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COTIDIANO DE PRISCILA<br />
Por Wilton Porto<br />
Em cada coisa que ela usava<br />
E segurava com amor incomum<br />
Nós não sabíamos que ali estava<br />
Um estridente e constante zum-zum<br />
Que mora na alma da saudade<br />
E dos sofrimentos outro igual nenhum.<br />
O pano limpo onde ela se deitava<br />
O lençol lavado que tirava o frio<br />
Os pratos cuidados onde se alimentava<br />
Aconchego da perna na hora do cio.<br />
Gostava de uma peça<br />
Para servir de consolo<br />
Tomava chá de boldo<br />
Com a maior naturalidade<br />
Quanto mais imaginem:<br />
Um recheado bolo!<br />
E se se falava em passear<br />
O ansioso latido era o comunicar-se<br />
De se esquecer dela – nem pensar!<br />
Pois em desespero se punha a chorar.<br />
Quando da hora todo dia noite<br />
Em que pelas ruas caminhávamos felizes<br />
O nó na garganta é inevitável<br />
Lágrimas no rosto o único consolo.<br />
Onde quer que eu estivesse<br />
No interior de nossa casa<br />
Ali ela estava dando sinal de muita graça<br />
E queria que eu imediatamente a tocasse<br />
Como se de um pacto que quisesse que eu<br />
lembrasse.<br />
Balançava o rabo e ia se deitar<br />
Em frente à porta ou lado do sofá<br />
Dormia como se anjo em descanso<br />
Mas despertava serelepe para ninguém nos<br />
perturbar.<br />
Varal do Brasil janeiro/fevereiro de <strong>2013</strong><br />
Era dócil apesar do tamanho<br />
O latido assustava qualquer ladrão<br />
Não conheço quem tivesse mais carinho<br />
Se fizesse traquinagens logo pedia perdão.<br />
Evitava ficar sozinha<br />
Morta de sono nos convidava para deitar<br />
Se a enganávamos de repente ela chegava<br />
E aos nossos pés ela se aquietava.<br />
Era danada quando de tomar remédios<br />
Ciumenta com as coisas e espaços<br />
Com ela não havia quem tivesse tédio<br />
De nem todos ela aceitava os abraços<br />
No entanto nem entre os humanos<br />
Conheço alguém que prime tanto pelos laços.<br />
O que mais faz subir o fogo da tristeza<br />
É sabermos o quantum de displicência<br />
Os que tratam têm que ter o mínimo de<br />
consciência<br />
De que quanto mais exames muito mais a<br />
certeza<br />
Das doenças naquele ser em permanência.<br />
Quem sabe? – talvez Priscila estivesse viva<br />
Se os cuidados tivessem sido mais primorosos<br />
Porém as condições sempre nos privam<br />
Assim perdemos a quem era imperdível<br />
E seguimos inconsoláveis todos os órgãos<br />
chorosos<br />
www.varaldobrasil.com 85