Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Conto 7 – Davi e a tempestade<br />
Varal do Brasil janeiro/fevereiro de <strong>2013</strong><br />
Por Fabiane Ribeiro<br />
Pela fria madrugada, o suor banhava-lhe a face,<br />
contrastando ao clima gélido do outono. Era<br />
a insegurança, adentrando cada célula de seu<br />
corpo.<br />
Davi abriu os olhos e pôde... ver?<br />
Que ideia absurda, ele pensou.<br />
Era deficiente visual há mais de uma década.<br />
Como poderia, no meio da noite, abrir os olhos<br />
e, simplesmente... ver...?<br />
Contudo, a visão era de uma beleza singular.<br />
Uma luz pálida, porém, penetrante; forte e vibrante.<br />
Era impossível não se entregar.<br />
Davi estivera na reunião do grupo de deficientes<br />
visuais aquela tarde, entretanto, não se sentira<br />
muito confortável. Os colegas haviam partilhado<br />
sonhos, visões durante sonos renovadores.<br />
Ele, por sua vez, desde que sofrera o acidente,<br />
nunca sonhara. Nem ao menos um pesadelo<br />
para constar.<br />
Sonhos, bons ou ruins, não faziam parte de sua<br />
vida. Portanto, ele não compartilhara nada na<br />
reunião; apenas ouvira relatos que lhe eram estranhos.<br />
Agora não parecia sonhar; a luz fazia com que<br />
se sentisse mais vivo e acordado que nunca.<br />
Era como se aquela luz fosse a vida...<br />
E, de alguma forma, era.<br />
Ele abriu os braços e jogou-se, com força na<br />
luz.<br />
Sentiu gotas pesadas e aterrorizantemente gélidas<br />
pesarem contra seu corpo. Estava chovendo.<br />
Não era uma chuva qualquer. Era uma forte<br />
tempestade.<br />
Estava em um barco em meio a um oceano de<br />
águas sem fim.<br />
Água. Raios. Trovões. Água. Vento. Água. Nuvens<br />
escuras... Tudo cinza. Exceto... a luz.<br />
A luz continuava em sua visão, pálida, encoberta<br />
por algumas nuvens e, ao mesmo tempo,<br />
convidativa.<br />
Então, ele deixou de incomodar-se pela tempestade<br />
e concentrou-se na luz e na paz que<br />
ela lhe transmitia...<br />
O barco continuou seu balanço sobre as fortes<br />
ondas no mar, e a luz continuou a acalmar-lhe,<br />
até que os primeiros raios de sol fossem vistos<br />
e os tons cinzentos da tempestade fossem preenchidos<br />
por cores vibrantes. Tudo se fez luz,<br />
após uma noite de tempestades em alto-mar.<br />
Davi retomou a consciência.<br />
Em seu quarto, calmo e silencioso, os raios do<br />
sol da manhã tingiam tudo com brilho. Ele sorriu.<br />
Voltara a sonhar. Teria um sonho a partilhar<br />
com os colegas na próxima reunião.<br />
Entretanto, não era um sonho qualquer... Era<br />
um anúncio de boas-novas a caminho. De uma<br />
luz capaz de afugentar qualquer tempestade.<br />
Ele havia sonhado com um farol em meio ao<br />
mar.<br />
Se antes, na ausência dos sonhos, tudo era escuridão<br />
em sua vida; agora, após sonhar com o<br />
farol e com a tempestade que se desfez, ele<br />
teve certeza de que bastaria concentrar-se na<br />
luz, presente em qualquer existência, para que<br />
as nuvens escuras fossem carregadas pelos<br />
ventos de mudança...<br />
www.varaldobrasil.com 100