pdf - Alberto Pucheu
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diz possuído por um pessimismo doentio, “tal como um xifópago<br />
que de repente se dispusesse a meter uma bala na cabeça sem ao<br />
menos consultar seu companheiro adormecido”, escrever é, na gravidade<br />
da hora presente, o despertar do duplo que, submetendo o<br />
outro a sua potência afirmativa, desviará a bala da cabeça. Apesar<br />
de todos os riscos e temores, uma ética, portanto, interessada, a<br />
favor da vida, para conseguir estar mais à altura (ou à baixeza) dela,<br />
para conseguir chegar ao dia seguinte – o que já se constitui como<br />
uma promessa de alegria, como uma felicidade possível: “de volta<br />
ao quarto do hotel, ainda mais desesperado, punha-me a escrever<br />
cartas e mais cartas, a maior parte delas dirigidas a mim mesmo e<br />
sem nenhuma relação com meu desespero, como se apontasse um<br />
revólver contra o teto ou a lâmpada em vez de apontá-lo contra a<br />
minha cabeça. Bem ou mal, sobrevivi e continuo sobrevivendo – e<br />
só a você resolvi contar agora esse inferno íntimo em que me debati<br />
todo esse tempo, porque a conheço e sei igualmente possuída pelo<br />
demônio da eterna dúvida, que infelizmente para nós se confunde<br />
com a eterna certeza. Comecei esta carta à maneira de outras que<br />
escrevi sem destino nenhum, apenas para não morrer até o dia<br />
seguinte, e de novo até o dia seguinte”.<br />
não se trata de uma escrita confessional que escreveria o desespero<br />
vivido ou qualquer outro afeto previamente experimentado.<br />
o puro desespero não escreve; quem escreve é a espera – a esperança<br />
– que ainda reside no escritor mesmo durante o desespero,<br />
o não se assujeitar completamente a ele. Quem escreve é a saúde<br />
que resiste, a primazia da desintoxicação, o riso de um humor<br />
que se impõe sobre qualquer pessimismo. Quem escreve é o que<br />
não quer se entregar, que aposta, se não em algo mais, no vigor da