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Comments for "Sond'Ar-te Electric Ensemble"

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fenómeno criado por cogumelos no chão duma floresta ou duma relva, quando os esporos de cogumelos se<br />

espalham em todas as direcções e como consequência aparecem os círculos. “Através da minha música<br />

queria apresentar o processo da propagação dos esporos, quando voam e pousam na <strong>te</strong>rra para criar um<br />

círculo (ou círculos) dos sons-esporos. As instalações de Andy Goldsworthy, nas quais ele dá vida aos<br />

círculos maravilhosos feitos de vários ma<strong>te</strong>riais naturais, inspiraram <strong>for</strong><strong>te</strong>men<strong>te</strong> a minha peça”, diz Ai<br />

Kamachi. A sua peça é construída a partir de micro-motivos de certa fragilidade, que criam um diálogo entre<br />

a par<strong>te</strong> acústica e electrónica baseado numa sucessão de repetições e ecos. Es<strong>te</strong> processo contínuo conduz<br />

a uma progressiva condensação de <strong>te</strong>xtura até ao aparecimento das pulsações que evocam a música de<br />

S<strong>te</strong>ve Reich. “Os círculos dos sons-esporos são submetidos às trans<strong>for</strong>mações diferen<strong>te</strong>s. Com o apoio da<br />

programação Max / MSP <strong>te</strong>n<strong>te</strong>i elaborar uma mistura complexa dos sons criada, por um lado, pela actuação<br />

ao vivo e por outro, reestruturação electrónica em <strong>te</strong>mpo real. (...). Portanto, os círculos originais dos sons<br />

criados pelos músicos trans<strong>for</strong>mam-se numa variedade de círculos imaginários...”<br />

A segunda peça da origem japonesa, “Scape” de Osamu Kadowaki, em oposição à primeira “virada para a<br />

natureza”, é uma reflexão subjectiva sobre as sociedades in<strong>for</strong>matizadas e foi criada especialmen<strong>te</strong> para o<br />

Sond’Ar-<strong>te</strong> <strong>Electric</strong> Ensemble. Tal como Ai Kamachi o compositor também se inspirou em várias fon<strong>te</strong>s da<br />

música actual. A par<strong>te</strong> electrónica e acústica permanecem em relação de “pergunta e resposta” – segundo o<br />

compositor os sons electrónicos <strong>for</strong>am obtidos a partir das par<strong>te</strong>s acústicas e, como efeito, constituem a sua<br />

distorção inquietan<strong>te</strong>. Ocasionalmen<strong>te</strong> é possível ouvir passos que evocam as estruturas repetitivas de Louis<br />

Andriessen. A par<strong>te</strong> central da peça per<strong>te</strong>nce ao solo do clarine<strong>te</strong> ligeiramen<strong>te</strong> de<strong>for</strong>mado pela electrónica,<br />

que duran<strong>te</strong> o concerto foi brilhan<strong>te</strong>men<strong>te</strong> executado por Nuno Pinto. Não obstan<strong>te</strong>, continuo a perguntar-me<br />

a mim próprio sobre as inclinações ideológicas da peça mencionadas na nota do compositor: será que a<br />

par<strong>te</strong> electrónica “distorcida” simboliza a <strong>te</strong>cnologia moderna e a acústica relaciona-se ao componen<strong>te</strong><br />

humano? Será que a in<strong>te</strong>nção do compositor é tão directa?<br />

Finalmen<strong>te</strong>, passemos para a última peça do concerto, “Avant” de José Luís Ferreira, que devido ao seu<br />

título também se poderia encontrar no início do programa. A peça é a primeira versão do trabalho em<br />

progresso (work in progress) do compositor (avant = à fren<strong>te</strong>, adian<strong>te</strong>). “[A minha obra] funciona como a<br />

prova do conceito (proof of concept) – é possível fazer a electrónica em <strong>te</strong>mpo-real soar an<strong>te</strong>s (avant) dos<br />

instrumentos, ou pelo menos, do som dos instrumentos que completam (ou complementam) as figuras<br />

musicais”, explica José Luís Ferreira. Na peça, um enigma ma<strong>te</strong>mático, a par<strong>te</strong> electrónica com frequência<br />

an<strong>te</strong>cipa os instrumentos, aparecendo li<strong>te</strong>ralmen<strong>te</strong> na sua fren<strong>te</strong>. Es<strong>te</strong>s dois mundos – electrónico e acústico<br />

– permanecem numa relação de proximidade, criando uma <strong>te</strong>nsão explicita de in<strong>te</strong>rrupções abruptas,<br />

viragens e acelerações. Será que o primeiro deseja controlar o outro e não consegue? A peça de José Luís<br />

Ferreira faz-me lembrar da música sur-convencional do Pawe! Szyma"ski. O compositor polaco “brinca”<br />

constan<strong>te</strong>men<strong>te</strong> com a tradição dos vários estilos da história da música (Bach, Mozart, Chopin ou Bartók),<br />

criando ilusões e alusões ma<strong>te</strong>maticamen<strong>te</strong> construídas à música do passado – tudo parece conhecido e em<br />

ordem mas ao mesmo <strong>te</strong>mpo há alguma discordância, portanto ape<strong>te</strong>ce dizer: “estranho, eu já ouvi esse<br />

passo”.<br />

O concerto acabou, o público aplaudiu fervorosamen<strong>te</strong>, apresentado a sua satisfação aos músicos (a<br />

propósito, os meus pés finalmen<strong>te</strong> ficaram quen<strong>te</strong>s ou já não os sentia?). Anatol France disse: “(...) o bom<br />

crítico é aquele que conta as aventuras da própria alma entre as obras-primas." Portanto, quanto às minhas<br />

sensações modestas aqui está o meu resumo subjectivo...<br />

A meu ver o concerto do Sond’Ar-<strong>te</strong> <strong>Electric</strong> Ensemble tinha um po<strong>te</strong>ncial, que não foi in<strong>te</strong>iramen<strong>te</strong><br />

explorado. Por um lado desejava-se mais coerência no nível da in<strong>te</strong>rpretação, como no caso do Trio de Luís<br />

de Freitas Branco, por outro, as novas peças portuguesas e japonesas, mesmo que in<strong>te</strong>rpretadas com uma<br />

grande precisão, constituiram ideias in<strong>te</strong>ressan<strong>te</strong>s, contudo sem um desenvolvimento preciso. Faltava nelas<br />

algum nervo dramatúrgico, alguma linearidade e lógica em sucessão das ideias composicionais. Será que<br />

por causa do ecletismo que hoje em dia domina a ar<strong>te</strong>, já se perdeu a capacidade de criar narrativas<br />

envolven<strong>te</strong>s ou transmitir de<strong>te</strong>rminadas ideias? Não obstan<strong>te</strong>, tal como mencionei em cima, o público deixou<br />

a Casa Cor-de-Rosa bem satisfeito. Portanto, vou por enquanto deixar as minhas dúvidas sem resposta e

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