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O CERRA<strong>DO</strong>, FAZENDEIROS E<br />
Varal do Brasil janeiro/fevereiro de <strong>2013</strong><br />
uma área de 2 milhões de Km², abrangendo dez estados<br />
do Brasil Central. Nas décadas de 40 e 50, havia<br />
ONÇAS PINTADAS<br />
no Brasil muito maior extensão de cerrado, assim<br />
Por Eliane Accioly<br />
como de outros biossistemas.<br />
http://www.portalbrasil.eti.br/cerrado.htm).<br />
A arte é feita do lugar natal, aquele de nossa língua<br />
Volto ao Triângulo Mineiro e não vejo mais cerrado,<br />
materna. Para mim, o cerrado é matéria prima, a fon-<br />
apenas poucas reservas, quase todas em fazendas ou<br />
te na qual bebo. Lembro-me de nós, crianças, no ma-<br />
condomínios de luxo, particulares. Imagino que posto,<br />
como chamávamos o cerrado. Arbustos retorcisa<br />
haver reservas maiores do governo, mas preciso<br />
dos, rios de fluxo rápido, ribeirões transparências<br />
pesquisar para afirmar.<br />
macias e brilhantes, e poços ribeirinhos onde se po-<br />
Em uma ida ao Triângulo escutei reclamações de<br />
dia nadar. E as matas, pois no cerrado também as há.<br />
fazendeiros, revoltados com as onças-pintadas. Elas<br />
Emas correndo soltas, seriemas e nuvens barulhentas<br />
comem bezerros em profusão, afirmavam. Perguntei:<br />
de periquitos, maritacas, tucanos. Tatus e tamanduás<br />
- Como assim? Onças no meu tempo nunca apareci-<br />
-bandeira quando havia sorte, porque são medrosos<br />
am. Onça comendo bezerro?<br />
do humano. Aliás, como todos os bichos selvagens.<br />
O que ocorre, no meu entender, é que as fazendas<br />
Do cerrado me ficaram os amplos horizontes, o si-<br />
invadiram as matas, enormemente desbastadas. As<br />
lêncio quebrado por gritos de pássaros e rajadas de<br />
reservas ecológicas obedecem ao chamado limite<br />
vento. Bicho e vento, feitos de silêncio, como o ruí-<br />
legal. Os fazendeiros dizem: - Não posso derrubar<br />
do do mar, que conheci bem mais tarde. Não tenho<br />
toda a mata, mas o que puder vou desmatar para<br />
medo de onça pintada, lobo guará, cobra. De calan-<br />
plantar eucalipto, ou criar gado, ou plantar soja... O<br />
go, muito menos. Fico horas olhando para um deles<br />
lucro.<br />
parado, quentando sol.<br />
Vivi no cerrado nas décadas de 40 e 50. Talvez, ain-<br />
(Segue)<br />
da exista em mim a ilusão da liberdade, gerada pela<br />
imensidão do olhar, que no cerrado nunca chegava<br />
ao fim. O olhar resvalava no horizonte e seguia<br />
além. Havia, sim, o dia que se findava, quando a noite<br />
caía sobre nós. E ninguém se machucava. Era hora<br />
de ouvir as histórias dos peões, do meu avô Moisés,<br />
do Mario, o administrador da fazenda... Contavam<br />
das casas mal-assombradas, do poço preferido do<br />
Velho do Rio, muito perigoso para as crianças, da<br />
pedra onde as iaras se espraiavam, saindo do fundo<br />
do rio, de manhãzinha ou ao pôr sol. Casas, poços e<br />
pedras, pontos mapeados.<br />
Pesquisas na Internet mostram que o cerrado foi a<br />
segunda maior formação vegetal brasileira, habitat<br />
riquíssimo em sua diversidade de fauna, flora, minerais,<br />
água. Originalmente, o cerrado estendia-se por<br />
www.varaldobrasil.com 28