Estudo comparativo entre Humanos e outros Primatas
Estudo comparativo entre Humanos e outros Primatas
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Nós e os <strong>outros</strong> animais somos ao mesmo tempo iguais e diferentes, e a igualdade constitui o<br />
único quadro de referência sensato a partir do qual se pode fundamentar a diferença.<br />
Frans de Waal<br />
1. PRIMATAS<br />
1.1 UMA INTRODUÇÃO<br />
A partir do surgimento e da consolidação da teoria da evolução das espécies, ficou claro que o<br />
ser humano é um animal que, como todos os demais, possui algumas características próprias e<br />
algumas compartilhadas com outras espécies, em grau diferente segundo o grupo taxonômico a que<br />
estas pertençam.<br />
Uma das características mais intrigantes dos humanos é a sua peculiar sexualidade. Conforme<br />
pode ser visto com maiores detalhes no Anexo 2, diversos aspectos da sexualidade humana parecem<br />
diferir do padrão habitual, vigente na grande maioria dos animais e plantas, de o sexo constituir um<br />
fenômeno direta e exclusivamente relacionado à reprodução. Ora, encontramos nos humanos a<br />
prática do sexo como diversão (Diamond, 1999), a adoção de práticas sexuais que não levam à<br />
reprodução (masturbação, sexo oral e anal, homossexualidade, fetichismo, voyeurismo, pedofilia,<br />
zoofilia, necrofilia etc.), os crimes passionais (eliminação de parceiros e descendentes por “amor”), e<br />
até mesmo práticas anticoncepcionais (anovulatórios, camisinhas, vasectomia, laqueadura de<br />
trompas, diafragmas, abortos provocados). Outras características curiosas, de um ponto de vista<br />
biológico, seriam a vergonha do ato sexual e das áreas ligadas à sexualidade, com a conseqüente<br />
ocultação destas regiões do corpo por roupas; e a aversão e eliminação dos estímulos olfativos<br />
próprios destinados à atração sexual, porém com o uso de odores de <strong>outros</strong> animais e plantas para<br />
atingir esta finalidade.<br />
Outra característica diferencial importante dos humanos é o grande desenvolvimento de suas<br />
capacidades cognitivas, manifestado pelo uso sofisticado da linguagem, da capacidade de abstração<br />
e simbolização, do uso extenso de ferramentas, e da variação cultural, <strong>entre</strong> <strong>outros</strong> fenômenos.<br />
Este trabalho busca examinar estes dois aspectos, colocando-os em perspectiva comparativa<br />
com os demais primatas, especialmente os hominóides (superfamília hominoidea, comumente<br />
conhecidos como apes 1 ). O objetivo é examinar o que poderia ser especificamente humano e o que<br />
constitui um passo a mais dentro de uma tendência já esboçada em <strong>outros</strong> animais evolutivamente<br />
próximos. É discutível o quanto se pode extrapolar para o ser humano a partir da observação do reino<br />
animal. Lorenz (1992), por exemplo, com seu livro sobre a agressão, sofreu muitas críticas (p. ex.<br />
Fromm, 1979, p. 21-22) ao tirar conclusões sobre a agressão humana a partir de estudos com peixes e<br />
aves, filogeneticamente distantes dos humanos. Como exemplo das diferenças, de Waal (1990, p. 11)<br />
aponta que praticamente todos os pássaros e peixes evitam contato físico quando em estado de alerta,<br />
enquanto que para os primatas o modo mais direto de evitar a violência e o aumento de tensão social<br />
é através do contato físico direto. Mesmo comparações com parentes mais próximos têm sido<br />
criticadas: Hewes (1994, p. 60), por exemplo, afirma que “comparações <strong>entre</strong> o comportamento dos<br />
apes e o comportamento humano em geral têm pouca probabilidade de ter algum valor. A variedade<br />
e a complexidade da vida cultural humana é tão imensa que os apes revelam-se como<br />
1 Existem algumas palavras da língua inglesa de tradução bastante difícil. Por este motivo, optou-se por deixar sem<br />
tradução dois termos: 1-apes, que abrange os apes menores (gibões e siamangues) e os grandes apes (gorilas,<br />
orangotangos, chimpanzés e bonobos) (ver Figura 1); e 2- grooming que, conforme descrito por Corraze (1982, p. 116-<br />
117), “trata-se, na origem, de um comportamento de asseio e, nos invertebrados sociais, o grooming parece restringir-se<br />
a essa única função. Ao envolver dois indivíduos (allogrooming), esse comportamento se vê acrescido de uma função<br />
social que é a ritualização da primeira. Durante a evolução, a atividade oral vai, pouco a pouco, cedendo lugar à<br />
manipulação, que será a forma privilegiada do grooming <strong>entre</strong> primatas. Neste último grupo, o indivíduo ativo concentrase,<br />
com a maior atenção, numa parte do corpo do seu congênere, a qual é por ele manipulada. Pode extrair dela pelos ou<br />
partículas estranhas que eventualmente são levadas à boca”. O grooming adquire uma grande importância neste último<br />
grupo de animais, dada a “necessidade insaciável de contato que é característica da ordem dos primatas” (De Waal, 1990,<br />
p. 11).<br />
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