e o surgimento <strong>de</strong> uma ética<br />

calvinista? Talvez não, mas creio que<br />

não se po<strong>de</strong> negar que a ética protes-<br />

tante combina muito mais com o capi-<br />

talismo do que a católica.<br />

Neste ponto, para terminar<br />

estas consi<strong>de</strong>rações sobre as igrejas<br />

cristãs, <strong>de</strong>vo lembrar o manifesto do<br />

Comitê Nacional Inter-Religioso <strong>de</strong><br />

Apoio a Lula, do qual participavam<br />

católicos e protestantes <strong>de</strong> esquerda:<br />

"Nós conhecemos Luís Inácio<br />

Lula da Silva <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu aparecimento<br />

como lí<strong>de</strong>r sindical, lutando à frente<br />

dos trabalhadores para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus<br />

direitos. Damos testemunho <strong>de</strong> sua fé<br />

em Deus, fé que se traduz na sua vida a<br />

serviço da justiça e da paz.<br />

Lula não buscou as igrejas com<br />

fins eleitorais. Ao contrário.cnstãos se<br />

uniram à Frente Brasil Popular por ve-<br />

rem em seu programa um instrumento<br />

<strong>de</strong> concretização histórica <strong>de</strong> valores<br />

que são a substância do projeto <strong>de</strong> Je-<br />

sus ~ Reino <strong>de</strong> Deus" (O Liberal,<br />

Belém, 04/12/89).<br />

O documento, elaborado por<br />

intelectuais cristãos seguidores da Teo-<br />

logia da Libertação, com intensa mi-<br />

litância política e religiosa, ao mesmo<br />

tempo que reafirma princípios <strong>de</strong> uma<br />

ética e uma crença milenares, aposta,<br />

por outro lado, no novo, representado<br />

pela candidatura <strong>de</strong> um militante sindi-<br />

cal que emergiu politicamente <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um dos setores mais avançados do<br />

44<br />

CUÍRA<br />

capitalismo brasileiro, que sempre <strong>de</strong>-<br />

senvolveu política sindical mo<strong>de</strong>rna,<br />

sem peleguismo, que ajudou a fundar o<br />

partido que, entre os partidos brasilei-<br />

ros, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o mais mo-<br />

<strong>de</strong>rno. Creio que esta aparente contra-<br />

dição não po<strong>de</strong>ria ser assimilada pela<br />

maioria dos membros das diferentes<br />

igrejas cristãs a que pertencem os auto-<br />

res e signatários do manifesto.<br />

6- Em conclusão: a lógica dos<br />

cultos afro e a interpretação da socie-<br />

da<strong>de</strong> brasileira.<br />

Para essa maioria e, vale di-<br />

zer, para a maioria da população brasi-<br />

leira, provavelmente a lógica mais fácil<br />

<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r aparece no discurso <strong>de</strong> lí-<br />

<strong>de</strong>res <strong>de</strong> culto <strong>de</strong> origem afro, como no<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong> Ogum, publica-<br />

do assim que se <strong>de</strong>finiram os candida-<br />

tos do segundo turno. Segundo suas<br />

previsões.<br />

"(...) as vibrações prelimina-<br />

res indicam que o candidato da Frente<br />

Brasil Popular (...) será o próximo pre-<br />

si<strong>de</strong>nte do país. Ás conclusões <strong>de</strong>finiti-<br />

vas dos estudos do pai-<strong>de</strong>-santo sairão<br />

nos próximos dias.<br />

(...) Neste momento, explicou<br />

Jair <strong>de</strong> Ogum, os estudos espirituais<br />

apontam Lula em melhor situação que<br />

Collor em função das vibrações saídas<br />

do povo. O candidato da Frente Brasil<br />

Popular está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um quadro <strong>de</strong><br />

muita energia, agitando a população<br />

como na época <strong>de</strong> Tancredo Neves. Isto<br />

po<strong>de</strong> ser, entretanto, prejudicial para<br />

ele no <strong>de</strong>correr da campanha. Hoje o<br />

que se vê é gente nas ruas acen<strong>de</strong>ndo<br />

vela e chorando por Lula, como uma<br />

partida <strong>de</strong> futebol on<strong>de</strong> o grito final<br />

está preso na garganta. E o povo assa-<br />

nhado cheira a ba<strong>de</strong>rna e leva à repe-<br />

tição <strong>de</strong> fatos como <strong>de</strong> Volta Redonda,<br />

cujos saldos são maléficos ao cândida-


to, contrapõe o pai-<strong>de</strong>-santo. Por essa<br />

análise, Jair <strong>de</strong> Ogum conclui que a si-<br />

tuação fica melhor para Collor <strong>de</strong> Mel-<br />

lo, do PRN. O candidato colorido, se-<br />

gundo o pai-<strong>de</strong>-santo, conta com a vi-<br />

bração <strong>de</strong> Oxosse, uma entida<strong>de</strong> espiri-<br />

tual vaidosa, conquistadora, do tipo<br />

que não entra numa briga para per<strong>de</strong>r e<br />

<strong>de</strong> Ogum (...). Espiritualmente, Ogum<br />

é uma regência boa, <strong>de</strong> vibrações nego-<br />

ciadoras, sensível, cauteloso, culminan-<br />

do com uma força maliciosa" (A<br />

Província do Pará, Belém, 23/11/89).<br />

Numa socieda<strong>de</strong> como a bra-<br />

sileira, que Da Matta(7) <strong>de</strong>finiu como<br />

"relacionai", o discurso <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong><br />

Ogum faz muito sentido, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n-<br />

temente <strong>de</strong> suas pretensões religiosas<br />

ou espirituias. O lado mo<strong>de</strong>rno e "indi-<br />

vidualista" (não relacionai) <strong>de</strong> um can-<br />

didato que age através <strong>de</strong> ações "im-<br />

pessoais" como greves, passeatas,<br />

gran<strong>de</strong>s concentrações <strong>de</strong> massa, pro-<br />

gramas elaborados e discutidos por in-<br />

tectuais, contrasta certamente com o<br />

lado tradicional do outro candidato,<br />

que é elegante, vistoso e rico, mas ao<br />

mesmo tempo cauteloso e malicioso,<br />

procurando se aproximar do lado tradi-<br />

cional do catolicismo popular, mas ao<br />

mesmo tempo não esquecendo <strong>de</strong> cul-<br />

tivar relações com as igrejas protestan-<br />

tes e com as autorida<strong>de</strong>s católicas<br />

mais conservadoras.<br />

Se a proposta do novo esteve<br />

tão perto da vitória, isso indica, certa-<br />

mente, um processo' <strong>de</strong> mudança já<br />

consi<strong>de</strong>rável na socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Não obstante, a confirmação da pre-<br />

visão <strong>de</strong> Jair <strong>de</strong> Ogum também mostra<br />

como ainda pesa o tradicional, o rela-<br />

cionai e os aspectos totalizantes que<br />

<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> lado o indivíduo, ou apenas<br />

o vêem como o "político aproveita-<br />

dor". Destarte, o argumento ultima-<br />

mente muito utilizado pelas elites, co-<br />

mo um dos instrumentos <strong>de</strong> sua domi-<br />

nação, <strong>de</strong> que o rico não vai precisar<br />

"roubar", se atingir o po<strong>de</strong>r, foi<br />

também elemento importante na vitó-<br />

ria <strong>de</strong> Collor.<br />

Espero que essa análise e as<br />

reflexões que a acompanham tenham<br />

algum valor para motivar novas análi-<br />

ses e reflexões sobre as eleições <strong>de</strong> ou-<br />

tubro <strong>de</strong> 1990. Novamente as igrejas e<br />

seus agentes se mobilizam e influem,<br />

ativamente, no processo eleitoral. A<br />

análise <strong>de</strong>sse novo drama, do ponto <strong>de</strong><br />

vista do papel <strong>de</strong>sempenhado pelas<br />

agências produtoras e controladoras <strong>de</strong><br />

"bens simbólicos <strong>de</strong> salvação" (as dife-<br />

rentes igrejas) é algo que po<strong>de</strong>rá ficar<br />

para novo artigo, que po<strong>de</strong>rá ou não<br />

confirmar as interpretações, acima co-<br />

locadas, como leituras <strong>de</strong>ssas agências<br />

e <strong>de</strong> seu papel social na realida<strong>de</strong> polí-<br />

tica brasileira.<br />

Heraldo Maués Professor Adjunto do Departamento <strong>de</strong> História<br />

e Antropologia e do Núcleo <strong>de</strong> Altos Estudos Amazónicos/NAEA<br />

da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará.<br />

Jornais e revistas consultados:<br />

A Província do Pará, [Belém.<br />

Oiráno do Pará, Belém<br />

Familia Cristã, São Paulo.<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo.<br />

Jornal do Brasil, Rio.<br />

O Liberal, Belém<br />

Veja, São Paulo<br />

(*) Texto originalmenfe elaborado para ser discutido no Grupo<br />

<strong>de</strong> Catolicismo do Instituto <strong>de</strong> Estudos da Religiâo/ISER, na reu<br />

mão <strong>de</strong> 30 a 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1990 A mesma foi adiada duas ve-<br />

zes, por causa do "confisco" do Plano Collor e só pô<strong>de</strong> reali-<br />

zar-se nos dias 6 e 7 <strong>de</strong> julho do mesmo ano Os trabalhos <strong>de</strong><br />

verão sair em número especial das Comunicações do ISÍ R Este<br />

lexto, <strong>de</strong>stinado à Revista CUÍRA da UNIPOP, sofreu algumas<br />

modificações e e adaptações para divulgação mais ampla em<br />

âmbito local<br />

(**) A pesquisa nos jornais e revistas foi realizada pelos bolsis-<br />

tas <strong>de</strong> iniciação cientifica Fernando Arthur <strong>de</strong> Freitas Neves e <strong>de</strong><br />

aperfeiçoamento Ana Negrão do Espírito Santo, que participam,<br />

sob minha orientação, do projeto "Fontes para o Estudo da<br />

História Social e Religiosa da Região do Salgado", financiado<br />

pelo CNPq<br />

,H Cf Francisco C Rolim, "Religião e Classes Populares"<br />

Potópolis Fd Vozes, 1980. e "O que e Pentecostalismo". Sáo<br />

Paulo 'd Brasiliense. 1987<br />

í?, "Uma nota sobre o voto amigo" Comunicações do ISER 1<br />

(3): 3 11, 1982.<br />

(3) "Uma 'i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica'?" Comunicações do ISER 5 (221:<br />

5 16, 1986<br />

14) Cf Rubem César FERNANDES. "Os Cavaleiros do Bom Je-<br />

sus: Uma introdução às religiões populares". São Paulo: Ed.<br />

Brasiliense, 1982<br />

(5) Cf Jean DELUMEAU. le Christianisme va-t il mourir?" Pa-<br />

ris: Hachetfe, 1977<br />

(6i Cf Regina R. NOVAES, "Igreja Católica, Reforma Agrária e<br />

Nova República" Religião e Socieda<strong>de</strong> 12 (31 54 62<br />

{7) "Carnavais.. Malandros e Heróis: Para uma sociologia do di-<br />

lema brasileiro" Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar Editores, 1979<br />

AZ<br />

CUIRA


CULTURA<br />

A Esterilização Feminina<br />

Submissão Voluntária ?<br />

Suzanne Serruya Weyl<br />

"Eu não quis fazer a história<br />

antes,a arqueologia<br />

O comportamento reprodutivo<br />

feminino mudou significamen-<br />

te nas últimas três décadas.<br />

Como principal resultado <strong>de</strong>sta mu-<br />

dança ocorreu um importante <strong>de</strong>clínio<br />

da taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong>, que relaciona o<br />

n 0 <strong>de</strong> filhos por mulher. As taxas <strong>de</strong> fe-<br />

cundida<strong>de</strong> total brasileiras eram secu-<br />

larmente elevadas, mesmo levando-se<br />

em conta diferenças regionais e urba-<br />

no-rurais. O <strong>de</strong>clínio apontado pelos<br />

números do censo <strong>de</strong> 80 surpreen<strong>de</strong>-<br />

ram tanto pela magnitu<strong>de</strong> da redução<br />

como pelo fato <strong>de</strong> ter atingido todas as<br />

regiões brasileiras(l).<br />

Inúmeros estudos multidisci-<br />

plinares surgiram para explicar este<br />

fenômeno, articulando fatores que se<br />

conjugam em diferentes níveis.<br />

Vilmar Faria, pesquisador e<br />

presi<strong>de</strong>nte da Associação Nacional <strong>de</strong><br />

46<br />

CUIRA<br />

M. Foucalt<br />

linguagem;<br />

silêncio."'<br />

^ ^<br />

O estudo da saú<strong>de</strong> da mulher nos oferece um bom espe-<br />

lho da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste país. No país dos WO milhões <strong>de</strong> ca-<br />

riados, dos 12 milhões <strong>de</strong> sem-terra e dos 20 milhões<br />

<strong>de</strong> analfabetos, entre outras mazelas, milhares <strong>de</strong> mu-<br />

lheres optam pela esterilida<strong>de</strong> como se com isso pu<strong>de</strong>s-<br />

sem salvar suas vidas da miséria crescente, sacrifican-<br />

do sonhos e realizações.E um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> públi-<br />

ca, sem dúvidas, mas principalmente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental<br />

e moral dos donos do po<strong>de</strong>r e da mídia.<br />

<strong>Pesquisa</strong> e Pós-Graduaçao em Ciências<br />

Sociais, aponta como causa estrutural<br />

mais básica o padrão <strong>de</strong> expansão<br />

econômica pós-64, com crescente pro-<br />

letarização e o empobrecimento relati-<br />

vo das camadas <strong>de</strong> menor rendimento.<br />

Discute a intervenção, com ou sem in-<br />

^co^-<br />

tencionalida<strong>de</strong>, da "omissão" gover-<br />

namental e a ação das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> e concorda que<br />

a <strong>de</strong>terminante mais próxima <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>-<br />

clínio seria o aumento do uso <strong>de</strong> meios<br />

anticoncepcionais, cm especial a pílula<br />

e esterilização.(2)


A "DOURADA"<br />

PREFERÊNCIA<br />

PERDE<br />

Segundo Elza Berquó, pes-<br />

quisadora da UNICAMP, das razões<br />

que levaram à queda da fecundida<strong>de</strong><br />

marital, a principal é o uso <strong>de</strong> métodos<br />

anticoncepcionais (3). Estudos recen-<br />

tes <strong>de</strong>monstram que 2/3 das mulheres<br />

"O controle da natalida<strong>de</strong><br />

apareceu em diversos dis-<br />

cursos como a solução para<br />

vários males nacionais".<br />

usam algum tipo <strong>de</strong> método anticon<br />

cepcional, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma faixa etária<br />

<strong>de</strong> 15 a 44 anos. Diferente do que este<br />

dado po<strong>de</strong> isoladamenic traduzir, en-<br />

contramos que em cada cinco mulheres<br />

que usam algum método anticoncep-<br />

cional quatro optaram por apenas dois<br />

<strong>de</strong>les: a pílula e a esterilização <strong>de</strong>finiti-<br />

va, em geral sem indicação e orientação<br />

a<strong>de</strong>quada.(4)<br />

A pílula é o método mais co-<br />

nhecido : 99% das mulheres entre 15 e<br />

44 anos o conhecem, 70% já experi-<br />

mentaram pelo menos uma vez, mas<br />

apenas 25% o elegeram como método<br />

contraceptivo. Somente na região Sul é<br />

que a pílula atinge 54% da preferência<br />

feminina. Os métodos naturais são<br />

usados por apenas 4% da população<br />

usuária dos métodos contraceptivos no<br />

Brasil, contra 41%. das mulheres dos<br />

países do primeiro mundo. O DIU e o<br />

Diafragma são pouco conhecidos e <strong>de</strong><br />

difícil acesso principalmente pela po-<br />

pulação <strong>de</strong> baixa renda.(5)<br />

CIO<br />

OS CORPOS EM SILEN-<br />

No Brasil, o método mais usa-<br />

do é a esterilização feminina. Esta pre-<br />

ferência revela uma série <strong>de</strong> aspectos<br />

importantes. O crescimento da pre-<br />

ferência por este método é recente e<br />

veloz; em alguns estados, como São<br />

Paulo, o número <strong>de</strong> usuários pratiôa-<br />

mente dobrou em apenas oito anos. No<br />

Nor<strong>de</strong>ste, na análise das faixas etárias<br />

,* • ^6*#<br />

' *•' i<br />

Até 1960, o nível <strong>de</strong> reprodução brasileira mameve-se estável, por<br />

volta <strong>de</strong> 6,2 filho/mulher, apresentando uma pequena queda em torno 1965<br />

a 1967 e diminuindo consi<strong>de</strong>ravelmente até 1980, quando vamos encontrar<br />

uma taxa <strong>de</strong> 3,4 filhosImulher.<br />

Na região Norte, na década <strong>de</strong> 60/70, a taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> total<br />

foi <strong>de</strong> 8,15, a maior do Brasil. Na década seguinte (70/80) ocorreu uma re-<br />

dução <strong>de</strong> 21%, registrando-se o número <strong>de</strong> filhos/mulher <strong>de</strong> 6,45(12lA taxa<br />

<strong>de</strong> crescimento da década, no Brasil, foi <strong>de</strong> 2.5%, o que representou uma re-<br />

dução na intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 14%.<br />

.<br />

CUIRA<br />

47


das mulheres que optaram por este mé-<br />

todo encontramos um percentual <strong>de</strong><br />

21,42% <strong>de</strong> mulheres nor<strong>de</strong>stinas, que<br />

antes dos 30 anos já haviam encerrado<br />

sua carreira reprodutiva, e <strong>de</strong> quase 5%<br />

4,73%) antes dos 25 anos (6).<br />

Sabendo que o Brasil tem um<br />

número gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestações em ado-<br />

lescentes e que em geral é após o se-<br />

gundo filho que a mulher procura a la-<br />

queadura tubária, é possível projetar<br />

um quadro <strong>de</strong> dramático encurtamento<br />

do ciclo reprodutivo feminino. Outro<br />

aspecto é que a laqueadura é realizada<br />

tradicionalmente na última gestação<br />

recorrendo a cesárias. No Pará, 82,6%<br />

das mulheres esterilizadas adotaram es-<br />

te procedimento, que tem uma série <strong>de</strong><br />

complicações (7). A primeira <strong>de</strong>las é<br />

uma taxa <strong>de</strong> cesárias alarmante que<br />

implica um aumento <strong>de</strong>snecessário dos<br />

riscos <strong>de</strong> complicações ç morbida<strong>de</strong><br />

materno e fetal. Do ponto <strong>de</strong> vista da<br />

Saú<strong>de</strong> Pública existe a preocupação <strong>de</strong><br />

que a laqueadura tubária venha a pro-<br />

vocar uma série <strong>de</strong> alterações hormo-<br />

nais com conseqüências que po<strong>de</strong>m ir<br />

<strong>de</strong> distúrbios menstruais até menopau-<br />

sa precoce (8). Esta questão é agravada<br />

por duas características citadas: o con-<br />

tigente <strong>de</strong> mulheres com laqueadura<br />

tubária é jovem e numeroso.<br />

O uso ina<strong>de</strong>quado dos méto-<br />

dos contraceptivos, embora já evi<strong>de</strong>n-<br />

ciado nos estudos, está longe <strong>de</strong> ser<br />

avalidado com serieda<strong>de</strong>. O outro pon-<br />

to que fica muito claro é a falta <strong>de</strong> uma<br />

política populacional explícica e con-<br />

seqüente do governo brasileiro, tanto<br />

no sentido mais amplo, que abrange<br />

uma gama <strong>de</strong> interações <strong>de</strong>mográficas,<br />

econômicas e políticas, quanto, mais<br />

especificamente, relacionada à taxa <strong>de</strong><br />

aumento populacional e seu principal<br />

<strong>de</strong>terminante, a fecundida<strong>de</strong>.<br />

QUALIDADE X QUANTI-<br />

DADE A posição oficial do governo<br />

nestas três décadas foi ambígua, com<br />

forte tom pró-natalida<strong>de</strong>. Nesta linha,o<br />

governo argumentava que a população<br />

é fator <strong>de</strong> crescimento e a ocupação <strong>de</strong><br />

espaços vazios,uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se-<br />

gurança nacional. O controle <strong>de</strong> natali-<br />

da<strong>de</strong> apareceu em inúmeros discursos<br />

como a solução para vários males na-<br />

cionais. Razões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vida foram assumidas como justifi-<br />

cativa para racionalizar a família, <strong>de</strong>-<br />

frontando-se nesse <strong>de</strong>bate tanto idéias<br />

48<br />

CUÍRA<br />

da garantia <strong>de</strong> "qualida<strong>de</strong>s" físicas da<br />

população como o neomalthusianis-<br />

mo que busca na racionalização do ta-<br />

manho da família, as respostas para to-<br />

do tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajustamento.f9)<br />

Mais recentemente o governo<br />

brasileiro iniciou programas <strong>de</strong> atenção<br />

à Saú<strong>de</strong> da Mulher que implantariam<br />

"ações que aten<strong>de</strong>m às especificida<strong>de</strong>s<br />

da mulher em todas as fases <strong>de</strong> sua vi-<br />

da"(ll). Caberia então <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />

programa <strong>de</strong> atendimento global, o<br />

planejamento familiar, que gerou mui-<br />

ta polêmica. De um lado, se colocavam<br />

as entida<strong>de</strong>s femininas, preocupadas<br />

com a execução <strong>de</strong> uma programa que<br />

po<strong>de</strong>ria se transformar em um verda-<br />

<strong>de</strong>iro "programa oficial <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

natalida<strong>de</strong>", dada a falta <strong>de</strong> preparação<br />

em vários níveis (técnico p político,<br />

principalmente), da re<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong><br />

assistência à saú<strong>de</strong>. Ao lado da igreja,<br />

que via na ação governamental uma<br />

transgressão aos seus valores, agrupa-<br />

ram-se os mais diversos interesses, que<br />

se posicionavam contra o pograma. As<br />

multinacionais <strong>de</strong> medicamentos e as<br />

entida<strong>de</strong>s controlistas tentavam então<br />

reservar um "mercado consumidor",<br />

cuja ação oficial certamente os prejudi-<br />

caria.<br />

"O argumento neomafthu-<br />

s/ano, tão combatido quanto<br />

difundido, baseia-se na<br />

idéia <strong>de</strong> que o aumento po-<br />

puiacíonai é o fator que im-<br />

pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvoivimento".<br />

AS INSTITUIÇÕES DE<br />

CONTROLE<br />

Entrando no espaço institu-<br />

cional, surge a Benfam, a primeira or-<br />

ganização fundada no Brasil,em 1965.<br />

Em 1971, foi reconhecida como "orga-<br />

nização privada sem fins lucrativos", o<br />

mesmo ocorrendo com o "<strong>Centro</strong> <strong>de</strong><br />

Assistência Integrada à Mulher e à<br />

Criança" (CEPAIMC). Tais organi-<br />

zações possuem recursos financeiros<br />

vindos do exterior e estrutura para<br />

apoio técnico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta, que<br />

serve para avaliar em q^ianto a<br />

"questão <strong>de</strong>mográfica" no 3 o mundo<br />

importa aos países <strong>de</strong>senvolvidos.<br />

A ação <strong>de</strong>stas entida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong><br />

ser verificada em vários campos, quer<br />

seja financiando pesquisas na área <strong>de</strong><br />

reprodução humana ou estimulando os<br />

serviços <strong>de</strong> planejamento familiar.<br />

Por meio <strong>de</strong> discursos diver-<br />

sos,em que ao lado <strong>de</strong> argumentos neo-<br />

malthusianosjse coloca o da liberda<strong>de</strong><br />

sexual, separando o prazer sexual da<br />

procriação, o "MODELO BENFAM"<br />

<strong>de</strong> família tem sido apresentado como<br />

solução para todos os males. Tal mo<strong>de</strong>-<br />

lo prevê poucos filhos (dois ou três),<br />

preconizando a "anticoncepção como<br />

um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> todos", agindo autoritaria-<br />

mente com objetivo único <strong>de</strong> alcançar<br />

metas <strong>de</strong>mográficas pré-estabelecida-<br />

<strong>de</strong>s. O argumento neomalthusiano, tão<br />

combatido quanto difundido, baseia-se<br />

na idéia <strong>de</strong> que o aumento populacio-<br />

nal é o fator que impe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento, enten<strong>de</strong>ndo que um gran<strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong> filhos é a causa e não uma<br />

conseqüência da pobreza. Tal hipótese<br />

não se comprovou. Na maioria dos paí-<br />

ses on<strong>de</strong> houve diminuições do cresci-<br />

mento populacional, isto ocorreu pela<br />

melhoria das condições <strong>de</strong> vida da po-<br />

pulação, sem execução <strong>de</strong> uma política<br />

<strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>. A<br />

pobreza, a <strong>de</strong>sinformação e o sub<strong>de</strong>-<br />

senvolvimento não têm suas causas no<br />

tamanho da população e da família e<br />

sim na forma pela qual a socieda<strong>de</strong> se<br />

organiza, na produção e distribuição <strong>de</strong><br />

riquezas.


OS NÀO FILHOS DA T.V.<br />

É consenso, entre os autores<br />

que discutem a transição <strong>de</strong>mográfica,<br />

que a questão <strong>de</strong>terminante para a ins-<br />

titucionalização dos métodos anticon-<br />

cepcionais se constitui no <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento das relações capitalistas <strong>de</strong> pro-<br />

dução. Atualmente, o número <strong>de</strong> mu-<br />

"A televisão vincula uma<br />

família padrão: um casal e<br />

dois filhos."<br />

lheres brasileiras que usam algum mé-<br />

todo anticoncepcional é alto: cerca <strong>de</strong><br />

2/3, só comparado ao nível <strong>de</strong> países<br />

<strong>de</strong>senvolvidos.<br />

Entretanto, é preciso <strong>de</strong>scar-<br />

tar da ação governamental o caráter<br />

conspiratório e introduzir ao <strong>de</strong>bate fa-<br />

tores culturais e conseqüências não an-<br />

tecipadas das políticas governamentais.<br />

Vilmar Faria, pesquisdor da UNI-<br />

CAMP, argumenta que <strong>de</strong>terminadas<br />

políticas públicas funcionaram como<br />

potencializadoras das mudanças no<br />

comportamento reprodutivo sem que<br />

tenha sido colocado como objetivo <strong>de</strong>s-<br />

tas políticas. (11)<br />

Citamos duas: a política <strong>de</strong><br />

Crédito Direto ao Consumidor, cujo<br />

exercício do cálculo econômico racio-<br />

nal agiria como um instrumento <strong>de</strong> so-<br />

brevivência social, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um con-<br />

texto multifatorial. O valer-se do ra-<br />

ciona! também foi reforçado por políti-<br />

ca <strong>de</strong> crédito direto ao consumidor se-<br />

letiva que facilita certos bens dispensá-<br />

veis à reprodução familiar,"encarecen-<br />

do" os custos <strong>de</strong> produção e manu-<br />

tenção dos filhos.<br />

Outra questão, a das Telecc<br />

municações, é uma das mais importan-<br />

tes nesta análise. Embora auto-<strong>de</strong>fi-<br />

nindo-se com a função básica <strong>de</strong><br />

"transformar a população em mercado<br />

ativo <strong>de</strong> consumo", a televisão foi e é<br />

alvo <strong>de</strong> numerosos estudos que tentam<br />

<strong>de</strong>svendar seu complexo processo <strong>de</strong><br />

ação global no social. Aproximando<br />

mais este foco, é permitido falar que a<br />

televisão vinculou uma família-padrão<br />

bem típica: um casal e dois filhos: um<br />

garoto e uma menina. Esta família mo-<br />

<strong>de</strong>lo se coloca em contraposição à<br />

família gran<strong>de</strong>, ausente ou bem locali-<br />

zada em tipos: emigrantes/rural. Apre<br />

sentada principalmente nas novelas mas<br />

também estrategicamente em anúncios,<br />

programas etc, esta família represen-<br />

tou discursos convergentes no sentido<br />

da manutenção da instituição, mas <strong>de</strong><br />

seu controle numérico.<br />

O OLHAR OCULTO<br />

É através da conjunção <strong>de</strong>stes<br />

fatos, sinteticamente colocados, que se<br />

construiu um quadro objetivo das con-<br />

dições que levaram as mulheres a dimi-<br />

nuir o n 0 <strong>de</strong> filhos e recorrer a esterili-<br />

zação e a pílula. Entretanto, é preciso<br />

pensar que o fato e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um nú-<br />

mero tão expressivo <strong>de</strong> mulheres recor-<br />

rem, principalmente, 'a esterilização<br />

não se <strong>de</strong>ve a unamida<strong>de</strong> tão objetiva.<br />

É preciso refletir sobre o que ainda<br />

está invisível nesta ação, mas associado<br />

às tantas razões objetivas já levantadas.<br />

A voluntarieda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sejo<br />

das mulheres, embora pensados <strong>de</strong>ntro<br />

dos limites <strong>de</strong> cidadania a que estão<br />

subjugados, conduz a um primeiro e<br />

fundamental questionamento. A ima-<br />

gem feminina, construída fortemente<br />

sobre a maternida<strong>de</strong> durante décadas,<br />

recebe uma nova carga i<strong>de</strong>ológica, que<br />

não a livra <strong>de</strong> ser a "mãe <strong>de</strong>dicada",<br />

mas a controla <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> padrões<br />

numéricos <strong>de</strong>sejados não só pela mu-<br />

lher, mas pela socieda<strong>de</strong>. Qual repre-<br />

sentação, significado.tem para esta no-<br />

va mulher, que ainda crê ativamente na<br />

função maternal "divina", o <strong>de</strong>sejo por<br />

um método <strong>de</strong>finitivo, irreversível ou o<br />

própio fato <strong>de</strong> estar esterilizada ?<br />

Buscando enten<strong>de</strong>r estes sig-<br />

nificados, argumentamos que a con-<br />

vergência <strong>de</strong> inúmeros discursos sobre<br />

a esterilização constrói uma submissão<br />

no controle do corpo da mulher. Esta<br />

"submissão voluntária", retratada no<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> realizar a laqueadura tubária,<br />

se traduz como um efeito positivo do<br />

po<strong>de</strong>r sob o corpo. Ou seja, "fazer a<br />

operação" não é só sucumbir aos limi-<br />

tes da cidadania impostos às mulheres<br />

e em especial as <strong>de</strong> baixa renda. Repre-<br />

senta também uma ação coletiva, vo-<br />

luntária que se materializa ao nível do<br />

indivíduo. Assim, longe <strong>de</strong> imaginar<br />

que o controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> foi ma-<br />

quiavelicamente engendrado pelo go-<br />

verno e pelas instituições, é preciso en-<br />

ten<strong>de</strong>r as esferas mais próximas da <strong>de</strong>-<br />

cisão e do <strong>de</strong>sejp <strong>de</strong> se submeter à "o-<br />

peração". Outro ponto que <strong>de</strong>ve ser<br />

consi<strong>de</strong>rado é que a participação femi-<br />

nina na produção em geral é subordi-<br />

nada às funções reprodutivas. O <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> controlar, regular o tempo <strong>de</strong> con-<br />

cepção po<strong>de</strong> significar uma estratégia,<br />

que permita à mulher melhor ação na<br />

produção. Embora a mulher que tem<br />

menos filhos permaneça responsável<br />

pela educação, acompanhamento dos<br />

filhos e pelo trabalho doméstico, po-<br />

<strong>de</strong>mos questionar se ter menos filhos<br />

realmente altera a distribuição do tem-<br />

po e do espaço feminino ? O cotidiano<br />

<strong>de</strong>sta mulher que tem menos filhos tem<br />

um novo contexto ?<br />

O NORMAL, NATURAL ?<br />

Enfim, existem várias<br />

questões que ultrapassam a mudança<br />

numérica, mas permanecem ocultas.<br />

Refletir sobre estas questões exige uma<br />

dimensão prática que estamos buscan-<br />

do nas protagonistas <strong>de</strong>sta história, em<br />

entrevistas individuais, cujos discursos<br />

revelam na concretu<strong>de</strong>, o imaginário e<br />

o real <strong>de</strong> "ser operada", "estar ligada".<br />

Acreditamos ser importante<br />

refletir, mais atentamente, sobre uma<br />

ação tão significante na vida feminina -<br />

fazer uma cirurgia <strong>de</strong>finitiva: esterili-<br />

zação - que foi "naturalizada", "norma-<br />

lizada" com tamanha rapi<strong>de</strong>z na vida<br />

da maioria das mulheres "operadas".<br />

Suzanne Serruya Weyl. especialista em Ginecologia e ObsteUÍ-<br />

cia, professora da UEPa. e mestranda do NAEA.<br />

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1 - SIMÕES, Celso & OLIVEIRA, Luiz Perfil Eslalistico <strong>de</strong> Crian-<br />

ças e Mães no Brasil, <strong>de</strong>terminantes gerais e características da<br />

transição recente. Rio <strong>de</strong> Janeiro, IBGE, 1988.<br />

2 MARTINE, G. e CAMARGO, L Crescimento e distribuição<br />

da população brasileira: tendências recentes - Revistas Brasilei-<br />

ra <strong>de</strong> Estudos da População 01 99-140, Jan. 1984<br />

3 - FARIA. VILMAR EVANGELHISTAS " Políticas <strong>de</strong> Governo e<br />

Regulamentação da Fecundida<strong>de</strong> : Conseqüências não Anteci-<br />

padas e Efeitos perversos. ín " Ciências Sociais Hoje ", AN<br />

POCS, 1989<br />

4 - ARILLA, MM at. ali - direito <strong>de</strong> ter ou não ter filhos no Brasil<br />

2* ed Sào Paulo - Conselho Estadual <strong>de</strong> Condição Feminina,<br />

1986 V 1 (Coleção ca<strong>de</strong>rnos do CECF<br />

5 ■ FAGUNDES, A. e PtNOTTI, J A " Uma análise crítica da<br />

conlracepção no Brasil " Revista Feminina (16)(9): 776-8, set.<br />

1988<br />

6 - SIMÕES, Celso Op. cit<br />

7 - BERQUÓ, ELZA - "A Esterilização Feminina no Brasil Hoje ".<br />

Revista Ciência e Tecnologia, Revista <strong>de</strong> Cultura vozes. Ano<br />

Set/Out, 1989, n 0 5<br />

8 BERQUÓ, ELZA - Op. cit.<br />

9 - CELESTINO, Aparecido Clice " Estudo Comparativo da<br />

Morfotogia Endometrial e do Perfil Hormonal em Pacientes com<br />

Ligadura Tubária ". Tese <strong>de</strong> Doutorado apreBentada à Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina da USP São Paulo, 1988<br />

10 ARILLA MM Op. Cl.<br />

11 - ARILLA, MM. - Op cit.<br />

12 - FARIA, Vilm» • Op. cil.<br />

49<br />

CU1RA


INTERNACIONAL<br />

Estratégia do Imperialismo<br />

Norte-americano para a<br />

América Latina: Santa Fé II*<br />

(1 a parte)<br />

O texto aqui reproduzido é <strong>de</strong> fundamental importância para se com-<br />

preen<strong>de</strong>r a estratégia imperialista para a América Latina nos próximos<br />

anos. Assim como o Documento <strong>de</strong> Santa Fé I <strong>de</strong>lineou pistas para a domi-<br />

nação dos Estados Unidos sobre o continente durante os anos 80, Santa Fé<br />

II preten<strong>de</strong> assentar as bases da estratégia <strong>de</strong> dominação para os ano 90.<br />

É fundamental conhecê-lo por várias razões. Entre elas, porque a di-<br />

mensão i<strong>de</strong>ológica se toma cada vez maior e mais trabalhada pelos estrate-<br />

gistas norte-americanos. Conceitos como "cultura", "<strong>de</strong>mocracia", "teolo-<br />

gia", "comunicação social" são tratados durante todo o texto e são articu-<br />

lados para a elaboração <strong>de</strong> diversas propostas da estratégia imperialista.<br />

O CEPIS <strong>de</strong>cidiu divulgar Santa Fé II para que todos nós possamos<br />

tomar consciência <strong>de</strong>stas propostas <strong>de</strong> dominação e da estratégia geral que<br />

lhes serviu <strong>de</strong> base.<br />

Assim, acreditamos nós, po<strong>de</strong>remos também construir com maior lu-<br />

ci<strong>de</strong>z nossa estratégia <strong>de</strong> libertação e lutar por ela com mais clareza no co-<br />

tidiano das lutas populares.<br />

Equipe do CEPIS.<br />

São Paulo, Junho <strong>de</strong> 1989<br />

DOCUMENTO SANTA FÉ II<br />

Introdução: A ameaça às Américas.<br />

As Américas continuam sendo alvo<br />

<strong>de</strong> agressão. Alertamos sobre este<br />

perigo em 1980.(1) A agressão se<br />

manifesta na subversão comunista,<br />

nas ações terroristas e no tráfico <strong>de</strong> drogas.<br />

A capacida<strong>de</strong> das incipientes <strong>de</strong>mocracias la-<br />

tinas <strong>de</strong> enfrentar estas agressões viu-se mi-<br />

nada pelo estancamento econômico em toda<br />

a região, agravado pelo problema da dívida.<br />

A violência política resultante e o empobre-<br />

cimento crescente provocaram uma crise<br />

migratória cada vez maior tanto <strong>de</strong>ntro da<br />

região como a partir <strong>de</strong>la. Apesar dos esfor-<br />

ços iniciais da administração Reagan para<br />

enfrentar estes problemas e suas causas pro-<br />

50<br />

CUÍRA<br />

fundas, a situação agrava-se cada vaz mais<br />

ao ingressarem nos Estados Unidos na últi-<br />

ma década do século-XX. A falta <strong>de</strong> pro-<br />

gresso po<strong>de</strong> ser atribuída principalmente ao<br />

fracasso para conseguir um acordo bipar-<br />

tidário que encare <strong>de</strong> maneira coerente e<br />

efetiva os problemas que a América Latina<br />

enfrenta.(2)<br />

Problemas no Horizonte<br />

A re<strong>de</strong> comunista subversiva e<br />

terrorista esten<strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> Chiapas, ao sul do<br />

México, até o Chile, convertendo toda a cos-<br />

ta do Pacífico, ao Sul do Rio Gran<strong>de</strong>, em<br />

cenário <strong>de</strong> franco conflito. É evi<strong>de</strong>nte que a<br />

estratégia comunista <strong>de</strong> conflito para a re-<br />

gião é chegar ao po<strong>de</strong>r ou, pelo menos, con-<br />

seguir que as forças <strong>de</strong> segurança oci<strong>de</strong>ntais<br />

se vejam envolvidas em operações prolonga-<br />

das simultâneas em vários países. A magni-<br />

tu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta operação tem como implicação<br />

estratégica reduzir os compromissos assumi-<br />

dos pelos Estados Unidos no continente eu-<br />

ro-asiático e, <strong>de</strong>sta forma, aumentar a capa-<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coação soviética. Isto é verda<strong>de</strong><br />

mesmo que haja uma redução das forças<br />

nucleares estratégicas da URSS como resul-<br />

tado dos acordos sobre controle <strong>de</strong> arma-<br />

mentos. Ao mesmo tempo, a estratégia <strong>de</strong><br />

conflito soviética sobrecarrega ao máximo as<br />

capacida<strong>de</strong>s com que os Estados Unidos<br />

contam para cumprir suas responsabilida<strong>de</strong>s<br />

globais. Durante a última década, em vez<br />

<strong>de</strong> diminuir, esta ameaça subversiva terroris-<br />

ta aumentou. Nicarágua e Cuba, estados<br />

clientes da URSS no hemisfério, envolve-<br />

ram-se no tráfico <strong>de</strong> drogas e estabelecem<br />

relações <strong>de</strong> cooperação e talvez até <strong>de</strong> con-<br />

trole, com as máfias <strong>de</strong> traficantes <strong>de</strong> drogas<br />

da Colômbia. Os enormes recursos provi-<br />

nientes do tráfico <strong>de</strong> drogas aumentaram as<br />

potencialida<strong>de</strong>s da ameaça subversivas mui-<br />

to além do que se previra inicialmente. A<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser necessário utilizar forças<br />

militares norte-americanas para combater<br />

esta ameaça se discute agora, publicamente,<br />

ante os comitês do Congresso.<br />

Ao mesmo tempo, as economias<br />

latino-americanas andam aos tropeços, com<br />

índices <strong>de</strong> crescimento apenas marginalmen-<br />

te positivos. A Comissão Econômica para a<br />

América Latina e Caribe da ONU, em seu<br />

relatório preliminar para 1987, assinala que<br />

em termos per capita, o PIB total da região<br />

aumentou somente 0.5% em 1987, compa-<br />

rado com o um também fraco aumento <strong>de</strong><br />

1,4% em 1986. O relatório conclui que estas<br />

cifras indicam que "em 1987 continou a <strong>de</strong>-<br />

terioração das condições <strong>de</strong> vida que atingem<br />

a maioria das economias latino-americanas<br />

mais pobres". Por outro lado, acelerou-se a<br />

taxa <strong>de</strong> inflação. À frente, encontra-se a Ni-<br />

carágua, com 1,226%, o Brasil, com 338%, a<br />

Argentina, com 178%, e o México, com<br />

144%. O que mais me preocupa são as altas<br />

taxas <strong>de</strong> inflação das três maiores nações la-<br />

tino-americanas, que também apresentam as<br />

dívidas mais elevadas. Quando recordamos


que o total da dívida externa aumentou 4%<br />

em relação a 1986, parece inevitável que o<br />

problema do serviço da dívida se tornará<br />

mais oneroso durante a próxima década.<br />

A maioria dos norte-americanos<br />

consi<strong>de</strong>ram ," a emigração latina como um<br />

problema <strong>de</strong> imigração estaduni<strong>de</strong>nse. É vis-<br />

to, fundamentalmente, como um problema<br />

<strong>de</strong> verificar como absorver ou <strong>de</strong>sincentivar<br />

as milhões <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>slocadas que procu-<br />

ram os Estados Unidos. A reaçáo inicial, e<br />

provavelmente a primeira <strong>de</strong>ntre muitas, foi<br />

a Lei Simpson-Rodino. Esta procura absor-<br />

ver os imigrantes ilegais que possam com-<br />

provar residência nos Estados Unidos <strong>de</strong>s-<br />

<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> 1982, e <strong>de</strong>sincentivar imigrantes<br />

que vieram <strong>de</strong>pois, impondo multas aos em-<br />

pregadores que contratem imigrantes ilegais<br />

a partir <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1986, data em<br />

que foi aprovada. No entanto, o problema<br />

não se alicerça apenas no atrativo que têm<br />

os Estados Unidos para os imigrantes vo-<br />

luntários, mas no <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> milhões<br />

<strong>de</strong> pessoas por causa da violência marxista,<br />

da pobreza, das más gestões governamen-<br />

tais, e do aumento geral da ilegalida<strong>de</strong> e da<br />

corrupção na própria América Latina. A ori-<br />

gem do problema está nas pressões que ge-<br />

ram a emigração.<br />

Se as atuais tendências se manti-<br />

veram, é quase certo que enfrentaremos:<br />

. mais atitu<strong>de</strong>s hostis latino-americanas;<br />

. maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estados pró-soviéti-<br />

cos;<br />

. mais subversão;<br />

. maiores ameaças ao sistema financeiro in-<br />

ternacional;<br />

. maior criminalida<strong>de</strong> e tráfico <strong>de</strong> drogas<br />

provocados pela subversão;<br />

. maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ondas <strong>de</strong> imigração;e,<br />

por último;<br />

. maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> envolvimento mili-<br />

tar dos Estados Unidos.<br />

O que verificamos é que continua<br />

a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferènça estratégica contra a<br />

qual advertimos no primeiro relatório <strong>de</strong>ste<br />

Comitê em 1980. Se os Estados Unidos não<br />

enfocam a região <strong>de</strong> maneira coerente, séria<br />

e bipartidária, não há perspectiva alguma <strong>de</strong><br />

reverter estas tendências. O preço para en-<br />

frentar cada um dos sintomas já se elevou<br />

astronomicamente e o preço que os Estados<br />

Unidos serão obrigados a pagar ultrapassará<br />

qualquer experiência anterior duranie nos-<br />

sos 200 anos <strong>de</strong> história.<br />

A Necessida<strong>de</strong> da Democracia.<br />

O maior êxito aparente da admi-<br />

nistração Reagan na América Latina fpi o<br />

retorno à <strong>de</strong>mocracia. Este êxito, meámo<br />

que conte com o apoio bipartidário, po<strong>de</strong>'ser<br />

muito mais frágil do que pensamos atual-<br />

mente. É preciso atentar para os pontos vul-<br />

neráveis do regime <strong>de</strong>mocrático.<br />

*** ^*tóié.<br />

Nosso conceito <strong>de</strong> regime inclui<br />

tanto o governo temporário como o perma-<br />

nente. Numa <strong>de</strong>mocracia, o governo tem-<br />

porário é o funcionário eleito. O governo<br />

permanente é a estrutura institucional fc as<br />

burocracias que não mudam com as<br />

eleições, como, por exemplo, a burocracia<br />

militar, judicial e civil. Para continuar sendo<br />

<strong>de</strong>mocrático, o regime tem <strong>de</strong> prestar contas<br />

à socieda<strong>de</strong>. Isto exige uma compreensão da<br />

verda<strong>de</strong>ira natureza do estatismo.(3)<br />

O estatismo ocorre quando a so-<br />

cieda<strong>de</strong> está per<strong>de</strong>ndo ou já per<strong>de</strong>u a capa-<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir do regime uma prestação <strong>de</strong><br />

contas. Na América Latina, o estatismo é<br />

um problema persistente e profundo. Toc-<br />

queville reconheceu a persistência do esta-<br />

tismo na França apesar da revolução. Assi-<br />

nalou que o "ancien regime" ainda mantinha<br />

o po<strong>de</strong>r mesmo <strong>de</strong>pois que a revolução ha-<br />

via aparentemente substituído <strong>de</strong> forma<br />

permanente o governo monárquico pela As-<br />

sembléia Constituinte. Escreveu:<br />

"Não nos admiremos mais diante<br />

da assombrosa facilida<strong>de</strong> com que se reins-<br />

taurou a centralização na França jno co-<br />

meço do século. Os homens do '89' haviam<br />

<strong>de</strong>rrubado o edifício, mas ficaram os alicer-<br />

ces, mesmo nas mentes dos que o <strong>de</strong>struí-<br />

ram, e sobre esses alicerces pu<strong>de</strong>ram recons-<br />

truí-lo, incsperadamante, e com maior soli-<br />

<strong>de</strong>z que antes."<br />

O esquema mental tradicional <strong>de</strong><br />

muitos povos latino-americanos é tal que,<br />

embora possam mudar as formas <strong>de</strong> gover-<br />

no permanente e temporário do momento,<br />

continua gerando estatismo. As adminis-<br />

trações po<strong>de</strong>m ser instáveis e mudar, mas<br />

todas, durante seu mandato, procuram ex-<br />

pandir o papel do regime. Os po<strong>de</strong>res expan-<br />

sivos e absorventes do regime continuam em<br />

todos os países on<strong>de</strong> esta perspectiva domi-<br />

na a cultura política.<br />

Se a eleição <strong>de</strong> uma adminis-<br />

tração não vier acompanhada <strong>de</strong> uma mu-<br />

dança tanto <strong>de</strong> regime como <strong>de</strong> cultura poli-<br />

51<br />

CUIRA


tica, os Estados Unidos e a América Latina<br />

continuarão se distanciando cada vez mais.<br />

Não <strong>de</strong>veria ser motivo <strong>de</strong> surpresa, como<br />

aparentemente o é, que a União Soviética<br />

tenha recebido uma acolhida tao calorosa<br />

por parte dos lí<strong>de</strong>res recém-eleitos. No en-<br />

tanto, é com surpresa que numerosos jornais<br />

estaduni<strong>de</strong>nses assinalam o aumento dos<br />

contatos entre os soviéticos e os dirigentes<br />

latino-americanos recém-eleitos. Entre os<br />

êxitos soviéticos estão: a assinatura <strong>de</strong> acor-<br />

dos <strong>de</strong> intercâmbio cultural e cooperação<br />

econômica entre o chanceler Eduard She-<br />

vardnadze e o Brasil e o Uruguai em 1987;<br />

os acordos da dívida entre a URSS e o Peru,<br />

mediante os quais Moscou concordou em<br />

encomendar aos estaleiros da Marinha pe-<br />

ruana a construção <strong>de</strong> 80 barcos pesqueiros<br />

e comerciais, como parte <strong>de</strong> um plano para<br />

reduzir a dívida; e o primeiro acordo <strong>de</strong> pes-<br />

ca <strong>de</strong> importância entre Moscou e Argentina<br />

em 1986. Não é uma ironia que os esforços<br />

soviéticos <strong>de</strong> estabelecer vínculos com essas<br />

nações latino-americanas tenham se visto<br />

beneficiados pela nova onda <strong>de</strong> governos<br />

eleitos que varreu a região. Isto não é ape-<br />

nas resultante dos esforços dos novos lí<strong>de</strong>res<br />

em se distanciarem das administrações mili-<br />

tares prece<strong>de</strong>ntes que, em muitos casos,<br />

também, cooperam com os soviéticos. Nem<br />

foi simplesmente uma tentativa <strong>de</strong> acalmar<br />

suas respectivas alas esquerdas pró-soviéti-<br />

cas no plano interno, nem uma reação natu-<br />

ral à mudança <strong>de</strong> tática soviética em relação<br />

aos Estados do Terceiro Mundo.<br />

Todos estes fatores influíram,<br />

porém mais importante ainda é o fato <strong>de</strong><br />

que o regime latino é estatista por hábito,<br />

mesmo quando governado por representan-<br />

tes <strong>de</strong>mocraticamente eleitos. O regime "di-<br />

rigista" substitui cada vez mais a iniciativa do<br />

cidadão e reduz constantemente as esferas<br />

autônomas da socieda<strong>de</strong> civil. O regime so-<br />

viético é mais compatível com o estatismo la-<br />

tino do que os Estados Unidos. Isto é verda-<br />

<strong>de</strong> em muitos casos, mesmo que o regime la-<br />

tino seja ostensivamente <strong>de</strong>mocrático. O<br />

aumento das bolsas <strong>de</strong> estudo concedidas<br />

pela URSS para estudantes latinos é um si-<br />

nal <strong>de</strong> que Moscou reconhece que a edu-<br />

cação e o estágio em ministérios estatais so-<br />

viéticos favorecem sua penetração no regime<br />

estatista latino. Em 1978, Moscou ofereceu<br />

2.900 bolsas <strong>de</strong> estudo; uma década <strong>de</strong>pois,<br />

o total triplicou chegando a quase 10.000. A<br />

disposição soviética <strong>de</strong> estabelecer intercâm-<br />

bio e construir enormes projetos para o se-<br />

tor público ajusta-se à mentalida<strong>de</strong> estatista<br />

das culturas soviética e latina.<br />

Além disso, a disposição soviética<br />

<strong>de</strong> adquirir computadores e "software" brasileiros<br />

lhe abre o acesso aos países mais ricos<br />

da América Latina. Isto também vai<br />

acompanhado <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> estabelecer<br />

empresas mistas ("joint ventures") <strong>de</strong> ferro-manganês,<br />

por exemplo, e <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r veí-<br />

52<br />

CUÍRA<br />

culos <strong>de</strong> lançamento que estimulem o pro-<br />

grama espacial brasileiro. Por sua vez, essas<br />

medidas pressionam a Argentina a aumentar<br />

sua cooperação com os soviéticos, em parti-<br />

cular porque Moscou continua preocupada<br />

com o <strong>de</strong>sequilíbrio comercial provocado<br />

por sua enorme compra <strong>de</strong> grãos argentinos.<br />

Não obstante, o problema subja-<br />

cente é <strong>de</strong> caráter cultural: é a luta em torno<br />

<strong>de</strong> qual é a natureza do melhor regime. Por-<br />

tanto, o assunto não gira somente em redor<br />

das formas e processos mediante os quais os<br />

lí<strong>de</strong>res são eleitos. Concentrar a atenção nos<br />

processos eleitorais ofusca os <strong>de</strong>mais requisi-<br />

tos necessários para que exista a prestação<br />

<strong>de</strong> contas <strong>de</strong>mocrática. Entre os paladinos<br />

da <strong>de</strong>mocracia estaduni<strong>de</strong>nse, existe a<br />

tendência a enfatizar as eleições e ignorar os<br />

<strong>de</strong>mais requisitos. Por exemplo, muitas ve-<br />

zes o estatismo é consi<strong>de</strong>rado simplesmente<br />

como uma forma <strong>de</strong> assistência e segurança<br />

social. O que não se compreen<strong>de</strong> é que o re-<br />

gime estatista na América Latina abale a in-<br />

<strong>de</strong>pendência da socieda<strong>de</strong> como comunida-<br />

<strong>de</strong> ativa e auto-sustentadora, que possa pe-<br />

dir contas a seus representantes e que <strong>de</strong> fa-<br />

to o faça. O regime <strong>de</strong>mocrático é aquele em<br />

que o Governo tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

preservar a socieda<strong>de</strong> existente do ataque<br />

exterior ou da usurpação por parte do apa-<br />

relho estatal permanente.<br />

Os Estados Unidos estão numa<br />

etapa <strong>de</strong> ressurgimento. Recobramos o or-<br />

gulho e o sentido <strong>de</strong> propósitos com os quais<br />

este país foi construído e se transformou na<br />

gran<strong>de</strong> potência que é hoje. Porém esse<br />

gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r veio acompanhado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

responsabilida<strong>de</strong>s. OsEE.UU.não se po<strong>de</strong>m<br />

dar ao luxo <strong>de</strong> continuar dando tropeções<br />

como um elefante numa loja <strong>de</strong> cristais. A<br />

União Soviética representa para nós um ad-<br />

versário que não está submetido ao mesmo<br />

tipo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas que o nosso Go-<br />

verno; a estrutura do po<strong>de</strong>r em Moscou<br />

permite ao Bureau Político aplicar uma polí-<br />

tica exterior efetiva, coor<strong>de</strong>nada e a longo<br />

prazo. Os que elaboraram a política estadu-<br />

ni<strong>de</strong>nse têm <strong>de</strong> lidar com o fato <strong>de</strong> que os in-<br />

teresses soviéticos são contrários aos nossos,<br />

não só em termos geopolíticos, mas,<br />

também, porque os valores e a i<strong>de</strong>ologia que<br />

promovem são fundamentalmente antagôni-<br />

cos ao regime <strong>de</strong>mocrático e à liberda<strong>de</strong>. Os<br />

elaboradores da política estaduni<strong>de</strong>nse têm<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r reconhecer a ameaça que os sovié-<br />

ticos representam e contrapor-se a ela. Isto<br />

significa que as políticas e os programas <strong>de</strong><br />

objetivos-específicos têm <strong>de</strong> conjugar-se<br />

com os interesses e objetivos nacionais esta-<br />

duni<strong>de</strong>nses a longo prazo e manter sempre<br />

esses interesses e objetivos muito presentes.<br />

Além <strong>de</strong> terem <strong>de</strong> enfrentar a<br />

ameaça soviética, as nações latino-america-<br />

nas confrontam-se com muitos problemas<br />

internos e estruturais. A melhor forma <strong>de</strong> os<br />

EE.UU. ajudarem estes países a se ajuda-<br />

rem a si mesmos é garantir que qualquer es-<br />

forço genuíno para promover a <strong>de</strong>mocracia<br />

seja recompensado. Não po<strong>de</strong>mos permitir<br />

que os traficantes <strong>de</strong> entorpecentes, os ter-<br />

roristas ou um estado expansivo os escravize,<br />

como tampouco po<strong>de</strong>mos permitir que a ti-<br />

rania imperial dos soviéticos se expanda.<br />

Não po<strong>de</strong>mos observar passiva-<br />

mente a luta para sair da pobreza ser preju-<br />

dicada por políticas míopes em relação à dí-<br />

vida ou por políticas econômicas que <strong>de</strong>s-<br />

truam a economia.<br />

Os elaboradores <strong>de</strong> política esta-<br />

duni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong>vem transmitir uma mensagem<br />

forte e precisa: o bom vizinho está <strong>de</strong> volta e<br />

regressou para ficar.<br />

Parte I - Uma Estratégia para o<br />

Regime Democrático:<br />

Bases para uma Política Democrática<br />

Os norte-americanos têm-se incli-<br />

nado a crer que, para assumir atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>-<br />

mocráticas no governo permanente e para<br />

promover a melhoria das relações entre os<br />

EE.UU. e a América Latina, bastam<br />

eleições <strong>de</strong>mocráticas. No entanto, os fatos<br />

<strong>de</strong>monstram que, mesmo que se tenham ins-<br />

taurado formas <strong>de</strong>mocráticas na América<br />

Latina, o padrão <strong>de</strong> estatismo não se alterou.<br />

Os Estados Unidos estão enfrentando, <strong>de</strong> fa-<br />

to, crescentes dificulda<strong>de</strong>s no manejo dos<br />

problemas políticos, econômicos e diplomá-<br />

ticos com muitas <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>mocracias en-<br />

quanto testemunham o aumento da influên-<br />

cia e da visibilida<strong>de</strong> soviética.<br />

Os soviéticos fazem uma distinção<br />

clara entre estar no Governo e ter o po<strong>de</strong>r.<br />

Esta distinção significa abordar o que se<br />

consi<strong>de</strong>ra a essência do regime, quer dizer,<br />

se a forma <strong>de</strong> governo correspon<strong>de</strong> à estrutu<br />

ra do governo permanente. Por exemplo, es-<br />

ta distinção explica porque os soviéticos con-<br />

si<strong>de</strong>ram que os comunistas nacionais que<br />

estão no Governo não têm o po<strong>de</strong>r enquan-<br />

to não controlam as forças armadas. Os Es-<br />

tados Unidos necessitam ser igualmente rea-<br />

listas. Os Estados Unidos <strong>de</strong>vem alcançar<br />

uma cultura pró-<strong>de</strong>mocrática no governo<br />

permanente assim como na administração<br />

temporária.<br />

O regime <strong>de</strong>mocrático exige que o<br />

mecanismo político permanente, constituído<br />

pelas estruturas burocráticas encarregadas<br />

<strong>de</strong> manter a or<strong>de</strong>m e administrar a justiça,<br />

assim como o governo temporário formado<br />

pela administração eleita estejam a serviço<br />

da socieda<strong>de</strong>. O regime <strong>de</strong>mocrático tem<br />

como propósito preservar a in<strong>de</strong>pendência<br />

da socieda<strong>de</strong>, fazer da socieda<strong>de</strong> uma co-<br />

munida<strong>de</strong> mais verda<strong>de</strong>ira, e respon<strong>de</strong>r-pe^<br />

rante ela.


Os elementos mais significativos<br />

do objetivo <strong>de</strong>sta política dos Estados Uni-<br />

dos implicam que os lí<strong>de</strong>res latino-america-<br />

nos aceitem controles do po<strong>de</strong>r político e<br />

mantenham a diferença entre regime e so-<br />

cieda<strong>de</strong>. A tendência nos Estados Unidos é<br />

concentrar-se excessivamente nos processos<br />

eleitorais. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da importân-<br />

cia que possam ter, a compreensão do pro-<br />

blema <strong>de</strong> estabelecer um efetivo regime<br />

constitucional e <strong>de</strong>mocrático na América La-<br />

tina é limitada.<br />

SSo Pauh, Junho <strong>de</strong> 1989<br />

Para a Leitura do Documento<br />

Frei Betto<br />

Em maio <strong>de</strong> 1980, assessores <strong>de</strong> Ronald Reagan elaboraram um do-<br />

cumento <strong>de</strong> propostas àpolítica externa do novo presi<strong>de</strong>nte americano. O<br />

Documento da Santa Fé, que reunia as propostas, reforçava a Doutrina<br />

Monroe (leia-se:" a América - incluída a Latina -para os americanos")<br />

e referia-se explicitamente à Teologia da Libertação: "A política exterior<br />

dos EUA <strong>de</strong>ve começar a enfrentar (e não simplesmente reagr posterior-<br />

mente) a Teóloga da Libertação tal como é utilizada na América Latina<br />

pelo clero da 'Teologia da Libertação'. O papel da Igreja na América<br />

Latina - acrescentava o documento - é vital para o conceito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

política. Lamentavelmente, as forças marxistas-leninistas utilizarama a<br />

Igreja como uma arma política contra a proprieda<strong>de</strong> privada e o sistema<br />

capitalista <strong>de</strong> produção, infiltrando a comunida<strong>de</strong> religiosa com idéias<br />

que são menos critãs que comunistas".<br />

Vem à luz agora o Documento Santa Fé II, <strong>de</strong>stinado ao governo Bu-<br />

sh e intitulado "Uma estratégia para a América Latina nos anos 90". As-<br />

sinado por L. Francis Boucney, Roger Fontaine, David C. Jordan e o Ge-<br />

neral Gordom Sumner Jr, no novo texto <strong>de</strong>stacam-se três temas: a neces-<br />

sida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia, a ofensiva cultural marxista e o acerto da dívida<br />

externa.<br />

Estatismo e comunismo ■ Os assessores <strong>de</strong> Bush acreditam qie "o<br />

maior triunfo da administração Reagan na Américd Latina foi o retomo<br />

à <strong>de</strong>mocracia "(sic), distinguem entre "governo permanente - as estruturas<br />

institucionais que não mudam com o resultado das eleições" (a insti-<br />

tuição militar, a judicial e a civil) e "governo temporal" - o que resulta<br />

das eleições", e consi<strong>de</strong>ram que o ffan<strong>de</strong> inimigo da <strong>de</strong>mocracia seria "o<br />

estatismo ", ou seja, a presença do Estado na esfera econômica. Esse esta-<br />

tismo, reflexo da in<strong>de</strong>sejada egemonia do governo temporal sobre o per-<br />

manente, justificaria a crescente aproximação do Cone Sul com a URSS.<br />

"As novas conquistas soviéticas incluem: um acordo pelo ministro Ed-<br />

ward Shevardnadze para um intercâmbio cultural e <strong>de</strong> coopereção<br />

econômica com o Brasil e Uruguai em 1987", uma vez que "o regime so-<br />

viético é mais compatível com o estatismo latino que o dos Estados Uni-<br />

dos". Essa infiltração comunista não <strong>de</strong>scarta nem a tecnologia <strong>de</strong> pon-<br />

ta, pois "a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Moscou <strong>de</strong> comprar computadores e 'software'<br />

brasileiros abre uma porta rumo ao país mais rico da América Latina'',<br />

além <strong>de</strong> cooperação na área mineral e no programa espacial <strong>de</strong> nosso<br />

país.<br />

Para os autores do documento, evita-se o avanço da ofensiva soviéti-<br />

ca promovendo no Continente a verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>mocracia - aquela que pre-<br />

sença a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ataque externo e <strong>de</strong> intromissão interna do aparelho<br />

<strong>de</strong> Estado. Todo po<strong>de</strong>r à inicativa privada! No caso específico do Brasil,<br />

Santa Fé II elogia Sameypopr ter evitado um "golpe <strong>de</strong> Estado'' do Con-<br />

gresso. Nacional (sic) ao <strong>de</strong>cidir ficar 5 anos no governo e <strong>de</strong>rrotar o par-<br />

lamentarismo na Constituinte. Mas alerta para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "um<br />

governo esquerdista tomar o po<strong>de</strong>r na década <strong>de</strong> 90", favorecido pelo es-<br />

tatismo, pelo déficit público e o peso da dívida externa. Nesta hipótese, es-<br />

taria justificado um novo golpe militar, uma vez que "o Exército po<strong>de</strong>ria<br />

realizar um papel histórico como po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rador". Porém os homens<br />

<strong>de</strong> Bush reconhecem que isto imopediria 'o Brasil <strong>de</strong> alcançar a meia <strong>de</strong><br />

chegar ao final do século como uma gran<strong>de</strong> potência.<br />

A Teologia da Libertação - Gramsci seria o gran<strong>de</strong> inspirador da<br />

atual "ofensiva cultural marxista" no Continente, por ter aprofundado as<br />

relações entre valores nacionais e criação <strong>de</strong> um regime eslatisla. Agora a<br />

O Haiti representa um exemplo<br />

dramático. Depois da fuga da família Duva-<br />

lier, as autorida<strong>de</strong>s dos Estados Unidos esta-<br />

vam ansiosas por estabelecerem a <strong>de</strong>mocra-<br />

cia, que dizer, realizar eleições. Resultado: o<br />

fracasso sangrento <strong>de</strong> novembro passado<br />

que <strong>de</strong>monstrou que o Haiti - tanto a socie-<br />

da<strong>de</strong> como o regime - estava totalmente<br />

<strong>de</strong>spreparado para estabelecer um governo<br />

<strong>de</strong>mocrático. Esta visão limitada <strong>de</strong>monstra<br />

que as autorida<strong>de</strong>s dos EE.UU. não com-<br />

preen<strong>de</strong>ratruo profundo conflito cultural que<br />

existe nos países latino-americanos. Mesmo<br />

que se realizem eleições, o próprio regime<br />

po<strong>de</strong> continuar a ser profundamente estatis-<br />

ta e continuará a avançar inexoravelmente<br />

para o po<strong>de</strong>r absolutista sobre uma socieda-<br />

<strong>de</strong> cada vez mais <strong>de</strong>bilitada.(4)<br />

Neste sentido político, o estatismo<br />

inclui a estatizaçâo(5) e o nacionalismo inte-<br />

gral. Estas são tendências que conduzem ao<br />

controle centralizado da ativida<strong>de</strong> econômi-<br />

ca e ao embaçamento da distinção entre so-<br />

cieda<strong>de</strong> e regime. Se os eleitos para o gover-<br />

estratégia comunista consitirid em preservar o processo <strong>de</strong>mocrático, re-<br />

forçando o estatismo e obtendo o predomínio <strong>de</strong> novos valores culturais<br />

sobre a economia. Os canais à "dominação cultural da nação " seriam<br />

' a religião, as escolas, os meios <strong>de</strong> comunicação e as universida<strong>de</strong>s''.<br />

A Teologia da Libertação é encarada, nesse contexto, como uma<br />

"doutrina poliica disfarçada <strong>de</strong> crença religiosa, com um significado an-<br />

tipapal c anti-livre empresa, <strong>de</strong>stinada a <strong>de</strong>bilitar a in<strong>de</strong>pendência da so-<br />

cieda<strong>de</strong> frente ao controle estatista". A relcitura que os teólogos da liber-<br />

tação fazem da fé cristã seria parte da estratégia cultural <strong>de</strong> reinterpretar a<br />

arte e os <strong>de</strong>mais bens simbólicos. Haveria uma verda<strong>de</strong>ira "indústria da<br />

conscientização'' e que <strong>de</strong>ve ser atacada com <strong>de</strong>cisão pela administração<br />

Bush:<br />

A dívida externa - Quanto à divida externa, o documento aprova o<br />

Plano Baker c propõe a criação <strong>de</strong> mercados nacionais <strong>de</strong> capital, como<br />

forma <strong>de</strong> administrá-la A ontinuar a evasão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s somas <strong>de</strong> capital,<br />

alertam eles, os países <strong>de</strong>vedores enfrentam crescimento negativo cjá não<br />

"terão divisas para comprar produtos norte-americanos". A saída estaria<br />

em reinverter o montante da dívida no mercado internacional e incre-<br />

mentar os intercâmbios <strong>de</strong> capital (<strong>de</strong>bt equity stvaps), mas sem "nacio-<br />

nalismo negativo". Evitar-se-ia tal risco vinculando a compra <strong>de</strong> parte da<br />

dívida à associação <strong>de</strong> empresas nacionais e estrangeiras e favorecendo a<br />

privatização das estatais c paraestatais.<br />

Em suma, a equipe <strong>de</strong> Bush parece ter fé nessas propostas nada san-<br />

tas Acredita que o que é bom para os Estados Unidos é bom para a<br />

América Latina. Resta saber se os latino-americanos concordarão.<br />

53<br />

CUIRA


no mantêm opiniões estatizantes sobre o re-<br />

gime, então oprocesso<strong>de</strong> estatizaçâo e, por-<br />

tanto, em direção a um regime anti<strong>de</strong>mocrá-<br />

tico, nflo seria revertido com o realizar <strong>de</strong><br />

eleições.<br />

A Ofensiva Cultural Marxista<br />

O principal teórico marxista inovador<br />

que reconheceu a relações entre os valores<br />

que o povo tem e a criação do regime<br />

estatizante foi Antônio Gramsci<br />

(1881-1937). Gramsci argumentou que a<br />

cultura ou a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores na socieda<strong>de</strong><br />

primam sobre a economia. Segundo Gramsci,<br />

os trabalhadores não conquistariam o regime<br />

<strong>de</strong>mocrático mas os intelectuais sim.<br />

Para Gramsci, a maioria dos homens ostentam<br />

os valores comuns <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong>,<br />

porém não estão conncientes do porquê <strong>de</strong><br />

suas opiniões nem <strong>de</strong> como as adquiriram.<br />

Desta análise se <strong>de</strong>duziu que era possível<br />

controlar ou formar o regime mediante o<br />

processo <strong>de</strong>mocrático se os marxistas fossem<br />

capazes <strong>de</strong> criar os valores comuns hegemônicos<br />

da nação. Os métodos marxistas e os<br />

intelectuais marxistas podiam conseguir isto<br />

dominando a cultura da nação, processo que<br />

requer uma gran<strong>de</strong> influência em sua religião,<br />

escolas, meios <strong>de</strong> comunicação e universida<strong>de</strong>s.<br />

Para os teóricos marxistas, o método<br />

mais eficaz para criar um regime estatista<br />

em um maio <strong>de</strong>mocrático era através da<br />

conquista da cultura da nação. Seguindo este<br />

padrão, todos os movimentos marxistas na<br />

América Latina têm sido dirigidos por intelectuais<br />

e estudantes, e não por trabalhadorcs<br />

Neste contexto é que se <strong>de</strong>ve<br />

compreen<strong>de</strong>r a Teologia da Libertação: é<br />

uma doutrina política disfarçada <strong>de</strong> crença<br />

religiosa, que tem um significado contra o<br />

Papa e contra a livre empresa, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitar<br />

a in<strong>de</strong>pendência da socieda<strong>de</strong> ante o<br />

controle estatista. Trata-se <strong>de</strong> um retorno ao<br />

Galicanismo do século XVII, on<strong>de</strong> reis por<br />

direito divino procuravam subordinar a Igreja,<br />

que era tradicionalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Deste modo, vemos a inovação da doutrina<br />

marxista enxertada num antigo fenômeno<br />

religioso e cultural.<br />

O ataque não é dirigido somente<br />

a um ou dois elementos da cultura. Atinge<br />

uma ampla frente que trata <strong>de</strong> dar uma nova<br />

<strong>de</strong>finição a toda a cultura, utilizando uma<br />

terminologia nova, <strong>de</strong> forma que, assim como<br />

o Catolicismo é re<strong>de</strong>finido pelos teólogos<br />

da libertação, a arte se transforma, os livros<br />

são reinterpretados, os currículos; são revistos.<br />

A orientação da penetração cultural da<br />

América Latina é seguida pelos diferentes<br />

teóricas educacionais marxistas em escolas e<br />

universida<strong>de</strong>s. O controle do Estado sobre a<br />

educação aumenta através dos livros <strong>de</strong> textos<br />

e manuais e mais controle é ditado pela<br />

burocracia da educação. Um exemplo típico<br />

foi verbalizado no governo <strong>de</strong> Lázaro Cár<strong>de</strong>nas,<br />

no México, na década <strong>de</strong> 30. Gonzalo<br />

54<br />

CUÍRA<br />

Vazques Vela, ministro da Educação <strong>de</strong><br />

Cár<strong>de</strong>nas afirmou que o "materialismo<br />

dialético era a base filosófica da educação<br />

mexicana".<br />

A influência da Esquerda sobre<br />

gran<strong>de</strong> parte dos meios <strong>de</strong> difusão em toda a<br />

América Latina também <strong>de</strong>ve ser entendida<br />

neste contexto. Nenhuma eleição <strong>de</strong>mocráti-<br />

ca po<strong>de</strong> mudar a contínua tranformação em<br />

direção ao regime estatista se a "indústria<br />

que mo<strong>de</strong>la a consciência" estiver em mãos<br />

<strong>de</strong> intelectuais estatistas. Os meios <strong>de</strong> di-<br />

fusão, as igrejas e as ecolas continuarão mu-<br />

dando as formas <strong>de</strong>mocráticas rumo ao esta-<br />

tismo se os Estados Unidos e os incipientes<br />

governos <strong>de</strong>mocráticos não reconhecem isto<br />

como uma luta do regimeA cultura social e<br />

o regime <strong>de</strong>vem ser mo<strong>de</strong>lados para prote-<br />

ger uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />

Uma Resposta Institucional<br />

Proposta 1<br />

Os Estados Unidos não po<strong>de</strong>m<br />

preocupar-se apenas com os processos <strong>de</strong>-<br />

mocráticos formais mas <strong>de</strong>vem estabelecer<br />

programas <strong>de</strong> apoio à <strong>de</strong>mocracia entre a<br />

burocracia permanente, incluindo os milita-<br />

res e a cultura política.<br />

Proposta 2<br />

Os EE.UU. <strong>de</strong>verão reconhecer a<br />

necessida<strong>de</strong> que os governos que tentam<br />

criar regimes <strong>de</strong>mocráticos têm <strong>de</strong> conter os<br />

partidos anti<strong>de</strong>mocráticos.<br />

Para enfatizar o regime <strong>de</strong>mocrá-<br />

tico, será necessário ir além da forma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia (ou seja, as eleições) e propor-<br />

çionar^quando for possível, os meios para


fortalecer as instituições locais <strong>de</strong>mocráticas<br />

tais como os sindicalistas, os grupos <strong>de</strong> negó-<br />

cios in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, associações comerciais e<br />

organizações educacionais. A Alemanha<br />

posterior a Hitler 6 um exemplo instrutivo.<br />

Somente através do fortalecimento <strong>de</strong> gru-<br />

pos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e autônomos, tais como<br />

os grupos <strong>de</strong> negócio do México ou a im-<br />

prensa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Peru, a socieda<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática ne-<br />

cessária para <strong>de</strong>rrubar o autoritarismo esta-<br />

tista.<br />

Os elaooradores <strong>de</strong> política dos<br />

Estados Unidos não <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>sprezar as<br />

preocupações dos li<strong>de</strong>res políticos em re-<br />

lação à implementação da <strong>de</strong>mocracia em<br />

seus respectivos países. O que po<strong>de</strong> à pri-<br />

meira vista náo parecer plena <strong>de</strong>mocrati-<br />

zação, po<strong>de</strong>ria realmente <strong>de</strong>monstrar ser<br />

uma resposta pon<strong>de</strong>rada às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

tal país. Deve-se dar às <strong>de</strong>mocracias latino-<br />

americanas a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve-<br />

rem suas instituições políticas até o ponto<br />

em que se perceba certo grau <strong>de</strong> estabilida-<br />

<strong>de</strong>. A fim <strong>de</strong> que isto aconteça o mais rápido<br />

possível, as forças contrárias ao <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento da <strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong>vem ser mini-<br />

mizadas tanto quanto possível. Esta propos-<br />

ta é importante não só porque apoia o direi-<br />

to dos regimes latino-americanos <strong>de</strong> estabe-<br />

leceram os limites constitucionais da conduta<br />

política <strong>de</strong>mocrática, mas também porque<br />

reafirma o compromisso dos EE.UU. com a<br />

autonomia latino-americana.<br />

De acordo com nosso compro-<br />

misso com a auto<strong>de</strong>terminação latino-ameri-<br />

cana,<strong>de</strong>vemos aceitar o fato <strong>de</strong> que na maio-<br />

ria dos regimes latino-americanos vai existir<br />

maior concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r executivo do<br />

que no legislativo. A tendência latino-ameri-<br />

cana <strong>de</strong> driblar o po<strong>de</strong>r legislativo mediante<br />

<strong>de</strong>cretos do executivo tem uma longa histó-<br />

ria e em países como México e Peru, isto<br />

quer dizer que é o aparelho do partido ou o<br />

eleitorado que verda<strong>de</strong>iramente limitam o<br />

po<strong>de</strong>r do Executivo. O elemento <strong>de</strong>cisivo é o<br />

•fato <strong>de</strong> o regime prestar contas ao povo, ou<br />

não.<br />

Proposta 3<br />

Os Estados Unidos <strong>de</strong>vem forta-<br />

lecer sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivar os valores<br />

do regime <strong>de</strong>mocrático com as forças arma-<br />

das da região. Segundo este critério, o pro-<br />

grama Internacional <strong>de</strong> Educação e Treina-<br />

mento Militar (IMET) não seria rompido<br />

em virtu<strong>de</strong>, por exemplo, do não pagamento<br />

das dívidas contraídas com a Agência Inter-<br />

nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento.<br />

Proposta 4<br />

Os EE.UU. <strong>de</strong>vem fomentar ó<br />

orçamento da Agência <strong>de</strong> Informações d»<br />

EE.UU. (USIA) e do Departamento <strong>de</strong> Di-<br />

plomacia Pública.<br />

Na luta para sustentar o avanço<br />

da América Latina em direção a um regime<br />

<strong>de</strong>mocrático, os EE.UU. têm <strong>de</strong> manter e<br />

<strong>de</strong>senvolver programas que cultivem os va-<br />

lores <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong>ntro do governo per-<br />

manente. A este respeito, o programa IMET<br />

é <strong>de</strong> extraordinário valor na conformação do<br />

regime <strong>de</strong>mocrático, já que permite que os<br />

militares dos Estados Unidos compartilhem<br />

com outros sua interpretação da <strong>de</strong>mocra-<br />

cia. Por conseguinte, o impacto <strong>de</strong>ste pro-<br />

grama não po<strong>de</strong> ser visto somente em ter-<br />

mos <strong>de</strong> seus benefícios militares, mas<br />

também em sua contribuição ao esforço <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocratização. Vincular este programa a<br />

outros programas dos EE.UU. é contrapro-<br />

ducente, já que estancaria a iniciativa.<br />

Em vez <strong>de</strong> dificultar, <strong>de</strong>sta manei-<br />

ra, os diferentes programas, os elaboradores<br />

da política dos EE.UU. <strong>de</strong>vem reconhecer o<br />

potencial dinâmico que têm estes tipos <strong>de</strong><br />

programas para influenciar as percepções<br />

sociais e institucionais dos regimes latino-<br />

americanos. O <strong>de</strong>senvolvimento da política<br />

cultural é <strong>de</strong>cisivo para o apoio dos EE.UU.<br />

aos esforços latino-americanos <strong>de</strong> melhorara<br />

cultura <strong>de</strong>mocrática. E preciso combater o<br />

esforço gramsciano <strong>de</strong> abalar e <strong>de</strong>struir a<br />

tradição <strong>de</strong>mocrática mediante a subversão<br />

e a corrupção das instituições que simboli-<br />

zam ou mantêm essa tradição. Fomentar o<br />

orçamento da USIA, com este problema<br />

particular em mente, <strong>de</strong>ve ser uma priorida-<br />

<strong>de</strong> suprema. A USIA é nossa agência para<br />

travar a guerra cultural.<br />

Proposta 5<br />

Para promover verda<strong>de</strong>iramente<br />

os direitos humanos, os Estados Unidos <strong>de</strong>-<br />

verão ajudar a fortalecer o sistema jurídico<br />

da região. Devem também distinguir os gru-<br />

pos <strong>de</strong> direitos humanos que apoiam o regi-<br />

me <strong>de</strong>mocrático daqueles que apoiam o es-<br />

tatismo.<br />

Os direitos humanos só po<strong>de</strong>m<br />

ser propriamente entendidos como o direitq<br />

dos homens <strong>de</strong> exigir contas dos sistemas <strong>de</strong><br />

justiça do Estado. Um sistema ineficaz, tec-<br />

nologicamente atrasado e carente <strong>de</strong> pes-<br />

soal, não presta contas. Quando o sistema <strong>de</strong><br />

justiça do Estado - os tribunais e a polícia -<br />

estiveram bem financiados e prestarem con-<br />

tas diante das autorida<strong>de</strong>s responsáveis,<br />

então se po<strong>de</strong>rá dizer que a América Latina<br />

avança para o regime <strong>de</strong>mocrático. Os<br />

EE.UU. <strong>de</strong>verão ajudar este processo dire-<br />

tamente numa escala maior do que o fazem<br />

agora. Em vez <strong>de</strong> ignorar as diferenças que<br />

existem entre os grupos <strong>de</strong> direitos humanos<br />

que apoiam o regime e aqueles que, segun-<br />

do o mo<strong>de</strong>lo gramsciano, apoiam o estatis-<br />

mo, os elaboradores <strong>de</strong> política dos Estados<br />

Unidos têm <strong>de</strong> ser capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

as raízes do problema a fim <strong>de</strong> combatê-lo, e<br />

não se limitarem a atacar seus sintomas.<br />

Parte II - Estratégia Econômica<br />

A política econômica dos Estados<br />

Unidos <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r a nosso apoio ao<br />

regime <strong>de</strong>mocrático. Esse regime necessita<br />

<strong>de</strong> um sistema econômico saudável, in<strong>de</strong>-<br />

pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> excessivo controle e ingerência<br />

governamentais. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um<br />

mercado nacional <strong>de</strong> capitais privado e<br />

autônomo é indispensável para que uma so-<br />

cieda<strong>de</strong> conserve sua in<strong>de</strong>pendência. Uma<br />

das maiores <strong>de</strong>cepções com a era <strong>de</strong> Reagan<br />

foi o fato <strong>de</strong> não ter utilizado a crise da dívi-<br />

da para criar mercados <strong>de</strong> capitais saudáveis,<br />

como este Comitê recomendou em 1980.<br />

Quando o problema da dívida se transfor-<br />

mou em crise, em 1982, concentrou-se a<br />

atenção em manter a solvência dos credores<br />

e a liqui<strong>de</strong>z dos <strong>de</strong>vedores. Embora esse ob-<br />

jetivomal tenha sido alcançado, per<strong>de</strong>u-se em<br />

geral a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduzir as socie-<br />

da<strong>de</strong>s latino-americanas ao capitalismo <strong>de</strong>-<br />

mocrático, ou seja, sistemas <strong>de</strong> livre empresa<br />

e mercados nacionais <strong>de</strong> capitais, que susten-<br />

tem socieda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Porém não é<br />

<strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong> para fazê-lo. A atual crise<br />

da dívida <strong>de</strong>ve ser utilizada para promover o<br />

processo <strong>de</strong> transição do governo <strong>de</strong>mocrá-<br />

tico ao regime <strong>de</strong>mocrático na América La-<br />

tina.<br />

(•) Texto organizado e traduzido pelo <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Educação Po-<br />

pular do Instituto Se<strong>de</strong>s Sapientiae<br />

Publicado no Boletim AGEN n° l39-09/Fev./1989 e Revista Teo<br />

ria e Política n^S<br />

(1) Uma nova Política Internacional para a Década dos Oitenta<br />

Comitê <strong>de</strong> Santa Fé, LFRANCIS BOUCHEY ROGER WFON-<br />

TAINE. DAVID CJORDAN, GORDON SUMMER e LEWIS TAMBS<br />

editor<br />

(2) Por exemplo, o Congresso falhou em provi<strong>de</strong>nciar uma alter-<br />

nativa para o plano da Bacia do Caribe (<strong>de</strong>mora <strong>de</strong> dois anos e<br />

meio), Radio Marti (três anos), linanciamenlo para El Salvador<br />

(quase Ires anos), e ainda hoje, ao ser elaborado este documen-<br />

to, não existe uma política bípartidáría sobre o Panamá<br />

(3) As expressões "statism" e "statisr, do original, foram tradu-<br />

zidas por "eslatismo" e ■'estalista"; já que se trata <strong>de</strong> neoloais-<br />

mo (N.T.).<br />

W) Algus exemplos notáveis são o México e o Peru, on<strong>de</strong> a<br />

reação dos governos diante dos <strong>de</strong>sastres econômicos induzi-<br />

dos pelo regime foi apo<strong>de</strong>rar-se <strong>de</strong> seus sistemas bancários pri-<br />

vados, agravando ainda mais a situação.<br />

(5) No original ■'eslalism" (MT,)<br />

CUÍRA<br />

55


ENTREVISTA<br />

Retrato da Luta João Cláudio Arroyo<br />

"Na primeira manifestação que ocorreu no Brasil, os meninos <strong>de</strong> rua, em Belém do Pará, fizeram uma passeata<br />

em frente ao Palácio do Governo contra a operação 'pente-fino' que pretendia limpar a cida<strong>de</strong> para o Círio . Et<br />

também, para dizer que não são eles o lixo da cida<strong>de</strong>".<br />

Meninos e meninas esquecidas pela socieda<strong>de</strong>, convivendo com lodo o tipo <strong>de</strong> violência, trabalhando sem nenhuma proteção, ca-<br />

rentes <strong>de</strong> recursos, <strong>de</strong> amor, sendo consi<strong>de</strong>rados um lixo e uma ameaça à socieda<strong>de</strong>. Este foi o espaço concreto, que um padre saksiano,<br />

<strong>de</strong> nome Bruno, e um grupo <strong>de</strong> jovens enxergaram on<strong>de</strong> começaram a vivenciar sua fé, originando o movimento da República do Peque-<br />

no Ven<strong>de</strong>dor.<br />

Hoje, padre Bruno Secchi, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter transferido o prêmio da UNICEFI89 às crianças, sai da coor<strong>de</strong>nação geral da República<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong> trabalho por acreditar que a sua saída é mais um passo para o amadurecimento e emancipação da República.<br />

Seu afastamento é também parte <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir ç aprofundar a sua opção <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contribuir com a causa da criança<br />

e da adolescência que mora no subúrbio, on<strong>de</strong> ele irá viver.<br />

Padre Bruno,em entrevista a CUÍRA, nos falou entre outras coisas da origem, dos momentos mais importantes da República, <strong>de</strong><br />

sua paixão pela causa dos meninos e meninas <strong>de</strong> rua e do porquê <strong>de</strong> sua saída do Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />

56<br />

CUÍRA


CUIRA - Padre, como tudo começou?<br />

BRUNO : Eu trabalhava na Escola<br />

Salesiana e lá surgiu um,grupo <strong>de</strong> jo-<br />

vens que se reunia todas as semanas<br />

para refletir um espaço concreto on<strong>de</strong><br />

se pu<strong>de</strong>sse vivenciar a fé que este grupo<br />

tinha; vimos que os meninos e meninas<br />

trabalhadores não es-<br />

tavam tendo nenhuma<br />

atenção específica. Foi<br />

aí que se iniciou um<br />

trabalho <strong>de</strong> aproxi-<br />

mação aos meninos do<br />

Ver-o-peso. Se fez um<br />

primeiro contato com<br />

eles, <strong>de</strong>pois se criou<br />

certa amiza<strong>de</strong> e mais<br />

tar<strong>de</strong> um pequeno res-<br />

taurante, que no iní-<br />

cio inclusive se cha-<br />

mava Restaurante do<br />

Pequeno Ven<strong>de</strong>dor.<br />

Do restaurante, se <strong>de</strong>u<br />

todo um processo <strong>de</strong><br />

discussão com os pró-<br />

prios meninos sobre a<br />

realida<strong>de</strong> do trabalho<br />

<strong>de</strong>les. A partir <strong>de</strong>ssas<br />

discussões, surgiram<br />

grupos organizados <strong>de</strong><br />

meninos que começa-<br />

ram a se unir em pe-<br />

quenas cooperativas,<br />

daí mudamos logo o<br />

nome, no início <strong>de</strong> 71,<br />

para República do<br />

Pequeno Ven<strong>de</strong>dor,<br />

porque significava um<br />

trabalho participativo,<br />

on<strong>de</strong> os meninos<br />

iriam fazer parte <strong>de</strong><br />

todo o processo. Em<br />

1972 percebemos que<br />

o trabalho com os<br />

meninos precisava ter<br />

um apoio maior, não<br />

podia ser limitado a<br />

um trabalho direto, só com eles. Surgiu<br />

então a campanha <strong>de</strong> Emaús, uma es-<br />

tratégia para conquistar também a par-<br />

ticipação da população no <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento do projeto. E também porque<br />

nós não queríamos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convê-<br />

nios. Éramos a única entida<strong>de</strong>, naquela<br />

época, que não tinha convênio com a<br />

FBESP (entida<strong>de</strong> executora <strong>de</strong> política<br />

nacional do "bem-estar" do menor),<br />

nós rejeitávamos, nessa época, qual-<br />

quer convênio com entida<strong>de</strong><br />

governamental. Em função dissüj pre-<br />

cisávamos <strong>de</strong> meios alternativos <strong>de</strong> so-<br />

brevivência . A Campanha <strong>de</strong> Emaús<br />

vinha nos dar esta alternativa <strong>de</strong> uma<br />

forma tal que quem <strong>de</strong>sse.as coisas da-<br />

ria no anonimato, então ninguém iria<br />

se projetar através do nosso trabalho.<br />

CUIRA - A República existiu como<br />

projeto na cabeça <strong>de</strong> alguém?<br />

BRUNO : Não, não existiu realmen-<br />

te como projeto feito, pré-elaborado.<br />

Existiu como uma experiência que nós<br />

iríamos fazer com os meninos do<br />

Ver-o-peso, a partir da prática com<br />

eles. Nós iríamos trabalhar como os<br />

meninos <strong>de</strong> forma participativa (ainda<br />

não tínhamos a clareza que hoje lemos,<br />

mas isto já estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo) mas<br />

não com eles, e sim com todo o grupo<br />

<strong>de</strong> jovens que estavam evoluindo nesta<br />

prática.<br />

O resto foi se construindo através <strong>de</strong><br />

um processo também <strong>de</strong> reflexão e ava-<br />

liação daquilo que estava acontecendo.<br />

CUIRA - Se pudéssemos ter dois mo-<br />

mentos mais importantes nessa tra-<br />

jetória da República,quais seriam eles?<br />

BRUNO : Acredito<br />

que tenha sido o mo-<br />

mento cm que toda a<br />

equipe parou, niguém<br />

trabalhou mais como<br />

grupo, "vamos parar<br />

por alguns meses para<br />

rever a prática com os<br />

meninos a partir <strong>de</strong><br />

uma experiência pes-<br />

soal com eles na rua",<br />

<strong>de</strong>cidimos.<br />

CUÍRA - Quando<br />

foi isso?<br />

BRUNO : Isso foi<br />

em 78 ou 79, se não<br />

me engano, numa as-<br />

sembléia no mês <strong>de</strong><br />

julho até outubro ou<br />

novembro. Dessa pa-<br />

rada surgiu uma pro-<br />

posta que hoje já está<br />

mais consolidada, não<br />

só na República, mas<br />

que se tornou, diga-<br />

mos assim, a base<br />

orgânica <strong>de</strong> todo o<br />

trabalho: o surgimen-<br />

to dos núcleos <strong>de</strong> Ba-<br />

se, a partir da expe-<br />

riência pessoal dos vo-<br />

luntários (hoje utili-<br />

zamos mais o termo<br />

militantes).<br />

No meio <strong>de</strong>sta<br />

experiência, <strong>de</strong> repen-<br />

te, nos <strong>de</strong>mos conta<br />

<strong>de</strong> que existiam 15<br />

grupos <strong>de</strong> meninos<br />

organizados. Esta experiência fez<br />

também com que houvesse uma re-<br />

dução da equipe. De 50 que éramos,<br />

acabou se reduzindo a 15, 20..., foi uma<br />

experiência <strong>de</strong> fogo.<br />

CUIRA - Mas isto foi motivado por<br />

questões externas ou internas da equi-<br />

pe? BRUNO : Por questões internas, a<br />

equipe estava se fragilizando, a coisa<br />

foi virando rotina, o atendimento esta-<br />

va se tornando atendimento <strong>de</strong> massas.<br />

57<br />

CUIRA


CUÍRA - Divergência?<br />

BRUNO : Não divergências profun-<br />

das, mas o trabalho estava se tornando<br />

muito superficial e precisávamos fazer<br />

uma retomada. Este foi um momento<br />

marcante.<br />

Outro que acho muito bonito, liga-<br />

do à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Emaús, foi quando se re-<br />

fletia como seria a escola. Nós tínha-<br />

mos utilizado um pequeno prédio para<br />

escola nos primeiros dois anos, on<strong>de</strong><br />

tinha funcionado um estábulo. Precisá-<br />

vos rever toda a escola:como vai ser?<br />

como não vai ser? até o aspecto físico<br />

tem que ser a<strong>de</strong>quado àquilo que é a<br />

proposta pedagógica, metodológica da<br />

escola. Surgiu então a idéia <strong>de</strong> fazer ti-<br />

po uma al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> malocas coberta s<strong>de</strong><br />

"Mesmos nos movimentos<br />

populares, nos movimentos<br />

sindicais, a questão da<br />

criança sempre foi <strong>de</strong>ixada<br />

à margem'<br />

palhas. Isso realmente foi até uma <strong>de</strong>s-<br />

coberta que surgiu a partir <strong>de</strong> toda uma<br />

preocupação do grupo, para que a es-<br />

cola visualmente pu<strong>de</strong>sse refletir algo<br />

inserido na realida<strong>de</strong> do povo da<br />

Amazônia.<br />

CUÍRA - Quando foi a formação da es-<br />

cola?<br />

BRUNO : Isto foi em 83/84 na cida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> Emaús. A escola já existia duran-<br />

te dois anos, mas cm ambientes impro-<br />

visados.<br />

CUÍRA - Como é que evoluiu a estru-<br />

tura do projeto?<br />

BRUNO : Inicialmente havia a es-<br />

trutura <strong>de</strong> um pequeno grupo. Tudo<br />

era resolvido socializando as diversas<br />

situações. Por exemplo, <strong>de</strong>pois do al-<br />

moço, no restaurante, se uniam todos<br />

os meninos, 40 a 50 que se sentavam e<br />

viam as suas situações. Tudo era feito<br />

<strong>de</strong> uma forma bem global.<br />

Tem outra coisa que marcou muito<br />

esta era da República: foi quando uma<br />

equipe <strong>de</strong> voluntários começou a traba-<br />

lhar em tempo integral, portanto re-<br />

munerado. Eu me lembro que quando<br />

éramos em torno <strong>de</strong> 12 ou 13 se viu<br />

58<br />

CUIRA<br />

como ia ser a nossa remuneração, ven-<br />

do o seguinte: <strong>de</strong> que nós dispomos?<br />

Do conjunto que nós dispomos, quais<br />

vamos dispor para pagamento das pes-<br />

soas que estão aqui? e como vão ser<br />

pagas estas pessoas? então vão ser pa-<br />

gos conforme a situação <strong>de</strong> cada um,<br />

havia até uma cozinheira que ganhava<br />

mais do que a assistente social. Interes-<br />

sante que isto <strong>de</strong>pois não pu<strong>de</strong>mos<br />

manter porque o grupo aumentou e di-<br />

versificou.<br />

Estruturalmente,no início da Repú-<br />

blica era a assembléia. Hoje temos uma<br />

estrutura mais complexa. Por outro la-<br />

do procuramos manter uma estrutura<br />

que responda da melhor forma possível<br />

a toda esta idéia <strong>de</strong> participação. Hoje<br />

nós temos a assembléia do movimento<br />

que é composta por todos os membros<br />

do movimento e os <strong>de</strong>legados dos me-<br />

ninos. A assembléia do movimento es-<br />

colhe os coor<strong>de</strong>nadores titulares e ad-<br />

juntos <strong>de</strong> cada uma das expresões:<br />

República, Campanha, Cida<strong>de</strong> e Cen-<br />

tro <strong>de</strong> Defesa do Menor. As assem-<br />

bléias das expressões escolhem o seu<br />

conselho executivo, a assembléia da<br />

República escolhe o conselho da<br />

República, a assembléia da cida<strong>de</strong> es-<br />

colhe o conselho da Cida<strong>de</strong>. Hoje exis-<br />

te um vínculo da República com a ins-<br />

petoria Salesiana Missionária da<br />

Amazônia, é uma obra vinculada à<br />

Congregação Salesiana. mas que<br />

mantém a sua característica participa-<br />

tiva pelo processo <strong>de</strong>cisório através <strong>de</strong><br />

um regulamento geral que foi elabora-<br />

do dois anos atrás. Através <strong>de</strong>sse regu-<br />

lamento se travam também as relações<br />

com a própria inspetoria procurando<br />

traduzir, na experiência prática, uma<br />

participação efetiva e concreta, <strong>de</strong> co-<br />

gestão, por assim dizer, entre o grupo<br />

que constitui a República e a própria<br />

Congreção Salesiana.<br />

CUÍRA - Padre Bruno, por que se apai-<br />

xonar pelos meninos e meninas <strong>de</strong><br />

rua?<br />

BRUNO : Olha, acho que a paixão<br />

pelos meninos e meninas <strong>de</strong> rua é con-<br />

seqüência da paixão pelo povo. Por que<br />

esta paixão específica? Porque eu acre-<br />

dito que têm alguns elementos que<br />

contribuem para isso. É um contigente<br />

muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa população oprimi-<br />

da, marginalizada, tem um potencial<br />

em termos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r crescer numa nova<br />

mentalida<strong>de</strong>, com valores novos, dife-<br />

rentes dos valores da socieda<strong>de</strong> em que<br />

vivemos, porque é todo um contigente<br />

disponível ao processo educativo. Um<br />

segundo aspecto é.porque neste con-<br />

texto da socieda<strong>de</strong> em que vivemos, es-<br />

te é o segmento' mais frágil, mais fra-<br />

co, mais <strong>de</strong>sprotegido.<br />

CUÍRA - Nessa luta em <strong>de</strong>fesa dos me-<br />

ninos e meninas, quais são as princi-<br />

pais barreiras encontradas?<br />

BRUNO : Uma gran<strong>de</strong> barreira é a<br />

opinião pública. Ela não é favorável,<br />

apesar <strong>de</strong> muitos chavões em favor da<br />

criança. Na verda<strong>de</strong> existe uma opinião<br />

violenta, ao ponto <strong>de</strong> se dizer que a so-<br />

lução é o próprio mecanismo <strong>de</strong> segu-<br />

rança, a polícia.<br />

Nós enfrentamos outras dificulda-<br />

<strong>de</strong>s sérias, por exemplo, nos órgãos <strong>de</strong><br />

controle social. Porque são meninos<br />

que trabalham na rua, se <strong>de</strong>frontam<br />

diariamente com a polícia, com o "ra-<br />

pa", com os gran<strong>de</strong>s proprietários do<br />

comércio, das lojas. Uma terceira difi-<br />

culda<strong>de</strong> é o agravamento da própria si-<br />

tuação. Em 72 nós fizemos um le-<br />

vantamento em 16 feiras livres <strong>de</strong><br />

Belém, encontramos em torno <strong>de</strong> 600<br />

meninos, homens, que trabalham nas<br />

feiras. Hoje, só no Ver-o-peso e no<br />

comércio, tem mais <strong>de</strong> 1500. Naquela<br />

época não encontramos sequer uma<br />

menina que trabalhasse na rua. Hoje as<br />

meninas disputam os mesmos cargos<br />

que os meninos. Isso é um claro reflexo<br />

do empobrecimento generalizado da<br />

população e que se traduz nessa procu-<br />

ra da sobrevivência a qualquer custo<br />

pela rua e em qualquer ida<strong>de</strong> (muitas<br />

vezes nos perguntam qual é a faixa etá-<br />

ria. É muito difícil <strong>de</strong>fini-la).<br />

De fevereiro até mês passado procu-<br />

raram a República no Ver-o-peso mais<br />

<strong>de</strong> 1100 meninos, sem contar os que<br />

não procuraram. Os que não tiveram<br />

condições <strong>de</strong> chegar até lá são mais <strong>de</strong><br />

1500. Ora, isto é extremamente grave.<br />

Outra coisa, os meninos não tinham<br />

chegado num nível <strong>de</strong> reação a toda es-<br />

ta situação como hoje. Não havia na-<br />

quela época meninos em bando chei-<br />

rando cola. Hoje isto é cada vez mais<br />

forte, a ponto <strong>de</strong> ser um dos problemas<br />

wiais preocupantes. Sentimos uma sen-<br />

sação <strong>de</strong> impotência diante <strong>de</strong>ssa reali-<br />

da<strong>de</strong>. Tal sensação é algo muito forte, c<br />

preciso ter realmente uma visão global


mais clara para sentir que não está se<br />

fazendo um buraco na água, mas que<br />

estamos contribuindo em alguma coisa.<br />

Acredito que a própria metodo-<br />

logia nova, todo este traduzir a realida-<br />

<strong>de</strong> dos meninos, o valor da Educação<br />

<strong>de</strong> base popular foi um ganho, um<br />

avanço muito gran<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>u e ex-<br />

trapolou os limites da República. Hoje<br />

é algo consolidado a nível <strong>de</strong> Brasil.<br />

Não digo que tenha sido a República<br />

que tenha feito tudo isso sozinha, mas<br />

ela contribuiu consi<strong>de</strong>ravelmente nessa<br />

nova postura.<br />

Outra dificulda<strong>de</strong>, acredito que<br />

tenha sido também esta relação com o<br />

Estado. Durante 10 anos, na década <strong>de</strong><br />

70, nós procuramos manter distância.<br />

Hoje estamos numa relação mais ma-<br />

dura, afinal <strong>de</strong> contas nós estamos<br />

prestando um serviço ao Estado, é pre-<br />

ciso que o Estado contribua com isso,<br />

mas, mantendo autonomia. Esta foi<br />

sempre a nossa gran<strong>de</strong> preocupação,<br />

tanto é verda<strong>de</strong> que qualquer convênio,<br />

qualquer proposta à sua aceitação, ex-<br />

trapolava uma <strong>de</strong>cisão conjunta <strong>de</strong> co-<br />

or<strong>de</strong>nação geral. Por exemplo, quando<br />

em 81 ou 82 se firmou convênio com a<br />

SEDUC, foi uma discussão junto a co-<br />

munida<strong>de</strong> do bairro do Benguí.<br />

CUIRA - O movimento já ganhou uma<br />

dimensão política, ainda que não par-<br />

tidária. Por exemplo, agora recetemen-<br />

te foi aprovado o estatuto do menor<br />

que mobilizou entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong><br />

civil, mobilizou políticos. Como é que a<br />

República participou <strong>de</strong>ste processo?<br />

BRUNO : Participou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o iní-<br />

cio. No caso do estatuto da criança e do<br />

adolescente tem que ser visto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

processo <strong>de</strong> nossa participação, não só<br />

da República e seus meninos mas junto<br />

com outros grupos <strong>de</strong> meninos <strong>de</strong> ou-<br />

tras entida<strong>de</strong>s, no próprio processo da<br />

constituição fe<strong>de</strong>ral, nas propostas, na<br />

emenda popular. Não se arranjou tudo<br />

que se queria, mas houve uma mobili-<br />

zação muito gran<strong>de</strong>. A República par-<br />

ticipou efetivamente aqui em Belém <strong>de</strong><br />

várias manifestações, atos políticos.<br />

Houve vários momentos que marca-<br />

ram um pouco a história da República<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira manifestação que<br />

ocorreu no Brasil: os meninos se uni-<br />

ram para fazer uma passeata até a fren-<br />

te do palácio, aqui em Belém, quando<br />

no Círio, a maior procissão do País, foi<br />

feita uma operação pente-fino para ti-<br />

rar os meninos da rua. Foram mais <strong>de</strong><br />

300 a 400 meninos na frente do palácio<br />

para dizer que não eram eles o lixo da<br />

cida<strong>de</strong>, e conseguiram parar com a<br />

operação, e a polícia e o secretário <strong>de</strong><br />

Segurança Pública naquela época ficou<br />

assim muito...<br />

CUÍRA - Quem era?<br />

BRUNO : Não me lembro.<br />

CUÍRA - E o governador da época?<br />

BRUNO : Na época era o Já<strong>de</strong>r.<br />

Houve outra, a questão do rapa por<br />

exemplo, teve toda uma manifestação<br />

dos meninos junto a prefeitura e a pró-<br />

pria secretaria <strong>de</strong> economia popular.<br />

Aconteceram momentos significativos na<br />

"Se a política salarial, <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> educação são<br />

do jeito que são, isto reflete<br />

nos meninos".<br />

própria assembléia na época da consti-<br />

tuinte. Então, a origem do estatuto se<br />

dá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o processo constituinte, que<br />

iniciou a participação dos meninos a<br />

partir do I o Encontro Nacional <strong>de</strong> Me-<br />

ninos e Meninas <strong>de</strong> Rua em maio <strong>de</strong><br />

86. Isto nos fortaleceu na época especi-<br />

ficamente da constituinte, <strong>de</strong>pois nas<br />

constituintes estaduais e finalmente já<br />

no 2 o Encontro Nacional <strong>de</strong> Meninos e<br />

Meninas <strong>de</strong> Rua que foi no ano passa-<br />

do. O estatuto da criança e do adoles-<br />

cente já estava mais ou menos sistema-<br />

tizados. Organicamente, tinha se cons-<br />

tituído o Fórum D.CA, fórum <strong>de</strong> enti-<br />

da<strong>de</strong>s não governamentais em <strong>de</strong>fesa<br />

da criança e do adolescente que reco-<br />

lheu todas estas sugestões e todos estes<br />

apelos a nível <strong>de</strong> educadores <strong>de</strong> meni-<br />

nos <strong>de</strong> lodo o Brasil e sistematizou o<br />

projeto-<strong>de</strong>-lei. É claro que a República<br />

esteve envolvida em todo este processo.<br />

Realmente a dimensão política do<br />

trabalho que vem se realizando procura<br />

ser a mais clara possível. Muito embora<br />

saibamos que não po<strong>de</strong> ser uma di-<br />

mensão político-partidária, isto<br />

não significa que possamos ficar neu-<br />

tros politicamente, porque não existe o<br />

apolítico, <strong>de</strong>vemos ter consciência dis-<br />

so como a República e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />

aspecto, me parece que é preciso por<br />

exemplo notar também o seguinte:<br />

mesmo nos movimentos populares,<br />

movimentos sindicais, a questão da<br />

criança sempre foi <strong>de</strong>ixada "íl margem,<br />

nós tentamos torná-la mais próxima<br />

num movimento mais amplo. Tivemos<br />

algum avanço neste sentido, muito em-<br />

bora tenha ainda muito que andar.<br />

Acho que hoje a questão da criança<br />

não é mais vista como algo |a espera<br />

do assistencialismo, hoje já tem outra<br />

beleza. Eu acredito que a República<br />

tenha contribuído também para essa<br />

visão.<br />

"Já recusamos verbas pú-<br />

blicas, tivemos propostas<br />

tentadoras e atentadoras".<br />

CUÍRA - Então quer dizer que até<br />

mesmo o movimento político, vamos<br />

dizer assim tradicional, o movimento<br />

sindical e o próprio movimento comu-<br />

nitário, não têm Incluído a pauta da<br />

reivindicação das crianças junto às<br />

suas?<br />

BRUNO : Sempre esteve muito au-<br />

sente, é a tal coisa, refletiam um pouco<br />

a mentalida<strong>de</strong> geral <strong>de</strong> que a criança é<br />

criança, não tem nada a ver com isso.<br />

CUIRA - Então o senhor concordaria<br />

que eles acabam sendo conservadores<br />

neste aspecto?<br />

BRUNO: De certa forma sim, é<br />

o não reconhecer que é todo um conti-<br />

gente da população, um segmento da<br />

população que está numa fase <strong>de</strong> cres-<br />

cimento e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma nova<br />

mentalida<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> ficar a mar-<br />

gem <strong>de</strong>sse processo esperando os 16,17<br />

ou 18 anos.<br />

CUIRA - Dentro <strong>de</strong>ste quadro, como é<br />

que po<strong>de</strong>ria haver essa união <strong>de</strong> esfor-<br />

ços entre movimento sindical e movi-<br />

mento dos partidos que têm preocu-<br />

pações sociais com o movimento <strong>de</strong><br />

"menores"?<br />

BRUNO : Eu acredito que há sindi-<br />

catos hoje que já começam a incluir a<br />

questão do menor trabalhador, até nos<br />

seus programas <strong>de</strong> luta sindical. Há ex-<br />

periências nesse sentido em várias par-<br />

tes do Brasil. O Movimento Nacional<br />

<strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua tem ho-<br />

je uma ligação muito estreita com esses<br />

segmentos e é reconhecido por estes<br />

segmentos como uma parcela real-<br />

mente importante no conjunto do mo-<br />

59<br />

CUIRA


vimento popular, do movimento sindi-<br />

cal. Agora, como ainda somos muito<br />

novos temos muito pouca experiência<br />

para <strong>de</strong>finir com clareza essas relações.<br />

Acho que é um processo.que está se<br />

construindo, que está no início. Pra<br />

você ter uma idéia, o Movimento Na-<br />

cional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua<br />

surgiu em 85. Cinco anos é muito pou-<br />

co, estamos quase que na fase das ten-<br />

tativas do que está sendo tentado con-<br />

cretamente agora.<br />

CUÍRA -Nesse quadro nacional co-<br />

mo é que se po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>finir as preo-<br />

cupações <strong>de</strong> quem trabalha com a<br />

questão dos meninos, com o atual go-<br />

verno? »<br />

BRUNO : Olha, 6 claro e evi<strong>de</strong>nte<br />

que o atual governo não está absolu-<br />

tamente voltado realmente aos <strong>de</strong>sca-<br />

misados e aos pés-<strong>de</strong>scalços. Nós per-<br />

cebemos isso como reflexo na vida dos<br />

meninos, no sentido <strong>de</strong> que não existe<br />

uma política clara, existe uma política<br />

que até agora pensamos estar se <strong>de</strong>-<br />

monstrando como uma política assis-<br />

tencialista simplesmente.<br />

Agora no momento recessivo^está se<br />

refletindo tremendamente esta posição.<br />

Isso <strong>de</strong>ixa realmente uma preocupação:<br />

em que é que vai dar isso? a vida <strong>de</strong>sses<br />

garotos piorando e não se vê pelo me-<br />

nos uma política clara voltada <strong>de</strong> fato a<br />

atingir as causas do problema que gera<br />

a situação <strong>de</strong>sses meninos. Se a política<br />

salariali é do jeito que é, isso se reflete<br />

contu<strong>de</strong>ntemente na vida <strong>de</strong>sses meni-<br />

nos. Se a política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é o que é,<br />

isso reflete nos meninos. Se a política<br />

"A República não é o Padre<br />

Bruno...e seria um fracasso<br />

se ela não sobrevivesse sem<br />

a minha pessoa".<br />

educacional é do jeito que é, com a<br />

evasão escolar , isto é um reflexo claro<br />

da política educacional elitista do país.<br />

Perspectivas? Não dá pra ver perspec-<br />

tivas <strong>de</strong> real avanço.<br />

CUÍRA • Se não há perspectivas em<br />

relação a esse governo, qual a solução<br />

pra questão dos meninos?<br />

60<br />

CUIRA<br />

BRUNO : Existe um contigente ca-<br />

da vez maior <strong>de</strong> meninos que vive num<br />

reflexo imediato <strong>de</strong> uma política que eu<br />

acredito vai ser <strong>de</strong>sastrosa a nível <strong>de</strong><br />

política salarial, por exemplo. Não há<br />

condições <strong>de</strong> pensar numa melhoria<br />

substancial na vida dos meninos com a<br />

política salarial atual. A questão da<br />

saú<strong>de</strong> é a mesma coisa e da educação,<br />

mais ligada à realida<strong>de</strong> dos meninos, é<br />

um aspecto muito importante aliado às<br />

políticas básicas: trabalho, saú<strong>de</strong>, mo-<br />

radia, e a reforma agrária. Acredito que<br />

se <strong>de</strong>ve continuar fazendo um trabalho<br />

<strong>de</strong> base, procurando não sei... eu não<br />

tenho perspectivas a curto prazo. A<br />

curto prazo não existem perspectivas, a<br />

não ser esta <strong>de</strong> continuar e fortalecer<br />

um trabalho <strong>de</strong> base, um trabalho fun-<br />

damentalmente educativo, <strong>de</strong> uma no-<br />

va mentalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> organização.<br />

CUÍRA - A República hoje é uma una-<br />

nimida<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong>, principalmente<br />

aqui em Belém do Pará, já recebeu<br />

prêmio da UNICEF e tem trânsito livre<br />

com políticos do PT ao PDS, como é<br />

que se conquista essa unanimida<strong>de</strong>?<br />

BRUNO : Eu não sei como se con-<br />

quista isso. Eu faria referência<br />

talvez "a situação das crianças. A tão<br />

chamada questão do menor nunca foi<br />

vista <strong>de</strong> uma forma conflitiva <strong>de</strong>ntro<br />

z-^.<br />

& J<br />

das reiaçoes sociais. Evi<strong>de</strong>nte que não é<br />

tão tranqüila assim a visão que a opi-<br />

nião pública tem sobre o movimento.<br />

Hoje, temos sinais disso. Agora, nós<br />

procuramos fazer um trabalho sério<br />

com os meninos.um trabalho que pu-<br />

<strong>de</strong>sse ganhar muita coisa, pela com-<br />

petência. Isto po<strong>de</strong> ter contribuído.<br />

CUÍRA - Foi preciso passar a imagem<br />

<strong>de</strong> instituição apolítíca, foi preciso tal-<br />

vez oferecer alguma concessão política<br />

ao po<strong>de</strong>r pra essa unanimida<strong>de</strong>?<br />

BRUNO: Não, sempre tivemos<br />

consciência e clareza <strong>de</strong> que este não<br />

seria um trabalho apolítico, seria um<br />

trabalho apartidário, mas não apolíti-<br />

co.<br />

Concessões então, nem falar, pelo<br />

menos que eu me lembre, não foi dada<br />

nehuma concessão, ao contrário, houve<br />

momentos inclusive muito fortes neste<br />

sentido, para que nada que viesse em<br />

forma <strong>de</strong> colaboração pu<strong>de</strong>sse ter al-<br />

gum retorno, seja a nível político, co-<br />

mo a nível mesmo <strong>de</strong> concessões, até<br />

em relação a negócios não muito claros<br />

e fáceis, não aceitávamos recursos que<br />

não fossem claros na sua origem. Nós<br />

já recusamos recursos <strong>de</strong> verbas públi-<br />

cas, tivemos propostas tentadoras e<br />

atentadoras, mas olha, acho que a<br />

questão financeira nunca mepreocupou<br />

e hoje po<strong>de</strong>mos dizer que há muito<br />

tempo não recebemos propostas que


não sejam coisas bem claras e <strong>de</strong>finidas<br />

e acredito que fica claro a todos os se-<br />

gmentos que a República não dá<br />

concessões. Agora acredito que a gente<br />

po<strong>de</strong> sim conseguir conquistar espaços,<br />

principalmente na área dos meninos <strong>de</strong><br />

uma forma coerente, sem abrir mão<br />

dos princípios e sendo respeitado<br />

mesmo por aqueles que não pensam<br />

como nós, tem muita gente que não<br />

pensa como nós mas respeita, acho que<br />

nós conseguimos travar este tipo <strong>de</strong> re-<br />

lação, não sabemos te dizer porque se<br />

chegou a isso, mas chegamos. E uma<br />

pergunta assim que eu nunca <strong>de</strong>tive pa-<br />

ra uma resposta mais pensada histori-<br />

camente.<br />

CUÍRA - Vinte anos <strong>de</strong> trabalho como<br />

coor<strong>de</strong>nador geral da República e ago-<br />

ra parar, por que parar? No seu balan-<br />

ço tem algo que induz a esta parada?<br />

BRUNO: Sim, tem vários dados.<br />

Primeiro, eu, por princípio, consi<strong>de</strong>ro<br />

muito arriscado uma obra como esta,<br />

trabalho como este, estar muito vincu-<br />

lado a uma pessoa. Acho que este tra-<br />

balho está <strong>de</strong>mais vinculado a minha<br />

pessoa, é preciso que haja este <strong>de</strong>svin-<br />

culamento e no caso aqui eu tenho cer-<br />

teza que isso só vai se dar quando hou-<br />

ver mesmo um corte meio radical. Fo-<br />

ram feitas muitas tentativas neste sen-<br />

tido <strong>de</strong> convencer,como <strong>de</strong> fato é, que a<br />

República não é o padre Bruno, acho<br />

que saindo isso vai ajudar. Po<strong>de</strong> haver<br />

um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajuste no começo,<br />

e é ao meu ver um dos aspectos mais<br />

fortes, que me leva a parar. Sair da<br />

República agora é importante para sis-<br />

tematizar muitas coisas (muitas coisas<br />

que eu falei aqui foram coisas que eu<br />

tenho na cabeça, mas tem coisas que eu<br />

falei que precisam ser mais bem masti-<br />

gadas, mais bem aprofundadas, refleti-<br />

das). Tem muitas questões aindapen-<br />

<strong>de</strong>ntes que não estão muito bem elabo-<br />

radas até do ponto <strong>de</strong> vista teórico.<br />

"Não vou viver <strong>de</strong> lembran-<br />

ças. Vivo <strong>de</strong> opções".<br />

Fundamentalmente, estes motivos me<br />

levam a sair da República. Fui eu quem<br />

pediu e já venho pedindo isso há muito<br />

tempo, mas no ano passado tive que<br />

colocar em xeque-mate para marcar a<br />

data pra sair. Eu saio tranqüilo e com<br />

uma profunda confiança que a Repú-<br />

blica vai continuar sem mim e amadu-<br />

recer. Deve ser esse passo que vai aju-<br />

dar a própria emancipação da Repúbli-<br />

ca. Seria um fracasso se a República<br />

não tivesse condições <strong>de</strong> sobreviver<br />

sem a minha pessoa. E <strong>de</strong>pois, eu nun-<br />

ca gostei <strong>de</strong> estar em evidência. Uma<br />

pessoa acaba virando um mito, quando<br />

na verda<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>ve estar no centro<br />

são os meninos, não a pessoa que tra-<br />

balha, mesmo que trabalhe com eles.<br />

Isso tudo <strong>de</strong>ve ser incorporado à opi-<br />

nião pública.<br />

Aliado a isto, claro, eu tenho o <strong>de</strong>-<br />

sejo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter um tempo <strong>de</strong> re-<br />

flexão, tem toda uma dimensão que le-<br />

va a aprofundar essa opção que é a fé.<br />

CUÍRA - Já existe um projeto neste<br />

sentido?<br />

BRUNO: Bom, não é bem um pro-<br />

jeto, eu vou viver uma situação um<br />

pouco diferente. Eu vou morar num<br />

quarto, numa pequena casa, num<br />

subúrbio, on<strong>de</strong> posso fazer uma expe-<br />

riência <strong>de</strong> vizinhança, <strong>de</strong> meninos que<br />

moram lá, on<strong>de</strong> eu possa <strong>de</strong> noite, com<br />

o meu pessoal, po<strong>de</strong>r me relacionar <strong>de</strong><br />

uma forma mais estreita com os meni-<br />

nos que moram na rua, on<strong>de</strong> eu possa<br />

Konhecer e evi<strong>de</strong>nciar as questões que<br />

estão hoje muito abafadas, que é a rea-<br />

lida<strong>de</strong> ou a situação dos meninos que<br />

moram no interior da Amazônia(por-<br />

que é muito evi<strong>de</strong>nciada a situação dos<br />

meninos, da "área urbana") evi<strong>de</strong>nciar<br />

o nível <strong>de</strong> abandono que estão largan-<br />

do as crianças da Amazônia, relações<br />

entre os conflitos <strong>de</strong> terras e as crian-<br />

ças, a relação entre os gran<strong>de</strong> projetos<br />

e elas, a relação entre educação e a fa^-<br />

ta <strong>de</strong> infra-estrutura <strong>de</strong> educação e<br />

saú<strong>de</strong> com a criança. A evasão do cam-<br />

po para a cida<strong>de</strong>, a própria relação que<br />

existe entre o próprio garimpo e as<br />

questões das crianças. Essas são<br />

questões que são da nossa região, me-<br />

ninos e meninas que estão morrendo<br />

por aí, não só fisicamente mas em ter-<br />

mos <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>s. Isso não se evi<strong>de</strong>n-<br />

cia porque eles não.estão concentrados<br />

na cida<strong>de</strong>, incomodando. Eu gostaria<br />

<strong>de</strong> contribuir com isso também, é para<br />

isso também esta parada da República.<br />

CUÍRA - Mas mesmo sem per<strong>de</strong>r o<br />

vínculo acho que já po<strong>de</strong>ríamoos falar<br />

em lembranças. Qual seria a lembran-<br />

ça que talvez marque mais daqui pra<br />

frente?<br />

BRUNO: Olha, tem duas lembran-<br />

ças, na verda<strong>de</strong>, é a lembrança <strong>de</strong>ssa<br />

meninada toda que passou aqui, que<br />

marca a vida da gente, esta relação hu-<br />

mana muito forte que se travou com<br />

tantos meninos e uma segunda é a lem-<br />

brança <strong>de</strong> todos aqueles que <strong>de</strong> fato fi-<br />

zeram o movimento durante todo esse<br />

tempo, que foram jovens, rapazes, mo-<br />

ças, meninos e meninas que <strong>de</strong>ram uma<br />

parcela <strong>de</strong> si para que tudo isto pu<strong>de</strong>sse<br />

ser construído, que pu<strong>de</strong>sse se tornar<br />

significativo na vida dos meninos e na<br />

própria socieda<strong>de</strong>, esse pessoal que<br />

construiu realmente o movimento.<br />

Vou lembrar sem dúvida nenhume<br />

dos erros e acertos, <strong>de</strong>ssa dinâmica to-<br />

da que me ajudou a crescer numa re-<br />

lação dialética. Acho interessante co-<br />

mo isso aconteceu aqui na República.<br />

Agora, outra lembrança também é<br />

sentir que o movimento caminha muito<br />

bem. Talvez uma coisa que eu me lem-<br />

bre é o primeiro fogareiro a carvão, o<br />

restaurante, mas eu não gosto <strong>de</strong> viver<br />

<strong>de</strong> lembranças, eu vivo mais <strong>de</strong> opções.<br />

João Cláudio Arroyo é Editor da Cuíra<br />

^<br />

61<br />

CUIRA


Carinhosamente, <strong>de</strong>dico este artigo ao<br />

companheiro Valter Pompeu por acreditar<br />

também nestas coisas.<br />

^Sr^SS^J^<br />

TEORIA E ESTRATÉGIA<br />

, verda<strong>de</strong> «"T<br />

concertado<br />

, sempre i<br />

A Democracia<br />

Partidária<br />

überda<strong>de</strong>^PT^ecofn<br />

esua<br />

è a Formação do<br />

nação"<br />

(Vlcto r Scrge)<br />

Militante Revolucionário.<br />

Flávio Valentim<br />

Historicamente, po<strong>de</strong>mos afir-<br />

mar sem temor <strong>de</strong> engano, que<br />

nenhuma estrutura partidária<br />

está con<strong>de</strong>nada ao fracasso pelo exces-<br />

so <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia. Em outras palavras,<br />

a <strong>de</strong>mocracia.antes mesmo do proces-<br />

so <strong>de</strong> conquista e construção do Socia-<br />

lismo, vem revelando-se como instru-<br />

mento fundamental e indispensável <strong>de</strong><br />

libertação <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> domi-<br />

nação política e i<strong>de</strong>ológica.<br />

A <strong>de</strong> r A <strong>de</strong>rrocada do Partido Úni-<br />

co e a falência da concepção monolítica<br />

<strong>de</strong> partido no Leste Europeu, a inviabi-<br />

lida<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>los únicos <strong>de</strong> partido<br />

(herdados da III Internacional) em<br />

germinarem novas experiências revolu-<br />

cionárias no mundo e, por fim, a pró-<br />

pria cultura anti<strong>de</strong>mocrática da es-<br />

querda tradicional brasileira são fato-<br />

res que nos impulsionam a uma re-<br />

flexão crítica do valor e do papel da<br />

<strong>de</strong>mocracia partidária como um exercí-<br />

cio estratégico para a <strong>de</strong>mocracia so-<br />

cialista e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reno-<br />

vação da cultura ético-política <strong>de</strong> nos-<br />

sos militantes - incluindo od dirigentes<br />

- <strong>de</strong> esquerda.<br />

Esta abordagem da relação<br />

entre <strong>de</strong>mocracia partidária e formação<br />

i<strong>de</strong>ológica do militante - no quadro <strong>de</strong><br />

revolução política quase mundial - não<br />

<strong>de</strong>ve ser concebida como pesa<strong>de</strong>lo ou<br />

arrependimento que oprimem o cére-<br />

bro <strong>de</strong> nossos militantes mais antigos,<br />

mas como uma manifestação <strong>de</strong> inquie-<br />

tu<strong>de</strong> das novas gerações <strong>de</strong> militantes,<br />

<strong>de</strong>sanimadas com as matrizes tradicio-<br />

nais <strong>de</strong> partido e com vonta<strong>de</strong> própria<br />

<strong>de</strong> participar <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> auto-<br />

crítica e da busca <strong>de</strong> novas<br />

62<br />

CUÍRA<br />

concepções <strong>de</strong> partido, <strong>de</strong> militante e<br />

<strong>de</strong> Socialismo.<br />

Ao encararmos abertamente<br />

este <strong>de</strong>bate, lembramos Augusto <strong>de</strong><br />

Franco (Dirigente Nacional do PT):<br />

"As novas gerações não se emocionam<br />

com os discursos tradicionais...A vida<br />

partidária vai se tornando <strong>de</strong>sinteres-<br />

sante. O Partido vira uma espécie <strong>de</strong><br />

estágio <strong>de</strong> carreira, instrumento <strong>de</strong><br />

ambição pessoal". Esta constatação nos<br />

remete a uma revisão, quer do ponto<br />

<strong>de</strong> vista teórico, quer do ponto <strong>de</strong> vista<br />

político-orgânico da esquerda brasilei-<br />

ra que assimilou a i<strong>de</strong>ologização dou-<br />

trinária do " Marxismo-Leninismo",<br />

que foi obra da III Internacional e mais<br />

particularmente dos fundamentos teó-<br />

ricos Soviéticos, concebidos como apli-<br />

cabilida<strong>de</strong> universal na teoria do Esta-<br />

do, na visão <strong>de</strong> revolução e na con-<br />

cepção <strong>de</strong> partido.<br />

A própria história tem ajuda-<br />

do nesta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão, mos-<br />

trando que precisamos <strong>de</strong>senvolver um<br />

pensamento novo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e ori-<br />

ginal, sem <strong>de</strong>sconhecer a necessida<strong>de</strong> e<br />

a contemporaneida<strong>de</strong> do<br />

Marxismo enquanto sistema e método<br />

orientador <strong>de</strong> práticas sociais e revolu-<br />

cionárias. Não há dúvidas,portanto,que<br />

o processo <strong>de</strong> construção partidária ra-<br />

dicalmente <strong>de</strong>mocrático está intrinse-<br />

camente combinado com o processo e<br />

o caráter da revolução social e, princi-<br />

palmente,com a própria ética política<br />

do militante.<br />

TRÊS CRÍTICAS NE-<br />

CESSÁRIAS<br />

Em primeiro lugar, não po-<br />

<strong>de</strong>mos esquecer em hipótese alguma da<br />

concepção hegemonista <strong>de</strong> partido, que


vem acarretando sérios prejuízos à <strong>de</strong>-<br />

mocracia interna, na medida em que<br />

fortalece uma relação simplesmente<br />

quantitativa (portanto autoritária) en-<br />

tre a maioria e minoria, alimentando<br />

assim uma visão <strong>de</strong>formada <strong>de</strong> hege-<br />

monia, substituindo a imposição pelo<br />

convencimento, gerando o hegemo-<br />

nismo. Baseadas nas visões <strong>de</strong> "em-<br />

brião do partido revolucionário" ou <strong>de</strong><br />

"guardiões da linha oficial do partido"<br />

estas matrizes <strong>de</strong> construção partidária<br />

fazem das suas posições políticas refe-<br />

renciais infalíveis e imutáveis, atuando<br />

assim numa verda<strong>de</strong>ira prática messiâ-<br />

nica <strong>de</strong> iluminar os equívocos dos <strong>de</strong>-<br />

mais grupos ou entãqíornam-seincapa-<br />

zes e refratários ao conviver com as di-<br />

vergências internas como motor do<br />

aprofudamento das <strong>de</strong>finições políti-<br />

cas, teóricas e orgânicas do partido.<br />

É <strong>de</strong> extrema importância, no<br />

entanto, <strong>de</strong>stacar que a necessida<strong>de</strong> da<br />

ruptura com o hegemonismo é um <strong>de</strong>-<br />

safio não apenas para a maioria, mas<br />

também para as minorias do partido,<br />

uma vez que o problema é cultural, ou<br />

seja, exige uma formação global para a<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

Em segundo, é preciso superar<br />

a relação autoritária entre direção e<br />

base, que indubitavelmente é um dos<br />

aspectos herdados pela esquerda tradi-<br />

cional.<br />

Infelizmente, o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento intelectual dos dirigentes não<br />

foi acompanhado por um crescimento<br />

dos militantes <strong>de</strong> base. Isto contribuí<br />

para que a maioria dos militantes <strong>de</strong><br />

base se trasformasse em simples re-<br />

produtores da política elaborada pelos<br />

dirigentes ^ facilitando com que<br />

a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração teórica e<br />

formulação política fossem patrimônio<br />

exclusivo e um po<strong>de</strong>r interno <strong>de</strong> um re-<br />

duzido número <strong>de</strong> militantes <strong>de</strong>dicados<br />

a esta tarefa (os chamados "capa-pre-<br />

tas"). A importância da criação <strong>de</strong><br />

uma originalida<strong>de</strong> na relação <strong>de</strong> base<br />

parte da exigência da própria luta <strong>de</strong><br />

classes, que obviamente é também uma<br />

luta intelectual e que, mais do<br />

que nunca, é fundamental incentivar a<br />

liberda<strong>de</strong> e o exercício da criativida<strong>de</strong><br />

política e teórica na formação <strong>de</strong> novos<br />

quadros dirigentes.<br />

Finalmente, tratemos um<br />

pouco da ética do militante revolu-<br />

cionário.<br />

Não há dúvidas em afirmar<br />

que a formação política da maioria dos<br />

nossos militantes <strong>de</strong> esquerda, muitas<br />

vezes, está <strong>de</strong>terminada e orientada<br />

apenas pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção<br />

na luta interna. Em outras palavras, a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer discursos e dispu-<br />

tar cargos <strong>de</strong> direção partidária. Tal<br />

formação, além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r acarretar o<br />

sectarismo, po<strong>de</strong> também originar a<br />

inexperiência <strong>de</strong> combate aos agentes e<br />

instrumentos <strong>de</strong> dominação da burgue-<br />

sia. Todavia, parece óbvio que os mé-<br />

todos <strong>de</strong>formados da luta interna, tais<br />

como: o sectarismo, as "queimações", o<br />

hegemonismo etc. fazem parte da nos-<br />

sa história <strong>de</strong> intolerância no tratamen-<br />

to das divergências políticas.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que não po<strong>de</strong> exis-<br />

tir partido revolucionário sem existir<br />

militantes revolucionários, principal-<br />

mente porque o socialismo é um proje-<br />

to e uma utopia humana a ser concreti-<br />

zada, ou seja, a transformação social<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> humana <strong>de</strong> fazer<br />

história, <strong>de</strong> homens i<strong>de</strong>ologicamente<br />

convencidos e animados na construção<br />

do Socialismo.<br />

Neste sentido, torna-se ne-<br />

cessário compreen<strong>de</strong>r que a construção<br />

do partido revolucionário <strong>de</strong>ve estar<br />

voltada não apenas para a estrutura<br />

política, mas também para a estrutura<br />

i<strong>de</strong>ológica, ou melhor dizendo: na con-<br />

vivência interna do partido <strong>de</strong>vem<br />

emergir elementos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> liber-<br />

tação, mesmo que não esteja configu-<br />

rada na socieda<strong>de</strong> uma conjuntura fa-<br />

vorável à crise revolucionária.<br />

A vida interna do partido <strong>de</strong>-<br />

ve passar, portanto, a <strong>de</strong>senvolver hábi-<br />

tos <strong>de</strong> companheirismo, costumes <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong>, idéias <strong>de</strong> franqueza e<br />

comportamentos <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> entre<br />

os militantes.<br />

Portanto,parece evi<strong>de</strong>nte que<br />

a formação intelectual e o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento da sensibilida<strong>de</strong> são partes in-<br />

separáveis na construção do militante<br />

revolucionário.<br />

Partindo <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>-<br />

rações, po<strong>de</strong>mos concluir, afirmando<br />

que certas transformações socialistas<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m meramente da simples<br />

concepção politicista da "tomada do<br />

aparato estatal", mas é preciso cons-<br />

truir "embriões" e "sementes" <strong>de</strong> um<br />

novo po<strong>de</strong>r político, <strong>de</strong> uma nova he-<br />

gemonia i<strong>de</strong>ológica e <strong>de</strong> uma nova<br />

visão <strong>de</strong> homem, mesmo estando em<br />

socieda<strong>de</strong>s burguesas. Pois, inevitavel-<br />

mente, existe uma relação estratégica<br />

entre a construção partidária e cons-<br />

trução do socialismo.<br />

Flavio Valenlim ó membro do Diretório Municipal do Partido dos<br />

Trabalhadores.<br />

63<br />

CUIRA


Qual o valor <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate e do<br />

resgate (ou construção?) da<br />

no o <strong>de</strong> cidadania hoje, no<br />

Brasil, no momento em que após quase<br />

rinta anos elegemos nosso Presi<strong>de</strong>nte<br />

por sufrágio direto e universal e nos<br />

preparamos, por outro lado, para in-<br />

gressar no terceiro milênio D.C. da<br />

história mundial?<br />

Por certo, a abordagem do<br />

tema não é simples e envolve dificulda-<br />

<strong>de</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m teórica e histórica, seme-<br />

lhantes às que têm sido causa e objeto<br />

da já não tão recente polêmica que se<br />

instaurou nos meios acadêmicos - e<br />

mesmo dos partidos (particularmente<br />

os <strong>de</strong> inspiração marxista) - acerca da<br />

"natureza" da <strong>de</strong>mocracia: se esta teria<br />

valor universal - in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>.". :emente <strong>de</strong><br />

sua gênese histórica (ou seja, do con-<br />

texto sócio-político que condicionou o<br />

aparecimento <strong>de</strong> certas prlticas políti-<br />

cas e da consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

consolidar no plano social as noções<br />

<strong>de</strong>correntes das mesmas = "wcltans-<br />

chauung")- ou não - neste último caso,<br />

reduzindo-se o conteúdo do conceito a<br />

mera estratégia <strong>de</strong> perpetuação da do-<br />

minação burguesa.<br />

A CIDADANIA COMO<br />

"VALOR"<br />

O advento da década que tra-<br />

çará as coor<strong>de</strong>nadas do ingresso da<br />

humanida<strong>de</strong> no terceiro milênio reme-<br />

te às socieda<strong>de</strong>s latino-americanas, par-<br />

ticularmente à brasileira, questões <strong>de</strong><br />

conteúdo histórico-filosófico <strong>de</strong>cisivo.<br />

O retorno aos regimes <strong>de</strong>mocráticos,<br />

após décadas <strong>de</strong> autoritarismo susten-<br />

tado por Estados burocrático-militares,<br />

recoloca em luz a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

concluir <strong>de</strong>finitivamente o ciclo <strong>de</strong> in-<br />

gresso <strong>de</strong>ssas nações na era da contem-<br />

poraneida<strong>de</strong> mundial, marcadamente<br />

assinalada pelo resgate <strong>de</strong> valores co-<br />

mo liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mocracia, bem-estar e<br />

paz social. A construção (talvez o tei-<br />

mo re-construção nem mesmo caiba, no<br />

caso, por falta <strong>de</strong> raízes históricas mais<br />

estáveis) das <strong>de</strong>mocracias do cone sul,<br />

por certo, implicará uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa-<br />

fios. O mais significativo, por certo,<br />

será a relação dialética entre as'con-<br />

quistas objetivas <strong>de</strong> direitos e espaços<br />

organizados da socieda<strong>de</strong> civil, vis-a-<br />

vis, o avanço <strong>de</strong> uma cultura (concebi-<br />

da como exercício hegemônico <strong>de</strong> valo-<br />

64<br />

CUÍRA<br />

TEORIA E ESTRATÉGIA<br />

Cidadania:<br />

uma Ban<strong>de</strong>ira<br />

Revolucionária n<br />

Tem sentido falar <strong>de</strong> socialismo a quem não<br />

reconhece nem os seus próprios direitos como ci-<br />

dadão? É possível construir a hegemonia socialista<br />

sem que esta seja intimamente vinculada h cons-<br />

trução da <strong>de</strong>mocracia e da cidadania? E,se fosse<br />

possível, seria socialismo?<br />

rej e práticas sociais) que dê suporte e<br />

sentido a toda essa trajetória que, por<br />

ora, apenas se arrisca <strong>de</strong>nominar-se <strong>de</strong><br />

"período <strong>de</strong> transição". Den-<br />

tre esses valores, situa-se, é claro, o <strong>de</strong><br />

cidadania, cuja universalida<strong>de</strong> acaba <strong>de</strong><br />

ser consagrada pela autocrítica a que<br />

se submetem os regimes sodalisias do<br />

leste europeu. Ensaia-se um processo<br />

que parece superar, <strong>de</strong> vez, o perigo <strong>de</strong><br />

se reduzir esse conceito a um pretenso<br />

conteúdo burguês originário do revolu-<br />

cionarismo francês do final do século<br />

XVIII. Trata-se, assim, <strong>de</strong> colocar em<br />

discussão a noção <strong>de</strong> cidadania como<br />

questão cultural central à consolidação<br />

da própria <strong>de</strong>mocracia.<br />

Para início <strong>de</strong> conversa, con-<br />

si<strong>de</strong>remos o que atirma Ag-<br />

nes Heller a respeito da questão do que<br />

seja valor. Respon<strong>de</strong> ela: "Que enten-<br />

<strong>de</strong>mos por valor? Tudo o que faz parte<br />

do ser genérico do homem e contribui,<br />

direta ou indiretamente, para a explici-<br />

tação <strong>de</strong>sse ser genérico..'.'(1). E como<br />

esse humano-genérico não é uma reali-<br />

da<strong>de</strong> acabada, mas algo em elaboração,<br />

em permanente "<strong>de</strong>vir" - para usarmos<br />

uma terminologia hegeliana, mas que<br />

está afinada com os princípios do ma-<br />

Alex Fiúza Mello<br />

terialismo histórico - o valor se torna<br />

instrumento próprio e necessário <strong>de</strong>ssa<br />

caminhada rumo à auto-<strong>de</strong>finição ou<br />

auto-compreensão ontológica do ho-<br />

mem, da humanida<strong>de</strong> sobre si mesma,<br />

constituindo-se, por conseguinte, em<br />

algo objetivo - como coloca Heller -<br />

mas cuja objetivida<strong>de</strong> não é natural,<br />

mas social. Òu seja: tanto é construído<br />

quanto transformado historicamente<br />

pelo seu criador. Sendo uma "categoria<br />

ontológico-social", o valor não tem<br />

essência própria (em si), pois seu con-<br />

teúdo é <strong>de</strong>terminado pelo contexto so-<br />

cial em que é sustentado enquanto<br />

noção que <strong>de</strong>marca o agir, a vonta<strong>de</strong>, o<br />

<strong>de</strong>sejo, a necessida<strong>de</strong>, a utopia, o pra-<br />

zer humanos, e lhes dá sentido a nível<br />

da razão. Conseqüentemente, haverá<br />

valores que serão negados e esqueci-<br />

dos, outros porém sustentados e revita-<br />

lizados no <strong>de</strong>correr dos tempos e na<br />

transmutação da vida das socieda<strong>de</strong>s,<br />

reformulados por certo, porém resga-<br />

tados no bojo do processo <strong>de</strong> supe-<br />

ração das estruturas econômicas e so-<br />

ciais e universalizados como conquista<br />

da humanida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

das <strong>de</strong>terminações político-culturais<br />

que engendraram sua origem. Po<strong>de</strong>-


mos, assim, falar <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia antiga,<br />

<strong>de</strong>mocracia medieval, <strong>de</strong>mocracia bur-<br />

guesa e, apesar das objetivações, fala-<br />

mos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia (no substantivo),<br />

como enten<strong>de</strong>ndo elementos similares<br />

e/ou comuns (práticas e valores)<br />

entre esses regimes políticos.<br />

"Para Marx, o homem só ó<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se afirma sua<br />

individualida<strong>de</strong> em cada<br />

uma <strong>de</strong> suas relações com o<br />

mundo".<br />

que permanecem e são "aperfeiçoados"<br />

historicamente, malgrado as imensas e<br />

mesmo abismais diversida<strong>de</strong>s e particu-<br />

larida<strong>de</strong>s existentes entre os vários mo-<br />

dos <strong>de</strong> produção.<br />

Dentre os conceitos que "so-<br />

breviveram" às evoluções dos tempos e<br />

às revoluções das eras, encontra-se o <strong>de</strong><br />

cidadania. Por quê? Pelas razões <strong>de</strong>-<br />

duzíveis do argumento <strong>de</strong> Heller: o<br />

conceito (a noção) <strong>de</strong> cidadania ainda<br />

permanece, pela potencialida<strong>de</strong> simbó-<br />

lica (política) que possui enquanto<br />

valor <strong>de</strong> construção e constituição do<br />

ser humano como realida<strong>de</strong> coleti-<br />

va/social, <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação 1 da so-<br />

cieda<strong>de</strong> humana na busca <strong>de</strong> superação<br />

das suas contradições e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

Defen<strong>de</strong>mos aqui que a noção <strong>de</strong> cida-<br />

dania - como a <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia - não<br />

po<strong>de</strong> ser reduzida (ou reduzívcl) à sua<br />

vertente burguesa, mas se constitui va-<br />

lor <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> universal, inclusive à<br />

edificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> socialista,<br />

cuja a cultura não po<strong>de</strong>rá ser elaborada<br />

sem a assimilação/superação <strong>de</strong> práti-<br />

cas e valores conquistados no ihterior<br />

do próprio mundo burguês, maS que<br />

não se limitam a ele porque resultantes<br />

<strong>de</strong> longos processos <strong>de</strong> lutas empreen-<br />

didas, inclusive e sobretudo, por movi-<br />

mentos populares, <strong>de</strong> trabalhadores, na<br />

busca incessante <strong>de</strong> participação nos<br />

frutos do progresso tecnológico e nas<br />

<strong>de</strong>cisões oriundas das esferas do po<strong>de</strong>r<br />

institucionalizadas (Estado). Certa-<br />

mente o fenômeno "Solidarieda<strong>de</strong>", na<br />

Polônia, o movimento interno à URSS<br />

que resultou na Perestroika ou a revol*<br />

ta estudantil da Praça da Paz Celestial,<br />

na China, não po<strong>de</strong>m ser analisados<br />

redutivamente como meras reações<br />

"contra-revolucionárias", "pró-capita-<br />

listas" ou "revisionista", sob pena <strong>de</strong>,<br />

antidialeticamente, compreen<strong>de</strong>rmos a<br />

"verda<strong>de</strong> da história" (para parafra-<br />

searmos Adam Schaff) como resultado<br />

<strong>de</strong> tramas maquiavelicamente prepara-<br />

das. Simplismo e ignorância estes, já<br />

brilhantemente <strong>de</strong>nunciados por Um-<br />

berto Eco em seu recente livro "O<br />

Pêndulo <strong>de</strong> Foucault".<br />

Se a <strong>de</strong>mocracia, como muito<br />

bem colocou Décio Saes, é o "resultado<br />

<strong>de</strong> um longo processo social (relação<br />

entre agentes) que não correspon<strong>de</strong> às<br />

intenções, nem <strong>de</strong> um, nem <strong>de</strong> outro<br />

agente... (ou seja) a sua forma objetiva<br />

não correspon<strong>de</strong> nem à intenção da<br />

classe exploradora, nem à intenção da<br />

classe explorada..." (2), embora seja<br />

produto da ação <strong>de</strong> ambas, assim<br />

também a cidadania, enquanto valor,<br />

representa uma conquista histórica não<br />

apenas da burguesia - na sua luta con-<br />

tra a aristocracia fundiária feudal pela<br />

consolidação da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado<br />

- mas das classes trabalhadoras contra a<br />

burguesia pós-revolucionária pelo re-<br />

conhecimento dos direitos econômicos<br />

e políticos em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com os<br />

proprietários. Não po<strong>de</strong>mos esquecer<br />

que a implantação dos Estados mo<strong>de</strong>r-<br />

nos burgueses na Europa se <strong>de</strong>u muito<br />

antes da superação do voto sensitário<br />

fundado na posse e no patrimônio e<br />

que o advento do voto direto e univer-<br />

sal (incluindo as mulheres) é fenômeno<br />

do século XX, na maioria dos países a<br />

partir dos anos 50, e <strong>de</strong>ve-se a um lon-<br />

go processo <strong>de</strong> lutas populares. Da<br />

mesma forma ,a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organi-<br />

zação, <strong>de</strong> pensamento, o pluripartida-<br />

rismo etc. A noção <strong>de</strong> cidadania, assim,<br />

po<strong>de</strong>mos percebê-la como o verso da<br />

medalha cuja a outra face é a <strong>de</strong>mocra-<br />

cia: no sentido que uma abarca a outra,<br />

ou se intercompletam. Enquanto a <strong>de</strong>-<br />

mocracia é o valor que realiza o inte-<br />

resse geral - "vonta<strong>de</strong> geral rousseau-<br />

niana"(e que não é a simples soma das<br />

vonta<strong>de</strong>s individuais) - a cidadania é o<br />

valor que resgata a dimensão do indiví-<br />

duo, no confronto com o seus pares.<br />

De fato, os fundamentos do<br />

pensamento político mo<strong>de</strong>rno estão as-<br />

sentados em teorias sociais que tomam<br />

o "indivíduo" como ponto <strong>de</strong> partida<br />

para toda a reflexão conceptiva <strong>de</strong> so-<br />

cieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> política, <strong>de</strong> Estado.<br />

Assim como Hobbes<br />

(1538-1679), no dizer <strong>de</strong> Macpherson,<br />

"rejeitando os conceitos tradicionais <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong>, justiça e lei natural, <strong>de</strong>duziu<br />

os direitos e <strong>de</strong>veres políticos a partir<br />

dos interesses e das vonta<strong>de</strong>s dos invi-<br />

divíduos dissociados" (3), Locke<br />

(1632-1704) estabelecerá como essên-<br />

cia humana a liberda<strong>de</strong> da <strong>de</strong>pendência<br />

das vonta<strong>de</strong>s alheias, concretizada co-<br />

mo exercício <strong>de</strong> posse daquilo que se<br />

tem necessida<strong>de</strong> para ser feliz. Como<br />

completa Macpherson, "a socieda<strong>de</strong>-<br />

em Locke-torna-se uma porção <strong>de</strong> in-<br />

divíduos livres e iguais, relacionados<br />

entre si como proprietários <strong>de</strong> suas<br />

próprias capacida<strong>de</strong>s e do que adquiri-<br />

ram mediante a prática <strong>de</strong>stas" (4). O<br />

"contrato social", o pacto, a fundação<br />

da socieda<strong>de</strong> política (do Estado), ao<br />

contrário <strong>de</strong> significar a anulação do<br />

indivíduo perante a coletivida<strong>de</strong>, será<br />

antes a realização possível <strong>de</strong> seus inte-<br />

resses, ameaçados constantemente pelo<br />

"estado <strong>de</strong> guerra" <strong>de</strong>generador diante<br />

da ausência <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r mediador e<br />

regulador que represente esses mesmos<br />

interesses. O Leviatã hobbesiano não<br />

apenas representa, como encarna a<br />

vonta<strong>de</strong> e o interesse <strong>de</strong> cada indivíduo<br />

enquanto indivíduo - e não apenas co-<br />

mo membro <strong>de</strong> corpo social. Por mais<br />

que o conceito <strong>de</strong> cidadania não tenha<br />

sido plenamente <strong>de</strong>senvolvido por es-<br />

ses autores clássicos da teoria política,<br />

fica subjacente a suas teses que a noção<br />

<strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> exprimir a<br />

visão do mundo mercantilista do mo-<br />

mento (sendo neste sentido instrumen-<br />

tal aos interesses hegemônicos <strong>de</strong> uma<br />

classe burguesa ainda em <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento), consistia em pressuposto on-<br />

tológico central, pedra angular <strong>de</strong> todo<br />

o edifício doutrinário.<br />

65<br />

CUÍRA


A questão da cidadania apa-<br />

rece mais clara em Rousseau<br />

(1712-1778). Dois são os momentos<br />

capitais <strong>de</strong> sua afirmação: a partici-<br />

pação do indivíduo na formulação do<br />

pacto - o exercício <strong>de</strong> seu direito <strong>de</strong><br />

opção por uma associação livre com<br />

outros indivíduos em vista da confir-<br />

mação <strong>de</strong> seus interesses mediados peta<br />

"vonta<strong>de</strong> geral" que consagra sua con-<br />

dição <strong>de</strong> ser político e, a limitação do<br />

po<strong>de</strong>r soberano do Estado perante o<br />

"direito natural" <strong>de</strong> cada um gozar <strong>de</strong><br />

sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem. Se <strong>de</strong> um la-<br />

do o "ser cidadão" significa <strong>de</strong>sempe-<br />

nhar o papel <strong>de</strong> súdito perante um Es-<br />

tado representante da "vonta<strong>de</strong> geral"<br />

(os. <strong>de</strong>veres do cidadão), por outro tra-<br />

duz as garantias que <strong>de</strong>ve preten<strong>de</strong>r do<br />

corpo político institucionalizado, cria-<br />

do para salvaguardar sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

"ser" diante da ameaça da força dos<br />

grilhões societários (os direitos do ci-<br />

dadão). A cidadania, para os clássicos<br />

liberais, po<strong>de</strong> ser traduzida como a rea-<br />

lização possível, numa socieda<strong>de</strong> con-<br />

flituosa, da efetivação da liberda<strong>de</strong> da<br />

pessoa e que, em última instância, não<br />

po<strong>de</strong> ser senão aquela <strong>de</strong> um ser dota-<br />

do <strong>de</strong> razão. Tal é, por exemplo, a in-<br />

terpretação <strong>de</strong> Raymond Polin, que su-<br />

gere ainda que "esta liberda<strong>de</strong>, que faz<br />

o homem individual, não é a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um nada; ela é livre autorida<strong>de</strong> e li-<br />

vre disposição <strong>de</strong> seu corpo, seus mem-<br />

bros, sua saú<strong>de</strong>, seus bens" (5). Mas,<br />

"dado que o homem é, enquanto pes-<br />

soa, seu próprio mestre, proprietário e<br />

senhor <strong>de</strong> sua própria pessoa, ele é em<br />

si próprio princípio e fundamento <strong>de</strong><br />

toda proprieda<strong>de</strong>" (6). Em conseqüên-<br />

cia, a noção <strong>de</strong> "pessoa" é inseparável<br />

da noção <strong>de</strong> "direito", o que redunda<br />

que a noção <strong>de</strong> cidadania, neste caso,<br />

envolve um conjunto <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>-<br />

veres entre indivíduos que coexistem<br />

num mesmo espaço e no interior <strong>de</strong> um<br />

mesmo "contrato social", por princípio<br />

em termo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> garantida pela<br />

racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem quis escapar às<br />

ameaças <strong>de</strong> um "estado <strong>de</strong> guerra" cas-<br />

trador da liberda<strong>de</strong> natural pela qual<br />

cada um veio ao mundo. Norberto<br />

Bobbio, conhecido pensador político<br />

contemporâneo, lembra que, segundo a<br />

doutrina jusnaturalista, "todos os ho-<br />

mens, indiscriminadamente, têm por<br />

natureza e, portanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte-<br />

mente <strong>de</strong> sua própria vonta<strong>de</strong>, e menos<br />

ainda da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns poucos ou<br />

<strong>de</strong> apenas um, certos direitos funda-<br />

66<br />

CUÍRA<br />

mentais, como o direito à vida, à liber-<br />

da<strong>de</strong>, à segurança, à felicida<strong>de</strong> ..." (7).<br />

Tal doutrina, <strong>de</strong> fato, está na base da<br />

Declaração dos Direitos, proclamada<br />

em 1776 nos Estados Unidos da Amé-<br />

rica do Norte e, da Declaração dos Di-<br />

reitos do Homem e do Cidadão, <strong>de</strong><br />

1789, na França Revolucionária, me-<br />

diante o que se afirmam as limitações<br />

da ação estatal sobre a socieda<strong>de</strong> civil e<br />

o indivíduo - ao contrário da idéia ab-<br />

solutista <strong>de</strong> Hobbes - na medida<br />

em que o po<strong>de</strong>r político só<br />

tem razão em existir (nesta<br />

"Suponhamos que o homem<br />

se/a homem, e que a re-<br />

lação <strong>de</strong>le com o mundo se-<br />

ja humano. Então, o amor só<br />

po<strong>de</strong> ser trocado por amor,<br />

confiança por confiança,<br />

etc... Se uma pessoa ama<br />

sem inspirar amor, então o<br />

amor <strong>de</strong>la é impotente e<br />

uma <strong>de</strong>sgraça'. K. Mane.<br />

lógica) para conservar os direitos natu-<br />

rais e não prescrilíveis do homem (con-<br />

forme reza o artigo 2 o da Declaração <strong>de</strong><br />

1789), não importando ser tal condição<br />

"natural" fruto <strong>de</strong> uma reconstrução<br />

fantástica (a-histórica) <strong>de</strong> um presumí-<br />

vel estado originário do homem, e cujo<br />

único objeto lógico, segundo Bobbio,<br />

"é o <strong>de</strong> aduzir uma boa razão para jus-<br />

tificar os limites do po<strong>de</strong>r do Estado"<br />

(8): este, o meio, o indivíduo, o fim.<br />

Seja por crença ontológica,<br />

seja por mera estratégia, i<strong>de</strong>ológica,<br />

tais são as raízes e os limites do pensa-<br />

mento liberal clássico a respeito da<br />

noção da cidadania, cuja realização<br />

máxima coinci<strong>de</strong> com a consolidação<br />

dos chamados regimes <strong>de</strong>mocráticos<br />

contemporâneos.<br />

Avancemos, porém, essa re-<br />

flexão mais "filosófica", pedindo licen-<br />

ça para proce<strong>de</strong>rmos a uma leitura um<br />

tanto quanto heterodoxa <strong>de</strong> umas pou-<br />

cas passagens <strong>de</strong> Marx, que ninguém<br />

ousaria classificar como pensador libe-<br />

ral-burguês. Nelas, po<strong>de</strong>mos encontrar<br />

preocupações teóricas substanciais<br />

quanto à realização individual do ho-<br />

mem - tema aliás muito presente em<br />

seus escritos ditos "da juventu<strong>de</strong>" -<br />

que, segundo Erich Fromm, seria o fim<br />

último e - nobre do advento futuro da<br />

socieda<strong>de</strong> comunista (9).<br />

Diz Marx n'A I<strong>de</strong>ologia<br />

Alemã: "Nos sucedâneos <strong>de</strong> comunida-<br />

<strong>de</strong>s que até agora existiram, no Estado<br />

etc, a liberda<strong>de</strong> pessoal só existia para<br />

os indivíduos que se tinham <strong>de</strong>senvol-<br />

vido nas condições <strong>de</strong> classe dominante<br />

e somente na medida em que eram in-<br />

divíduos <strong>de</strong>ssa classe. A comunida<strong>de</strong><br />

aparente, anteriormente constituída<br />

pelos indivíduos, adquire sempre pe-<br />

rante eles uma existência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

e, simultaneamente, porque significa a<br />

união <strong>de</strong> uma classe face a uma outra,<br />

representa não apenas uma comunida-<br />

<strong>de</strong> ilusória para a classe dominada, mas<br />

também uma nova ca<strong>de</strong>ia" (10). A nos-<br />

so ver, trata-se <strong>de</strong> uma passagem parti-<br />

cularmente importante para se com-<br />

preen<strong>de</strong>r o que, em essência, significa o<br />

fenômeno da alienação humana. O<br />

homem, ao re-criar-se como socieda<strong>de</strong>,<br />

pela complexificação e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

diversificação das ativida<strong>de</strong>s produtivas<br />

<strong>de</strong>correntes da progressiva evolução<br />

das forças produtivas, <strong>de</strong>ixa escapar <strong>de</strong><br />

seu controle sua própria "criatura"<br />

(portanto a si mesmo) que, ao <strong>de</strong>sen-<br />

volver-se imersa em contradições, foge<br />

da intenção e percepção <strong>de</strong> seu criador.<br />

A cooperação consciente e voluntária<br />

ce<strong>de</strong> lugar a uma "colaboração" que se<br />

apresenta como coisa estranha, pois<br />

restringe o indivíduo a <strong>de</strong>dicar-se a<br />

uma única ativida<strong>de</strong> produtiva sem que<br />

esse se aperceba da causa do fenômeno.<br />

A questão está em que as aparências da<br />

realida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>m a essência do pro-<br />

cesso. Os meios <strong>de</strong> produção, a ativida-<br />

<strong>de</strong> produtiva, o produto se volta contra<br />

o produtor como se possuíssem em si<br />

mesmos essa capacida<strong>de</strong> - fenômeno do<br />

"fetichismo" - encobrindo relações <strong>de</strong><br />

dominação social, isto é, exploração do<br />

homem pelo homem. O fato está em<br />

que a humanida<strong>de</strong>, para se <strong>de</strong>senvolver,<br />

para transformar a realida<strong>de</strong> mediante<br />

o emprego <strong>de</strong> forças produtivas que se<br />

fazem necessárias com sempre crescen-<br />

te aprimoramento, subjuga-se a si pró-<br />

pria, obrigando-se a reproduzir-se sob<br />

condições concretas adversas. A divisão<br />

social do trabalho se impôs como "ne-<br />

cessida<strong>de</strong>" histórica mas que se volta<br />

contra seu próprio criador. A socieda-<br />

<strong>de</strong>, dividida em classes, torna-se antíte-<br />

se do indivíduo - pelo menos da gran<strong>de</strong><br />

maioria dos indivíduos con<strong>de</strong>nados a<br />

sobreviver como meros instrumentos<br />

<strong>de</strong> produção ou força <strong>de</strong> trabalho.<br />

Fromm, citando um trecho<br />

dos Manuscritos Econômicos e Filosó-<br />

ficos <strong>de</strong> 1844, lembra que, para Marx, o


homem só é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte "... se afirma<br />

sua individualida<strong>de</strong> como homem total<br />

em cada uma <strong>de</strong> suas relações com o<br />

mundo, vendo, ouvindo, sorrindo, pro-<br />

vando, sentindo, querendo, amando -<br />

em resumo, afirma-se e exprime todos<br />

os órgãos <strong>de</strong> sua individualida<strong>de</strong>", e<br />

acrescenta, se não é apenas livre <strong>de</strong>,<br />

mas também livre para (11). E o mes-<br />

mo Fromm completa <strong>de</strong> forma revolu-<br />

cionária um sentido <strong>de</strong> socialismo pou-<br />

co explorado pela tradição marxista:<br />

"Para Marx, a meta do socialismo era a<br />

emancipação do homem, e esta era a<br />

mesma coisa que a auto-realização <strong>de</strong>le<br />

no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> seu relacionamento e<br />

i<strong>de</strong>ntificação com o homem e com a<br />

natureza. A meta do socialismo era o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> in-<br />

dividual" (12).<br />

É o resgate da dimensão da<br />

individualida<strong>de</strong> na história, em toda a<br />

sua plenitu<strong>de</strong> - e que não po<strong>de</strong> ser a<br />

antítese da coletivida<strong>de</strong> - a secreta uto-<br />

pia marxiana. Antes, é na ruptura da<br />

relação do "eu" e do "tu", como diria<br />

Lucien Goldmann, no reencontro do<br />

"nós' ! que repousamos fundamentos da<br />

axiologia <strong>de</strong> Marx. Como dirá Fromm,<br />

isto po<strong>de</strong> ser facilmente compreendido<br />

quando lemos como este co-fundador<br />

da I Internacional Comunista aplicou o<br />

conceito <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> ao fenôme-<br />

no do amor: "Suponhamos que o ho-<br />

mem seja homem", escreveu Marx, "e<br />

que a relação <strong>de</strong>le com o mundo seja<br />

humana. Então, o amor só po<strong>de</strong> ser<br />

trocado por amor, confiança por con-<br />

fiança etc. Se se <strong>de</strong>seja influenciar uma<br />

pessoa, é preciso ser-se uma pessoa<br />

realmente dotada <strong>de</strong> efeito estimulador<br />

è encorajador nas outras. Cada uma das<br />

relações da gente com o homem e a na-<br />

tureza tem <strong>de</strong> ser uma expressão es-<br />

pecífica correspon<strong>de</strong>nte ao objeto es-<br />

colhido, escolhido por nossa vida indi-<br />

vidual real. Se utna pessoa ama sem<br />

inspirar amor, isto é, se não é capaz, ao<br />

manifestar-se uma pessoa amável, <strong>de</strong><br />

tornar-se amada, então o amor <strong>de</strong>la é<br />

impotente e uma <strong>de</strong>sgraça" (13).<br />

Ora, a passagem da socieda<strong>de</strong><br />

socialista (direito da maioria) ao co-<br />

munismo (direito <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> cada<br />

um), o que significa senão a efetivação<br />

utópica, porém completa e conseqüen-<br />

te, da condição do indivíduo enquanto<br />

cidadão <strong>de</strong> fato (e não apenas formal,<br />

<strong>de</strong> direito) <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, que en-<br />

tão já não mais se lhe apresentaria co-<br />

mo "ilusória", mas como sua própria<br />

extensão?<br />

A utopia <strong>de</strong> Marx, na verda<strong>de</strong>,<br />

realiza a paixão dos liberais e jusnatu-<br />

ralistas, na medida em que esses, preo-<br />

cupados com os direitos individuais no<br />

seu confronto com a socieda<strong>de</strong>, não re-<br />

"Num país on<strong>de</strong> a lei é pre-<br />

texto para arbítrio e o arbí-<br />

trio motivo para lei; on<strong>de</strong> o<br />

direito é um privilégio <strong>de</strong><br />

poucos e o privilégio um di-<br />

reito contra muitos; falar-se<br />

em cidadania é um ato <strong>de</strong><br />

revolução".<br />

"Direitos <strong>de</strong> cidadania, en-<br />

tre nós, nunca serão ban-<br />

<strong>de</strong>iras do capital".<br />

velavam a limitação <strong>de</strong> seu discurso no<br />

interior <strong>de</strong> um contexto histórico- polí-<br />

tico on<strong>de</strong> apenas os proprietários po-<br />

<strong>de</strong>riam participar do "pacto social" e<br />

gozar <strong>de</strong> seus benefícios. Mesmo assim,<br />

a força <strong>de</strong> suas teses alimentou revo-<br />

luções e arrastou as massas à transfor-<br />

mação da condição medieval <strong>de</strong><br />

existência. E isso, no dizer <strong>de</strong> Marilena<br />

Chauí (14), graças aos "brancos", às<br />

"lacunas" entre as partes do discurso<br />

que o faziam po<strong>de</strong>roso e coerente na<br />

proporção que, exatamente por seu cu-<br />

nho i<strong>de</strong>ológico, não dizia tudo a todos -<br />

como, por exemplo, que ; na socieda<strong>de</strong><br />

do capital o direito à proprieda<strong>de</strong> só<br />

po<strong>de</strong> pertencer a alguns. Na lógica<br />

marxiana, somente com a superação da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes - que historica-<br />

mente redunda na superação do modo<br />

<strong>de</strong> produção capitalista - po<strong>de</strong> ser re-<br />

solvida a questão da distinção entre<br />

"homem" e "cidadão", consagrada na<br />

Declaração dos Direitos <strong>de</strong> 1789 e nas<br />

Constituições Republicanas contem-<br />

porâneas. Enquanto o direito à liber-<br />

da<strong>de</strong> é um direito do homem e consiste<br />

em po<strong>de</strong>r fazer tudo o que não prejudi-<br />

ca outrem, o direito à proprieda<strong>de</strong> é<br />

um direito do cidadão e significa, con-<br />

traditoriamente, <strong>de</strong>sfrutar os bens à sua<br />

vonta<strong>de</strong>, sem se importar com outrem,<br />

egoisticamente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

socieda<strong>de</strong>. É esta "liberda<strong>de</strong>" indivi-<br />

dual <strong>de</strong> proprietário e não a liberda<strong>de</strong><br />

genérica do homem-total que constitui<br />

a estrutura da socieda<strong>de</strong> burguesa e faz<br />

com que cada um veja no outro não a<br />

realização, mas o limite da sua liberda-<br />

<strong>de</strong> - do homem e do "cidadão" , já que<br />

nem todos po<strong>de</strong>rão vir a sê-lo. Dialeti-<br />

camente, em Marx "a emancipação<br />

humana só se realizará quando o ho-<br />

mem INDIVIDUAL REAL (grifo nos-<br />

so) tiver absorvido o cidadão abstrato,<br />

quando, enquanto homem INDIVI-<br />

DUAL (i<strong>de</strong>m) na sua vida empírica, no<br />

seu trabalho individual, nas suas re-<br />

lações individuais, se tornar um ser<br />

genérico e quando,<strong>de</strong>ste modo, tiver<br />

reconhecido as suas forças próprias<br />

como forças sociais e ele próprio as ti-<br />

ver organizado como tais, e, por conse-<br />

guinte, quando já não afastará <strong>de</strong> si a<br />

força social sob forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r políti-<br />

co" (15). Talvez a única via para a re-<br />

cuperação da dimensão perdida da "ci-<br />

da<strong>de</strong>-obra" <strong>de</strong> Lefebvre, on<strong>de</strong> ao ho-<br />

mem na sua totalida<strong>de</strong> retornaria o<br />

"direito à cida<strong>de</strong>", o sentido urbano <strong>de</strong><br />

"festa", a sensação <strong>de</strong> possuir a cida<strong>de</strong>:<br />

ser CIDADÃO!<br />

A Cidadania como prática re-<br />

volucionária<br />

Por incrível que pareça, falar<br />

hoje em cidadania no Brasil, mesmo<br />

que limitando o conceito ao alcance<br />

permitido pelo i<strong>de</strong>ário burguês do sé-<br />

culo XVIII inscrito nas duas "Decla-<br />

rações" e consagrado nos vários textos<br />

constitucionais mo<strong>de</strong>rnos, ainda pro-<br />

voca reações em segmentos importan-<br />

tes <strong>de</strong>ntre aqueles que ainda se sentem,<br />

permita-nos Faoro o empréstimo do<br />

termo, "donos do po<strong>de</strong>r" - e, parado-<br />

xalmente, quando se vem <strong>de</strong> promulgar<br />

há pouco mais <strong>de</strong> um ano uma Carta<br />

Constitucional por muitos consi<strong>de</strong>rada<br />

como das mais avançadas do mundo em<br />

termos <strong>de</strong> direitos sociais. E por quê?<br />

A resposta a esta pergunta<br />

talvez a encontremos no brilhante en-<br />

saio <strong>de</strong> Francisco Weffort intitulado<br />

"Por que Democracia ?"(16). E, não<br />

por acaso, no âmbito <strong>de</strong> um argumen-<br />

to que trata do problema da consoli-<br />

dação da <strong>de</strong>mocracia brasileira - lem-<br />

bre-se que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos até aqui que<br />

<strong>de</strong>mocracia/cidadania são faces <strong>de</strong> uma<br />

mesma moeda: logo, a lógica weffortia-<br />

na também aqui é válida e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

utilida<strong>de</strong>.<br />

Weffort diz que o conserva-<br />

dorismo brasileiro nos legou uma con-<br />

cepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e uma idéia <strong>de</strong><br />

revolução profundamente autoritárias.<br />

67<br />

CUÍRA


em que a <strong>de</strong>mocracia não passa <strong>de</strong> "ins-<br />

trumento" à prática habitual do golpe;<br />

tão habitual que em nosso país golpe<br />

<strong>de</strong> Estado se chama "revolução". Nesse<br />

sentido, continua Weffort, "uma con-<br />

cepção autoritária^ <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia sig-<br />

nifica, além <strong>de</strong> certa preferência! pela<br />

ambigüida<strong>de</strong>, o gosto por doses maci-<br />

ças <strong>de</strong> cinismo"(17). Ambigüida<strong>de</strong> e ci-<br />

nismo se constituem, assim, no binô-<br />

mio que dá sentido (!) a um conceito<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia segundo o qual esta é<br />

apenas um instrumento estratégico pa-<br />

ra se galgar o po<strong>de</strong>r, não uma meta<br />

política, um valor que aponta um fim e<br />

o justifica. E não é supérfluo acrescen-<br />

tar - muito pelo contrário - que esse<br />

perigo não é privilégio da direita !<br />

Mas o que se esperar <strong>de</strong> um<br />

país on<strong>de</strong> a cultura política <strong>de</strong> seu povo<br />

está alicerçada em quatrocentos anos<br />

<strong>de</strong> escravidão racial e social, além do<br />

que nos cem (apenas cem !) últimos<br />

restantes <strong>de</strong> história "civilizatória" - o<br />

mundo da República - o quadro não é<br />

menos "bárbaro" sob a própria lente<br />

do i<strong>de</strong>ário burguês (18). Bastaria to-<br />

marmos três exemplos - que na verda<strong>de</strong><br />

são apenas ângulos ou aspectos <strong>de</strong> um<br />

mesmo processo histórico <strong>de</strong> consti-<br />

tuição <strong>de</strong> nossa nacionalida<strong>de</strong> - <strong>de</strong> co-<br />

mo vem se dando as relações entre Es-<br />

tado e socieda<strong>de</strong> civil no Brasil neste<br />

último século, para termos uma idéia<br />

clara da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa tese: a) a<br />

.questão da terra_ (questão agrária); b) a<br />

questão partidária; c) a questão da<br />

.geslão do Estada Em outras palavras:<br />

o direito à proprieda<strong>de</strong> (terra), à repre-<br />

sentação e participação política, ao<br />

controle dos organismos <strong>de</strong> governo -<br />

três direitos clássicos <strong>de</strong> cidadania!<br />

a) A Questão Agrária<br />

A "Nova República", no ato<br />

<strong>de</strong> sua fundação com a eleição indireta<br />

<strong>de</strong> Tancredo Neves à presidência da<br />

República - candidato <strong>de</strong> oposição que<br />

era ao regime militar instaiaao no pais<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964 - <strong>de</strong>finiu como uma <strong>de</strong> suas<br />

metas prioritárias a "reforma agrária",<br />

ato político que tocaria no maior "en-<br />

clave" e tabu da história política do<br />

país, o latifúndio, que sobreviveria a<br />

todas as ditas "revoluções" ensaiadas<br />

no palco do teatro da vida nacional,<br />

quando não sustentou ele próprio - isto<br />

é, os interesses <strong>de</strong> classe subjacentes a<br />

essa estrutura econômica - os arreme-<br />

dos <strong>de</strong> mudanças "permitidas". O que<br />

passava <strong>de</strong>savisado no momemto das<br />

folias que saudavam o advento do "no-<br />

vo Brasil" (e quem <strong>de</strong> nós não curtiu<br />

68<br />

CUÍRA<br />

um pouquinho da festa ?) era que a<br />

meta mais "revolucionária" do Pro-<br />

grama <strong>de</strong> Governo traduzia, na prática,<br />

o seu "calcanhar <strong>de</strong> Aquiles". Não por<br />

acaso abortou.<br />

Recorrendo a estudos proce-<br />

didos por José <strong>de</strong> Souza Martins a res-<br />

peito da situação fundiária hodierna do<br />

País (19), po<strong>de</strong>mos verificar que a si-<br />

tuação é alarmante. Mais da meta<strong>de</strong><br />

dos estabelecimentos rurais tem menos<br />

<strong>de</strong> lOha. e dispõe <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> três por<br />

cento da terra; menos <strong>de</strong> um por cento<br />

dos estabelecimentos tem mais <strong>de</strong><br />

I(KM)ha. e dispõe <strong>de</strong> quase meta<strong>de</strong> da<br />

terra, isto sem falar que, no caso das<br />

pequenas proprieda<strong>de</strong>s, nem todas<br />

estão constituídas em terras próprias,<br />

quando imiito arrendadas, senão sim-<br />

plesmente ocupadas, sem título <strong>de</strong> pos-<br />

se. Aumentou na década <strong>de</strong> 70 a área<br />

disponível unicamente para os pro-<br />

prietários, o que resultou na formação<br />

ao longo <strong>de</strong> todo o território nacional<br />

<strong>de</strong> movimentos dos "Sem-Terra". Isso<br />

significa, para Martins, concentração<br />

da proprieda<strong>de</strong> e concentração da ex-<br />

ploração. E no interior <strong>de</strong>sse quadro<br />

dramático, tem sido a Amazônia o es-<br />

paço mais ilustrativo das tensões so-<br />

ciais geradas pelas estrutura fundiária<br />

vigente no País. Esta região, objeto <strong>de</strong><br />

planos governamentais <strong>de</strong> ocupação<br />

espacial por meio <strong>de</strong> incentivos a cor-<br />

rentes migratórias provenientes do<br />

Nor<strong>de</strong>ste, Sul e Su<strong>de</strong>ste, seja <strong>de</strong> zonas<br />

rurais como <strong>de</strong> urbanas (20), apresen-<br />

tou o maior índice <strong>de</strong> conflitos fundiá-<br />

rios ao longo dos anos 80. Só o Estado<br />

do Pará registra uma evolução extre-<br />

mamente preocupante do número <strong>de</strong>s<br />

assassinatos <strong>de</strong> trabalhadores rurais<br />

nos últimos doze anos (21).<br />

en<strong>de</strong>nte: em lugar <strong>de</strong> se colocar a dis-<br />

posição para colaborar na averiguação<br />

dos fatos, o Ministro da Justiça Paulo<br />

Brossard, preferiu dizer que se tratava<br />

<strong>de</strong> uma "ingerência" nos assuntos in-<br />

ternos do'País.<br />

b) O Sistema Partidário.<br />

À exceção do período atual -<br />

no qual se vislumbra pela primeira vez<br />

na história política do País a possibili-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> um sistema<br />

pluripartidário livre - o que se tem veri-<br />

ficado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a política regional das<br />

oligarquias da "República Velha" até o<br />

bipartidarismo biônico recente, é um<br />

sistema <strong>de</strong> organizações político-elei-<br />

torais <strong>de</strong> representação predominan-<br />

temente da classe empresarial rural e<br />

urbana. Os interesses das classes cam-<br />

ponesa e operária sempre estiveram<br />

sob controle da tutela estatal, quando<br />

não foram inviabilizados, no dizer <strong>de</strong><br />

Horácio Martins <strong>de</strong> Carvalho, "ora pe-<br />

la repressão policial-militar do Estado<br />

Autoritário ora pela marginalização<br />

dos setores i<strong>de</strong>ológicos que as po<strong>de</strong>-<br />

riam influenciar na prática ou na rei-<br />

vindicação <strong>de</strong> uma política potencial-<br />

mente contrária aos grupos econômi-<br />

cos e políticos dominantes"(22). Por<br />

outro lado, as arenas <strong>de</strong>cisórias a nível<br />

do parlamento sempre estiveram sob<br />

forte controle e pressão por parte do<br />

Executivo que, quando precisou fechar<br />

o Congresso (como o Presi<strong>de</strong>nte Geisel<br />

em 1977) para impor interesses escu-<br />

sos, nunca titubeou em fazê-lo. Tal in-<br />

terferência por parte <strong>de</strong> grupos que<br />

ANO 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 89 TOTAL<br />

TRABALHADORES<br />

ASSASSINADOS<br />

Em setembro <strong>de</strong> 1988, a Anis<br />

tia Internacional divulgava um relató-<br />

rio com o título: "BRASIL- VIOLÊN-<br />

CIA AUTORIZADA NAS ÁREAS<br />

RURAIS", no qual <strong>de</strong>nunciava <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> casos <strong>de</strong> violação dos direitos da<br />

pessoa humana no campo e pedia pro-<br />

vidências para as autorida<strong>de</strong>s. A reação<br />

das autorida<strong>de</strong>s brasileiras foi surpre-<br />

09 06 06 15 34 15 20 30 25 64 71 45 30 420<br />

sempre utilizaram os aparelhos <strong>de</strong> Es-<br />

tado e os recursos públicos como "cosa<br />

nostra", patrimônio privado, levou a<br />

que a institucionalização da represen-<br />

tação política através dos partidos<br />

sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse e/ou fosse afetada<br />

pela dinâmica das tranformações pelas<br />

quais passou o Executivo, a ponto <strong>de</strong><br />

muitos dos partidos que tiveram in-


fluência no cenário político nacional,<br />

nos seus mais diversos momentos - co-<br />

mo o PSD e o PTB em 1945/1964 ou a<br />

ARENA e o MDB em 1964/1978 - te-<br />

rem sido engendrados a partir da ação<br />

direta do próprio governo, sem maior<br />

participação da socieda<strong>de</strong> civil (23).<br />

O fato é que o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento do sistema partidário brasileiro<br />

se processou discriminando sistemati-<br />

camente as aspirações das massas po-<br />

pulares. Quando o Estado não expur-<br />

gou organizações i<strong>de</strong>ologicamente <strong>de</strong>-<br />

claradas <strong>de</strong> oposição à or<strong>de</strong>m vigente -<br />

como o Partido Comunista (à exceção<br />

do curto período que vai <strong>de</strong> 1945 a<br />

1947) - sufocou prematoramente os<br />

movimentos sociais <strong>de</strong> base ou mesmo<br />

extinguiu o peróprio sistema <strong>de</strong> repre-<br />

sentação político-partidário, como<br />

ocorreu durante o "Estado Novo"<br />

(1937/1945). O bipartidarismo pós Ato<br />

Institucional n 0 !, <strong>de</strong> 1965, não passou<br />

<strong>de</strong> uma farsa que teve por objetivo<br />

manter artificilamente um canal insti-<br />

tucional <strong>de</strong> oposição consentida ao re-<br />

gime (no caso, o MDB), controlado pe-<br />

lo Executivo, e que cumpriu a terefa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> amenizar a imagem do Estado Au-<br />

toritário implantado a partir <strong>de</strong> 64.<br />

Em suma, como bem colocam<br />

Lamounier e Meneguello, "no Brasil, a<br />

instituição partidária é <strong>de</strong> certa forma<br />

tardia, e não se vincula estritamente a<br />

grupamentos sociais ou culturais bem<br />

<strong>de</strong>finidos, como em geral ocorreu na<br />

história européia" (24). Quanto à nova<br />

trajetória que vem sendo ensaiada a<br />

partir dos anos 80, com o atual sistema<br />

em vigência no País, preferimos por<br />

ora não tecer nenhum comentário em<br />

profundida<strong>de</strong>, mesmo proque ainda é<br />

muito cedo para sabermos o alcance da<br />

mudança.<br />

c) A Gestão do Estado: a<br />

usurpação como "lei"<br />

Dizia um jurista fascista dos<br />

anos 30, Francisco Campos: "tem lei<br />

que pega e tem lei que não pega". Tal<br />

fiase, carregada <strong>de</strong> significativo simbo-<br />

lismo, expressa muito bem o cinismo<br />

com que os po<strong>de</strong>res instituídos neste<br />

país sempre se conduziram no trata-<br />

mento da "coisa pública" que, em rea-<br />

lida<strong>de</strong>, nunca passou <strong>de</strong> um "espaço<br />

familiar" administrado em favor <strong>de</strong> in-<br />

teresses oligárquicos, cujo domínio e<br />

hegemonia sempre avalizaram repre-<br />

sentantes orgânicos a lembrarem aos<br />

adversários que, na gestão do Estado<br />

"privado", "aos amigos o pão, aos ini-<br />

migos o pau". Ou, <strong>de</strong> forma mais refi-<br />

nada, o dito atribuído a um político<br />

mineiro, com a mesma conotação: "aos<br />

amigos se faz justiça, aos inimigos se<br />

aplica a lei".<br />

Não é <strong>de</strong> hoje que a impuni-<br />

da<strong>de</strong> está garantida, por princípio, aos<br />

beneficiários dos crimes (crimes?) co-<br />

mo Coroa-Brastel, Tieppo, COSIPA,<br />

CAPEMI, DELFIM, VALEC, Naji<br />

Nahas etc. Os protetores e os protegi-<br />

dos <strong>de</strong>sses acordos já estão muito bem<br />

caracterizados em uma série <strong>de</strong> docu-<br />

mentários jornalísticos ultimamente<br />

publicados, e não precisa nenhum vôo<br />

teórico para se enten<strong>de</strong>r por que Gil-<br />

berto Dimenstein <strong>de</strong>nominou o Brasil<br />

<strong>de</strong> "República dos Padrinhos"(25).<br />

A verda<strong>de</strong> é que nossa histó-<br />

ria é a história das <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> civil, cercada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua ori-<br />

gem por uma estrutura escravocrata e<br />

discriminatória dos direitos da maioria,<br />

instaurada e reproduzida por inter-<br />

venção <strong>de</strong> um Estado militar, absolutis-<br />

ta e totalitário, com características in-<br />

clusive muito peculiares em relação a<br />

outros países da América Latina: para<br />

cá, transportou-se e resolveu fazer<br />

"morada" a própria Coroa, burocracia<br />

do país colonizador. Tal acontecimen-<br />

to, em nosso processo civilizatório, não<br />

<strong>de</strong>ve passar <strong>de</strong>spercebido) em toda a<br />

sua extensão, e serve para explicar mui-<br />

tos fenômenos que até hoje ocorrem -<br />

como a reprodução do "patrimonialis-<br />

mo" - e que têm certamente suas raízes<br />

na dominação colonial. O nosso Estado<br />

burguês não é o da Europa, que foi<br />

construído no bojo <strong>de</strong> uma luta ampla,<br />

<strong>de</strong> uma organização <strong>de</strong> classe que se<br />

impôs historicamente naquele conti-<br />

nente. Aqui, o Estado surgiu "<strong>de</strong> fora"<br />

pa;a "<strong>de</strong>ntro" e, po<strong>de</strong>mos dizer, foi o<br />

próprio artífice da socieda<strong>de</strong> burguesa<br />

nacional, até então inexistente.<br />

A fragilida<strong>de</strong> do material com<br />

que nossas instituições <strong>de</strong>mocráticas<br />

têm sido edificadas ao longo <strong>de</strong> nossa<br />

evolução política po<strong>de</strong> ser atestado pe-<br />

los freqüentes momentos <strong>de</strong> "curto-cir-<br />

cuito", nos quais geralmente os atingi-<br />

dos nunca são os donos do po<strong>de</strong>r, mas<br />

sim as classes populares. As "revo-<br />

luções pelo ato", gc pes ou tentativas<br />

<strong>de</strong> golpes se suce<strong>de</strong> am sem tréguas.<br />

Basta tomarmos o período republicano<br />

como exemplo:<br />

1889 - golpe militar / proclamação da<br />

República<br />

1930 - golpe militar / Getúlio Vargas<br />

ascen<strong>de</strong> ao po<strong>de</strong>r<br />

1932 - tentativa <strong>de</strong> restauração das ve-<br />

lhas oligarquias<br />

1935 - tentativa <strong>de</strong> rebelião militar sob<br />

direção comunista<br />

1937 - novo golpe <strong>de</strong> Estado / ditadura<br />

do Estado Novo<br />

1938 - tentativa <strong>de</strong> rebelião militar sob<br />

orientação integralista<br />

1945 - <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> Vargas do po<strong>de</strong>r<br />

1950 - tentativa <strong>de</strong> impedimento da<br />

posse <strong>de</strong> Vargas, <strong>de</strong>mocraticamente<br />

eleito para Presi<strong>de</strong>nte<br />

1954 - pressões militares levam Vargas<br />

ao suicídio<br />

1955 - tentativas <strong>de</strong> impedimento <strong>de</strong><br />

posse <strong>de</strong> Kubistchek , <strong>de</strong>mocraticane-<br />

te eleito Presi<strong>de</strong>nte<br />

69<br />

CUIRA


1961 - tentativa <strong>de</strong> impedimento da<br />

posse <strong>de</strong> João Goulart<br />

1964 - golpe militar / implantação do<br />

regime militar<br />

1967 - Costa e Silva assume pela força<br />

1969 - alijamento <strong>de</strong> Pedro Aleixo (vice<br />

<strong>de</strong> Costa e Silva) por uma junta militar<br />

1969 - imposição <strong>de</strong> Mediei pela força<br />

1977 - tentativa <strong>de</strong> golpe por Sílvio<br />

Frota (contra Geisel)<br />

Num país on<strong>de</strong> a lei é pretex-<br />

to para arbítrio e o arbítrio motivo pa-<br />

ra lei; on<strong>de</strong> o direito é um privilégio <strong>de</strong><br />

poucos e o privilégio um direito contra<br />

muitos, falar-se em cidadania é um ato<br />

<strong>de</strong> revolução!<br />

As revoluções que realmente<br />

se processaram na América Latina co-<br />

mo movimentos populares que subver-<br />

teram a or<strong>de</strong>m, antes <strong>de</strong> serem revo-<br />

luções pró-socialismo, foram revo-<br />

luções contra o imperialismo e pela<br />

afirmação dos direitos mínimos <strong>de</strong> ci-<br />

dadania <strong>de</strong> um povo. Enquanto os di-<br />

reitos individuais e a noção <strong>de</strong> cidada-<br />

nia pu<strong>de</strong>ram ser universalizados e as-<br />

similados pelas socieda<strong>de</strong>s burguesas<br />

dos países "centrais" - na medida em<br />

que essas orientaram a dinâmica do <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento capitalista à consti-<br />

tuição <strong>de</strong> seus mercados internos e à<br />

evolução do padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> suas po-<br />

pulações, inclusive da classe trabalha-<br />

dora - a or<strong>de</strong>m econômica mundial e a<br />

divisão internacional do trabalho <strong>de</strong>-<br />

corrente dos interesses hegemônicos<br />

países <strong>de</strong>sses con<strong>de</strong>nou às <strong>de</strong>mais<br />

nações, hoje chamadas "periféricas" - e<br />

que constituem o bloco "terceiro-<br />

mundista" - à condição <strong>de</strong> fornecedoras<br />

<strong>de</strong> matéria-prima e mão-<strong>de</strong>-obra bara-<br />

tas e que sustentaram a industriali-<br />

zação e a acumulação <strong>de</strong> capital dos co-<br />

lonizadores, em troca da exploração e<br />

da miséria <strong>de</strong> seus povos. Se Vinícius<br />

<strong>de</strong> Moraes, no poema "Operário em<br />

construção", ensina que "os pés do<br />

operário são as rodas do patrão" não<br />

menos correto é afirmar (e sem ne-<br />

nhum panfletismo) que o esplendor <strong>de</strong><br />

New York - com a estátua da Liberda-<br />

<strong>de</strong> - é a fome, o analfabetismo e os gri-<br />

lhões das massas latino-americanas.<br />

Falar em cidadania em nosso<br />

país é <strong>de</strong>spertar o povo para a tarefa <strong>de</strong><br />

lutar e reivindicar por direitos que co-<br />

locam em questão a própria orques-<br />

tração da exploração social que ainda<br />

se dá no plano internacional. Ou <strong>de</strong>se-<br />

jar, a gran<strong>de</strong> maioria, po<strong>de</strong>r ser consu-<br />

midora não significa exigir maior dis-<br />

tribuição <strong>de</strong> renda a nível interno e<br />

70<br />

CUIRA<br />

menos remessa <strong>de</strong> lucros para o estran-<br />

geiro? Mais serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e edu-<br />

cação, públicos, gratuitos e <strong>de</strong> qualida-<br />

<strong>de</strong>, não diminuiria as margens <strong>de</strong> <strong>de</strong>sti-<br />

nação corrupta das verbas públicas? E<br />

a aplicação menos parcial da lei, não<br />

revolucionária talvez a ocupação das<br />

ca<strong>de</strong>ias e as farsas consentidas dos tri-<br />

bunais? ^ .<br />

Direitos humanos, direitos do<br />

cidadão, meus senhores, neste país!...<br />

ainda arrepia e dá medo aos "padri-<br />

nhos" e "afilhados"..<br />

"Choque <strong>de</strong> Capitalis-<br />

mo"?...espanta latifundiário!<br />

Antes <strong>de</strong> Marx, Rousseau já<br />

cheira a comunista...<br />

Resta apenas uma certeza: as<br />

conquistas <strong>de</strong>mocráticas e os direitos<br />

<strong>de</strong> cidadania não serão nunca, entre<br />

nós, ban<strong>de</strong>iras do capital; terão <strong>de</strong> ser<br />

práfcas sustentadas pelos <strong>de</strong>spossuí-<br />

dos. Eis o sentido revolucionário <strong>de</strong>s-<br />

ses valores, hoje, no Brasil. A sua afir-<br />

mação se torna a única garantia a que<br />

gerações futuras não precisam fazer a<br />

experiência <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> nós e muitos<br />

dos que já se foram, retratada poetica-<br />

mente por Affonso Romano <strong>de</strong> San-<br />

ta'Anna:(26)<br />

"Na madrugada em que Getúlio<br />

se matou<br />

eu, no interior <strong>de</strong> Minas,<br />

dormia impunemente<br />

em adolescentes lençóis.<br />

Os pa<strong>de</strong>iros serviam pão<br />

nas janelas, e rios quintais<br />

os gaios serviam a aurora<br />

...O mais não me lembro.<br />

Foi um dia meio confuso<br />

com rádio, jornal e Juria,<br />

em que as lições eram dadas<br />

- fora dos muros da escola.<br />

Outros dias se seguiram<br />

com neblina, areia e espanto<br />

os pa<strong>de</strong>iros servindo o pão<br />

- para os parvos comensais<br />

e os gaios servindo a história<br />

- pela mão dos generais."<br />

Autor: Ale* Fiúza <strong>de</strong> Mello, professor do üepto. <strong>de</strong> Ciências Só<br />

cio-politicas do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Ciências Humanas da UFPa on<strong>de</strong> é<br />

pró-reitor <strong>de</strong> extensão.<br />

(*) Conferência proferida no XV Simpósio Nacional <strong>de</strong> História,<br />

sob promoção da ANPUH - Associação Nacional dos Professo-<br />

res Universitários <strong>de</strong> História. Belém, 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1989.<br />

(1) Agnes Heller, O cotidiano e a história, Ed Brasileira, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, 1972, pp.4.<br />

(2) Décio Saes, "A <strong>de</strong>mocracia burguesa e a lula operária", In<br />

Teoria & Política, n 0 2, Ed. Brasil Debates, Sào Paulo, 1980,<br />

pp.63<br />

(3) CB. Macpherson, A Teoria Política do Individualismo Pos-<br />

sessivo, Ed. Paz e Terra, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1979, pp. 14.<br />

(4) Op. cit., pp.15<br />

(5) Raymond Potím, "Indivíduo e Comunida<strong>de</strong>", in CG. Oulrino e<br />

M.T.R <strong>de</strong> Souza, O Pensamento Polílíco Clássico, TAQuelroz<br />

Ed., Sâo Paulo, 1980, pp. 134<br />

(6) Ibid. í<strong>de</strong>m.<br />

(7) Norberto Bobbio, Liberalismo e Democracia, 2 a Edição, Bra-<br />

silíense, Sâo Paulo, 1968, pp 11.<br />

(8) n. Bobbio, op. cit., pp. 13.<br />

(9) Erich Fromm, Conceito Marxista do Homme, Zahar ed.. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, 1979.<br />

(10) K. Marx, F. Engels,' A I<strong>de</strong>ologia Alemã, voi. I, Ed Presença.<br />

Lisboa, s/d.pp 80<br />

(11) Erich Fromm. op. clt.pp. 45.<br />

(12) Ibid I<strong>de</strong>m.<br />

(13) Ibid, I<strong>de</strong>m.<br />

(14) Marilena Chaui, Cultura e Democracia, Ed. Mo<strong>de</strong>rna, São<br />

Paulo, 1981, pp. 21/22.<br />

(15) Karl Marx, Textos Filosóficos. Editorial Estampa, Lisboa,<br />

s/d, pp.200/201<br />

(16) Francisco C. Weftort, Por que Democracia?, Ed. Brasillense,<br />

São Paulo, 1984<br />

(17) Francisco C Weffort, op. cit., pp.33<br />

(18) Náo por menos até hoje se discute na Aca<strong>de</strong>mia se houve<br />

ou náo aquilo que Florestan Fernan<strong>de</strong>s cunhou <strong>de</strong> "Revolução<br />

Burguesa no Brasil".<br />

(19) José <strong>de</strong> Souza Martins, Expropríação & Viotêcma, Ed. Hucí-<br />

tec, São Paulo, 1982<br />

(20) Estudo critico aconselhado a respeito do processo <strong>de</strong> colo<br />

nizaçáo da região amazônica se encontra in Jean Hebette e Ro-<br />

sa Acavado, Colonização para Quem?, NAEA/UFPa, série Pes-<br />

quisa n 0 1, Belém, 1979.<br />

(21) Fonte: Relatório <strong>de</strong> Conflitos 1988 Comissão Pastoral da<br />

Terra/Regional Norte II.<br />

(22) Horácio Martins <strong>de</strong> Carvalho, "O Caráter <strong>de</strong> Classe no Sis-<br />

tema Partidário Brasileiro", in Encontros com a Civilização Bra-<br />

sileira n^S, Ed Civilização Brasileira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1979, pp.<br />

120<br />

(23) Sobre o assunto, conferir Maria do Carmo C. <strong>de</strong> Souza, Es-<br />

tado e Partidos Políticos no Brasil, 2* ed , Ed. Alfa Omega. Sáo<br />

Paulo. 1983<br />

(24) Bolívar Lamounier e Rachel Meneguello. Partidos Políticos e<br />

Consolidação Democrática, Ed. Brasillense, Sáo Paulo. 1986.<br />

(26) Gilberto Dimenstoin, A República dos Padrinhos: chanta<br />

gem s corrupção em Brasília. Ed. Brasillense. Sáo Pauto, 1988<br />

(26) Poema 24 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1954


^P^A

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