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VARAL DO BRASIL 19 JAN 2013

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Ela ouviu tudo em silêncio, imóvel, atrás<br />

da cortina na janela e guardou pra si a revelação.<br />

Na gíria, diria-se que naquele exato instante,<br />

após tão forte sacudida, a ficha finalmente<br />

caiu.<br />

A situação financeira deles era preocupante<br />

e muito pouco promissora. Viviam de ranchos<br />

ofertados pela sogra de Kleiva e ás vezes<br />

por sua própria mãe, que trazia compras ás escondidas<br />

do marido, homem duro, que não admitia<br />

“sustentar vagabundo”. Pra piorar, Arthur<br />

andava jurado de morte por traficantes e alertado<br />

pra si o olhar da polícia.<br />

As ofertas de trabalho, isso ela não ignorava,<br />

estavam escassas. Haviam vagas, mas<br />

só para pessoas qualificadas com cursos e,<br />

principalmente, com experiência na função.<br />

Trabalhar num tambo, porém, parecia ser a<br />

chance de ouro para os dois, que não tinham<br />

assim tanto estudo. Além disso sairiam daquela<br />

vila onde o clima começava a ficar nebuloso. A<br />

luz no fim do túnel havia brilhado de fato naquele<br />

anúncio.<br />

Acabaram caindo nas graças do tal<br />

Enilson, proprietário daquele rebanho leiteiro,<br />

residente na zona rural do município de Viamão,<br />

à 10 km de Porto Alegre. Deixaram a pequena<br />

Úrsula com a mãe de Arthur e partiram<br />

para aquela guinada em suas vidas.<br />

O tambo abastecia armazéns e casas<br />

das redondezas, dispondo de vasta freguesia e<br />

credibilidade. O rapaz em sua primeira semana<br />

no emprego até que demonstrou algum empenho.<br />

Contudo, como de costume, começou a<br />

achar desgastante aquela rotina de acordar cedo<br />

em pleno inverno gaúcho. Seu Enilson, que<br />

simpatizara bastante com ele, ofereceu-lhe um<br />

remanejamento de função. Foi transferido para<br />

um abatedouro do fazendeiro, distante 2 km<br />

dali, onde lavaria sangue do chão e recolheria<br />

tripas, chifres, pêlos e tudo que não era aproveitado<br />

pelo açougue. O novo horário da pegada,<br />

às 10:00 h da manhã, de imediato lhe<br />

agradou. Dava para descansar um pouco mais<br />

na cama.<br />

Observando, certa vez, a linha de produção<br />

e abate da firma, deparou-se com um<br />

fato curioso que fez-lhe pensar com seriedade.<br />

O abatedouro executava o chamado “abate humanitário”,<br />

onde os animais são respeitados e<br />

vivem com dignidade todos os seus dias. Certa<br />

ocasião, resolveu o rapaz assistir passo a passo,<br />

como os bois e vacas eram tratados nos<br />

momentos finais de vida. Sentou-se confortavelmente<br />

num banquinho, bem perto do corredor<br />

final ou mangueira, por onde dois bois aca-<br />

Varal do Brasil janeiro/fevereiro de <strong>2013</strong><br />

bavam de passar, espetados pela lança do carneador.<br />

O da frente, marrom de patas brancas,<br />

pêlo lustroso e ralo, foi golpeado na cabeça por<br />

uma barra de ferro. Emitiu um longo mugido de<br />

dor. Apanhou ainda outras vezes, sempre na<br />

região do crânio, e por fim dobrou os joelhos,<br />

tombando pesadamente ao chão. O de trás,<br />

branco da raça zebu, brecou à 10m da linha de<br />

abate com um olhar assombrado. Parecia nitidamente<br />

perceber o que lhe aguardava logo à<br />

frente, sendo necessários vários gritos e algumas<br />

leves espetadas humanitárias dos peões<br />

para fazê-lo prosseguir.<br />

Arthur é hoje um convicto trabalhador<br />

do tambo, parece resignado à sorte que teve ao<br />

lado da companheira e não come mais carne<br />

de gado. Kleiva, por sua vez, pôde enfim agradecer<br />

e pagar as promessas à sua Nossa Senhora<br />

das Causas Impossíveis. Seu homem<br />

finalmente enveredou pela trilha do esforço e<br />

do suor para ganhar o pão. Úrsula mora com<br />

eles no chalé de madeira cedido pelo Sr. Enilson,<br />

adaptando-se com bastante rapidez à vida<br />

no campo.<br />

www.varaldobrasil.com 18

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