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Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico

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Administração do<br />

BPP quer alargar<br />

solução para<br />

clientes do banco<br />

O plano das Finanças para pagar aos<br />

clientes não agrada à administração do<br />

BPP que defende que todos devem ser<br />

tratados de forma igual. ➥ P44<br />

SÁBADO, 19 DE DEZEMBRO 2009 | Nº <strong>1197</strong> | PREÇO (IVA INCLUÍDO): CONTINENTE 2,50 EUROS<br />

DIRECTOR ANTÓNIO COSTA DIRECTOR EXECUTIVO BRUNO PROENÇA<br />

DIRECTORA-ADJUNTA CATARINA CARVALHO SUBDIRECTORES FRANCISCO FERREIRA DA SILVA E PEDRO SOUSA CARVALHO<br />

Entrevista<br />

Saiba por que Guta Moura Guedes<br />

vai liderar um novo espaço<br />

cultural em Paris. ➥ OUTLOOK P40<br />

Santana Lopes<br />

regressa para<br />

condicionar<br />

disputa no PSD<br />

Ferreira Leite aplaudiu a proposta de<br />

Santana para um congresso<br />

extraordinário. Apoiantes de Passos<br />

Coelho dizem que “não faz sentido”. ➥ P26<br />

Opinião<br />

João Lobo Antunes escreve<br />

sobre as lições a tirar das<br />

vacinas da gripe A. ➥ OUTLOOK P11<br />

Líderes<br />

mundiais<br />

fazem acordo<br />

possível em<br />

Copenhaga<br />

www.economico.pt<br />

Venda de Igrejas<br />

Veja no que se pode transformar<br />

uma igreja à venda no Bairro<br />

Alto, em Lisboa. ➥ OUTLOOK P36<br />

Sócrates e Lula aprovam<br />

OPA brasileira sobre a Cimpor<br />

Os brasileiros da CSN lançaram<br />

uma oferta de compra surpresa sobre<br />

a Cimpor, oferencendo 5,75 euros<br />

por acção. No total, estão em causa<br />

3,8 mil milhõesde euros.<br />

A Cimpor responde considerando<br />

a OPA não amigável mas os brasileiros<br />

têm o apoio do Governo português.<br />

A Camargo Corrêa e Votorantim<br />

são outros grupos brasileiros que<br />

já se posicionam para lutar pelo<br />

controlo da cimenteira nacional.<br />

“Temos todo o apoio<br />

do Governo português”<br />

JUAREZ SALIBA DE AVELAR<br />

Director-geral da CSN<br />

Os líderes mundiais reunidos<br />

naCimeiradeCopenhaga<br />

falharam um acordo mais<br />

ambicioso e atiraram as<br />

maiores promessas para<br />

2050. ➥ P50 A 53<br />

Jamil Bittar/Reuters<br />

Saiba o que tem<br />

de fazer para<br />

ganhar dinheiro<br />

com a OPA<br />

O primeiro-ministro,<br />

José Sócrates e o<br />

presidente Lula da Silva.<br />

Os sinais<br />

de Teixeira dos<br />

Santos para<br />

provar que quer<br />

baixar o défice<br />

Os organismos internacionais e a<br />

oposição querem sinais de que o<br />

Governosepreparaparacontrolar<br />

o défice. Os economistas sugerem,<br />

por exemplo, poucos aumentos<br />

na função pública. ➥ P20


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4 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

A NÃO PERDER<br />

19.12.09<br />

Grécia avança com<br />

reforma fiscal para<br />

combater o défice<br />

Têm várias coisas em comum: o mesmo<br />

primeiro nome, um estrelato inesperado e<br />

o risco de ficarem para a história pelo pior<br />

das razões - estarem à frente do governo<br />

quando a Grécia faliu.<br />

➥ ECONOMIA - P22<br />

Santana regressa para<br />

condicionar disputa<br />

no PSD<br />

Santana Lopes regressou ao centro de<br />

todos os debates e causou burburinho<br />

dentrodoPSD.Bastouumartigode<br />

opinião a dizer que vai recolher<br />

assinaturas para convocar um congresso<br />

extraordinário. ➥ POLÍTICA - P26 A 27<br />

Galp invest 1.080 milhões<br />

no maior projecto industrial<br />

em Portugal<br />

A Galp Energia vai avançar com o maior<br />

investimento industrial da década em<br />

Portugal. O contrato para o projecto de<br />

reconversão da refinaria de Sines foi assinado,<br />

ontem, pela Galp Energia e pela espanhola<br />

Tecnicas Reunidas. ➥ EMPRESAS - P38 A 39<br />

Adão da Fonseca tenta<br />

convencer Finanças a<br />

alargar solução para o BPP<br />

Uma semana depois da apresentação, por<br />

parte das Finanças, do plano para os clientes<br />

do BPP, a administração de Adão da Fonseca<br />

não se dá por satisfeita. Isto porque o plano<br />

do Governo se dirige apenas à protecção dos<br />

clientes. ➥ DESTAQUE - P44 A 45<br />

Unicer investe em<br />

calendário para seduzir<br />

público jovem<br />

O ciclo da água é o conceito criativo que<br />

serve de base no calendário águas das<br />

pedras 2010, onde é possível ver todo o<br />

percurso deste elemento desde a nascente<br />

até ao momento em que chega à mesa do<br />

consumidor. ➥ DESTAQUE - P54<br />

SOCIEDADE ABERTA<br />

Vital Moreira<br />

Eurodeputado eleito pelo PS<br />

Asfixia financeira<br />

Em muitos países, a crise económica e financeira teve, e<br />

continua a ter, custos elevados para as finanças públicas,<br />

traduzidos em défices orçamentais consideráveis e no<br />

aumento súbito do endividamento público.<br />

Trata-se do resultado conjugado da diminuição substancial<br />

das receitas fiscais do Estado - em consequência<br />

directa da retracção económica - e do aumento das despesas<br />

públicas, em protecção social, em apoios ao emprego e<br />

em investimento público (para atenuar os efeitos da crise).<br />

Em alguns países europeus, como a Irlanda, a<br />

Grécia e a Espanha, o impacto orçamental está a ser<br />

especialmente severo, com drástica redução da<br />

receita, défices das contas públicas acima dos dois<br />

dígitos e dívida pública em escalada para o céu.<br />

Mesmo que não houvesse o Pacto de Estabilidade para<br />

voltar a respeitar – logo que a retoma económica em curso<br />

se consolide -, há desde logo que conter o aumento do<br />

risco do crédito externo e do preço da dívida. Não basta<br />

obviamente esperar pela retoma da actividade económica,<br />

que vai manter-se em ritmo modesto numa primeira fase,<br />

o que não possibilitará uma recuperação financeira rápida.<br />

Voltaram portanto os tempos de austeridade financeira.<br />

Por isso vão ser necessárias medidas de disciplina orçamental<br />

mais ou menos exigentes, especialmente do lado<br />

da despesa. Vários países começaram a subir os impostos<br />

ou a descer a despesa pública, ou ambas as coisas ao<br />

mesmo tempo. A contenção ou redução da despesa vai<br />

incidir necessariamente sobre as remunerações do sector<br />

público, tendo a Irlanda decidido mesmo cortar nos<br />

salários dos funcionários públicos!<br />

Como amostra do que vai suceder<br />

no orçamento para 2010,<br />

não podiam ser piores os augúrios.<br />

EemPortugal?<br />

Apesar de menos grave do que em muitos outros<br />

países, entre nós a crise não deixou de fazer importantes<br />

estragos nas contas púbicas, em especial a diminuição<br />

das receitas tributárias, com efeitos nocivos no<br />

aumentododéficeorçamentaledoendividamento<br />

público. Também virá o momento de contrariar essa<br />

degradação orçamental, que terá de ser feita pela redução<br />

da despesa pública (preferivelmente a despesa<br />

correnteenãoadeinvestimento),jáqueumaumento<br />

dos impostos é politicamente invendável.<br />

Infelizmente, a ter em conta o polémico “orçamento<br />

rectificat1ivo”, o caminho escolhido pela coligação das<br />

oposiçõesaoGovernominoritáriodoPSpareceser<br />

exactamente o contrário, ou seja, diminuir os as receitas<br />

(pagamento especial por conta e código contributivo da<br />

segurança social) e aumentar as despesas (por exemplo,<br />

transferências para a Madeira). Como amostra do que<br />

vai suceder no orçamento para 2010, não podiam ser<br />

piores os augúrios.<br />

É caso para dizer que alguém ensandeceu, politicamente<br />

falando. Mesmo que o alvo seja alegadamente<br />

o Governo, é evidente que o resultado será a asfixia<br />

financeira do país. ■<br />

AFRASE<br />

“Achoqueéumbelíssimo<br />

momento...antes das eleições<br />

directas.”<br />

—Manuela Ferreira Leite, Líder do PSD.<br />

A presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, considerou<br />

ontem como positivo que antes das eleições directas para<br />

a liderança do PSD aconteça um congresso<br />

extraordinário, como pretende Pedro Santana Lopes.<br />

Daniel Proença de Carvalho<br />

Advogado<br />

Por favor entendam-se!<br />

Ninguém responsável ignora que vivemos um<br />

momento particularmente difícil e incerto quanto ao<br />

nosso futuro. Temos uma economia sem o dinamismo<br />

necessário à criação de emprego e geração de<br />

riqueza que sustente o peso do Estado e estanque o<br />

endividamento perante o exterior.<br />

Perante este quadro, os eleitores decidiram criar<br />

uma situação política frágil, com um governo<br />

minoritário e uma oposição que se junta sem coerência<br />

para limitar a acção governativa. Caminhamos<br />

para um beco sem saída.<br />

As guerrinhas do PSD dentro<br />

e fora do Partido começam<br />

a entediar quem deseja<br />

umaalternativaàmedidadasua<br />

história e do seu líder fundador.<br />

Mas o que mais falta nos faz é uma oposição à<br />

direita do PS com um programa e uma agenda alternativos<br />

ao actual Governo. José Sócrates tem um<br />

pensamento político e uma estratégia coerentes<br />

com uma linha ideológica de esquerda moderna:<br />

assume que a saída da crise passa pelo investimento<br />

público, quer preservar os modelos do SNS e da<br />

escola pública, quer uma presença forte do Estado<br />

na regulação de sectores importantes da economia,<br />

é um fervoroso adepto das novas tecnologias como<br />

factor de modernização do país. No plano social,<br />

procura uma abertura controlada a formas de vida<br />

alternativas às estruturas tradicionais familiares.<br />

Podemos concordar, discordar, apoiar ou<br />

combater essas ideias. Eu discordo frontalmente de<br />

algumas delas.<br />

Masquealternativasnooferecemospartidosde<br />

direita?<br />

Até agora oferecem-nos combates pessoais,<br />

onde não raro os pequenos ódios ofuscam uma<br />

visão do futuro.<br />

Os partidos de direita precisam de uma reflexão<br />

ideológica imbuída de pragmatismo. Talvez esteja<br />

mesmochegadaahoradePSDeCDSfazeremessa<br />

reflexão em conjunto. Será que no início da segunda<br />

década do século XXI se justifica a existência<br />

desses dois partidos? Será que os eleitores que se<br />

nãorevêemnaagendadoPSconseguemcompreender<br />

as bizantinas divergências entre as várias<br />

“correntes” do PSD e o CDS?<br />

Não seria altura de construir uma verdadeira<br />

alternativa não socialista nem social-democrata<br />

(oualguémduvidaqueopartidoquerepresentaa<br />

social democracia é o PS!?), com coerência,<br />

dotada de um programa claro e alternativo, com<br />

visão de futuro?<br />

As guerrinhas do PSD dentro e fora do Partido<br />

começam a entediar quem deseja uma alternativa à<br />

medida da sua história e do seu líder fundador. Por<br />

favor entendam-se! ■<br />

O NÚMERO<br />

1.664<br />

Todososdiasentramnos<br />

tribunais mais de 1.664<br />

processos de injunção e as<br />

instituições bancárias estão a<br />

liderar as queixas contra os<br />

seus clientes. A razão já todos<br />

sabemos qual é: falta de<br />

pagamento, ou agora<br />

designado por incumprimento,<br />

devido à crise.


António Ramalho<br />

Gestor<br />

Do empréstimo ao imposto<br />

De repente, como que de forma inesperada, a descoberta de<br />

um deficite de 8% (e não 5,9% como anunciado), um inevitável<br />

orçamento ratificativo a aprovar já sem maioria garantida e<br />

está criada uma nova consciência colectiva “esmiuçando”<br />

a gravidade das finanças públicas, antecipando cenários antes<br />

esquecidos e, até quem sabe, temendo pelo futuro do país.<br />

Não percebo como o deficite de 2009, talvez o mais justificado<br />

dos deficites dos últimos dez anos, foi capaz de criar<br />

tal consciência. De facto, dezenas de comentadores nestas<br />

colunas entre os quais me incluo, e alguns até em livro para<br />

que a memória não apague (Vítor Bento, p.ex.) têm antecipado<br />

com inegável oportunidade, quer a reduzida consolidação<br />

das contas públicas verificada nos últimos anos, quer<br />

o crescente endividamento público e externo, quer, por<br />

último, a clara incapacidade de crescimento da nossa<br />

economia no quadro do seu actual modelo competitivo.<br />

Os nossos problemas económicos não são o resultado de<br />

um ano de crise, infelizmente são o resultado de uma crise<br />

de anos. Anos de investimento público pouco rentável, anos<br />

de endividamento privado demasiado consumido, e tudo<br />

junto, endividamento privado e público pouco orientado<br />

para aumentar drasticamente, como se impunha, o nosso<br />

potencial competitivo.<br />

O resultado é uma dívida pública directa superior a 80%<br />

do PIB. Acrescente-se a divida indirecta de empresas públicas,<br />

sobretudo na área dos transportes e some-se a dívida<br />

diferida de responsabilidades já assumidas nomeadamente<br />

PPP, e tudo ultrapassará certamente os 100% do PIB. Tudo<br />

financiado por empréstimos no exterior que terão que ser<br />

pagos, está bom de ver, quer pela redução da despesa, quer<br />

pelo aumento da receita.<br />

Os nossos problemas económicos<br />

não são o resultado de um ano de crise.<br />

Infelizmente, são o resultado<br />

de uma crise de anos.<br />

Como não parece possível consensualizar a redução da<br />

despesa, como temos uma economia estado-dependente, e<br />

como o exemplo irlandês de cortes nos salários dos funcionários<br />

públicos ainda não parece viável, então todos se irão<br />

virar para a receita.<br />

Equantoàreceita,tambéméfácildever,nãoexistirá<br />

crescimento potencial suficiente do PIB para garantir um<br />

acréscimo da receita entre 3% e 4%, que é quanto pagamos<br />

em juros (vamos, por simplicidade esquecer a amortização<br />

do capital) pelos empréstimos de dimensão idêntica ao PIB<br />

anual.<br />

É, por isso, que a questão do aumento de impostos parece<br />

inevitável. E até já vale a pena dedicar tempo de debate sobre<br />

que tipo de acréscimo na carga fiscal. Sobre os particulares<br />

ou sobre as empresas? Sobre as transacções ou sobre os<br />

rendimentos? Sobre os impostos “gerais” ou sobre impostos<br />

especiais?<br />

Porque lá dizia Eça, que eu já citei aqui, a seguir ao<br />

empréstimo lá virá o imposto. E o país do Fontismo parece<br />

não ter mudado. ■<br />

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EDITORIAL<br />

Queda do ‘rating’ da Grécia<br />

põe Portugal sob pressão<br />

A sensação de que a crise estava debelada e que os próximos<br />

tempos seriam de retoma económica ficaram abaladas pelo corte<br />

no ‘rating’ da Grécia, primeiro da Fitch e depois da Standard &<br />

Poor’s. A dívida pública grega já atinge 113% do Produto Interno<br />

Brutoeodéficeprevistoparaesteanoéde12,7%.Estecasofez<br />

com que todos olhassem de imediato para Portugal. Tal como a<br />

Grécia, também o nosso país corre o risco de estar a entrar num<br />

ciclo de baixo crescimento económico e dívida pública cada vez<br />

mais insustentável. A Moody’s, a outra das três agências de ‘rating’<br />

internacionais de referência, fez mesmo uma alusão conjunta a<br />

Portugal e à Grécia, dizendo que à medida que a dívida se tornar<br />

mais insustentável, os governos podem sentir a tentação de tomar<br />

decisões que sejam prejudiciais aos seus credores. O mais curioso<br />

é que os dois países atravessaram a crise financeira desencadeada<br />

pela falência do Lehman Brothers, a 15 de Setembro de 2008, sem<br />

grandes danos e podem agora vir a enfrentar dificuldades maiores<br />

que os restantes países da Zona Euro. A Moody’s referiu até que,<br />

apesar de o euro ter protegido estes dois países durante a crise de<br />

liquidez, não deverá agora ajudá-los a recuperar e aventou como<br />

credível a hipótese de vir a verificar-se uma lenta degradação da<br />

vitalidade económica com o consequente aumento inexorável da<br />

dívida pública, pressionada por taxas de juro cada vez maiores. O<br />

certo é que os ‘credit default swaps’ de Portugal, instrumentos que<br />

protegem os compradores dos títulos da República de eventuais<br />

incumprimentos, têm subido muito, tornando cada vez mais caro o<br />

dinheiro que o país pede emprestado ao estrangeiro. Afinal, os<br />

bancos nacionais estavam mais bem preparados para a crise que<br />

lhes bateu à porta que o país para a recuperação económica que<br />

agora se impunha. As agências de ‘rating’ têm Portugal sob<br />

observação negativa e estão à espera do Orçamento do Estado de<br />

2010 para saber se existem ou não sinais que permitam pensar<br />

que o Governo está preocupado e vai tomar as medidas<br />

necessárias para corrigir a trajectória descendente da economia<br />

do país. É caso para dizer que Portugal está à beira do abismo,<br />

mas ainda a tempo para tomar as medidas que os economistas e<br />

as agências de ‘rating’ recomendam e, com elas, recuperar<br />

a credibilidade internacional e baixar o défice.<br />

Causas... de Marrocos<br />

O Parlamento português aprovou, no dia 27 de Novembro, com as<br />

abstenções dos grupos parlamentares do PS, PSD e CDS-PP, um<br />

voto proposto pelo PCP de solidariedade para com a activista<br />

sarauí Aminatu Haidar, que se encontrava em greve de fome em<br />

Lanzarote, nas ilhas Canárias. O texto aprovado pela Assembleia<br />

da República explicitava que os representantes do povo português<br />

pugnavam “pelo cumprimento dos direitos humanos e das<br />

resoluções aprovadas pelas Nações Unidas”. Tal acto levou o<br />

governo de Marrocos a manifestar o seu “espanto” e “decepção”<br />

pela “moção inamistosa” aprovada pelo Parlamento português.<br />

Com efeito, ao tomar posição sobre este caso, a Assembleia da<br />

República intrometeu-se da pior forma num assunto interno de um<br />

EstadosoberanocomoqualPortugaltemumlongohistorialde<br />

relações amistosas e onde muitas empresas e profissionais<br />

nacionais exercem a sua actividade, dando corpo à intenção<br />

expressa de internacionalizar a economia portuguesa. Ao<br />

dispensar a diplomacia eahostilizar o país cuja capital é a mais<br />

próxima, em linha recta, de Lisboa, os parlamentares portugueses<br />

podem ter levantado barreiras ao estreitamento de relações<br />

económicas. O problema da activista sarauí está resolvido e<br />

ninguém mais, a não ser o governo de Marrocos, se vai lembrar<br />

do voto de solidariedade do Parlamento português e,<br />

especialmente, das palavras usadas. Em matéria de relações<br />

internacionais, há que saber medir as consequências da defesa<br />

de causas, muito nobres, e as suas repercussões na actividade<br />

económica do país e das empresas.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 5<br />

Amelhor<br />

notícia<br />

da semana<br />

ANTÓNIO COSTA<br />

Director<br />

Tomás Correia venceu as<br />

eleições para a presidência<br />

do Montepio Geral com<br />

uma votação expressiva, de<br />

quase 70%, recebendo, assim,<br />

o voto de confiança<br />

dos mutualistas para continuar<br />

o projecto por si desenvolvido<br />

desde Março de<br />

2008. Porque é que esta é a<br />

melhor notícia da semana?<br />

Por várias razões, uma das<br />

quais, talvez mesmo a mais<br />

importante, porque existe a<br />

ideia de que em Portugal<br />

não há convicção nos projectos<br />

de longo prazo. Mas<br />

existe.<br />

Os mutualista do Montepio<br />

não se deixaram ‘seduzir’<br />

pelo discurso negativo<br />

de Alberto Regueira e deram<br />

a oportunidade a Tomás<br />

Correia para mostrar resultados<br />

de um plano agressivo<br />

de crescimento. Que, digase,<br />

tem tido sucesso.<br />

Se há um problema persistente<br />

na cultura portuguesa,<br />

especialmente na<br />

empresarial, é o de impaciência<br />

e ausência de definição<br />

de metas e objectivos<br />

de médio e longo prazo.<br />

Ora, neste caso, o caminho<br />

foi o oposto.<br />

Há outro motivo para escolher<br />

esta notícia: o mutualismo<br />

é cada vez mais<br />

relevante na sociedade, mas<br />

só será viável se as respectivas<br />

associações mutualistas<br />

gerarem receitas e resultados.<br />

E isso obriga a olhar<br />

para o mutalismo com um<br />

novo olhar, mais perto do<br />

mercadoesemmedoda<br />

concorrência da banca ‘tradicional’.<br />

É esta a aposta do<br />

Montepio quando não rejeita<br />

crescer e olha para as<br />

oportunidades, poucas, que<br />

o mercado vai gerando. ■


6 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

OPINIÃO<br />

O Reino Unido tem<br />

de decidir como vai<br />

partilhar as perdas<br />

MARTIN WOLF<br />

Colunista do Financial<br />

Times<br />

O Reino Unido é mais pobre do que se pensava.<br />

Eis o aspecto mais relevante desta crise. A batalha<br />

em torno da distribuição das perdas será<br />

brutal. E sê-lo-á ainda mais devido ao segundo<br />

aspecto mais relevante desta crise, isto é, aos<br />

seus efeitos devastadores nas finanças públicas.<br />

Os défices não têm paralelo com quaisquer<br />

outrosemperíodosdepaz.<br />

Felizmente, as eleições gerais afiguram-se<br />

uma excelente oportunidade para o debate.<br />

Deve o país centrar-se nesse debate? Sim. Mas<br />

será esse o debate que vamos ter? Não. O que o<br />

governo fará se for reeleito permanece, mesmo<br />

depois do relatório de pré-Orçamento,<br />

“um mistério dentro de um enigma”, parafraseando<br />

a expressão usada por Winston Churchill<br />

para definir a Rússia de Estaline.<br />

Segundo as previsões actuais do Tesouro<br />

britânico, a economia deverá regressar aos níveis<br />

de actividade de 2008 em 2012. Entretanto,<br />

ter-se-ão perdido quatro anos de crescimento<br />

económico. No relatório de pré-Orçamento<br />

apresentado na semana passada, as<br />

previsões do Tesouro apontavam para um<br />

crescimentode1,25%paraopróximoano,de<br />

3,5% para 2011 e 2012, e de 3,25% para 2013 e<br />

2014. Vamos supor que, daí em diante, o crescimento<br />

se mantinha em 3,25% ao ano. Só em<br />

2031 é que a economia voltaria a ser tão robusta<br />

como teria sido se a tendência registada<br />

entre 1998 e 2007 se tivesse mantido. Nesse<br />

caso, a perda cumulativa do produto rondaria<br />

os 160% do Produto Interno Bruto (PIB) de<br />

2007. Se o crescimento posterior a 2014 mantivesse<br />

a tendência anterior a 2008, a queda<br />

no PIB seria equivalente, em 2030, a quase<br />

trêsvezesoPIBde2007.Noentanto,éfácil<br />

ima<strong>gina</strong>r cenários ainda mais dramáticos.<br />

Estas perdas no produto tiveram um impacto<br />

profundo nas finanças públicas. Com efeito,<br />

a deterioração orçamental no Reino Unido tem<br />

sido substancialmente maior do que a registada<br />

em qualquer outro membro do G7. A explicação<br />

que mais se aproxima da realidadeéaforte<br />

quebra nas receitas do governo. Entre o Orçamento<br />

de 2008 e o relatório de pré-Orçamento<br />

de 2009, as previsões para o total da despesa<br />

deste ano fiscal aumentaram apenas 4,4%, enquanto<br />

que as previsões para o PIB nominal<br />

apresentam uma descida de 9,1%. No entanto,<br />

as previsões relativas à receita caíram 18,1%.<br />

Apesar de tudo, a recessão britânica não<br />

tem sido mais grave do que a dos outros países<br />

com elevado rendimento. O ministro das Finanças<br />

britânico, Alastair Darling, sublinhou<br />

no seu discurso sobre o relatório de pré-Orçamento<br />

que, até ao final do terceiro trimestre de<br />

2009, a contracção cumulativa nesta recessão<br />

foi de 3,2% nos EUA, 5,6% na Alemanha, 5,9%<br />

em Itália, 7,7% no Japão e de apenas 4,75% no<br />

Reino Unido. A causa desta descida pouco<br />

alarmante no produto, tendo em conta os padrões<br />

desta “Grande Recessão”, tem tido um<br />

impacto particularmente grande nas receitas<br />

porque, no Reino Unido, o sector financeiro<br />

desempenhou um papel importante no apoio<br />

às despesas dos consumidores, à compra e<br />

venda de habitação e aos lucros empresariais.<br />

Mais de um quarto dos impostos aplicados às<br />

empresas proveio exclusivamente do sector financeiro.<br />

As receitas dos impostos sobre as<br />

empresas caíram 26% entre os 12 meses até<br />

Outubrode2008eos12mesesatéOutubrode<br />

2009, ao passo que as receitas do IVA desceram<br />

17% no mesmo período. O efeito geral da<br />

recessão resulta, em grande parte, da vulnerabilidade<br />

da economia do Reino Unido à rotura<br />

no crédito e ao colapso nos lucros das empresas<br />

financeiras.<br />

Que implicações terá tudo isto para o futuro<br />

do Reino Unido? Um dos raciocínios possíveis<br />

passa por recordar que o Reino Unido<br />

teve não só uma crise financeira – cujo impacto<br />

no produto e nas finanças públicas foi,<br />

previsivelmente, severo –, como manteve<br />

uma economia “monocultura”, cabendo à finança<br />

o papel de “cultura”.<br />

Os países que dependem fortemente do<br />

produto e das exportações de matérias-primas,<br />

cujos mercados são voláteis, estão particularmente<br />

familiarizados com os ciclos que<br />

estes podem ori<strong>gina</strong>r. Nos períodos de crescimento,<br />

as receitas das exportações e as receitas<br />

públicas sofrem oscilações, a taxa de câmbio<br />

real valoriza e os produtores mar<strong>gina</strong>is de<br />

bens e serviços transaccionáveis são, regra geral,<br />

afastados – destino que passou a ser conhecido<br />

por “doença holandesa”, referindose<br />

a situações como a que viveu a Holanda, em<br />

que a descoberta de um recurso natural valioso,<br />

o gás natural, e a sua exportação resultaram<br />

na valorização da moeda e na queda dos<br />

restantes sectores de actividade por perderem<br />

competitividade no exterior.<br />

É frequente o Estadoeosectorprivadocontraíremcréditoselevadosnestesperíodosde<br />

bonança. Depois vem o embate: as exportações<br />

e as receitas públicas caem a pique, os défices<br />

orçamentais disparam e a taxa de câmbio<br />

desce sendo que, em muitos casos, são acompanhados<br />

pela subida da inflação e pelo risco<br />

de incumprimento do governo.<br />

O maior erro que se pode cometer em macroeconomia<br />

é confundir o ciclo com a tendência.<br />

Nas economias “monocultura”, o perigo<br />

é ainda maior porque os ciclos podem ser<br />

particularmente longos. Retrospectivamente<br />

falando, foi este o erro do Reino Unido. Foi assim<br />

que o Tesouro proclamou que o produto<br />

caíra subitamente 5% durante a crise. Ora, isto<br />

é absurdo, conforme sublinhou Robert Chote,<br />

director do Institute for Fiscal Studies. O que<br />

antes o Tesouro considerava um produto sustentável<br />

era, ao invés, o resultado do alastramento<br />

da bolha no sector financeiro “monocultura”<br />

- directa e indirectamente–àeconomia<br />

e às finanças públicas.<br />

“<br />

Segundo<br />

as previsões<br />

actuais do Tesouro<br />

britânico, a<br />

economia deverá<br />

regressar aos níveis<br />

de actividade<br />

de 2008 em 2012.<br />

Entretanto,<br />

ter-se-ão perdido<br />

quatro anos<br />

de crescimento<br />

económico.<br />

O Reino Unido teve<br />

nãosóumacrise<br />

financeira – cujo<br />

impacto no produto<br />

e nas finanças<br />

públicas foi,<br />

previsivelmente,<br />

severo –, como<br />

manteve uma<br />

economia<br />

“monocultura”,<br />

cabendo à finança o<br />

papel de “cultura”.<br />

Se esta perspectiva estiver correcta, as implicações<br />

serão três e dolorosas. Primeiro, significa<br />

que, durante o mandato de Gordon<br />

Brown como ministro das Finanças, a política<br />

orçamental foi mais branda do que dura. Segundo,éprovávelquenoReinoUnidoseregistenão<br />

só uma perda permanente no produto, como<br />

uma descida permanente na tendência do crescimento<br />

económico. Terceiro, não será possível<br />

evitar uma forte contracção orçamental.<br />

Actualmente, o governo pondera uma contracção<br />

na estrutura orçamental na ordem dos<br />

5,4% do PIB para os próximos dois mandatos<br />

do Parlamento, embora não tenha especificado<br />

como. Espera obter um terço dessa contracção<br />

aumentando os impostos e dois terços


“<br />

O que antes o Tesouro<br />

considerava um<br />

produto sustentável<br />

era, ao invés,<br />

o resultado<br />

do alastramento<br />

da bolha no sector<br />

financeiro<br />

“monocultura”.<br />

mediante cortes na despesa. Para tornar esta política<br />

credível, o governo britânico está também a estudar<br />

um plano de consolidação orçamental que<br />

possa – ainda que de uma forma incompreensível –<br />

ser legalmente vinculativo. Pergunto-me se equaciona<br />

a possibilidade de encarcerar o ministro das<br />

Finanças em caso de incumprimento? O problema<br />

destes planos é que, além de serem pouco críveis,<br />

visam uma contracção que ficaria, muito provavelmente,<br />

aquém do necessário e manteria a dívida líquida<br />

do sector privado demasiado elevada (perto<br />

de 60% do PIB) para dar alguma margem de conforto,<br />

dada a probabilidade de ocorrerem novos<br />

choques adversos. Não obstante, os cortes na despesa<br />

são superiores aos levados a cabo em situações<br />

semelhantes no pós-guerra.<br />

Londres está a estudar um plano de<br />

consolidação orçamental que possa ser<br />

legalmente vinculativo. Será que o<br />

ministro das Finanças, agora na pessoa<br />

de Alistair Darling, pode ser encarcerado<br />

em caso de incumprimento?<br />

Embora o ministro das finanças britânico tenha<br />

apresentado valores gerais, inibiu-se de explorar todas<br />

as implicações, bem como a natureza das decisões<br />

que o país terá de tomar. É precisamente este o<br />

debate que o Reino Unido precisa de levar a cabo,<br />

sendo que deve começar pela seguinte constatação:<br />

o país é mais pobre do que se pensava. Como poderemos<br />

partilhar estas perdas de forma a minimizar<br />

os danos infligidas às pessoas mais vulneráveis no<br />

presente e às perspectivas económicas do país no<br />

futuro? São estas as grandes questões que se colocam<br />

à política britânica e às quais os políticos sérios<br />

não devem furtar-se. ■<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Ana Pina<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 7<br />

Luke MacGregor/Reuters<br />

CRESCIMENTO DO PIB<br />

Milhares de milhões de libras,<br />

preços de 2005.<br />

2600<br />

2400<br />

2200<br />

2000<br />

1800<br />

1600<br />

1400<br />

1200<br />

Previsões do Tesouro até 2014<br />

e posterior crescimento a 3,25%<br />

Previsões do Tesouro até 2014<br />

e posterior crescimento<br />

reflectindo a tendência<br />

entre 1998 e 2007<br />

Actual<br />

PIB sem interrupção<br />

da tendência entre<br />

1998 e 2007<br />

1000<br />

2000 2010 2020 2030<br />

Fonte: FT, IFS<br />

FINANÇAS PÚBLICAS DO G7<br />

Balanço geral do governo (%<br />

do PIB).<br />

Itália<br />

Alemanha<br />

França<br />

Canadá<br />

EUA<br />

Japão<br />

Reino<br />

Unido<br />

Fonte: FT, IFS<br />

Outono,<br />

2007-2010 2010*<br />

-4,1<br />

-4,2<br />

-4,4<br />

-5,7<br />

-7,1<br />

-7,7<br />

-10,6<br />

2007<br />

PREVISÕES DO TESOURO<br />

Para o ano fiscal de 2009-2010<br />

(milhares de milhões de libras).<br />

1600<br />

1500<br />

1400<br />

700<br />

600<br />

500<br />

PIB nominal<br />

Despesa total<br />

200<br />

Receitas correntes<br />

100<br />

Valor líquido dos<br />

0<br />

empréstimos do sector público<br />

2008 2008 2009 2009<br />

Orçamento Relatório Orçamento Relatório<br />

de pré-Orçamento<br />

de pré-Orçamento<br />

Fonte: FT, IFS<br />

(RPO)<br />

(RPO)<br />

CONTRACÇÃO ORÇAMENTAL<br />

% do rendimento nacional.<br />

6<br />

4<br />

2<br />

0<br />

Impostos desconhecidos ou despesas correntes<br />

Mudanças no investimento<br />

Mudanças nas despesas correntes<br />

Mudanças nos impostos<br />

-2<br />

2008 09<br />

09 10<br />

10<br />

11<br />

11<br />

12<br />

12<br />

13<br />

13<br />

14<br />

14<br />

15<br />

15<br />

16<br />

16<br />

17<br />

17<br />

18<br />

Anos Fiscais<br />

Fonte: Financial Times, IFS


8 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

Brasileiros têm<br />

apoio do Governo<br />

na OPA à Cimpor<br />

Operação-relâmpago do grupo brasileiro apanhou de supresa<br />

principais accionistas da cimenteira, como a Teixeira Duarte.<br />

Maria Teixeira Alves<br />

e Nuno Miguel Silva<br />

maria.alves@economico.pt<br />

O grupo brasileiro CSN – Companhia<br />

Siderúrgica Nacional garantiu<br />

ao <strong>Económico</strong> que avançou<br />

para a OPA – Oferta Pública<br />

de Aquisição, ontem anunciada à<br />

totalidade do capital da Cimpor,<br />

com o apoio do Governo português,<br />

designadamente do primeiro-ministro<br />

José Sócrates.<br />

Em entrevista ontem concedida<br />

ao Diário <strong>Económico</strong>, Juarez Saliba<br />

de Avelar, director-geral da<br />

CSN, garantiu que “ontem<br />

[quinta-feira] o nosso presidente<br />

[Benjamin Steinbruch] tentou<br />

falar com o primeiro-ministro,<br />

não conseguimos, mas sabemos<br />

quechegouamensagemdeque<br />

estaríamos a fazer uma coisa”.<br />

“Infelizmente, não deu para<br />

falar antes, mas vamo-nos mover<br />

para fazer esses contactos e<br />

temos todo o apoio do Governo<br />

português”, confirmou Juarez<br />

Saliba de Avelar ao Diário <strong>Económico</strong>.<br />

A decisão da CSN de avançar<br />

para esta OPA apanhou meio<br />

mundo de surpresa, em particular<br />

os accionistas de referência da<br />

cimenteira nacional, que não foram<br />

previamente notificados da<br />

operação. Contactada, fonte oficial<br />

do Ministério das Finanças<br />

(que tutela a Caixa Geral de Depósitos,aqualdetémcercade<br />

10% da Cimpor, que se comprometeu<br />

a revender a Manuel Fino)<br />

disse que a OPA é “uma operação<br />

de mercado que não temos de<br />

comentar, acrescentando que<br />

“sendo uma oferta de aquisição,<br />

cabe aos accionista decidir”. “No<br />

casodaCGD,amatériaédaexclusiva<br />

competência do seu conselho<br />

de administração”, sublinhou<br />

a mesma fonte.<br />

A principal accionista, a<br />

construtora Teixeira Duarte,<br />

com cerca de 23% do respectivo<br />

capital, teve o conselho de administração<br />

em reunião durante<br />

praticamente todo o dia de ontem,<br />

mas não foi possível obter<br />

comentários de qualquer responsável.<br />

(ver pág. 10)<br />

Contactada fonte oficial da<br />

Lafarge, maior grupo cimenteiro<br />

mundial e segundo maior accionista<br />

da Cimpor, disse “que sou-<br />

PRÓS E CONTRAS<br />

+<br />

A CSN é uma empresa de grande<br />

dimensão e forte tradição<br />

industrial. Irá reforçar a posição<br />

da Cimpor no Brasil se operar<br />

também os activos da CSN,<br />

porque é a empresa portuguesa<br />

que detém o ‘know-how’ há<br />

várias décadas.<br />

A CSN poderá acalmar o clima de<br />

conflito internos dos últimos<br />

meses e reforçar a capacidade de<br />

investimento da Cimpor em<br />

novos mercados internacionais.<br />

-<br />

A CSN tem passado algumas<br />

dificuldades financeiras e não<br />

tem‘knowhow’nosector<br />

cimenteiro.<br />

Não existem sinergias<br />

assinaláveis entre o sector<br />

siderúrgico e o mineiro, onde a<br />

CSN actua, e o sector cimenteiro<br />

Lula da Silva<br />

Presidente<br />

brasileiro<br />

“Portugal tem muito mais a ganhar<br />

com o actual momento do<br />

Brasil, e as empresas portuguesas<br />

que incluíram o nosso país no<br />

seu roteiro de internacionalização<br />

já beneficiam da vitalidade<br />

da economia brasileira. Os ganhos<br />

de escala possibilitados<br />

pelo dinamismo do mercado interno<br />

são um elemento que nenhuma<br />

empresa pode desprezar,<br />

e isso muitos investidores portugueses<br />

souberam perceber<br />

muito bem”.<br />

bemos da OPA da CSN esta manhã”,<br />

confirmando que não teve<br />

conhecimento prévio da operação,<br />

mas escusando-se a efectuar<br />

mais comentários sobre o<br />

assunto.<br />

Também a Investifino, outro<br />

accionista de referência da Cimpor,<br />

com 10%, esteve em conselho<br />

de administração durante<br />

grande parte do dia, tendo sido<br />

impossível obter uma reacção da<br />

Investifino.<br />

José Maria Ricciardi, presidente<br />

do BESI – Banco Espírito<br />

Santo de Investimento, que<br />

montou a operação de aquisição<br />

para a CSN, diz que “o interesse<br />

de um dos maiores produtores de<br />

aço do mundo em investir mais<br />

de 4 mil milhões de euros numa<br />

empresa portuguesa é uma boa<br />

notícia para Portugal”.<br />

O BES Investimento montou<br />

uma operação-relâmpago, que<br />

apanhou de surpresa o maior accionista<br />

a Teixeira Duarte. Na assessoria<br />

jurídica está Diogo Leónidas<br />

Rocha, em nome do BESI, e<br />

o escritório Morais Leitão por<br />

contadaCSN.<br />

O BES acabou por ser contratado<br />

para montar a OPA que ontem<br />

a empresa brasileira, que já<br />

detém em Portugal a Lusosider,<br />

lançou sobre a Cimpor a 5,75 euros<br />

por acção.<br />

O preço é considerado baixo<br />

tendo em conta a cotação de fechodacimenteiranasessãode<br />

quinta-feira (5,4 euros por acção).<br />

Mas fontes da banca de<br />

investimento garantem que este<br />

preço representa quase 10 vezes<br />

o EBITDA da cimenteira. Os<br />

analistas são unânimes em<br />

considerar a oferta atractiva,<br />

tendo em conta os fundamentais<br />

da empresa. (ver pág.12)<br />

A oferta apanhou de surpresa o<br />

mercado, apesar de na quinta-feira<br />

já existirem rumores de que tal<br />

operação estava a ser preparada.<br />

Por sua vez, a CGD já manifestou<br />

que não tem interesse<br />

em vender a sua participação<br />

na Cimpor. Uma posição reforçada<br />

pelo presidente da Caixa,<br />

Faria de Oliveira, que já revelou<br />

que tem por política defender<br />

os centros de decisão nacional,<br />

a propósito da OPA da<br />

CSN sobre a Cimpor. ■ Com<br />

B.P., E.M., F.A. e P.C.<br />

Os responsáveis da CSN<br />

estiveram ontem em Lisboa<br />

para explicar a operação.<br />

ENTREVISTA JUAREZ SALIBA DE AVELAR director-geral da<br />

“Temos todo o apoio<br />

O director-geral da diz que<br />

Sócrates já fez à CSN vários<br />

apelos para investir em Portugal.<br />

Bruno Proença<br />

e Pedro Sousa Carvalho<br />

pedro.carvalho@economico.pt<br />

Juarez Saliba de Avelar explica o<br />

racional da OPA e não descarta<br />

rever o preço em alta.<br />

Os analistas estão a dizer que o<br />

preço da OPA é muito baixo.<br />

Estamos a trabalhar há dois meses<br />

na avaliação da empresa para fazer<br />

uma oferta e não gostamos de<br />

colocar uma oferta que seja encarada<br />

como ofensiva. Gostamos de<br />

ter uma oferta justa. Não queremos<br />

explorar ninguém. E não somos<br />

estranhos no sector. Temos<br />

actividade e pessoas que conhecem<br />

o sector. Temos acompanhado<br />

o que se tem passado na Cim-<br />

por, de algum tipo de problemas<br />

entre accionistas.<br />

Acha que os accionistas querem<br />

vender a esse preço?<br />

Uma das grandes dificuldades que<br />

vimos no grupo de accionistas<br />

que gostariam de sair da empresa<br />

foi a questão da liquidez das acções<br />

da Cimpor, que é muito baixa.<br />

Alguns accionistas que pretendiam<br />

sair ficavam com problemas<br />

de sair, porque não tinham<br />

essa porta de saída.<br />

Fechaasportasaumarevisãoem<br />

alta do preço da OPA?<br />

A resposta é não. Mas estamos no<br />

mercado e não sabemos o que irá<br />

acontecer. Pode haver uma melhoria<br />

de preço. O importante<br />

nisto tudo é que estamos dispostos<br />

a comprar 100% da empresa e<br />

estamos preparados financeiramente<br />

para fazer isso. Só de caixa<br />

temos cinco mil dólares de liquidez<br />

na empresa.


PONTOS-CHAVE<br />

Companhia Siderúrgica Nacional<br />

O grupo brasileiro CSN<br />

garantiu ao <strong>Económico</strong> que<br />

avançou para a OPA ontem<br />

anunciada à totalidade do capital<br />

da Cimpor, com o apoio do<br />

Governo português.<br />

do Governo português”<br />

A guerra na Cimpor facilitou a<br />

operação?<br />

Como disse a decisão de fazer a<br />

operação foi estratégica. A questão<br />

dos accionistas não faz parte<br />

da nossa oferta. Se há conflito,<br />

então nós passamos a ser um facilitador<br />

para a saída daqueles que<br />

querem sair. E é dessa forma que<br />

nós nos estamos colocando nessa<br />

operação. Acho que para aqueles<br />

que querem sair tenho a certeza<br />

queestãoaacharopreçoóptimo.<br />

Comunicaram previamente aos<br />

accionistas a operação?<br />

Nós não tivemos a oportunidade<br />

de fazer uma comunicação adequada<br />

como gostaríamos, tanto<br />

para o Governo como para os administradores<br />

da empresa e os accionistas,<br />

justamente por causa<br />

da correria que foi ontem à noite e<br />

dos boatos que começaram a surgir.<br />

Ontem o nosso presidente<br />

tentou falar com o primeiro-mi-<br />

“ O primeiro-ministro<br />

José Sócrates todas as<br />

vezesquevaiaoBrasil<br />

conversar com o<br />

Presidente Lula, pega<br />

no telefone e fala com<br />

o Benjamim, o nosso<br />

‘chairman’.<br />

O mercado aposta numa<br />

subida do preço da oferta da<br />

CSN e sugere ‘price targets’ mais<br />

elevados. Os títulos da cimenteira<br />

viveram a melhor sessão de<br />

sempre. Dispararam 16%.<br />

nistro, não conseguiu. Mas sabemos<br />

que chegou a mensagem,<br />

mas infelizmente não deu para falar<br />

antes, mas vamos mover para<br />

fazeressescontactosetemostodo<br />

o apoio do Governo português.<br />

Sabe que a compra pode levantar<br />

problemas políticos?<br />

Fico muito desconfortável a falar<br />

sobre isso. Mas aqui em Portugal<br />

nós nos sentimos como locais.<br />

Sentimos confortáveis de<br />

estar aqui, gostamos do povo,<br />

gostamos da cultura. Nós queremos<br />

estar aqui como portugueses.<br />

Segunda coisa, nós talvez<br />

sejamos a única empresa<br />

que olharia para a Cimpor e que<br />

não vai ter nenhum problema<br />

de concorrência.<br />

Contactaram Lula ou Sócrates?<br />

O nosso Presidente tem diversos<br />

amigos em Portugal e ele vem<br />

sempre aqui, passa férias. Ele é<br />

uma pessoa com bons relaciona-<br />

Conheça a CSN e os seus<br />

interesses em Portugal. E<br />

saiba quais as razões por trás do<br />

interesse da cimenteira<br />

brasileira: a forte implementação<br />

internacional da Cimpor.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 9<br />

Paula Nunes<br />

mentos aqui, não só empresariais,<br />

mas pessoais e também com o<br />

Governo. O primeiro-ministro<br />

José Sócrates todas as vezes que<br />

vaiaoBrasilconversarcomoPresidente<br />

Lula, pega no telefone e<br />

fala com o Benjamim, o nosso<br />

‘chairman’ e pergunta: quando é<br />

que você vai botar dinheiro no<br />

nosso país? E a resposta sempre<br />

foi: estamos olhando, temos interesse,<br />

gostamos do país e vamos<br />

fazer alguma coisa. E agora essa é<br />

a resposta. E isso não foi uma ou<br />

duas vezes, foram várias vezes.<br />

Acha que a OPA será bem vista<br />

pelas autoridades?<br />

Como já disse, o vosso primeiroministro,<br />

José Sócrates já falou<br />

com o nosso presidente convidando-o<br />

para vir aqui por diversas<br />

vezes. Nós não somos especuladores<br />

financeiros, nós somos<br />

investidores industriais de<br />

longo prazo.■<br />

Camargo<br />

Corrêa e<br />

Votorantim<br />

na corrida<br />

Os grupos brasileiros continuam a<br />

seguir as movimentações<br />

na Cimpor com muita atenção.<br />

Pedro Latoeiro, Hugo Real<br />

e Nuno Miguel Silva<br />

pedro.latoeiro@economico.pt<br />

Chegou já ao final do dia de ontem,<br />

em Lisboa, a primeira resposta<br />

à OPA surpresa lançada pelos<br />

brasileiros da CSN sobre a<br />

Cimpor. Depois de todos os rumores<br />

que circularam nos mercados,<br />

a Camargo Corrêa foi a primeira<br />

a posicionar-se e dissipou<br />

algumas dúvidas ao garantir que o<br />

seu interesse na Cimpor mantém-se<br />

intacto, apesar da OPA.<br />

Numa nota enviada à imprensa<br />

brasileira, a Camargo Corrêa diz<br />

mesmo que “conversou com vários<br />

accionistas da Cimpor para<br />

demonstrar o seu interesse, em<br />

particular com os accionistas<br />

portugueses”, que são a Teixeira<br />

Duarte, com mais de 22% do capital,oempresárioManuelFinoe<br />

os bancos CGD e BCP.<br />

Também a Votorantim, outro<br />

grupo cimenteiro brasileiro, está a<br />

seguir o ‘dossier’. Contactada pelo<br />

<strong>Económico</strong>, fonte oficial da empresa<br />

disse: “Estamos a acompanhar<br />

a história”. Sem comentar o<br />

lançamento de uma operação de<br />

compra, a mesma fonte, não afastou,<br />

contudo essa hipótese.<br />

Quanto à Camargo Corrêa deixaclaroqueaofertadaCSNnão<br />

altera em quase nada os seus planos<br />

na Cimpor, “uma referência”<br />

no mercado português e no sector<br />

mundial. “Apesar da oferta pública<br />

de compra feita hoje [ontem], a<br />

Camargo segue firme na sua disposição<br />

de buscar, com os accionistas<br />

da Cimpor, uma equação<br />

que contemple os interesses dos<br />

accionistas da empresa”.<br />

Foiestaareacçãodogrupo<br />

brasileiro à OPA sem aviso da CSN<br />

sobre a totalidade do capital da<br />

Cimpor.Opreçoéde5,75euros<br />

por título, mas a subida de ontem<br />

de 16% das acções da Cimpor<br />

para 6,34 euros são um reflexo de<br />

que o mercado espera uma de<br />

duas coisas: uma OPA concorrente<br />

ou uma revisão em alta do preço<br />

proposto pela CSN, considerado<br />

baixo por alguns analistas.<br />

O interesse da Camargo Corrêa<br />

– tem uma aliança com a Brisa, e<br />

são ambos os grupos accionistas<br />

de referência da Companhia de<br />

Concessões Rodoviárias – e da<br />

Votorantim na Cimpor não é<br />

novo. O grupo estava a estudar o<br />

crescimento em Portugal, e na<br />

Cimpor em particular, estando<br />

um banco de investimento a sondar<br />

os principais accionistas para<br />

perceber a sua disponibilidade<br />

para venderem acções. ■


10 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

Administração da<br />

Cimpor considera<br />

OPA não amigável<br />

Para os próximos dias espera-se o clarificar de<br />

posições dos diversos accionistas de referência.<br />

Maria Teixeira Alves<br />

e Nuno Miguel Silva<br />

nuno.silva@economico.pt<br />

A OPA que o grupo brasileiro<br />

CSN lançou de surpresa a 100%<br />

do capital da Cimpor é entendido<br />

pela administração da cimenteira<br />

como não amigável. O<br />

<strong>Económico</strong> apurou que foi essa a<br />

principal conclusão retirada do<br />

conselho de administração extraordinário<br />

que teve lugar durante<br />

quase todo o dia de ontem,<br />

na sequência da OPA anunciada<br />

pelo grupo brasileiro CSN.<br />

Para os próximos dias, espera-se<br />

o clarificar de posições de<br />

diversos accionistas de referência<br />

da Cimpor - que tem o acompanhamento<br />

jurídico garantido<br />

pela PLMJ, garantiu ao <strong>Económico</strong><br />

Pedro Melo, sócio da PLMJ.<br />

Estas posições são fundamentais<br />

para decidir o futuro desta OPA,<br />

assim como para saber se haverá<br />

a intenção de lançar uma ou mais<br />

OPA concorrentes. Na prática,<br />

será o continuar de uma contagem<br />

de espingardas que se vem<br />

acentuando na empresa nas últimas<br />

semanas, agora com o aliciante<br />

das mais-valias que se poderão<br />

encaixar em bolsa e com a<br />

participação de um grupo muito<br />

mais alargado de interveniente,<br />

numa guerra que alastra a vários<br />

continentes.<br />

A proposta inicial da Camargo<br />

Corrêa propunha uma incorporação<br />

da Cimpor na empresa<br />

brasileira. Mas a fusão implicava<br />

a diluição dos actuais accionistas<br />

da cimenteira portuguesa. A<br />

outra proposta, da Votorantim,<br />

propunha entregar à Cimpor a<br />

fábrica de cimentos do Brasil em<br />

troca de uma participação ac-<br />

A Cimpor tem estado<br />

envolvida nas últimas<br />

semanas num contar<br />

de espingardas.<br />

As mais-valias que os<br />

diferentes accionistas<br />

podem encaixar<br />

são um importante<br />

aliciante.<br />

cionista da cimenteira em Portugal.<br />

Todas estas propostas foram<br />

rejeitadas por se considerar<br />

que não traziam mais-valias<br />

para os accionistas da Cimpor,<br />

nem traziam a estabilidade accionista<br />

necessária à gestão.<br />

Além destes dois grupos brasileiros,<br />

diversos rumores têm<br />

dado como provável o surgimento<br />

de OPA concorrentes por<br />

parte dos principais grupos do<br />

sector, com especial destaquepara<br />

os suíços da Holcim e para<br />

os mexicanos da Cemex, respectivamente,<br />

segundo terceiro<br />

maior produtores mundiais de<br />

cimentos.<br />

A nível interno, também já<br />

foi referido o interesse na Cimpor<br />

por parte da Cimentos Liz,<br />

cimenteira brasileira de Luís<br />

Champalimaud. O Diário <strong>Económico</strong><br />

tentou contactar<br />

Champalimaud, sem sucesso.<br />

Também Pedro Queiroz Pereira,<br />

dono da Secil, segunda cimenteira<br />

nacional e grande perdedora<br />

da guerra pela última fase<br />

de privatização da Cimpor, é<br />

dado como um forte candidato,<br />

mas não quis comentar o assunto<br />

para o Diário <strong>Económico</strong>.<br />

A possibilidade de a Lafarge –<br />

maior grupo mundial do sector<br />

e segundo accionista da Cimpor<br />

– lançar uma OPA concorrente<br />

é, na perspectiva dos analistas,<br />

baixa. O analista do Barclays<br />

Capital referia na sua nota de<br />

análise à OPA que há um baixo<br />

risco da Lafarge lançar uma OPA<br />

concorrente”, uma vez que a<br />

Cimpor consta dos activos disponíveis<br />

para venda nas contas<br />

da Lafarge. “A Lafarge está actualmente<br />

comprometida na<br />

desalavancagem e iria colocar<br />

em risco os seus ‘ratings’ caso<br />

avançasse com uma oferta concorrente,<br />

a não ser que a mesma<br />

fosse altamente financiada em<br />

acções”, destacou o analista.<br />

Outro protagonista de peso<br />

nesta batalha que se ameaça<br />

prolongar por grande parte de<br />

2010 é Luís Silva. O ex-patrão da<br />

Lusomundo consegue acertar na<br />

maioria dos investimentos em<br />

que aposta. Parece que este negócio<br />

não será a excepção essa<br />

regra. As mais-valias de Luís<br />

Silva, que tem uma posição conhecidade4%naCimpor.<br />

Com uma posição inferior,<br />

abaixo de 2%, Joe Berardo fez<br />

ontem saber que “a OPA é bemvinda,<br />

mas o preço é muito baixo”.<br />

O empresário madeirense,<br />

que esperava há muitos anos<br />

uma OPA na Cimpor, disse ainda<br />

estar convencido que vão aparecer<br />

ofertas concorrentes. ■<br />

Manuel Fino<br />

Pedro Maria Teixeira Duarte<br />

João Paulo Dias<br />

Tem apenas 10% da Cimpor, mas se exercer a opção<br />

de recompra dos 10% que estão nas mãos da<br />

CGD, duplica a influência e vai ser um dos mais influentes<br />

protagonistas deste folhetim que agora<br />

entra numa nova fase. Foi aliado de Pedro Maria,<br />

mas mudou de campo e na assembleia-geral de<br />

13 de Maio exigiu uma gestão independente.<br />

O dono tem perdido poder no último ano. Deixou de<br />

ser o presidente da comissão executiva da Cimpor<br />

em Maio. Abandonou essa comissão executiva em final<br />

de Agosto. O substituto como CEO na Cimpor era<br />

um homem da sua confiança, mas Salavessa Moura<br />

foi destronado por Bayão Horta no início do mês.<br />

Podem valer-lhe as valorizações da Cimpor.<br />

Bruno Lafont<br />

O líder da Lafarge nunca conseguiu liderar na<br />

Cimpor. Foi dado como aliado da Teixeira Duarte,<br />

mas nas últimas decisões os seus administradores<br />

têm estado do lado oposto. Apesar de ser o<br />

segundo accionista, nunca se percebeu a sua estratégia<br />

para a Cimpor. Os analistas duvidam que<br />

possa e queira lançar uma OPA concorrente.<br />

Luís Silva<br />

O antigo dono da Lusomundo é discreto, mas da<br />

fama ninguém o livra. Em todos os investimento que<br />

aposta é como o Rei Midas, fazendo reluzir os activos<br />

em que investe. Agora, comprou 4% da Cimpor<br />

em baixa e está mais uma vez na perspectiva de encaixar<br />

fortes mais-valias. Mas, também poderá quererfazerpartedasoluçãoaccionistaparaaCimpor.<br />

Cimenteira portuguesa<br />

desperta cobiça<br />

dos líderes mundiais<br />

É uma galeria de notáveis que gravita<br />

em torno do futuro accionista da<br />

Cimpor. Além dos actuais accionistas,<br />

há potenciais interessados que<br />

esperam cruzar fronteiras e mares<br />

para ter acesso a um pedaço da<br />

cimenteira portuguesa. Após a CSN,<br />

fala-se da cobiça da Holcim, Cemex,<br />

Votorantim, Camargo Corrêa, Luís<br />

Champalimaud (Cimentos Liz), Pedro<br />

Queiroz Pereira (Secil).<br />

Paulo Figueiredo Paula Nunes<br />

Fernando Faria de Oliveira<br />

O presidente da Caixa Geral de Depósitos será outro<br />

homem cuja palavra terá efeito no futuro da<br />

Cimpor. O líder da CGD está representado na estrutura<br />

accionista da Cimpor porque Manuel Fino deu<br />

10% da cimenteira como garantia de dívidas contraídas.<br />

O empresário tem uma opção de recompra,<br />

mas até lá, a posição da CGD não é irrelevante.<br />

Nome do fotógrafo Paulo Figueiredo<br />

Carlos Santos Ferreira<br />

O presidente do BCP terá, à partida, pouco a dizer<br />

directamente sobre este assunto, porque a posição<br />

detida na Cimpor é controlada pelo fundo de pensões<br />

do banco, que tem uma gestão independente.<br />

Mas, tendo em conta o peso do banco e o historial<br />

de relações do BCP com alguns dos accionistas da<br />

Cimpor, a sua influência vai fazer-se sentir.<br />

Paulo figueiredo Paulo Figueiredo<br />

Joe Berardo<br />

É conhecido por ser especialista em ganhar dinheiro<br />

em bolsa com OPA de lhe parecem cair do<br />

céu. Este é mais um exemplo. Não é que não tivesse<br />

já tentado mudar o ‘status quo’ em ocasiões<br />

anteriores, mas ainda não tinha calhado. Se<br />

houver OPA concorrentes à da CSN, vai ter hipótese<br />

de atenuar as perdas dos últimos anos.


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12 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE<br />

9<br />

8<br />

7<br />

6<br />

5<br />

4<br />

3<br />

2<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

Mercado aposta em subida<br />

do preço da oferta da CSN<br />

Títulos da cimenteira viveram a melhor sessão de sempre. Dispararam 16%.<br />

Rui Barroso e Rita Paz<br />

rui.barroso@economico.pt<br />

Os títulos da Cimpor viveram ontemomelhordiadesempreem<br />

bolsa. Dispararam 16,01%. Negociaram<br />

em máximos de mais<br />

de dois anos e fecharam o dia a<br />

valer 6,34 euros, 10,26% acima<br />

dos 5,75 euros oferecidos pela<br />

Companhia Siderúrgica Nacional<br />

(CSN). Também a liquidez do título<br />

teve um dia histórico, com<br />

9,89 milhões de acções transaccionadas<br />

num volume de negócios<br />

de 61,5 milhões de euros,<br />

muito acima do habitual.<br />

A explicar a hiperactividade<br />

das acções estiveram dois motivos.<br />

Por um lado, correu o rumor<br />

de que pode aparecer uma OPA<br />

concorrente, que viria a ganhar<br />

força ao final da tarde com um<br />

comunicado da Camargo Corrêa.<br />

Esta empresa referiu que “apesar<br />

da oferta pública de compra feita<br />

hoje (ontem), a Camargo segue<br />

firme na sua disposição de buscar,<br />

com os accionistas da Cimpor,<br />

uma equação que contemple<br />

os interesses dos accionistas da<br />

empresa”. Por outro, alguns operadores<br />

apostam numa subida do<br />

preço oferecido pela empresa<br />

brasileira, cenário que não foi<br />

descartado pelo director-geral da<br />

CNS, Juarez Saliba de Avilar.<br />

14-01-2000<br />

ACCIONISTAS LUCRAM<br />

135,4 milhões<br />

A Teixeira Duarte, que detém<br />

22,9% da Cimpor, viu a sua<br />

participação valorizar 135,4<br />

milhões de euros ontem. Para<br />

além disso, a própria Teixeira<br />

Duarte disparou 15,51%.<br />

101,7 milhões<br />

O valor detido pela terceira<br />

maior accionista da Cimpor, a<br />

Lafarge, aumentou em 101,7<br />

milhões de euros com a subida<br />

dos títulos.<br />

62,9 milhões<br />

O empresário Manuel Fino, que<br />

detém uma participação de<br />

10,7% na cimenteira através da<br />

Investifino, viu a sua participação<br />

valorizar 62,9 milhões de euros.<br />

EVOLUÇÃO DAS ACÇÕES DA CIMPOR DESDE 2000<br />

Fonte: Bloomberg e CMVM<br />

“Acho que vai haver mais interessados”,<br />

referiu Joe Berardo<br />

quedetémmenosde2%dacimenteira.<br />

Também o analista do<br />

Millennium IB, João Mateus, destacou<br />

o apetite que a Cimpor provoca:<br />

“O mercado tem perspectivas<br />

de crescimento fortes para a<br />

Cimpor. Esta OPA é consequência<br />

do que os concorrentes vêem<br />

que está a acontecer. É um sinal<br />

deoportunidadeeéaalturaideal<br />

para fazer uma oferta”.<br />

Para além da expectativa em<br />

torno de uma OPA concorrente, o<br />

mercadoestáaapostarqueaempresa<br />

brasileira tenha de rever em<br />

alta a contrapartida: “A CSN vai<br />

terdesubiropreço.Oprémio<br />

não é atractivo e os accionistas<br />

não vão largar por esse valor”,<br />

referiu Marco Franco, analista da<br />

Intervalores.<br />

A reforçar a ideia de que o valor<br />

oferecido não é atractivo estão<br />

os preços-alvo emitidos pelas casas<br />

de investimento nos últimos<br />

meses. A média dos ‘target’ dos<br />

seis analistas que acompanham a<br />

acçãoéde6,13euros,6,6%acima<br />

do valor proposto pela CSN. A<br />

casa de investimento mais optimista<br />

é o BCP, com um preçoalvo<br />

de 7,65 euros, enquanto o<br />

Santander tem o ‘target’ mais<br />

conservador, de cinco euros. Do<br />

lado do analistas que acompa-<br />

Factos relevantes<br />

na Cimpor nos<br />

últimos meses<br />

4,538<br />

6,34<br />

nham a CSN, as opiniões são diferentes.<br />

O Credit Suisse emitiu<br />

uma análise onde refere que “o<br />

preço oferecido não parece ser<br />

barato”. Já o JPMorgan refere que<br />

“apesar da avaliação não ser elevada,<br />

o valor total é significativo<br />

para a CSN”. Como consequência,<br />

os títulos da empresa derrocaram<br />

5,33% na bolsa de São<br />

Paulo e negociaram em mínimos<br />

de três meses, com alguns investidores<br />

a consideraram que, devido<br />

ao preço, a CSN poderá estar<br />

a fazer um mau negócio.<br />

Negócio tem possibilidades<br />

de seguir em frente<br />

O mercado português não é muito<br />

dado ao sucesso de OPA não<br />

solicitadas. Mas, apesar do historial<br />

de falhanços, os analistas levantam<br />

a possibilidade da OPA<br />

da CNS à Cimpor ser bem sucedida.<br />

“Há possibilidade da oferta<br />

seguir em frente, já que a CNS<br />

afirmou que não quer partir a<br />

empresa aos bocados e que manterá<br />

a empresa em Portugal. Para<br />

além disso, há accionistas que<br />

precisam de vender. Apesar do<br />

historial no mercado português<br />

ser muito mau, há algumas possibilidades<br />

do negócio se concretizar”,<br />

referiu ao <strong>Económico</strong> um<br />

analista que pediu para não ser<br />

identificado. ■<br />

Cimpor cria comissão executiva<br />

presidida por Salavessa Moura<br />

Cimpor aprova relatório e contas<br />

e elege Bayão Horta para presidente<br />

do Conselho de Administração.<br />

PREÇOS-ALVO<br />

6euros<br />

É o preço-alvo atribuído pela<br />

Espírito Santo Research, que tem<br />

uma recomendação de “neutral”.<br />

6,70 euros<br />

O‘target’doCaixaBIparaa<br />

cimenteiraéde6,70euroscom<br />

recomendação de “comprar”.<br />

5,55 euros<br />

O preço-alvo do BPI, que recomenda<br />

“manter”, está abaixo dos 5,75<br />

euros oferecidos pela CSN.<br />

7,65 euros<br />

O ‘target’ do Millennium IB para a<br />

cimenteira é o mais alto das casas<br />

de investimento que<br />

acompanham o título.<br />

5euros<br />

O Santander tem o preço-alvo mais<br />

conservador para as acções.<br />

5,85 euros<br />

O Banif avalia a Cimpor em 5,85<br />

euros por acção.<br />

A CSN anuncia uma<br />

OPA sobre a Cimpor<br />

Salavessa Moura é destituído<br />

do cargo de presidente-executivo,<br />

sendo substituído por Bayão Horta<br />

18-12-2009


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14 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

Marta Reis<br />

marta.reis@economico.pt<br />

Agora que a brasileira Companhia<br />

Siderúrgica Nacional (CSN)<br />

comunicou ao mercado a intenção<br />

de lançar uma Oferta Pública<br />

de Aquisição (OPA) sobre a<br />

Cimpor, através da divulgação<br />

do anúncio preliminar, seguese<br />

um processo com vários passos.<br />

Eis os que se seguem:<br />

1<br />

QUANTO DIAS TEM<br />

A OFERENTE PARA<br />

REGISTAR A OPA?<br />

Após o anúncio preliminar, feito<br />

ontem (dia 18), a sociedade<br />

que lançou a OPA tem de 20<br />

dias seguidos para requerer,<br />

junto da Comissão do Mercado<br />

de Valores Mobiliários (CMVM),<br />

liderada por Carlos Tavares.<br />

2<br />

QUANDO TEM DE SE PRONUN-<br />

CIAR A SOCIEDADE VISADA?<br />

De acordo com o Código de Valores<br />

Mobiliários (CdVM), a empresa<br />

que foi alvo de OPA tem<br />

de dar o seu parecer sobre a<br />

mesma. Assim, no prazo de oito<br />

dias corridos a contar da recepção<br />

dos projectos de prospecto e<br />

de anúncio de lançamento (que<br />

a oferente tem de submeter à<br />

CMVM durante os próximos 20<br />

dias), o órgão de administração<br />

da sociedade visada deve pronunciar-se<br />

sobre a oportunidade<br />

e as condições da OPA.<br />

3<br />

QUANTO TEMPO TEM A CMVM<br />

PARA REGISTAR A OFERTA?<br />

Nas ofertas públicas de aquisição,<br />

a CMVM tem oito dias seguidos<br />

para comunicar à sociedade<br />

oferente a aprovação do<br />

prospecto, o registo ou a sua<br />

AOPA<br />

passo a passo<br />

A CSN fez ontem o anúncio preliminar de oferta pública de aquisição sobre<br />

a Cimpor. Dentro de um mês, a OPA deverá arrancar.<br />

Companhia<br />

Siderúrgica<br />

Nacional tem<br />

agora 20 dias<br />

seguidos [a<br />

contar de<br />

ontem] para<br />

requerer o<br />

registo da OPA<br />

sobre a Cimpor<br />

junto da CMVM.<br />

Quando receber<br />

opedido,<br />

oregulador<br />

tem oito dias<br />

corridos<br />

para conceder<br />

ou recusar<br />

oregisto.<br />

Arttur Badin pode<br />

ter uma palavra a<br />

dizer sobre o<br />

interesse da CSN<br />

sobre a Cimpor.<br />

Carlos Tavares,<br />

enquanto<br />

presidente da<br />

CMVM, vai ter de<br />

dar um parecer<br />

sobre a OPA.<br />

recusa. Este prazo pode ser interrompido<br />

se a CMVM tiver,<br />

entretanto, pedido à sociedade<br />

oferente ou a terceiros, a prestação<br />

de informações complementares<br />

às que já constavam<br />

do pedido de registo da OPA.<br />

4<br />

OS PODERES DA CIMPOR<br />

FICAM CONDICIONADOS?<br />

Sim.Apartirdomomentoem<br />

que tome conhecimento da decisão<br />

de lançamento de OPA e até<br />

ao fim desta, o órgão de administração<br />

da sociedade visada (neste<br />

caso a Cimpor) fica com os poderes<br />

condicionados. Segundo a lei,<br />

“não pode praticar actos susceptíveis<br />

de alterar de modo relevante<br />

a situação patrimonial da<br />

sociedade visada, que não reconduzam<br />

à gestão normal da<br />

sociedade e que possam afectar<br />

de modo significativo os objectivos<br />

anunciados pelo oferente”.<br />

5<br />

DURANTE QUANTO TEMPO<br />

DECORRERÁ A OPA?<br />

O prazo da oferta pública de<br />

aquisição poderá variar entre<br />

duas e dez semanas. A OPA só<br />

pode ter início no dia seguinte<br />

ao da divulgação do anúncio de<br />

lançamento e do prospecto.<br />

6<br />

A EMPRESA QUE LANÇOU A<br />

OPA PODE REVER A OFERTA?<br />

Pode. Até cinco dias antes de<br />

terminar o prazo da oferta, o<br />

oferente pode rever a contrapartida<br />

quanto à sua natureza e<br />

montante. No entanto, caso<br />

decida rever a oferta, a sociedade<br />

não pode piorar as condições<br />

que constavam da oferta<br />

inicial e a contrapartida deve<br />

ser superior à antecedente em,<br />

pelo menos, 2% do seu valor.<br />

7<br />

PODE SER LANÇADA UMA<br />

OPA CONCORRENTE?<br />

A partir da publicação do<br />

anúnciopreliminardaOPA,<br />

que aconteceu ontem, pode ser<br />

lançada uma oferta concorrente.<br />

Quem pretenda avançar<br />

com uma OPA concorrente só<br />

pode fazê-lo até ao quinto dia<br />

anterior àquele em que termina<br />

o prazo da oferta inicial,<br />

ainda não conhecido.<br />

8<br />

EM QUE CONDIÇÕES<br />

ÉLANÇADAUMAOPA<br />

CONCORRENTE?<br />

Uma oferta concorrente não<br />

pode ser lançada por pessoas<br />

que estejam com o oferente<br />

inicial ou com um oferente<br />

concorrente anterior. E não<br />

pode incidir sobre quantidades<br />

de valores mobiliários inferior<br />

à que é objecto da OPA inicial.<br />

Em termos de contrapartida, a<br />

oferta concorrente deve ser superior<br />

à antecedente em, pelo<br />

menos, 2% do seu valor. Não<br />

há limite para o número de vezes<br />

que uma oferta pode ser revista<br />

em alta, desde que respeite<br />

a subida de 2%.<br />

9<br />

AS AUTORIDADES<br />

DE CONCORRÊNCIA TÊM<br />

DE SE PRONUNCIAR?<br />

Por regras, as autoridades de<br />

concorrência têm de se pronunciar<br />

em casos de OPA. Nesta<br />

situação há apenas a necessidade<br />

de uma notificação formal à<br />

AdC, dado que não se colocam<br />

questões a nível concorrencial.<br />

Já o Conselho Administrativo<br />

de Defesa Económica, presidido<br />

por Arthur Badin, tem de se<br />

pronunciar sobre se não se opõe<br />

à concentração, ou se há lugar à<br />

imposição de condições. ■


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16 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

PERFIL<br />

Benjamin Steinbruch<br />

Entrou para a elite empresarial<br />

brasileira em 1993. Era, então,<br />

um rapaz de 40 anos, que<br />

desempenhava a função de<br />

director da Vicunha, empresa têxtil<br />

fundada por seu pai Mendel<br />

Steinbruch e pelo empresário<br />

Jacques Rabinovitch. Naquele ano,<br />

a Companhia Siderúrgica Nacional<br />

foi a leilão, inaugurando a década<br />

das grandes privatizações no<br />

Brasil. A Vicunha, com Benjamin<br />

Steinbruch à frente, apresentou-se<br />

como líder do Consórcio Brasil –<br />

tendo apoio do Fundo de pensão<br />

dos funcionários do Banco do<br />

Brasil e da Bradespar. Do outro<br />

lado da disputa, um poderoso<br />

adversário na luta pela CSN:<br />

Antonio Ermírio de Moraes, dono<br />

do grupo Votorantim. No final de<br />

uma sexta-feira 2 de Abril de 1993,<br />

o martelo bateu a favor<br />

de Steinbruch. O ‘playboy’ da<br />

Vicunha, que adorava carros<br />

desportivos e cavalos, tornava-se<br />

proprietário da maior siderúrgica<br />

do país.<br />

CSN planeava entrar nos<br />

cimentos há cinco anos<br />

A empresa foi privatizada em 1993 e desde então não pára de crescer. O processo<br />

de internacionalização foi iniciado em 2001. O interesse na Cimpor é mais um passo.<br />

Dárcio Oliveira<br />

doliveira@brasileconomico.com.br<br />

O interesse da Companhia Siderúrgica<br />

Nacional (CSN) pela<br />

Cimpor está na diversificação<br />

de suas actividades.<br />

Em Maio deste ano, a empresa<br />

inaugurou a CSN Cimentos,<br />

com capacidade de produção de<br />

2,8 milhões de toneladas. A<br />

perspectiva inicial era fechar o<br />

ano com uma fabricação de 300<br />

mil toneladas, chegando a 2010<br />

a milhão de toneladas e uma<br />

facturação de 300 milhões de<br />

reais (117,5 milhões de euros).<br />

Trata-se de um número bastante<br />

discreto pelos padrões do<br />

Brasil, que em 2008 produziu 51<br />

milhões de toneladas de cimento,<br />

com uma facturação de 12<br />

mil milhões de reais (4,7 mil<br />

milhões de euros). O mercado<br />

nacional é dominado por onze<br />

grandes grupos, liderados pela<br />

Votorantim.<br />

A entrada da CSN no sector<br />

doscimentosestavaaserplaneada<br />

há cinco anos pelos accionistas.<br />

“O consumo per capitaébaixonoBrasil.São280<br />

quilos por habitante, contra a<br />

média mundial de 420 a 440<br />

quilos”, afirmou o director da<br />

CSN Cimentos, José Tarcisio<br />

EMPRESA EM NÚMEROS<br />

ACTIVOS (2008)<br />

149, 1 mil<br />

milhões de euros<br />

PATRIMÓNIO (2008)<br />

2,62 mil milhões<br />

de euros<br />

LUCROS (2008)<br />

10,5 mil milhões<br />

de euros<br />

Piau, ao Brasil Econômico. Com<br />

investimento de 600 milhões de<br />

reais (235 milhões de euros) em<br />

duas unidades industrias, a empresadeveactuarprincipalmente<br />

no Sudeste do país, que<br />

consomemetadedetodoocimento<br />

utilizado no Brasil.<br />

No anúncio preliminar de<br />

lançamento da oferta pública de<br />

aquisição (OPA), a CSN diz que<br />

“a aquisição da Cimpor contribuiráparaaformaçãodeuma<br />

das maiores empresas produtoras<br />

de cimento do mundo, com<br />

capacidade de produção de 36<br />

milhões de toneladas anuais de<br />

cimento”. Informa ainda que a<br />

compra poderá ser feita tanto<br />

com caixa disponível da CSN<br />

quanto por financiamento de<br />

parte ou da totalidade da aquisição<br />

com linhas de crédito de<br />

bancos de primeira linha.<br />

A CSN foi fundada em 1941<br />

por decreto do presidente Getúlio<br />

Vargas. Começou a operar<br />

cinco anos depois, em Outubro<br />

de 1946, com forte presença<br />

no processo de industrialização<br />

do país. Em 1993<br />

foi privatizada pelo Programa<br />

Nacional de Desestatização do<br />

Governo federal.<br />

A data marca a entrada de<br />

Benjamin Steinbruch na em-<br />

presa. Na época, Steinbruch,<br />

que vinha da Vicunha, foi classificado<br />

pelo presidente de uma<br />

grande empresa do sector como<br />

alguém que encarava “a siderurgia<br />

como mais um negócio a<br />

ser comprado e vendido na primeira<br />

boa oportunidade”.<br />

Steinbruch continua à frente<br />

da CSN. A empresa tem capacidade<br />

de produzir 5,6 milhões<br />

de toneladas por ano, emprega<br />

16 mil pessoas e actua, além da<br />

siderurgia, em mineração e infra-estruturas.<br />

Em 2001, iniciou<br />

o processo de internacionalização<br />

com a compra de activos<br />

da Heartland Steel, formando<br />

a CSN LLC, nos Estados<br />

Unidos. Hoje tem uma fábrica<br />

siderúrgica integrada, cinco<br />

unidades industriais, duas delas<br />

no exterior (EUA e Portugal),<br />

minas de minério de ferro,<br />

calcário e dolomita, distribuidora<br />

de aços planos, terminais<br />

portuários, participações em<br />

estradadeferroeemduasfábricas<br />

hidroeléctricas. Controla<br />

igualmente a Nacional Minérios<br />

S.A (Namisa), criada em<br />

2007. Também é proprietária<br />

da desejada mina de Casa de<br />

Pedra, em Congonhas, no Estado<br />

de Minas Gerais, da qual a<br />

Namisa é subsidiária. ■<br />

DR<br />

CSN<br />

prometeu<br />

projectos de<br />

mil milhões<br />

em Portugal<br />

Investimento seria feito<br />

através da Lusosider,<br />

empresa controlada a 100%<br />

pela CSN desde 2006.<br />

Hugo Real<br />

hugo.real@economico.pt<br />

A primeira grande operação da<br />

CSN (Companhia Siderúrgica<br />

Nacional) em Portugal aconteceu<br />

em 2006, quando o grupo<br />

brasileiro passou a controlar<br />

100% do capital da portuguesa<br />

Lusosider. Para concretizar o<br />

negócio, a CSN investiu 25 milhões<br />

de euros, o montante pago<br />

aos holandeses do Corus Group<br />

que controlavam 50% do capital<br />

Lusosider. Na altura, a CSN afirmouqueacompratinhacomo<br />

objectivo “reforçar o compromisso<br />

da CSN na sua estratégia<br />

de internacionalização, expandindo<br />

as suas operações no exterior<br />

por meio da aquisição de<br />

linhas de acabamento próximas<br />

dos grandes mercados consumidores<br />

de aço”.<br />

No ano seguinte, e após falhar<br />

a compra do Corus Group, a empresa<br />

brasileira revelou a vontade<br />

de reforçar o investimento<br />

em Portugal, de forma a que<br />

80% da produção da Lusosider<br />

fosse exportada para Espanha,<br />

França e Itália. Para tal, Benjamin<br />

Steinbruch, presidente da<br />

CSN, revelou que pretendia investir<br />

mil milhões de euros em<br />

Portugal. Um dos projectos passava<br />

pelo investimento de 200<br />

milhões de euros na ampliação<br />

da capacidade de produção da<br />

Lusosider para um milhão de toneladas.<br />

“Os estudos estão feitos,<br />

o projecto está bem adiantado<br />

e poderá estar concluído<br />

dentro de dois ou três meses”,<br />

afirmou Steinbruch na altura. O<br />

segundo projecto previa um investimento<br />

de 800 milhões de<br />

euros numa laminadora a quente<br />

para três milhões de toneladas.<br />

No entanto, estes investimentos<br />

estão ainda à espera de concretização.<br />

Actualmente, a Lusosider<br />

produz aços planos relaminados<br />

a frio, com revestimento<br />

anti-corrosão, tendo uma “capacidade<br />

instalada de cerca de 550<br />

mil toneladas/ano para produzir<br />

chapa galvanizada e chapa decapadaeoleada”,adiantaaCSNna<br />

sua pá<strong>gina</strong> ‘online’. A empresa<br />

siderúrgica portuguesa está instalada<br />

em Paio Pires e possui uma<br />

área total de 391 mil metros quadrados,<br />

sendo a área coberta de<br />

65 mil metros quadrados.<br />

Os seus produtos podem ser<br />

aplicados na indústria automóvel,<br />

na construção civil, em<br />

componentes de electrodomésticos,<br />

bem como na produção de<br />

latas e embalagens para a indústria<br />

química e alimentar. ■


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18 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />

Brasil é um mercado<br />

cada vez mais<br />

importante para a Cimpor<br />

Entre Janeiro e Setembro, a cimenteira vendeu mais de 3,3 mil toneladas de cimento<br />

no Brasil, mais 200 mil do que em Portugal. O Brasil representa já 19,5% da facturação.<br />

Hugo Real<br />

hugo.real@economico.pt<br />

A posição de relevo da Cimpor<br />

nomercadobrasileiroéum<br />

dos principais atractivos para<br />

a Companhia Siderúrgica Nacional<br />

(CSN), que está a iniciar-se<br />

no negócio de produção<br />

de cimento.<br />

A empresa portuguesa, uma<br />

das dez maiores cimenteiras<br />

mundiais em valor de mercado,<br />

éjáaterceiramaiorcimenteiraa<br />

actuar no Brasil, em termos de<br />

vendas, e a quarta em capacidade<br />

de produção. Uma posição<br />

muito importante, numa altura<br />

em que o Brasil está a arrancar<br />

com as obras para o Mundial de<br />

Futebol de 2014 e os Jogos<br />

Olímpicos de 2016, eventos que<br />

vão necessitar de muitas construções.<br />

Logo, de muitos milhões<br />

de toneladas de cimento.<br />

OBrasiléjáresponsávelpor<br />

19,5% da facturação total da<br />

Cimpor que, entre Janeiro e Setembro,<br />

foi de 1.575 milhões de<br />

euros, e por quase 20% do total<br />

de produção da empresa portuguesa,<br />

ao garantir 6,4 milhões de<br />

toneladas por ano. No Brasil, a<br />

Cimpor controla seis fábricas de<br />

cimento, duas moagens e 32 centrais<br />

de betão. Além disso, a empresa<br />

liderada por Manuel Simões<br />

Bayão Horta é ainda responsável<br />

por uma unidade de exploração<br />

de agregados e por duas unidades<br />

fabris de argamassas secas.<br />

Em termos globais, a Cimpor<br />

tem uma capacidade instalada<br />

de 33,5 milhões de toneladas de<br />

produção anual de cimento, um<br />

valor que pode subir até aos 36<br />

milhões de toneladas, se às fábricas<br />

da empresa portuguesa se<br />

juntar a unidade de produção da<br />

CSN no Brasil. De acordo com a<br />

siderúrgica, em 2011, esta fábrica<br />

deverá estar a produzir 2,5<br />

milhões de toneladas de cimento<br />

ao ano. Actualmente, a Cim-<br />

CRONOLOGIA DA EMPRESA<br />

1976<br />

Constituição da Cimpor - Cimentos<br />

de Portugal. Quinze anos depois,<br />

em 1991, a empresa constitui-se<br />

como sociedade anónima.<br />

No ano seguinte, a Cimpor<br />

dá início ao processo de<br />

internacionalização, com<br />

a compra da empresa espanhola<br />

Corporación Noroeste.<br />

MAIORES PRODUTORES<br />

MUNDIAIS DE CIMENTO<br />

China 1300<br />

Índia 160<br />

EUA 96<br />

Japão 70<br />

Rússia 59<br />

Coreia do Norte 55<br />

Espanha 50<br />

Turquia 48<br />

Itália 44<br />

México 41<br />

Brasil 40<br />

Tailândia 40<br />

Indonésia 35<br />

Alemanha 34<br />

Irão 34<br />

Vietname 32<br />

Egipto 29<br />

Árabia Saudita 28<br />

França 21<br />

Total Mundial<br />

Nota: Valores de 2007<br />

2500<br />

Arranque do processo<br />

de privatização,<br />

com a<br />

alienação de<br />

20% do capital.<br />

Compra de 51%<br />

da empresa<br />

Cimentos de<br />

Moçambique.<br />

por está também a projectar<br />

uma fábrica no Peru, uma unidade<br />

que irá reforçar a produção<br />

na América Latina.<br />

Além de uma forte presença<br />

no mercado brasileiro, a aquisição<br />

da Cimpor permitiria à CSN<br />

afirmar-se como uma maiores<br />

cimenteiras mundiais e com negócios<br />

espalhados por todo o<br />

mundo, para além de resolver os<br />

problemas de tratamento dos<br />

resíduos provenientes da sua<br />

actividade siderúrgica. Isto porque<br />

a Cimpor marca já presença<br />

em 13 países, espalhados por<br />

quatro continentes (Europa,<br />

África, Ásia e América). Os<br />

mercados internacionais são já<br />

responsáveis por 78% do volume<br />

de negócios da empresa<br />

portuguesa.<br />

Depois de Portugal e Brasil, a<br />

Espanha surge como o terceiro<br />

maior mercado para a cimenteira<br />

nacional. Depois da aquisição<br />

da Corporación Noroeste, em<br />

1992, a Cimpor continuou a investir<br />

no país vizinho, que hoje<br />

é já responsável por 16% do volume<br />

de negócios da empresa<br />

garantindo uma produção de 3,2<br />

milhões de toneladas por ano.<br />

Entretanto, a Cimpor partiu<br />

para o Norte de África (Egipto,<br />

Marrocos e Tunísia), um mercado<br />

que tem vindo a ganhar relevo,<br />

garantindo já mais de 19% do<br />

volume de negócios do grupo.<br />

A posição da empresa em<br />

África estende-se também a<br />

Moçambique e Cabo Verde,<br />

onde é líder de mercado. África<br />

do Sul é outro importante mercado<br />

para a cimenteira, com o<br />

país a ser responsável por 7,3%<br />

das receitas da empresa.<br />

O Oriente é a aposta mais recente<br />

da Cimpor que, ainda no<br />

ano passado, comprou uma empresa<br />

na Índia. As operações na<br />

Turquia, Índia e China são já<br />

responsáveis por 11,6% do volume<br />

de vendas da cimenteira. ■<br />

LÍDERES MUNDIAIS<br />

1º<br />

Lafarge é accionista da Cimpor<br />

e líder mundial nos cimentos<br />

A Lafarge é a líder mundial na<br />

produção de cimento. A empresa<br />

francesa, que é também<br />

accionista de referência da<br />

Cimpor, com uma posição de<br />

17,3%, está presente em 79 países<br />

e conta com 84 mil funcionários.<br />

Entre Janeiro e Setembro, a<br />

empresa vendeu mais 215 mil<br />

toneladas de cimento.<br />

2º<br />

Holcim com vendas próximas<br />

das 100 milhões de toneladas<br />

A Holcim fechou os primeiros<br />

nove meses do ano com uma<br />

facturação total de 15,8 mil<br />

milhões de euros, uma quebra de<br />

18,4%. Em resposta à crise, a<br />

empresa suíça diminuiu a<br />

capacidade de produção de<br />

cimento em dez milhões de<br />

toneladas. Ainda assim, vendeu<br />

99 milhões entre Janeiro e<br />

Setembro.<br />

3º<br />

Vendas da cimenteira<br />

de Carlos Slim caem 19%<br />

TalcomoaLafargeeaHolcim,a<br />

Cemex, a empresa do milionário<br />

mexicano Carlos Slim, viu as suas<br />

vendas de cimento diminuírem<br />

em 2009. Entre Janeiro e<br />

Setembro, a empresa colocou no<br />

mercado 49,6 milhões de<br />

toneladas, uma quebra de 19%.<br />

Neste período, a empresa<br />

facturou 12 mil milhões de<br />

dólares, um recuo de 31%.<br />

1994 1996 1999 2001<br />

Segunda fase de privatização, com alienação<br />

de 45% do capital. O processo de<br />

internacionalização continua, com a<br />

aquisição de 45% da cimenteira marroquina<br />

Asment de Témara. O ano seguinte<br />

fica marcado pela entrada no Brasil,<br />

com a compra da Cisafra e do negócio<br />

de cimento do grupo Serrana. Criação<br />

da Sociedade de Cimentos do Brasil.<br />

Cimpor reforça posição no mercado<br />

brasileiro, com a aquisição do grupo<br />

Brennand, da companhia de<br />

cimentos de Goiás, da Companhia<br />

de Cimento de Atol e da Companhia<br />

de Cimento Portland, na África do<br />

Sul. No ano seguinte a empresa<br />

avança com a compra de uma<br />

cimenteira no Egipto.<br />

Última fase do<br />

processo de privatizaçãodaCimpor,<br />

com o Estado<br />

à vender à Teixeira<br />

Duarte a posição<br />

de 10,05%<br />

que detinha na<br />

cimenteira.


2003 Fevereiro de 2009 Maio de 2009 Dezembro de 2009<br />

Empresa compra mais uma empresa<br />

em Espanha. No ano seguinte parte<br />

para Angola, com a aquisição de<br />

49% da Nova Cimangola. Em 2005<br />

compra 100% da Nordicave Trading<br />

Industrial. Nos anos seguintes, entre<br />

2007 e 2008, fica com<br />

participações maioritárias em<br />

empresas na China, Índia e Espanha.<br />

As dívidas<br />

obrigam Manuel<br />

Fino a dar como<br />

garantia à CGD<br />

10% das acções<br />

que detém<br />

na Cimpor,<br />

assegurando<br />

a sua recompra.<br />

A guerra interna pelo poder sobre<br />

de tom. Na assembleia-geral de 13<br />

de Maio, Pedro Maria enfrenta séria<br />

oposição, é obrigado a abandonar o<br />

cargo de CEO, mas garante<br />

Salavessa Moura, um homem de<br />

confiança no posto. No final de<br />

Agosto perde mais poder e sai da<br />

comissão executiva da Cimpor.<br />

Infografia: Susana Lopes | susana.lopes@economico.pt<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 19<br />

O conflito sobe de<br />

tomemDezembro,<br />

quando Bayão<br />

Horta acumula os<br />

cargos de ‘chairman’eCEOcom<br />

os votos contra da<br />

Teixeira Duarte e<br />

da CGD.<br />

ANÁLISE<br />

O melhor<br />

projecto para<br />

a cimenteira<br />

BRUNO PROENÇA<br />

Director Executivo<br />

NasvésperasdeNatal,opaísfoi<br />

surpreendido por uma OPA à Cimpor.<br />

Para os mais distraídos, a Cimpor<br />

é a maior empresa industrial<br />

portuguesa e uma das dez maiores<br />

cimenteiras do mundo. Ou seja,<br />

não é uma empresa qualquer. E<br />

reúne os maiores bancos e as maiores<br />

construtoras nacionais. Caixa,<br />

BCP, Teixeira Duarte, Lafarge – uma<br />

das três maiores cimenteiras do<br />

mundo –, Manuel Fino, dono da<br />

Soares da Costa, estão entre os<br />

maiores accionistas da cimenteira.<br />

Portanto, coloca-se desde logo<br />

uma questão: como é que alguém<br />

tem a ousadia de lançar uma oferta<br />

de compra de surpresa contra accionistas<br />

deste calibre? Porque eles<br />

nunca se entenderam na gestão da<br />

Cimpor.OserroscometidosnoBCP<br />

repetiram-se na Cimpor. Aliás, há<br />

actores comuns. Os accionistas não<br />

souberam definir uma trajectória<br />

de gestão coerente para a empresa.<br />

Pelo contrário, envolveram-se em<br />

lutas de poder – o último episódio<br />

foi a eleição de Bayão Horta para<br />

CEO da Cimpor –, o que colocou a<br />

cimenteira à mercê de uma OPA.<br />

Desta forma, estes mesmos<br />

accionistas não têm agora moral<br />

para invocarem os interesses do<br />

país e os centros de decisão nacional<br />

para rejeitarem a operação.<br />

A resposta à oferta da CSN, um<br />

dos maiores grupos industriais<br />

brasileiros, deve ser racional, tendo<br />

em conta o valor da oferta e o<br />

projecto para o futuro da Cimpor.<br />

Mais do que a discussão estéril sobre<br />

os centros de decisão nacional,<br />

é preciso garantir uma gestão<br />

que produza valor. A discussão<br />

nãodeveserentreestrangeirose<br />

portugueses, mas sim quem tem o<br />

melhor projecto para a Cimpor.<br />

Antecipando o argumento nacionalista,<br />

os brasileiros garantem<br />

queaempresamantémasedeem<br />

Lisboa e que a equipa de gestão<br />

continuará a ser portuguesa. E<br />

parecem ter garantido os mais altos<br />

apoios políticos. José Sócrates<br />

e Lula da Silva deram aparentemente<br />

luz verde à operação. Esta<br />

posição retira também munições<br />

a uma possível discussão política.<br />

Assim, tudo se resume ao mundo<br />

dos negócios. E a verdade é que<br />

umaOPAestrangeirapodeserasoluçãoquepermitesalvarafacedos<br />

vários accionistas da Cimpor. Além<br />

de garantirem mais-valias. A operação<br />

ainda agora começou e muita<br />

água ainda vai correr. Não é de excluir<br />

uma OPA concorrente de outra<br />

empresa estrangeira. Mas uma coisa<br />

parece certa: na Cimpor nada vai ficar<br />

como antes e provavelmente o<br />

poder vai mudar de mãos. ■


20 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ECONOMIA<br />

Os sinais que Teixeira dos<br />

Santos tem de dar para<br />

provar que vence o défice<br />

Magros aumentos na função pública e não renovar a frota<br />

automóvel são alguns dos sinais que os economistas pedem.<br />

Margarida Peixoto<br />

margarida.peixoto@economico.pt<br />

Sinal: “Nome masculino, do latim<br />

signále, tudo o que representa<br />

ou faz lembrar uma coisa,<br />

um facto ou um fenómeno presente,<br />

passado ou futuro” – esta<br />

é a primeira definição da palavra,<br />

disponível em qualquer dicionário<br />

da língua portuguesa.<br />

O que não está disponível, nem<br />

nos dicionários nem do discurso<br />

público, é o que Governo,<br />

oposição e instituições internacionais<br />

querem dizer com “dar<br />

um sinal de preocupação com as<br />

contas públicas”.<br />

Nas últimas semanas os pedidos<br />

multiplicaram-se: a oposi-<br />

DÉFICE<br />

Comacriseodéficechegaa<br />

máximos dos últimos 20 anos.<br />

8<br />

7<br />

6<br />

5<br />

4<br />

3<br />

2<br />

1<br />

0<br />

1995<br />

Fonte: FMI<br />

DÍVIDA PÚBLICA<br />

A dívida pública está muito<br />

além dos 60% de Bruxelas.<br />

80<br />

70<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

1995<br />

Fonte: FMI<br />

2009<br />

2009<br />

çãoquerverum“sinaldeseriedade”,<br />

disse o PSD, as agências<br />

de ‘rating’ querem saber “as intenções<br />

orçamentais”, sublinhou<br />

a Moody’s e até o próprio<br />

ministro das Finanças disse no<br />

Parlamento que é preciso “fazer<br />

um esforço de redução do défice<br />

já a partir deste ano”.<br />

Mas o que ficou por dizer foi<br />

como. Ou seja, o que são, na<br />

prática, esses “sinais” de boa<br />

vontade que permitem convencer<br />

que o défice em torno dos<br />

8%equeadívidapúblicaacaminho<br />

dos 84,6% do produto<br />

interno bruto, segundo as contas<br />

de Bruxelas, são apenas um<br />

acidente de percurso.<br />

E esta é a parte mais complexa.<br />

O consenso sobre a necessidade<br />

de manter os estímulos à<br />

economia é alargado, mas<br />

quando o desafio é explicar<br />

como é que, ao mesmo tempo,<br />

se começa a traçar um esboço<br />

da futura consolidação, afinal,<br />

os ditos “sinais” têm significados<br />

muito diferentes.<br />

Para o PSD, um sinal seriam<br />

aumentos salariais moderados<br />

para a função pública, “que não<br />

deviam ir além dos 1% a 1,5%”,<br />

explicou Miguel Frasquilho.<br />

Mas para o Bloco de Esquerda<br />

um sinal importante seria “acabar<br />

com os offshores, que só<br />

criam um sistema fiscal injusto<br />

e corroem a receita fiscal”, defende<br />

o deputado José Gusmão.<br />

Do lado dos patrões, Francisco<br />

Van Zeller defende que “esta<br />

éaalturadoGovernodaro<br />

exemplo” e que por isso a gestão<br />

da frota automóvel do Estado<br />

deveria ser modificada, “mantendo-se<br />

os mesmos carros<br />

além dos quatro anos”. “Não era<br />

uma poupança significativa,<br />

mas era um sinal”, defende.<br />

O leque de opções que Teixeira<br />

dos Santos tem em cima da<br />

mesa é alargado, mas será difícil<br />

agradar a todos os quadrantes<br />

políticos. Aqui fica a lista das<br />

várias definições que o ministro<br />

tem de dar para provar que<br />

vence o défice orçamental. ■<br />

CALENDÁRIO<br />

● Para 14 de Janeiro está<br />

prevista a apresentação do<br />

Orçamento do Estado para 2010.<br />

O prazo legal vai até dia 26.<br />

● A Assembleia da República<br />

tem 45 dias para debater o<br />

documento. A votação deve<br />

acontecer até final de Fevereiro<br />

ou início de Março.<br />

● SeoOrçamentodoEstadofor<br />

aprovado, o documento segue<br />

para promulgação em Belém.<br />

Como o documento vem do<br />

Parlamento, Cavaco Silva tem 20<br />

dias para dizer se promulga ou<br />

não.<br />

É neste gabinete que<br />

Teixeira dos Santos fará<br />

as escolhas para<br />

convencer todos que<br />

quer baixar o défice.


Execução de projectos tem de acelerar<br />

A secretária de Estado do Ordenamento do Território, Fernanda do<br />

Carmo, defendeu ontem que Portugal precisa de “entrar em velocidade<br />

de cruzeiro” na execução de projectos já aprovados no âmbito da<br />

Política de Cidades, apoiados por fundos comunitários. “Estamos no<br />

bom caminho” em termos de aprovação de candidaturas mas “é preciso<br />

que consigamos agora entrar em velocidade de cruzeiro na execução”,<br />

disse, citada pela agência Lusa.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

AS OITO DEFINIÇÕES DO DICIONÁRIO DO QUE É UM SINAL<br />

A primeira forma que o Governo tem de<br />

recordar que está determinado a melhorar<br />

as contas públicas é através do<br />

seu discurso. “Mesmo que não esteja<br />

no texto do Orçamento, Sócrates pode<br />

fazer um discurso de apresentação do<br />

documento onde deve afirmar que Portugal<br />

tem um problema de défice orçamental<br />

acima da média da União Europeia<br />

e que vai seguir as indicações de<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 21<br />

“Coisa que chama outra à memória, que a recorda, que a faz lembrar”<br />

“Manifestação exterior do que se pensa, do que se quer”<br />

É fundamental que Teixeira dos<br />

Santos diga exactamente o<br />

caminho a seguir. É deste plano<br />

que as agências de rating estão à<br />

espera para decidir se mantêm a<br />

notaçãodadívidadaRepública.<br />

“Gesto convencionado para servir de advertência”<br />

Outra forma de dar um sinal, seria<br />

mostrar um cartão vermelho<br />

aos desperdícios. “A gestão hospitalar<br />

tem de ser revista, temos<br />

sinais de descontrolo”, diz a deputada<br />

do CDS, Assunção Cristas.<br />

“Indício, vestígio, rastro, traço”<br />

Um sinal também pode revelar o que o<br />

futuro reserva. Para o economista João<br />

Loureiro, como o Governo se comprometeu<br />

em não aumentar impostos, a alternativa<br />

poderá ser reduzir a despesa<br />

José Gusmão, do BE, defende que<br />

as parcerias público-privadas devem<br />

ser repensadas e lembra a<br />

experiência “mal sucedida” do<br />

Amadora-Sintra. Outra forma de<br />

mostrar rigor seria “racionalizar<br />

Mesmo que cortar a despesa já<br />

em 2010 seja difícil, há que dar<br />

indícios do que se quer fazer: “era<br />

preciso haver disciplina na gestão<br />

da frota dos automóveis do<br />

Estado”, defende Francisco Van<br />

“O que revela causa oculta ou ainda não declarada”<br />

“Rótulo, letreiro, etiqueta”<br />

Se há rótulo que o Governo tem<br />

interesse em colocar no próximo<br />

Orçamento é que consegue reunir<br />

o apoio da oposição, pois essa é a<br />

única forma de garantir que será<br />

cumprido. A palavra de ordem será<br />

“Presságio”<br />

“A frota automóvel<br />

do Estado deveria<br />

ser gerida de outra<br />

forma e manter-se<br />

os mesmo carros<br />

por mas de quatro<br />

anos”, diz<br />

Van Zeller.<br />

Este é dos sinais mais claros: os<br />

aumentos dos funcionários<br />

públicos deverão ser moderados<br />

no próximo ano. “Seria um sinal<br />

que abrangia 700 mil pessoas”,<br />

defende o presidente da CIP,<br />

Também aqui é preciso uma prova<br />

agora para que se acredite que o<br />

contrato firmado com a Comissão<br />

Europeia (reduzir o défice para o<br />

limite dos 3% até 2013) vai<br />

mesmo ser cumprido. João<br />

“O Orçamento de<br />

2010 deve ter uma<br />

meta de défice<br />

ligeiramente inferior<br />

ao valor de 2009,<br />

mesmo que seja só<br />

um ponto”, diz João<br />

Loureiro.<br />

fiscal. “O Governo pode reduzir ou cortar<br />

deduções ou subsídios fiscais já no<br />

OE de 2010 e dessa forma não altera o<br />

défice do próximo ano, mas dá um sinal<br />

de melhoria para 2011”, explica o pro-<br />

pacificar a tensão política actual. O<br />

economista Alberto Castro sugere<br />

“um pacto estratégico de longo<br />

prazo com o PSD, que tenha o<br />

patrocínio de Cavaco Silva”, para a<br />

economia.<br />

Francisco Van Zeller. “Poderia,<br />

por exemplo, congelar a maior<br />

parte dos salários e atender só<br />

aos do nível mais baixo”, sugere<br />

ainda o representante dos<br />

patrões. O discurso vai ao<br />

Bruxelas”, diz o politólogo Costa Pinto.<br />

“Deve mesmo sublinhar este ponto”,<br />

defende o especialista que considera<br />

que esta é uma forma de lembrar que o<br />

Governo está empenhado<br />

“Não pedimos apenas sinais, mas<br />

antes um plano concreto e com<br />

metas temporais que mostre como<br />

oGovernovaireduzirodéfice<br />

orçamental”, explicou fonte oficial<br />

da Standard & Poor’s.<br />

a gestão das infra-estruturas<br />

existentes”, acrescenta o fiscalista<br />

Miguel Caetano de Freitas,<br />

defendendo que devem ser reavaliadas<br />

os investimentos programados.<br />

Zeller, presidente da<br />

Confederação da Indústria<br />

Portuguesa. Outra hipótese é<br />

“reduzir as despesas com<br />

assessoria externa”, lembra a<br />

deputada Assunção Cristas.<br />

fessor da Faculdade de Economia do<br />

Porto. José Gusmão defende que se<br />

deveria caminhar para o fim dos offshores<br />

e Assunção Cristas lembra que nem<br />

todas as SCUT são obrigatórias.<br />

“Não há outra forma<br />

se não o Governo<br />

realizar um repto ao<br />

maior partido da<br />

oposição para que o<br />

apoie no Orçamento<br />

de 2010”, diz Costa<br />

Pinto.<br />

encontro do que já foi pedido<br />

tanto pelo Fundo Monetário<br />

Internacional, como pelo Banco<br />

de Portugal, que disse que os<br />

aumentos não deveriam ir além<br />

dos1%ou1,5%.<br />

“Valores que o comprador dá ao vendedor para segurança do contrato”<br />

“O nível da despesa<br />

edareceitanão<br />

deveria ultrapassar<br />

em 2010, no<br />

máximo, o<br />

verificado este<br />

ano”, defende<br />

Alberto Castro.<br />

Loureiro sugere uma regra de<br />

controlo da despesa na Lei de<br />

Enquadramento Orçamental e<br />

Alberto Castro propõe o<br />

congelamento do nível das<br />

despesas e taxas.


22 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ECONOMIA<br />

Grécia avança com<br />

reforma fiscal para<br />

combater o défice<br />

O ministro das Finanças grego anunciou um novo sistema<br />

progressivo, para aumentar a base de tributação da economia.<br />

Luís Reis Pires<br />

luis.pires@economico.pt<br />

Têmváriascoisasemcomum:o<br />

mesmo primeiro nome, um estrelato<br />

inesperado eoriscode<br />

ficarem para a história pela<br />

pior das razões – estarem à<br />

frente do governo quando a<br />

Grécia faliu. As duas primeiras<br />

já ninguém lhas tira, mas o primeiro-ministro<br />

grego, Georges<br />

Papandreou, e o seu ministro<br />

das Finanças, Georges Papaconstatinou,<br />

querem evitar a<br />

parte chata da falência e estão<br />

dispostos a tudo para o fazer.<br />

Ontem, Papaconstatinou<br />

anunciou que o governo vai<br />

avançar com uma mega reforma<br />

fiscal no país para reduzir o<br />

défice, numa derradeira tentativa<br />

de recuperar alguma confiança<br />

dos mercados.<br />

Ainda a Europa estava a<br />

acordar e já o vice-presidente<br />

do BCE, Lucas Papademos -<br />

que reuniu de emergência com<br />

Papaconstatinou na quintafeira<br />

- tentava passar um sinal<br />

positivo ao mundo financeiro<br />

desde Frankfurt: “O BCE está<br />

confiante, devido à informação<br />

que temos, que o governo grego<br />

está consciente da gravidade da<br />

situação e vai tomar as acções<br />

apropriadas”.<br />

Horas mais tarde, em conferência<br />

de imprensa, o ministro<br />

das Finanças da Grécia anunciava<br />

uma reforma fiscal no<br />

país, para aumentar as receitas<br />

do Estado e diminuir o défice<br />

para, pelo menos, 3% do Produto<br />

Interno Bruto (PIB) até<br />

2013 - deverá terminar este ano<br />

a rondar os 12,7%. “Temos que<br />

convencer os mercados que a<br />

Grécia está a ir por um cami-<br />

CRONOLOGIA<br />

Dia 8<br />

A agência de notação financeira<br />

Fitch baixa o ‘rating’ da Grécia de<br />

A- para BBB+, já depois de a<br />

Standard & Poor’s ter colocado a<br />

dívida do país sob revisão,<br />

motivada por uma revisão em alta<br />

do défice do ano passado - de 3,7<br />

para 7,7% do PIB de 2008. Esta<br />

foi a primeira vez em dez anos<br />

que o ‘rating’ da Grécia desceu<br />

abaixo de A.<br />

nho diferente”, avisou Papaconstantinou,<br />

antes de anunciar<br />

uma reforma fiscal que<br />

“vai ser crucial para melhorar<br />

as contas públicas”.<br />

Contra a fúria dos mercados,<br />

reformar, reformar<br />

A reforma fiscal inclui um impostosobreosganhosempresariais,<br />

um aumento no imposto<br />

do tabaco e álcool e uma tri-<br />

A taxa de tributação<br />

do novo sistema<br />

progressivo<br />

vai variar entre<br />

5% e 50%<br />

do rendimento.<br />

Dia 14<br />

O primeiro-ministro helénico,<br />

Georges Papandreou, anuncia<br />

uma série de medidas, com o<br />

objectivo de convencer os<br />

mercados de que a Grécia vai<br />

conseguir baixaro défice de 12,7%<br />

do PIB este anopara menos de 3%<br />

em 2013. Congelar salários na<br />

função pública ou cortar na<br />

segurança social foram duas<br />

das promessas.<br />

butação a 90% sobre os bónus<br />

da banca privada. Mas “a grande<br />

aposta”, anunciou o ministro,<br />

será “alargar a base de tributação”<br />

da economia, através<br />

de alterações no sistema progressivo,<br />

porque actualmente a<br />

maioria das receitas fiscais -<br />

que não ultrapassam os 19% do<br />

PIB-provêmdeumnúmero<br />

reduzido de contribuintes, “na<br />

sua maioria assalariados com<br />

rendimentos medianos”.<br />

Cerca de 85% das declarações<br />

de IRS na Grécia dizem<br />

respeito a rendimentos anuais<br />

inferiores a 30 mil euros, com<br />

apenas três mil declarações a<br />

apresentarem rendimentos<br />

acima dos 200 mil euros. Além<br />

disso, cerca de 5 milhões de<br />

gregos declaram rendimentos<br />

anuais abaixo dos 12 mil euros.<br />

A taxa de tributação do novo<br />

sistema progressivo vai variar<br />

entre 5% e 50% do rendimento,<br />

tendo em vista carregar sobre<br />

os mais ricos. O governo<br />

espera aprovar a reforma em<br />

princípios de Março do próximo<br />

ano, mas os seus efeitos só<br />

se vão sentir em 2011.<br />

O discurso do ministro das<br />

Finanças não veio a tempo de<br />

impedir que a Moody’s - única<br />

agência de notação que não<br />

cortou no ‘rating’ da dívida<br />

grega - pusesse quatro bancos<br />

helénicos sobre vigilância negativa.<br />

Papaconstantinou foi,<br />

por isso questionado, sobre um<br />

eventual ‘downgrade’ da<br />

Moody’s na dívida da República<br />

- o que impediria o BCE de<br />

aceitar obrigações gregas como<br />

colaterais. “Falámos com a<br />

Moody’s e não temos nenhuma<br />

indicação [sobre um eventual<br />

corte]”, respondeu. ■<br />

Dia 16<br />

Na última quarta-feira foi a vez<br />

de a Standard & Poor’s baixar<br />

o ‘rating’ da República grega<br />

de ‘AAA-’ para ‘BBB+’, mantendo<br />

o ‘outlook’ negativo. Medidas<br />

insuficientes para controlar as<br />

contas públicas e “obstáculos<br />

domésticos” muito fortes para<br />

oGovernonaalturadelevar<br />

a cabo reformas foram<br />

as justificações dadas.<br />

É previsível que as medidas de<br />

consolidação orçamental gerem<br />

contestação na Grécia.<br />

Dia 17<br />

O primeiro-ministro grego viaja<br />

para o centro financeiro de<br />

Londres de manhã, para acalmar<br />

os mercados. À tarde, reúne-se de<br />

urgência com o vice-presidente do<br />

BCE, que o pressiona a avançar<br />

com medidas mais claras. A<br />

Alemanha também pressiona, com<br />

Angela Merkel a pedir “mais<br />

esforços” e responsabilidade ao<br />

governo helénico.<br />

Dia 18<br />

O ministro das Finanças grego<br />

anunciou uma mega reforma fiscal<br />

para reduzir o défice. A grande<br />

aposta de Papaconstantinou<br />

passa por alargar a base de<br />

tributação, através de alterações<br />

ao sistema progressivo, para<br />

carregar sobre os mais riscos.<br />

O anúncio não impede a Moody’s<br />

de colocar quatro bancos gregos<br />

sobre vigilância negativa.


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Yiorgos Karahalis/Reuters<br />

Luís Reis Pires<br />

luis.pires@economico.pt<br />

Reside em Portugal há uma década,<br />

mas não esconde a preocupação<br />

com a grave situação que o<br />

seu país natal atravessa. Elias<br />

Soukiazis, professor da Universidade<br />

de Coimbra, diz que não há<br />

outra solução a não ser tomar<br />

medidas drásticas, mas receia a<br />

reacçãodopovogregoàausteridade<br />

orçamental.<br />

Como está acompanhar a situaçãonaGrécia?<br />

Estou preocupado. É muito difícil<br />

saber que o país está a falir.<br />

Opovogregotempercepçãodo<br />

quãograveéesteproblema?<br />

Acho que não. Eu este ano passei<br />

lá férias no Verão e quase nem se<br />

notava a crise financeira. Os gregos<br />

são mais alegres, não ligam<br />

muito a estas coisas. E a Grécia é<br />

um país mais baseado no comércio,<br />

nas comunicações, nos<br />

transportes marítimos e no turismo,<br />

ou seja, não tinha tantas indústrias<br />

para fechar e criar tanto<br />

desemprego como em Portugal.<br />

Além disso, o país conseguiu ter<br />

um bom crescimento nos últimos<br />

anos,devidoàsfronteirasque<br />

abriramnaEuropadoLestee<br />

trouxeram novas oportunidades.<br />

Mas esta euforia era falsa, era devida<br />

a dinheiro emprestado. E<br />

agora chegou a altura de pagar<br />

isso.<br />

Como é que o país chega a este<br />

ponto?<br />

Uma das grandes razões é falta de<br />

confiança nos políticos gregos.<br />

Aliás, o próprio ministro das finanças<br />

alemão pôs a culpa nos<br />

governos anteriores, que até<br />

eram de direita e queriam privatizar<br />

tudo o que era do Estado,<br />

porque não era eficiente. Mas no<br />

fim não deixaram receita nenhu-<br />

ma. Agora quem paga é o novo<br />

governo, que vai ter que tomar<br />

medidas impopulares.<br />

Mas como é possível tanta falta de<br />

transparência nas contas?<br />

Falta controlo por parte da União<br />

Europeia. A solução passa por<br />

duas opções combinadas: primeiro,<br />

o governo tem que tomar<br />

medidas severas para aumentar a<br />

receita e cortar a despesa. E depois<br />

o Banco Central Europeu<br />

tem de fazer uma maior fiscalização,<br />

para ver se estas medidas<br />

vão conseguir reduzir o défice. E<br />

pressionar mais o governo, porque<br />

até agora não houve nenhuma<br />

pressão e os governos conseguem<br />

esconder algumas coisas.<br />

Há risco de ‘default’?<br />

Sim, mas a questão coloca-se<br />

mais em termos de credibilidade<br />

porque não acredito mesmo na<br />

falência. A Grécia tem duas coisas<br />

muito fortes que podem ajudar<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 23<br />

ENTREVISTA ELIAS SOUKIAZIS economista e professor na Universidade de Coimbra<br />

“Receio que o povo grego<br />

não reaja bem às medidas<br />

impopulares do governo”<br />

As boas relações do governo com os sindicatos poderão não ser<br />

suficientes para evitar uma revolta social. Tudo depende do desemprego.<br />

A Grécia tem<br />

dois pontos fortes<br />

aseufavor:o<br />

negócio marítimo<br />

e o turismo,<br />

lembra Elias<br />

Soukiazismas,<br />

grego e professor<br />

da Universidade<br />

de Coimbra.<br />

também a trazer mais receita: o<br />

negócio marítimo e o turismo. O<br />

que é preciso é coragem política e<br />

implementarasmedidascertas<br />

para ultrapassar o problema. Até<br />

porque a União Europeia não tem<br />

nenhum interesse em deixar um<br />

membro com problemas, por<br />

causa do perigo de contaminação.<br />

Não acredito que vão deixar<br />

a Grécia ficar nas mãos do FMI.<br />

A Grécia conseguirá resolver o<br />

problema sem ajuda?<br />

As economias grandes, como a<br />

Alemanha, já disseram que, se a<br />

Grécia tomar todas as medidas<br />

necessárias, não vão precisar de<br />

apoio. Têm é que implementar<br />

bemerápido.Etêmqueserfiscalizadas<br />

de forma contínua, para<br />

ver se de facto estão a dar resultado.<br />

Receio que o povo grego<br />

não reaja bem às medidas impopulares.<br />

A Grécia não tem um grande historialdeaceitaçãodopovoem<br />

medidas mais austeras…<br />

É verdade, mas neste momento o<br />

governo tem maioria absoluta e<br />

pode implementar as medidas. E<br />

o partido socialista na Grécia é<br />

mais de esquerda, tem uma relação<br />

muito diferente com os sindicatos,<br />

quando comparado por<br />

exemplo com o partido socialista<br />

português. Acho que talvez o<br />

povo grego mostre uma certa tolerância<br />

a estas medidas, reconhecendo<br />

que os governos anteriores<br />

tiveram políticas desastrosasequeistotemqueserresolvido.<br />

Mas depois há um movimento<br />

anarquista muito forte, não sei<br />

se eles vão reagir com distúrbios.<br />

Mas é capaz de haver uma tolerância<br />

pelo menos nos primeiros<br />

tempos, não havendo revoluções<br />

sociais. Agora, vai depender do<br />

desemprego. Se aumentar ainda<br />

mais, vai haver problemas sociais<br />

de certeza. ■


24 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ECONOMIA A SEMANA<br />

Agenda 19.12 > 25.12<br />

> 21.12<br />

Ministra do Trabalho ouvida<br />

no Parlamento<br />

A ministra do Trabalho, Helena André, é recebida<br />

na Assembleia da República na segunda-feira.<br />

Os deputados da Comissão do Trabalho deverão<br />

questionar a governante sobre o Código<br />

Contributivo, o salário mínimo e as medidas<br />

de apoio às empresas.<br />

Orçamento revela contas<br />

públicas de Novembro<br />

A Direcção-Geral do Orçamento divulga o boletim<br />

de execução orçamental de Novembro, onde constam<br />

dados sobre a evolução da receita fiscal e da despesa<br />

do Estado.<br />

INE divulga síntese económica<br />

de conjuntura<br />

O Instituto Nacional de Estatística (INE) avança<br />

os dados da Síntese Económica de Conjuntura e<br />

ainda os Índices de Preços na Produção Industrial.<br />

Reunião da APED<br />

com o sindicato do sector<br />

A APED (Associação Portuguesa de Empresas<br />

de Distribuição) reúne-se com o CESP (Sindicato dos<br />

Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços<br />

de Portugal) para discutir alterações ao contrato<br />

colectivo de trabalho, nomeadamente a criação<br />

do banco de horas. O sindicato já contestou a posição<br />

patronal, convocando uma greve para dia 24 de<br />

Dezembro.<br />

> 22.12<br />

Eurostat publica números<br />

das encomendas à indústria<br />

Na terça-feira, a entidade oficial de estatística<br />

daUniãoEuropeia–oEurostat–publicaas<br />

estatísticas referentes às novas encomendas<br />

à indústria em Outubro.<br />

EUA avançam estimativa<br />

do PIB do terceiro trimestre<br />

O Gabinete de Análise Económica do Departamento<br />

norte-americano do Comércio divulga a terceira<br />

estimativa do PIB no terceiro trimestre.<br />

Reino Unido divulga<br />

Contas Nacionais Trimestrais<br />

O Reino Unido divulga ainda as Contas Nacionais<br />

Trimestrais enquanto França avança o índice<br />

de preços no produtor e de importação.<br />

> 23.12<br />

Banco de Portugal publica<br />

Boletim Estatístico<br />

O Banco de Portugal revela na quarta-feira o seu<br />

Boletim Estatístico, que contém os dados de crédito<br />

mal-parado das famílias e das empresas e o volume<br />

de crédito concedido.<br />

Tribunal de Contas entrega<br />

parecer sobre CGE de 2008<br />

O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme<br />

d’Oliveira Martins, entrega ao presidente da<br />

Assembleia da República, Jaime Gama, o parecer<br />

sobre a Conta Geral do Estado de 2008.<br />

O presidente da Fed viu renovado o seu mandato por mais quatro anos. Eleito pela<br />

revista Time como personalidade do ano, Bernanke defendeu esta semana a importância<br />

de manter baixo o preço do dinheiro por um período prolongado.<br />

A FIGURA<br />

HELENA ANDRÉ<br />

ministra do Trabalho<br />

O Governo vai financiar o recurso das empresas aos<br />

contratos de trabalho intermitente, facultando e<br />

financiando acções de formação dos trabalhadores.<br />

Esta foi a principal novidade que o Governo<br />

apresentou esta semana na reunião de concertação<br />

social, como moeda de troca para o aumento do<br />

salário mínimo, de 450 para 475 euros. A ministra do<br />

Trabalho, Helena André, mostrou-se intransigente,<br />

não tendo aceite a proposta dos patrões que<br />

aumentava o SMN para apenas 460 euros.<br />

OFACTO<br />

DÍVIDAS DOS HOSPITAIS<br />

Time Inc. via Bloomberg<br />

BERNANKE RENOVOU MANDATO E FOI ESCOLHIDO PELA TIMES COMO PERSONALIDADE DO ANO<br />

A dívida dos hospitais aos fornecedores deverá<br />

ultrapassar os mil milhões de euros no final do ano.<br />

Segundo o Ministério da Saúde, em Setembro<br />

a dívida já chegava aos 900 milhões de euros,<br />

podendo chegar facilmente aos mil milhões<br />

verificados no ano passado. A poucos dias do fim<br />

do ano, o Governo ainda não sabe como vai pagar<br />

a galopante dívida dos hospitais aos fornecedores.<br />

É que o Fundo de Apoio aos Pagamentos do Serviço<br />

Nacional de Saúde só tem 1,8 milhões de euros.


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26 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

POLÍTICA<br />

Santana regressa<br />

para condicionar<br />

disputa no PSD<br />

Ferreira Leite aplaude proposta de congresso extraordinário.<br />

Apoiantes de Passos Coelho dizem que “não faz sentido”.<br />

Márcia Galrão<br />

marcia.galrao@economico.pt<br />

Santana Lopes regressou ao<br />

centro de todos os debates e<br />

causou burburinho dentro do<br />

PSD. Bastou um artigo de opinião<br />

a dizer que vai recolher assinaturas<br />

para convocar um<br />

congresso extraordinário, para<br />

que o nome do ‘enfant terrible’<br />

do PSD voltasse à ribalta. E desta<br />

vez, até Ferreira Leite lhe gabou<br />

a proposta. Informada antecipadamente<br />

do objectivo de<br />

Santana, a líder recusou assinar<br />

o requerimento mas disse que a<br />

ideia é “positiva” e surge “num<br />

belíssimo momento”. Menos<br />

satisfeitos ficaram os apoiantes<br />

de Passos Coelho, a quem este<br />

conclave vem baralhar as contas<br />

rumo à candidatura nas próximas<br />

directas.<br />

Ao que o <strong>Económico</strong> apurou,<br />

a ideia de Santana não foi previamente<br />

combinada com a direcção<br />

de Ferreira Leite ou com<br />

qualquer facção dentro do PSD.<br />

Mas a proposta não deixou de<br />

agradar a quem considera que o<br />

partido precisa de fazer uma reflexão<br />

interna o quanto antes,<br />

sobretudo àqueles que continuam<br />

à espera de uma vaga de<br />

fundo à volta de uma qualquer<br />

candidatura que faça frente a<br />

Pedro Passos Coelho. O congresso<br />

extraordinário é visto<br />

como a oportunidade para que<br />

surja um novo candidato à liderança,<br />

sustentado num debate<br />

ideológico profundo. Uma ideia<br />

que Marcelo Rebelo de Sousa<br />

defendeu recentemente, quando<br />

propôs uma cimeira “em que<br />

as pessoas” se sentassem “à<br />

mesa para encontrarem uma<br />

solução, os ex-líderes, os que<br />

acham que lideram sensibilidades,<br />

aqueles que têm alguma<br />

responsabilidade passada”.<br />

Agora, perante a proposta de<br />

Santana Lopes, são muitos os<br />

nomes ligados a Ferreira Leite<br />

que vêm aplaudir a proposta. Ao<br />

<strong>Económico</strong>, Alexandre Relvas<br />

diz que “todos os debates e reflexões<br />

que possam consolidar e<br />

conduzir ao reforço do PSD<br />

como alternativa política são<br />

úteis”. Também João de Deus<br />

Pinheiro acredita tratar-se de<br />

uma “excelente proposta, não só<br />

para o PSD como também para o<br />

país”. Presidente da mesa do<br />

congresso, Rui Machete defendeu<br />

à TSF que o debate seria útil<br />

para discutir o futuro do partido<br />

e poderia até servir para evitar<br />

alguns defeitos das eleições di-<br />

OSRECADOSDESANTANA<br />

O PSD precisa de<br />

um congresso<br />

extraordinário para<br />

tudo ser “ponderado,<br />

debatido e decidido”.<br />

“Não acredito no PSD<br />

seopartidonãolevar<br />

uma grande volta”.<br />

“O PSD está sem<br />

causas. Está a ir atrás<br />

daqueles que há anos<br />

tudo fazem para<br />

desestabilizar, para<br />

corroer, para minar os<br />

alicerces da sociedade<br />

e do Estado”.<br />

“Se sair, estou seguro<br />

que não voltarei”.<br />

“Gostava de lá ver<br />

e ouvir, por exemplo<br />

Fernando Nogueira”,<br />

diz Santana Lopes<br />

no artigo de opinião<br />

no Sol.<br />

rectas, preparando o partido<br />

para a eleição do novo líder.<br />

Mais cauteloso foi José Pedro<br />

Aguiar-Branco. O líder parlamentar<br />

do PSD disse que irá<br />

respeitar “a vontade dos militantes<br />

e, portanto, não há problema<br />

nenhum” num congresso<br />

extraordinário, mas não irá<br />

subscrever qualquer convocatória”.<br />

Apontando como um<br />

possível candidato à liderança,<br />

Aguiar-Branco, diz que essa<br />

discussão não deve ser antecipada<br />

ao Orçamento do Estado.<br />

Uma visão bem distinta têm<br />

os apoiantes de Pedro Passos<br />

Coelho, que estão já a preparar o<br />

terreno para as eleições directas<br />

do partido, que o Conselho NacionaldoPSDremeteuparadepois<br />

da votação do Orçamento<br />

do Estado para 2010. O próprio<br />

Passos Coelho recusou comentar<br />

a proposta de Santana, mas<br />

Miguel Relvas diz ao <strong>Económico</strong><br />

que acha “estranho” que alguns<br />

“tenham tanta pressa num congresso<br />

extraordinário e tão pouca<br />

em realizar eleições”. E consideraqueoproblemadopartido<br />

é de “liderança” e “os militantes<br />

exigem e os portugueses desejam<br />

uma liderança que construa<br />

uma nova alternativa para Portugal”.<br />

Também Ângelo Correia<br />

rejeita a proposta e acusa mesmo<br />

o ex-primeiro-ministro de estar<br />

a querer “acabar com as eleições<br />

directas”, uma vez que no artigo<br />

que assina no Sol Santana defende<br />

que “o sistema de debate<br />

estratégico e de escolha da liderança<br />

precisa de ser alterado”.<br />

No mesmo artigo, acusa o<br />

partido de estar “sem causas” e<br />

diz sentir-se na “obrigação de<br />

fazer mais um esforço para que<br />

as coisas possam mudar”. “Por<br />

amor e não por interesse” vai<br />

recolher as 2500 assinaturas<br />

para um congresso e diz que se<br />

sair do partido está “seguro”<br />

que não voltará. As palavras de<br />

Santana são interpretadas por<br />

Nogueira Leite como “mais uma<br />

das habituais provas de vida” do<br />

ex-primeiro-ministro, embora<br />

reconheça que o partido precisa<br />

de “reflexão”. ■<br />

Foi com Santana Lopes que o PSD<br />

passou a escolher cada novo líder<br />

em eleições directas. Agora,<br />

o ex-primeiro-ministro quer discutir<br />

no Congresso Extraordinário<br />

se esta é a melhor forma do PSD<br />

escolher quem o conduza.<br />

REACÇÕES DO PSD<br />

Manuela Ferreira<br />

Leite<br />

Líder do PSD<br />

“Acho que é um belíssimo<br />

momento para ser um foro de<br />

debate muitíssimo importante<br />

antes das eleições directas,<br />

que é aquilo que ele pretende.<br />

É bastante positivo que haja<br />

um momento de debate entre<br />

os militantes tão útil e tão<br />

profícuo”.<br />

Alexandre Relvas<br />

Presidente do<br />

Instituto<br />

Francisco Sá<br />

Carneiro<br />

“Acho que todos os debates e<br />

todas reflexões que possam<br />

consolidar e conduzir ao<br />

reforçodoPSDcomo<br />

alternativa política, são úteis”,<br />

sustenta Alexandre Relvas,<br />

presidente do IPSD, numa<br />

reacção à proposta de um<br />

congresso extraordinário.


Miguel Relvas<br />

Militante do PSD e<br />

apoiante de Pedro<br />

Passos Coelho<br />

“O problema do PSD é de<br />

liderança. Os militantes exigem<br />

e os portugueses desejam uma<br />

liderança que construa uma<br />

nova alternativa para Portugal.<br />

Acho estranho que alguns<br />

tenham tanta pressa num<br />

congresso e tão pouca em<br />

realizar eleições”.<br />

CDS aprova medidas anti-crise para agricultura<br />

O Parlamento aprovou ontem um projecto de resolução do CDS-PP<br />

com “medidas de efeito rápido” para responder à crise na agricultura,<br />

com os votos favoráveis do CDS, PSD e PCP e PEV e abstenção do PS<br />

e do Bloco de Esquerda. A ideia é que os apoios cheguem aos<br />

agricultores mais depressa. O líder do CDS, Paulo Portas, considerou<br />

insuficientes as medidas já tomadas pelo Governo, como a “energia<br />

verde, o apoio ao gasóleo e a linha de crédito anunciada”.<br />

João de Deus<br />

Pinheiro<br />

Militante do PSD<br />

“Acho que o congresso<br />

extraordinário proposto por<br />

Santana Lopes é uma excelente<br />

ideia, não só para se reflectir<br />

sobre o próprio PSD como<br />

também sobre o país. Acho que<br />

é uma excelente proposta”,<br />

considera João de Deus<br />

Pinheiro.<br />

Paulo Figueiredo<br />

António Nogueira<br />

Leite<br />

Economista e<br />

militante do PSD<br />

“Acho que faz sentido uma<br />

reflexão, mas esta é mais uma<br />

das habituais provas de vida do Dr.<br />

Santana Lopes. Até haver alguma<br />

substância é o estilo habitual,<br />

nada que não conheçamos<br />

ao fim de 30 anos. Estava<br />

afastado de tudo, é uma forma<br />

de mostrar que ainda existe”.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 27<br />

Congresso em<br />

Março adiará<br />

eleições directas<br />

Proposta de Santana Lopes<br />

aponta princípio de Março para<br />

realização do Congresso.<br />

Márcia Galrão<br />

marcia.galrao@economico.pt<br />

O pontapé de saída está dado,<br />

agora falta apenas convencer<br />

2.500 militantes a assinar o requerimento<br />

que ditará a convocação<br />

de um congresso extraordinário,<br />

como propõe Pedro Santana<br />

Lopes. Em declarações à<br />

Lusa, o ex-primeiro-ministro<br />

adiantou que prevê entregar na<br />

primeira quinzena de Janeiro as<br />

assinaturas necessárias e espera<br />

que este se realize “no princípio<br />

de Março”, apontando “5, 6 e 7<br />

ou 12, 13 e 14 de Março” como datas<br />

possíveis para a realização do<br />

congresso extraordinário que<br />

pretende fazer convocar. A partir<br />

da entrega das 2.500 assinaturas<br />

“o processo ao todo deve demorar<br />

cerca de 45 dias”, estimou.<br />

Santana Lopes propõe que na<br />

agenda desse congresso extraordinário<br />

do PSD esteja “a<br />

análise da situação política e<br />

eventuais alterações aos estatutos<br />

do partido”, que poderão alterar<br />

a forma de eleição do presidente<br />

do partido. Dois pontos<br />

que fazem parte das competências<br />

do Congresso Nacional, órgão<br />

supremo do partido, e estão<br />

explícitas nos estatutos. “Deve<br />

ser um congresso para estar<br />

tudo em causa e estarmos todos<br />

em causa, para analisar o passado<br />

e falar do presente, para<br />

construir o futuro”, acrescentou<br />

Santana Lopes, afastando<br />

para já qualquer candidatura<br />

sua à liderança do partido.<br />

Após o Conselho Nacional<br />

ter remetido para depois da<br />

discussão do Orçamento do Estado<br />

para 2010 a convocação<br />

das eleições directas, o congresso<br />

pode vir baralhar estas<br />

contas. É que até aqui tem-se<br />

apontado exactamente para<br />

Marçocomoadatamaisprovável<br />

para o sufrágio.<br />

Se as datas avançadas por Pedro<br />

Santana Lopes forem aceites,<br />

a eleição directa será provavelmente<br />

adiada para Abril ou<br />

Maio. Exactamente em cima do<br />

período em que o Presidente da<br />

República voltará a ter poder<br />

para dissolver a Assembleia da<br />

República, o que a acontecer<br />

encontrará o PSD com uma<br />

nova liderança imaculada. Circunstâncias<br />

muito semelhantes<br />

às que conduziram José Sócrates<br />

à liderança do seu primeiro<br />

Governo.<br />

Nos bastidores do PSD esta<br />

coincidência não passa despercebidaeháquemacrediteque<br />

seria a estratégia perfeita para<br />

uma alternância de poder. Seja<br />

quem for o líder na altura, estará<br />

em condições reforçadas para<br />

discutir com o PS o Governo de<br />

Portugal, caso a situação de governabilidade<br />

do país se torne<br />

de tal forma insustentável que<br />

Cavaco resolva tomar uma atitude<br />

ou Sócrates decida ele próprio<br />

impor uma moção de confiança<br />

no Parlamento. ■<br />

“Deve ser um<br />

congresso para estar<br />

tudo em causa e<br />

estarmos todos em<br />

causa, para analisar<br />

o passado e falar<br />

do presente, para<br />

construir o futuro”,<br />

defende Santana<br />

Lopes.


28 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

POLÍTICA<br />

Dívidas à banca aumentam<br />

processos em tribunal<br />

Balcão Nacional de Injunções recebe mais de 1.600 processos diários para reconhecer<br />

a existência de dívidas. Banca lidera lista de credores com 40% das acções.<br />

António de Albuquerque<br />

eSusanaRepresas<br />

antonio.albuquerque@economico.pt<br />

São números que demonstram<br />

averdadeiracruezadacrise<br />

económica que se abateu sobre<br />

Portugal.Todososdiasentram<br />

no Balcão Nacional de Injunções<br />

mais de 1.664 processos<br />

para cobrança de dívidas. É<br />

através de uma injunção que o<br />

credor obtém um título executivo,<br />

que reconhece a existência<br />

da dívida, o primeiro passo<br />

para que seja feita a cobrança<br />

judicial.<br />

Os dados do ministério da<br />

Justiça, a que o <strong>Económico</strong> teve<br />

acesso, revelam que as instituições<br />

bancárias estão a liderar<br />

as queixas contra os seus clientes.<br />

A razão já todos sabemos<br />

qual é: falta de pagamento ou o<br />

chamado incumprimento. E é<br />

no crédito concedido para<br />

aquisição à habitação própria<br />

queseregistaomaiorcrescimentodesempredestetipode<br />

processos, com mais de cinco<br />

mil, isto apenas no primeiro<br />

semestre do ano, o que contrasta<br />

com os 4.272 registados<br />

durantetodooanode2008<br />

(ver infografia).<br />

Aliás, um olhar atento sobre<br />

os números demonstra que as<br />

injunção instruídas pelas instituições<br />

bancárias aumentaram<br />

com a crise. Senão vejamos. A<br />

banca, e em menor escala as outras<br />

instituições de concessão<br />

de crédito - responsáveis por<br />

parte dos 906 processos relativosàcompraevendaaprestações<br />

-, foram responsáveis por<br />

mais de 20 mil processos no primeirosemestredoano,oque<br />

representa 40% de todos os<br />

processos entrados nos tribunais.<br />

Ao longo de todo o ano<br />

passado, estas instituições financeiras<br />

foram responsáveis<br />

por pouco mais de 28,7 mil injunções.<br />

A par dos processos relativos<br />

à concessão de crédito<br />

para habitação própria e de<br />

compra e venda a prestações,<br />

juntam-se os referentes ao cartãodecréditoedeaberturade<br />

crédito. Isto, se excluirmos a<br />

rubrica que mais contribui para<br />

inundar os tribunais de papel, e<br />

agora mais recentemente sobrecarregarossistemasinformáticos,<br />

concretamente com a criação<br />

do sistema de informação<br />

Citius. Trata-se de todos os casos<br />

de falta de pagamento e que<br />

se prendem com o fornecimento<br />

de bens e serviços, nomeadamente<br />

telecomunicações, água,<br />

luz, gás, entre outros. E que há<br />

muito representam a maior fatia<br />

do número de processos: no ano<br />

passado representavam mais de<br />

80% e este ano, no primeiro semestre,pesam76%(verinfografia).<br />

Apesar deste caos aparente,<br />

este sistema de injunções<br />

facilitoubastanteavidaaquem<br />

quer cobrar uma dívida. Quem o<br />

garanteéaadvogadaDulceDinis:<br />

“É uma forma mais rápida<br />

de obter uma sentença com força<br />

executória”, no entanto,<br />

acrescenta a advogada da Albuquerque<br />

& Associados, o problema<br />

da cobrança mantém-se,<br />

e mesmo nos casos em que o devedor<br />

reconhece o valor em falta,<br />

o processo judicial pode arrastar-se<br />

vários anos, caso não<br />

tenhadinheirooubensparape-<br />

Dulce Dinis,<br />

da Albuquerque<br />

& Associados<br />

confirma que<br />

os novos procedimentossimplificaramesteprocesso<br />

e tornaram mais<br />

eficaz a cobrança<br />

de dívidas.<br />

“O aumento<br />

do desemprego e<br />

as elevadas taxas<br />

de juro de 2008,<br />

ainda reflectidas<br />

nos contratos<br />

à habitação,<br />

justificam estes<br />

números”, refere<br />

Filipe Garcia.<br />

nhorar.Esteé,aliás,umdos<br />

mais graves problemas da justiça,<br />

responsável por milhares de<br />

processos pendentes em tribunal.<br />

Apesar da recente reforma<br />

da acção executiva, o cenário<br />

ainda é catastrófico. Esta semana,<br />

o presidente do Supremo<br />

Tribunal de Justiça, Noronha<br />

Nascimento, disse que “o novo<br />

regime tem fracassado” e “enche<br />

as estatísticas das pendências<br />

processuais, agravando na<br />

opinião pública uma imagem<br />

de morosidade que não passa<br />

por eles”. Ainda nas palavras<br />

de Noronha, no discurso de tomada<br />

de posse, o conselheiro<br />

lembrou que “há países da<br />

União que nem sequer têm acção<br />

executiva”, e quem quer<br />

cobrar uma dívida recorre a entidades<br />

privadas.<br />

O economista Filipe Garcia<br />

não deixa de salientar a actual<br />

conjuntura económica para<br />

justificar o acréscimo de processos.<br />

“No primeiro semestre<br />

deste ano tivemos a pior conjugação<br />

possível, por um lado o<br />

desemprego a aumentar e por<br />

outro, a queda verificada das<br />

taxas de juro ainda não estava<br />

incorporada nos contratos à<br />

habitação”, refere o responsáveldaInformaçãodeMercados<br />

Financeiros.<br />

Justiça já resolveu mais<br />

de 330 mil processos<br />

É um facto: a crise está a contribuir<br />

para o aumento do número<br />

de processos, veja-se que entre<br />

2008 e 2009 foram mais de 1.770<br />

processos por dia, quando comparamos<br />

com um número de<br />

mil nos anos anteriores. Contudo,<br />

assinale-se que só neste semestre<br />

foram encerrados mais<br />

de 330 mil processos. Um número<br />

que representa quase uma<br />

duplicação do observado em<br />

muitos anos, quando fazemos<br />

uma retrospectiva a partir de<br />

1999. Aliás, caso se mantenha<br />

este ritmo nos tribunais, será<br />

batido um autêntico recorde,<br />

com mais de 600 mil processos<br />

decididos. No ano passado, já<br />

tinham sido dados como findos<br />

perto de 500 mil.<br />

A justificação para esta eficácia<br />

reside no facto de ser<br />

mais simples e rápido, e também<br />

mais barato, o procedimento<br />

de injunção que uma<br />

acção judicial, sobretudo depois<br />

da alteração de Março de<br />

2008, que facilitou os procedimentos<br />

e reduziu os custos,<br />

com a utilização da Internet<br />

(ver texto ao lado). ■<br />

CUSTOS DA INJUNÇÃO<br />

● Os custos de propôr uma<br />

injunção são reduzidos em<br />

metade caso o requerimento seja<br />

apresentado por via electrónica.<br />

● Se o valor da dívida for inferior<br />

a1.875euros,oprocessotemum<br />

custode12euros.<br />

● Quando o procedimento tem<br />

um valor igual ou superior a 1.875<br />

euros e inferior a 3.750 euros, a<br />

injunção custa 24 euros.<br />

● O custo passa para 48 euros,<br />

caso a acção tenha um valor<br />

igual ou superior a 3.750 euros e<br />

inferior a 15.000 euros.<br />

● A partir de 15.000 euros, cada<br />

acção de injunção tem de ser<br />

paga por 96 euros.<br />

● Quando o procedimento tiver<br />

um valor superior a 30.000<br />

euros, aos 96 euros referidos<br />

anteriormente, acresce, por cada<br />

15.000 euros ou fracção, e até ao<br />

limite máximo de 50.000 euros,<br />

24 euros.<br />

● Todos estes valores duplicam,<br />

caso o processo não seja<br />

apresentado pela via electrónica.


Infografia: Mário Malhão | mario.malhao@economico.pt<br />

Criação do Balcão Nacional de<br />

Injunções agilizou o processo.<br />

Susana Represas<br />

susana.represas@economico.pt<br />

Desde Março de 2008 que é possível<br />

certificar oficialmente a<br />

existência de uma dívida através<br />

da Internet. Um processo simples<br />

que permite ao credor obter<br />

um título de cobrança, o primeiro<br />

passo para poder avançar<br />

com a cobrança em tribunal.<br />

1.<br />

O QUE É A INJUNÇÃO?<br />

A injunção é um procedimento<br />

através do qual uma empresa<br />

pede um título executivo que<br />

comprova que tem um crédito<br />

sobre outra entidade. Só depois<br />

de ter este documento é que o<br />

credor pode dirigir-se ao tribunal<br />

para pedir a cobrança coerciva<br />

da dívida.<br />

2.<br />

QUAISOSPASSOSDESTEPRO-<br />

CEDIMENTO NA INTERNET?<br />

Oprimeiropassoéapresentaro<br />

requerimento de injunção. Depois<br />

da notificação do devedor,<br />

este pode opor-se à dívida - e aí<br />

oprocessovaiparatribunalou<br />

aceitá-la. Neste caso, forma-se<br />

um título executivo, assinado<br />

pelo secretário judicial,<br />

que depois é enviado para o tribunal.<br />

As instâncias judiciais<br />

desencadeiam então uma acção<br />

executiva para o credor recuperar<br />

a dívida.<br />

3.<br />

QUAL É A PRINCIPAL<br />

VANTAGEM PARA A EMPRESA<br />

CREDORA?<br />

Fazer este procedimento pela<br />

internet reduz em metade as taxas<br />

de justiça, poupa tempo<br />

(porque evita a intervenção de<br />

um juiz e a necessidade de um<br />

processo judicial) e evita deslocações<br />

aos tribunais para entregar<br />

fisicamente os documentos<br />

necessários.<br />

4.<br />

COMO É QUE SE ENTREGA<br />

O REQUERIMENTO?<br />

Antes deste processo entrar em<br />

funcionamento, até Março de<br />

2008, era obrigatória a ida ao<br />

tribunal e a assinatura de um<br />

juiz. Desde que a desmaterialização<br />

do processo de injunções<br />

entrou em vigor, o requerimento<br />

pode ser entregue através do<br />

sistema informático CITIUS (a<br />

que os agentes de justiça, como<br />

os advogados, têm acesso) ou<br />

mandando um formulário elec-<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 29<br />

Cobrança<br />

‘online’ é rápida<br />

e mais barata<br />

trónico preenchido (disponível<br />

em www.mj.gov.pt). Por outro<br />

lado, se o requerente não puder<br />

aceder ao CITIUS, pode simplesmente<br />

entregar o requerimento<br />

em papel, cabendo aos<br />

funcionários tratar da sua passagem<br />

a formato electrónico.<br />

5.<br />

O QUE É, E PARA QUE SERVE<br />

ONOVOBALCÃONACIONAL<br />

DAS INJUNÇÕES?<br />

O novo balcão equipara-se a<br />

uma secretaria-geral e serve<br />

para garantir que os procedimentos<br />

electrónicos são bem<br />

feitos. O objectivo deste balcão<br />

é aumentar os níveis de eficiência<br />

e eficácia no trabalho e retirar<br />

estes procedimentos das 231<br />

secretarias judiciais onde antes<br />

tramitavam as injunções, libertando<br />

essas secretarias para os<br />

restantes processos e procedimentos<br />

judiciais.<br />

6.<br />

O QUE ACONTECE ÀS<br />

SECRETARIAS JUDICIAIS?<br />

As secretarias foram extintas,<br />

mantendo-se em funcionamento<br />

como liquidatárias dos<br />

processos pendentes.<br />

7.<br />

PAGAMENTOS MAIS RÁPIDOS<br />

Desde o início de 2008 que está<br />

também em vigor o programa<br />

Pagar a Tempo e Horas, cujo objectivo<br />

principal é descer os<br />

prazos de pagamentos das empresas<br />

do Estado aos fornecedores<br />

privados. O programa<br />

aplica-se também aos municípios,<br />

embora com críticas da<br />

associação das autarquias. O<br />

objectivo é reduzir os prazos em<br />

15% no primeiro ano de vigor e<br />

será possível às entidades contrair<br />

empréstimos com juros<br />

mais baixos. ■<br />

Fazer este<br />

procedimento<br />

pela Internet reduz<br />

em metade as taxas<br />

de justiça, poupa<br />

tempo e evita<br />

deslocações<br />

aos tribunais.


30 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

POLÍTICA<br />

Catarina Duarte<br />

catarina.duarte@economico.pt<br />

Portugal já superou o pico da<br />

gripe A. “A primeira onda pandémica<br />

já passou”, confirmou<br />

ao <strong>Económico</strong> a subdirectorageraldaSaúde,GraçaFreitas.<br />

Nas últimas duas semanas, e<br />

de acordo com os balanços semanais<br />

do ministério da Saúde, o<br />

número de casos de síndrome<br />

gripal observados nos serviços<br />

de saúde diminuiu consideravelmente.<br />

Nas semanas entre 16 e 29<br />

de Novembro, o número de casos<br />

registados ultrapassou os 27 mil.<br />

Na primeira semana de Dezembro<br />

o número caiu para 20.506<br />

casos e os últimos dados, relativos<br />

à semana de 7 a 13 de Dezembro,<br />

confirmam uma desaceleração<br />

da doença: foram re-<br />

gistados 14.518 doentes com gripe.<br />

Portugal não foi o único país<br />

a registar uma desaceleração do<br />

número de casos de H1N1. Parte<br />

da Europa e Estados Unidos<br />

também já ultrapassaram o pico<br />

da doença. Contudo, a Organização<br />

Mundial da Saúde diz que<br />

ainda é “demasiado cedo” para<br />

afirmar que a pandemia da gripe<br />

A - que já fez mais de dez mil<br />

mortosemtodoomundo-está<br />

achegaraofim.Istoporqueo<br />

H1N1 continua a propagar-se a<br />

“níveis elevados” em certas regiõesdaEuropaedaÁsiaCentral,<br />

e “actualmente não podemos<br />

prever se o vírus irá ressurgir<br />

no início de 2010”, referiu<br />

esta semana o conselheiro especialdaOMS,KeijiFukuda.<br />

A vacinação poderá ter contribuído<br />

para evitar uma peque-<br />

na parte dos contágios, admite<br />

Graça Freitas, contudo “não podemos<br />

dizer que as vacinas tenham<br />

contribuído para a diminuição<br />

da intensidade da<br />

gripe A”. De acordo com a<br />

subdirectora-geral da Saúde, o<br />

abrandamento da pandemia<br />

deve-se “ao comportamento<br />

do vírus, que começa por uma<br />

fase de aceleração lenta, depois<br />

rápida e depois entra numa<br />

fase de desaceleração”.<br />

Nesta fase, o vírus encontrase<br />

agora mais activo entre a população<br />

adulta. “O pico atinge<br />

primeiro as crianças e de seguida<br />

os adultos jovens”, explicou<br />

Graça Freitas, acrescentando<br />

que os sintomas da doença<br />

também estão mais ligeiros, o<br />

que pode levar à não identificação<br />

da doença.<br />

Denis Balibouse/Reuters<br />

O vírus H1N1<br />

encontra-se agora<br />

mais activo entre a<br />

população adulta.<br />

Portugal já ultrapassou pico da gripe A<br />

Novas vagas do vírus podem ressurgir em 2010. OMS diz que ainda é cedo para falar no fim da pandemia.<br />

MORTES NO MUNDO<br />

10 mil<br />

De acordo com a Organização<br />

Mundial de Saúde, o vírus da<br />

gripeAjáfezmaisde10mil<br />

mortos em todo o mundo.<br />

Vacinação alargada<br />

a crianças até aos 12 anos<br />

Todas as crianças até aos 12 anos<br />

podem começar a ser vacinadas<br />

contra a gripe A já a partir de<br />

segunda-feira, avançou ontem<br />

oministériodaSaúde.<br />

A decisão antecipa assim a<br />

vacinação do grupo C, que<br />

inicialmente estava prevista<br />

para depois de Janeiro. Contudo,<br />

com as remessas regulares<br />

de novas doses da vacina,<br />

a pouca adesão dos grupos<br />

de risco anteriores e o<br />

factodejásósernecessária<br />

uma dose para garantir a<br />

imunização, ficaram disponíveis<br />

mais vacinas, pelo<br />

que se antecipou o processo<br />

para este grupo, em que será<br />

dada prioridade às crianças<br />

até aos 12 anos. ■<br />

Infografia: Susana Lopes | Susana.lopes@economico.pt


Agenda 19.12 > 25.12<br />

> 21.12<br />

Conferência de líderes aborda<br />

o tema da corrupção<br />

PSD tenciona propor a criação de uma comissão<br />

eventual de acompanhamento do combate à<br />

corrupção, na conferência de líderes, na Assembleia<br />

da República.<br />

Criminoso de guerra nazi<br />

julgado na Alemanha<br />

John Demjanjuk, 89 anos, de origem ucraniana,<br />

está a ser julgado por cumplicidade no assassínio<br />

de 27.900 judeus nas câmaras de gás do campo de<br />

extermínio nazi de Sobibor, onde foi guarda, em 1943.<br />

O julgamento está a decorrer em Munique,<br />

na Alemanha.<br />

Grupos parlamentares do PS e<br />

PSD organizam jantar de Natal<br />

Os grupos parlamentares do Partido Socialista e do<br />

Partido Social Democrata organizam os seus<br />

respectivos jantares de Natal, que vão contar com as<br />

presenças dos líderes, José Sócrates e Manuela<br />

Ferreira Leite. O jantar do PS vai ter lugar no<br />

Refeitório dos Frades e o do PSD será no edifício<br />

novo da Assembleia.<br />

> 22.12<br />

Lisboa faz balanço<br />

da Estratégia<br />

Energético-Ambiental<br />

Um ano depois da aprovação da Estratégia<br />

Energético-Ambiental de Lisboa, a CML faz o balanço<br />

do trabalho desenvolvido, dos ganhos obtidos e das<br />

novas medidas a implementar para tornar Lisboa<br />

mais eficiente e sustentável até 2013. António Costa<br />

estarápresentenaconferênciadeimprensa.<br />

Apresentado relatório sobre<br />

prisões secretas da CIA<br />

Está prevista a divulgação do relatório e conclusões<br />

da comissão parlamentar de inquérito sobre as<br />

prisões secretas da CIA na Lituânia.<br />

Debate quinzenal com<br />

o primeiro-ministro<br />

O PS será o partido a escolher o tema para o debate<br />

quinzenal com o primeiro-ministro, José Sócrates.<br />

Ainda não foram definidas as questões a abordar.<br />

> 23.12<br />

Continuam as negociações<br />

no Ministério da Educação<br />

Os sindicatos dos professores continuam as<br />

negociações com o secretário de Estado<br />

da Educação, Alexandre Ventura. Já começam<br />

a haver alguns indícios de um possível consenso,<br />

mas a existência de quotas para a atribuição<br />

das notas mais elevadas continua a ser um entrave<br />

aumpossívelacordo.<br />

GOVERNO APROVA CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 31<br />

A SEMANA<br />

A falta de consenso não impediu o Governo de aprovar a alteração ao Código Civil<br />

para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Resta saber como é que a<br />

lei vai contornar a questão da adopção, que se for tratada como excepção pode ditar<br />

a inconstitucionalidade desta lei.<br />

O MOMENTO<br />

SISMO<br />

Portugal tremeu na quinta-feira<br />

Foi só um susto, mas serviu para provocar uma noite<br />

de insónias a milhares de portugueses com um sono<br />

mais leve. Na madrugada de quinta-feira, o país foi<br />

abalado por um sismo de magnitude 6,0 na escala<br />

de Richter, que teve o epicentro ao largo do Cabo de<br />

São Vicente. O sismo foi sentido por todo o território<br />

mas não houve vítimas nem estragos. No entanto,<br />

foi o suficiente para desenterrar o assunto e lembrar<br />

que Portugal está numa zona de risco sísmico<br />

significativo. Foi o abalo mais forte desde 1969.<br />

AFIGURA<br />

BERLUSCONI<br />

Primeiro-ministro italiano alvo de violência<br />

João Paulo Dias<br />

Um nariz partido, dois dentes rachados e um corte no<br />

lábio foram as marcas deixadas por uma miniatura de<br />

ferro, que um cidadão atirou ao seu primeiro-ministro,<br />

Silvio Berlusconi. Um ataque sofrido à saída de um<br />

comício, em Milão, que valeu ao presidente uns dias<br />

de internamento e quinze dias de repouso em casa.<br />

O agressor, Massimo Tartaglia, que tem problemas<br />

mentais, está preso desde domingo. Os comerciantes<br />

não perderam tempo e inventaram uma miniatura de<br />

Berlusconi em sangue.


32 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

RADAR PORTUGAL<br />

Os três grandes estão em competição na Europa.<br />

A sorte da UEFA não foi nada<br />

ori<strong>gina</strong>l para os portugueses: o<br />

Arsenal é um velho conhecido<br />

do FC Porto na Liga dos Campeões.<br />

Já Benfica e Sporting trocaram<br />

de adversários na Liga<br />

Europa.<br />

O sorteio dos oitavos-de-final<br />

da Liga dos Campeões voltou<br />

a colocar uma equipa londrina<br />

no caminho do portistas.<br />

Estes ainda não conseguiram<br />

ultrapassar o fatalismo histórico<br />

das viagens a Inglaterra, onde<br />

nunca venceram para as competições<br />

europeias, somando 11<br />

derrotas em 12 encontros. No<br />

constante “convívio” com<br />

equipas da pátria do futebol na<br />

Liga dos Campeões, chegou<br />

agora novamente a vez do Arsenal,<br />

que o FC Porto defrontou<br />

em quatro ocasiões - todas na<br />

fase de grupos da Champions -<br />

nos últimos quatro anos, apenas<br />

com uma vitória lusa.<br />

Ints Kalnins /Reuters Vasily Fedosenko/Reuters<br />

Um gigante e dois aflitos<br />

O FC Porto enfrenta peso-pesado,<br />

Benfica e Sporting têm missões bem menos espinhosas<br />

No Arsenal actuam<br />

grandes nomes do<br />

futebol mundial,<br />

como Fabregas, Van<br />

Persie ou Arshavin.<br />

O treinador francês<br />

Arséne Wenger criou<br />

uma autêntica escola<br />

futebolística.<br />

JOGOS DAS EQUIPAS PORTUGUESAS<br />

FCP inicia a competição com um jogo em casa<br />

José Manuel Ribeiro/Reuters<br />

Na Liga Europa, ao Sporting<br />

calhou em sorte um “traumatizado”<br />

Everton, depois da “chapa<br />

5” que encaixou no Estádio<br />

da Luz há poucas semanas.<br />

Igualmente em crise encontra-seoadversáriodoBenfica<br />

nestes 1/16 de final da Liga Europa:<br />

o Hertha de Berlim, que<br />

foi oponente do Sporting na fase<br />

de grupos. Os alemães ocupam<br />

mesmo o último lugar da Bundesliga.<br />

■JNC – Football Ideas<br />

Prova Fase Equipa Adversário Local Data<br />

Liga dos Campeões 1/8 final FC Porto Arsenal 1ª mão Porto, 17/2/2010<br />

2ª mão Londres, 9/3/2010<br />

Liga Europa 1/16 final Benfica Hertha 1ª mão Berlim, 18/2/2010<br />

2ª mão Lisboa, 23/2/2010<br />

Liga Europa 1/16 final Sporting Everton 1ª mão Liverpool, 16/2/2010<br />

2ª mão Lisboa, 25/2/2010<br />

Bruxelas aprova financiamento adicional para a Alta Velocidade.<br />

Transportes<br />

Alta velocidade recebe mais 33 milhões<br />

A Comissão Europeia (CE) aprovou<br />

um financiamento adicional<br />

de 33 milhões de euros para o<br />

projecto de alta velocidade em<br />

Portugal, anunciou o ministério<br />

das Obras Públicas. De acordo<br />

com o comunicado, este financiamento<br />

vem no seguimento<br />

das cinco candidaturas apresentadas<br />

pela RAVE (a responsável<br />

pelo projecto de TGV) em Maio<br />

deste ano ao programa das Rede<br />

Transeuropeia de Transportes<br />

(RTE-T). No pacote de projectos<br />

que vão receber este financiamento<br />

incluem-se estudos e os<br />

projectos de execução relativos<br />

aos sub-troços Moita-Poceirão e<br />

Poceirão-Évora, que integra o<br />

eixo Lisboa-Madrid, e ainda a<br />

Calçado<br />

Nova administração da Investvar<br />

paga salários<br />

Começou uma nova era para a<br />

Investvar. A nova administração<br />

da Investvar, empresa que<br />

ainda utiliza a marca Aerosoles,<br />

já está em funções. Uma boa<br />

nova para os 650 trabalhadores<br />

da empresa, uma vez que a primeira<br />

medida desta administração<br />

liderada por Jorge Pereira da<br />

Costa, foi efectuar o pagamento<br />

dos salários referentes ao mês de<br />

Novembro, a que se junta ainda<br />

o subsídio de Natal.<br />

O <strong>Económico</strong> sabe que após a<br />

reunião da passagem de testemunhoentrePedroRibeiroda<br />

CunhaeJorgePereiradaCosta,o<br />

novo presidente fez questão de se<br />

ir apresentar aos funcionários da<br />

empresa.<br />

A administração ontem cooptada<br />

vai agora realizar um estudo<br />

de viabilidade da empresa, delineado<br />

o seu plano estratégico.<br />

Quem também teve oportunidade<br />

de conhecer o novo presidente<br />

da Investvar foi Fernanda<br />

Moreira do sindicato de calçado<br />

de Aveiro.<br />

“Éumafactoqueanovaadministração<br />

já está em funcionamento,<br />

agora vamos ver o que<br />

se segue”, adiantou Fernanda<br />

Moreira.<br />

“A nova administração está ali<br />

Lucas Schifres. Bloomberg<br />

implementação dos sistemas de<br />

sinalização e telecomunicaçõesnotroçoentreBragaeafronteira<br />

com Espanha, do eixo Porto-Vigo<br />

e no troço de entre Lisboa e<br />

Caia, do eixo Lisboa-Madrid.<br />

Dizocomunicado,coma<br />

atribuição deste apoio, os apoios<br />

da CE, no âmbito das RTE-T, totalizam<br />

já os 422 milhões de euros.<br />

A estes juntam-se os 955<br />

milhões de euros disponilbilizadosnoâmbitodoQREN,oque<br />

totaliza apoios comunitários de<br />

1.377 milhões de euros.<br />

O comunicado nota ainda que<br />

as decisões agora tomadas pela<br />

CE serão ainda ratificadas pelo<br />

Parlamento Europeu até 8 de Janeiro<br />

de 2010. ■A.B.<br />

paralevaraempresaparaafrente,<br />

pelo menos foi isso que me<br />

transmitiu o presidente”.<br />

Quanto aos ordenados, Fernanda<br />

Moreira foi mais cautelosa<br />

“a indicação que me deram é que<br />

a ordem de pagamento já foi<br />

dada, por isso alguns receberão<br />

hoje dependendo da instituição<br />

bancária, outros receberão na<br />

segunda-feira”.<br />

Duranteapróximasemana,<br />

apesar desta ser mais curta, a<br />

administração deverá reunir<br />

com o sindicato de modo a definirem<br />

o número de trabalhadores<br />

que deverá entrar em<br />

‘lay-off’.<br />

A nova administração só deve<br />

tomar posse formalmente depois<br />

de ser aprovada em assembleia<br />

geral de accionistas, o que<br />

deverá ocorrer em finais de Janeiro.<br />

■ E.F.<br />

Uma boa notícia para 650 trabalhadores.


Banco de Portugal<br />

Indicadores de conjuntura apontam<br />

para melhoria da actividade económica<br />

A economia portuguesa continua<br />

a dar sinais que apontam<br />

para uma recuperação lenta mas<br />

sustentada. Depois de o Instituto<br />

Nacional de Estatística (INE)<br />

ter confirmado que a melhoria<br />

do investimento impulsionou o<br />

PIB no segundo trimestre, foi a<br />

vez do Banco de Portugal revelar<br />

que o indicador coincidente<br />

para a actividade económica<br />

saiu finalmente do vermelho no<br />

mês de Novembro.<br />

O indicador já estava a melhorar<br />

desde Abril mas desta vez<br />

chegou finalmente ao nível atingido<br />

no mês homólogo. Apesar<br />

disso, os indicadores de confiança<br />

de vários indústrias e serviços<br />

mantiveram-se longe do<br />

INDICADOR DE ACTIVIDADE<br />

O indicador coincidente tem<br />

vindo a recuperar depois de ter<br />

atingido mínimos em meados<br />

do corrente ano.<br />

0,00<br />

-1,75<br />

-3,50<br />

Nov 08<br />

Fonte: BdP<br />

Nov 09<br />

O Presidente Cavaco Silva esteve ontem em Torres Vedras.<br />

O Presidente da República, Cavaco<br />

Silva, garantiu ontem a sua independência<br />

na análise dos diplomas,<br />

quer se tratem de propostas<br />

do Governo ou da Assembleia<br />

da República. À margem de<br />

uma visita à Associação para a<br />

Educação de Crianças Inadaptadas,<br />

em Torres Vedras, Cavaco foi<br />

interrogadosobresehátratamento<br />

diferente entre os diplomas<br />

que chegam a Belém vindos<br />

da oposição e os que vêm do Governo,<br />

Cavaco Silva assegurou<br />

registado no final do ano passado,<br />

tal como as perspectivas de<br />

procura dirigidas à indústria<br />

transformadora (menos 50% do<br />

que no período homólogo).<br />

A subir continua também o<br />

consumo privado. Segundo o<br />

Banco de Portugal, o indicador<br />

coincidente cresceu 1,7%, acelerando<br />

relativamente aos 1,2%<br />

do mês anterior. E acumula já<br />

sete melhorias consecutivas,<br />

revelandoqueaescaladadodesemprego<br />

não teve um impacto<br />

directamente proporcional nas<br />

despesas das famílias.<br />

A explicação é tripla: o rendimento<br />

disponível continua<br />

robusto devido às actualizações<br />

salariais negociadas no ano passado,<br />

a inflação está contida (-<br />

0,8% em Novembro, apesar de<br />

já estar a ganhar terreno) e a<br />

confiança dos consumidores<br />

começa a reanimar à medida<br />

que as notícias se tornam progressivamente<br />

menos negativas.<br />

Os economistas, contudo,<br />

têm vindo a avisar que o consumo<br />

não tem muito mais margem<br />

para crescer.<br />

Deprimido continua o sector<br />

automóvel, um dos mais afectados<br />

pela crise. Segundo o<br />

BancodePortugal,ovolumede<br />

negócios no ramo dos veículos<br />

pesados, por exemplo, está cerca<br />

de 60% mais curto do que no<br />

período homólogo. Ainda assim,<br />

o investimento começa a<br />

melhorar, o que aponta para<br />

uma recuperação da produção a<br />

médio prazo. ■<br />

Presidência da República<br />

Cavaco garante independência na análise dos diplomas<br />

nunca ser influenciado nas suas<br />

decisões por este factor. “É [preciso]<br />

não [me] conhecer para<br />

ima<strong>gina</strong>r que eu posso ser influenciado<br />

nas minhas decisões<br />

relativamente a diplomas, consoante<br />

eles são originários do Governo<br />

ou da Assembleia da República,<br />

se eles são aprovados por<br />

este ou por aquele partido”, exclamou<br />

o chefe de Estado. Os critérios,<br />

acrescentou, são “sempre<br />

os mesmos” e têm em linha de<br />

conta “o interesse nacional”.<br />

Interrogado sobre os apelos<br />

para uma intervenção sua caso o<br />

ambiente de conflito entre Governo<br />

e oposição continuar, Cavaco<br />

Silva apenas disse que<br />

acompanhade“muitoperto”a<br />

situação do país nos mais variados<br />

domínios, mas recusou deixar-se<br />

“arrastar” para “combates de natureza<br />

político-partidária”. Sem<br />

comentário ficou o facto de o Governo<br />

ter aprovado o diploma que<br />

vai permitir o casamento entre<br />

duas pessoas do mesmo sexo. ■<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 33<br />

Simon Kwong/ Reuters<br />

O DESCERRAR DA BANDEIRA PORTUGUESA EM MACAU<br />

Desde que deixou de ser território português, há dez<br />

anos, que Macau recebeu pouco mais de mil milhões<br />

de euros de investimento português, um valor que a<br />

AICEP considera simbólico.<br />

João Paulo Dias<br />

PUB<br />

Media<br />

Liberdade<br />

de expressão<br />

em causa<br />

O Sindicato de Jornalistas e a<br />

Confederação de Meios já se<br />

pronunciaram contra a criação<br />

de um organismo com poderes<br />

disciplinares efectivos sobre os<br />

jornalistas. A proposta do presidente<br />

do Supremo Tribunal<br />

de Justiça (STJ), Noronha Nascimento,<br />

é considerada pelo<br />

Sindicato “uma verdadeira<br />

caça aos mensageiros da desgraça”,<br />

acrescentando ainda<br />

que já existem “leis suficientes”<br />

e “órgãos bastantes para<br />

escrutinar e eventualmente<br />

sancionar os jornalistas”. A<br />

Confederação de Meios, que<br />

representa mais de 600 empresas<br />

de media em Portugal, avisou<br />

ainda que a criação de tal<br />

órgão pode constituir “uma<br />

ameaça à liberdade de expressão”<br />

e como tal anunciou que ia<br />

pedir uma audiência com carácter<br />

de urgência a Noronha<br />

Nascimento para obter explicações<br />

sobre o caso. As reacções<br />

surgem depois da tomada de<br />

posse do presidente do STJ,<br />

pelo segundo mandato consecutivo,<br />

onde Noronha Nascimento<br />

afirmou que muitos dos<br />

actuais problemas da justiça<br />

advém da postura da comunicação<br />

social. “Para violações<br />

estatutárias só conheço um antídoto<br />

eficaz. Um órgão com<br />

poderes disciplinares efectivos,<br />

composto paritariamente por<br />

representantes da classe profissional<br />

e da estrutura política<br />

do Estado”, afirmou. ■


34 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

RADAR MUNDO<br />

Auschwitz foi o maior campo de concentração do regime nazi.<br />

1 Polónia<br />

Marco histórico roubado dos portões<br />

de Auschwitz<br />

Umatabuletacomafrase“Arbeit<br />

Mach Frei” (O trabalho vai<br />

libertar-te) foi roubada ontem<br />

da entrada do antigo campo de<br />

concentração nazi de<br />

Auschwitz. O governo polaco<br />

destacou 50 membros das suas<br />

forças policiais para encontrar o<br />

paradeiro da tabuleta, que já foi<br />

entretanto substituída por uma<br />

réplica. Em Bruxelas, Jerzy Buzek,<br />

presidente do Parlamento<br />

Europeu e ex-primeiro-ministro<br />

polaco, apelou aos ladrões<br />

para que devolvam a tabuleta.<br />

“Devolvam-no, por respeito ao<br />

sofrimento de mais de um milhão<br />

de vítimas, mortas neste<br />

campo de concentração nazi, o<br />

maior cemitério da Humanidade”,<br />

disse. Grupos neo-nazis<br />

são os principais suspeitos pelo<br />

roubo. O roubo ocorre um dia<br />

depois da Alemanha ter doado<br />

60 milhões de euros para preservar<br />

o antigo campo nazi, que<br />

recebe por ano cerca de um milhão<br />

de pessoas. ■<br />

2 Argélia<br />

Argel negoceia livre circulação<br />

de pessoas em troca de gás<br />

O ministro da Energia argelino<br />

Chakib Khelil só avança para o<br />

acordo estratégico de gás, que está<br />

a negociar com a União Europeia,<br />

se conseguir a livre circulação de<br />

pessoas entre o país do Magreb e<br />

os países membros. “Há outras<br />

condições que a Argélia pede, o<br />

queéimportanteparanósnãoéde<br />

venda de gás, como tal, mas a obtenção<br />

da livre circulação de pessoasentreaArgéliaeaUniãoEuropeia”,<br />

disse o ministro.<br />

Cerca de 95% das exportações<br />

de gás da Argélia são vendidos no<br />

continente europeu, satisfazendo<br />

assim 15% das suas necessidades<br />

de consumo. Portanto, o<br />

acordo estratégico reduziria a<br />

dependência energética crescentedaRússiaoudaNoruega.<br />

O objectivo do Magreb, nas<br />

palavras da Comissária Europeia<br />

8<br />

6 11<br />

9<br />

1<br />

4 7<br />

10<br />

4<br />

2<br />

para as Relações Externas, Benita<br />

Ferrero-Waldner, é fazer<br />

um gornecimento seguro “para<br />

o continente, enquanto” a Argélia<br />

pretende um mercado preferencial<br />

para os seus produtos<br />

energéticos. Por sua vez, Chakib<br />

Khelil frisou: “Nós temos que<br />

conseguir algo muito importante,queéalivrecirculaçãode<br />

pessoas”.<br />

O ministro já havia manifestado<br />

algumas objecções à natureza<br />

e conteúdo do acordo estratégico<br />

de energia, que ele chamou de<br />

“inútil”. Chakib Khelil disse em<br />

Março passado que não sabia se<br />

“Bruxelas quer um acordo global<br />

que obrigue todos os países<br />

membros, ou melhor, um acordo<br />

académico que conduza a negociações<br />

bilaterais com cada um<br />

dos Estados-membros.” ■<br />

4 França<br />

Ex-ministra Dati<br />

critica União<br />

Europeia<br />

“Estou no hemiciclo do<br />

Parlamento em Estrasburgo. Já<br />

não posso mais, já não posso<br />

mais. Acho que ainda vai haver<br />

um drama antes de eu acabar<br />

o meu mandato.” O desabafo da<br />

ex-ministra da Justiça, foi<br />

captado em Setembro pela<br />

estação de televisão M6.<br />

Rachida tinha-se esquecido do<br />

microfone ligado durante uma<br />

conversa telefónica com uma<br />

amiga. Está lançada a polémica.<br />

As observações de Rachida Dati<br />

foram alvo de críticas no<br />

Parlamento, em Estrasburgo.<br />

“Eu disse que ela não<br />

aguentava, que regressaria”,<br />

reagiu o líder dos verdes no<br />

Parlamento Europeu, Daniel<br />

Cohn-Bendit, falando no<br />

falhanço do “sarkozysmo”.<br />

Próxima do presidente Nicolas<br />

Sarkozy, a ministra de origem<br />

magrebina caiu em desgraça e<br />

foi enviada para o Parlamento<br />

Europeu. “É a falha do<br />

‘pegamos em qualquer um e<br />

colocamo-lo em qualquer lado’”,<br />

disse Cohn-Bendit.<br />

Declarações “indignas” e<br />

“absolutamente escandalosas”,<br />

segundo Rachida Dati.<br />

Questionada pela AFP, a<br />

eurodeputada lembrou que a<br />

conversa era com uma amiga<br />

sobre o problema de<br />

“organização” da sua vida<br />

privada – mãe solteira – e que<br />

não está nada frustrada com a<br />

situação. Joseph Daul, o seu<br />

chefe no Parlamento Europeu,<br />

também da UMP, disse<br />

compreender ser “difícil<br />

quando somos ministros<br />

e nos tornamos meros<br />

eurodeputados”. C.M.<br />

Dati aborrecida em Estrasburgo.<br />

O negócio está avaliado em cerca de mil milhões de euros.<br />

5 Itália<br />

Prisa e Mediaset fundem canais<br />

O grupo espanhol Prisa anunciou<br />

ontem que chegou a acordo<br />

com a Mediaset, de Silvio<br />

Berlusconi, para uma operação<br />

de fusão dos canais “Cuatro”<br />

(Prisa) e “Telecinco” (Mediaset),<br />

líder de audiências em Espanha.Noâmbitodesteacordo<br />

será criada uma nova empresa<br />

controlada pelo grupo de Berlusconi<br />

e onde a Sogecable, da<br />

Prisa, terá uma participação de<br />

22%. O negócio implica ainda<br />

que a Mediaset tome uma participação<br />

de 22% na Digital+, a<br />

plataforma de televisão paga do<br />

grupo Prisa.<br />

O acordo pressupõe ainda que a<br />

“Telecinco” irá realizar um aumento<br />

de capital para integrar a<br />

“Cuatro”, que será subscrito<br />

pela Sogecable. A participação<br />

final da Sogecable na nova “Telecinco”<br />

será, no entanto, de<br />

apenas 18%, já que após a conclusão<br />

da operação de concen-<br />

6 Reino Unido<br />

Brown quer reformar sistema legal<br />

após ordem de prisão a Livni<br />

Com carácter “urgente”, o GovernodoReinoUnidoestáaestudar<br />

reformar o seu sistema legal<br />

depois de um tribunal de<br />

Londres emitir, no final de semana<br />

passada, uma ordem de<br />

detenção contra a chefe da<br />

oposição israelita, Tzipi Livni.<br />

A informação foi dada pelo ministro<br />

dos Assuntos Exteriores,<br />

David Miliband, em comunicado,<br />

no qual ressalta que é<br />

importante a visita de personalidades<br />

de Israel ao Reino<br />

Unido para dialogar com as<br />

autoridades deste país.<br />

A ordem de detenção contra<br />

Livni – que iria visitar esta semana<br />

o Reino Unido – foi concedida<br />

por um tribunal a pedido<br />

de grupos palestinos, furiosos<br />

pela incursão militar israelita,<br />

no final de 2008, contra a<br />

Faixa de Gaza.<br />

Na última segunda-feira, ao<br />

saberqueaministradeAssuntos<br />

Exteriores de Israel não viajaria<br />

mais, a ordem judicial foi<br />

tração, a “Telecinco” fará um<br />

novo aumento de capital. A Telecinco<br />

adquire assim 82% e a<br />

Prisa 18,3%. Um negócio que,<br />

no total, está avaliado em cerca<br />

demilmilhõesdeeuros.De<br />

acordo com o grupo espanhol,<br />

que em Portugal controla a Media<br />

Capital (dona da TVI), a<br />

participação de 22% que a Telecinco<br />

vai controlar na “Digital+”<br />

está avaliada em 470 milhões<br />

de euros, valor igual ao<br />

pago pela Telefónica à Prisa há<br />

cerca de três semanas por uma<br />

quota de 21%.<br />

O objectivo passa por consolidar<br />

a Telecinco como líder em<br />

sinal aberto e da “Digital+” nos<br />

conteúdos pagos. A par deste<br />

negócio,aPlanetaeaMediaPro<br />

negociaram também a fusão<br />

dos canais “Antena 3” e “La<br />

Sexta”, operação que dá assim<br />

lugar à segunda empresa privada<br />

do sector. ■<br />

levantada. O primeiro-ministro,<br />

Benjamin Netanyahu, classificou<br />

a decisão de “absurda”.<br />

David Miliband frisou que<br />

está disposto a impedir que<br />

uma situação como essa volte a<br />

repetir-se. “Israel é um parceiro<br />

estratégico e um amigo próximo<br />

do Reino Unido. Estamos<br />

determinados a proteger e desenvolver<br />

estes laços. Os líderes<br />

israelitas, como os líderes de<br />

outros países, devem visitar e<br />

manter um diálogo apropriado<br />

com o Governo britânico”. ■<br />

Livni é ‘procurada’ no Reino Unido.<br />

DR


4 França<br />

Tribunal francês proíbe Google<br />

de disponibilizar livros digitalizados<br />

Um tribunal francês deliberou,<br />

ontem, que a Google não podia<br />

digitalizar livros franceses<br />

sem a autorização das editoras<br />

e determinou que o gigante<br />

‘online’ terá de pagar 300 mil<br />

euros de indemnização.<br />

Esta decisão veio encerrar<br />

um caso que já se arrastava<br />

há mais de três anos, depois<br />

da Le Seuil, uma das maiores<br />

editoras francesas, ter colocado<br />

a Google em tribunal por<br />

disponibilizar milhares<br />

das suas obras em formato<br />

digital sem a sua autorização.<br />

O tribunal de Paris determinou<br />

que a “Google cometeu actos<br />

de violação de direitos<br />

7 China<br />

Novo gasoduto abastece<br />

mercado chinês<br />

Um gasoduto crucial para levar<br />

gás natural da Ásia Central para<br />

a China começou esta semana a<br />

funcionar, contornando a Rússia,<br />

o que diminuirá o seu controlo<br />

sobre os vastos recursos<br />

naturais da região. A torneira do<br />

gasoduto foi oficialmente aberta<br />

no Norte do Turquemenistão<br />

pelos líderes da China (Hu Jintao),<br />

Cazaquistão, Uzbequistão<br />

e Turquemenistão.<br />

É a primeira grande rota de<br />

exportação de gás da Ásia Central<br />

que contorna a Rússia, este<br />

gasoduto desempenhará um<br />

papel chave na retirada das antigas<br />

repúblicas soviéticas da<br />

região da esfera de influência<br />

económica de Moscovo.<br />

Prevê-se que os fornecimentos<br />

de gás à China, através do<br />

gasoduto, atinjam cerca de 13<br />

mil milhões de metros cúbicos<br />

em 2010 e 30 mil milhões de<br />

metros cúbicos em 2013, quando<br />

a infra-estrutura estiver definitivamente<br />

concluída.<br />

O gasoduto de 6.800 quilómetros<br />

abastecerá todo o mercado<br />

chinês. “A abertura deste<br />

gasoduto é outra plataforma<br />

para a colaboração e a cooperação<br />

entre as nossas nações<br />

de ‘copyright’ em detrimento<br />

da Le Seuil” e outras duas<br />

editoras, todas pertencentes ao<br />

grupo La Martiniere. O grupo,<br />

que recebeu 300 mil euros de<br />

indemnização, tinha exigido<br />

inicialmente uma compensação<br />

de 15 milhões de euros.<br />

Agora, a Google terá um mês<br />

para cumprir com a decisão do<br />

tribunal e parar de digitalizar<br />

livros franceses. Passado<br />

o prazo, terão de pagar<br />

uma multa de dez mil euros<br />

por dia. O caso já tinha tido<br />

ramificações políticas. Na<br />

passada segunda-feira, o<br />

presidente francês Nicolas<br />

Sarkozy anunciou que o seu<br />

governo ia gastar cerca de 750<br />

milhões de euros para<br />

digitalizar os seus “tesouros<br />

nacionais” e comprometeu-se a<br />

proteger o património francês.<br />

Antes, no início de Dezembro, o<br />

ministro da Cultura Frederic<br />

Mitterrand já se tinha reunido<br />

com o vice-presidente da<br />

Google, David Drummond, para<br />

transmitir a sua “preocupação”<br />

com a política de digitalização<br />

delivrospostaempráticaem<br />

todo o mundo pela empresa<br />

norte-americana.<br />

A advogada em defesa<br />

da Google, argumentou<br />

que o Google Books não<br />

era uma livraria mas<br />

apenas um motor<br />

de pesquisa<br />

que disponibilizava pequenos<br />

excertos dos livros na Internet,<br />

livres de custos.<br />

amigas”, declarou Hu Jintao.<br />

O presidente chinês abriu a<br />

torneira que permitiu o fluxo de<br />

gás natural que percorrerá 1.800<br />

quilómetros no Turquemenistão,<br />

a partir da cidade de Samadepe,<br />

e depois 5.000 quilómetros<br />

até à província chinesa de<br />

Xinjiang, depois de passar pelo<br />

Uzbequistão e Cazaquistão. No<br />

momento de pleno funcionamento,<br />

em 2012-2013, o gasoduto<br />

permitirá a passagem<br />

anual de 40 mil milhões de metros<br />

cúbicos de gás natural. ■<br />

O gasoduto estende-se por 6.800 km.<br />

8 SAHARA OCIDENTAL: HAIDAR REGRESSA A CASA<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 35<br />

STR New/Reuters<br />

A activista do Sahara Ocidental, Aminatou Haidar, foi<br />

autorizada a regressar a casa, depois de uma greve de<br />

fome que durou 32 dias. A activista tinha sido exilada<br />

em Espanha pelo governo marroquino, mas após uma<br />

maratona diplomática Haidar aterrou ontem na sua cidade,<br />

onde os filhos (na foto) a aguardavam.<br />

9 Irlanda<br />

Ryanair cancela<br />

compra de 200<br />

aviões da Boeing<br />

A Ryanair confirmou o fim<br />

das negociações com a Boeing<br />

para a compra de 200 aviões<br />

do modelo 737-800 para<br />

o período de 2013-2016.<br />

A mudança nas condições<br />

estabelecidas em acordos<br />

prévios com a fabricante<br />

norte-americana será a<br />

principal razão por trás do<br />

recuo da operadora ‘low-cost’<br />

irlandesa, uma das maiores<br />

em toda a Europa.<br />

A Ryanair, que tem lucrado<br />

com os efeitos da crise,<br />

traduzida num aumento<br />

da procura por viagens com<br />

preços mais competitivos,<br />

anunciou também que este<br />

recuo não terá qualquer efeito<br />

nos negócios já concluídos<br />

com a Boeing.<br />

A operadora adiantou<br />

que continua a contar com<br />

a entrega de mais 112 aviões<br />

entre 2010 e 2012.<br />

10 Bélgica<br />

Bruxelas reforça orçamento<br />

para terrorismo e imigração<br />

O Parlamento Europeu aprovou,<br />

esta semana, o orçamento da<br />

União Europeia para 2010, de<br />

122,9 mil milhões de euros (o<br />

equivalente a 1,04% do produto<br />

interno bruto da UE), verba que<br />

SEGURANÇA<br />

1.000 milhões<br />

É o valor orçamentado para<br />

combater a criminalidade, o<br />

terrorismo e gerir os fluxos<br />

migratórios na União Europeia<br />

no próximo ano. Os recursos<br />

para investigação crescem 12%,<br />

para7.500milhõesdeeuros.<br />

11<br />

Alemanha<br />

Berlim aprova<br />

redução<br />

de impostos<br />

A câmara alta do parlamento<br />

alemão (Bundesrat) aprovou,<br />

ontem, o primeiro grande<br />

plano de corte de impostos<br />

do novo governo de Angela<br />

Merkel. As medidas propostas<br />

visam a redução de impostos<br />

nas empresas e mais ajudas<br />

fiscais para as famílias, e vai<br />

custar cerca 8,5 mil milhões<br />

ao governo alemão em 2010,<br />

quando entrar em vigor.<br />

A decisão acaba por salvar<br />

a chanceler do possível<br />

embaraço de um veto, tão<br />

cedo no seu segundo mandato.<br />

A Bundesrat é controlada<br />

por representantes dos<br />

16 estados da Alemanha,<br />

eMerkelcontavacom<br />

o apoio das regiões<br />

pela sua coligação.<br />

Alguns dos estados tinham<br />

ameaçado bloquear o plano<br />

de redução de impostos se não<br />

fossem compensadas pela<br />

perda de receitas que este vai<br />

trazer. Angela Merkel coloca<br />

nestas medidas muitas<br />

das suas esperanças para<br />

recuperar a sua economia,<br />

que se viu enterrada na sua<br />

maior recessão do pós-guerra.<br />

Apesar de contar agora<br />

um governo composto<br />

inteiramente pelos seus<br />

maiores aliados políticos, o<br />

segundo mandato de Merkel,<br />

ainda no seu segundo mês,<br />

já foi abalado por vários<br />

problemas, incluindo uma<br />

controvérsia envolvendo um<br />

ataque aéreo no Afeganistão<br />

que vitimou civis.<br />

O PIB alemão deverá cair<br />

quase5%esteanoeas<br />

previsões de expansão<br />

económica em 2010<br />

ficam-se pelos 1,2%.<br />

inclui uma ajuda de emergência<br />

de 300 milhões de euros para os<br />

produtores do leite. Além de<br />

um apoio adicional de 300 milhões<br />

de euros ao sector leiteiro,<br />

tal como solicitado pela assembleia,<br />

o orçamento prevê<br />

ainda uma “margem de manobra”<br />

de 500 milhões de euros<br />

para outras eventuais medidas<br />

de urgência para auxiliar os<br />

agricultores.<br />

No entanto, o maior aumento<br />

da despesa regista-se nos projectos<br />

de combate à criminalidade,<br />

ao terrorismo e na gestão<br />

dos fluxos migratórios, cujo financiamento<br />

aumentará 16%<br />

para 1.000 milhões de euros.<br />

O orçamento, negociado ao<br />

longo dos últimos meses entre<br />

representantes das três instituições<br />

comunitárias – Comissão ,<br />

Conselho e Parlamento –, foi<br />

aprovado no hemiciclo de Estrasburgo<br />

com 483 votos a favor,<br />

48 contra e 32 abstenções.■


36 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE LIVRO DE MARK MAZOWER<br />

Aorigem<br />

das Nações Unidas<br />

JOÃO MARQUES<br />

DE ALMEIDA<br />

Colunista do <strong>Económico</strong><br />

Mark Mazower, professor de história internacional<br />

na Universidade de Columbia, escreveu<br />

um livro magnífico. O tempo e a escassa<br />

curiosidade histórica resultaram<br />

numa ignorância relativamente generalizada<br />

sobre as origens das Nações Unidas. A<br />

organização é muito discutida, mas a história<br />

da sua criação é pouco conhecida. Como<br />

diz o autor na introdução, a versão oficial<br />

conta que “as Nações Unidas emergiram<br />

depois da Segunda Guerra Mundial puras e<br />

descontaminadas em relação ao passado da<br />

política mundial”. Marcariam uma espécie<br />

de ‘novo começo’ da história do mundo. O<br />

autor argumenta que, ao contrário das teses<br />

da ruptura, a origem das Nações Unidas<br />

deve ser colocada no contexto dos debates<br />

sobre os impérios europeus, nomeadamente<br />

o Império Britânico, e a experiência da<br />

Sociedade das Nações. Para Mazower, há<br />

duas dimensões centrais, paralelas e opostas,<br />

nas Nações Unidas. Para uns, a organização<br />

deveria promover a “missão civilizadora”<br />

dos impérios europeus. Para outros,<br />

deveria legitimar as lutas anti-coloniais de<br />

libertação nacional. Essas duas tendências,<br />

ainda hoje, explicam muitas das contradições<br />

da organização.<br />

As Nações Unidas<br />

e o ‘internacionalismo imperial’<br />

Os dois primeiros capítulos discutem as contribuições<br />

de um político, o sul-africano Jan<br />

Smuts, e de um académico, o inglês Alfred<br />

Zimmern, para a criação das Nações Unidas.<br />

Embora representassem visões distintas, foram<br />

ambos educados pela ideologia imperial<br />

britânica. Smuts defendeu a ‘superioridade<br />

racial branca’ na África do Sul. Zimmern<br />

pertencia a meios mais cosmopolitas e progressistas<br />

dos sectores liberais britânicos.<br />

Mas ambos olhavam para a tradição imperial<br />

britânica como uma forma de progresso histórico<br />

(”the white man’s burden”).<br />

Jan Smuts, primeiro-ministro sul-africano,<br />

era um dos delegados mais experientes na<br />

Conferência de São Francisco, após ter participado<br />

na Conferência de Paris que estabeleceu<br />

a SDN, em 1919. Tendo em conta o papel<br />

das Nações Unidas na luta contra o regime<br />

sul-africano do ‘apartheid’, quem diria que<br />

um antigo primeiro-ministro da África do<br />

Sul teria um papel de relevo na criação da or-<br />

ganização em 1945. Smuts via na ONU a garantia<br />

da preservação do Império Britânico<br />

em África, atribuindo ao governo sul-africano<br />

a papel de agente civilizador entre as populações<br />

locais. Ironicamente, na cabeça de<br />

um dos Pais Fundadores da organização, “as<br />

Nações Unidas começaram a sua vida não<br />

como um instrumento para acabar com o colonialismo,<br />

mas como um meio para o preservar”.<br />

E Smuts, de certo modo, não estava<br />

enganado. A Carta da ONU é de uma neutralidade<br />

absoluta em relação aos impérios coloniais<br />

e, mais tarde, foi devido aos interesses<br />

de Washington e de Moscovo e através de Resoluções<br />

da Assembleia Geral que a organização<br />

combateu o colonialismo.<br />

Não se julgue que a ligação entre as organizações<br />

universais e os Impérios era um exclusivo<br />

dos políticos mais conservadores. Intelectuais<br />

radicais, como J.A. Hobson, um<br />

crítico feroz do “imperialismo”, defendia a<br />

construção de uma “federação de Estados civilizados”<br />

com o objectivo de promover a<br />

missão civilizadora dos Impérios europeus.<br />

Nos meios intelectuais e académicos, o principal<br />

defensor do “internacionalismo imperial”<br />

foi Alfred Zimmern. Professor de Relações<br />

Internacionais na Universidade de<br />

Oxford e, mais tarde, na Universidade de<br />

Cornell, nos Estados Unidos.<br />

Zimmern, uma das figuras mais respeitadas<br />

e influentes no mundo anglo-saxónico<br />

no período entre as Guerras, herdou duas<br />

ideias centrais do pensamento liberal do século<br />

XIX. Em primeiro lugar, a Grécia clássica<br />

e Roma representavam os modelos dos<br />

Impérios civilizadores, cujos exemplos deveriam<br />

ser seguidos pelos europeus no século<br />

XX. Em segundo lugar, recuperou a<br />

distinção, desenvolvida nos séculos XVII e<br />

XVIII, entre os ‘bons’ e os ‘maus’ impérios.<br />

De um lado estavam os ‘impérios comerciais’<br />

e do outro os ‘impérios de conquista’<br />

(na linguagem usada por Montesquieu, Hume<br />

e Adam Smith). A partir do século XIX, a<br />

oposição passou a ser entre ‘impérios liberais’<br />

(defendidos por Tocqueville e Stuart<br />

Mill) e ‘impérios militaristas’. A Alemanha<br />

nazi constituía o exemplo mais recente (e<br />

mais terrível) dos últimos; e o Império Britânico<br />

representava o último sobrevivente<br />

dos primeiros.<br />

Zimmern viu mais longe que Smuts e percebeu<br />

que o Império britânico estava condenado<br />

como resultado das relações de poder<br />

provocadas pela Segunda Guerra Mundial. À<br />

semelhança do governo britânico trabalhista<br />

do pós-Guerra, Zimmern olhava para os norte-americanos<br />

como os herdeiros da missão<br />

civilizadora liberal. Já a viver nos Estados<br />

Unidos, Zimmer tentou convencer o Departamento<br />

de Estado a apresentar um “progra-<br />

“ Na cabeça de<br />

um dos Pais<br />

Fundadores da<br />

organização, “as<br />

Nações Unidas<br />

começaram a sua<br />

vida não como<br />

um instrumento<br />

para acabar com<br />

o colonialismo,<br />

mas como um meio<br />

para o preservar”.<br />

As últimas décadas<br />

constituem a<br />

história da<br />

emergência da<br />

ONU global e o fim<br />

dos impérios.No<br />

entanto, o desfecho<br />

da história não nos<br />

deve levar a ignorar<br />

o seu início.<br />

O livro ‘No Enchanted Palace: The End<br />

of Empire and the Ideological Origins<br />

of the United Nations’ está à venda<br />

‘online’ na Amazon por 16,47 dólares.<br />

A origem das Nações Unidas deve ser colocada<br />

no contexto dos debates sobre os impérios<br />

europeus, nomeadamente o Império Britânico.<br />

ma americano para consolidar a civilização<br />

ocidental” através das Nações Unidas. Acaboudesapontadopelofactodo<strong>Plano</strong>Marshall<br />

e da Doutrina Truman ignorarem a ONU<br />

e limitarem-se à Europa.<br />

A ligação entre imperialismo e internacionalismo<br />

aponta, ao contrário do que dizem as<br />

teses dominantes, para a continuidade entre<br />

a Sociedade das Nações e as Nações Unidas.<br />

Tanto em Washington como em Londres, os<br />

grupos de trabalho que, ainda durante a<br />

Guerra, pensaram as Nações Unidas eram<br />

compostos por figuras que tinham desempenhado<br />

um papel importante na construção<br />

da Sociedade das Nações (Keynes é talvez o<br />

exemplo mais conhecido). Nas palavras de<br />

Mazower, “o exemplo da Sociedade das Nações<br />

dominou as discussões sobre a Carta das<br />

Nações Unidas”. A SDN fora uma “instituição<br />

Vitoriana” empenhada numa “missão civilizadora<br />

global”, herdeira das ideologias imperiais<br />

europeias. Para Smuts e Zimmern, a


“ A Carta da ONU<br />

édeuma<br />

neutralidade<br />

absoluta em relação<br />

aos impérios<br />

coloniais.<br />

ONU deveria prosseguir a missão civilizadora<br />

da sua antecessora, mas obviamente com<br />

mais sucesso.<br />

A ambiguidade ori<strong>gina</strong>l das Nações Unidas<br />

O livro conta, igualmente, a outra história sobre<br />

a origem e a evolução das Nações Unidas:<br />

a defesa do princípio da auto-determinação<br />

nacional e da libertação anti-colonial. É a<br />

históriamaisconhecidaeaquetemmarcado<br />

grande parte da vida da organização. Esteve<br />

igualmente presente no momento de criação<br />

da ONU. O capítulo terceiro explica a contribuição<br />

do pensamento de dois emigrantes judeus<br />

na Palestina, Raphael Lemkin e Joseph<br />

Schechtman, para a afirmação do princípio da<br />

auto-determinação das minorias nacionais, a<br />

partir do caso de Israel. Neste ponto, também<br />

senotaacontinuidadeentreaSDNeaONU.A<br />

defesa da auto-determinação das nações que<br />

pertenciam aos Impérios europeus foi um dos<br />

pontos definidores da SDN, confirmada pela<br />

Mhghghk df df gdjkfhg<br />

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vaga de independências nacionais que se seguiu<br />

ao colapso dos Impérios Otomano, Russo<br />

e Austro-Húngaro, após a primeira Guerra<br />

Mundial. A criação do Estado de Israel marca<br />

a expansão do princípio da auto-determinação<br />

para fora da Europa, e a sua transformação<br />

na luta contra os impérios coloniais.<br />

Jawaharlal Nehru, conta-nos o autor no<br />

capítulo quarto, reforçou a visão anti-colonial<br />

com a sua proposta sobre umas “nações<br />

unidas globais”, onde a Ásia e África ocupariam<br />

um lugar ao lado das “potências ocidentais”.<br />

As últimas décadas constituem a<br />

história da emergência da ONU global e o fim<br />

dos impérios. O que, em larga medida, deu<br />

razão a Nehru. No entanto, o desfecho da história<br />

não nos deve levar a ignorar o seu início.<br />

A ambiguidade ori<strong>gina</strong>l reflecte uma tensão<br />

histórica entre tolerância e civilização;<br />

ou, usando outros termos, entre nacionalismo<br />

e cosmopolitanismo. Durante o pós-<br />

Guerra, o conceito de civilização perdeu a<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 37<br />

Karamallah Daher / Reuters’<br />

natureza discriminatória, em termos raciais,<br />

e adquiriu uma identidade política, adoptando,<br />

pelo caminho, o nome de ‘democracia e<br />

direitos humanos’. A versão contemporânea<br />

da tensão histórica entre tolerância e civilizaçãotransformou-senatensãoentrerespeito<br />

pela soberania nacional eapromoção<br />

da democracia e dos direitos humanos. A<br />

“Agenda para a Paz” de Boutros-Boutros<br />

Ghali, o documento fundador da “ONU pós-<br />

Guerra Fria”, constitui um dos exemplos<br />

mais recentes da tensão permanente que habita<br />

a organização. A excelente contribuição<br />

de Mazower ajuda a entender muito melhor<br />

não só a natureza das contradições da ONU,<br />

mas também as razões porque continuaremosavivercomelas.■<br />

João Marques de Almeida escreve aos<br />

sábados no <strong>Weekend</strong> <strong>Económico</strong> sobre<br />

grandes líderes europeus e grandes livros.


38 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

EMPRESAS<br />

Galp investe 1.080<br />

milhões no maior projecto<br />

industrial em Portugal<br />

Reconversão da refinaria de Sines será concluída até 2011, criando sete mil postos de<br />

trabalho, no que será o maior investimento industrial em Portugal na última década.<br />

Sara Piteira Mota<br />

e Ana Maria Gonçalves<br />

sara.mota@economico.pt<br />

A Galp Energia vai avançar com<br />

o maior investimento industrial<br />

da década em Portugal. O contrato<br />

para o projecto de reconversão<br />

da refinaria de Sines foi<br />

assinado, ontem, pela Galp<br />

Energia e pela espanhola Tecnicas<br />

Reunidas. O investimento<br />

de 1.080 milhões inclui a conversão<br />

da refinaria de Sines e<br />

ainda outros projectos nas áreas<br />

da eficiência energética e do<br />

ambiente.<br />

De acordo com a empresa, o<br />

arranque operacional das novas<br />

unidades está previsto para o<br />

terceiro trimestre de 2011. No<br />

total, a Galp irá investir 1.300<br />

milhões de euros na conversão<br />

das duas refinarias. Este investimento<br />

vai criar mais de sete<br />

mil empregos durante a fase de<br />

construção.<br />

“O contrato assinado fixa o<br />

valor final do investimento,<br />

dentro dos prazos e dos valores<br />

previstos desde o início”, diz<br />

fonte oficial da Galp Energia.<br />

A partir do momento em que<br />

as obras estejam terminadas as<br />

duas refinarias passam a funcionar<br />

de forma perfeitamente<br />

integrada.<br />

A refinaria de Sines é um dos<br />

pontos nevrálgicos do aparelho<br />

refinador da Galp. De acordo<br />

com o comunicado da empresa<br />

liderada por Ferreira de Oliveira,<br />

o objectivo deste mega investimento<br />

é “ajustar o perfil de<br />

produção às necessidades do<br />

mercado ibérico, onde actualmente<br />

existe um défice de gasóleo.”<br />

Este projecto de conversão<br />

da refinaria de Sines vai permitir<br />

a maximização da produção<br />

anual de gasóleo.<br />

A Galp prevê que, dentro de<br />

dois anos, consiga adaptar a sua<br />

produção, reduzindo as importações<br />

de gasóleo ao mesmo<br />

tempo que permitirá uma reduçãode6%nafacturaenergética<br />

de Portugal.<br />

“SeaGalpEnergiaéhojeo<br />

maior exportador nacional, é<br />

A refinaria<br />

de Sines é<br />

considerada<br />

um projecto PIN +,<br />

que são apoiados<br />

pela AICEP,<br />

entidade<br />

governamental<br />

liderada por<br />

Basílio Horta.<br />

ENERGÉTICA EM BOLSA<br />

O título da Galp Energia, cotado<br />

na Euronext Lisboa, fechou a<br />

semana a recuar 0,59%, para<br />

11,86 euros.<br />

12,5<br />

12,0<br />

11,5<br />

19 Nov 09<br />

Fonte: Bloomberg<br />

18 Dez 09<br />

graças ao seu aparelho refinador,<br />

do qual Sines é a peça<br />

principal. A Galp, que é hoje o<br />

maior exportador nacional,<br />

além de contribuir para o equilíbrio<br />

da balança comercial pela<br />

via das exportações, vai contribuir<br />

igualmente pela redução<br />

das importações de gasóleo”,<br />

acrescenta fonte oficial.<br />

Projecto vai reduzir a factura<br />

energética em 450 milhões<br />

A refinaria de Sines dispõe de<br />

uma capacidade de destilação<br />

instalada de 10,4 milhões de toneladas<br />

por ano, onde se privilegia<br />

a produção de gasolinas.<br />

Um valor que se manterá após a<br />

conclusão destes trabalhos.<br />

Prevê-se que este projecto, a<br />

par do investimento de modernização<br />

da refinaria de Matosinhos,<br />

na ordem dos 280 milhões<br />

de euros, permita uma redução<br />

anual da factura energética nacional<br />

na ordem dos 450 milhões<br />

de euros.<br />

Esta última, com uma capacidade<br />

de 4,8 milhões de toneladas,<br />

produzirá essencialmente<br />

combustíveis, lubrificantes e<br />

produtos aromáticos de base<br />

para a indústria petroquímica.<br />

A central de cogeração (que<br />

já está concluída e a funcionar)<br />

implicou um investimento de<br />

73 milhões de euros e tem uma<br />

capacidade de 82 megawatts.<br />

Existe uma em Sines e outra no<br />

Porto que ainda está em construção).<br />

Funciona a gás natural (consome<br />

250 m3/ano), produz 1,8<br />

milhões de toneladas de vapor<br />

e 668 GWh/ano e evita a emissão<br />

de 500 mil toneladas ano de<br />

CO2 a nível nacional.<br />

Apesar de elevado, o investimento<br />

da Galp fica atrás do realizado<br />

pela Volkswagen, em<br />

1995, na fábrica da Autoeuropa.<br />

A fabricante alemã investiu<br />

1.282 milhões de euros só na<br />

implementação da fábrica, um<br />

valor que, aos preços de hoje,<br />

seria naturalmente superior.<br />

No total, a Autoeuropa custou<br />

1.970 milhões de euros ao<br />

grupo germânico. ■<br />

PALAVRA-CHAVE<br />

✽<br />

Refinaria de Sines<br />

Em operação desde 1979,<br />

a refinaria de Sines dispõe<br />

de uma capacidade de destilação<br />

de aproximadamente 10,5 milhões<br />

de toneladas de crude por ano<br />

(220 mil barris por dia), sendo<br />

este o primeiro grande incidente<br />

em que se vê envolvida. A<br />

reconversão da refinaria é<br />

considerado o primeiro projecto<br />

PIN +, pela sua relevância<br />

estratégica para o país.<br />

Fábricas d<br />

Projectos da Repsol e La Seda,<br />

ambos em Sines, à espera de<br />

melhores dias para avançarem.<br />

Ana Maria Gonçalves<br />

ana.goncalves@economico.pt<br />

Renault-Nissan, Repsol e La<br />

Seda Barcelona são as empresas<br />

responsáveis pelos três dos<br />

principais investimentos industriais<br />

que estão previstos para<br />

Portugal, embora, actualmente,<br />

apenas a fábrica de baterias para<br />

carros eléctricos da Renault-<br />

Nissan reuna garantias de concretização<br />

efectiva.<br />

Aveiro foi a região escolhida<br />

pela Renault-Nissan para loca-


REN ganha acção contra a Galp<br />

A REN ganhou o braço de ferro que mantinha com a Galp relativo<br />

ao ajustamento do preço dos activos regulados do sector do gás<br />

natural, adquiridos à petrolífera em 2006. Em causa estavam cerca<br />

de 40,6 milhões de euros, acrescidos de 4,6 milhões de euros que<br />

a REN sempre alegou que não tinha de os pagar. O Tribunal Arbitral<br />

veio agora julgar totalmente improcedente a acção movida pela Galp .<br />

O acórdão arbitral não é passível de recurso.<br />

A Galp, que é liderada por Ferreira do<br />

Amaral (à direita) e tem como accionista<br />

Américo Amorim (à esquerda) vai avançar<br />

com o maior projecto industrial<br />

dos últimos dez anos.<br />

a Repsol e La Seda continuam no papel<br />

Novas fábricas<br />

da Repsol, em Sines,<br />

já deviam estar em<br />

fase de construção<br />

há mais de um ano.<br />

Mas continuam<br />

paradas e sem data<br />

prevista de arranque.<br />

lizar a futura fábrica de baterias<br />

para carros eléctricos , um dos<br />

pilares estratégicos do projectopiloto<br />

que visa à criação de uma<br />

rede de abastecimento para este<br />

tipo de veículos. A par do Reino<br />

Unido, Portugal é um dos dois<br />

pólos mundiais seleccionados<br />

pela Renault-Nissan para a instalação<br />

de unidades de baterias<br />

de iões de lítio destinadas ao<br />

abastecimento dos futuros carros<br />

eléctricos.<br />

A nova fábrica exige um investimento<br />

de 250 milhões de<br />

euros e deverá criar 200 postos<br />

de trabalho, estando o seu arranque<br />

previsto para 2012.<br />

Também a Repsol tem em<br />

vista novos projectos de investimentoparaocomplexopetroquímico<br />

de Sines, avaliados em<br />

mil milhões de euros. Estes projectos<br />

já deveriam estar em fase<br />

de construção, mas continuam<br />

sem data para arrancar. As novas<br />

fábricas estão, assim, com<br />

mais de um ano de atraso, justificando<br />

a petrolífera este atraso<br />

pela inversão da conjuntura<br />

económica. As terraplanagens,<br />

os únicos trabalhos visíveis no<br />

terreno, têm já largos meses.<br />

Integrados nos investimentos<br />

da petrolífera espanhola para<br />

2008-2012, Sines continua, porém,<br />

a figurar na lista dos 10<br />

projectos estratégicos.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 39<br />

João Paulo Dias<br />

Outra obra, programada para<br />

Sines, está igualmente sem<br />

rumo definido. A construção da<br />

futura fábrica da La Seda Barcelona<br />

pararam em Setembro por<br />

falta de pagamento às empresas<br />

que estão no terreno, entre as<br />

quais a Martifer, Somague e Engiarte.<br />

Depois de várias ameaças,<br />

os noruegueses da AKER, o<br />

grupo de engenharia que supervisiona<br />

o projecto industrial,<br />

avançou com um pedido de suspensão<br />

dos trabalhos. Em causa<br />

estão sucessivos atrasos de financiamento<br />

por parte da CGD,<br />

líder do consórcio bancário responsável<br />

pelo ‘project finance’<br />

de 320 milhões de euros. ■<br />

TRÊS PERGUNTAS A...<br />

EDUARDO CATROGA<br />

Economista<br />

“Estamos a abusar<br />

das parcerias público<br />

privadas”<br />

Todos os incentivos públicos<br />

deviam ser orientados para os<br />

sectores de bens de exportação,<br />

defende o economista Eduardo<br />

Catroga, que acrescenta que o<br />

que está em causa é qualidade<br />

e não a quantidade<br />

dos investimentos.<br />

O que é necessário para captar<br />

investimentos industriais para<br />

Portugal?<br />

O investimento dirigido à indústria<br />

depende das condições de<br />

atractividade criadas no País, em<br />

comparação com os países com<br />

quem concorremos. Tudo isto<br />

radica na qualidade dos factores<br />

que influenciam a competividade e<br />

a produtividade da economia<br />

portuguesa. Enquadrado num<br />

ambiente social e económico amigo<br />

do investimento. São essas as<br />

condições estruturantes. Não basta<br />

fazermos investimentos. É preciso<br />

que tenham qualidade, que criem<br />

valor. Não é tanto a quantidade<br />

de investimento, mas sim<br />

a sua qualidade.<br />

No seu entender, que<br />

incentivos devemos ter?<br />

Há incentivos fiscais e financeiros<br />

e há orientações políticas que<br />

acabam por interferir na qualidade<br />

e afectação dos recursos na<br />

economia. No fundo, para atrairmos<br />

mais investimentos, tipo Galp ou<br />

Siemens, temos que privilegiar<br />

esses sectores. A estrutura de<br />

incentivos tem estado errada.<br />

Num contexto financeiro difícil<br />

que vivemos, orienta-se a banca<br />

para investir em grandes Parcerias<br />

Público Privadas, em que o risco<br />

é todo do Estado. A banca prefere<br />

esse investimento sem risco,<br />

do que emprestar às empresas,<br />

que estão em concorrência.<br />

E no seu entender, não é<br />

prioritário?<br />

Todos os incentivos e estímulos<br />

deviam ser para os sectores<br />

de bens transaccionáveis (que<br />

se podem exportar). Estamos<br />

a abusar das PPP, desde<br />

as concessões rodoviárias,<br />

ferroviárias, hospitais, etc). ■


40 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

EMPRESAS<br />

Só um milagre<br />

pode salvar<br />

a mítica marca<br />

sueca SAAB<br />

A General Motors não vai reestruturar a Saab.<br />

Apenas um comprador surpresa a pode salvar.<br />

Sara Piteira Mota<br />

sara.mota@economico.pt<br />

O último fio de esperança para<br />

salvar a fabricante de carros sueca<br />

foi cortado ontem, após o insucesso<br />

das conversações entre a<br />

General Motors (GM) e a Spyker<br />

Cars. O gigante norte-americano<br />

GM,queestavaatentarvendera<br />

marca sueca há um ano, e quer<br />

desembaraçar-se dela antes do finalde2009,deveráanunciaras<br />

suas intenções na próxima semana<br />

durante um conselho de administração,<br />

que irá realizar-se em<br />

Detroit, nos Estados Unidos.<br />

Paul Newton, especialista do<br />

sector automóvel, disse à imprensa<br />

sueca que “o cenário mais prováveléofecho”daSaab.Reestruturá-la<br />

não está, definitivamente,<br />

nos planos da GM.<br />

A GM e a Spyker, uma fabricante<br />

de carros que chegam a custar<br />

150 mil euros, encontraram<br />

“certos problemas” que não conseguiram<br />

ser resolvidos, diz a<br />

agência Bloomberg.<br />

Após a retirada da oferta de<br />

aquisição por parte da Koenigsegg<br />

Group AB no mês passado, a GM<br />

deu início a conversações com a<br />

Spyker Cars para vender a Saab.<br />

porém, segundo a GM “não foi<br />

possível chegar a acordo.”<br />

Apesar do fecho já esperado, a<br />

O comunicado da<br />

quebra do acordo<br />

entre a General<br />

Motors e a Spyker<br />

Cars foi anunciado<br />

pelo presidente da<br />

General Motors<br />

Europe, Nick<br />

Reilly.<br />

Saab irá cumprir as suas obrigações<br />

em termos de garantias e de<br />

assistência aos automóveis já vendidos,<br />

bem como os pagamentos<br />

aos fornecedores, assegura o comunicado<br />

da norte-americana.<br />

Em Novembro passado, a Koenigsegg<br />

Group AB, fabricante escandinava<br />

de carros desportivos,<br />

explicou que cancelou as negociações<br />

para comprar a Saab, citando<br />

atrasos no fecho do acordo que teriam<br />

causado “riscos e incertezas”.<br />

A empresa disse ainda que<br />

“o tempo sempre foi um factor<br />

crucial na nossa estratégia para<br />

reanimar a empresa”. Fritz Henderson,<br />

ex-CEO da GM, afirmou<br />

na altura que a empresa estava<br />

“obviamente muito desapontada”<br />

com a decisão da Koenigsegg.<br />

Além do fecho eminente da fabricante<br />

sueca a outra alternativa<br />

parece vir da China caso a Beijing<br />

Automotive (BAIC), que era aliada<br />

da Koenigsegg, decida manter o<br />

interesse. O quinto maior fabricante<br />

chinês, que procura encontrar<br />

um parceiro ou comprar uma<br />

marca para se internacionalizar,<br />

anunciou ontem que iria “prudentemente<br />

reavaliar” o projecto.<br />

Porém, a BAIC “está interessada<br />

na única coisa que poderá provavelmente<br />

obter da GM – a tecnologiaeo‘know-how’–,sendo<br />

por isso pouco provável que chegueaumacordoparaimpedira<br />

Saab de desaparecer”, adianta<br />

Paul Newton.<br />

O fecho da Saab, uma das marcas<br />

suecas mais conhecidas, vai<br />

incomodar não só os suecos como<br />

é também considerada uma catástrofesocialnasuaterradeorigem,<br />

Trollhattan (pequena cidade<br />

no sudoeste da Suécia) e irá afectar<br />

o sector automóvel do país.<br />

Actualmente, a Saab emprega<br />

3.400 pessoas, mas deverão desaparecer<br />

entre cinco mil a dez mil<br />

empregos indirectos provenientes<br />

de empresas subcontratadas. A<br />

marca produzia cerca de cem mil<br />

carros por ano, tendo este ano as<br />

suas vendas caído 65%.<br />

De acordo com o Governo<br />

sueco está a ser analisado um<br />

empréstimo de urgência do Estado,<br />

embora tenha como condição<br />

encontrar-se um comprador<br />

para a Saab. Recorde-se que a<br />

Saab pediu 400 milhões de euros<br />

ao Banco Europeu de Investimento<br />

(BEI), com garantia dada<br />

por Estocolmo. ■<br />

A Saab emprega hoje 3.400<br />

pessoas e produzia cerca<br />

de cem mil carros por ano.<br />

Saab desaparece ao fim de sete décadas de vida<br />

A marca sueca Saab (Svenska<br />

Aeroplan Aktiebolaget) foi<br />

fundada em 1937 tendo começado<br />

como uma fábrica produtora de<br />

aviões para a força aérea sueca.<br />

O final da II Guerra Mundial e a<br />

perspectiva de diminuição da<br />

procura de aviões de combate,<br />

levouaSaabaentrarnaindústria<br />

automóvel, uma nova área de<br />

negócio. A divisão automóvel foi<br />

criada em 1947. Passado dois anos<br />

a Saab lança o 92, um automóvel<br />

de linhas invulgares para a época,<br />

com melhor coeficiente de<br />

aerodinâmica da época,<br />

continuando a fazer inveja a<br />

muitos dos actuais desportivos.<br />

Em 1978 a Saab assinou um<br />

acordo com a Fiat, de forma, a<br />

produzir automóveis Lancia.<br />

No final da década de 80 a<br />

Christian Charisius / Reuters<br />

empresa começou a registar<br />

prejuízos, o que levou a GM a<br />

comprar 50% da marca sueca.<br />

SobodomíniodaGMaSaab<br />

lançaria o 900 em 1993 e passado<br />

dois anos passava a dar lucro. Em<br />

2000 a GM adquire a totalidade<br />

da Saab. Com a crise económica o<br />

grupo norte-americano está a<br />

tentar vender as marcas não<br />

estratégicas. S.P.M.


Hugo Real<br />

hugo.real@economico.pt<br />

OgrupoRTPfechouoacordo<br />

de financiamento através do<br />

qual vai comprar ao BPN<br />

Imofundos o edifício sede, situado<br />

na Avenida Marechal<br />

Gomes da Costa, em Lisboa,<br />

apurou o <strong>Económico</strong>. Em<br />

causaestáumnegóciode70<br />

milhões de euros.<br />

“Está formalizada a escolha<br />

do consórcio para a compra do<br />

edifício sede”, assumiu fonte<br />

oficial da empresa quando<br />

questionada pelo <strong>Económico</strong>. A<br />

RTP não quis adiantar mais<br />

pormenores, mas o <strong>Económico</strong><br />

apurou que este consórcio é<br />

formado pela Caixa Geral de<br />

Depósitos e pelo BES, que assinaram<br />

com a RTP um contrato<br />

de leasing imobiliário válido<br />

por 25 anos, sendo que o valor<br />

do financiamento é de 70 milhões<br />

de euros.<br />

O que significa que, no total,<br />

o grupo RTP vai gastar mais de<br />

100 milhões de euros na aquisição<br />

do edifício. Isto porque a<br />

empresa de rádio e televisão<br />

havia já pago, em 2007, “o sinal<br />

do contrato de compra e venda<br />

para a aquisição do edifício sede<br />

(...) no valor de 19,5 milhões de<br />

euros”, conforme se pode no<br />

relatório e contas da empresa<br />

referente ao mesmo ano.<br />

Além disso, entre 2006 e<br />

2008, a RTP pagou cerca de 8,6<br />

milhões de euros ao BPN Imofundos<br />

pelo aluguer do espaço<br />

que agora vai adquirir.<br />

Apesar do Acordo de Restruturação<br />

Financeira da empresa,<br />

assinado em 2003, impedir<br />

a RTP de realizar empréstimos<br />

de longo prazo, o contrato<br />

abre uma excepção para a<br />

aquisição do edifício sede.<br />

Guilherme Costa, presidente<br />

da empresa, revelou recentemente<br />

ao <strong>Económico</strong> que neste<br />

caso especifico existe uma autorização<br />

do Estado para ter<br />

acesso ao empréstimo para financiar<br />

a aquisição da sede. Na<br />

mesma altura, o presidente da<br />

RTP recordou que a compra foi<br />

decidida em 2007, aquando do<br />

pagamento do sinal de 19,5 mi-<br />

lhões, pela administração liderada<br />

por Almerindo Marques, e<br />

que o grupo tinha até ao final<br />

deste ano para decidir se avançava<br />

com a compra.<br />

Processo da nova sede<br />

arrasta-se desde 2002<br />

O processo em volta do edifício<br />

sede da estação pública de televisão<br />

começa em Setembro de<br />

2002, quando foi decidido que<br />

as várias instalações da RTP e<br />

da RDP se iriam concentrar no<br />

mesmo local. Ainda nesse ano<br />

foi escolhida a localização,<br />

sendo que em Fevereiro de<br />

2003 foram adjudicados os primeiros<br />

projectos.<br />

A obra arrancou em Agosto<br />

desse ano, com a inauguração a<br />

ter lugar em Março de 2004,<br />

contando com a presença de<br />

Durão Barroso, então primeiroministro.<br />

Situado num espaço<br />

de 35 mil metros quadrados<br />

(com19milm2deáreaconstruída),<br />

o edifício projectado<br />

pelo arquitecto Carlos Ramos<br />

alberga actualmente as instalações<br />

da RTP e da RDP. ■<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 41<br />

RTP compra sede ao BPN por 70 milhões<br />

Consórcio da Caixa e do BES financia a compra da sede da empresa pública a um fundo gerido pelo BPN.<br />

PUB<br />

A administração<br />

liderada por<br />

Guilherme Costa<br />

está prestes<br />

a resolver<br />

o problema<br />

da propriedade<br />

do edifício sede<br />

da estação pública<br />

de televisão.<br />

PALAVRA-CHAVE<br />

✽<br />

Venda de património<br />

do BPN<br />

O BPN tem estado em operações<br />

de venda de participadas,<br />

para minimizar o défice<br />

da situação líquida. Na lista<br />

de activos oficialmente à venda<br />

estãooBPNBrasileoBPN<br />

França. Recentemente surgiu<br />

uma proposta para comprar<br />

a Real Vida, que deverá ser<br />

analisada. O BPN deverá ser<br />

privatizado em bloco com o Efisa,<br />

comoBPNCréditoecomoBPN<br />

Gestão de Activos. Essa é pelo<br />

menos a actual intenção da<br />

administração do BPN. MTA


42 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

EMPRESAS<br />

O palácio quinhentista está em vias de se transformar<br />

num hotel de cinco estrelas.<br />

Polémica ameaça transformação do<br />

Palácio dos Arcos em hotel de charme<br />

O Vila Galé ganhou a concessão do palacete de Oeiras, mas um concorrente local impugnou a decisão.<br />

Marina Conceição<br />

marina.conceicao@economico.pt<br />

O concurso público para construção<br />

de um hotel de charme no Palácio<br />

dos Arcos, em Oeiras, foi impugnado<br />

pelo último classificado<br />

depois de ter sido ganho pela cadeia<br />

Vila Galé no início do ano.<br />

Fica assim em causa a criação de<br />

umhoteldecincoestrelasnopalácio<br />

quinhentista.<br />

A empresa Nova Caxias, que<br />

que gere a unidade de quatro estrelas<br />

Solar Palmeiras,decidiu impugnar<br />

a primeira decisão por<br />

“violação do sistema do concurso<br />

e violação da legislação dos empreendimentos<br />

turísticos”, avançou<br />

ao Diário <strong>Económico</strong> Rui Silva,<br />

administrador da Nova Caxias.<br />

A empresa que ficou em último<br />

lugar, entre cinco concorrentes,<br />

acusa a cadeia Vila Galé de não ter<br />

apresentado uma proposta com<br />

pouca volumetria na transformação<br />

do palacete do século XV em<br />

hoteldecharme.<br />

“Ficámos admiradíssimos<br />

quando a proposta que ganhou<br />

tinha grande volumetria de<br />

construção e os quartos eram<br />

Jorge Rebelo<br />

de Almeida,<br />

presidente do grupo<br />

Vila Galé, está<br />

confiante que<br />

a autarquia liderada<br />

por Isaltino Morais<br />

vai manter<br />

a decisão inicial<br />

de adjudicação.<br />

menores do que a legislação de<br />

um cinco estrelas obriga”, explicou<br />

Rui Silva.<br />

O projecto do Vila Galé, escolhido<br />

pela autarquia de Isaltino<br />

Morais, consiste num hotel<br />

com75quartosnuminvestimento<br />

de 9,9 milhões de euros e<br />

com, uma renda acumulada de<br />

2,9 milhões de euros numa concessãoa50anos.<br />

Confrontado com os argumentos<br />

do concorrente, o presidente<br />

da cadeia Vila Galé, Jorge Rebelo<br />

de Almeida, disse que “as razões<br />

apresentadas não têm fundamento.<br />

O projecto respeita todos os<br />

condicionamentos do concurso e<br />

cumpre largamente por excesso a<br />

legislação de um hotel de cinco<br />

estrelas, com quartos muito maiores<br />

do que a lei exige”.<br />

Em relação à dimensão do<br />

projecto do Palácio dos Arcos, o<br />

presidente da Vila Galé afirmou<br />

que “o edifício tem dois e três pisos<br />

e, por isso, não ultrapassa a<br />

altura do palácio”.<br />

A proposta da Nova Caxias implica<br />

um investimento de seis milhões<br />

de euros e conta com a<br />

construção de um hotel de 45<br />

quartos e mais seis suites localizadas<br />

no palacete. Além disso, Rui<br />

Silva tornou-o num projecto<br />

“auto-suficiente do ponto de vista<br />

energético”.<br />

Apesar do valor da renda ser<br />

inferior ao das outras propostas, a<br />

Nova Caxias oferecia um incremento<br />

de progressão de 1% até ao<br />

finaldaconcessãode50anos,o<br />

que no fim dava um retorno maior<br />

à Câmara, segundo Rui Silva.<br />

A Câmara Municipal de Oeiras<br />

está calada desde Julho. Contactada<br />

pelo <strong>Económico</strong>, fonte oficial<br />

da autarquia sublinhou que “a câmara<br />

não se pode pronunciar<br />

porque há um júri responsável<br />

pela avaliação do concurso, mas a<br />

autarquia está muito empenhada<br />

em que tudo se resolva rapidamente<br />

para a decisão do júri ir<br />

novamente a assembleia municipal<br />

para ser votada”.<br />

Rui Silva aguarda uma decisão<br />

favorável à impugnação que provocou<br />

e que seja a Nova Caxias a<br />

ganhar o projecto. Por outro lado,<br />

Jorge Rebelo de Almeida, não vai<br />

desistir do projecto e está confiante<br />

na manutenção da decisão inicial<br />

da autarquia.■<br />

PALAVRA-CHAVE<br />

✽<br />

O palácio de onde<br />

D. Manuel via<br />

partir as naus<br />

Paulo Alexandre Coelho<br />

O Palácio dos Arcos foi construído<br />

no século XV. Reza a lenda que foi<br />

deste palacete de Oeiras que<br />

D.Manuel I, o Venturoso, viu partir<br />

as naus com destino à Índia. Passou<br />

depois de geração em geração ao<br />

longo de cinco séculos, nas mãos<br />

dos condes de Arrochella e Castelo<br />

de Paiva. Até que o último<br />

proprietário o legou em testamento<br />

à Câmara de Oeiras, na condição<br />

que ali seja construída uma casamuseu<br />

com obras de artistas<br />

como Almada Negreiros, Cesariny<br />

e Vieira da Silva.


Agenda 18.07 > 24.07<br />

> 19.12<br />

Assembleia-geral da Ordem<br />

dos Técnicos Oficiais de Contas<br />

O plano de actividades e Orçamento vai ser<br />

apresentado na assembleia geral da Ordem<br />

dos Técnicos Oficiais de Contas. A reunião está<br />

marcada para as 14 horas, no Auditório da FIL,<br />

no Parque das Nações.<br />

> 21.12<br />

Assinatura do contrato<br />

de investimento<br />

do Parque Alqueva<br />

No Salão Nobre dos Paços do Município<br />

de Reguengos de Monsaraz, às 16h30, terá lugar<br />

assinatura do contrato de investimento do Parque<br />

Alqueva e inauguração das instalações do pólo<br />

turístico do Alqueva.<br />

> 22.12<br />

British Airways: Início da greve<br />

dos assistentes de voo<br />

Data anunciada para início da greve. Mais de 92 por<br />

cento dos assistentes de voo da British Airways<br />

aprovaram a paralisação, como protesto<br />

àssupressõesdepostosdetrabalhonaempresa.<br />

Deve decorrer até dia 02, integrando todo o período<br />

de Natal e de Ano Novo. No entanto, a British Airways<br />

está a tentar travar a greve nos tribunais.<br />

> 23.12<br />

Norte-americana Delphi<br />

despede 300 trabalhadores<br />

Quarta-feira é a data prevista para o abandono<br />

da empresa por 300 trabalhadores da fábrica da<br />

Delphi na Guarda.<br />

> 24.12<br />

Greve nos hipermercados<br />

O Sindicato dos Trabalhadores do Comércio<br />

anunciou um período de greve para a véspera<br />

de Natal, em protesto contra a intenção<br />

da Associação de Empresas de Distribuição<br />

de usar a possibilidade de alargamento<br />

do período semanal de trabalho para 60 horas.<br />

A convocação de greve acontece durante<br />

negociações dos sindicatos com associação<br />

patronal.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 43<br />

A SEMANA<br />

ACCIONISTAS DA LA SEDA APROVAM ENTRADA DE CONSÓRCIO DE MOREIRA DA SILVA<br />

Os accionistas da petroquímica catalã La Seda (incluindo a CGD) aprovaram esta semana<br />

o aumento de capital de 300 milhões de euros que a permitirá salvar. A operação<br />

inclui a entrada de Carlos Moreira da Silva (na foto), com 18% do capital.<br />

A FIGURA<br />

JORGE PEREIRA DA COSTA<br />

O novo presidente da Investvar (que usa a marca<br />

Aerosoles) tem pela frente a ingrata tarefa de dar<br />

novo rumo à maior fabricante portuguesa de<br />

calçado. A sua primeira tarefa será elaborar um<br />

novo plano de viabilidade (o terceiro em menos<br />

de um ano), que deverá passar pelo encerramento<br />

ouvendadealgumasfábricasepelaredução<br />

do número de traalhadores. Tem ainda de resolver a<br />

questão da marca, uma vez que a partir de Fevereiro<br />

deixa de poder usar a denominação Aerosoles.<br />

O MOMENTO<br />

ANOVATEIXEIRADUARTE<br />

Bruno Barbosa<br />

A construtora Teixeira Duarte anunciou na quintafeira<br />

– véspera do lançamento da OPA surpresa dos<br />

brasileiros da CSN sobre a Cimpor (ver pá<strong>gina</strong>s 8<br />

a 19) – um novo modelo para sua aguardada<br />

reestruturação societária. A construtora vai retirar<br />

de bolsa a actual sociedade e criar uma nova,<br />

através do lançamento de uma Oferta Pública<br />

de Troca (OPT) denominada Teixeira Duarte SA, que<br />

também estará cotada em Lisboa. A operação terá<br />

lugar através de uma Oferta Pública de Troca (OPT).


44 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

FINANÇAS<br />

Adão da Fonseca tenta<br />

convencer Finanças a<br />

alargar solução para o BPP<br />

<strong>Plano</strong> do Governo protege clientes do retorno absoluto indirecto com garantia, mas<br />

administração do banco defende que todos devem ser tratados de forma igual.<br />

Tiago Freire<br />

e Maria Teixeira Alves<br />

tiago.freire@economico.pt<br />

Uma semana depois da apresentação,<br />

por parte das Finanças,<br />

do plano para os clientes<br />

do BPP, a administração de<br />

AdãodaFonsecanãosedápor<br />

satisfeita. Isto porque o plano<br />

do Governo se dirige apenas à<br />

protecção dos clientes de retorno<br />

absoluto de investimento<br />

indirecto com garantia. Estes<br />

são maioritários, mas há casos<br />

de clientes que subscreveram<br />

outros produtos e que também<br />

têm dinheiro por receber. Tendo<br />

isto em vista, Adão da Fonseca<br />

quer pegar nos princípios-base<br />

da solução apresentada<br />

por Carlos Costa Pina mas<br />

estendê-la a todos os clientes<br />

afectados.<br />

“O conselho de administração<br />

tem como um facto absolutamente<br />

claro e inequívoco que<br />

o serviço público para o qual foi<br />

nomeado não admite qualquer<br />

solução que contrarie o princípio<br />

da igualdade no tratamento<br />

dos credores, o que inevitavelmente<br />

conduz à necessidade de<br />

assegurar um tratamento equitativo<br />

aos credores cujos direitos<br />

não foram ainda satisfeitos”,<br />

pode ler-se num comunicado<br />

enviado pelo BPP aos<br />

clientes.<br />

No documento, a que o <strong>Económico</strong><br />

teve acesso, o banco<br />

afirma que “continua a dar o<br />

Adão da Fonseca<br />

lembra que outros<br />

credores foram<br />

“salvos”, e<br />

defende que todos<br />

os clientes lesados<br />

devem beneficiar<br />

da solução<br />

desenhada pelas<br />

Finanças.<br />

Finanças assumiram interesse público do banco<br />

No mesmo comunicado, o BPP<br />

reproduz parcialmente o despacho<br />

de 1 de Dezembro de 2008,<br />

assinado por Carlos Costa Pina,<br />

que deu garantia do Estado ao<br />

empréstimo de 450 milhões de<br />

euros ao BPP. A operação foi<br />

justificada pelo “manifesto<br />

interesse para a economia nacional<br />

da operação de financiamento do<br />

BPP, resultante da necessidade de<br />

salvaguardar a estabilidade do<br />

sistema financeiro nacional” e a<br />

“manutenção da credibilidade do<br />

sistema bancário português no<br />

contexto internacional”. Por outro<br />

lado, lembra o despacho, a<br />

operação tinha em vista<br />

“especificamente a manutenção da<br />

exploração da instituição, enquanto<br />

se procede à elaboração de um<br />

estudo de viabilização”. Adão da<br />

Fonseca pega nestes argumentos<br />

para relembrar que trabalhou com<br />

o pressuposto de recuperação do<br />

banco e reforçar a necessidade de<br />

tratamento equitativo dos<br />

credores. T.F.<br />

seu melhor contributo ao Ministérios<br />

das Finanças e aos reguladores<br />

para que a solução do<br />

Governo cumpra os objectivos<br />

de equidade acima referidos”.<br />

A maioria dos clientes do<br />

BPP está abrangida pela solução<br />

anunciada pelo Governo, mas o<br />

banco defende que não há motivos<br />

objectivos para não usar o<br />

mesmo mecanismo para proteger<br />

todos os clientes afectados,<br />

incluindo aqueles que têm investimentos<br />

em warrants e<br />

produtos de retorno relativo,<br />

por exemplo.<br />

No passado dia 11, as Finanças<br />

anunciaram que a solução<br />

para os clientes de retorno absoluto<br />

seria a constituição do<br />

Fundo Especial de Investimento<br />

(FEI) para gerir as poupanças<br />

dos clientes do BPP que contrataram<br />

aplicações financeiras<br />

nas quais o banco garantia o capital<br />

investido e os juros contratados.<br />

O fundo contará com<br />

uma garantia de capital na maturidade<br />

(cinco anos) de até 250<br />

mil euros por titular. O remanescente<br />

das perdas será compensadas<br />

através do accionamento<br />

quer do Fundo de Garantia<br />

Depósitos (FGD), quer do<br />

Sistema de Indemnização aos<br />

Investidores (SII).<br />

Na prática, a diferença entre<br />

o valor actual dos activos e o retorno<br />

contratado é o que será<br />

coberto pelo FGD e SII, com pagamento<br />

em dois momentos:<br />

parte no curto-prazo e outra<br />

parte, caso seja necessário, na<br />

maturidade do fundo.<br />

O registo do fundo pela<br />

CMVM deverá acontecer até segunda-feira.<br />

Até 31 de Março do<br />

próximo ano, no máximo, os<br />

clientes serão parcialmente ressarcidos,<br />

através do accionamento<br />

do FGD e do SII.<br />

Foram ontem publicadas as<br />

duas portarias que definem o<br />

enquadramento em que serão<br />

accionados os dois sistemas de<br />

indemnização aos clientes do<br />

Banco Privado. Esta publicação<br />

era o passo que faltava para que<br />

os dois sistemas – Fundo de Garantia<br />

de Depósitos e Sistema de<br />

Indemnização aos Investidores<br />

fossem accionados, para o BPP<br />

tal como anunciado pelo Ministério<br />

das Finanças.<br />

As alterações essenciais aos<br />

dois mecanismos de indemnizaçãodosclientesjáeramconhecidas.<br />

O Governo tinha<br />

aprovado em Julho uma alteração<br />

legislativa ao regime do<br />

Fundo de Garantia de Depósitos<br />

(FGD) para permitir que este<br />

organismo empreste dinheiro<br />

aoSII.Equeseconfirmanesta<br />

portaria: “o Fundo poderá<br />

igualmente colaborar, com carácter<br />

transitório, em acções<br />

destinadas a restabelecer as<br />

condições de solvabilidade e de<br />

liquidez das mesmas instituições<br />

e a prestar apoio financeiro<br />

ao Sistema de Indemnização<br />

aos Investidores”.<br />

Esta foi a forma que o Governo<br />

encontrou para disponibilizar<br />

meios imediatos ao SII para<br />

pagar aos clientes do BPP. Isto<br />

porque, ao contrário do que<br />

acontece com o FGD, os intermediários<br />

financeiros podem<br />

contribuir para o SII com uma<br />

penhoradeactivos.Ecomoalibertação<br />

das penhoras é um<br />

processo burocrático e moroso,<br />

o Governo optou por criar condições<br />

para o FGD adiantar esse<br />

dinheiro ao SII até que as penhoras<br />

sejam libertadas.<br />

O regime jurídico do SII já tinha<br />

sido alterado em Julho, a<br />

portaria vem apenas aprovar<br />

essas alterações.<br />

Agoraéfixadoumimpacto<br />

máximo que este accionamento<br />

pode ter nos fundos próprios da<br />

instituição que contribui para o<br />

SII. O que permite evitar que a<br />

contribuição obrigatória ponha<br />

em risco a solvência do contribuinte.<br />

“Neste sentido, vem<br />

regular-se, por um lado, a forma<br />

de operacionalização do limite<br />

das contribuições das entidades<br />

participantes por referência<br />

a um limite dos respectivos<br />

fundos próprios, a fixar<br />

regulamentarmente”.<br />

A portaria clarifica ainda que<br />

o BPP será também chamado a<br />

pagar o SII. ■<br />

AequipadeAdãodaFonseca<br />

não quer fechar a porta a qualquer<br />

cliente lesado.


Activos de fundos imobiliários crescem 1,5%<br />

Os números ontem divulgados pela Associação Portuguesa de Fundos<br />

de Investimento, Pensões e Património (APFIPP) revelam que no mês de<br />

Novembro os activos dos fundos de investimento imobiliários cresceram<br />

1,5%, face ao mês anterior. No total, a indústria de fundos imobiliários<br />

gere 11,3 mil milhões de euros. Contas feitas, desde o início do ano,<br />

o património destes fundos já cresceu 6,2%. Recorde-se que existem<br />

243 fundos imobiliários portugueses em actividade.<br />

Paula Nunes<br />

A Privado Holding apoia-se num<br />

documento da Deloitte que<br />

defende interesse do Estado<br />

em aceitar proposta do grupo.<br />

Maria Teixeira Alves<br />

maria.alves@economico.pt<br />

A Privado Holding e a Orey Antunes<br />

continuam a debater-se<br />

para salvar o Banco Privado da<br />

falência. Embora esse pareça ser<br />

cada vez mais o inevitável destino<br />

da instituição, após a constituição<br />

do Fundo de Investimento<br />

Especial que está a ser patrocinado<br />

pelo Governo e pelas entidades<br />

reguladoras. Com esse<br />

objectivo, Privado e Orey estão<br />

já na posse de uma avaliação aos<br />

activos que contra-garantem o<br />

aval que o Estado deu ao empréstimo<br />

bancário de 450 milhões<br />

de euros, em que é demonstrado<br />

que esses activos valem<br />

menos do que o valor do<br />

empréstimo. Os activos do BPP<br />

que servem de garantia, caso o<br />

Estado tenha de exercer o aval,<br />

sãocompostosporcercade400<br />

milhões de euros de descobertos<br />

bancários (clientes do BPP que<br />

têm a conta a negativo). Desses<br />

cerca de 180 milhões são da Privado<br />

Holding, que está praticamente<br />

falida. Dos restantes,<br />

uma boa parte são descobertos<br />

não autorizados, onde a probabilidade<br />

de serem pagos é baixa.<br />

Na lista de activos para contra-garantir<br />

um empréstimo<br />

que vence no fim deste ano estão<br />

ainda créditos concedidos a<br />

clientes do retorno absoluto,<br />

avaliados inicialmente em 170<br />

milhões. Esses créditos estão<br />

colaterizados por títulos (acções<br />

e obrigações) que hoje valem<br />

mais do que há um ano atrás.<br />

Mas a questão põe-se se, num<br />

cenário de falência, o Estado<br />

conseguirá recuperar a totalidade<br />

dos créditos, já que a proposta<br />

de viabilização da Orey tende<br />

a calcular que apenas 30% desse<br />

montante será recuperado. Em<br />

termos de activos reais para<br />

contra-garantir o aval, sobram<br />

cerca de 60 milhões em títulos;<br />

12 milhões em imóveis; dez milhões<br />

em obras de arte e 28 milhões<br />

em dinheiro.<br />

A proposta da Orey consiste<br />

numa substituição das actuais<br />

contra-garantias ao aval que o<br />

Estado deu ao empréstimo de<br />

450 milhões de euros. Esse plano<br />

consiste na transformação<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 45<br />

Deloitte ajuda<br />

proposta da Orey<br />

para o banco<br />

desse empréstimo em obrigações<br />

subscritas pelos bancos e<br />

com uma ‘put’ (opção de venda)<br />

sobre o Estado, em vez do aval.<br />

O empréstimo teria assim um<br />

novo colateral: obrigações de<br />

valor idêntico ao empréstimo:<br />

450 milhões. Mas o Estado não<br />

se mostrou receptivo a essa solução.<br />

Porque considera que o<br />

valor actual das contra-garantias<br />

actuais ronda 710 milhões<br />

de euros, valor que é posto em<br />

causa pela Privado Holding/Orey.<br />

A proposta da Orey deverá ser<br />

conhecida em detalhe na próxima<br />

semana. Fonte ligada ao processo<br />

garante que este plano é o<br />

que melhor defende todas as<br />

partes envolvidas: os clientes,<br />

porque lhes paga já 100 mil euros,<br />

ou 25% do património aplicado,<br />

ficando o restante para<br />

pagar ao longo de cinco anos.<br />

Para o Estado que recupera integralmente<br />

o valor do aval, na<br />

maturidade das obrigações (só<br />

em caso de ‘default’ é que isso<br />

não ocorreria) e para os bancos<br />

porque evita quer o accionamento<br />

do Fundo Garantia de<br />

Depósitos, quer do SII. ■<br />

PONTOS FORTES<br />

● A Orey propõe-se pagar já 100<br />

mil euros a cada cliente ou 25%<br />

do património aplicado, para<br />

os maiores clientes. O resto<br />

ao longo de cinco anos.<br />

● A Orey propõe transformar<br />

o empréstimo de 450 milhões<br />

de euros numa emissão de<br />

obrigações BPP a subscrever<br />

pelos bancos, com uma opção<br />

de venda ao Estado em caso<br />

de ‘default’.<br />

● ApropostadaOreyevitao<br />

accionamento do FGD e do SII. A<br />

Orey propõe-se a investir cerca<br />

de 100 milhões de euros<br />

no capital do BPP, o que permite<br />

resolver parte da insuficiência<br />

de capitais do banco.


46 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

FINANÇAS<br />

Um ano depois,<br />

vítimas de Madoff<br />

continuam sem ver<br />

a cor do dinheiro<br />

O <strong>Económico</strong> falou com as vítimas que relatam as perdas<br />

financeiras e emocionais provocadas pela maior fraude da história.<br />

Tiago Figueiredo Silva<br />

tiago.silva@economico.pt<br />

“Não recebi o meu dinheiro de<br />

volta.Estavaàesperaque,um<br />

ano depois, já tivesse recuperado<br />

oqueperdi”.Otestemunhoéde<br />

Candance Newlove, uma das<br />

inúmeras vítimas da maior fraude<br />

financeira da história. Um ano<br />

depois do mundo ter conhecido a<br />

verdadeira identidade de Bernard<br />

Madoff, são vários aqueles que<br />

perderam as poupanças de uma<br />

vida inteira. “Perdi tudo o que tinha<br />

em 35 anos de trabalho. Perdi<br />

800 mil dólares”, revela a artista<br />

plástica. Mas os exemplos não ficam<br />

por aqui. O <strong>Económico</strong> contactou<br />

sete norte-americanos<br />

afectados pelo esquema piramidaldeMadoffeodiscursoérepetido<br />

vezes sem conta.<br />

“Os meus pais perderam perto<br />

de um milhão de dólares, que estava<br />

destinado às suas reformas. Até<br />

hoje ninguém nos disse se vamos<br />

conseguir ou não reaver o nosso<br />

dinheiro”, admitiu Abby Frucht. A<br />

única esperança para o casal que<br />

sofre de demência está agora no<br />

subsídio para veteranos de guerra.<br />

AhistóriadeDonCoennãodifere<br />

da dos pais de Abby. Também artista<br />

plástico, Don revela ter perdido<br />

“demasiado dinheiro” que ainda<br />

não conseguiu recuperar.<br />

Mesmo para os poucos que tiveram<br />

“sorte” apenas conseguiram<br />

recuperar uma pequena parte<br />

das prejuízos e não esperam<br />

mais boas notícias. “As minhas<br />

perdas com Madoff são superiores<br />

a quatro milhões de dólares. Consegui<br />

recuperar 320 mil dólares,<br />

ou seja, 8% e não espero recuperar<br />

mais dinheiro”, afirmou o antigo<br />

combatente na guerra da Coreia,<br />

Allan Goldstein. Já Steven<br />

Falk, que assume ter perdido 230<br />

mil dólares, revela ter conseguido<br />

“arrecadar alguns fundos”.<br />

Além das perdas financeiras,<br />

Bernard Madoff deixa para trás<br />

um rasto de perdas emocionais<br />

que poderão nunca vir a sarar. A<br />

maior parte das vítimas teve de<br />

escrever um novo capítulo que<br />

passou por reaprender a viver<br />

sem dinheiro. Vender a casa, o<br />

carroeatédarocãoemudarde<br />

cidade são apenas algumas das<br />

mudanças provocadas “indirectamente”<br />

por Madoff.<br />

“Como não conseguia pagar a<br />

“Asminhasperdas<br />

com Madoff são<br />

superiores a quatro<br />

milhões de dólares.<br />

Consegui recuperar<br />

320 mil dólares, ou<br />

seja, 8%, e não espero<br />

recuperar mais<br />

dinheiro”, afirmou<br />

o veterano<br />

Allan Goldstein.<br />

PREJUÍZOS TOTAIS<br />

65 mil milhões<br />

A maior fraude financeira da<br />

história, orquestrada por Bernard<br />

Madoff através do esquema<br />

piramidal, terá provocado perdas<br />

totais de 65 mil milhões de dólares.<br />

prestação, vendemos a casa e o<br />

carroetivemosatédedarocão.<br />

Mudámos de cidade e estamos a<br />

morar em casa da minha filha”,<br />

revela Allan Goldstein. Com 64<br />

anos, Glenna não conseguiu recuperar<br />

ainda os 1,2 milhões de<br />

dólares investidos em Madoff e<br />

teve de mudar de casa e voltar a<br />

trabalhar como enfermeira. “Tivemosdecortaremtodasasdespesas<br />

possíveis, mas as maiores<br />

dificuldades foram as emocionais”,<br />

acrescenta Glenna.<br />

Juntamente com os “desabafos”,<br />

as vítimas sublinham o facto<br />

das autoridades norte-americanas<br />

continuarem a não apoiar os<br />

investidores, sobretudo os indirectos.<br />

Além de Glenna, Jack<br />

Bamberg é um dos investidores<br />

indirectos que ainda não recuperou<br />

o dinheiro perdido uma vez<br />

que “o governo apenas protege e<br />

indemniza os investidores directos<br />

até 500 mil dólares. Mas as<br />

nossas perdas são tão reais como<br />

as dos investidores directos”.<br />

Ainda assim, Jack mantém a esperança<br />

de uma alteração da lei<br />

por parte do Congresso norteamericano,<br />

“de forma a tratar por<br />

igual todos os investidores”.<br />

Confrontados com a possibilidade<br />

de um dia poderem falar<br />

com o homem responsável pela<br />

mudança nas suas vidas, as respostas<br />

das vítimas revelam-se<br />

surpreendentes. “Pedia-lhe desculpa<br />

pela sua perda, pois ele perdeu<br />

mais do que nós. Nós ficámos<br />

com a nossa integridade e honra<br />

intactas e com o apoio da nossa<br />

família. Ele ficou sem nada”, afirmou<br />

Candance. Já Allan Goldstein<br />

aproveitaria a ocasião para “lhe<br />

desejar muitos anos de vida para<br />

que possa gozá-los na prisão”.<br />

Recorde-se que Bernard Madoff<br />

foi condenado a 150 anos de prisão.<br />

No entanto, para muitos, o<br />

veredicto final do juiz podia ter<br />

sido outro. Se para muitos a pena<br />

foi leve, pela falta de atribuição de<br />

trabalhos forçados, para outros a<br />

solução mais correcta teria sido a<br />

de utilizar Madoff para ajudar as<br />

autoridades na descoberta de casos<br />

semelhantes. Independentementedasentençaatribuídaedas<br />

perdas, a esperança e o apoio familiar<br />

foram os sentimentos mais<br />

mencionados como a solução<br />

para ultrapassar a maior fraude financeira<br />

da história. ■<br />

1<br />

ENTREVISTA IRVING PICARD Responsável pela liquidação da Bernar<br />

“Perdas ascendem<br />

Responsável revela que sistema de protecção aos<br />

Tiago Figueiredo Silva<br />

tiago.silva@economico.pt<br />

O responsável pela liquidação<br />

da firma de Madoff e encarregue<br />

de recuperar o dinheiro<br />

para pagar aos investidores lesados,<br />

Irving Picard, revela<br />

em declarações exclusivas ao<br />

<strong>Weekend</strong>, que já foram aprovadas<br />

1.647 queixas de clientes<br />

cujas perdas ascendem a<br />

um total de 4,7 mil milhões de<br />

dólares.<br />

O esquema piramidal<br />

realizado por Madoff causou<br />

quantas vítimas nos Estados<br />

Unidos?<br />

Acreditamos que a firma de<br />

Madoff tenha arrecadado 8.095<br />

contas ao longo dos anos. Até 11<br />

de Dezembro identificámos<br />

4.903 contas activas, das quais<br />

2.341 ainda não tinham recebido<br />

o dinheiro investido. Continuamos<br />

a analisar os dados da<br />

firma e esperamos que o número<br />

de clientes que perderam dinheiro<br />

se altere.<br />

O montante de perdas com a<br />

fraude ascende a quanto?<br />

Temos analisado todos os movimentos<br />

financeiros feitos<br />

pelos clientes. Tendo essa base,<br />

até 8 de Dezembro foram aprovadas<br />

1.647 queixas cujas per-


Shannon Stapleton/Reuters<br />

1 Bernard Madoff antes<br />

de ser sentenciado a<br />

150 anos de prisão.<br />

2 As vítimas da fraude<br />

tentam ainda hoje<br />

recuperarem pelo<br />

menos parte do seu<br />

dinheiro. Houve casos<br />

de pessoas que<br />

perderam as poupanças<br />

de uma vida inteira<br />

de trabalho e foram<br />

obrigadas a vender<br />

acasaeocarro.<br />

3 A fraude cometida<br />

pelo antigo presidente<br />

do Nasdaq não suscitou<br />

apenas surpresa ou<br />

indignação. Houve quem<br />

aproveitasse esta crise<br />

para fazer negócio.<br />

Pouco tempo depois<br />

do esquema piramidal<br />

ser conhecido várias<br />

empresas lançaram<br />

produtos de<br />

‘merchandising’ ligados<br />

a Madoff. Foi o caso<br />

de um fabricante de<br />

brinquedos que lançou<br />

um boneco de Madoff<br />

que vinha acompanhado<br />

porummartelo.O<br />

artigo em questão tinha<br />

o título sugestivo de<br />

“Smash-Me Bernie” e<br />

custava 99 dólares.<br />

3<br />

d L. Madoff Investment Secutiries<br />

2<br />

a 4,7 mil milhões de dólares”<br />

investidores tem <strong>56</strong>3 milhões de dólares para recompensar os lesados.<br />

Irving Picard disse<br />

ao <strong>Económico</strong> que<br />

até agora foram<br />

aprovadas 1.647<br />

queixas de<br />

clientes da firma<br />

de Madoff, que<br />

totalizam perdas<br />

de 4,7 mil milhões<br />

de dólares.<br />

das totais ascendem a 4,7 mil<br />

milhões de dólares. Mas estes<br />

dados mudam diariamente.<br />

Qual o montante de dinheiro<br />

já retribuído aos lesados?<br />

Até ao dia 18 de Dezembro o<br />

sistema de protecção aos investidores<br />

contava com <strong>56</strong>3<br />

milhões de dólares para recompensar<br />

os lesados.<br />

Como pretende recuperar o<br />

dinheiro que ainda falta?<br />

A recuperação do dinheiro tem<br />

sido feita através de penhoras<br />

de activos da firma de Madoff,<br />

bem como da venda de activos<br />

e de processos judiciais. O pro-<br />

Mike Segar/Reuters<br />

Shannon Stapleton / Reuters<br />

cesso de recuperação continua<br />

e já instaurámos 14 processos<br />

contra amigos e familiares de<br />

Madoff, com o objectivo de angariar<br />

15 mil milhões de dólares.<br />

As vítimas de Madoff podem<br />

ter esperança em ver<br />

retribuído o dinheiro perdido<br />

com a fraude?<br />

De acordo com a nossa metodologia,<br />

existem ainda 694<br />

queixas de clientes que podem<br />

vir a ser aceites. E, apesar de<br />

ser um processo muito demorado,<br />

temos vindo a fazer<br />

enormes progressos nos últimos<br />

meses. ■<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 47<br />

De celebridade<br />

em Wall Street a<br />

“padrinho” na prisão<br />

Madoff leva uma vida pacata na<br />

prisão, onde já cumpriu cinco dos<br />

1.795 meses de sentença.<br />

Tiago Figueiredo Silva<br />

tiago.silva@economico.pt<br />

O dia começa cedo no complexo<br />

prisional de Butner. Tal como todos<br />

os outros reclusos, o prisioneiro<br />

com o número 61.727-054 é<br />

obrigado a levantar-se todos os<br />

dias às seis da manhã e tem uma<br />

hora e meia para estar preparado<br />

para trabalhar. Com um “salário”<br />

que oscila entre os 12 cêntimos e<br />

os 1,15 dólares por hora, ser canalizador<br />

ou trabalhar na cozinha<br />

são alguns dos “empregos” da<br />

prisão.Às23hédadaaordem<br />

para se apagarem as luzes. Mais<br />

um dia que termina para os cerca<br />

de 6.100 reclusos de Butner, entre<br />

os quais Bernard Madoff.<br />

Do luxuoso apartamento de<br />

Manhattan para uma minúscula<br />

cela numa prisão da Carolina do<br />

Norte, a vida de Madoff alterouse<br />

radicalmente. Novos hábitos e<br />

novos amigos têm sido o dia-adia<br />

dos últimos meses. Mas tempoéoquenãofalta.Ohomem<br />

acusado de ter orquestrado a<br />

maior fraude financeira da história<br />

cumpriu ainda apenas cinco<br />

meses dos 1.795 que lhe foram<br />

sentenciados. Apesar de 150 anos<br />

serem uma eternidade, Madoff<br />

parece estar-se a dar bem com os<br />

ares da prisão. Entre as suas principais<br />

ocupações estão jogar damas<br />

e xadrez ou esfregar tachos e<br />

panelas. “Apesar de tudo, ele está<br />

bem. Mas ainda sofre e está muito<br />

arrependido por tudo o que fez”,<br />

PUB<br />

revelou recentemente o advogado<br />

de Madoff, Ira Sorkin.<br />

Apesar da figura mediática,<br />

Madoff conseguiu recuperar o<br />

que tinha perdido cá fora quando<br />

a fraude foi descoberta: respeito.<br />

Para os prisioneiros outrora artistas,<br />

Madoff é considerado<br />

como o “padrinho”. “Os artistas<br />

quecáestãovêem-nocomoo<br />

padrinho, como um ‘Don’”,<br />

afirmou um recluso de Butner ao<br />

Wall Street Journal. O respeito já<br />

deu lugar a inúmeras amizades<br />

que resultaram em presentes.<br />

Exemplo disso foi o quadro pintado<br />

por Kenneth Calvin. Conhecido<br />

por KC White, o artista<br />

que pintou vários murais na prisão<br />

conheceu Madoff na fila da<br />

medicação. “Perguntou-me se<br />

era eu quem pintava as paredes<br />

da prisão e pediu-me para fazer<br />

o seu retrato, de fato e gravata e<br />

não com a farda da prisão. Claro<br />

que aceitei”, revela KC White.<br />

Mas as experiências de Madoff<br />

na prisão não ficam por aqui.<br />

Muitos foram os reclusos que pediram,<br />

sem sucesso, o seu autógrafo<br />

com o objectivo de o vender<br />

no ‘site’ de leilões eBay, outros<br />

tornaram-se seus amigos com a<br />

esperança de que algum dia Madoff<br />

revele onde estão os cerca de<br />

18,4 mil milhões de dólares que<br />

desapareceram. ■<br />

Bernard Madoff passa<br />

os dias na prisão a<br />

jogar damas e xadrez<br />

e a esfregar tachos e<br />

panelas.


48 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

MERCADOS<br />

AS ÚLTIMAS RECOMENDAÇÕES<br />

BES<br />

PREÇO-ALVO<br />

5,25¤<br />

COTAÇÃO ACTUAL<br />

4,50¤<br />

POTENCIAL<br />

16%<br />

Os analistas do Crédit Suisse iniciaram a cobertura dos títulos do Banco Espírito<br />

Santo com uma recomendação de “neutral” e estabeleceram um preço-alvo de 5,25<br />

euros por acção.<br />

Marta Marques Silva<br />

marta.marquessilva@economico.pt<br />

Todososcaminhosvãoterà<br />

banca. O sector registou o pior<br />

desempenho da semana, ao cair<br />

1,37%, com a performance diário<br />

dos bancos europeus a variar<br />

entre perdas e ganhos na ordem<br />

dos 7%. Se na quarta-feira o<br />

sector rejubilou com o prazo<br />

alargado das propostas do Comité<br />

de Basileia – que visam reforçar<br />

as regras de liquidez e de<br />

capital para a banca – até ao final<br />

de 2012, os dias seguintes<br />

seriam fatídicos para as instituições<br />

bancárias. A Standard &<br />

Poors cortou o ‘rating’ da dívida<br />

IBERSOL<br />

PREÇO-ALVO<br />

10,25¤<br />

grega (ver pág.22), depois de a<br />

Fitch ter também revisto em<br />

baixa a sua notação na semana<br />

passada. Uma notícia que abalou<br />

os mercados de dívida pública<br />

– com o preço dos CDS de<br />

países como Portugal, Espanha,<br />

Irlanda e Reino Unido, além da<br />

Grécia, a disparem. Os receios<br />

sobre a saúde financeira de alguns<br />

países europeus – ainda no<br />

rescaldodoresgatedadívidado<br />

Dubai – afectou também as suas<br />

instituições financeiras. Nesse<br />

dia o sector afundava 2,7%. Já<br />

na quinta-feira foi a vez do BCE<br />

– que realizou também esta semana<br />

o último leilão de liquidez<br />

a 12 meses a preços baixos – vir<br />

COTAÇÃO ACTUAL<br />

9,20¤<br />

Bancos europeus voltam a<br />

viver dias de emoções fortes<br />

POTENCIAL<br />

11%<br />

Os analistas da Caixa BI reviram em alta a recomendação para as acções da Ibersol<br />

de ‘hold’ para ‘accumulate’ e fixaram um preço-alvo de 10,25 euros para os títulos–<br />

um valor que compara com os 8,85 euros anteriormente atribuídos.<br />

As propostas do Comité de Basileia agitaram o sector da banca. No final da semana,<br />

os títulos foram novamente pressionado com perspectivas de ‘write downs’ adicionais.<br />

BANCA PERDE 1,37%<br />

Evolução do sector europeu em<br />

Dezembro.<br />

230<br />

210<br />

190<br />

30-11-2009<br />

Fonte: Bloomberg<br />

18-12-2009<br />

Yiorgos Karahalis / Reuters<br />

A crise vivida na dívida grega marcou esta semana o desempenho dos<br />

mercados europeus, com o sector da banca a ser o mais penalizado.<br />

dizer que os bancos europeus<br />

deverão ter que amortizar mais<br />

187 mil milhões de euros até final<br />

de 2010, devido ao aumento<br />

do crédito malparado e à desvalorização<br />

do imobiliário comercial,<br />

além dos problemas que os<br />

elevados défices governamentais<br />

colocam à estabilidade financeira.<br />

Um rol de notícias que pressionou<br />

principalmente os bancos<br />

britânicos, gregos e irlandeses,<br />

com os últimos a perderem<br />

mais de 17% na semana. ■<br />

Veja no texto ao lado qual<br />

foi o comportamento da<br />

bolsa portuguesa.<br />

CAMBIOS<br />

Euro perde 2%<br />

pressionado pela<br />

crise na Grécia<br />

A semana que passou foi<br />

penalizadora para a moeda<br />

europeia que resvalou mais<br />

de 2%, com a crise<br />

económica vivida na Grécia.<br />

A dívida aquele país europeu<br />

foialvodeumsegundocorte<br />

de ‘rating’ por parte das<br />

agências de notação. E nem<br />

mesmo durante a sessão de<br />

ontem, com o euro a subir<br />

para os 1,4305 face ao dólar,<br />

foi suficiente para anular as<br />

perdas da semana.<br />

1,50<br />

1,45<br />

1,40<br />

11-12-2009<br />

MATERIAS PRIMAS<br />

18-12-2009<br />

Petróleo soma<br />

ganhos de 2,5%<br />

na semana<br />

O‘ouronegro’teveumciclo<br />

de cinco sessões positivo,<br />

tendo acumulado ganhos de<br />

2,5% no período. Para tal<br />

tendência contribuíram vários<br />

factores. Primeiro a OPEP<br />

reviu em alta ligeira o<br />

aumento da procura de<br />

petróleo em 2010. Por outro<br />

lado, a divulgação de dados<br />

económicos positivos pela<br />

Fed também ajudou a<br />

cimentar a expectativa de<br />

aumento da procura.<br />

74<br />

73<br />

72<br />

71<br />

70<br />

11-12-2009<br />

18-12-2009


MOTA-ENGIL<br />

PREÇO-ALVO<br />

5,35¤<br />

COTAÇÃO ACTUAL<br />

3,58¤<br />

POTENCIAL<br />

50%<br />

A Caixa BI reviu as estimativas para a Mota-Engil para o próximo ano, tendo<br />

atribuido um preço-alvo de 5,35 euros para o final de 2010 e reiterando a<br />

recomendação de ‘comprar’.<br />

EUROLIST BY EURONEXT. ACÇÕES<br />

Última Var. Var. Máx. Mín. Quant. Máx. Mín. Divid. Data Divid. Comport.<br />

Valor Mobiliário Data cotação % sessão sessão transcc. do ano do ano Ex-dív yeld% anual%<br />

Compartimento A<br />

B.COM.PORTUGUES 18-12-2009 0.78 -0.01 -1.01 0.79 0.76 31,947,833 1.08 0.<strong>56</strong> 0.02 16-04-2009 2.16 -3.19<br />

B.ESPIRITO SANTO 18-12-2009 4.50 -0.07 -1.49 4.57 4.46 3,057,070 5.34 2.65 0.16 26-03-2009 3.50 8.25<br />

BANCO BPI SA 18-12-2009 2.11 0.01 0.29 2.16 2.11 375,759 2.57 1.34 0.07 04-05-2009 3.17 20.29<br />

BRISA 18-12-2009 6.98 0.04 0.<strong>56</strong> 7.05 6.86 1,077,982 7.23 4.26 0.31 30-04-2009 4.47 29.70<br />

CIMPOR SGPS 18-12-2009 6.34 0.88 16.01 6.38 5.91 9,892,45 5.85 3.00 0.19 12-06-2009 3.39 57.04<br />

EDP 18-12-2009 3.06 -0.01 -0.36 3.09 3.06 6,914,44 3.22 2.34 0.14 14-05-2009 4.<strong>56</strong> 14.03<br />

EDP RENOVAVEIS 18-12-2009 6.34 0.04 0.57 6.34 6.25 646,712 7.83 4.41 0.00 0.00 25.92<br />

GALP ENERGIA 18-12-2009 11.86 -0.07 -0.59 12.00 11.86 922,287 12.65 7.03 0.23 22-10-2009 1.93 66.16<br />

J MARTINS SGPS 18-12-2009 6.81 -0.02 -0.23 6.86 6.75 1,066,764 6.94 3.01 0.11 06-05-2009 1.61 71.86<br />

PORTUGAL TELECOM 18-12-2009 8.30 -0.03 -0.30 8.36 8.21 3,228,065 8.69 5.48 0.57 24-04-2009 6.91 37.15<br />

ZON MULTIMEDIA 18-12-2009 4.19 0.01 0.29 4.23 4.17 2,368,401 5.01 3.55 0.16 27-05-2009 3.83 12.72<br />

Compartimento B<br />

SONAE INDUSTRIA 18-12-2009 2.47 0.00 0.04 2.50 2.44 206,481 2.86 1.15 0.00 16.61 61.64<br />

SONAECOM SGPS 18-12-2009 1.82 0.03 1.68 1.82 1.77 174,183 2.15 0.97 0.00 0.00 78.11<br />

MOTA ENGIL 18-12-2009 3.58 0.04 1.16 3.58 3.53 290,6 4.53 2.10 0.11 15-05-2009 3.11 50.64<br />

SEMAPA 18-12-2009 7.72 0.13 1.75 7.93 7.65 357,418 8.95 5.65 0.25 23-04-2009 3.36 18.51<br />

PORTUCEL 18-12-2009 1.88 -0.03 -1.42 1.92 1.88 490,011 2.13 1.31 0.10 06-04-2009 5.51 23.11<br />

SONAE 18-12-2009 0.81 -0.02 -2.17 0.84 0.81 7,407,661 0.98 0.40 0.03 20-05-2009 3.62 89.47<br />

BANIF-SGPS 18-12-2009 1.24 0.02 1.64 1.24 1.22 145,154 1.54 0.95 0.06 22-04-2009 5.02 18.87<br />

SONAE CAPITAL 18-12-2009 0.81 - - 0.82 0.80 70 1.00 0.41 0.00 0.00 84.09<br />

REN 18-12-2009 2.99 0.04 1.22 2.99 2.95 174,648 3.25 2.43 0.17 27-04-2009 5.59 4.06<br />

MARTIFER 18-12-2009 3.39 0.04 1.19 3.42 3.29 72,936 4.59 2.53 0.00 0.00 -10.90<br />

GRUPO MEDIA CAP 11-12-2009 4.45 - - - - - 5.00 2.00 0.23 09-04-2009 5.17 45.90<br />

SAG GEST 18-12-2009 1.31 -0.03 -2.24 1.31 1.27 5,15 1.59 0.90 0.02 10-11-2008 1.51 41.05<br />

TEIXEIRA DUARTE 18-12-2009 1.08 0.15 15.51 1.08 0.95 4,020,046 1.26 0.41 0.00 1.71 <strong>56</strong>.35<br />

FINIBANCO SGPS 18-12-2009 1.57 0.01 0.64 1.57 1.52 23,324 2.14 1.43 0.00 4.29 -21.61<br />

ALTRI SGPS SA 18-12-2009 3.89 -0.04 -0.89 4.00 3.89 311,775 4.25 1.50 0.00 2.00 87.40<br />

TOYOTA CAETANO 07-12-2009 4.16 - - - - - 7.92 4.00 0.07 26-05-2009 1.68 -46.04<br />

Compartimento C<br />

BENFICA-FUTEBOL 18-12-2009 2.55 0.02 0.79 2.55 2.53 1,313 3.55 1.70 0.00 0.00 20.48<br />

COFINA SGPS 18-12-2009 1.04 -0.01 -0.95 1.05 1.04 200,917 1.07 0.39 0.00 4.21 133.33<br />

COMPTA 16-12-2009 0.40 - - - - - 0.46 0.36 0.00 0.00 11.11<br />

CORTICEIRA AMORI 18-12-2009 0.94 -0.01 -1.05 0.95 0.94 38,687 1.05 0.54 0.00 6.74 17.28<br />

ESTORIL SOL N 22-09-1998 8.91 - - - - - 0.00 0.00 0.22 16-05-2007 2.47 -3.47<br />

ESTORIL SOL P 17-12-2009 7.00 - - - - - 9.88 6.15 0.00 4.54 -20.45<br />

F RAMADA INVEST 18-12-2009 0.94 0.07 7.71 0.95 0.86 34,154 0.98 0.57 0.00 0.00 39.04<br />

FISIPE 18-12-2009 0.16 - - 0.16 0.16 350 0.20 0.09 0.00 0.00 77.78<br />

FUT.CLUBE PORTO 17-12-2009 1.32 - - - - 500 1.75 1.25 0.00 0.00 -5.71<br />

GLINTT 18-12-2009 0.81 -0.01 -1.22 0.82 0.81 96,301 1.03 0.60 0.00 0.00 28.13<br />

IBERSOL SGPS 18-12-2009 9.20 0.20 2.22 9.20 8.90 422 10.00 5.51 0.05 22-05-2009 0.61 30.43<br />

IMOB GRAO PARA 25-11-2009 3.65 - - - - - 3.82 2.33 0.00 0.00 21.67<br />

IMPRESA SGPS 18-12-2009 1.82 -0.10 -5.21 1.92 1.81 622,86 2.30 0.<strong>56</strong> 0.00 0.00 128.57<br />

INAPA-INV.P.GEST 18-12-2009 0.62 -0.01 -1.59 0.64 0.62 375,23 0.73 0.23 0.00 0.00 85.29<br />

LISGRAFICA 17-12-2009 0.08 - - - - - 0.12 0.06 0.00 0.00 14.29<br />

NOVABASE SGPS 18-12-2009 4.48 -0.01 -0.22 4.49 4.44 5,676 5.06 3.21 0.00 0.00 -2.18<br />

OREY ANTUNES 16-12-2009 1.66 - - - - - 2.90 1.66 0.11 30-04-2009 6.63 -27.83<br />

PAP.FERNANDES 28-01-2009 2.66 - - - - - 2.66 2.65 0.00 0.00 0.38<br />

REDITUS SGPS 17-12-2009 7.39 - - - - - 8.00 5.83 0.00 0.00 4.08<br />

S.COSTA 18-12-2009 1.21 0.02 1.68 1.23 1.19 257,058 1.34 0.48 0.03 27-05-2009 2.61 88.89<br />

S.COSTA-PREF 18-09-2009 1.16 - - - - - 1.16 1.16 0.15 27-05-2009 12.93 -15.94<br />

SPORTING 18-12-2009 1.25 - - 1.25 1.25 620 1.52 1.01 0.00 0.00 -8.09<br />

SUMOL COMPAL 18-12-2009 1.41 0.09 6.82 1.41 1.41 10 1.70 1.21 0.00 0.00 -20.00<br />

VAA VISTA ALEGRE 17-12-2009 0.10 - - - - - 0.14 0.06 0.00 0.00 42.86<br />

VAA-V.ALEGRE-FUS 18-12-2009 0.08 - - 0.08 0.08 548,019 0.10 0.04 0.00 0.00 60.00<br />

VAA-V.ALEGRE-FUS 18-12-2009 0.08 - - 0.08 0.08 548,019 0.10 0.04 0.00 0.00 60.00<br />

Compartimento Estrangeiras<br />

BANCO POPULAR 18-12-2009 0.00 -0.05 -0.96 5.20 5.15 15,224 7.58 3.23 0.46 12-01-2009 8.82 -9.69<br />

BANCO SANTANDER 18-12-2009 0.00 -0.11 -0.97 11.48 11.22 36,666 11.97 3.94 0.64 01-08-2009 5.66 81.32<br />

E.SANTO FINANC N 12-11-2009 0.00 - - - - - 15.20 9.01 0.25 25-05-2009 1.65 48.87<br />

E.SANTO FINANCIA 18-12-2009 0.00 - - 14.88 14.85 8,013 15.49 9.92 0.25 25-05-2009 1.71 39.72<br />

PAPELES Y CARTON 17-12-2009 0.00 - - - - - 4.25 2.45 0.03 16-01-2009 0.91 6.80<br />

SACYR VALLEHERM 06-05-2009 0.00 - - - - - 7.95 7.55 0.57 31-10-2008 7.17 5.02<br />

As cotações do PSI 20, dos índices internacionais e dos seus respectivos componentes podem ser acompanhadas em: www.diarioeconomico.com<br />

Última cotação – Corresponde na grande maioria dos títulos, à cotação de fecho da última sessão, a menos que seja indicada outra data. Preços indicados em euros; Variação absoluta e percentual – diferença entre<br />

a última cotação e o fecho da sessão imediatamente anterior em que o título transaccionou; Dividendo – valor bruto, indicado em euros e respectiva data a partir da qual a aquisição do título deixou de dar direito<br />

ao pagamento do dividendo; Dividend Yield – Rendimento do dividendo, que resulta da divisão do último dividendo pago pela cotação; Comportamento anual – variação percentual da cotação em relação ao último<br />

preço do ano anterior. Compartimento A – Capitalização bolsista superior a 1.000 milhões de euros; Compartimento B – Capitalização bolsista entre 150 milhões e 1.000 milhões de euros; Compartimento C – Capitalização<br />

bolsista inferior a 150 milhões de euros; Compartimento Estrangeiras – Emitentes estrangeiras.<br />

MAIORES SUBIDAS<br />

TÍTULO VAR. %<br />

CIMPOR 23,68<br />

TEIXEIRA DUARTE 9,20<br />

BRISA 3,47<br />

MOTA ENGIL 3,17<br />

SEMAPA 2,16<br />

JERÓNIMO MARTINS 2,04<br />

GALP 1,80<br />

REN 1,25<br />

A Cimpor disparou ontem<br />

16%, em reacção à OPA<br />

lançada pela brasileira CSN.<br />

A Teixeira Duarte, que<br />

detém uma posição de<br />

22,9% na cimenteira seguiu<br />

a tendência. A Brisa<br />

beneficiou da adjudicação<br />

do primeiro troço do TGV.<br />

MAIORES DESCIDAS<br />

TÍTULO VAR. %<br />

SONAE -6,57<br />

B.COM.PORTUGUES -4,99<br />

PORTUGAL TELECOM -1,89<br />

EDP -1,16<br />

PORTUCEL -0,90<br />

B.ESPIRITO SANTO -0,77<br />

ALTRI -0,49<br />

SONAE INDÚSTRIA -0,12<br />

NOVABASE<br />

PREÇO-ALVO<br />

6,25¤<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 49<br />

O Millennium Investment Banking reviu em alta o preço-alvo para as acções da<br />

Novabase dos anteriores 5,35 euros para os 6,25 euros e atribui a recomendação<br />

de ‘comprar’ para os títulos.<br />

Depois de já ter estado a<br />

subir mais de 100% este<br />

ano, a Sonae corrigiu esta<br />

semana 6,57%. O BCP<br />

continua a ser o banco mais<br />

castigado no mercado<br />

portuguêseaexposiçãoà<br />

Grécia também não o<br />

ajudou nas últimas sessões.<br />

COTAÇÃO ACTUAL<br />

4,48¤<br />

COMENTÁRIO DE BOLSA<br />

MARTA MARQUES SILVA<br />

marta.marquessilva@economico.pt<br />

OPA sobre a Cimpor<br />

permite subida do PSI<br />

A semana até começou bem, com o emirado de Abu<br />

Dhabi a salvar o Dubai da entrada em incumprimento,<br />

com uma injecção de dez mil milhões de dólares, evitando<br />

assim maiores danos na confiança dos investidores.<br />

O dia seguinte trouxe mais uma dose de notícias,<br />

com o Comité de Basileia a fazer saber que os bancos<br />

europeus terão até final de 2012 para cumprir com os<br />

novos requisitos de capital e de liquidez. Mas, na quinta-feira<br />

a tendência inverteu-se. A Grécia sofre o segundo<br />

corte de ‘rating’ no espaço de uma semana. E,<br />

ontem, a estimativa do BCE de ‘write downs’ adicionais<br />

na banca europeia até final de 2010 dita mais um<br />

dia vermelho nas praças mundiais. Um ‘cocktail’ de<br />

acontecimentos que guiaram a performance das bolsas<br />

em todo o mundo, com as praças europeias a perderem<br />

mais de 1% na semana. E, o PSI 20 não seria excepção<br />

não fosse a OPA ontem lançada pela brasileira<br />

CSN sobre a Cimpor. A praça lisboeta fechou em contraciclo<br />

com o sentimento internacional. Ganhou ontem<br />

0,3% – o que lhe permitiu fechar a semana a subir<br />

0,34% – sustentada pela maior subida diária de sempre<br />

da Cimpor, que disparou 16%. A Teixeira Duarte<br />

(TD), que detém uma posição de 22,9% na cimenteira<br />

seguiu-lhe as pisadas e escalou 15,5%. Nas últimas<br />

cinco sessões a cimenteira nacional alcança ganhos de<br />

23,7%, naquela que foi a maior subida semanal entre as<br />

cotadas no Euro STOXX 600, seguida pela TD que sobe<br />

9,2%. Já a Brisa e a Soares da Costa (SC), que lideram o<br />

consórcio que irá construir o primeiro troço do TGV, tiveram<br />

comportamentos díspares. Enquanto a primeira<br />

subiu 3,47%, a SC caiu 2,4%. ■<br />

PSI 20 AVANÇA 0,34% NA SEMANA<br />

Desde o início do ano, os ganhos do índice de<br />

referência nacional atingem os 29,5%.<br />

8400<br />

8200<br />

8000<br />

Fonte: Bloomberg<br />

11-12-2009<br />

POTENCIAL<br />

39%<br />

acompanhe as bolsas ao minuto e todas as notícias em<br />

www.economico.pt<br />

18-12-2009


50 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ESPECIAL DESTAQUE CIMEIRA DE COPENHAGA<br />

Acordo de mínimos<br />

fecha cimeira<br />

do clima<br />

O mundo falha um acordo ambicioso, atiram promessas para<br />

2050 e frustraram-se as propostas europeias.<br />

Luís Rego, em Copenhaga<br />

luis.rego@economico.pt<br />

“Que idade tens em 2050?” A<br />

mensagem provocadora da organização<br />

mundial de jovens à conferência<br />

de Copenhaga parecia<br />

feita à medida do acordo que ontem<br />

se fechava entre líderes na<br />

capital dinamarquesa. Segundo<br />

ecos do encontro à hora de fecho<br />

desta edição, desenhava-se um<br />

acordo “seguramente histórico”,<br />

mas que “não deixa ninguém<br />

muito satisfeito”, explicava um<br />

delegado.<br />

Em cima da mesa estava uma<br />

meta de redução de emissões de<br />

50% até 2050, com um esforço<br />

calculado em 80% para os países<br />

mais desenvolvidos. Algo que<br />

afasta quaisquer restrições para<br />

2020 bem como a promessa de se<br />

tornar vinculativo e obrigatório<br />

no decorrer de 2010, dentro de<br />

seismesesouumano.Atéoobjectivo<br />

de fixar 2020 como ‘pico’<br />

das emissões globais, o que para<br />

os cientistas é fundamental para<br />

fazer com que a temperatura do<br />

planeta não aumente 2 graus, foi<br />

colocado de lado, fixando-se ao<br />

invés um rendez-vous em 2016<br />

para estudar a possibilidade de<br />

estabelecer 1,5 graus como tecto<br />

máximo. Não éosuficiente para<br />

combater as alterações climáticas<br />

mas é um primeiro passo, dizem<br />

fontes dos EUA, citadas pelas<br />

agências.<br />

A confirmar-se é um passo<br />

atrás face ao que os europeus procuravam,<br />

motivo pelo qual a UE<br />

chegou a ponderar ontem ‘saltar<br />

fora’, reportavam delegados europeus<br />

depois de uma segunda cimeiraimprovisadanumasalarecôndita<br />

da conferência. “Estamos<br />

perto de ver nascer um acordo<br />

não vinculativo depois de 36 horas<br />

de intensas negociações” dizia<br />

o ministro ambiente indiano, Jairam<br />

Ramesh.<br />

A UE ameaçou mesmo os seus<br />

parceiros com a criação um imposto<br />

sobre o carbono, para os<br />

produtos importados de países<br />

que não tenham metas ambientais<br />

comparáveis ao bloco europeu.<br />

Uma ideia muito francesa e<br />

que o Reino Unido apenas aceita<br />

como postura negocial. Algo<br />

que satisfaria a industria pesada<br />

europeia mas que prometeria<br />

lançar o mundo numa guerra<br />

Este acordo possível<br />

éoresultadodeum<br />

diadeconfrontação<br />

entre EUA e China,<br />

onde a UE ficou<br />

umdiainteiroaver<br />

as suas ‘linhas<br />

vermelhas’<br />

ultrapassadas mas<br />

comumacordo<br />

a ser gizado entre<br />

as duas nações mais<br />

poluentes.<br />

comercial de final imprevisível.<br />

Os europeus afastavam também<br />

ao principio da noite elevar a<br />

suametade20%para25%ou<br />

30% de redução de emissões, por<br />

manifesta falta de movimento<br />

das restantes partes. Ed Miliband,<br />

o ministro britânico, dizia<br />

que “se pudermos ir para 30%,<br />

vamos. Mas as coisas não parecem<br />

bem encaminhadas neste<br />

momento mas estamos a fazer o<br />

melhor que podemos para lá chegar”.<br />

Uma alternativa na mesa é<br />

que cada um dos europeus escolha<br />

voluntariamente elevar as<br />

suas posições para estimular movimento<br />

dos outros blocos, mas a<br />

Alemanha opunha-se terminantemente<br />

a um gesto colectivo sem<br />

garantia de acção recíproca.<br />

Esteacordopossíveléoresultado<br />

de um dia de confrontação<br />

entre EUA e China, onde a UE ficou<br />

um dia inteiro a ver as suas<br />

‘linhas vermelhas’ ultrapassadasmascomumacordoaser<br />

gizado entre as duas nações<br />

mais poluentes.<br />

Os países em vias de desenvolvimento,<br />

entre eles a China e Índia,<br />

aceitaram tomar e programar<br />

medidas concretas para reduzir<br />

emissões de CO2 no futuro. Wen<br />

Jiabao, o premeiro-ministro chinês,<br />

manteve metas de 40/45%<br />

de intensidade carbónica, mas<br />

aceitou reportar essas emissões<br />

através de “comunicações nacionais”<br />

para a ONU, numa solução<br />

arrancada a ferros a Pequim, que<br />

receava intromissão na sua soberania.<br />

Um tema que incendiou as<br />

negociações toda a tarde.<br />

Barack Obama, o presidente<br />

norte-americano, reiterou meta<br />

de 3% para 2020/1990, mas ofereceu<br />

mais verbas para a desflorestaçãooquenapráticasetraduziria<br />

em menos emissões, explica<br />

um fonte europeia.<br />

O capítulo do financiamento<br />

ficou fechado com os líderes a fixarem<br />

uma soma anual de 100<br />

mil milhões de dólares para os<br />

mais pobres até 2020, com um<br />

fundo de arranque rápido de 30<br />

milmilhõesparasergastoimediatamente<br />

e até 2010, para o<br />

qual a UE oferece 2,4 mil milhões.<br />

Trata-se de uma enorme<br />

cedência das nações africanas<br />

que tinham pedido há semanas<br />

um volume de 400 mil milhões<br />

ano até 2020. ■<br />

“ “Como maior<br />

economia do<br />

mundo e segundo<br />

maior emissor,<br />

aAmérica<br />

partilha a sua<br />

responsabilidade<br />

nas alterações<br />

climáticas e quer<br />

assumir essas<br />

responsabilidades”.<br />

A questão é se<br />

seguimos em frente<br />

juntos ou em nos<br />

separamos. Este<br />

não é um acordo<br />

perfeito e<br />

nenhumpaís<br />

conseguirá tudo<br />

o que deseja.<br />

Temos de escolher<br />

a acção em vez da<br />

inacção, o futuro<br />

em vez do passado–<br />

com coragem e fé.<br />

Barack Obama<br />

PISTAS PARA PERCEBER OS RESULTADOS DE COPENHAGA<br />

+<br />

Acordo forte<br />

● O objectivo:<br />

Limitar o aquecimento<br />

global a 2º<br />

● Compromisso dos ‘ricos’:<br />

Os EUA e os demais países<br />

desenvolvidos vão mais além<br />

dos compromissos já<br />

anunciados. A UE reduz a suas<br />

emissões de 20% para 30%.<br />

● Acções dos países em<br />

desenvolvimento:<br />

A China, a Índia e outras<br />

grandes economias<br />

emergentes acordam cortes<br />

mais profundos na intensidade<br />

das emissões, para além<br />

do anunciado.<br />

● Prazo de entrada em vigor<br />

do tratado vinculativo:<br />

O tratado será redigido<br />

e assinado no espaço de seis<br />

meses.<br />

● Financiamento:<br />

Os países desenvolvidos<br />

concordam em avançar com 100<br />

mil milhões de dólares mais de<br />

financiamento em 2020,<br />

montante este que pode


Christian Charisius/Reuters<br />

PONTOS-CHAVE<br />

“ China leva<br />

as alterações<br />

climáticas<br />

muito a sério.<br />

A China está numa<br />

fase acelerada de<br />

industrialização e<br />

urbanização e, da<br />

da predominância<br />

do carvão nas<br />

nossas escolhas<br />

energéticas,<br />

estamos<br />

confrontados<br />

com dificuldades<br />

especiais na<br />

redução de<br />

emissões”.<br />

“Vamos melhorar<br />

as estatísticas<br />

domésticas, vigiar<br />

e avaliar métodos,<br />

aumentar a<br />

transparência”<br />

Wen Jiabao<br />

aumentar, dando claras<br />

indicações quanto à distribuição<br />

desses montantes.<br />

● Supervisão:<br />

Os países em desenvolvimento,<br />

incluindo a China, concordam<br />

em submeterem as suas<br />

acções em matéria de redução<br />

de emissões ao escrutínio<br />

do exterior, mesmo que<br />

essas reduções não<br />

beneficiem de financiamento<br />

e apoio internacional.<br />

No último minuto, os líderes<br />

políticos conseguiram o<br />

acordo possível. As metas de<br />

corte de emissões foram<br />

arrastadas para 2050, com 80%<br />

a cargo dos países ricos.<br />

-<br />

Acordo fraco<br />

● O objectivo:<br />

Isenção de limites à subida<br />

global da temperatura.<br />

● Compromisso dos ‘ricos’:<br />

Países mantêm as reduções já<br />

anunciadas.<br />

● Acções dos países em<br />

desenvolvimento:<br />

Não haverá mudanças nas<br />

emissões chinesas e de outros<br />

países em desenvolvimento.<br />

● Prazo de entrada em vigor<br />

do tratado vinculativo:<br />

Todos Mhghghk os olhos df dfestavam gdjkfhg<br />

postos sdfhglkhsdlfjgh no discurso sdjfgh de<br />

Obama, sjdfh g hsdfkjgh mas não houve “coelhos<br />

tirados ksdfjgsjdfhkgjh da cartola’. sdfjkgh O presidente ksjdfh<br />

dos gkj shdfkjgh EUA não sdjkfhgk foi como esperado jsdhfkgjho<br />

‘salvador skdfjg sdfg. do planeta’.<br />

Ints Kalnins/Reuters<br />

Não será acordado nenhum prazo<br />

de entrada em vigor do tratado.<br />

● Financiamento:<br />

Os países desenvolvidos<br />

oferecem 100 mil milhões de<br />

dólares ou menos, com<br />

indicações muito vagas quanto à<br />

distribuição desses montantes.<br />

● Supervisão:<br />

Os países em desenvolvimento<br />

têm a liberdade de reportarem<br />

por si sós o seu desempenho em<br />

matéria de redução de emissões,<br />

sem qualquer supervisão externa.<br />

Apesar Mhghghk dedf ser dfum gdjkfhg de<br />

sdfhglkhsdlfjgh Portugal estar assinalado sdjfgh<br />

sjdfh como gumhsdfkjgh dos países que pode<br />

ksdfjgsjdfhkgjh sofrer mais comsdfjkgh o efeitoksjdfh estufa,<br />

gkj os portugueses shdfkjgh sdjkfhgk estão pouco<br />

jsdhfkgjh preocupados skdfjg comsdfg. o clima.<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 51<br />

A velha ordem<br />

mundial está<br />

aderreter<br />

A conferência caracterizou-se por<br />

um conjunto de altercações e um<br />

apontar de dedo entre ‘ricos’<br />

e ‘pobres’.<br />

Andrew Ward, em Copenhaga<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Robert Zoellick passou quase<br />

despercebido esta semana no<br />

Bella Center, algo que remete<br />

para profundas na velha ordem<br />

mundial.<br />

Aqui estava o presidente do<br />

Banco Mundial – símbolo do domínio<br />

económico do Ocidente – a<br />

misturar-se anonimamente com<br />

a multidão numa conferência internacional,<br />

descrita por alguns<br />

como a mais importante desde a<br />

II Guerra Mundial.<br />

Na terça-feira seria a vez de<br />

uma série de dignatários, recém-chegados<br />

de países distantes,<br />

percorrerem os mesmos<br />

corredores austeros, perseguidos<br />

por hordas de jornalistas<br />

que deixavam perguntas no ar à<br />

sua passagem.<br />

A presença que maior frenesi<br />

provocou foi a de Hillary Clinton,<br />

a secretária de estado norteamericana,<br />

cuja influência e mediatismo<br />

acabariam por ofuscar a<br />

maioria dos líderes dos vários<br />

países nacionais aí presentes. Mas<br />

acimeiradoclimadeCopenhaga<br />

provou que os EUA deixaram de<br />

ser o grande foco de atenção.<br />

A paisagem humana nesta cimeira<br />

acabou com todo e qualquer<br />

fervor idealista. Em vez de<br />

um mundo unido para salvar o<br />

planeta, esta conferência caracterizou-se<br />

por uma série de altercações<br />

e por um apontar do<br />

dedo entre países ricos e pobres.<br />

Potências até agora periféricas,<br />

como é o caso da Bolívia, e<br />

uma série de países africanos que<br />

muita gente dificilmente conseguirá<br />

localizar no mapa, atraíram<br />

tantos repórteres para as suas<br />

conferências de imprensa diárias<br />

como os encontros com os jornalistas<br />

dos EUA e da União Europeia.<br />

Estes países assumiram aqui<br />

o seu papel de eleitores flutuantes,<br />

divididos entre ficarem ao<br />

lado do Ocidente ou de grandes<br />

economias emergentes como a<br />

ChinaeaÍndia.<br />

Personalidades como Lumumba<br />

Di-Aping, o beligerante<br />

líder sudanês do G77 de países em<br />

desenvolvimento, e Mohamed<br />

Nasheed, o mediático presidente<br />

das Maldivas, tornaram-se caras<br />

tão familiares como os participantes<br />

anglo-saxónicos.<br />

Copenhaga pode vir a representar<br />

a passagem para um<br />

mundo multipolar, anteven-<br />

do-se assim um futuro caótico.<br />

Os diplomatas ocidentais e os<br />

jornalistas estão acostumados a<br />

cimeiras internacionais, com listas<br />

de convidados bastante limitadas<br />

e comunicações de conclusões<br />

cuidadosamente encenadas.<br />

Copenhaga, com os seus 45 mil<br />

participantes registados, oriundos<br />

de cerca de 200 países, não<br />

foi muito diferente.<br />

Eatémesmoumpaísdescontraído<br />

e eficiente como a Dinamarca<br />

teve dificuldades em organizar<br />

um evento como este. As<br />

pessoas foram obrigadas a fazer<br />

fila durante horas e a temperaturas<br />

muito baixas, sendo que muitos<br />

nem conseguiram entrar porqueasalaestavacheia.Quandoa<br />

neve começou a cair esta semana,<br />

a fila de delegados enregelados<br />

que esperava no exterior mais<br />

parecia uma fila de pinguins imperadores,<br />

colados uns aos outros,<br />

em plena tempestade antárctica.<br />

Esta não era a melhor<br />

forma de proclamar a necessidade<br />

de resolver o problema do<br />

aquecimento global.<br />

Copenhaga é provavelmente<br />

uma das cidades mais bonitas da<br />

Europa. Mas a Dinamarca optou<br />

por organizar esta conferência<br />

numa sala de convenções sem janelas,<br />

num subúrbio desolado e<br />

fustigado pelo vento, barricado<br />

do exterior por vedações altas e<br />

estradas encerradas com a ajuda<br />

de grandes blocos de cimento. O<br />

local era sobrevoado por helicópteros<br />

da polícia e polícias percorriam<br />

o perímetro do local desta<br />

cimeira s com os seus pastores de<br />

Alsácia sempre a rosnar, montando<br />

guarda contra os manifestantes<br />

climáticos.<br />

Lá dentro, as pessoas corriam<br />

de reunião para reunião, falando<br />

de forma apressada ao telemóvel<br />

e aglomerando-se em volta de<br />

computadores portáteis. A cada<br />

dia que passava o ritmo e a intensidade<br />

aumentavam - mas com<br />

poucos resultados concretos.■<br />

Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />

A paisagem<br />

humana nesta<br />

cimeira acabou<br />

com todo e qualquer<br />

fervor idealista.


52 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ESPECIAL DESTAQUE CIMEIRA DE COPENHAGA<br />

O dia em que<br />

o ‘salva planetas’<br />

poupou os seus<br />

esforços<br />

O presidente Barack Obama não conseguiu cumprir o seu papel<br />

de ‘salva planetas’, como alguém lhe chamou.<br />

Luís Rego em Copenhaga<br />

Luis.rego@economico.pt<br />

Copenhaga é uma cidade difícil<br />

para o presidente norte-americano,<br />

Barack Obama. Em Outubro<br />

veio aqui para levar os jogos<br />

olímpicos para Chicago e voltou<br />

de mãos a abanar. À hora de fecho<br />

desta edição, esse fado perseguia<br />

de novo Obama. Mas ontem<br />

às 20h a vitória não parecia<br />

sorrir a ninguém, desta vez nem<br />

sequer ao Brasil. Um acordo<br />

com metas para 2050, que se<br />

perfilava, fica bem aquém do<br />

que todos podiam prever. “Parece<br />

um comunicado do G8”,<br />

atirou de imediato o grupo<br />

Greenpeace.<br />

Nos últimos dez dias, o fracasso<br />

já andava na boca de toda<br />

agente.Masquandoopresidente<br />

norte-americano Barack<br />

Obama o contemplou, ontem<br />

pouco depois da 11h diante das<br />

193 delegações, a conferência de<br />

Copenhaga teve um choque de<br />

realidade. O ‘salva planetas’,<br />

como lhe chamou um delegado<br />

europeu, não estava a cumprir a<br />

sua fama. “Os EUA vão continuar<br />

neste caminho, independentemente<br />

do que acontece<br />

aqui porque é bom para nós e<br />

para o mundo”, disse Obama.<br />

De nada serviu o tímido gesto<br />

do primeiro-ministro chinês<br />

Wen Jiabao de aceitar melhorias<br />

ao sistema de verificação<br />

das suas emissões, desde que<br />

não violem a sua soberania. De<br />

nada serviu o gesto muito<br />

aplaudido do presidente brasileiro<br />

Lula da Silva de “se for<br />

necessário [fazer] um sacrifício]<br />

e “colocar dinheiro para<br />

ajudar os outros países”. Nem<br />

sequer os apelos desesperados<br />

dos europeus, cada vez mais<br />

relegados para segundo plano,<br />

com as suas metas ambiciosas<br />

mas sem capacidade de alavancar<br />

os parceiros.<br />

E no entanto o dia começou<br />

com esperança. Na noite anterior,<br />

a seguir ao jantar de gala<br />

oferecido pela Rainha, vários<br />

líderes estiveram reunidos de<br />

emergência até às três da madrugada.<br />

A presidência dinamarquesa<br />

do encontrou lançou<br />

Ao contrário do<br />

previsto ontem pelo<br />

presidente da CE,<br />

Durão Barroso,<br />

Obama não trazia<br />

nenhum coelho na<br />

cartola, limitando-se<br />

a reiterar a pequena<br />

redução de emissões<br />

e aceitando participar<br />

na ajuda milionária<br />

para os países<br />

africanos até 2020.<br />

Reportagem<br />

no dia D<br />

da cimeira<br />

do clima<br />

então dois grupos de trabalho<br />

para estreitar posições, o que<br />

fizeram até às 7 da manhã. Às<br />

oito o esboço, cheio de parêntesisrectoscomintervalosde<br />

números lá dentro, atirava em<br />

todas as direcções.<br />

Os líderes da China e dos<br />

EUA entraram na conferência à<br />

cabeçada e uma bilateral de<br />

umahoranadaresolveu.Ao<br />

contrário do previsto ontem<br />

pelo presidente da CE, Durão<br />

Barroso, Obama não trazia nenhum<br />

coelho na cartola, limitando-se<br />

a reiterar a pequena<br />

redução de emissões e aceitando<br />

participar na ajuda milionária<br />

para os países africanos até<br />

2020. Nada de novo.<br />

A seguir ao almoço, a fila<br />

para os cafés engrossava e a<br />

presidência dinamarquesa<br />

avançava com uma proposta<br />

para reduzir emissões globais<br />

em 50% até 2050, o que implicaria<br />

um esforço de 80% para<br />

os ricos e 15% para os emergentes.<br />

A Índia aceita até a<br />

China roer a corda arrastando<br />

os indianos e causando a fúria<br />

de Nicolas Sarkozy.<br />

Dimitri Medvedev, o presidente<br />

russo, volta para casa e a<br />

Dinamarca adia ‘sine die ‘a<br />

tradicional foto de família.<br />

“Qual família?”, dizia um diplomata<br />

francês à saída das<br />

negociações. Nisto surge uma<br />

‘manifestação’ de luxo, os 27<br />

líderes, com séquitos e seguranças,<br />

a atravessar o corredor<br />

central da conferência. Os europeus<br />

decidem reunir de urgência<br />

procurando pegar nas<br />

rédeas do encontro e elevar a<br />

sua oferta, mas tudo indica que<br />

Berlim, que num cenário de<br />

redução europeia de 30% das<br />

emissões até 2020, teria de<br />

cortar 43%, impede um acordo,<br />

frustrando os voluntaristas<br />

do presidente francês Nicolas<br />

Sarkozy e do primeiro-ministro<br />

britânico Gordon Brown.<br />

A expressão plano B começa<br />

a circular nos corredores com<br />

odramaaaumentaracada<br />

minuto. Nas cimeiras europeias<br />

costuma ser a tempestade<br />

antes da bonança mas ontem<br />

não.■<br />

1<br />

3<br />

Clima longe das pri<br />

Para os portugueses o maior<br />

drama global é a pobreza, a fome<br />

e a falta de água potável.<br />

Luís Rego em Copenhaga<br />

luis.rego@economico.pt<br />

Os portugueses estão entre os europeus<br />

que menos se preocupam<br />

com as alterações climáticas.<br />

Apenas 28% cita este problema<br />

como um dos mais sérios que o<br />

mundo enfrenta, contra uma<br />

média de 47% de cidadãos europeus.<br />

De acordo com um estudo<br />

de opinião publicado pela Comissão<br />

Europeia, o clima está em<br />

sexto lugar no quadro de preocupações<br />

fundamentais do mundo<br />

para os portugueses, enquanto<br />

que na média da UE ocupa logo a<br />

segunda posição no ‘ranking’.<br />

Para os portugueses, o maior<br />

dramaglobaléapobreza,afome<br />

e falta de água potável (citado<br />

75% nas opiniões colhidas), seguido<br />

pela propagação de doenças<br />

infecciosas (39%), o terrorismo<br />

internacional (37%), a crise<br />

económica internacional (31%) e<br />

um conflito armado (30%). Segundo<br />

o mesmo estudo de opinião,<br />

20% considera que a gravidade<br />

das alterações climáticas<br />

tem sido exagerada, contra 7% da<br />

UE que têm esta opinião. E além<br />

disso, os portugueses estão entre<br />

os que menos aceitariam pagar


Bob Strong/Reuters<br />

4<br />

Ho New/Reuters<br />

1 Os vizinhos latinoamericanos,<br />

Hugo<br />

Chávez e Evo Morales<br />

caminham para a<br />

cimeira de Copenhaga. O<br />

presidente venezuelano<br />

afirmou que o discurso<br />

de Obama era “rídiculo”.<br />

2 Gordon Brown chega<br />

ao centro Bella para se<br />

reunir com os seus<br />

homólogos, num último<br />

diadacimeira.<br />

3 França, Alemanha e a<br />

presidência sueca da UE<br />

abandonam a cimeira<br />

ainda sem acordo apesar<br />

dos esforço da<br />

comunidade.<br />

4 Nem o presidente<br />

iraniano Mahmoud<br />

Ahmadinejad foi uma<br />

das figuras mais<br />

seguidas da cimeira,<br />

mas as suas declarações<br />

pautaram-se pela<br />

discrição.<br />

5 O presidente da<br />

Comissão Eurpeia,<br />

Durão Barroso, trazia no<br />

bolso a proposta mais<br />

ambiciosa dos países<br />

desenvolvidos e fez<br />

vários tentativas para<br />

subir a parada.<br />

ridades dos portugueses<br />

mais para usar energia menos<br />

poluente: apenas 22% aceitariam<br />

pagar até 20% na sua conta de<br />

energia em nome do ambiente,<br />

contra 45% média de europeus.<br />

E no entanto, os estudos sobre<br />

a evolução do clima dizem todos<br />

que Portugal será um dos países<br />

na Europa mais afectados pelas<br />

alterações climáticas. Nomeadamente<br />

pela subida do nível das<br />

águas, ‘comendo’ parte do território<br />

litoral onde vive a maioria<br />

da população nacional, e desertificando<br />

o interior. Num estudo<br />

do centro de investigação conjunto<br />

da Comissão Europeia, Portugal,<br />

Espanha, Grécia, Itália e<br />

Bulgária teriam as maiores perdas<br />

Apenas 28%<br />

dos portugueses<br />

citam as alterações<br />

climáticas como<br />

um dos problemas<br />

sérios que o mundo<br />

enfrenta.<br />

2<br />

de bem estar com as alterações<br />

climáticas, entre 0,3% e 1,6% do<br />

PIB por ano, em função do aumentodetemperaturaem2,5a<br />

5,4 graus célsius, respectivamente,<br />

previstos para 2080. Isto<br />

se nada for feito entretanto. A<br />

agricultura sofreria os maiores<br />

danos, perdendo até 25% do seu<br />

produto e as receitas do turismo<br />

podem diminuir até cinco mil<br />

milhões de euros por ano.<br />

O estudo de opinião revela<br />

que, ao nível dos comportamentosdiários,osportuguesesnão<br />

estão sintonizados com as novas<br />

práticas de eficiência energética,<br />

pelo menos não tanto quando os<br />

seus parceiros europeus. Em prá-<br />

Scanpix Denmark/Reuters<br />

5<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 53<br />

Ints Kalnins/Reuters<br />

ticas como triagem de lixo, redução<br />

de consumo de electricidade<br />

ou de água a nível doméstico, os<br />

portugueses revelam-se quase<br />

tão conscientes e praticantes<br />

como os restantes europeus. Mas<br />

o esforço termina aí. Apenas 21%<br />

dos portugueses reduzem o seu<br />

consumo de produtos como sacos<br />

de plásticos, embalagens e pacotes,<br />

contra 41% na média europeia.<br />

A preocupação em consumir<br />

produtos da época para evitar<br />

poluição transporte de mercadorias<br />

existe em 29% dos europeus<br />

e apenas 6% dos portugueses,<br />

proporção que se mantém no que<br />

toca a redução do uso do carro ou<br />

preferência por bicicletas. ■<br />

Ints Kalnins/Reuters<br />

ANÁLISE EFEITO ESTUFA<br />

O transporte<br />

público dá um<br />

contributo<br />

positivo<br />

J. Manuel Silva Rodrigues<br />

Presidente do Conselho de Administração<br />

da Carris<br />

As cidades modernas enfrentam<br />

problemas crescentes de<br />

sinistralidade, degradação<br />

ambiental e congestionamento,<br />

consequência do uso excessivo<br />

do automóvel.<br />

A evolução nas últimas décadas<br />

evidencia níveis crescentes<br />

de urbanização, que se<br />

têm reflectido no crescimento<br />

da mobilidade urbana, ao mesmo<br />

tempo, que se tem verificado<br />

uma taxa de motorização<br />

crescente, de que resultam impactos<br />

negativos no ambiente,<br />

pelaemissãodeCO2edeoutras<br />

partículas nocivas, para<br />

além do aumento dos níveis de<br />

ruído.<br />

Entre 1990 e 2006 o sector<br />

dos transportes aumentou em<br />

28% a emissão de CO2, sendo<br />

responsável por 23% da emissãodegasescomefeitodeestufa<br />

(GEE), os principais responsáveis<br />

pelas alterações climáticas.<br />

É imperativo tomar medidas<br />

que alterem esta situação,<br />

permitindo reduzir as emissões<br />

de GEE, passando por soluções<br />

técnicas que permitam<br />

diversificar energeticamente<br />

os motores e aumentar a respectiva<br />

eficiência, bem como<br />

por soluções comportamentais<br />

que alterem os padrões de<br />

mobilidade para formas mais<br />

sustentáveis.<br />

Este caminho constitui um<br />

desafio enorme mas, também,<br />

uma oportunidade extraordinária<br />

para o sector do transporte<br />

público.<br />

Redes ajustadas, frotas adequadas,<br />

pessoas formadas são<br />

os três pilares fundamentais de<br />

qualidade que têm de estar<br />

presentes na oferta que diariamente<br />

os operadores de transporte<br />

têm de disponibilizar,<br />

ajudando os cidadãos a concretizarem<br />

escolhas mais sustentáveis<br />

no tocante à respectiva<br />

mobilidade.<br />

Mas é preciso ir mais longe,<br />

actuando de forma pró-activa<br />

no mercado, promovendo os<br />

produtos existentes e criando<br />

novos produtos que dêem resposta<br />

adequada às diferentes<br />

necessidades de mobilidade<br />

dos vários públicos existentes.<br />

A Carris está bem ciente<br />

destes desafios e das oportunidades<br />

que hoje estão em cima<br />

da mesa. Continuaremos a trabalhar<br />

para oferecer à Cidade<br />

soluções de mobilidade inovadoras,<br />

modernas, confortáveis,<br />

seguras. ■


54 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

PUBLICIDADE & MEDIA<br />

Unicer investe<br />

em calendário<br />

para seduzir<br />

público jovem<br />

Com a criação deste projecto ‘online’, a marca Água das Pedras<br />

quer agora conquistar um novo ‘target’.<br />

Margarida Henriques<br />

margarida.henriques@economico.pt<br />

Ociclodaáguaéoconceito<br />

criativo que serve de base ao<br />

calendário Água das Pedras<br />

2010, onde é possível ver todo o<br />

percurso deste elemento desde<br />

a nascente até ao momento em<br />

quechegaàmesadoconsumidor,<br />

tendo como fim último<br />

contar toda a história da marca.<br />

É também por isso que desta<br />

vez foi escolhida apenas uma<br />

fotógrafa, que será a responsável<br />

pelas seis fotografias que<br />

compõem o calendário. E também<br />

se percebe as razões para a<br />

escolha dos locais para a sessão<br />

fotográfica: um palácio na vila<br />

deSintraeapraiadoMagoito.<br />

“Cada fotografia, revelada a<br />

cada bimestre, vai representar<br />

umafasedistintadocicloda<br />

água,desdeaorigemaomomento<br />

em que ganha forma,<br />

tornando-se intrínseca a vontade<br />

de a beber”, explica André<br />

Jacques, responsável pelo<br />

marketing das águas da Unicer.<br />

E acrescenta ainda que “a beleza<br />

natural e a sensualidade são<br />

factores centrais que se pretendemtransmitiremcadaimagem,<br />

conseguidos através de<br />

cenários idílicos, de modelos<br />

femininos e, claro, do elemento<br />

água”. Aliás, conceitos como<br />

“natureza” e “beleza natural”<br />

são sempre os elementos centrais<br />

e motivadores que definem<br />

as tendências da marca e<br />

funcionam como a linha orientadora<br />

para a estratégia de comunicação,<br />

de publicidade e de<br />

marketing da Água das Pedras.<br />

Estaéasegundaediçãodo<br />

calendário desta marca de água<br />

da Unicer. Um projecto que<br />

nasceu com o objectivo de<br />

aproximar a Água das Pedras de<br />

um novo perfil de consumidor<br />

de águas com gás. Como explica<br />

André Jacques, “a Água das Pedras<br />

posiciona-se também junto<br />

de um público jovem e urba-<br />

Com esta estratégia<br />

de marketing<br />

a marca pretende<br />

ainda transmitir<br />

os seus valores bem<br />

como os conceitos<br />

“natureza”<br />

e “natural”.<br />

SUCESSO<br />

150 mil<br />

pessoas visitaram o ‘site’ criado<br />

para a marca da Unicer, para<br />

a fotografia de Maio e Junho.<br />

Ao longo do ano, a procura<br />

da plataforma criada pela Fullsix<br />

consolidou-se.<br />

no como uma marca moderna,<br />

elegante, sofisticada e com<br />

‘glamour’. Para tal procurámos<br />

desenvolverumprojectoque<br />

conseguisse criar grande afinidade<br />

com este ‘target’ e que estivesse<br />

sempre disponível”.<br />

Por este motivo e porque os<br />

jovens são fortes utilizadores da<br />

Internet, a escolha foi a criação<br />

de um calendário digital –<br />

www.aguadaspedras2010.com<br />

– com diferentes funcionalidades<br />

e partilha. Assim a marca<br />

espera aproximar-se “das novas<br />

tendências, do ‘social<br />

networking’ e das comunidades<br />

‘online’. Com o calendário<br />

ÁguadasPedrassentimosque<br />

atingimos os nossos objectivos.<br />

Traduz bem o posicionamento<br />

inovador da marca”, remata o<br />

mesmo ‘marketeer’. Com esta<br />

estratégia de marketing a marca<br />

pretende ainda transmitir os<br />

seus valores bem como os conceitos<br />

“natureza” e “natural”.<br />

O retorno esperado é, para<br />

André Jacques, “o reconhecimentodopúblicoeaidentificação<br />

com os valores da marca”.<br />

Mas os resultados obtidos com o<br />

calendário deste ano são animadores:<br />

cerca de 78% dos utilizadores<br />

que viram a campanha<br />

interagiram com a mesma e<br />

visionaram o vídeo ‘full screen’<br />

da fotografia de Março/Abril; já<br />

a fotografia de Maio/Junho gerou<br />

mais de 150 mil visitas à pá<strong>gina</strong><br />

do calendário.<br />

O ‘site’ tem ainda outras<br />

funcionalidades além do calendário.<br />

Por exemplo, pode ser<br />

descarregado para o ambiente<br />

de trabalho para servir de<br />

agenda e permite criar e editar<br />

‘post-its’. Além disso, o processo<br />

criativo que dá origem a<br />

cada uma das fotografias também<br />

está disponível no ‘site’,<br />

com informações sobre a fotógrafa,<br />

os vídeos dos ‘making of’<br />

e das sessões fotográficas, bem<br />

como entrevistas às intervenientes.<br />

■<br />

1<br />

2<br />

As protagonistas<br />

As modelos Ana Sofia e Alexandrina<br />

(ambas da Elite Lisbon) são as<br />

protagonistas desta edição do calendário<br />

Água das Pedras, a que se<br />

junta ainda Luba Kvasina, uma celebridade<br />

na Rússia e que foi uma<br />

proposta da fotógrafa – também<br />

russa – Marianna Yakobson.<br />

A selecção da fotógrafa<br />

e das três modelos foi feita pela<br />

Unicer, com o apoio da agência<br />

Fullsix, um dos parceiros da marca<br />

paraaáreadodigital.<br />

Ao contrário de 2009, em que o<br />

projecto ficou nas mãos de seis<br />

fotógrafos, “para esta edição<br />

escolhemos uma fotógrafa de<br />

nacionalidade russa com grande<br />

expressão na área da moda”,<br />

revela o responsável pelo<br />

marketing da marca.<br />

Marianna Yakobson está há um ano<br />

em Portugal e do seu portefólio<br />

destacam-se trabalhos fotográficos<br />

para algumas das mais prestigiadas<br />

revistas da área, e em 2008<br />

participou na exposição Madonna<br />

50 Years, Decadance.


PUB<br />

Publicidade chega aos bilhetes da Ryanair<br />

Para poder manter a estratégia ‘low-cost’, a Ryanair teve de criar uma<br />

nova forma de rentabilizar a sua operação. A solução foi criar espaço<br />

para a publicidade nos títulos de transportes dos passageiros, um<br />

número que a companhia calcula que chegue aos 66 milhões em 2010,<br />

e que pode ser bastante interessante para as marcas pan-europeias.<br />

O objectivo desta iniciativa é angariar receitas para compensar<br />

o impacto da crise.<br />

1 A modelo russa Luba Kvasina<br />

é uma das três modelos que<br />

protagonizam o calendário<br />

deste ano, fotografado em<br />

Sintra.<br />

2 Marianna Yakobson,<br />

a fotógrafa russa escolhida<br />

pela Unicer e Fullsix avalia<br />

a sessão fotográfica.<br />

3 Mais um momento da sessão<br />

fotográfica, a cargo<br />

de Marianna Yakobson.<br />

3<br />

Fotografias: João Travessa para Água das Pedras<br />

Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 55<br />

Pirelli inspira-se<br />

no Brasil,<br />

Lavazza em Itália<br />

Os calendários destas duas marcas<br />

transformaram-se em objectos de colecção.<br />

Margarida Henriques<br />

margarida.henriques@economico.pt<br />

Começaram por ser mais uma<br />

peça da estratégia de comunicação<br />

das marcas mas depressa<br />

alguns calendários ganharam<br />

novo estatuto e se transformaram<br />

em peças de colecção,todososanosesperadas<br />

pelos coleccionadores. Foi o<br />

que aconteceu com os calendários<br />

de marcas como a Lavazza<br />

ou a Pirelli, mas também<br />

com o da Campari, da Larios<br />

ou da “Vogue”.<br />

O calendário deste ano da<br />

marca de cafés italiana tem a<br />

assinatura do fotógrafo inglês<br />

Miles Aldridge, que espelha a<br />

identidade da marca eaapresenta<br />

como o verdadeiro símbolo<br />

de culto de Itália, sempre<br />

fiel ao tema “The italian espresso<br />

experience”.<br />

Para comunicar os valores da<br />

marca, associados ao estilo de<br />

vida italiano e à qualidade, Aldridge<br />

inspirou-se em canções<br />

italianas intemporais como<br />

“Va’ pensiero”, “O sole mio” ou<br />

“Nessun dorma”.<br />

A campanha publicitária que<br />

dá a conhecer o calendário é da<br />

responsabilidade da conhecida<br />

agência Armando Testa, sob a<br />

direcção criativa de Michele<br />

Mariani.<br />

Já o calendário Pirelli foi<br />

procurar a inspiração ao Brasil,<br />

queéocenáriodasfotografias<br />

da edição de 2010, onde as modelos<br />

aparecem em praias,<br />

campos e jardins tropicais,<br />

muitas vezes até interagindo<br />

com animais. Do grupo de modelos<br />

fazem parte nomes como<br />

Miranda Kerr, Lily Cole ou<br />

Daisy Lowe.<br />

Terry Richardson, um dos<br />

fotógrafos mais conhecidos e<br />

polémicos da actualidade –<br />

considerado por muitos como o<br />

‘enfant terrible’ foi o escolhido.<br />

A ideia foi retratar as 11 modelos<br />

de uma forma bem natural,<br />

para revelar a sua essência e<br />

afastar-se assim da produção<br />

de moda. Como explica Terry<br />

Richardson, “a minha técnica é<br />

a ausência de técnica: as lentes<br />

são o meu olho, o meu carisma,<br />

a minha habilidade de capturar<br />

a verdade do momento, sejam<br />

quais forem os ângulos, uso de<br />

cor, luzes ou paisagem”. ■<br />

Aldridge inspirou-se<br />

em canções italianas<br />

intemporais como<br />

“Va’ pensiero”,<br />

“O sole mio”<br />

ou “Nessun dorma”.


<strong>56</strong> <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

ÚLTIMA<br />

ÚLTIMA HORA<br />

Governo congela passes sociais.<br />

Passes sociais voltam<br />

a não aumentar em 2010<br />

Governo mantém política de não agravamento do orçamento das famílias.<br />

Os preços dos passes sociais não<br />

vão aumentar em 2010, anunciou<br />

ontem, o ministério das Obras Públicas,<br />

Transportes e Comunicações.<br />

Em comunicado, o ministério<br />

explica que, tal como já tinha<br />

acontecido nas tarifas fixadas este<br />

ano, o Governo decidiu manter a<br />

política social definida para os<br />

transportes públicos urbanos e<br />

suburbanos.<br />

“Ao manter inalterados os preços<br />

dos transportes públicos, o Governo<br />

demonstra mais uma vez a<br />

forma responsável e equilibrada<br />

como trata as matérias sociais e<br />

económicas, agindo sempre que<br />

OS COMENTÁRIOS DA SEMANA<br />

Ausência de Sócrates em<br />

Belém surpreende Cavaco<br />

● José Sócrates supõe, muito<br />

erradamente, que caso o Presidente<br />

da República convoque novas<br />

eleições, a disposição do eleitorado<br />

irá no sentido de aumentar a<br />

percentagem de votação no PS ou,<br />

inclusive, de lhe tornar a dar a<br />

maioria absoluta no Parlamento.<br />

- António da Silva<br />

● A falta de empatia é bem visível desde<br />

o caso das escutas em Belém. Ao<br />

Acompanhe ao minuto em www.economico.pt<br />

possível no sentido do não agravamento<br />

do orçamento das famílias e<br />

de garantir a estabilidade das empresas<br />

dando, ao mesmo tempo,<br />

um passo claro na promoção da<br />

utilização dos transportes públicos”,<br />

referia-se no comunicado.<br />

Segundo explicou ao <strong>Económico</strong><br />

fonte oficial deste ministério, antes,<br />

o preço dos passes sociais aumentavam<br />

com base no preço do petróleo,<br />

nas despesas com recursos humanos<br />

e na inflação, daí que uma<br />

das possíveis razões para que os<br />

preços não subissem este ano estivesse<br />

relacionada com o facto do<br />

preço do petróleo ter atingido mí-<br />

www.economico.pt<br />

Presidente da República não há muitas<br />

alternativas para mudar o rumo dos<br />

acontecimentos que não seja a demissão<br />

do primeiro-ministro. Falta saber<br />

qual é o momento ideal.<br />

- JOSÉ MARTINS<br />

● Quando isto chega aos altos signatários<br />

de Portugal o que podemos esperar<br />

cá em baixo? Não conheço pormenores,<br />

mas há regras básicas e quando<br />

não são respeitadas entramos em caminhos<br />

pouco claros.<br />

- FRANCISCO<br />

Propriedade S.T. & S. F., Sociedade de Publicações Lda, Registo Comercial de Lisboa n.º 02958911033.<br />

Registo Semanário <strong>Económico</strong> nº 111 672 Administração Rua Vítor Cordon, n.º 19, 1º, 1200 - 482 Lisboa Telefones 213 236 700<br />

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Sogapal, Estrada de São Marcos, 27B São Marcos 2735-521 Agualva - Cacém Distribuição Logista Portugal, Distribuição<br />

de Publicações, S.A. Edifício Logista Expansão da Área Industrial do Passil Lote 1 – A Palhavã 2894 002 Alcochete<br />

nimos históricos no final de 2008.<br />

A mesma fonte referiu ainda que<br />

as condições dos passes para estudantes<br />

4-18 e Sub-23 (para estudantes<br />

universitários) se mantêm<br />

também inalteradas. Lançados este<br />

ano como mecanismo de apoio socialedecombateàcrise,mastambém<br />

como meio de promoção do<br />

uso de transportes públicos, estes<br />

passes disponibilizam descontos de<br />

50% sobre a tarifa normal.<br />

Esteéosegundoanoconsecutivo<br />

que o Governo decide não aumentar<br />

os passes sociais. O ano<br />

passado, esta decisão ocorreu pela<br />

primeira vez em 30 anos. ■.A.B.<br />

MAIS LIDAS DA SEMANA<br />

● Sismo desta madrugada foi o<br />

maiorem40anos<br />

● Estado de saúde de Berlusconi<br />

agrava-se mais do que o previsto<br />

● Crise em Copenhaga<br />

Paulo Figueiredo<br />

● Saiba quanto ganham os gestores<br />

do PSI 20<br />

● Governo aprova casamento ‘gay’<br />

mas exclui adopção<br />

Leia versão completa em<br />

www.economico.pt<br />

CML detecta erros no<br />

Orçamento Participativo<br />

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) detectou erros<br />

na análise de algumas propostas apresentadas por cidadãos<br />

para o Orçamento Participativo (OP) do município.<br />

Segundo o comunicado da Câmara, “foi detectada<br />

uma avaliação inadequada por parte dos serviços<br />

da CML relativamente a algumas propostas apresentadas,<br />

que teriam condições para virem a ser transformadas<br />

em projectos e colocadas à votação”. A solução<br />

encontrada por António Costa foi anular a segunda<br />

fase do OP - a fase de votação - que teve início no passado<br />

dia 14. A decisão surgiu depois de a Câmara ser<br />

“alertada por cidadãos participantes na primeira fase<br />

do OP para a existência de propostas apresentadas<br />

nesta fase que não surgiram na lista de projectos colocados<br />

à votação”. Assim, as propostas serão novamente<br />

colocadas à votação no período entre 30 de Dezembro<br />

e 15 de Janeiro. O OP permite que os munícipes<br />

apresentem propostas de melhoria da cidade num<br />

valor máximo de cinco milhões de euros. ■ P.C.S<br />

200 trabalhadores já<br />

não voltam à Delphi<br />

Cerca de 200 dos 315 trabalhadores despedidos da Delphi<br />

da Guarda entraram ontem de férias, naquele que foi<br />

o seu último dia de trabalho na empresa. De acordo com<br />

a Lusa, os restantes colaboradores que foram despedidos<br />

vão trabalhar até ao dia 23 de Dezembro, embora<br />

todos estejam vinculados à multinacional de fabrico de<br />

cablagens para o sector automóvel até ao final do mês de<br />

Dezembro. “No dia 04 de Janeiro os trabalhadores têm<br />

que se deslocar à fábrica para levantarem o papel que<br />

lhes dará direito ao subsídio de desemprego”, adiantou<br />

José Ambrósio, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores<br />

das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas. A<br />

fábricadaDelphinaGuardacontacomcercade950<br />

trabalhadores e a administração prevê despedir mais<br />

185 no primeiro trimestre de 2010. ■ Lusa<br />

Ana Jorge, ministra<br />

da Saúde, arranca<br />

com mais unidades.<br />

Paula Nunes<br />

Saúde avança com<br />

Cuidados na Comunidade<br />

Entraram ontem em funcionamento em todo o país 14<br />

Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), disponibilizando<br />

“mais médicos a quem não tem médico de família”,<br />

disse a ministra da Saúde. De acordo com Ana Jorge,<br />

outras 33 unidades estão também em “condições de<br />

avançar”. A ministra espera que “em muito curto prazo<br />

se constituam mais UCC, pelo menos uma por agrupamento<br />

de centros de saúde”, cumprindo assim a “primeira<br />

meta” do ministério. Confrontada com a necessidade<br />

de contratar mais profissionais face ao alargamento<br />

progressivo das UCC, Ana Jorge concordou que “poderá<br />

acontecer”, sublinhando, no entanto, que agora está a<br />

decorrer “uma reorganização dos serviços”. As UCC são<br />

equipas multiprofissionais, lideradas por um enfermeiro,<br />

que desenvolvem actividades como o acompanhamento<br />

das crianças na escola ou as visitas domiciliárias a doentes<br />

crónicos e grupos de risco. ■Lusa


Outlook<br />

SUPLEMENTO DE SÁBADO<br />

ECONÓMICO WEEKEND<br />

<strong>56</strong><br />

19/DEZEMBRO/2009<br />

“Não quero sair de Portugal”<br />

Guta Moura Guedes


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Look at<br />

19.12.09<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 3<br />

Olhar para... O apelo vem de todos os cantos.<br />

Cores, muitas cores no universo de Guta Moura<br />

Guedes, a mulher que vai comissariar<br />

a programação de um novo equipamento cultural<br />

em Paris e que fomos encontrar a construir<br />

a sua nova casa. Directora e mentora da bienal<br />

ExperimentaDesing, diz que a explicação para<br />

o convite está no ‘puzzle’ que forma o seu<br />

percurso. Designer, diz ela. Mas não obcecada por<br />

objectos ou o vazio não fosse também um desenho<br />

40 Como os desenhos de Gezo Marques, outro<br />

designer, que assina móveis resgatados ao lixo<br />

e os transforma em arte decorativa. Para ver<br />

no Best-of onde se faz a lista dos melhores filmes<br />

de 2009 que já pode ver em casa e se degusta um<br />

bolo de Natal que uma pastelaria faz todos os dias.<br />

É o rei desta edição que olha para o céu e em vez<br />

de estrelas vê o trabalho de um astrofísico 6 Éa<br />

Norte. Como o vinho do Porto, aqui em bastidores<br />

nada virtuais 12 como as identidades possíveis<br />

nas redes sociais onde uma ‘password’ vale tanto<br />

como um Cartão de Cidadão 8 Tudo numa aldeia<br />

Global voltada para Copenhaga, mas marcada<br />

por Quioto, a cidade dos contrastes. Isabel Lucas


4 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

IDEIAS FORTES<br />

Um governo sem maioria que não quer<br />

negociar, uma oposição que acha que<br />

é governo e quer mandar. Márcia Galrão<br />

faz a radiografia política de um país<br />

que na última semana aprendeu mais<br />

um palavrão: “Ingovernabilidade”.<br />

Já António Freitas de Sousa olha<br />

para a Grécia, um país onde encontra<br />

afinidades com Portugal e que por estes<br />

dias parece governado por um gestor<br />

de falências.A ilustração<br />

édeGonçalo Viana<br />

Um país ao largo<br />

Ingovernabilidade, instabilidade, crispação, tensão. Sinónimos para<br />

descrever a mesma situação política: um Governo que não tem maioria e<br />

quer continuar a mandar sem negociar com ninguém. Uma oposição<br />

que acha que é governo só porque aritmeticamente tem mais votos no<br />

Parlamentodoqueogovernodedireito.Ingovernáveléomesmoquedizer<br />

“que não se pode governar; indisciplinável”, como diz o dicionário da<br />

línguaportuguesa.Eémesmoissoquetemfaltado na nossa vida política:<br />

disciplina senhores. E de tanto se falar nela, a ingovernabilidade entrou de<br />

no léxico de todos os políticos e comentadores e já começa a soar a gasta.<br />

Já ninguém aguenta abrir pá<strong>gina</strong>s e pá<strong>gina</strong>s de jornais e ver em todos os<br />

títulos e ideias associada a mesma palavra. Recados e mais recados em<br />

torno da mesma realidade. O país parou no dia em que Sócrates ganhou<br />

novamente as eleições, mas desta vez sem maioria absoluta. A partir de<br />

então, o Governo tem estado no limbo entre a vontade de fazer coisas e o<br />

medo que a oposição o contrarie. Daí a uma estratégia de dramatização do<br />

discurso foi um passo. Preocupados com a pouca margem de manobra que<br />

têm sentido no Parlamento, os socialistas parecem paralisados pelas<br />

circunstâncias e esqueceram todas as técnicas que tiveram que aperfeiçoar<br />

durante os dois mandatos dos governos minoritários de Guterres. Mas certo<br />

é que José Sócrates é o primeiro chefe de Governo na jovem democracia<br />

portuguesa que começou por liderar em maioria absoluta e a perdeu a meio<br />

do caminho. Talvez por isso esteja a ser tão difícil aprender a governar em<br />

circunstâncias mais adversas, obrigado a fazer concessões e com o<br />

fantasma da “arrogância” ainda colado à sua imagem.<br />

O desespero no campo socialista é tal que já chegaram a pedir a intervenção<br />

presidencial no caso. Algo que não seria de estranhar, se em Belém vivesse<br />

um inquilino da mesma cor política ou com excelentes relações de amizade<br />

com o Executivo. Mas tendo em conta que no Palácio vive Cavaco Silva, a<br />

resposta não podia ser outra se não aquela que foi dada. Qualquer coisa<br />

como “parem de choramingar e façam-se à vida para resolver os vossos<br />

problemas que eu também resolvi os meus quando liderava um governo<br />

minoritário”. As palavras não foram tão drásticas, mas andaram lá perto:<br />

“Existiu um Governo sem apoio maioritário no tempo em que António<br />

Guterres foi primeiro-ministro, entre 1995 e 2002, tal como eu também<br />

presidi a um governo minoritário. Sei bem o diálogo que tive de<br />

desenvolver. Algumas leis foram reprovadas e se calhar fiquei incomodado,<br />

mas, mesmo um governo minoritário aprovou leis muito importantes”,<br />

recordou o Presidente, qual historiador ao serviço da nação.<br />

Mas a via tem sido outra. Começando por Sócrates, passando pelos seus<br />

ministros e acabando nos deputados, todos têm insistido no discurso da<br />

dramatização. O primeiro-ministro diz que não pode governar com dois<br />

orçamentos e que a oposição tem tido uma atitude “desleal” e demagógica.<br />

O ministro da Defesa vem acusar os partidos de estarem a fazer<br />

“chantagem com o país”. O deputado Ricardo Rodrigues fala numa<br />

oposição que só quer “bloquear a acção do Governo” e pede a “alguém que<br />

exiba um cartão amarelo no sentido de dizer que quem governa, governa”.<br />

Leia-se que esse alguém só pode ser Cavaco. E se a situação não se alterar e<br />

os partidos mostrarem mesmo que não se conseguem entender,<br />

o que resta? Ou o Presidente toma de facto uma atitude e se assume<br />

como último reduto da estabilidade. Ou é o próprio primeiro-ministro<br />

que bate com a porta e diz basta! Apresenta uma moção de confiança<br />

e força uma relegitimação ou força mesmo eleições antecipadas. Cenário<br />

que não se percebe ainda bem que consequências poderá ter.<br />

Tudo vai depender da força com que o PSD, a alternativa de poder, tiver<br />

na altura em que isto aconteça. Ainda em busca de estabilidade interna<br />

ou com um novo líder imaculado?<br />

Entre esta troca de argumentos e estes cenários hipotéticos, os nossos<br />

políticos vão-se esquecendo que têm nas mãos a condução de um país que<br />

está farto das birras partidárias e quer é mais empregos e mais dinheiro no<br />

bolso. Enquanto uns quantos, poucos, se divertem na esgrima da dialéctica<br />

política entre governabilidade e ingovernabilidade, culpando-se uns aos<br />

outros do que foi a vontade do povo - ser governado por homens e<br />

mulheres que têm que se entender para chegar a algum lado - Portugal<br />

vai-se afundando a cada dia que passa em mais endividamento externo,<br />

desemprego e fraco crescimento económico. As nossas empresas<br />

vão perdendo competitividade, as nossas famílias vão perdend<br />

o poder de compra e os nossos jovens vão olhando para o seu futuro<br />

com um ar cada vez mais apreensivo.<br />

E depois há uns quantos “senadores” que ainda vêm dizer que o pior que<br />

podia acontecer ao país era Sócrates fartar-se de tudo isto e ir-se embora.<br />

Não Dr. Mário Soares. O pior que podia acontecer a Portugal é ver os<br />

políticos a brincar aos partidos enquanto o país se desprende da Europa,<br />

qual Jangada de Pedra à deriva no Atlântico. Já pouco falta, diz-se por aí,<br />

para que Bruxelas meta mão nisto e impeça que o cordão umbilical com a<br />

zona euro se rompa de vez. Vamos ver se antes que isso aconteça, PS e<br />

oposição se entendem de maneira a aprovar um Orçamento de Estado que<br />

nos permita começar o ano com alguma tranquilidade de espírito. Mesmo<br />

que para isso, Sócrates tenha que se entender mais uma vez com alguns<br />

Albertos João Jardim desta vida.


Grécia em regime<br />

de falência<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 5<br />

A Grécia deixou de ter um governo: passou a ter um gestor de falências,<br />

que tem em carteira a monumental tarefa de fazer regressar o país ao<br />

perímetro muito curto do grupo de nações com um défice<br />

economicamente suportável e politicamente admissível. Afinal, o mesmo<br />

perímetro de onde Portugal já derrapou, contando para isso com a<br />

concordância da União Europeia – posta em sossego com a promessa de<br />

que o país regressará ao interior do grupo mal possa, contando que seja<br />

em 2013.<br />

Por uma razão absolutamente egoísta, e que desmascara a pouca virtude<br />

com que alguns países entendem o que é uma união mais ou menos<br />

federativa de nações, a Bélgica eaAlemanhaapresentaramjáassuas<br />

reservas face à decisão do Banco Central Europeu em ‘deitar a mão’ a um<br />

associado que está a passar por horas difíceis. Tanto belgas como alemães<br />

têm um historial para esquecer em termos de bom relacionamento com<br />

os seus parceiros europeus: os belgas andam há anos a ver se se entendem<br />

entre si, para não terem que dividir ao meio aquela nesga de terra que<br />

lhes coube em sorte, enquanto vão disfarçando como podem a sua<br />

propensão para se darem mal com os forasteiros; e as tentações<br />

colonialistas dos alemães para com os seus vizinhos – principalmente<br />

franceses, austríacos, polacos em particular e eslavos em geral –<br />

mantiveram o continente a ferro e fogo durante mais de um século<br />

(quando apenas considerados os períodos da história moderna e<br />

contemporânea). Não é por isso de admirar que se tenham<br />

queixado da ajuda que a União quer fornecer a um país do Sul, logo do<br />

Sul, onde vivem aqueles europeus que só estão bem a apanhar<br />

Sol, a reduzir a escombros o mandamento segundo o qual não se<br />

deve cobiçar a mulher alheia e a viver dos subsídios da Europa do Norte,<br />

trabalhadora, ordeira e poupada. Talvez a Europa do Norte ache que<br />

a Europa do Sul só serve para passar férias e para agregar um corredor<br />

de segurança que sirva de tampão àqueles povos esquisitos que vivem<br />

do outro lado do Mediterrâneo – e que, meia volta, lhes dá para<br />

zarpar mar fora por ali acima.<br />

Pondo de lado a motivação mais óbvia para a formação da Comunidade<br />

Europeia, que era travar a guerra iminente ou eminente (efectiva) que<br />

marcou o relacionamento entre franceses e alemães e arrastava toda a<br />

genteatrásdesi–aUniãopretendeagregarumdesígnio,umapolítica,<br />

uma sociedade, uma defesa e uma preocupação comuns que permitam à<br />

Europa, 1.700 anos depois do fim do Império Romano do Ocidente, ser<br />

outra vez una – na medida do possível.<br />

Uma das qualidades dessa Europa é precisamente a de transformar o<br />

continente numa omeleta de regiões. No limite, se determinado fundo do<br />

governo da Alemanha tiver que ser usado para ajudar ao mau andamento<br />

económico da Alsácia-Lorena, isso é precisamente o mesmo – ou deve ser,<br />

ou é assim que quem pensou a União Europeia quer que seja – que enviar<br />

esse fundo para o Minho, para Atenas ou para a ilha de Chipre.<br />

Infelizmente, quando as coisas correm mal e a letra de forma tem de sair<br />

do papel para passar para o terreno, a propagandeada solidariedade entre<br />

os povos – uma das mais importantes construções da sociedade moderna,<br />

patrocinada pelos muito esquecidos anarquistas do final do século XIX e<br />

início do século XX – passa rapidamente a ser uma chatice.<br />

Como qualquer leigo adormecido consegue perceber, é a própria essência<br />

da União Europeia que fica posta em causa com estas peripécias. E não só<br />

fica em causa, como abre brechas nos fundamentos e alicerces da<br />

comunidade, em dois campos fundamentais da sua acção: no próprio<br />

relacionamento entre as nações que a compõem; e também, e às tantas<br />

mais importante ainda, na forma como os países terceiros observam a<br />

(falta de) argamassa de que a União padece – permitindo-lhes assim,<br />

neste mundo monumentalmente concorrencial, ficarem com a ideia,<br />

aparentemente verdadeira, que ela não é para levar a sério.<br />

Eles, os países terceiros nossos concorrentes, já desconfiavam: têm o<br />

exemplo, entre vários outros possíveis, da Política Agrícola Comum – uma<br />

invenção surpreendente para salvar a agricultura francesa em detrimento<br />

de todas as outras – para lhes provar isso mesmo. Ou dos devaneios<br />

bizarros e incalculavelmente maléficos registados quando a Jugoslávia<br />

entrou em processo de implosão. Mas não era preciso estar a insistir em<br />

dar-lhes mais exemplos deste destino comum tosco, que não passa do<br />

papel e emperra sempre que há um problema real.<br />

O que o caso da Grécia diz aos 350 a 400 milhões de almas acantonadas<br />

na União Europeia é que a federação ainda está longe de ser uma realidade<br />

que valha a pena ser levada a sério. Pior: que o melhor é cada um tratar<br />

de si, porque no fundo ninguém pode contar com mais ninguém. O brilho<br />

e ‘glamour’ das cimeiras, tratados, fotografias de grupo de presidentes e<br />

chefes de Estado e demais palhaçada são, neste quadro, apenas isso: uma<br />

palhaçada – que não atinge o Dubai, só para dar um exemplo tão próximo<br />

no tempo, rapidamente auxiliado pelo vizinho Abu Dhabi porque as<br />

motivações profundas da federação dos Emirados funcionou quando era<br />

preciso funcionar.


6 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

SUCESSO<br />

A ver estrelas<br />

Primeiro foram Gaspar, Baltazar e Belchior, agora Nuno Cardoso<br />

Santos: se pudessem, não faziam mais nada senão olhar para<br />

as estrelas. Três reis orientais e um astrofísico nada acidental<br />

TEXTO ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA / FOTO BRUNO BARBOSA<br />

Não consta de nenhuma crónica<br />

nem de nenhuma lenda<br />

nem de nenhum presságio<br />

quais eram as magias<br />

que Gaspar, Baltazar e Belchior<br />

conseguiam prodigalizar,<br />

se é que o faziam, nem ninguém sabe<br />

ao certo de onde vieram e para onde regressaram<br />

aqueles reis que também eram<br />

magos e acreditavam num destino que<br />

lhes veio ao encontro numa estrela. O que<br />

se sabe é que era uma estrela: brilhava<br />

muito, vinha do Oriente, parou por alturas<br />

da Palestina como se aquela fosse uma terra<br />

prometida que um dia haveria de ser<br />

ocupada por quem não é de lá, apagou-se<br />

nessa latitude e fê-los chegar às portas de<br />

um universo minúsculo onde está o mundo<br />

todo concentrado no seu grau mais alto<br />

de subtileza e sonho: estava uma criança a<br />

nascer, a experimentar os pulmões pela<br />

primeira vez, diz-se que no meio do gado<br />

manso, da palha e dos cuidados de quem<br />

era pai e mãe e não tinha mais ninguém a<br />

quem encomendar-se.<br />

Nuno Cardoso Santos não é crente –<br />

está naquele limbo dos que não sabem se<br />

são ateus ou mais displicentemente<br />

agnósticos, que é como quem diz que não<br />

perde muito tempo com o assunto – mas<br />

sabe de estrelas mais do que sabiam Gaspar,<br />

Baltazar e Belchior, que só trataram<br />

de seguir uma, por um acaso de observação<br />

empírica a mais brilhante. “Pode ter<br />

sido um cometa, uma super-nova ou<br />

mais provavelmente uma conjunção de<br />

planetas”, diz Nuno Cardoso Santos, licenciado<br />

em Física pela Faculdade de<br />

Ciências de Lisboa, com mestrado e doutoramento<br />

em Astrofísica, este último<br />

registado em Genebra, Suíça, sobre o estranho<br />

caso da estrela que deu novos<br />

mundos a pelo menos meio mundo e que<br />

serviu de guia de marcha aos três reis,<br />

que se calhar ficaram mágicos só por isso,<br />

por a terem seguido.<br />

E é por isso, por saber tanto de estrelas,<br />

que o European Research Council lhe atribuiu<br />

a gestão de uma cobiçada bolsa de investigação<br />

na área da astronomia e da astrofísica.<br />

Nuno Cardoso Santos – de 36<br />

anos, nascido em Moçambique, país que<br />

dizem ter o mais belo dos céus, e que<br />

abandonou com apenas 11 meses – quer<br />

chegar a uma coisa simples, que a ima<strong>gina</strong>ção<br />

que se quer eterna dos homens de<br />

todos os tempos tem procurado com insis-<br />

“Pode ter sido<br />

um cometa, uma<br />

super-nova ou mais<br />

provavelmente uma<br />

conjunção de<br />

planetas”, diz Nuno<br />

Cardoso Santos<br />

sobre o estranho<br />

caso da estrela<br />

que deu novos<br />

mundos a pelo<br />

menos meio mundo<br />

tência nunca esmorecida: à descoberta de<br />

uma forma de vida fora do planeta Terra,<br />

qualquer que ela seja e sob que capa física<br />

for. A estatística joga a seu favor: “na nossa<br />

galáxia há cem mil milhões de estrelas”,<br />

que, como a nossa, o Sol, têm uma série de<br />

planetas associados. Resultado: há milhões<br />

e milhões de planetas só na nossa galáxia,<br />

sendo no mínimo disparatado pensar-se<br />

que só na Terra é que foram criadas<br />

condições necessárias e suficientes para a<br />

eclosão de vida. A finalidade do trabalho<br />

de observação das estrelas que Nuno Cardoso<br />

Santos persegue é precisamente essa:<br />

a de descobrir planetas onde a probabilidade<br />

de existir vida seja semelhante à do<br />

planeta Terra – e possivelmente menos<br />

mal-tratada. “Tenho poucas dúvidas de<br />

que existe vida noutros planetas”, afirma,<br />

como se só tivesse acabado de pedir uma<br />

meia de leite morna e uma torrada com<br />

pouca manteiga; e se encontrasse um católico<br />

fundamentalista – tem a sorte de<br />

“nunca ter encontrado nenhum” – dir-<br />

-lhe-ia que, acreditar na vida apenas na<br />

Terra “seria menosprezar o poder de<br />

Deus”, mas isso seria só para ser cínico. Ou<br />

então foi Deus que quis ser cínico e só inventou<br />

vida neste planeta desgraçado,<br />

deixando aos outros a muito feliz condição<br />

de desabitados até à eternidade.<br />

A vontade de escrutinar a vida alheia<br />

que eventualmente se passará a anos-luz<br />

das nossas redondezas, no meio das estrelas,<br />

está-lhe antiga no gosto: aos 16 anos,<br />

juntamente com uns amigos, construiu o<br />

seu primeiro telescópio, uma complicada<br />

conjugação de lentes acantonadas num<br />

suporte tosco, com o qual não descobriu<br />

outra coisa que não fosse a vontade de se<br />

transformar num astrofísico. Dos amigos<br />

que o ajudaram naquela descoberta adolescente<br />

só ele acabou por seguir essa estrela<br />

que vislumbrou aos 16 anos: foi para o<br />

curso de Física porque é por aí que tudo<br />

começa e agora tem em mãos um cheque<br />

de mais de um milhão de euros para, nos<br />

próximos cinco anos e depois de contratar<br />

dois investigadores e três estudantes de<br />

doutoramento, contribuir para desenvolver<br />

o ‘hardware’ com que o mundo vai<br />

descobrir os mundos para além de nós.<br />

Nãoésóele:oCentrodeAstrofísicada<br />

Universidade do Porto (CAUP) – de que é<br />

um dos investigadores – serve-lhe de suporte<br />

à observação da variedade dos céus.<br />

Mas o centro não serve só para isso: serve<br />

para provar que a Universidade do Porto<br />

está apostada em definitivo em contribuir<br />

para a formação de um ambiente urbano<br />

propício à investigação científica por<br />

muito que a matéria com que esta queira<br />

preocupar-se não seja propriamente canónica<br />

e tradicional. Mais: serve também<br />

para provar que Portugal atingiu uma adolescência<br />

quase de maioridade no capítulo<br />

da astrofísica. “Há 30 anos era uma ciência<br />

incipiente”, afirma, uma coisa que misturava<br />

ficção científica e devaneios românticos,<br />

que obrigava quem quisesse ser astrofísico<br />

a comprar um bilhete só de ida<br />

para a NASA norte-americana. Tudo isso<br />

ficou lá para trás: um acordo a dez anos<br />

com o Observatório Europeu do Sul (ESO,<br />

que tem no Chile uma extensa bateria de<br />

telescópios do tamanho de canhões balísticos<br />

constantemente apontados às estrelas)<br />

permitiu ao país dar os primeiros passos<br />

numa ciência que não dominava.<br />

“Agora, com o país como membro efectivo<br />

do observatório desde o ano 2000, competimos<br />

de igual para igual.<br />

De igual para igual em quê, poderia<br />

perguntar-se relativamente a uma ciência<br />

que se limita a ver no céu coisas que,<br />

algumas delas, as estrelas, já nem sequer<br />

existem? “Há alguns campos da astrofísica<br />

que não têm aplicação directa”, admite,<br />

para logo de seguida compor a coisa:<br />

“Mas o fomento tecnológico induzido<br />

pela ciência” é incomensurável, mesmo<br />

que “seja difícil de quantificar em termos<br />

de ganhos económicos”. Um exemplo<br />

simples: o sensor interno que permitiu<br />

a criação das máquinas fotográficas<br />

digitais – uma banalidade para os milhões<br />

e milhões de fotógrafos nacionais,<br />

mesmo que seja apenas com o telemóvel<br />

– apareceu por via da investigação da astrofísica<br />

e do processo de descoberta<br />

tornado obrigatório pelas necessidades<br />

intrínsecas àquela ciência. De onde se<br />

conclui sem erro que “o retorno económico<br />

do progresso tecnológico [patrocinado<br />

pela astrofísica] é impossível de<br />

prever, mas chega no médio/longo prazo”;<br />

além disso, acredita Nuno Cardoso<br />

Santos, “a investigação científica catalisa<br />

o desenvolvimento económico”; por<br />

muito que não seja aceitável que o CAUP<br />

chegue ao gabinete de Teixeira dos Santos<br />

a pedir-lhe que largue os têxteis e<br />

passe a dirigir investimentos para a astrofísica.<br />

Ou se calhar...!


Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 7


8 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

UTOPIAS<br />

Só respondo na presença<br />

do meu avatar<br />

Guarde bem a sua ‘password’ do Facebook, o ‘login’ do Twitter, o endereço<br />

do MySpace ou o nome de utilizador do Blogger. Em breve, será mais<br />

perigoso perdê-los do que perder a carteira com o Cartão de Cidadão dentro.<br />

Não é possível adocicar a notícia: as redes sociais mataram os carteiristas<br />

TEXTO ÂNGELA MARQUES / ILUSTRAÇÃO GONÇALO VIANA<br />

Há o que vivemos na realidade:<br />

um sismo mariquinhas.<br />

E depois há o que anunciamos<br />

que vivemos no Facebook:<br />

um sismo que ficará<br />

para a história e que nós<br />

sentimos – sentimos muito. Poucos minutos<br />

após o tremor de terra de quinta-feira<br />

milhares de portugueses ligaram o computador<br />

para postar: eu senti. Na verdade,<br />

o que diziam era que a sua identidade virtual<br />

sentiu. Provavelmente sem querer,<br />

deram informações a mais: que o prédio<br />

isto, que os filhos aquilo. Mas não resistiram,<br />

porque não estavam em si – mas na<br />

personagem que são do outro lado do ecrã.<br />

É crime? Não. Mas pode ser perigoso.<br />

Para muitos foi como a anedota do homem<br />

que lamenta estar numa ilha deserta<br />

com uma top model se não se pode<br />

gabar disso aos amigos. Para outros, uma<br />

necessidade básica. Os portugueses só<br />

foram apresentados ao Facebook em Setembro<br />

de 2008, mas hoje há já um milhão<br />

que não passa sem ele. E ali deixa<br />

metade da alma. “As pessoas usam as redes<br />

sociais como um espelho daquilo que<br />

são na realidade. Por exemplo, as fotografias<br />

que colocam no Facebook são<br />

reais. E isso levanta a problemática da<br />

segurança, claro”, diz Nelson Zagalo,<br />

professor e investigador da Universidade<br />

do Minho na área das Ciências e Tecnologias<br />

da Comunicação.<br />

As histórias de pessoas que perderam o<br />

emprego por dizerem mal do patrão em<br />

blogues e tweets já nem impressionam<br />

(são tão 2009 que não contam). “Hoje o<br />

Facebook é uma plataforma de centralização<br />

de informação. Até de informação relacionada<br />

com a nossa saúde”. Segundo o<br />

investigador, está já a ser “trabalhada pelo<br />

Google uma ferramenta que nos permitirá<br />

termos um login para aceder aos nossos<br />

boletins de saúde nos hospitais”. Não é<br />

preciso ima<strong>gina</strong>r muito para saber que<br />

“quem tiver acesso a essa ‘password’ terá<br />

acesso a informação extremamente relevante<br />

sobre nós”.<br />

Depois de ter destronado o Hi5 e o<br />

MySpace, o Facebook aparece assim, para<br />

Nelson Zagalo, como a rede social onde<br />

esta confusão de identidades será mais<br />

visível: “O objectivo do Facebook é dar-<br />

-nos a omnipresença constante. É podermos<br />

funcionar continuamente, mesmo<br />

que estejamos a dormir.”<br />

A dormir ou a dar uma entrevista na<br />

RTP2. A Paulo Querido, jornalista e consultor<br />

em Tecnologias de Informação e<br />

Conhecimento, isto já acontece: “Na semana<br />

passada eu estava em directo na<br />

RTP2 e as minhas contas Twitter, Facebook<br />

e FriendFeed eram alimentadas pelos<br />

meus bots, em acções relativamente<br />

independentes de mim.” Bots? “Bot é<br />

abreviatura de infobot. Um robot é um<br />

conjunto mecânico que executa tarefas<br />

pré-programadas. Um infobot é igual,<br />

mas não é mecânico, é informático. É um<br />

programa, ou conjunto, que executa tarefas<br />

pré-programadas”. Os de Paulo Querido<br />

estão por todo o lado.<br />

“Os meus bots recolhem informação<br />

(links) segundo directivas que lhes forneço,<br />

depositam-na numa base de dados.<br />

Depois, consoante se verifiquem certos<br />

pressupostos (hora, dia da semana, fonte<br />

da informação) vão buscar a informação a<br />

essa base de dados, processam-na e formatam-na<br />

para a enviarem para as minhas<br />

contas”. Assim, de uma forma mais<br />

ou menos assustadora, diz, “os bots fazem<br />

tweets em meu nome, sim”. Geralmente,<br />

acrescenta, são “tweets informativos,<br />

não-conversacionais, embora possam ser<br />

programados até para responderem a perguntas<br />

ou frases específicas.”<br />

Mas no futuro será melhor (ou pior):<br />

“Essa independência será maior e ao<br />

mesmo tempo essas entidades ganharão<br />

complexidade, massa, e finalmente al-<br />

Prepare-se:<br />

até a dormir<br />

vai partilhar.<br />

E as ferramentas<br />

que hoje usa para<br />

conversar em tempo<br />

real serão capazes<br />

de, em 10 a 20 anos,<br />

comunicar o seu<br />

estado de espírito<br />

sob a forma de<br />

um holograma<br />

enquanto está longe<br />

do computador.<br />

Os avatares já não<br />

são ficção científica


Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 9<br />

guma espécie de rosto, ou capacidade visual.”<br />

Pense-se em hologramas, “em dez<br />

a 20 anos”. Mas se houver pressa, pense-<br />

-se no que já existe: “As plataformas de<br />

jogos online, não apenas o Second Life,<br />

onde bonecos com a nossa cara, ou o nosso<br />

nome, interagem mesmo quando estamos<br />

desligados. Se o Second Life permitisse<br />

maior interacção com o mundo fora<br />

dele – refiro-me aos computadores, não<br />

ao mundo dos átomos e dos humanos – eu<br />

já tinha um “Paulo Querido” a interagir,<br />

programado para acções simples de representação.”<br />

Mais uns anos, diz o consultor, e uma<br />

vez que “esses infobots já estão em prancha<br />

de testes, até por pessoas que não são<br />

propriamente génios da programação, e a<br />

indústria a tomar conta... sim, em vez de<br />

contas no Twitter e no Facebook teremos<br />

avatares vivos e interactivos, com alguns<br />

graus de autonomia.” Estranho? Não para<br />

uma geração abaixo dos 20 anos, que já<br />

hoje passa “mais tempo da sua vida dentro<br />

dos mundos virtuais que no mundo físico”.<br />

Como numa segunda vida.<br />

Não é fácil dizer onde isto começou.<br />

Mas em 2002, quando o Second Life surgiu,<br />

toda a gente começou a ter uma ideia<br />

do que nos esperava. Naquele mundo virtual<br />

ninguém era gordo, velho ou feio.<br />

Quem quisesse podia ser polícia, podia<br />

ser ladrão, podia voar, dançar, até chorar,<br />

se fosse caso disso. Sete anos depois o<br />

Second Life parece estar a transformar-<br />

-se na realidade virtual mais real do<br />

mundo: é-se mais verdadeiro no mundo<br />

virtual que na vida. Partilha-se tudo,<br />

confessa-se tudo, e é isso que pode estragar<br />

tudo. “Se o Facebook fosse ficcional<br />

não representava qualquer perigo. Mas<br />

neste momento quando leio alguma coisa<br />

no Facebook acredito que ela é real”, diz<br />

Nelson Zagalo. Como diz pelo telefone, é<br />

seguro. Ainda não há avatar que possa<br />

desmentir isto.


10 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

A MINHA JANELA<br />

Omovimento Dada - os seus<br />

fundadores recusam o termo<br />

Dadaísmo já que o “ismo”<br />

aponta para um movimento<br />

organizado que<br />

nãoéoseu–chegouàs<br />

empresas. Surgido durante e como reacção<br />

à I Guerra Mundial, ridicularizou o<br />

vazio e a decadência da vida moderna.<br />

Mas não perdeu a actualidade, por isso,<br />

assenta como uma luva à vida laboral de<br />

hoje. A pompa, a presunçãoeaimbecilidade<br />

gritante no trabalho pedem um tratamento<br />

dadaísta.<br />

O mestre actual do “Dada laboral”, o<br />

humorista e bloguista australiano David<br />

Thorne, tem por hábito citar os seus interesses<br />

máximos ao mesmo tempo que recita<br />

números primos por ordem decrescente.<br />

Tornou-se famoso há cerca de um<br />

ano quando, depois de tentar pagar uma<br />

sessão de quiropráctica com um desenho<br />

de uma aranha, divulgou no seu ‘site’<br />

(www.27bslash6.com) os ‘emails’ trocados<br />

com o dito quiroprático. Se o leitor<br />

ainda não teve oportunidade de visitar o<br />

‘site’, recomendo vivamente que o faça.<br />

A graça da coisa reside na diferença entre<br />

a imbecilidade normal da comunicação<br />

empresarialeaimbecilidade anormal da<br />

aranha. Thorne teve o mérito de protagonizar<br />

uma brincadeira particularmente<br />

divertida, saudável e inocente.<br />

A mais recente troca de emails de<br />

Thorne, que apanhou os ‘bloggers’ de<br />

surpresa e tem feito as delícias da comunidade<br />

nas últimas semanas, é igualmente<br />

divertida, no entanto, nada tem<br />

de saudável nem de inocente. Tudo começou<br />

quando um ‘web designer’ convidou<br />

Thorne a desenhar gratuitamente<br />

um logótipo e um gráfico de queijo para<br />

um projecto sobre ‘business-to-business<br />

(B2B) networking’. Thorne respondeu<br />

ao convite enviando um gráfico intitulado<br />

“O entusiasmo de David em trabalhar<br />

de borla para ‘S’”, composto pelos<br />

seguintes segmentos: “Nenhum”;<br />

“Muito pouco” e “Praticamente nulo”.<br />

Eis uma resposta sarcástica que Thorne<br />

fez acompanhar de um logótipo “que<br />

além de representar o projecto de ‘B2B<br />

networking’ no qual o Sr. trabalha actualmente,<br />

pretende também ilustrar<br />

o que é trabalhar consigo no geral”.<br />

À primeira vista, o logótipo parece uma<br />

águia, mas quando olhamos mais atentamente<br />

para o desenho vemos que<br />

se trata de um acto libidinoso entre<br />

dois homens.<br />

“S” enfurece-se e escreve: “Dispenso<br />

receber mais emails seus”. A resposta de<br />

Thorne é demolidora: “Ok. Boa sorte<br />

para o seu projecto. Se precisar de alguma<br />

coisa é só dizer”. Uma resposta imprópria<br />

para publicação.<br />

Aprendi três coisas com esta troca de<br />

emails: a) os artistas gostam de ser pagos<br />

pelo seu trabalho; b) os gráficos de queijo<br />

são uma parvoíce; c) ser incrivelmente<br />

rude com uma pessoa que achamos<br />

Lucy Kellaway<br />

Atitude dadaísta<br />

A pompa,<br />

a presunção<br />

e a imbecilidade<br />

gritante no<br />

trabalho pedem<br />

um tratamento<br />

dadaísta<br />

“Roue de<br />

Bicyclette”<br />

(1913) Marcel<br />

Duchamp<br />

que merece esse tratamento é tão revigorante<br />

como rebolar na neve.<br />

Esta história encerra em si outro aspecto<br />

dadaísta: situa-se numa zona nebulosa<br />

da Internet algures entre a realidade<br />

e a ficção. No Twitter há um homem<br />

real com o mesmo nome que finge<br />

ter percebido a piada, que nega tudo e<br />

que critica Thorne mordazmente. Se<br />

este homem é real, se existe de facto, estaremos<br />

perante um fenómeno de<br />

‘cyber-bulling’? Deveremos preocupar-nos<br />

com a situação? Ou será que foi<br />

Thorne quem inventou tudo isto? O seu<br />

currículo é invejável nesta matéria.<br />

Exemplos? A McDonalds enviou aos<br />

seus colaboradores dos ‘drive-ins’ na<br />

Austrália uma carta onde pedia que excluíssem<br />

alguns dos produtos pagos pelos<br />

clientes. A carta era assinada por<br />

“Robert Trugabe” e suscitou polémica.<br />

Recentemente veio a saber-se que este é<br />

mais um exemplo do extraordinário talento<br />

de Thorne. Não me interessa se é<br />

verdade ou pura ficção. Mas interessa-<br />

-me e valorizo a resposta de Thorne à<br />

proposta de criação de um logótipo e<br />

correspondente gráfico. Para mim, essa<br />

é uma verdadeira obra de arte e um curiosíssimo<br />

exercício de gestão.<br />

Os gestores passam a vida a tentar<br />

neutralizar a sua irritação, no entanto,<br />

acabam muitas vezes por alimentá-la,<br />

ainda que inadvertidamente. A resposta<br />

de Thorne choca por fazer exactamente<br />

o oposto: mete-se com uma pessoa que<br />

está irritada e consegue, paulatinamente,<br />

irritá-la ainda mais.<br />

A minha vida profissional faz com que<br />

me cruze com muitas pessoas que vivem<br />

num estado de irritação permanente.<br />

Muitas delas lêem o “Financial Times” e<br />

encaram as minhas crónicas como um<br />

lenitivo. Na semana passada, um tal Joseph<br />

Waring de Hong Kong escreveu-me<br />

a dizer que a minha última crónica era<br />

um chorrilho de imbecilidades e rotulou-me<br />

de patética. No final dizia: “A<br />

propósito, toda a gente aqui no trabalho<br />

acha o seu corte de cabelo ridículo e demasiado<br />

jovial”.<br />

Estava eu a engendrar uma resposta à<br />

altura da provocação quando abri o<br />

email de um advogado na reforma,<br />

Stephen Gold de seu nome. “Pagam-lhe<br />

para ser inútil e condescendente?”, perguntava<br />

numa mensagem escrita num<br />

tom irritado e mordaz que lhe deve ter<br />

ocupado, a ver pelo tamanho, uma tarde<br />

inteira a “teclar” no BlackBerry.<br />

Em nome da Arte – sim, com maiúscula<br />

-, roí por instantes a tampa da caneta<br />

e comecei a escrever a resposta mais<br />

repugnante e complacente que consegui<br />

arquitectar, e terminei com uma frase<br />

especialmente incendiária: “Espero que<br />

isto ajude”. Carreguei no ‘enter’, recostei-me<br />

na cadeira e aguardei. A resposta<br />

chegou uma hora depois. Curiosamente,<br />

o tom não era exaltado. Era mais cordial<br />

do que na missiva anterior. “Agradeço o<br />

tempo que despendeu a responder-me”,<br />

dizia respeitosamente.<br />

Como obra de arte, o meu esforço foi<br />

um rotundo fracasso. Mas aprendi mais<br />

três coisas. 1. A maior parte das pessoas<br />

não se dá ao trabalho de responder aos<br />

‘emails’. 2. É um erro recorrer à ironia<br />

numa mensagem electrónica. 3. É difícil<br />

ter graça, mas é ainda mais difícil ser um<br />

dadaísta bem sucedido.<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Ana Pina


O MEU OLHAR<br />

João Lobo Antunes<br />

Vacinas<br />

Em 1798, Edward Jenner, um<br />

médico inglês a quem se<br />

deve também a primeira<br />

descrição da arteriosclerose<br />

das coronárias, descreveu,<br />

num artigo que ficou famoso,<br />

o benefício que se obtinha na prevenção<br />

da varíola com a inoculação em humanos<br />

do líquido colhido das vesículas<br />

que apareciam nas tetas de vacas que sofriam<br />

de uma doença apropriadamente<br />

chamada “vaccinia”. Ele observara que<br />

as mulheres que mugiam animais infectados<br />

tinham uma forma mais ligeira de<br />

varíola, e assim surgiu a primeira vacina.<br />

A importância da descoberta foi fenomenal:<br />

em meados do século XVIII, uma<br />

em cada treze crianças morria de varíola<br />

e muitas mais ficavam cegas pelas úlceras<br />

que se desenvolviam na córnea.<br />

Quer teólogos, quer muitos médicos<br />

(católicos e protestantes), opuseram-se<br />

ferozmente à inoculação, por entenderem<br />

que a varíola era um castigo de Deus<br />

pelos pecados dos homens, castigo a que<br />

nos deveríamos submeter resignadamente,<br />

e a vacina era uma violação da lei<br />

divina. Assim pregava o Rev. Edward<br />

Moosey num sermão que intitulou “The<br />

Dangerous and Sinful Practice of Innoculation”!<br />

Um teólogo mais progressista<br />

argumentava, por seu lado, que as pústulas<br />

que cobriram Job eram obra do demónio<br />

e, assim, lutar contra elas era lutar<br />

do lado da vontade divina. A verdade<br />

é que a prática da vacina foi progressivamente<br />

adoptada e no final do século XIX<br />

a mortalidade da varíola era de 1 em<br />

1.600 infectados, e hoje ela quase desapareceu<br />

da face da Terra.<br />

Não se pense, contudo, que a resistência<br />

às vacinas por razões ideológicas é<br />

fenómeno do passado. Já no nosso tempo,<br />

grupos ultraconservadores norte-<br />

-americanos, por exemplo, têm-se<br />

oposto à vacinação de raparigas jovens<br />

contra o vírus do papiloma humano, cuja<br />

eficácia contra o aparecimento do cancro<br />

do colo do útero parece não oferecer<br />

dúvida. A razão invocada é que a vacina<br />

poderia favorecer a promiscuidade sexual<br />

e comportamentos tão censuráveis<br />

como o sexo pré-conjugal...<br />

É evidente que a vacinação contra o<br />

vírus H1N1 não suscita qualquer controvérsia<br />

vincada por preconceitos ideológicos<br />

ou religiosos, mas a verdade é que a<br />

sua aplicação como medida profilática<br />

universal, suscitou questões que não são<br />

exclusivamente médicas, ou seja, de natureza<br />

puramente científica ou técnica.<br />

A presente epidemia ou pandemia,<br />

como os responsáveis sanitários preferem<br />

chamar para realçar a dimensão<br />

epidemiológica mundial, avaliada pela<br />

taxa de infecção e disseminação global,<br />

que estamos a viver é de algum modo<br />

uma experiência nova partilhada universalmente<br />

pelas novas tecnologias<br />

de informação. De facto, assistimos à<br />

progressão da infecção em tempo real,<br />

caso após caso, dia após dia, alastrando<br />

como o óleo derramado no oceano por<br />

um petroleiro como o casco arrombado.<br />

Assim se vai contabilizando cada morte,<br />

o que contrasta com a indiferença perante<br />

outras epidemias como a malária,<br />

que mata por ano um milhão de crianças!<br />

Não importa agora discutir se esta gripe é<br />

mais ou menos grave do que outras “gripes”,<br />

embora, provavelmente, o risco<br />

seja menor que a “espanhola” do início<br />

do séc. XX, mas então os meios de combate<br />

às complicações que surgiam eram<br />

quase inúteis.<br />

O que é especial acerca desta gripe é<br />

também que nunca como agora, governantes<br />

e autoridades sanitárias estiveram<br />

sob tão cerrado escrutínio. Afinal,<br />

como não me canso de citar, a política foi<br />

sempre uma medicina em larga escala.<br />

Para a indústria, a gripe foi uma “bonanza”<br />

e a corrida à vacina que é, em regra,<br />

uma corrida de fundo, transformou-se<br />

num ‘sprint’ vertiginoso.<br />

Como sucede com outras um dos óbices<br />

da aplicação da vacina contra a gripe<br />

releva, fundamentalmente, do risco que<br />

pode comportar, que é realmente impossível<br />

de prever para cada caso singular.<br />

É sabido que persiste uma disputa<br />

sobre se vacinas como a “tríplice”, que<br />

se administra aos bebés, não é responsável<br />

pelo aparecimento mais tarde do autismo.<br />

Só nos E.U.A. há mais de 5.300 de<br />

pedidos de indemnização baseados nessa<br />

suposição, em relação à qual não há a<br />

mínima prova cientifica. Para compensar<br />

as vítimas ocasionais das complicações<br />

das várias vacinas, criou-se naquele<br />

país um organismo que analisa cada<br />

caso e indemniza a vítima sempre que<br />

haja evidência segura de causalidade.<br />

Sem isto, a indústria desistiria rapida-<br />

É evidente<br />

que a vacinação<br />

contra o vírus H1N1<br />

não suscita qual<br />

quer controvérsia<br />

vincada por<br />

preconceitos<br />

ideológicos<br />

ou religiosos,<br />

mas a verdade é que<br />

a sua aplicação como<br />

medida profilática<br />

universal, suscitou<br />

questões que não<br />

são exclusivamente<br />

médicas, ou seja,<br />

de natureza<br />

puramente científica<br />

ou técnica<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 11<br />

mente de fabricar vacinas.<br />

A questão da obrigatoriedade da vacina,<br />

assumida como dever moral de todos<br />

os prestadores da saúde – que incluem<br />

não só médicos e enfermeiros, mas também<br />

pessoal auxiliar e até porteiros e<br />

recepcionistas –, é complexa, porque,<br />

em certa medida, fere o principio da autonomia.<br />

É razoável assumir que a vacinação<br />

deste pessoal é uma medida importante<br />

de saúde publica e o estado de<br />

Nova Iorque declarou a sua obrigatoriedade.<br />

Imediatamente, os trabalhadores<br />

alvo reagiram, argumentando que isso<br />

era uma violação de direitos fundamentais,<br />

e que qualquer analogia com a varíola,<br />

cuja vacinação obrigatória se<br />

não contesta, era inapropriada, pois a<br />

gripe não tem gravidade comparável. Se<br />

asaúdeeasegurançadosdoenteséuma<br />

prioridade tal que permite excepções<br />

em relação à primazia dos direitos<br />

individuais, é matéria que será esclarecida<br />

nos tribunais.<br />

Mas este não é a único dilema ético<br />

suscitado pela pandemia, pois as questões<br />

da prioridade na vacinação e da definição<br />

de quem é imprescindível surgem,<br />

naturalmente, neste contexto. Se a<br />

vacina estivesse desde início disponível<br />

em quantidade tal que fosse assegurada a<br />

sua aplicação a todos, o principio da<br />

equidade era facilmente respeitado.<br />

Tal não sucedendo, se adoptarmos uma<br />

ética utilitarista deveriam favorecer-se,<br />

acima de tudo, os profissionais de<br />

saúde e aqueles que, doentes ou não, encerram<br />

maior risco. Poderá ainda alegar-se,<br />

invocando o principio da reciprocidade,<br />

que os profissionais, porque<br />

correm maior risco, mereciam ser<br />

vacinados primeiro.<br />

Se analisarmos a situação a nível<br />

mundial não há uniformidade de critérios<br />

quanto à definição de prioridades ou<br />

de grupos de risco, e o exemplo mediático<br />

dos responsáveis políticos cujo objectivo,<br />

compreensível, foi a demonstração<br />

de que não temem os possíveis riscos de<br />

vacina é de dúbia importância. De facto,<br />

aqui, como noutras áreas que implicam<br />

comportamentos de risco, como o sexo<br />

não protegido ou os desportos radicais,<br />

cada pessoa tende a aceitar o risco em<br />

que incorre voluntariamente, mas não<br />

aceita o risco que lhe é imposto, mesmo<br />

quando a evidência é débil como, por<br />

exemplo, sucede com as linhas de alta<br />

tensão perto de sua casa.<br />

Eu creio que uma das proveitosas lições<br />

desta pandemia é que é importante<br />

que exista uma rede de confiança que<br />

envolva todos os cidadãos, médicos e<br />

outros trabalhadores da saúde e respectivas<br />

instituições e governantes. Esta<br />

forma de solidariedade é indispensável<br />

para o melhor uso dos recursos e a não<br />

exclusão daqueles que são mais vulneráveis,<br />

mesmo quando, como parece estar<br />

a acontecer em todo o mundo, acabam<br />

por sobejar as vacinas...


12 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BASTIDORES<br />

O Natal do Vinho do Porto<br />

Entre as cepas do Douro profundo e as mesas de Natal, o Vinho do Porto<br />

segue ao ritmo acelerado das máquinas. O esforço vale a pena: Dezembro<br />

é o melhor mês do ano para os produtores<br />

TEXTO ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA/ FOTOS BRUNO BARBOSA<br />

As coisas começam no domínio<br />

dos deuses – nas alquimias<br />

secretas da fundura da<br />

terra que sobem aos caules<br />

na hibernação do Inverno –<br />

e acabam na mesa dos que<br />

para alguns é um Deus a comemorar a sua<br />

presença infantil junto dos mortais mais<br />

comuns: o Natal. A época de todos os excessos<br />

– gastronómicos, vínicos e fantasiosos,<br />

como se fosse uma tentação de felicidade<br />

que se vai esvaindo no desespero<br />

dos 11 meses seguintes – vale cerca de<br />

40% das vendas do Vinho do Porto, que no<br />

ano passado chegaram aos 375,8 milhões<br />

de euros, representando Dezembro mais<br />

de 151 milhões.<br />

Deixando para outras conversas mais<br />

demoradas o que se passa no interior secreto<br />

das cepas até que delas brotam aqueles<br />

frutosqueservemparaseremcortados,enganchados,<br />

esmagados, calcados e finalmente<br />

espremidos, a viagem do que vem<br />

dentro das garrafas de Vinho do Porto começa<br />

pela sua trasfega para as cubas onde se<br />

fazem provas, medições, cálculos, misturas<br />

delotes sefor casodissoeseesperaqueacabem<br />

os avatares próprios do precioso líqui-<br />

As vendas de Vinho<br />

do Porto<br />

ascenderam aos 375<br />

milhões de euros em<br />

2008. Dezembro<br />

responde por cerca<br />

de 40%: mais de 151<br />

milhões de euros<br />

do – para alguns uma coisa quase como o<br />

sangue, quase vivaeapulsarderespiração.<br />

Seja nas profundezas dos vales perdidos<br />

do Douro, seja nas margens do rio à desembocadura<br />

da sua foz, em Gaia, as unidades<br />

industriais de engarrafamento de<br />

Vinho do Porto parecem sempre um emaranhado<br />

de plaquetas metálicas, fios de<br />

chumbo e tubos de plástico, onde o líquido<br />

– amarelado brilhante ou vermelho forte –<br />

deambula como se andasse perdido num<br />

carrossel sem paragens.<br />

O outro componente do efeito final, a<br />

garrafa de vidro, é o primeiro a aparecer<br />

na linha de produção: vem aos montões,<br />

agregado sobre paletes de madeira a ver se<br />

não cai, e entra na primeira de muitas máquinas<br />

esquisitas muitos metros à sua<br />

frente, onde o espera o primeiro passo de<br />

um caminho longo, este primeiro bem<br />

pouco extraordinário: a lavagem. A função<br />

é profunda, demorada e até aos cantos,<br />

porque qualquer coisa que fique dentro da<br />

garrafa e não seja vinho só pode contribuir<br />

para estragar o produto final.<br />

Limpa das impurezas mais embirrentas,<br />

a garrafa segue por uma manga mecânica<br />

que vai estreitando à medida que progride,<br />

para que, na máquina seguinte – a da junção<br />

entre a embalagem e o precioso líquido<br />

que anda por ali em bolandas, isto é, a do<br />

enchimento – entre apenas na sua vez. A<br />

máquina produz uma rotação no sentido<br />

dos ponteiros do relógio, demorando cada<br />

uma uns 300 graus e possivelmente um segundo<br />

e meio a acabar de encher.<br />

Atingida com sucesso esta fase crucial<br />

da linha de produção, seguem as garrafas<br />

ainda uma de cada vez para o pistão que<br />

lhes coloca a rolha, devidamente de cortiça<br />

enquanto as modernices das soluções<br />

sintéticas não chegam ao demorado e velho<br />

sector do Vinho do Porto – esperando-<br />

-se que nunca venham a chegar, não apenas<br />

em favor das trincheiras mais interessantes<br />

da tradição, como ainda porque<br />

modernidade nem sempre rima com qualidade.<br />

Depois da rolha vem o selo – aquele<br />

que é disponibilizado pelo Instituto do<br />

Vinho do Douro e Porto e atesta que o que<br />

vem dentro da garrafa veio do Douro e não<br />

das planícies imitativas da Califórnia ou<br />

dos socalcos sul-africanos de Montagu e<br />

Oudtshoorn. A fase é, como se pode inferir,<br />

de rotulagem, pelo que os passos seguintes<br />

têm todos a ver com isso: rótulo da


frente, rótulo de trás e rótulo do gargalo se<br />

for caso disso, mais aquela tampa de plástico<br />

no final, que serve para proteger a rolhadecortiçaetransformaraaberturade<br />

uma garrafa num sarilho demorado e perigoso,<br />

a precisar de facas ou outro objecto<br />

contundente.<br />

Depois disto tudo, as garrafas chegam a<br />

uma praça larga onde novamente se juntam<br />

num alegre tinir de vidro que pode<br />

ensurdecer qualquer operário mais distraído,<br />

e ficam à espera de, ainda mecanicamente,<br />

serem isoladas em grupos de<br />

seis (ou doze) para serem introduzidas nas<br />

caixas em que chegarão às lojas. É depois a<br />

vez da formação de um grupo maior de<br />

muitas caixas, outra vez sobre palete de<br />

madeira, que um pouco mais à frente é envolvida<br />

em película de plástico, dando solidez<br />

ao conjunto mas deitando por terra<br />

as melhores práticas ecológicas, pelas<br />

quais alguns dos melhores jovens europeus<br />

andam a ficar com as cabeças rachadas<br />

nas ruas antigas de Copenhaga.<br />

A viagem das garrafas entre uma ponta e<br />

outra da pesada máquina não demorará<br />

mais que cinco minutos, se tanto, mas o<br />

mais espantoso é que, no caso presente (a<br />

Nesse espaço<br />

virtuoso existem<br />

todososvários<br />

tipos de vinho: em<br />

garrafa se forem<br />

um qualquer que<br />

esteja à venda ou<br />

se for um vintage<br />

(que envelhece em<br />

recipiente de vidro)<br />

ou em vasilhas de<br />

madeira se forem<br />

vinhos novos ou<br />

de lote à espera<br />

de seguirem para<br />

as unidades<br />

de engarrafamento<br />

unidade gaiense da Graham’s, do poderoso,<br />

grande e simpático grupo Symington), a<br />

maquineta consegue engarrafar até 11 mil<br />

garrafas por dia com apenas uns quatro ou<br />

cinco operadores no activo, ficando apenas<br />

para a memória e para os daguerreótipos<br />

cheios de pó as imagens dos batalhões de<br />

operárias sentadas em banquinhos baixos e<br />

estreitos que acabavam garrafas à mão e à<br />

vez cada uma. No edifício há cinco dessas<br />

maquinetas mais duas para lotes pequenos,<br />

o que dá em contas por alto a possibilidade<br />

de dali saírem por dia umas setenta mil garrafas<br />

de Vinho do Porto, transportadas por<br />

oito camiões TIR ou mais pelo menos no<br />

Natal (com 30 paletes cada), que constante<br />

eritmadamentelevamasuacargaparauma<br />

central logística às portas da cidade.<br />

Parte desta produção segue para as instalações<br />

da Graham’s logo ali ao lado na<br />

zona histórica das caves de Gaia, onde a<br />

empresa assentou praça há um monte de<br />

décadas (em 1820). Nesse espaço virtuoso<br />

existem todos os vários tipos de vinho: em<br />

garrafa se forem um qualquer que esteja à<br />

venda ou ser for um vintage (que envelhece<br />

em recipiente de vidro) ou em vasilhas<br />

de madeira se forem vinhos novos ou de<br />

Parte desta<br />

produção segue<br />

para as instalações<br />

da Graham’s logo<br />

ali ao lado na zona<br />

histórica das caves<br />

de Gaia, onde<br />

a empresa assentou<br />

praça há um monte<br />

de décadas<br />

(em 1820)<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 13<br />

lote à espera de seguirem para as unidades<br />

de engarrafamento.<br />

No recôndito das caves de Gaia, a Graham’s<br />

esconde – ou não esconde porque se<br />

vêem, mas estão fechados à chave – alguns<br />

dos seus tesouros mais preciosos,<br />

como sejam um par de garrafas com a<br />

insuspeita idade de 141 anos (1868), o que<br />

de algum modo vem provar que a alquimia<br />

dos vinhos – possivelmente, e a terem<br />

existido, um domínio dos deuses anteriores<br />

à formação geológica do planeta<br />

Terra – é uma metamorfose complexa,<br />

versátil e inesperada.<br />

Por sorte, desde há mais de dois mil<br />

anos e no meio do tempo que perde numas<br />

batalhas que importam pouco, o homem<br />

decidiu tomar-se de brios, e tentou explicar<br />

experimentando para o que raio serviriam<br />

aquelas bagas mais um menos em<br />

bola que um dia terá descoberto em estado<br />

selvagem. E ainda por lá andam, esses homens<br />

– neste caso nos baldios do Douro<br />

que por estas alturas se vai enchendo do<br />

frio que queima – a ver se apuram o que a<br />

terra e o seu húmus e a sua vontade transformam<br />

numa presença quase impossível<br />

de esquecer em cada Natal.


14 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

A MINHA ECONOMIA<br />

A importância do riso<br />

e das ‘gaffes’ políticas<br />

na economia francesa.<br />

Um ensaio por<br />

Fernando Pacheco.<br />

Enquanto isso,<br />

Tim Harford ensaia<br />

a aplicação de mais<br />

alguns princípios<br />

da economia<br />

comportamental<br />

para ajudar um leitor<br />

nas suas decisões.<br />

Tim Harford<br />

Querido<br />

Economista<br />

Fui recentemente informado que o meu cargo<br />

será eliminado no final do mês. O meu<br />

empregador oferece-me dois meses de<br />

indemnização. Estou a pensar em mudar de<br />

indústria, da finança para as tecnologias verdes,<br />

e mudar-me dos EUA para a Europa. Tenho<br />

quase trinta anos, sou solteiro e tenho<br />

disponibilidade para viajar e mudar de país –<br />

algo que, quando encontrar um novo emprego,<br />

talvez já não esteja em condições de fazer.<br />

Mas uma mudança deste tipo pode ser difícil e<br />

demorar mais de dois meses. Também posso<br />

continuar na cidade onde vivo e aceitar outro<br />

emprego na mesma indústria com relativa<br />

facilidade. Será que devo pensar bem antes de<br />

aceitar um novo emprego, ficar no desemprego<br />

durante algum tempo, ou devo jogar pelo<br />

seguro e arranjar emprego já?<br />

Jeremy<br />

Caro Jeremy,<br />

“A economia comportamental”, que funciona<br />

na fronteira entre a psicologia e a economia, dá-<br />

-nos uma série de pistas. Mas, infelizmente, a<br />

suas mensagens são contraditórias.<br />

Por um lado, pode estar a sofrer de “desconto<br />

hiperbólico” – uma tendência para atentar<br />

demasiado os custos imediatos e ignorar as<br />

vantagens a longo prazo. Tem três ou quarto<br />

décadas pela frente e, no entanto, só pensa nas<br />

poucas semanas durante as quais estará<br />

desempregado.<br />

O economista Johannes Spinnewijn descobriu<br />

que as pessoas que procuram trabalho tendem a<br />

ser demasiado optimistas quanto às suas<br />

hipóteses de encontrar rapidamente uma nova<br />

ocupação. Provavelmente está a subestimar os<br />

riscos, pensando ao mesmo tempo demasiado<br />

nos mesmos.<br />

Coloquemos de parte as contradições da<br />

economia comportamental e viremo-nos antes<br />

para a história económica. A experiência sugere<br />

que os grandes projectos de transformação – a<br />

GrandeMarchadeMaoeo‘jackpot’ da energia<br />

nuclear no Reino Unido – acabaram em<br />

desastre. É sempre melhor adoptar uma<br />

abordagem gradual. O seu plano consiste em<br />

mudar de indústria ou de continente, ou passar<br />

de uma situação precária para uma situação de<br />

desemprego. Será assim tão difícil tentar uma<br />

carreira de sonho passo a passo?<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />

Fernando Pacheco<br />

Riréomelhor<br />

remédio<br />

A senhora Christine Lagarde acaba de ser<br />

escolhida pelos seus pares como a melhor<br />

ministra do governo francês, ao mesmo tempo<br />

que bateu o recorde velho de dezassete anos de<br />

longevidade à cabeça da economia e finanças,<br />

até aqui nas mãos de Dominique Strauss-Kahn<br />

com dois anos e cinco meses. Relembre-se que<br />

ainda o mês passado um júri do “Financial<br />

Times” a tinha designado melhor ministro das<br />

finanças europeu. Nada mal para quem era<br />

apontado, dois anos atrás, como ‘gaffeur’ e de<br />

quem se dizia ser como o peru: não passaria do<br />

Natal. Aliás, em Fevereiro de 2008 a sua<br />

demissão foi anunciada duas vezes nos jornais.<br />

Christine Lagarde é de facto uma pessoa<br />

especial. Já lá vai o tempo em que era a Madame<br />

Lagaffe por no pico dos preços do petróleo<br />

recomendar que “se ande de bicicleta” e a<br />

quem, em plena crise, os deputados se referiam<br />

como “está tudo bem, senhora Marquesa”<br />

devido ao seu optimismo. A primeira mulher a<br />

habitar Bercy mandou substituir o tapete do<br />

gabinete por um horrível, tipo pele de zebra,<br />

para “ter a certeza que, quando falo, ninguém<br />

está a olhar para o chão” e é hoje citada quando<br />

diz coisas como “o risco, na política, é<br />

tornarmo-nos endógenos.” E a verdade é que a<br />

economia francesa resistiu melhor à crise do que<br />

muitas por estar melhor posicionada: não<br />

atravessava uma fase de forte especulação<br />

imobiliária, não estava tão exposta aos<br />

mercados externos por não depender na mesma<br />

medida das exportações e evidenciou maior<br />

estabilidade de emprego por o sector público ser<br />

mais importante.<br />

Mas não se pense que o governo francês ficou<br />

sem ‘gaffeur’ de serviço. E se a anedota do aluno<br />

que mentia na escola sobre a profissão dos pais<br />

por estes trabalharem em empresas financeiras<br />

ficou famosa graças à senhora Bachelot, a<br />

mesma que no dia 16 de Novembro passou uma<br />

viagem no avião presidencial a contar piadas<br />

de louras, o campeão incontestável – eleito<br />

pelos pares – é o senhor Kouchner. Foi ele que<br />

disse num conselho de ministros a um colega:<br />

“Sei que ofenderei a sua modéstia dizendo que<br />

foi excelente, mas mesmo assim vou fazê-lo”; é<br />

ele que, um mês antes das europeias, confessava<br />

“não sei em quem votar”; é ainda ele que antes<br />

das eleições afegãs opinava que uma segunda<br />

volta seria uma catástrofe para, na<br />

inevitabilidade desta, dizer que “era uma coisa<br />

muito boa para a democracia.”<br />

Será Kouchner o melhor ministro europeu de<br />

2010? Serão as ‘gaffes’ boas para a economia?<br />

Valeria a pena desenvolver um projecto de<br />

investigação para avaliar o impacto destas<br />

nos índices de confiança e de clima económico.<br />

É que, como se vê na terra de Astérix, com<br />

as ‘gaffes’ nem tudo são tristezas, o que<br />

indubitavelmente deve dar alguma animação –<br />

aos franceses e francesas, ‘forcément’<br />

aos mercados.


Bestof<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 15<br />

Miúdos | Há alturas na vida em que gostaríamos<br />

de ser pirralhos. Por muitas razões. Ter uma<br />

bicicleta Early Rider é uma delas. São giras<br />

a valer. E mais importante, são manufacturadas<br />

(com o carinho que os mais pequeninos<br />

merecem) em contraplacado marítimo<br />

de madeira proveniente de florestas nórdicas<br />

sustentáveis, selim em pele sintética ajustável<br />

e rodas em alumínio. Filosofia ‘sit-and-go’,<br />

sentar e equilibrar-se com os pés no chão.<br />

Pedais, não há. À venda na Gadgetoys em Sintra<br />

(Terrugem) e no ‘site’ www.gadgetoys.pt.<br />

A da foto é de uma Evolution Rider (dos três<br />

e meio aos seis anos) e custa 165 euros.


16 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Omelhorcinemade2009<br />

já se pode ver em casa<br />

Primeiro elegemos os melhores filmes do ano. Depois fomos ver se já estavam editados em<br />

DVD. Trazemos-lhe duas notícias, uma boa e outra má. A boa é que já pode levar o melhor<br />

cinema de 2009 consigo para casa. A má é que quase todas as edições são muito pobrezinhas<br />

Chegamos ao fim do ano com a<br />

forte impressão de que houve<br />

poucos, muito poucos filmes<br />

bons nos cinemas entre Janeiro<br />

e Dezembro; e que cada<br />

vez vemos menos bons filmes<br />

todos os anos. Depois, pegamos nas<br />

listas de estreias, começamos a peneirar os<br />

títulos, e vamos descobrindo um, dois,<br />

quatro, meia-dúzia, um cachinho de fitas<br />

que desmente a frase de Jean-Luc Godard,<br />

“Estou à espera da morte do cinema”. Pois<br />

pode ser que um dia morra, mais ainda não<br />

foi este ano.<br />

A outra boa notícia é que cinco dos oito<br />

filmes que elegemos como melhores de<br />

2009 já podem ser levados para casa em<br />

DVD e servir de prenda neste Natal e que os<br />

restantes três deverão estar cá fora ainda<br />

antes do final do ano. A má notícia é que as<br />

edições são quase todas muito modestas em<br />

extras. O mercado do DVD em Portugal parece,<br />

aliás, viver entre o oitoeo80.Osfilmes<br />

ou saem parcimoniosíssimos de extras<br />

(o ‘trailer’, umas fotografias e acabou-se)<br />

ouentão-nomeadamenteosgrandeclássicos<br />

ou os ‘blockbusters’ mais recentes -<br />

aparecem em edições a rebentar de bónus,<br />

material inédito e outras prendas.<br />

Há também os meios termos envergonhados,comoéocasodomelhorfilmedeste<br />

ano, “Gran Torino”, de e com Clint<br />

Eastwood (deverá ter sido o seu último papelnocinema,esaidatelapelaportamaior)<br />

cujo DVD tem como extras um documentáriosobrearelaçãodamasculinidadecomosautomóveisvistososnaculturanorte-americana,eoutrossobrecarrosclássicos.Eque<br />

bem que teria sabido uma entrevistazinha<br />

com Eastwood, por exemplo.<br />

Bem pior está outro filme com um tema<br />

intrinsecamente americano, o do último<br />

hurra!, a última oportunidade para brilhar<br />

de um ‘loser’ que já teve um lugar ao sol e o<br />

perdeu: “O Wrestler”, de Darren Aronofsky,<br />

que é também o regresso por cima<br />

deumMickeyRourkesaídodofundodavaleta<br />

de Hollywood. Nem um extrazinho que<br />

Pegamos nas listas<br />

de estreias do ano e<br />

vamos descobrindo<br />

um cachinho de<br />

fitas que desmente<br />

a frase de Jean-Luc<br />

Godard, “Estou à<br />

espera da morte do<br />

cinema”. Pois pode<br />

ser que um dia<br />

morra, mais ainda<br />

não foi este ano<br />

se aproveite. Continuando no cinema americano,<br />

haja pelo menos um dos melhores<br />

filmes de 2009 com uma edição em DVD<br />

que se apresente e dê gosto ver. A animação<br />

digital “Up-Altamente”, de Pete Docter e<br />

Bob Peterson, saída dessa fábrica de maravilhas<br />

chamada Pixar/Disney, além da ousadia<br />

de ter um velhinho (e dos rabugentos)<br />

porpersonagemprincipal,apresenta,entre<br />

outros, na versão em DVD, duas novas curtas<br />

animadas da casa, “Parcialmente Nublado”<br />

e “A Missão Especial de Dug”, ou<br />

ainda uma cena alternativa sobre o que<br />

pode ter acontecido ao vilão da fita.<br />

Omesmojánãosucedecomumadasmaravilhas<br />

que passaram pelos cinemas este<br />

ano, também animada (mas esta por processos<br />

tradicionais), o feérico “Ponyo à Beira-Mar”,<br />

de Hayao Miyazaki. É que o DVD<br />

deste novo filme do mestre nipónico do desenhos<br />

animado é uma secura de extras. E<br />

como seria bom termos nem que fosse um<br />

documentáriosobreaformacomoMiyazaki<br />

faz os seus filmes, ou sobre os seus Estúdios


Ghibli.Outrosdosfilmesenormementeacima<br />

da média que se estrearam este ano é<br />

fantástico, a discreta e ori<strong>gina</strong>líssima história<br />

de vampiros adolescentes “Deixa-me<br />

Entrar”, do sueco Tomas Alfredson, situada<br />

nos antípodas da série “Crepúsculo”. Só que<br />

em termos de extras, a edição, de fantástico<br />

para mostrar não tem nada.<br />

Oextraordinário“EstadodeGuerra”,de<br />

Kathryn Bigelow, não contente em ser um<br />

dos melhores filmes de 2009, é também o<br />

melhor filme sobre a guerra do Iraque feito<br />

até agora, e um dos mais notáveis filmes de<br />

guerra - corrijo: sobre homens em guerra -<br />

de sempre, centrado nos soldados “invisíveis”<br />

cuja missão é desarmar explosivos e<br />

armadilhas. Ainda não pode levar a fita<br />

para casa porque ainda não saiu em DVD,<br />

mas ela mais do que merecia ser acompanhada<br />

por bons extras, como por exemplo<br />

um farfalhudo ‘making of’ (Bigelow chegou<br />

a ter o projecto de ir filmar mesmo no<br />

Iraque, mas depois teve o bom senso de optar<br />

pela Jordânia).<br />

Os nossos dois últimos grandes filmes<br />

de 2009 provém, respectivamente, de<br />

França e do Japão. São eles “Séraphine”,<br />

de Martin Provost, que conta a histórica<br />

verídica da pintora ‘naif’ Séraphine de<br />

Senlis (1864-1942), contornando todos os<br />

lugares-comuns, situações-feitas e piedades<br />

em geral das biografias de artistas<br />

(ainda por cima, a biografada era uma aldeã<br />

simples e morreu louca); e “Andando”,<br />

de Hirokazu Kore-eda, que filma as<br />

relações, as tensões, os choques e as<br />

cumplicidades entre os membros de uma<br />

família que se junta todos os anos para assinalar<br />

o aniversário da morte de um dos<br />

seus membros, com a delicadeza, a reserva,<br />

os subentendidos e o estetoscópio de<br />

emoções de um Ozu, embora Kore-eda<br />

não precise para nada da referência ao<br />

mestre, porque tem um estilo que é só<br />

seu. Ambos os filmes estão à beira de sair<br />

em DVD, e teremos que esperar uns dias<br />

para ver se, no capítulo dos extras, são<br />

oito ou 80. VICTOR SILVÉRIO<br />

GRAN TORINO<br />

Realizado por: Clint Eastwood<br />

Com: Clint Eastwood, Christopher Carley<br />

e Ahney Her<br />

Nomeado para o Globo de Ouro para<br />

melhor música ori<strong>gina</strong>l<br />

ANDANDO<br />

Realizado por: Hirokazu Koreeda<br />

Com: Hiroshi Abe, Yui Natsukawa<br />

e Kazuya Takahashi<br />

UP – ALTAMENTE<br />

Realizado por: Pete Docter<br />

e Bob Peterson<br />

Com vozes de: Edward Asner,<br />

Christopher Plummer e Jordan Nagai<br />

Nomeado para dois Globos de Ouro<br />

ESTADO DE GUERRA<br />

Realizado por: Kathryn Bigelow<br />

Com: Jeremy Renner, Anthony Mackie<br />

e Brian Geraghty<br />

Nomeado para três Globos de Ouro<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 17<br />

SÉRAPHINE<br />

Realizado por: Martin Provost<br />

Com: Yolande Moreau, Ulrich Tukur e<br />

Anne Bennent<br />

Vencedor de sete prémios nos Césares<br />

O WRESTLER<br />

Realizado por: Darren Aronofsky<br />

Com: Mickey Rourke, Marisa Tomei<br />

e Evan Rachel Wood<br />

Nomeado para dois Óscares<br />

PONYO À BEIRA-MAR<br />

Realizado por: Hayao Miyazaki<br />

Com vozes de: Yuria Nara, Hiroki Doi<br />

e Jôji Tokoro<br />

Nomeado para o Leão de Ouro<br />

em Veneza<br />

DEIXA-ME ENTRAR<br />

Realizado por: Tomas Alfredson<br />

Com: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson<br />

e Per Ragnar


18 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Os ‘standards’ do fado<br />

Em “Fados do Fado”, Katia Guerreiro decidiu dedicar um disco inteiro<br />

a recuperar clássicos. E contou-nos a história de cada escolha<br />

Em “Fados do Fado”, Katia<br />

Guerreiro regressa ao conforto<br />

dos clássicos. Músicas a<br />

que podíamos chamar ‘standards’,<br />

tão boas que se foram<br />

eternizando em várias vozes<br />

ao longo do tempo. A ideia do disco surgiu<br />

num avião – a fadista ainda dá mais concertos<br />

no estrangeiro que em Portugal –<br />

poucos meses depois do álbum de ori<strong>gina</strong>is,<br />

Fado, e antes do início dos seus dez<br />

anos de carreira, em 2010, que irão iniciar-se<br />

com um concerto com a Filarmónica<br />

de Berlim.<br />

O alinhamento de um disco “de impulso”<br />

foi fácil: “Foram óbvios os temas a incluir.<br />

Há algum tempo que as músicas me<br />

cantavam nos ouvidos”, diz a fadista. Ao<br />

facto não será alheio o cada vez maior interesse<br />

do público pelo fado, uma nova rádioqueotoca24horas...ParaKatiaistoé<br />

mais que uma moda: “Ninguém é, nem<br />

pode ser, indiferente à música que mais<br />

mexe com a intimidade, a mais pura verdade<br />

das emoções.”<br />

“Fados do Fado” é um disco integrador:<br />

para quem gosta do estilo mas tem medo de<br />

se aborrecer com letras modernas que não<br />

conhece, e para os que sabem o valor de ter<br />

novas versões de coisas antigas. “A recuperação<br />

é fundamental para que não se esqueçam<br />

os protagonistas e impulsionadores<br />

do fado”, explica Katia. “A partir daí<br />

sim, criar e encontrar novos caminhos”. É<br />

o caso da sua interpretação lenta de “Gaivota”,<br />

de Amália, um dos primeiros que<br />

cantou, ainda na sua terra, São Miguel, nos<br />

Açores. Ou da versão feminina de “Procuro<br />

e Não te Encontro”: quando o canta, é<br />

inevitável vir-nos à imagem Tony de Matos,<br />

o galã que cantava este fado de mãos<br />

nos bolsos. “Agora Choro à Vontade” ganhou<br />

um significado especial. Natércia<br />

da Conceição, a sua protagonista, morreu<br />

quando Katia ia entrar em estúdio. “Recebi<br />

uma carta de uma amiga que cuidou dela<br />

nos últimos cinco anos, dizendo-me<br />

que quando lhe perguntavam quem era a<br />

voz da nova geração que mais gostava, respondia<br />

sempre o meu nome. Coisas estranhas<br />

da vida”. Ou, simplesmente, o fado.<br />

CATARINA CARVALHO<br />

OS FADOS DO FADO<br />

–<br />

KATIA GUERREIRO<br />

–<br />

JBJ E VICEVERSA<br />

A HISTÓRIA DE CADA FADO<br />

1. VIRA DOS MALMEQUERES<br />

Faz parte do cancioneiro Popular da região de Santarém,<br />

foi cantado por Raul Solnado, e gravado por vários<br />

artistas como Tonicha.<br />

2. ARRAIAL<br />

Com letra e música de João Ferreira Rosa, este tema foi<br />

oferecido a João Braga que acabou por não gravar, tendo<br />

sido recuperado por Nuno da Câmara Pereira e mais<br />

tarde cantado pelo próprio João Ferreira-Rosa. Em 2001<br />

pedi ao João que cantasse este tema numa noite de fados<br />

no Casino Estoril.<br />

3. ROSINHA DOS LIMÕES<br />

Com letra e música de Artur Ribeiro, foi gravado por<br />

Max, Francisco José. Artur Ribeiro foi um importante<br />

compositor, sendo também intérprete, autor de muitos<br />

clássicos também presentes neste disco.<br />

4. AGORA CHORO À VONTADE<br />

Letra de Guilherme Pereira da Rosa, director do desaparecido<br />

jornal “O Século”, e música de Eugénio Pepe.<br />

Um dos maiores sucessos de Natércia da Conceição. A<br />

fadista Natércia da Conceição morreu a 19 de Outubro<br />

deste ano, por coincidência, enquanto estava em estúdio<br />

a gravar este disco.<br />

5. LISBOA À NOITE<br />

Autoria de R. Portela, J. Galhardo e A.Vale. Fado cantado<br />

na revista “Não Faças Ondas “, em 19<strong>56</strong>, por Milú.<br />

6. PROCURO E NÃO TE ENCONTRO<br />

Este fado tem letra de António José e música de Nobre<br />

Sousa. Foi celebrizado por Tony de Matos, e também foi<br />

cantado por Fernando Maurício.<br />

7. FADO DA SINA<br />

Celebrizado por Hermínia Silva, pertence, segundo julgo,<br />

à banda sonora do filme “Um Homem do Ribatejo”,<br />

de Henrique Campos (1946).<br />

8. NEM ÀS PAREDES CONFESSO<br />

Um clássico absoluto. Foi celebrizado por Tristão da Silva<br />

e Max.<br />

9. GAIVOTA<br />

Letra de Alexandre O’Neill e música de Alain Oulman<br />

Este fado faz parte do disco “Com que Voz”, gravado no<br />

início da década de 70. É hoje considerado um dos melhores<br />

álbuns de Amália Rodrigues.<br />

10. NAMORICO DA RITA<br />

Letra de Artur Ribeiro e música de António Mestre<br />

Celebrizado por Amália, também foi gravado por Tony<br />

de Matos no Brasil em 1957.<br />

11. HÁ FESTA NA MOURARIA<br />

Com Poema de Gabriel de Oliveira e música de Alfredo<br />

Marceneiro. Nos meados dos anos 20, Gabriel de Oliveira<br />

- “o poeta marujo” – escreve uma letra de fado com<br />

o título “Senhora da Saúde”, que dá em primeira mão a<br />

Alfredo Marceneiro, que o canta com a música “A Marcha<br />

do Marceneiro.” Nos anos 60 a editora “Valentim<br />

de Carvalho” produz o LP “Há Festa na Mouraria”, em<br />

que Marceneiro grava o poema, da autoria de António<br />

Amargo, mas com a música da sua “marcha”, porque a<br />

versão de Gabriel de Oliveira já tinha sido gravada por<br />

Amália Rodrigues e outros, e Marceneiro que tinha sido<br />

o criador, não quer gravar o que os outros já gravaram.<br />

12. AMAR<br />

Poema de Florbela Espanca, fado gravado por Teresa<br />

Silva Carvalho, na década de 70. Foi o primeiro fado que<br />

cantei, ainda nos Açores, junto de amigos do rancho folclórico<br />

de Santa Cecília de que fazia parte.


Anos 20 em Nova Iorque<br />

Dois coreógrafos fazem um elogio à música de<br />

Gershwin em forma de dança. Pelo meio, trazem-nos<br />

um espectáculo inesquecível que fala de fantasmas<br />

vinte em Nova Iorque!” dizia<br />

“Quesortetervinteanosnosanos<br />

Ernest Hemingway. E com razão<br />

– como se prova no espectáculo que<br />

ontem estreou no Grande Auditório da<br />

Culturgest, ‘Good Morning, Mr. Gershwin’,<br />

e que ainda pode ver hoje, às<br />

21h30m e amanhã pelas 17h00m.<br />

Inspirados nos fantasmas da Broadway<br />

onde divagam ‘pin up’s’, cinema e músicas<br />

cantadas pelos melhores intérpretes,<br />

José Montalvo e Dominique Hervieu oferecem-nos<br />

um poema visual cheio de sensualidade,<br />

sonho e fantasia. ‘Good Morning,<br />

Mr. Gershwin’ é uma ode coreográfica<br />

que serve de tributo ao compositor<br />

americano Gershwin, que tão bem escreveu<br />

para a dança.<br />

Depoisde,emMaiode2008,teremmontado,<br />

a convite da Ópera de Lyon, ‘Porgy<br />

and Bess’, de George Gershwin, os dois coreógrafos<br />

voltam a inspirar-se no compositor<br />

americano nesta nova obra. Percebe-se<br />

porquê: os três partilham o facto de partirem<br />

de melodias e danças populares (o folclore<br />

judeu e o jazz, no caso de Gershwin, a<br />

dança hip-hop ou africana, no caso dos co-<br />

reógrafos) e trabalharem-nas de forma erudita.<br />

Numa escondida representação da segregação<br />

racial, somos, inicialmente, seduzidos<br />

por uma Broadway dos anos 20. Num<br />

estilodedançahipnotizadorecomumafesta<br />

submarina projectada numa tela onde<br />

vemos sereias voluptosas, os intérpretes<br />

deslumbram-nos os sentidos e adormecem<br />

adesconfiançadoquepoderávir.Eaverdade<br />

é que os acordes de ‘The Man I Love’<br />

anunciam a tempestade. ‘Summertime’ é o<br />

êxtase dos duetos masculinos. Belos, sérios<br />

e pesados. ‘Porgy’ abre as portas do inferno.<br />

Em George Gershwin e em Montalvo-<br />

-Hervieu tudo assenta na escrita, na sintaxe<br />

e no ritmo que atravessam os temas. Vestidos<br />

com as cores do mundo de hoje, os dois<br />

coreógrafos presenteiam os espectadores<br />

com um espectáculo inesquecível. Um espectáculo<br />

onde a moral da história vem disfarçada<br />

com talento, ima<strong>gina</strong>ção e muita<br />

música. Para a tentar encontrar, já sabe<br />

ondecomeçar:GrandeAuditóriodaCulturgest.<br />

Bilhetes a 20 euros. Menores de 30 pagam<br />

cinco euros.<br />

LUÍSA DE CARVALHO PEREIRA<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 19<br />

A MINHA FICÇÃO<br />

Patrícia Reis<br />

Do imenso frio<br />

de ser só<br />

O vento rasgava a pele e o corpo temia em ajeitar-se<br />

numa dança, puxando para a direita, descompassado.<br />

Por fim: a porta do registo criminal da nova cidade da<br />

Justiça de Lisboa, para os lados do Parque das Nações,<br />

antigo edifício embargado que o Estado fez o favor de<br />

maquilhar com lagos artificiais e demais arvoredo.<br />

A mulher entrou na urgência de se poupar à<br />

temperatura cruel. Assim que a porta de vidro se fechou<br />

apressou-se a retirar a senha para o atendimento. A sala<br />

estava gelada e vazia. Os números no placard digital<br />

pareciam estar igualmente congelados. A mulher<br />

esfregou as mãos e optou por se sentar. À sua frente<br />

estava o maior espectáculo de neve dos últimos anos.<br />

Recordou-se das idas ao circo e à pista de gelo quando<br />

era mais pequena. Claro que em criança o frio não se faz<br />

sentir, mas isso é uma coisa que se esquece depois,<br />

quando o corpo começa a atraiçoar-nos.<br />

Os funcionários do atendimento da secção do registo<br />

criminal, empenhados nos seus computadores, exibiam<br />

o pior dos ares, o mais triste, qual filme de Charlie<br />

Chaplin. Os sobretudos sobre as pernas, os cachecóis<br />

nos pescoços, os dedos vermelhos do frio.<br />

A mulher aguardou a sua vez e, perante o funcionário<br />

enregelado, perguntou:<br />

Não têm ar condicionado? Aquecedores?<br />

Ó minha senhora, aqui não há nada disso.<br />

A pergunta podia ter desatado as línguas, mas fez-se<br />

um silêncio sepulcral. A mulher sentiu que a solidão de<br />

se ser apenas um funcionário público estava ali bem<br />

patente. Um edifício novinho em folha que não foi<br />

pensado para albergar as suas funções. Em pleno século<br />

XXI é, no mínimo, triste. Mais tarde, nesse dia, passou<br />

pelas instalações do mesmo serviço nos Restauradores.<br />

Os empregados estavam já congelados. Não havia<br />

atendimento possível. A mulher abrigou-se de novo,<br />

certidões na mão, e fez-se ao entardecer da cidade.<br />

Pensou que lhe apetecia escrever em letras grandes algo<br />

como “Do imenso frio de se ser só”.<br />

Escritora


20 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Lusa<br />

Ao abrigo da arte<br />

Estaéahistóriadeumconcursoquecombinaarquitectura e natureza,<br />

arte e sustentabilidade. É promovido pelo Museu Guggenheim de Nova<br />

Iorque e foi ganho por um português. Uma inspiração no momento<br />

em que o mundo decide o que está disposto a fazer pelo ambiente<br />

Apesar dos esforços e desenvolvimentos<br />

políticos que<br />

se traduzem na organização<br />

de eventos como o COP15 –<br />

a mega cimeira que terminou<br />

ontem em Copenhaga<br />

– e através das notícias trazidas a público<br />

durante todo o tempo em que esta decorreu,<br />

ficamos a conhecer a difícil tarefa a<br />

que se propõem as grandes instituições<br />

mundiais. A responsabilidade de desenvolvimento<br />

de uma atitude sustentável –<br />

eco-lógica - perante o panorama em que<br />

se situa o nosso planeta, não pode assim ficar<br />

dependente da actuação dos grandes.<br />

É essa a mensagem que se tem tentado<br />

passar e que, efectivamente, tem dado resultados.<br />

A comprová-lo está o exemplo dado por<br />

um grupo de acção ligado ao mundo da<br />

cortiça em Portugal. Utilizando as novas<br />

tecnologias de informação, mais precisamente<br />

o Facebook, a Confraria do Sobreiro<br />

e da Cortiça, através da sua chanceler, Teresa<br />

Ramada-Curto, movimentou uma<br />

alargada acção de divulgação e sensibilização<br />

relativamente a um concurso internacional<br />

baseado na questão da arquitectura<br />

sustentável.<br />

O concurso, de título “Design it: Shelter<br />

Competion”, havia sido lançado pelo Museu<br />

Guggenheim, Nova Iorque. A proposta<br />

era a de, na sequência das exposições Frank<br />

Loyd Whright: From Within Outward e<br />

Learning by Doing, e convidar arquitectos<br />

amadores e profissionais de todo o mundo a<br />

realizarem um projecto em 3D, utilizando<br />

ferramentas do Google (Google SketchUp e<br />

Google Earth). O tema a abordar: a conceptualização<br />

de um abrigo que se poderia localizar<br />

em qualquer local do globo, considerando<br />

fundamentalmente as preocupações<br />

evidenciadas por toda linha de pensamento<br />

e actuação de Frank Loyd Whrigt,<br />

baseada na analogia entre a arquitectura e a<br />

natureza. “Pode o seu abrigo relacionar-se<br />

com o enquadramento natural e construído<br />

que o rodeia?” era o desafio lançado. A par<br />

dessa condição elementar, deveria ter uma<br />

dimensão específica e uma distribuição espacial<br />

determinada. Os materiais, obviamente,<br />

deveriam corresponder aos imperativos<br />

sustentáveis que serviam de pilar a<br />

toda a acção e serem provenientes da zona<br />

de implantação. Não tardou a que David<br />

Mares (n. 1983) tivesse conhecimento do<br />

mesmo e a pôr mãos à obra, tirando partido<br />

das características da cortiça e apelidando o<br />

seu projecto de CBS - Cork Block Shelter.<br />

Este foi escolhido entre os quase 600 enviados<br />

à instituição, provenientes de 68 países.<br />

Contando com o apoio da Confraria do<br />

Sobreiro e da Cortiça e através das redes de<br />

comunicação contemporâneas, recebeu os<br />

64.875 votos que o fizeram vencedor do<br />

People’s Prize. É constituído por uma estrutura<br />

rectangular cujas paredes de cortiça<br />

promovem uma protecção térmica que<br />

O abrigo pensado<br />

pelo português<br />

David Mares foi<br />

o mais votado pelo<br />

público de todo o<br />

mundo entre os 600<br />

projectos que foram<br />

submetidos<br />

a concurso<br />

se traduz numa defesa face ao microclima<br />

da localização em que se situa, Vale de Barris,<br />

que se caracteriza por uma amplitude<br />

profunda entre o calor seco e o frio húmido.<br />

Como afirmou David Mares, “a sua fachada<br />

dinâmica permite uma interacção visual –<br />

numarelaçãoprivilegiadacomanatureza–<br />

no contexto quotidiano de estudo ou trabalho,<br />

ao mesmo tempo que, quando necessário,<br />

facultando uma necessária privacidade,<br />

quando em modo de descanso”.<br />

O arquitecto estará este fim de semana<br />

em Nova Iorque, onde terá a honra de receber<br />

o seu prémio, e dessa forma, divulgar<br />

uma das mais importantes actividades<br />

económicas do nosso pais, a extracção e<br />

indústria da cortiça. Segundo a UNAC –<br />

União de Florestas Mediterrânica – este é<br />

ainda uma campo económico profundamente<br />

afectado pela actual crise e para o<br />

qual se exige uma politica de implementação<br />

de medidas que o revigorem. E atitudes<br />

destas vêm com certeza dinamizar a<br />

sensibilização para a questão económica a<br />

todos os níveis, inclusive o da sustentabilidade,<br />

assim como a divulgação e promoção<br />

dos produtos portugueses no mundo.<br />

Com apenas 33 anos, este arquitecto,<br />

natural de Setúbal, recebe assim, o seu<br />

primeiro prémio internacional. (ver o vídeo<br />

do projecto em www.guggenheim.org/new-york/press-<br />

-room/news/3064).<br />

MARIA DO CARMO ESPÍRITO SANTO


Ulf Andersen/GettyImages<br />

A histeria O’Neill<br />

É o livro de que se fala. Um dos finalistas do Booker<br />

Prize que Obama leu e aconselhou ao mundo.<br />

O mundo foi atrás e fez ‘Netherland’ um ‘best-seller’<br />

Joseph O’Neill, 45 anos, meio irlandês,<br />

meio turco, criado na Holanda<br />

e a viver em Nova Iorque, alcançou<br />

fama mundial com um romance que dá<br />

uma outra visão sobre o terror do 11 de<br />

Setembro, centrando-se no quotidiano<br />

de um homem e no modo como a solidão<br />

molda a vida. Neste livro, vencedor do<br />

prémio PEN/Faulkner e finalista da edição<br />

do Booker Prize, o escritor serve-se<br />

do enredo histórico para construir uma<br />

narrativa onde disseca sentimentos tão<br />

básicos como o amor ou a amizade, mas<br />

de forma sedutora para o mais desprevenido<br />

dos leitores, facilmente atraído pela<br />

malha narrativa apertada, sem espaço<br />

para grandes respirações. De um fôlego.<br />

“Netherland, Terra de Sombras”, o terceiro<br />

livro de ficção de O’Neill, tem como<br />

cenários as cidades de Londres e Nova Iorque<br />

e um narrador holandês, Hans van den<br />

Broek, corrector da bolsa que, em 1998,<br />

deixa a capital londrina para se instalar em<br />

Manhattan. “Na minha última tarde de<br />

trabalho antes de apanhar o avião de Londres<br />

para Nova Iorque – Rachel partira seis<br />

semanas antes –, estava a encaixotar objectos<br />

pessoais no meu cubículo, quando<br />

um vice-presidente sénior do banco, um<br />

inglês na casa dos cinquenta anos, me veio<br />

dar felicidades. Fiquei surpreendido – o<br />

homem trabalhava noutra parte do edifício,<br />

noutro departamento, e conhecíamo-<br />

-nos apenas de vista. Ainda assim, quis saber<br />

ao pormenor onde eu tencionava morar<br />

(“Watts? E em que quarteirão?”) e falou<br />

durante vários minutos sobre o seu ‘loft’ na<br />

Wooster Sreet e sobre as suas idas ao Dean<br />

& DeLuca ‘ori<strong>gina</strong>l’. Nem se esforçou por<br />

disfarçar a inveja.”<br />

A ideia era ficar nos EUA por um ano,<br />

mas a estada de Hans prolonga-se, já sem<br />

Rachel e o filho que voltaram a Londres. É<br />

então que Hans entra num circuito de<br />

emigrantes nova-iorquinos onde vive<br />

Chuck (coincidência de nomes esta, com o<br />

da crónica de João Tordo), parceiro de<br />

croquete. Sozinho, Hans percorre esses<br />

meandroseconheceoterroreatristeza<br />

com uma dimensão que jamais concebera<br />

como possível.<br />

Joseph O’Neill desmonta o sonho americano<br />

num livro que conquistou o presidente<br />

Obama. Isso explica grande parte da<br />

histeria à volta. Mas não toda.<br />

ISABEL LUCAS<br />

NETHERLAND<br />

–<br />

JOSEPH O’NEILL<br />

–<br />

BERTRAND<br />

O MEU DRAMA<br />

João Tordo<br />

Fuck Chuck<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 21<br />

Os tempos mudam, e de que maneira. Para os que,<br />

como eu, consumiram demasiada televisão e mau<br />

cinema nos anos oitenta existiram fenómenos que,<br />

com o passar dos anos, se transformaram em mitos.<br />

Um destes fenómenos foi o do pessoal da porrada.<br />

Na minha escola não havia miúdo que não tivesse um<br />

cromo / caderneta / dossier / t-shirt (pais ricos) com<br />

estas figuras épicas. Eram de diferentes nacionalidades<br />

e bairros sociais, mas todos massacravam em defesa<br />

de um ideal comum chamado América que, em plena<br />

Guerra Fria, andava a ressacar de coisas a rebentar e<br />

corpos mutilados; a porrada passou a figurar no grande<br />

ecrã em vez de nas selvas do Vietname. Vocês sabem<br />

de quem falo: do inefável Stallone, do incompreensível<br />

Schwarzenegger, do amaricado Van Damme e, ‘last but<br />

not least’, do malévolo Steve Seagal, que se limitava<br />

a estropiar todos os oponentes que se lhe atravessavam<br />

no caminho (e que, mais tarde, estropiou outras coisas,<br />

incluindo raparigas menores de idade; mas, caramba,<br />

era preciso sermos muito estúpidos para não perceber<br />

que o ‘look’ “porteiro de discoteca” escondia grandes<br />

ambições). A esta galeria de notáveis acrescento Chuck<br />

Norris. Vejo-o injustiçado e esquecido, sempre<br />

relembrado pelo seu trabalho mais medíocre<br />

(“O Ranger do Texas”) e nunca pelo mais hediondo<br />

(“Desaparecido em Combate”), como mandam as<br />

regras. Na altura circulavam certos rumores sobre<br />

Norris que ficaram por comprovar. Por exemplo:<br />

se tiveres cinco dólares e o Chuck tiver cinco dólares,<br />

ele tem mais dinheiro que tu; o Chuck consegue<br />

espirrar com os olhos abertos; o Chuck já contou até ao<br />

infinito – duas vezes; o Chuck nunca dorme, limita-se<br />

a esperar que a noite passe. Factos, provavelmente<br />

verdadeiros, ainda por demonstrar. O que não está<br />

por demonstrar é a sua inteligência superior. Fervoroso<br />

apoiante republicano, tem tecido críticas demolidoras<br />

à administração de Obama, e esta semana insurgiu-se<br />

contra a reforma do sistema de saúde proposta pelo<br />

presidente americano, dizendo que, segundo aquele,<br />

Jesus nunca teria existido, porque Maria teria abortado.<br />

“O que seria do mundo?”, pergunta o herói numa<br />

coluna de opinião (!). Eu acho a preocupação legítima,<br />

porque, tal como Jesus, também se diz de Chuck que<br />

a sua mãe era virgem; imaginem o que seria se, em<br />

tempos imemoriais, quando Norris nasceu, Obama<br />

fosse o presidente eleito e a mãe de Chuck tivesse<br />

abortado; o que seria do mundo sem Walker, o Ranger<br />

do Texas? Outro rumor provavelmente verdadeiro:<br />

a Terra resvalaria para um buraco negro; Lúcifer<br />

(certamente um negro) ascenderia ao trono,<br />

conduzindo a espécie humana ao final dos tempos;<br />

“Fuck Chuck”, diria o capeta. E depois Norris<br />

gerava-se a si próprio, dava-lhe uma sova,<br />

e salvava o mundo. Já se viram coisas mais estranhas.<br />

Escritor


22 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Roubar a arte ao lixo<br />

São candeeiros, móveis, objectos que vão além<br />

da decoração. Têm a assinatura de Gezo Marques,<br />

um criativo com atelier no Bairro Alto,<br />

e agora estão à venda na Mood, em Santos.<br />

Decoração? Transformação<br />

Transforma o velho em novo.<br />

Dá-lhe novas funcionalidades<br />

e afirma que quando vende<br />

uma das peças que muitas<br />

vezes ressuscita do lixo sente<br />

dor de pai. As peças têm<br />

nome próprio. Têm uma ficha de identidade.<br />

Têm história. Quando elas vão para<br />

algum lugar é como “se um filho tivesse<br />

ido embora”. Decoração? Talvez seja pouco<br />

para definir o trabalho que Gezo Marques,<br />

director de arte, veio desenvolver<br />

em Portugal depois de ser seleccionado<br />

num concurso, em São Paulo. Veio por um<br />

ano. Pelo menos, esse era o combinado<br />

com a família. “Foi fazer as malas, deixar<br />

tudo e vir para cá”, conta sorrindo. Já lá<br />

vão doze anos e a vontade de partir ainda<br />

não chegou. “Foi paixão à primeira vista.”<br />

E quem é Gezo Marques? Não quer definições<br />

sobre o que faz. Um criativo. Este<br />

brasileiro não se considera um artista. Enquanto<br />

director de arte, trabalha com todos<br />

os meios de comunicação tradicionais.<br />

Mas depois sente a necessidade de expressar<br />

essa criatividade com outros materiais.<br />

“Expresso-me através das telas, camisas,<br />

candeeiros, móveis e objectos.<br />

Adoro produzir coisas. Adoro inventar”.<br />

Foi algo que veio da infância. “Os meus<br />

pais, mais do que inspiração, desafiavam-<br />

-nos. Foi uma infância feliz“. Gezo relembra<br />

as idas ao “ferro-velho” com o pai e as<br />

irmãs, onde procuravam coisas para transformarantes“daondaedamodadareciclagem.<br />

O que podemos tirar e fazer de coisas<br />

que já não têm serventia?” Esta era a<br />

forma como o pai os estimulava. “É uma<br />

forma muito desafiadora de colocar a criatividade<br />

para fora, de olhar as peças e as<br />

coisas com outros olhos. Elas podem transformar-se<br />

em outra coisa”, lembra o artista,<br />

agora com atelier no Bairro Alto, inaugurado<br />

no passado domingo. “Nasceu de<br />

uma necessidade”, diz. É que a expressão<br />

artística de Gezo ocupa espaço e esse ia faltando<br />

em casa. Para lixar, martelar, atear<br />

fogo e arrastar móveis à noite. Gezo explica<br />

ainda que o trabalho em comunicação “é<br />

muito terciarizado. O resultado final envolve<br />

muita gente, muitas mãos, muitas<br />

opiniões”. A oficina funciona como espaço<br />

em que “fecho a porta e desenvolvo exactamenteoquequero,daformaquequero.Ese<br />

tiver que desfazer e fazer de novo, isso é<br />

uma necessidade mais do que um desejo”.<br />

Sobre o facto de ser no Bairro Alto, Gezo<br />

brinca, “se fossemos ver, o bairro não é<br />

nada indicado porque nunca consigo estacionar<br />

na rua. Não consigo descer as latas<br />

de tinta; não consigo parar na porta para<br />

transportar coisas grandes mas é encantador.<br />

E a oficina… Foi o espaço que me encontrou<br />

e não o contrário”. Também sobre<br />

a oficina costuma dizer que é “tipo 112. Costumo<br />

pegar em peças em muito mau esta-<br />

Paulo Alexandre Coelho<br />

A oficina de Gezo Marques<br />

localiza-se no Bairro Alto, na rua<br />

João Pereira da Rosa, nº8<br />

do, e às vezes encontro peças na rua, costumo<br />

dizer que ela passa pelo desfibrilhador.<br />

Dávidadenovo.Éressuscitarcoisasquetão<br />

mortas ou moribundas”. Acha graça e dá-<br />

-lhe muito prazer ver uma peça que estava<br />

completamente abandonada ou no lixo<br />

transformar-se num objecto de desejo,<br />

“que fica na casa das pessoas e que enche o<br />

coração das pessoas quando vêem a peça.<br />

Deixa-me muito satisfeito e faz-me procurar<br />

mais coisas. Serve-me como estímulo”.<br />

Não tem o preconceito de achar redutor o<br />

atributo de decorativo a uma obra de arte.<br />

Quando a peça nasce, nasce com tanta força<br />

que é mais forte do que um rótulo. Nunca<br />

se preocupou com isso. É visceral o produzir,<br />

o pintar, o expressar, o transformar<br />

coisas. O que as pessoas vão considerar decorativo<br />

ou arte, para ele é indiferente<br />

Ontem, a loja Mood inaugurou com uma<br />

exposição sua. O convite surgiu de alguém<br />

que se apaixonou pelo seu trabalho. “Cuidei<br />

mais do que colocar peças. Palpitei muito<br />

no conceito, na decoração. Escolhi e fiz peças<br />

específicas para serem exibidas e vendidas<br />

lá. Foi o primeiro desafio de loja e foi<br />

muito interessante”.<br />

Acredita que o seu trabalho é um conceito<br />

que vem de dentro. Um trabalho<br />

que dá nova vida. Se o publicitário vai descansar<br />

e ficar o artista? “Deus te ouça”,<br />

diz entre gargalhadas.<br />

LUÍSA DE CARVALHO PEREIRA


White<br />

Christmas<br />

Évintage mas acabado de criar,<br />

em pleno século XXI. O novo<br />

perfume da criadora portuguesa<br />

Ana Salazar foi lançado na passada<br />

terça-feira. Pelas mãos de Alberto Morillas<br />

– perfumista de renome que assinou<br />

fragrâncias de sucesso como CK One,<br />

Kenzo Flower, YSL M7, Carolina Herrera<br />

212, entre muitas outras – que uma vez<br />

mais aplica a sua experiência ao serviço<br />

de um perfume por medida. Desta feita,<br />

à medida da irreverente casa Salazar,<br />

com a qual colabora pela segunda vez.<br />

Um aroma que, com certeza, não deixará<br />

ninguém indiferente, à semelhança<br />

do primeiro perfume que Morillas assinou<br />

para a estilista portuguesa. Adoça os<br />

sentidos com notas de limão e bergamota.<br />

Depois invadem-nos o olfacto a flor de<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 23<br />

Se Maomé não vai à montanha, vem a montanha a Maomé. Que é como quem diz,<br />

se não tem tempo de dar um saltinho a Paris, as velas aromáticas do famoso Hôtel<br />

Costes (na não menos conhecida rue de St. Honoré, onde co-habitam as marcas<br />

mais luxuosas) vêm até si. Feitas de ingredientes naturais. E como o Natal (dos<br />

filmes) se quer vestido de branco, a sugestão é uma imaculada vela de gengibre,<br />

banana, cedro e lírio. Em fundo, o som de “White Christmas”, na voz de Bing<br />

Crosby, o single mais vendido de todos os tempos. Disponíveis apenas em Concept<br />

Stores - na Colette, em Paris, no Barneys, em Nova Iorque, entre outras - estas<br />

velas estão agora mais perto, na Casa do Passadiço, em Braga. Por <strong>56</strong> euros.<br />

Vintage<br />

na hora<br />

ANA SALAZAR EAU DE PARFUM<br />

–<br />

50 ML - 54,00 EUROS<br />

–<br />

100 ML - 82,00 EUROS<br />

laranjeira natural e o jasmim de Grasse<br />

(cidade e comuna francesa, situada nos<br />

Alpes Marítimos, na Costa Azul, famosa<br />

pela perfumaria graças ao facto de um<br />

quarto do território ser uma reserva<br />

natural, onde abundam oliveiras e flores).<br />

Nas notas de base – responsáveis pela<br />

duração da fragrância – , sente-se<br />

o almíscar especial (patenteado pela<br />

Firmenich, um produtor internacional<br />

de perfumaria) acompanhado de cedro<br />

e patchouly. O frasco leva-nos de volta no<br />

tempo, até aos anos 20 do século passado,<br />

sorvendo inspirações Art Déco. Os tons?<br />

O preto. Sempre. Imagem de marca da<br />

própria criadora. Disponível em tamanho<br />

de 50 ml e numa versão de 100 ml,<br />

apresentada numa luxuosa embalagem<br />

preta. Uma ajuda nos presentes de Natal.


24 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Majestoso<br />

A terceira geração do Audi A8 prima pela alta qualidade dos materiais,<br />

pelo luxo e pelo conforto a bordo, bem como por elevados níveis de segurança<br />

que oferece. Vai estar à venda a partir do início do próximo ano<br />

Onovo Audi A8 cresceu em<br />

tamanho, ainda que tenha<br />

diminuído de peso e aumentado<br />

a rigidez da sua<br />

carroçaria, e isso contribuiu<br />

para o ar majestoso que agora<br />

o caracteriza, quer pela aparência mais<br />

moderna e dinâmica que assumiu quer<br />

pelos elevados níveis de conforto e de segurança<br />

que oferece. A tudo isto juntam-<br />

-se um desenho sedutor, motores potentes<br />

de grande rendimento e eficiência,<br />

uma infinidade de dispositivos de ajudas<br />

ao condutor e um sistema MMI (Multi Media<br />

Interface) ainda mais avançado.<br />

Em relação à geração anterior, as diferenças<br />

são assinaláveis em todos os domínios,<br />

a começar no facto do ar sóbrio e<br />

austero que apresentava ter dado lugar a<br />

uma silhueta mais desportiva. Aliás, reconhecida<br />

pela própria marca quando faz<br />

questão de sublinhar que esta “é a berlina<br />

mais desportiva do seu segmento”.<br />

E é isso que salta à vista logo que se olha<br />

para este novo Audi A8, que tem uma<br />

frente que chama a atenção não apenas<br />

pela grelha redesenhada como pelos faróis<br />

que passam a ser a imagem de marca<br />

deste modelo, ao utilizarem a tecnologia<br />

LED em todas as suas funcionalidades,<br />

das luzes diurnas aos médios e máximos.<br />

Ainda que não o possa parecer, esta geração<br />

cresceu em todos os sentidos, com o<br />

comprimento a situar-se agora nos 5,13<br />

metros (mais 8 cm do que o seu antecessor),<br />

contra 1,94 m de largura (mais 10<br />

cm) e 1,46 cm de altura (apenas mais 2<br />

cm). A distância entre eixos aumentou 5<br />

cm, para 2,99 m, o que permitiu tornar o<br />

habitáculo ligeiramente mais amplo,<br />

além da capacidade da bagageira subir<br />

para os 510 litros.<br />

No interior é onde estão algumas das<br />

melhorias introduzidas neste Audi A8,<br />

com destaque para o ecrã táctil, onde se<br />

pode marcar o número de telefone desejado<br />

ou simplesmente digitar as letras da<br />

direcção do destino que se pretender seguir<br />

através do sistema de navegação.<br />

Por outro lado, os bancos são autênticas<br />

poltronas com funções de aquecimento,<br />

ventilação e massagens, mesmo os de<br />

trás, que dispõem igualmente de regulação<br />

eléctrica.<br />

A Audi quis ainda recriar diferentes<br />

ambientes a bordo através da utilização<br />

de LEDs de cores variadas, podendo mudar-se<br />

a tonalidade do interior através de<br />

um comando.<br />

Quanto a motores, de início estão previstos<br />

apenas dois, ambos V8: um a gasolina,<br />

o 4.2 FSi (372cv), e o outro o turbodiesel<br />

4.2 TDi (350cv). Num e noutro<br />

caso, vêm associados à caixa automática<br />

Tiptronic de oito velocidades. Para mais<br />

tarde está prevista a introdução de um<br />

outro motor Diesel, o 3.0 TDi, que vê a<br />

sua potência aumentada de 233 para<br />

250cv e irá dispor ainda do sistema<br />

“Stop/Start”, por forma a reduzir as<br />

emissões e baixar os consumos.<br />

No capítulo da segurança, a este novo<br />

Audi A8 não lhe falta nada, estando no<br />

topo das preferências o sistema que detecta<br />

e tenta evitar colisões, analisando<br />

através do radar não apenas o tráfego<br />

como os veículos que seguem atrás.<br />

CORREIA DE OLIVEIRA<br />

Um dos elementos<br />

a destacar na nova<br />

geração Audi A8<br />

é, sem dúvida,<br />

o seu equipamento<br />

áudio, que tem<br />

a assinatura<br />

da Bang&Olufsen,<br />

dispondo no<br />

habitáculo de nada<br />

menos que 19<br />

altifalantes


Em boa Companhia<br />

(das Quintas)<br />

O reforço da presença de Miguel Paes do Amaral<br />

no sector dos vinhos já está a fazer-se sentir.<br />

O seu universo empresarial parece o paraíso: vinhos<br />

e livros (e outras coisas despiciendas)<br />

ACompanhia das Quintas está em processo de consolidação<br />

da sua estrutura accionista (liderada por<br />

António Parente e Miguel Paes do Amaral) e a reciclar<br />

a sua estratégia, apontando-a para o aumento<br />

das exportações (em mercado como o Brasil, Angola<br />

e Estados Unidos) e para novos investimentos<br />

(entre três a cinco milhões de euros) ao nível das quintas do Douro<br />

que fazem parte dos seus activos; com tudo isto, o grupo quer<br />

crescer em termos de facturação, pretendendo ultrapassar os 11<br />

milhões de euros a médio prazo (este ano deverá ficar pelos dez<br />

milhões, tal como em 2008), segundo informação veiculada por<br />

um dos seus administradores, Bernardo Gouveia.<br />

Mas isso agora não importa nada: muito mais importante é<br />

passarmos a conhecer as novidades vínicas que acompanham estas<br />

alterações entediantes do lado menos vistoso do grupo –<br />

aquele que tem a ver com os balanços, previsões, provisões e outros<br />

aborrecimentos que estragam o dia-a-dia dos contabilistas.<br />

A Companhia das Quintas acaba de comprar – pela mão sempre<br />

atenta de Miguel Paes do Amaral, há já muito ligado aos vinhos – a<br />

Quinta da Fronteira, situada no Douro Superior, junto a Barca<br />

d’Alva. A propriedade tem 94 hectares de área, dos quais 52 estão<br />

cobertos com vinha e, mais importante que isso, passarão a vinificar<br />

sob o olhar atento do enólogo Jorge Serôdio Borges – para quem<br />

os vinhos que o Douro Superior são capazes de produzir representam<br />

um enorme desafio.<br />

Para a nova aquisição ser devidamente comemorada, a Companhia<br />

das Quintas acaba de lançar no mercado um Fronteira Reserva<br />

2007 – ano que aparentemente nunca vai deixar de surpreender<br />

os aficcionados dos vinhos. Produzido a 60% com Touriga<br />

Nacional, 20% com Touriga Franca e 20% com Tinta Roriz, o<br />

Fronteira Reserva estagiou 18 meses em barricas de carvalho<br />

francês, antes de, por 18 euros a unidade, ter sido lançado no<br />

mercado. Se ser de 2007 e do Douro já era um sinal garantido de<br />

qualidade, ser um reserva quer dizer que não vale a pena estar a<br />

perder-se tempo com palavreado. O vinho vai em grande sintonia<br />

com qualquer prato de assado e de caça, como também irá<br />

sem qualquer desprimor para os fundos de uma cave até ser redescoberto<br />

daqui por uma mão cheia de anos.<br />

Outra novidade é um espumante oriundo da Quinta do Cardo<br />

(Beiras) que tem uma característica adicional àquelas que costumam<br />

acompanhar os vinhos deste género produzidos pelo<br />

grupo: cada uma das sete mil garrafas lançadas no mercado é<br />

diferente de todas as outras. É que cada garrafa passou pelas<br />

mãos de artistas que fazem parte da Associação Nacional de Famílias<br />

para a Integração de Pessoas Deficientes. O espumante –<br />

que se apresenta um nível considerável, custando 20 euros por<br />

exemplar – tem por isso esse pequeno senão: seria uma pena<br />

que, no final da sua degustação, a garrafa fosse parar a um vidrão.<br />

ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA<br />

O novo espumante<br />

da Quinta do Cardo<br />

merece uma<br />

atenção especial.<br />

Por duas razões:<br />

pelo que está<br />

dentro da garrafa<br />

e pela própria<br />

garrafa, que é uma<br />

espécie de pequena<br />

obradearte<br />

que vale a pena<br />

não deitar<br />

ao vidrão<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 25


26 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

BEST OF<br />

Bolo rei em Agosto<br />

O rei de Espanha é fã e há menos de um mês passou por Portugal<br />

e levou para Madrid o famoso bolo rei da Garrett Estoril, a pastelaria<br />

onde há 75 anos o doce natalício é feito todos os dias, todo o ano<br />

TEXTO BÁRBARA SILVA / FOTOS PAULA NUNES<br />

Osegredo está na massa. Literalmente.<br />

Pouco passa<br />

das nove da manhã e na<br />

pastelaria Garrett do Estoril<br />

o pequeno-almoço<br />

toma-se com vista para o<br />

mar. As primeiras fornadas de bolo rei<br />

vendem-se ainda a fumegar. Cheira a<br />

Natal e o melhor é que é assim todos os<br />

dias, todo o ano. Na Garrett há sempre<br />

bolo rei, mesmo no pico do calor, em<br />

Agosto. Até para quem não é especialista,<br />

à primeira dentada percebe-se a diferença:amassaétãofofaquesedesfazna<br />

boca. A gula custa 17,50 euros por quilo.<br />

O segredo, esse, vamos descobri-lo alguns<br />

metros mais abaixo, na fábrica da<br />

pastelaria, onde o ‘chef’ José Fernando<br />

trabalha há quase 40 anos. Começou<br />

como aprendiz no dia 13 de Maio de 72, tinha<br />

14 anos. Hoje é o único que ainda se<br />

lembra do forno a lenha que ocupava<br />

quase metade da fábrica, onde se coziam<br />

os bolos rei feitos segundo a receita especial<br />

que o fundador da Garrett do Estoril<br />

(inaugurada a 7 de Julho de 1934, já lá vão<br />

75 anos) foi buscar a França para tentar<br />

fazer o melhor bolo rei de Portugal.<br />

Enquanto descasca tangerinas para o<br />

recheio das broas castelar, o ‘chef’ José<br />

revela o segredo do bolo capaz de converter<br />

até os mais cépticos: farinha, açúcar<br />

e ovos (verdadeiros, sublinha), água<br />

sem calcário (graças a um revitalizador<br />

caríssimo importado do estrangeiro),<br />

frutas caseiras (figo, laranja, abóbora,<br />

pêra, cereja, cristalizadas ali mesmo, do<br />

zero), frutos secos nacionais (nozes, pinhões,<br />

amêndoas) e, à saída do forno,<br />

umapinceladadegeleiadelaranjapara<br />

dar o brilho final. Outro truque: a massa<br />

nãolevafermentoelevedasozinha,pelo<br />

calor, numa estufa de fermentação (uma<br />

espécie de frigorífico ao contrário).<br />

Começam a trabalhar às seis da manhã<br />

e duas horas depois, quando as portas<br />

abrem ao público já há bolo rei quentinho,<br />

vendido 365 dias por ano. “Há pessoas<br />

que têm sempre bolo rei em casa”,<br />

conta o senhor Casaleiro, dono da Garrett<br />

do Estoril desde 1998. Os fornos nunca<br />

param e a montra nunca está vazia. Não<br />

se vendem bolos da véspera (mesmo que<br />

no dia a seguir a massa ainda esteja fofa).<br />

Os bolos rei são feitos ao longo de todo o<br />

dia. Impera a lei da oferta e da procura:<br />

chegam a vender centenas de bolos e,<br />

com o aproximar do Natal, formam-se<br />

enormes filas à porta da pastelaria. Para<br />

quem quer inovar há também bolo rei de<br />

maçã reineta e o, não menos real, bolo<br />

rainha, para quem não gosta das frutas<br />

cristalizadas ou prefere uma versão menos<br />

calórica e açucarada.<br />

Parar no Estoril, entrar na Garrett e<br />

comer uma fatia de bolo rei é uma experiência<br />

no seu todo, a começar pelo porteiro<br />

que está à porta, a cumprimentar os<br />

clientes e a ajudar a transportar as caixas<br />

com guloseimas para o carro. Os fãs da<br />

mítica pastelaria são muitos e famosos.<br />

Juan Carlos, rei de Espanha, esteve recentemente<br />

no Estoril para participar a<br />

Cimeira Ibero-Americana e não dispensou<br />

uma “visita” à Garrett. Não pessoalmente,<br />

claro, por causa dos paparazzis,<br />

mas enviou lá um membro do seu ‘staff’<br />

buscar pastéis de nata e meia dúzia de bo-<br />

“Há pessoas que<br />

têm sempre bolo<br />

rei em casa”, conta<br />

o senhor Casaleiro,<br />

dono da Garrett do<br />

Estoril desde 1998.<br />

Os fornos nunca<br />

param e a montra<br />

nunca está vazia.<br />

Os bolos rei são<br />

feitos ao longo<br />

detodoodia<br />

los rei, para levar para Madrid, para os<br />

netos. Marcelo Rebelo de Sousa também é<br />

um cliente habitual, e o autor de uma resenha<br />

dos 75 anos de história da pastelaria.Eseo‘chef’JoséFernandoéamemória<br />

mais antiga da Garrett do Estoril, António<br />

Casaleiro Ramos, de 62 anos, é a<br />

alma do negócio. Nasceu em Mafra e começou<br />

a trabalhar na área de hotelaria<br />

aos 11 anos, na discoteca Ouriço, na Ericeira,<br />

onde era grumo (acendia os cigarros,<br />

pendurava os casacos, mudava cinzeiros).<br />

Depois trabalhou no Hotel Turismo<br />

da Ericeira e foi sócio dos restaurantes<br />

Visconde da Luz e Luzmar, em Cascais.<br />

Comprou a Garrett do Estoril em Dezembro<br />

de 1998, aos herdeiros do fundador,<br />

quando a pastelaria estava quase a fechar.<br />

Encontrou um espaço envelhecido e decadente,<br />

mas com clientes muito fiéis.<br />

HojeaGarrettdoEstoriléavidadosenhor<br />

Casaleiro e o enérgico proprietário é<br />

a vida da pastelaria que na última década<br />

já passou por várias obras e transformações.<br />

A mais recente foi há três anos: a<br />

nova decoração ficou a cargo do arquitecto<br />

Francis Leon e a Garrett ganhou<br />

uma nova esplanada (e mais 80 lugares,<br />

aumentando para um total de 155), em<br />

formato de varanda, de onde se vê o mar.<br />

António Casaleiro investiu tudo na<br />

Garrett do Estoril. Os bastidores da pastelaria<br />

são um mundo à parte, onde existe<br />

um enorme depósito de água com capacidade<br />

para mais de cinco mil litros e um<br />

gerador. É que pode não haver água nem<br />

luz, mas o bolo rei da Garrett do Estoril<br />

nunca pode faltar à mesa do Natal.<br />

Nos reinos do bolo<br />

. Lisboa .<br />

. .<br />

.<br />

CONFEITARIA NACIONAL<br />

Fundada em 1829, pertence à mesma família<br />

há cinco gerações e foi fornecedora da Casa<br />

Real. Uma das especialidades é o bolo rei,<br />

o mais antigo de Portugal, cuja receita foi<br />

trazida de França pelo filho do fundador<br />

em meados do século XIX.<br />

.<br />

PRAÇA DA FIGUEIRA 18 - LISBOA<br />

TEL. 213424470<br />

PASTELARIA CALIFA<br />

Em Benfica, o lema da casa Califa (fundada<br />

em 1968) é “Uma Doce Tradição” e uma<br />

das especialidades é o bolo rei. É uma<br />

das pastelarias mais emblemáticas de Lisboa,<br />

com tradição nos bolos e salgados de fabrico<br />

próprio.<br />

.<br />

ESTRADA DE BENFICA 463, LISBOA<br />

TEL. 217785030<br />

CONFEITARIA MARQUÊS DO POMBAL<br />

É famosa pelo bolo rainha e pelo bolo rei<br />

dourado, coberto com fios de ovos, que também<br />

tem amêndoa, uma mistura de sultanas com<br />

amêndoa palitada e pinhão, cereja e noz.<br />

Na versão normal são usadas claras de ovos,<br />

caju e fruta cristalizada.<br />

.<br />

AVENIDA DA LIBERDADE 244- B, LISBOA<br />

TEL. 213<strong>56</strong>2362


O segredo da<br />

massa: farinha,<br />

açúcar, ovos, frutas<br />

caseiras (figo,<br />

laranja, abóbora,<br />

pêra, cereja,<br />

cristalizadas ali<br />

mesmo, do zero),<br />

frutos secos<br />

nacionais (nozes,<br />

pinhões, amêndoas)<br />

e, à saída do forno,<br />

uma pincelada de<br />

geleia de laranja<br />

para dar o brilho<br />

final. Outro truque:<br />

a massa não leva<br />

fermento<br />

. Porto .<br />

. . .<br />

CONFEITARIA TAVI<br />

Fundada em 1935, a Tavi é conhecida<br />

como a Confeitaria da Foz, com uma esplanada<br />

sobre o mar. A carta de bolos tem mais<br />

de 50 variedades. São famosos o bolo rei,<br />

o pão-de-ló e o bolo de S. João.<br />

.<br />

RUA SENHORA DA LUZ, 363, PORTO<br />

TEL. 226 180 152 / 226 100 691<br />

CONFEITARIA PETÚLIA<br />

Perto da Rotunda da Boavista, a Confeitaria<br />

Petúlia é famosa pelo bolo rei e também pela<br />

variedade de bolos e pastéis de fabrico próprio.<br />

É um salão de chá que também vende queijos,<br />

charcutaria e vinhos.<br />

.<br />

RUA JÚLIO DINIS 775, PORTO<br />

TEL. 226066181<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 27<br />

PADARIA RIBEIRO<br />

A origem da Padaria Ribeiro remonta ao século<br />

XIX, localizada na antiga Praça do Pão.<br />

Começou a fabricar bolo rei na década<br />

de 40 do século XX e hoje tem três variedades:<br />

tradicional, de frutos secos e de chila.<br />

.<br />

PRAÇA GUILHERME GOMES FERNANDES,<br />

21-27 PORTO<br />

TEL. 222 005 067


28 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

dupla imbatível<br />

Domenico & Stefano<br />

Os designers de moda Dolce & Gabbana são as estrelas do próximo filme<br />

de Rob Marshall. Uma aparição fugaz mas que enche de orgulho a dupla italiana.<br />

É que o filme é inspirado em Frederico Fellini, ele próprio uma fonte<br />

de inspiração para Domenico Dolce e Stefano Gabbana<br />

Padres. Exactamente, padres. Não se trata de uma conversão. Mas talvez se possa apelidar<br />

de um chamamento. O da sétima arte. Dolce & Gabbana, famosos designers de moda italianos<br />

, são actores no próximo filme de Rob Marshall (director de cinema e coreógrafo<br />

americano, responsável pela direcção e coreografia de filmes como “Chicago”, premiado<br />

com seis Óscares, incluindo melhor filme). Inspirado na película do realizador italiano<br />

Frederico Fellini – “8 ½” - , “Nine” conta com a participação de nomes como Sophia Loren,<br />

Daniel Day-Lewis, Nicole Kidman, Penelope Cruz, Judi Dench, Marion Cotillard, Kate Hudson e<br />

Fergie. A dupla de designers veste a pele de dois padres católicos, pequenos papeis que, no entanto,<br />

consideraram irrecusável pela homenagem ao mestre do cinema italiano, que admiram e consideram<br />

uma fonte de inspiração. “Entrar neste filme, é sobretudo uma honra”, explicou Dolce. Domenico Dolce<br />

nasceu na Sicilía e Steffano Gabbana em Milão. Juntaram-se em 1985 adoptando o nome de Dolce &<br />

Gabbana e são apontados como os lideres de uma nova moda italiana. Inicialmente desenhavam apenas<br />

para o público masculino – as colecções eram marcadas por perfis másculos, de ombros estreitos e golas<br />

altas, calças justas e indispensáveis blusões de couro. Nos anos 90 deram nas vistas ao lançar uma camisa<br />

para homem de tecido transparente colada ao corpo, com costuras bem delineadas. Foi um sucesso.<br />

Estenderam as suas criações ao sexo feminino mantendo o mesmo estilo irreverente. Madonna foi e é<br />

uma das grandes admiradoras da ‘griffe’. Actualmente, Dolce e Gabbana, a par da alta-costura, têm<br />

também uma linha mais informal e de custo mais acessível designada por D&G. Gisele Bündchen, Monica<br />

Bellucci, Isabella Rossellini e Kylie Minogue são algumas das estrelas que se apresentam com roupas<br />

dos dos italianos. Aquela que é uma das mais importantes marcas de alta-costura do mundo possui<br />

mais de cem lojas próprias espalhadas por dezenas de países. “Nine”, cuja data de estreia nas salas portuguesas<br />

está prevista para Janeiro próximo, apresenta “um trabalho fantástico e o elenco é fabuloso. Não poderíamos<br />

por isso estar mais contentes por termos sido escolhidos, mesmo que tenha sido para aparecer de<br />

uma forma fugaz”, rejubila Gabbana. CRISTINA S. BORGES<br />

Dolce & Gabbana via Bloomberg


FUTEBOL<br />

No meio-campo estará<br />

a chave do clássico<br />

Por causa das baixas de Jesus e das dúvidas de Jesualdo o Benfica-Porto<br />

de domingo começará a decidir-se nas escolhas dos treinadores<br />

para o meio-campo<br />

TEXTOS JOÃO NUNO COELHO / FOOTBALL IDEAS<br />

Miguel Vidal/Reuters<br />

Origem dos golos de benfica<br />

e FC Porto na liga 2009/10<br />

LIGA 2009/10 BENFICA FC PORTO<br />

Ataque organizado 11 14<br />

Contra-ataque 6 2<br />

Bola parada 20 11<br />

Esteja o Sp. Braga pelos ajustes<br />

(e não ganhe em Paços de Ferreira)<br />

e o clássico pode para já decidir o<br />

“Campeão de Natal”, dado que, para sermos<br />

rigorosos, o de Inverno apenas se conhecerá<br />

no fim da primeira volta do campeonato.<br />

Isto depois do FC Porto ter recuperado<br />

cinco pontos nas últimas três jornadas<br />

e surgir na Luz aparentemente em<br />

melhor momento do que os encarnados,<br />

até porque, ao contrário daqueles, se<br />

apresenta na máxima força.<br />

Vai ser a estreia do duelo Jesus-Jesualdo<br />

enquanto técnicos dos dois gigantes e<br />

aguardam-se com ansiedade as suas opções,<br />

mormente na zona fulcral do relvado:<br />

o meio-campo. E aí se poderá decidir<br />

muita coisa.<br />

Jorge Jesus chega ao clássico com o seu<br />

miolo debilitado pelas ausências de Ramires<br />

(lesionado), Di Maria e Coentrão (suspensos).<br />

Perde assim uma das características<br />

fundamentais do processo ofensivo encarnado:<br />

a velocidade nas transições defesa-ataque<br />

habitualmente coroada com os<br />

cruzamentos para a área. Incólume ficará<br />

(se Aimar recuperar até domingo) a vertente<br />

mais criativa do jogo benfiquista, as-<br />

Os principais municiadores de jogo<br />

de FC Porto e Benfica na liga 2009(10<br />

Os “mais” de cada equipa (médias/jogo) BENFICA FC PORTO<br />

Assistências Fábio Coentrão - 6 Falcão - 4<br />

Passes de ruptura Saviola - 2.1 Belluschi – 1.9<br />

Cruzamentos Di Maria - 7 Meireles – 4.3<br />

segurada pelo argentino, com a colaboração<br />

de Javier Saviola, que recua muitas vezes<br />

para a posição 10, o que resulta em combinações<br />

entre os dois jogadores, habitualmente<br />

através de passes curtos na zona em<br />

frente à área adversária.<br />

Sem o elemento velocidade disponível,<br />

prevê-se que Jesus aposte num meio-<br />

-campo mais musculado, com César Peixoto<br />

na esquerda e Carlos Martins na direita.<br />

Os dois portugueses, apesar de serem<br />

pouco rápidos, garantem uma boa<br />

qualidade de passe e de cruzamento.<br />

A resposta de Jesualdo deverá privilegiar<br />

igualmente a contenção e a solidez<br />

defensiva no centro do terreno, a exemplo<br />

do que tem feito nos jogos fora de casa<br />

na Liga dos Campeões. Assim, o colombiano<br />

Guarin tem mais possibilidades de<br />

jogar de início do que o argentino<br />

Belluschi, já que fornece ao meio-campo<br />

a força e consistência defensiva que aquele<br />

não garante. Não é por acaso que Guarin<br />

tem jogado mais do que o seu concorrente<br />

directo na Liga dos Campeões. Ou seja,<br />

poderá muito bem ser a resposta para o<br />

dilema do interior-direito que Jesualdo<br />

continua a viver na presente temporada.<br />

Vai ser a estreia<br />

do duelo Jesus-<br />

-Jesualdo enquanto<br />

técnicos dos dois<br />

gigantes e<br />

aguardam-se com<br />

ansiedade as suas<br />

opções, mormente<br />

na zona fulcral<br />

do relvado: o meio-<br />

-campo. E aí se<br />

poderá decidir<br />

muita coisa<br />

Histórico: 75 jogos<br />

> 40 VITÓRIAS DO BENFI-<br />

CA (53%) ;<br />

> 23 EMPATES (31%);<br />

> 12 VITÓRIAS DO FC<br />

PORTO (16%)<br />

Resultado típico<br />

> 1 x 1 (13 jogos)<br />

Maior vitória do Benfica<br />

> 12X2(1942/43)<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 29<br />

BENFICA-FC PORTO,<br />

Estádio da Luz,<br />

Amanhã, 20.15, Sportv1<br />

Quim<br />

Maxi Luisão David Luiz shaffer<br />

Javi Garcia<br />

Carlos Martins César Peixoto<br />

Aimar<br />

Saviola<br />

Rodriguez<br />

Falcão<br />

Fernando<br />

Helton<br />

Cardozo<br />

Varela<br />

Raúl Meireles Guarin<br />

Álvaro Pereira Bruno Alves Rolando Fucile<br />

Maior vitória do FC<br />

Porto<br />

> 0-2 (1950/51)<br />

ÚLTIMOS 5 JOGOS<br />

> 2008/09 1 x 1<br />

> 2007/08 0 x 1<br />

> 2006/07 1 x 1<br />

> 2005/06 1 x 0<br />

> 2004/05 0 x 1<br />

O principal objectivo será impor dificuldades<br />

de criação aos pensadores de<br />

jogo do Benfica, Aimar e Saviola, o que poderá<br />

mesmo implicar uma adaptação no<br />

sistema de jogo de Jesualdo, que já por várias<br />

vezes utilizou Cristian Rodriguez<br />

como quarto elemento do meio-campo<br />

quando a equipa defende.<br />

O uruguaio não é um centro-campista<br />

de raiz, mas teve na época passada um<br />

papel preponderante no reforço do sector<br />

intermédio, a partir do seu posicionamento<br />

como extremo-esquerdo. Rodriguez<br />

foi muitas vezes o elemento-<br />

-chave no equilíbrio da equipa, baseado<br />

na flexibilidade entre o 4-4-3 (no processo<br />

ofensivo) e o 4-4-2 (no momento<br />

defensivo), assegurando maior consistência<br />

ao conjunto, designadamente em<br />

jogos da Liga dos Campeões, nos quais se<br />

tornam mais prementes as dificuldades<br />

de actuar com apenas três elementos no<br />

meio-campo.<br />

Ficará então apenas um problema para<br />

Jesualdo resolver - qual dos avançados se<br />

sentará no banco: Falcao, Varela ou Hulk?<br />

Afinal de contas, um problema que muitos<br />

treinadores gostariam de ter.


30 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

FUTEBOL<br />

Simon Kuper<br />

A felicidade<br />

possível<br />

dos americanos<br />

Algo de invulgar aconteceu nas<br />

universidades norte-americanas no mês<br />

passado. Dois colegas, mais propriamente<br />

Northeastern e Hofstra, duas figuras de<br />

relevo dessa modalidade conhecida por<br />

futebol americano durante mais de 70<br />

anos, de repente pararam. O futebol<br />

tornara-se, de repente, demasiado caro.<br />

Em plena recessão, e a poucos dias dos<br />

jogos de Inverno do Bowl, será que<br />

estamos a voltar à sanidade, algo que os<br />

críticos destes jogos há um século vêm<br />

reclamando?<br />

O excesso de futebol americano nas<br />

universidades atingiu níveis de absurdo<br />

desde os anos 90, escreve Michael Oriard<br />

no seu novo livro “Bowled Over” . As<br />

universidades injectam dinheiro que não<br />

têm no futebol. “Numa perspectiva<br />

razoavelmente objectiva, “afirma Oriard,<br />

“é caso para apelar aqui para a<br />

necessidade de reformas. Querer que um<br />

treinador de futebol ganhe tanto como o<br />

reitor de uma universidade é obviamente<br />

uma coisa de loucos.” Oriard sabe do que<br />

está a falar. Jogou futebol americano para<br />

a Universidade de Notre Dame e para a<br />

NFL antes de se tornar professor de Inglês<br />

na Oregon State University. O seu<br />

discurso pauta-se pela contenção e pela<br />

reflexão. Mas, à semelhança de muitos<br />

críticos e impulsionadores do futebol<br />

universitário, não parece perceber qual o<br />

objectivo por trás do futebol<br />

universitário.<br />

E não se cansa de identificar os abusos no<br />

desporto. Alguns jogadores abandonam a<br />

universidade iletrados, depois de anos a<br />

jogar aí futebol ininterruptamente. Não<br />

são pagos e, no entanto, as universidades<br />

que os acolhem continuam a estoirar<br />

fortunas em centros de formação e treino<br />

e voos pela América, recrutando muitas<br />

vezes “hospedeiras” cuja tarefa é aliciar<br />

os jovens para a universidade certa. A<br />

grande maioria das universidades perde<br />

dinheiro com os seus atletas, mas a<br />

reputação de muitas das suas equipas de<br />

futebol consegue superar muitas vezes a<br />

da própria universidade. E esta loucura<br />

agrava-se a cada ano que passa.<br />

Os argumentos em defesa do futebol<br />

universitário são provavelmente<br />

infundados. O futebol não parece<br />

convencer os antigos estudantes a<br />

apostarem numa carreira na<br />

universidade, para além de que também<br />

não atrai melhores estudantes.<br />

“Ganhamos -se muitas vezes bons<br />

jogadores mas perdemos bons<br />

académicos”, afirma Oriard.<br />

Mas estas críticas não falham muitas<br />

vezes neste ou naquele ponto. O futebol<br />

universitário não existe para tornar as<br />

universidades mais ricas ou melhores. O<br />

seu trabalho consiste em tornar os<br />

americanos mais felizes e conferir-lhes<br />

uma sensação de pertença. Oriard está<br />

bem ciente disso. “Um desafio de futebol<br />

no Michigan ou no Alabama,“ escreve,<br />

“com as suas bandas e claques é sempre<br />

gerador de fortes afluências e de grandes<br />

celebrações após cada jogo, como um<br />

festivaldefolk...transmitindo uma<br />

sensação de comunidade, tornando-se<br />

num ritual ou numa mera questão de<br />

prazer para milhões de americanos todas<br />

as semanas no Outono.”<br />

Em centenas de cidades americanas sem<br />

equipas de desporto profissional, o que<br />

une estas pessoas tão díspares são as<br />

equipas de futebol universitário. Estas<br />

cidades auto-intitulam-se<br />

“comunidades”. O futebol faz muitas<br />

vezes com que este mundo se torne uma<br />

realidade. São vinte universidades dos<br />

EUA que têm estádios com capacidade<br />

para mais de 80 mil pessoas, mais do que<br />

o campo do Manchester United. Num<br />

estudo levado a cabo pela ESPN em 2007,<br />

72% dos americanos consideravam-se fãs<br />

do futebol universitário. Não admira<br />

assim que Thomas Joiner, autor de “Why<br />

People Die By Suicide” , tenha concluído<br />

que a taxa de suicídios baixava em<br />

Columbus, Ohio e Gainesville, Florida,<br />

sempre que a equipa de futebol local<br />

conseguia bons resultados.<br />

Tem sido uma função histórica das<br />

universidades norte-americanas<br />

financiar parte desta felicidade. Este<br />

financiamento é frequentemente muito<br />

barato, em grande parte porque estes<br />

jogadores não são pagos. As perdas anuais<br />

no futebol universitário rondarão as<br />

centenas de milhões de dólares apenas.<br />

Trata-se de uma felicidade a que os EUA<br />

ainda se podem permitir.<br />

Os jogos do Bowl têm agora<br />

patrocinadores, e os directos televisivos<br />

são vendidos por uma fortuna. Oriard<br />

mostra-se preocupado com o facto de os<br />

jogadores serem explorados. Mas as<br />

provas que refere sugerem outra coisa.<br />

Em dois grandes estudos, levados a cabo<br />

pela própria National Collegiate Athletic<br />

Association, a grande maioria afirmou<br />

estar feliz. São pagos em glória. Na<br />

verdade, metade deles nem se chegam a<br />

licenciar. Mas, sem futebol, muitos deles<br />

nunca chegariam perto de uma<br />

faculdade.<br />

Ao que tudo parece indicar, os abusos que<br />

se verificam no futebol americano só se<br />

justificam porque os americanos parecem<br />

gostar desta modalidade tal como ela<br />

está. E não deixa de ser curioso que,<br />

depois da Hofstra e Northeastern,<br />

descontentes com modalidade, seis<br />

universidades tenham decidido apostar<br />

no futebol americano na próxima época.<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />

O talismã<br />

e o mal-amado<br />

São ambos titulares indiscutíveis.<br />

Mas Helton e Quim têm histórias<br />

bem diferentes nos confrontos<br />

com o rival deste domingo<br />

TEXTO NUNO OLIVEIRA / FOOTBALL IDEAS<br />

Helton nunca perdeu com<br />

oBenficaetransformou-<br />

-se num autêntico talismã<br />

para os portista nos encontros<br />

com o grande rival.<br />

O internacional brasileiro,<br />

a actuar em Portugal<br />

desde 2003, parece fadado<br />

para a caça à águia, já que<br />

em nove encontros realizados<br />

contra o Benfica<br />

(seis pelo FC Porto, três<br />

pelo União de Leiria) nunca<br />

conheceu a derrota,<br />

contando com quatro vitórias<br />

e cinco empates.<br />

As memórias de Quim<br />

dos jogos contra o FC Porto<br />

são bem diferentes: alinhando<br />

por Sp. Braga e<br />

Benfica, o guardião realizará<br />

amanhã o seu vigésimo<br />

desafio contra os portistas,<br />

e apenas se conseguirá<br />

recordar de dois<br />

triunfos (um em cada clube),<br />

saindo derrotado por<br />

11 vezes.<br />

Na presente Liga, Quim<br />

(totalista) e Helton (apenas<br />

falhou uma partida) são<br />

dos mais utilizados nas<br />

respectivas equipas, e ainda<br />

não foram apontados<br />

como culpados por qualquer<br />

golo sofrido. Curiosamente,<br />

o portista regista<br />

mais defesas do que Quim,<br />

mas este tem sido mais valioso<br />

para a sua equipa, já<br />

que efectuou um número<br />

superior de intervenções<br />

decisivas, daquelas que<br />

salvam situações de golo<br />

adversárias (ver infografia<br />

na pá<strong>gina</strong> seguinte).<br />

Esta é uma realidade que<br />

se vem repetindo nos últimos<br />

anos. Apesar de já ter<br />

perdido a titularidade várias<br />

vezes (para Moreira e<br />

mesmo para Moretto), e<br />

não desfrutar da simpatia<br />

de muitos adeptos encarnados,<br />

desde que chegou<br />

ao Benfica em 2004, Quim<br />

tem sido o mais decisivo<br />

dos guarda-redes dos três<br />

grandes.<br />

Pode afirmar-se que em<br />

diversos campeonatos o<br />

guardião minhoto acabou<br />

com superior número de<br />

golos sofridos do que os<br />

seus congéneres, mas a<br />

realidade é que teve quase<br />

sempre que conviver com<br />

linhas defensivas frágeis,<br />

salvando amiúde a sua<br />

equipa de desaires comprometedores.<br />

Isto para já<br />

não falar do papel crucial<br />

que o guarda-redes teve na<br />

conquista do último título<br />

nacional encarnado em<br />

2004/05, após tomar conta<br />

da baliza à 15ª jornada.<br />

Por seu lado, ainda que<br />

não seja um caso de amor<br />

consensual junto dos<br />

adeptos do FC Porto, Helton<br />

não é apenas visto<br />

como um talismã nos jogos<br />

contra o Benfica. O animado<br />

guarda-redes brasileiro<br />

pode também gabar-se de<br />

contar por títulos nacionais<br />

todos as Ligas disputadas<br />

ao serviço do FC Porto<br />

(quatro), tendo ainda<br />

conquistado por duas vezes<br />

a Taça de Portugal e outras<br />

duas a Supertaça. E no<br />

futebol, como todos sabemos,<br />

os títulos são quem<br />

mais ordena, mesmo num<br />

posto tão ingrato como o de<br />

guarda-redes, em que<br />

muitas vezes apenas as falhas<br />

são recordadas.


Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 31


32 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

ALDEIA GLOBAL<br />

Quioto em dias de Copenhaga<br />

Foi há 12 anos. O protocolo ambiental foi assinado e o prazo está<br />

a expirar numa cidade de templos e de engarrafamentos.<br />

Fomos a Quioto quando o mundo está de olhos em Copenhaga<br />

TEXTO ISABEL LUCAS (EM QUIOTO) / ILUSTRAÇÃO PEDRO FERNANDES


Atrás do balcão, entre vénias,<br />

sorrisos e palavras<br />

imperceptíveis para quem<br />

não sabe o significado de<br />

um caracter japonês, a mulher<br />

vai embrulhando o<br />

doce. A iguaria não tem mais de umas 50<br />

gramas e é para comer na hora. Ainda assim,<br />

nada que demova a vendedora de a<br />

embalar num embrulho invejável para<br />

qualquer joalharia. O processo não termina<br />

aqui e é um verdadeiro exercício de paciênciaparaquemesperapelaprova.O<br />

olhar hesita entre fixar-se no doce que<br />

ameaça perder-se de vista ou na velocidade<br />

com que se movem os dedos da japonesa<br />

em verdadeiros exercícios de origami.<br />

O embrulho é, então, envolto em papel e<br />

colocado num saco de plástico, cujas pegas<br />

são por sua vez enroladas numa espécie<br />

de entrançado que merece tudo menos<br />

ser desfeito. A cerimónia dura alguns minutos,<br />

mais do que aqueles que demora a<br />

perceber que o doce não era assim tão<br />

doce, que talvez fosse feito de feijão e que a<br />

massa se colava ao céu da boca qual cara-<br />

Estamos em Quioto,<br />

cidade onde há 12<br />

anos foi assinado um<br />

protocolo no qual<br />

os países mais ricos<br />

se comprometeram<br />

a reduzir o efeito<br />

de estufa. O prazo<br />

está a acabar<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 33<br />

melo de Badajoz. No fim, sobra um monte<br />

de lixo, entre plástico e papel, equivalente<br />

ao que seria necessário para embrulhar<br />

um volume da enciclopédia Britânica.<br />

Ironia. Estamos em Quioto, a cidade<br />

onde há 12 anos foi assinado um protocolo<br />

noqualospaísesmaisricosdomundose<br />

comprometeram a reduzir em mais de 50<br />

por cento as emissões de gases até 2012 e<br />

combater, desse modo, o aquecimento<br />

que ameaça o futuro do planeta. O prazo<br />

está a acabar. Estamos também a alguns<br />

milhares de quilómetros de Copenhaga,


34 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

ALDEIA GLOBAL<br />

Eriko Sugita / Reuters<br />

Os contrastes andam nas ruas de Quioto, uma cidade<br />

onde o tradicional convive como pode com as<br />

exigências dos novos tempos. Dos templos às<br />

manifestações em defesa do ambiente. Das filas de<br />

trânsito ao desperdício associado à arte de bem servir<br />

onde esse compromisso esteve até ontem<br />

a ser revisto. Mas em Quioto, nas ruas da<br />

cidade milenar, não se ouvia falar de Copenhaga,<br />

nem se viram manifestações da<br />

sede local da Greenpeace por desrespeito<br />

ao protocolo. Aí, havia um grande silêncio.<br />

O ruído fora transferido para a capital<br />

da Dinamarca deixando a cidade imperial<br />

entregue ao seu próprio som ambiente,<br />

feito de sirenes, buzinas de carros, campainhas<br />

de bicicletas, pregões nos bairros<br />

Gion e Shiju, barulho de máquinas de jogos<br />

em que vale quase tudo por um Kit-<br />

-Kat ou uma Kitty de peluche. Se Quioto<br />

não se cumpriu que se cumpra então Copenhaga,<br />

lê-se na imprensa internacional<br />

que por ali é escassa e concentrada<br />

numa única livraria no centro da cidade,<br />

bem perto daquele balcão em Gion, um<br />

dos mais antigos e melhor preservados<br />

bairros de Quioto, com uma elevada concentração<br />

de restaurantes distinguidos<br />

pelo Guia Michelin, onde a vendedora parece<br />

alheada de todas estas negociações<br />

de cúpula e se limita a cumprir a a tradição<br />

ancestral de bem servir.<br />

TRADIÇÃO VERSUS AMBIENTE<br />

Até que ponto essa tradição é ou não compatível<br />

com os preceitos dessa outra Quioto<br />

que o mundo se habituou a nomear, é<br />

coisa que dificilmente lhe irá ocorrer. Ela<br />

sabe que está ali para servir e serve o melhor<br />

que sabe. Ela e os milhões de japoneses<br />

que trabalham no sector dos serviços; os<br />

mesmos que sabem que é proibido ou, na<br />

melhor das hipóteses, há que refrear o impulso<br />

de acender um cigarro na rua para<br />

não sujar o piso; que sabe ainda da dificuldade<br />

de encontrar um caixote de lixo a<br />

cada esquina; que talvez seja um dos muitos<br />

cidadãos de Quioto que se deslocam de<br />

bicicleta para o trabalho, conhecendo o<br />

caos que pode ser o trânsito local, e que<br />

muito provavelmente não saberá que o seu<br />

país, um dos que ratificaram o tratado, é o<br />

quarto maior emissor mundial de dióxido<br />

de carbono, com 13,4 milhões de toneladas/ano,<br />

atrás dos Estados Unidos, da China<br />

e da Rússia, e que produz qualquer coisa<br />

como 53 milhões de toneladas por ano de<br />

lixo doméstico, 80% do qual é incinerado.<br />

Isso: incinerado. É que o espaço é pouco,<br />

a matéria-prima quase toda importada<br />

e reciclar é um verbo que os japoneses<br />

aprendem a conjugar desde muito cedo. E<br />

incinerar implica controlar o número de<br />

aterros numa terra sobrepovoada, onde<br />

cada pedaço de chão é sagrado, aproveitado<br />

até não sobrar nada. Mas antes, muito<br />

antes, a grande aventura após encontrar o<br />

tal caixote do lixo é perceber que esse caixote<br />

se reparte em vários; cada um com<br />

instruções sobre que tipo de lixo deve receber,<br />

algo que pode levar o mais paciente<br />

ocidental a ter um acesso de nervos e a<br />

deitar tudo no mesmo saco por saber que<br />

dificilmente irá acertar no alvo. Isto se<br />

houver instruções em inglês. Tal não é exclusivo<br />

de Quioto, mas ali tudo se agrava.<br />

Culpa do esmero do serviço levado a extremos<br />

pouco compatíveis com os princípios<br />

do protocolo ali assinado. A arte de<br />

bem separar o lixo é comum a todas as cidades<br />

do Japão. Reciclar é obrigatório e<br />

cabe a cada município decidir sobre as categorias<br />

a que deve obedecer a triagem do<br />

lixo. No mínimo cinco: incinerável, não<br />

incinerável, garrafas PET, latas de metal e<br />

ainda alumínio e vidros. Confuso? Sim.<br />

Mas pode ser de loucos se pensarmos que<br />

em Yokohama, a segunda cidade do Japão,<br />

existem dez tipos de lixo.<br />

SE QUIOTO NÃO SABE DE COPENHAGA,<br />

COPENHAGA SABERÁ DE QUIOTO?<br />

Mas a cidade dos templos, ex-capital, ex-<br />

-morada dos imperadores, terra de jardins<br />

zen, gueixas e bonsais, sítio que o mundo<br />

passou a conhecer e a invocar sempre que<br />

se fala de ambiente, está longe de ser<br />

exemplo nessa matéria. Ali, ao contrário<br />

do que acontece na gigante capital, os<br />

transportes públicos estão a milhas de ser<br />

um exemplo. O metro não cobre todo o<br />

território de Quiotoeétudomenosprático<br />

e eficaz. Basta pensar que para trocar de<br />

linha muitas vezes é preciso atravessar<br />

uma avenida. A alternativa é uma rede de<br />

autocarros que vai a todo o lado mas se revela<br />

incapaz de fazer frente às filas provocadas<br />

pelos milhares de carros que enchem<br />

as principais vias da cidade em hora<br />

de ponta. Uma pescada de rabo na boca<br />

O actual primeiro<br />

ministro, Yukio<br />

Hatoyama,<br />

prometeu baixar<br />

em 25 por cento<br />

as emissões de gases<br />

do Japão até 2020.<br />

Uma promessa para<br />

levar a Copenhaga<br />

enquanto o trânsito<br />

não pára em Quioto<br />

Toru Hanai / Reuters<br />

que tem como resultado o facto dos cerca<br />

de 1,5 milhões de habitantes de Quioto<br />

preferirem o carro próprio para se deslocar<br />

internamente. Isso ou as bicicletas,<br />

verdadeira praga nos passeios para quem<br />

escolheu simplesmente andar a pé.<br />

Caos. Por vezes é assim. Tropeça-se<br />

nele, como se tropeça na loja mais requintada.<br />

A cidade é baixa. Estende-se ao<br />

longo de um vale protegido por montanhas<br />

e pintado em tons de castanho, a cor<br />

das folhas que ainda persistem nas árvores<br />

em volta. É quase Inverno e as cerejeiras<br />

do Passeio dos Filósofos há muito que<br />

deixaram de ter flor. Hordas de turistas<br />

percorrem o caminho que foi feito para a<br />

pensar. Mas onde anda agora a tranquilidade<br />

de outros tempos? Nem nos templos,<br />

muitos distinguidos pela UNESCO<br />

como património da Humanidade, envoltos<br />

em bonsais, à espreita em esquinas<br />

ou entre avenidas povoadas de anúncios<br />

de karaoke, com o incenso a misturar-se<br />

aos aromas das bancas de comida de rua.<br />

Quioto, a Quioto do Protocolo que Copenhaga<br />

agora veio prolongar, é uma cidade<br />

de contrastes. La Palisse não diria melhor,<br />

é certo. Mas é inevitável não pensar na<br />

Quioto do Protocolo ao percorrer a Quioto<br />

de casas de madeira escura, estores de<br />

bambu, pórticos laranja, ruas empedradas,<br />

avenidas apinhadas. Uma Quioto que<br />

já foi capital e agora é a sétima cidade do<br />

Japão com uma população que quase triplica<br />

a de Lisboa, num país agora governado<br />

por democratas que prometeram<br />

um melhor ambiente também para a cidade<br />

do Protocolo.<br />

Antes de tomar posse, o actual primeiro-ministro,<br />

Yukio Hatoyama, prometeu<br />

baixar em 25% as emissões de gases no Japão<br />

até 2020. Uma promessa para levar a<br />

Copenhaga enquanto o trânsito não pára<br />

em Quioto e, atrás dos milhares de balcões<br />

dos milhares de casas de comida e acessórios<br />

de todo o tipo, outros tantos milhares<br />

de vendedores continuam a fazer embrulhos<br />

segundo as técnicas de outros tempos.<br />

Copenhaga sabe da Quioto do Protocolo,<br />

mas saberá desta? É certo que esta<br />

também ainda não sabe nada de Copenhaga.<br />

Pelo menos a tal vendedora...


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36 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

ALMANAQUE<br />

O Vaticano diz que é uma “tendência imoral”, mas em todo o mundo<br />

há igrejas a serem transformadas em bares e discotecas. No Bairro<br />

Alto, a igreja de São Pedro e São Paulo aguarda comprador<br />

TEXTO BÁRBARA SILVA / FOTOS PAULA NUNES<br />

Em vez de um padre, uma<br />

‘striper’ no altar. Em vez de<br />

música religiosa e vozes angelicais,<br />

ritmos de dança e<br />

luzes psicadélicas. Em vez de<br />

fiéis na plateia, clientes alcoolizados<br />

e ávidos de diversão. O Vaticano<br />

está em choque. Na Hungria, uma igreja<br />

foi vendida para se transformar num<br />

clube de ‘striptease’. O arcebispo Gianfranco<br />

Ravisi, director do departamento<br />

cultural do Vaticano, fala de uma “tendência<br />

imoral”, em todo o mundo, para vender<br />

antigas igrejas que depois são convertidas<br />

em bares, discotecas, cinemas, museus,<br />

lojas, habitações e até escritórios.<br />

Aqui mesmo, em Lisboa, no coração do<br />

Bairro Alto, também há uma igreja à venda.<br />

Uma igreja que não é uma igreja (porque<br />

deixou de ser um templo católico há<br />

mais de 30 anos), mas que em tudo se parece<br />

com uma igreja: nave com coro alto,<br />

dez metros de pé-direito, quatro altares<br />

laterais e retábulo-mor, vitral dedicado a<br />

São Pedro e São Paulo (os santos que dão<br />

nomeàigreja),tectoemabóbadadeberço,<br />

frescos de Lourenço da Cunha, confessionários,<br />

órgão barroco e sinos, sepulturas<br />

com inscrições em latim.<br />

A Chamartín, proprietária do imóvel<br />

(integrado no condomínio de luxo Con-<br />

vento dos Inglesinhos, mas vendido como<br />

fracção autónoma), mantém o preço em<br />

segredo, mas garante que há interessados.<br />

Por se tratar de um imóvel “especial”, a<br />

promoção é discreta, com os mediadores<br />

imobiliários a contactarem directamente<br />

os possíveis interessados: fundações, galerias<br />

de arte, artistas, empresas que organizam<br />

eventos. Esses seriam os “compradores<br />

ideais” para João Leal Barreto, administrador<br />

executivo da Chamartín, sublinhando<br />

que o primeiro contacto foi feito<br />

com o Patriarcado de Lisboa, que não se<br />

mostrou interessado na compra. “Não está<br />

no circuito normal. É um nicho de mercado<br />

complicado. Não vem no jornal e até<br />

tem uma brochura específica, dada a exclusividade”,<br />

diz Leal Barreto. O restauro<br />

da igreja custou 1,5 milhões de euros.<br />

Apesar do secretismo, a venda da igreja<br />

de São Pedro e São Paulo chegou a estar<br />

anunciada na Internet , como um T0 com<br />

uma área útil de 772 metros quadrados,<br />

com cozinha equipada e aquecimento<br />

central, por dois milhões de euros. A Chamartín<br />

diz que é mentira e “foi um erro”.<br />

O espaço tem licença para receber comércio<br />

e serviços mas, acima de tudo,<br />

querem dar-lhe um “fim nobre” e um<br />

“uso digno”: “Pode ser um atelier de um<br />

artista, um espaço para exposições ou<br />

Na Hungria, uma<br />

igreja foi vendida<br />

para se transformar<br />

num clube<br />

de ‘striptease’.<br />

O Vaticano fala<br />

em “tendência<br />

imoral”<br />

eventos, uma galeria de arte. Nunca seria<br />

uma loja qualquer”, garante o responsável<br />

da Chamartín. A fracção tem uma área<br />

bruta privativa de <strong>56</strong>0 m2, que integra<br />

também um pátio sevilhano com 341m2,<br />

nove lugares de estacionamento e duas<br />

arrecadações com 28 m2. A vizinhança é<br />

selecta: 29 famílias que vivem no condomínio<br />

de luxo Convento dos Inglesinhos.<br />

Apesar da ausência de imagens e símbolos<br />

religiosos, quem entra pela primeira<br />

vez na igreja de São Pedro e São Paulo sente-se,<br />

de facto, numa igreja. O sítio é imponente<br />

e transpira história: foi erguida<br />

no século XVII, como parte do Venerável<br />

Colégio Pontifício de São Pedro e São Paulo,<br />

construído no Bairro Alto pelos católicos<br />

ingleses refugiados em Portugal. Sobreviveu<br />

ao terramoto de 1755, mas ficou<br />

torta para sempre. Em 1976 foi desactivada<br />

pela Igreja Católica e nos anos 80 a Santa<br />

Casa da Misericórdia comprou o edificado.<br />

Nos anos 90 foi adquirido pela Chamartín<br />

Imobiliária.<br />

Se em Portugal é caso raro, a dessacralização<br />

de igrejas é comum no Reino Unido,<br />

Holanda, Alemanha e Suíça. No Reino<br />

Unido, algumas igrejas foram transformadas<br />

em mesquitas e no Chipre a antiga<br />

catedral de São Nicolau é agora a mesquita<br />

Lala Mustafa Pasha. Em Maastricht, na


A igreja é um imóvel único: nave com coro alto, 10 metros de pé-direito, altares laterais,<br />

vitral, tecto em abóbada de berço, frescos de Lourenço da Cunha, confessionários,<br />

órgão barroco e sinos, sepulturas com inscrições em latim.<br />

Holanda, vários arquitectos foram premiados<br />

por transformarem uma antiga<br />

igreja dominicana numa livraria moderna,<br />

com área de leitura e café. Em Nova Iorque,<br />

a igreja episcopal situada entre a Sixth<br />

Avenue e a West 20th Street (construída no<br />

século XIX com um estilo “gótico rústico e<br />

revivalista”), que já foi casa das infames<br />

discotecas Limelight e Avalon, poderá<br />

agora ser transformada num centro comercial<br />

e num restaurante com esplanada,<br />

sendo que várias cadeias de lojas, como a<br />

H&M, já se mostraram interessadas.<br />

Na Alemanha, país onde nasceu o Papa<br />

Bento XVI, a Igreja Católica planeia<br />

vender ou alugar 25% dos cerca de 25 mil<br />

edifícios que detém, para equilibrar as<br />

contas e reduzir o défice. “Temos o sonho<br />

de que as igrejas vendidas possam ser utilizadas<br />

como espaços de eventos onde as<br />

pessoas se reunam, não numa missa, mas<br />

num museu ou numa galeria de arte. Isso<br />

seria o ideal”, disse Stefan Förmer, porta-<br />

-voz do Arcebispado de Berlim. Os potenciais<br />

interessados hesitam em comprar<br />

edifícios enormes com grandes custos de<br />

manutenção e restrições ligadas ao património<br />

histórico. De tal forma que até<br />

agora, quase todos os imóveis vendidos<br />

pela Igreja Católica na Alemanha foram<br />

para uso comercial.<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 37


38 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

MADE IN<br />

Nova Iorque...<br />

Foi para os Estados Unidos para concluir Gestão Hoteleira.<br />

Entre o trabalho e encontros casuais com famosos<br />

constituiu família: tem um filho e está grávida de outro<br />

Ese um actor lhe dirigir a palavra? Depende. Conhecer figuras como Gwyneth Paltrow,<br />

Yoko Ono, Robert De Niro ou Julia Roberts tornou-se o prato do dia enquanto gerente do<br />

Giorgione, um restaurante italiano no Soho de Nova Iorque. Complicado foi no dia em que<br />

o conhecido actor (e protagonista das campanhas publicitárias da Nespresso) George Clooney,<br />

terminado o almoço no restaurante, se dirigiu a Joana e disse: “Grazie!” (“com o ar<br />

mais charmoso”). “Eu derreti como manteiga ao sol e fiquei sem palavras, o único som que<br />

me saiu foi ‘hummm’ e começaram todos a rir porque deu perfeitamente para perceber que fiquei totalmente<br />

K.O.”. Nova Iorque foi uma escolha lógica para terminar o curso de Gestão Hoteleira. O pai e dois<br />

irmãos já aí viviam. Até então, tinha morado em Lisboa com a mãe. Depois do episódio com o senhor<br />

Nespresso, e de ter trabalhado num outro restaurante (também italiano), Joana foi para o Classic Car<br />

Club - um clube privado de ‘time-sharing’ de carros exóticos e clássicos, onde continua a cruzar-se<br />

com famosos como Donna Karan, Heath Ledger, entre outros. Cabe-lhe tratar da área financeira e, por<br />

vezes, da entrega de Ferrari, Lamborghini e Bentley aos membros do clube. Às vezes, também, das<br />

campanhas de marketing. A par da Joana profissional existe a Joana mãe. De Luca, de dois anos, e de um<br />

segundo filho que está a caminho (já percorreu seis meses). É também uma explicação lógica que dedique<br />

os seus tempos livres ao filho: com passeios em Central Park, idas ao cinema,<br />

visitas ao Zoo e outros parques. Na cidade que nunca dorme há uma infusão<br />

de pessoas, de restaurantes, de cheiros e “acima de tudo, de confusão”.<br />

Exactamente o que agrada a esta portuguesa de 32 anos, a viver em Nova Iorque<br />

desde Outubro de 2001: “A ideia de que faço parte deste mundo maravilhoso<br />

de diferentes etnias”. Há diferenças? Claro que as há. Por exemplo, as<br />

amizades em terras do tio Sam são diferentes. “Bem mais superficiais”. E<br />

como lisboeta que é, queixa-se da falta da praia. Com o calor, “o Verão na cidade<br />

torna-se insuportável”. Regressa a Portugal todos os anos para “matar<br />

saudades”. Se dúvidas houvesse quanto às suas raízes, estariam dissipadas<br />

com esta última afirmação. CRISTINA S. BORGES<br />

...de Joana Belo<br />

Brendan McDermid/Reuters


O MEU MUNDO<br />

Tyler Brulé<br />

Verde de inveja<br />

Estamos perante um espectáculo sem precedentes.<br />

Nas últimas semanas, as pá<strong>gina</strong>s dos semanários e<br />

diários financeiros mais parecem os bastidores de<br />

um hotel de Atlantic City em dia de concurso Miss<br />

America. Nas pá<strong>gina</strong>s dos jornais assistimos a uma<br />

verdadeira parada de nomes a tentarem despertar<br />

a atenção do mundo com as suas frases sonantes,<br />

prosa cuidada e mensagens bem ensaiadas.<br />

Mas diferença no que toca a este espectáculo é que<br />

os concorrentes não respondem por nomes como<br />

Amber e Tifani, não provêm de cidades como<br />

Tempe, Arizona ou Madison, Wisconsin, e o local<br />

do evento atravessou o Atlântico, de Nova Jérsia<br />

para as ruas de Copenhaga. Mas, diferenças à<br />

parte, a cimeira do clima da ONU mais parece um<br />

desfile de beleza como qualquer outro – pelo<br />

menos do ponto de vista do marketing.<br />

No meio de todo este rodopio, dos desfiles, dos<br />

passos de dança e das mensagens sonantes<br />

podemos encontrar as maiores marcas do mundo,<br />

das empresas óbvias dos sectores da energia e<br />

automóvel aos mais poderosos governos regionais.<br />

E, à semelhança do que acontece no concurso Miss<br />

America, todos têm resposta pronta e uma<br />

proposta para salvar o mundo.<br />

Um dos primeiros concorrentes que me despertou<br />

a atenção durante o voo de regresso de Tóquio foi<br />

uma empresa de bebidas a esforçar-se por<br />

transmitir aos seus pares e accionistas a forma<br />

como estava a repensar toda a sua cadeia de<br />

fornecimento global e a lutar por um futuro<br />

sustentável. Tudo parecia muito bem e muito<br />

bonito mas, no fundo, mais não era do que uma<br />

desculpa esfarrapada para convencer os presentes<br />

a matarem a sede bebendo ou misturando os<br />

refrigerantes da empresa com vodka nas reuniões<br />

de estratégia da COP15, reuniões estas que<br />

decorriam normalmente ao fim do dia.<br />

Depois do almoço, e sobrevoando Vladivostok,<br />

reparei de um anúncio colocado na pá<strong>gina</strong> ímpar<br />

de um semanário muito respeitado. Era de uma<br />

marca de automóveis que afirmava que a sua nova<br />

linha de veículos ajudaria os condutores<br />

a percorrerem maiores distâncias com uma pegada<br />

de carbono menor. O anúncio teria funcionado<br />

se a empresa tivesse mantido a sua mensagem<br />

de sempre, de certo modo gasta, mas<br />

não tivesse enchido a pá<strong>gina</strong> com fotografias<br />

de veículos que mais pareciam cadeiras de<br />

dentistas ou aparelhos de Raio X.<br />

Quando estávamos a chegar a Heathrow, reparei<br />

num anúncio de uma empresa na área da geração e<br />

comercialização de energia que operava numa<br />

cidade muito grande. Com um mote simples,<br />

lembrava os leitores estava a fazer tudo para<br />

reduzir as emissões de CO2. Não deveria isto ser<br />

um dado garantido numa cidade do primeiro<br />

mundo? Porquê um anúncio de 30 mil libras para<br />

nos lembrar desta mensagem?<br />

A cimeira COP15 não podia ter vindo em melhor<br />

altura, sobretudo para as empresas de<br />

comunicação social, cujas receitas de publicidade<br />

têm vindo a cair, uma vez que as multinacionais<br />

estão cortar nos seus orçamentos pan-regionais de<br />

publicidade e a centrarem-se antes em iniciativas<br />

tácticas para levarem os consumidores a consumir.<br />

Nas últimas semanas de 2009 – e nas primeiras de<br />

2010 – vamos assistir a uma verdadeira leva de<br />

marcas globais a relembrarem-nos quanto às suas<br />

boas intenções e as empresas de comunicação<br />

social a congeminarem novas formas de tentarem<br />

agarrar esses dólares de publicidade.<br />

Apesar de não haver nada de errado com a criação<br />

de campanhas elaboradas para conquistar os<br />

corações dos consumidores, interrogo-me se os<br />

leitores do Financial Times, da The Economist e<br />

dos vários diários económicos em espanhol,<br />

francês, japonês e alemão precisarão mesmo de<br />

levar com tantas “mensagens” deste tipo?” Muitos<br />

destes anúncios parecem de tal modo<br />

desesperados e são, francamente, tão pouco<br />

convincentes que quase se tornam ofensivos.<br />

Acredita mesmos nesses anúncios televisivos de<br />

grandes projectos no Golfo que defendem a sua<br />

sustentabilidade em voz ‘off’? Podem estar a<br />

construir uma cidade energeticamente eficiente do<br />

futuro, mas a que preço? Qual o consumo de todos<br />

esses voos ‘charter’ cheios de trabalhadores<br />

esgotados nos voos de ida e volta para Peshawar,<br />

Dhaka e Karachi? E o que dizer da felicidade da<br />

fauna marinha, esmagada pelas mandíbulas das<br />

escavadoras e dragas? Qual o impacto da comprar<br />

e transporte das ferramentas e maquinaria usadas<br />

nessas mesmas infra-estruturas e compradas na<br />

distante China?<br />

Mas também existem boas histórias. Eoquenão<br />

falta são exemplos notáveis. Mas sinto que existe<br />

um crescente sentimento de preocupação e de<br />

suspeita junto dos consumidores quanto a todos<br />

esses prefixos e sufixos “eco” usados nos anúncios,<br />

nas embalagens e no material de marketing.<br />

Se algum desse material publicitário ajudar os<br />

jornais em dificuldades a melhorarem os seus<br />

resultados, então gastar alguns dólares em<br />

marketing não terá nada de mal – mas se<br />

contribuir antes para aumentar as suspeitas dos<br />

consumidores e se a mensagem não nos remeter<br />

para o seu ‘core business’, então de nada serve aos<br />

accionistas e aos consumidores. Se o ‘core<br />

business’ for construir viaturas, é lícito esperarmos<br />

anúncios que remetam para programas<br />

abrangentes de redução de emissões e para a<br />

construção de viaturas facilmente recicláveis.<br />

Mas se há algo que devemos reter é que estamos<br />

também no negócio de concepção de veículos,<br />

veículos estes que os consumidores certamente<br />

vão querer ver, testar e comprar. E assim como os<br />

hotéis que se vendem como estabelecimentos de<br />

“design” tendem a ser tudo menos edifícios bem<br />

planeados e bem concebidos, demasiados rótulos<br />

“eco” e demasiados slogans excessivamente bem<br />

intencionados mais não fazem do que poluir o<br />

mercado.<br />

Tyler Brûlé é director da Monocle<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 39<br />

Nuno Artur Silva<br />

E pode-se assobiar<br />

“O optimista pensa que vivemos no melhor<br />

de todos os mundos possíveis. O pessimista receia<br />

que isso seja verdade”. A frase é de Robert<br />

Oppenheimer, considerado “o pai da bomba<br />

atómica”. Seria ele um optimista ou um<br />

pessimista? A verdade é que inventou uma bomba<br />

que pode acabar com qualquer mundo, o melhor<br />

e o pior. A realidade muda. Às vezes<br />

estrondosamente.<br />

Nesta época natalícia ocorre-me falar dessa<br />

antítese de Pai Natal que é o Profeta da Desgraça.<br />

Tal como os Pais Natal nos centros comerciais, com<br />

a crise, têm-se multiplicado os Profetas da<br />

Desgraça nos canais informativos. Há-os em<br />

versão light , mas os que se destacam são os do<br />

género apocalíptico. De entre estes, Vasco Pulido<br />

Valente e, sobretudo, Medina Carreira.<br />

Para Pulido Valente a explicação de tudo em<br />

Portugal está no século XIX e no início do século<br />

XX. Tudo o que acontece hoje, cem anos depois,<br />

explica-se à luz dessa época e de acordo com a<br />

evidência de que os portugueses são muito<br />

estúpidos. É verdade que o Eça e o Camilo são mais<br />

actuais do que gostaríamos, mas é divertido<br />

verificar a quantidade de vezes que Pulido Valente<br />

se enganou nas suas previsões. Medina Carreira<br />

reduz tudo à questão financeira e ao facto de<br />

estarmos a perder não sei quantos milhões por dia<br />

e caminharmos irreversivelmente para a banca<br />

muito rota por causa da total incompetência do<br />

pessoal político. E, tal como Pulido Valente, não só<br />

não deixa de ter uma certa razão como, pela certa,<br />

lhe está a faltar uma outra razão essencial.<br />

No âmbito da Física, a experiência do gato de<br />

Schrodinger mostrava, não só como a realidade é<br />

complexa como, simplificando, que é impossível<br />

observá-la sem nela interferir.<br />

O que se vê depende sempre de quem vê e donde<br />

se vê. E da fé. É a velha questão do copo meio<br />

cheio ou meio vazio. E de quem o feio ama bonito<br />

lhe parece. Ou na versão pessimista: quem<br />

o bonito detesta, feio lhe parece.<br />

Nas comédias televisivas utilizavam-se risos<br />

gravados para condicionar a recepção do<br />

espectador. Experimentem ver um programa de<br />

humor com uma plateia predisposta a gostar do<br />

comediante e depois ver o mesmo programa num<br />

grupo que à partida não acha graça nenhuma<br />

ao mesmo comediante. É como ver dois programas<br />

diferentes. A expressão “estado de graça”<br />

aplica-se aqui na perfeição.<br />

No palco do nosso Portugal bipolar têm<br />

contracenado Cândidos e Velhos do Restelo<br />

para todos os gostos, com melhores ou piores<br />

audiências. O que têm faltado são fazedores.<br />

Daqueles que fazem realmente a diferença.<br />

Um dos que fizeram realmente a diferença, talvez<br />

o que fez mais a diferença em Portugal, nos<br />

últimos cem anos, Mário Soares, editou agora um<br />

ensaio dedicado aos jovens intitulado “Elogio<br />

da Política” onde lembra que a política é uma<br />

actividade nobre. Éomomentocertoparao<br />

lembrar e Soares tem a autoridade para o fazer.<br />

É um optimista com 85 anos. Sempre foi. Eoseu<br />

optimismo fez mudar o país.<br />

O meu filme favorito sobre a vida de Cristo<br />

chama-se “A Vida de Brian”, dos Monty Python. O<br />

filme termina com os crucificados a cantarem<br />

“Always look on the bright side of life”.<br />

Parecendo que não, é um belo e sábio<br />

mandamento. E pode-se assobiar.


40 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

VIDA<br />

Guta Moura<br />

Guedes<br />

“Os objectos<br />

cansam-me”<br />

Há 12 anos criou um bienal de design a que<br />

chamou Experimenta. Foi o ponto de partida<br />

para chegar onde está hoje: comissária da<br />

programação de um novo equipamento cultural<br />

de Paris. Aos 44 anos, esta mulher diz estar numa<br />

fase divertida da vida. Fomos encontrá-la<br />

na que será a sua nova casa, um lugar<br />

que pretende ser despojado e simples<br />

no centro da sua cidade: Torres Vedras.<br />

É de lá que vai programar Paris.<br />

Entrevista de Isabel Lucas. Fotografia<br />

de Augusto Brázio


Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 41


42 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

VIDA<br />

Os pés pisam um vidro grosso. Dá para a rua<br />

e ilumina o interior. Nele uma frase de Herberto<br />

Helder transformada em objecto de design e que fala<br />

de um absoluto, uma casa, uma leitura pouco óbvia<br />

como Guta gosta que seja a arte: desafiadora<br />

GGuta Moura Guedes, designer.<br />

É assim?<br />

A maior parte das vezes, é.<br />

E quando não é?<br />

(Risos).<br />

Quando preenche um formulário o que<br />

coloca no espaço onde diz ‘profissão’?<br />

Varia.<br />

Em função de quê?<br />

Mesmo nunca tendo estudado design –<br />

estudei dois anos design, sou uma ‘self-<br />

-made de designer’ – colocaria designer,<br />

sem dúvida. É isso que habitualmente<br />

coloco. Mas tenho desempenhado funções<br />

e trabalhos muito distintos que continuo a<br />

encaixar nessa categoria de design porque<br />

faço design estratégico, design de serviços,<br />

design de conceitos.<br />

Há uma frase de Herberto Helder<br />

gravada na casa que está a recuperar.<br />

“A casa - como direi?, – absoluta”.<br />

Aquela casa é um absoluto?<br />

Gosto muito da escrita do Herberto Helder.<br />

Uma das coisas que me fascina nele e nos<br />

temas que escolhe é a ligação forte à<br />

arquitectura. Ando sempre a ler a poesia<br />

dele a tirar frases que vou apontado.<br />

Essas frases são o quê? Inspirações?<br />

São mais identificações do que<br />

inspirações. São frases em que me<br />

identifico. Tenho os livros sempre todos<br />

sublinhados… Mas são sempre<br />

identificações ou choques abruptos, coisas<br />

que não nos pertencem mas que mexem<br />

muito connosco. Neste caso não. “Uma<br />

casa absoluta” porque estou a construir<br />

aquela casa, a minha primeira casa<br />

sozinha. Minha e dos meus filhos. Achei<br />

perfeito, sabendo que uma casa absoluta<br />

nunca existe. O absoluto não existe<br />

também. Fazer uma casa é uma coisa<br />

muito exigente. Não digo que gosto muito<br />

de fazer muitas casas. Gosto imenso de<br />

olhar para as casas e para os espaços<br />

construídos, mas custa-me fazer uma<br />

casa. É muito exigente. Puxa muito por<br />

mim. Estou a gostar. Não sei dizer se é a<br />

minha casa para o resto da vida. Acho que<br />

não é. Nunca é… Há uma espécie de<br />

vertigem.<br />

E tornou a frase do Herberto num<br />

objecto de design.<br />

(Risos) Queria que a frase do Herberto<br />

passasse pelas mãos de um designer de<br />

comunicação e que ele brincasse com as<br />

palavras. Passei ao Nuno Luz, designer da<br />

Experimenta, e ele fez aquela brincadeira<br />

que nem sempre permite uma leitura óbvia<br />

de uma frase que já não é óbvia por si.<br />

Andámos ali de roda de uma série de ideias<br />

dele e chegámos aquela forma que<br />

funciona. Gosto imenso dessa ideia. Gosto<br />

disso em tudo o que faço. A maior parte<br />

das vezes acho que construímos coisas que<br />

são muito passivas, pouco exigentes. As<br />

pessoas devem ser solicitadas a “perder<br />

tempo” com as coisas.<br />

Que lugar ocupam as peças de design<br />

na sua casa?<br />

As minhas casas são muito vazias, têm<br />

pouquissímos objectos. Os objectos<br />

cansam-me. Não gosto de ‘gadgets’, não<br />

gosto de coisinhas. Nada. Nada. Por<br />

natureza não procuro isso. Procuro música,<br />

discos, livros, isso sim são coisas que gosto<br />

de ter. Mas não sou uma coleccionadora,<br />

nunca coleccionaria, não tenho obsessão<br />

de ter peças assinadas; de ter ícones do<br />

design na minha casa. Não tenho. Tenho<br />

coisas simplicíssimas. Não tenho nada<br />

vontade de uma casa cheia de objectos<br />

desenhados por autores conhecidos ou que<br />

sejam referências no mundo do design.<br />

Tenho obsessão por objectos que<br />

funcionem bem. Adoro uma mesa assim<br />

comoesta[agarranamesadocaféàfrente<br />

da qual está sentada], uma cadeira<br />

confortável, uma cama como deve de ser.<br />

Isso sim, gosto muito.<br />

A palavra ‘design’ banalizou-se?<br />

Sim. Deixámos que tivesse um sentido…<br />

Ouve-se dizer “isto é um objecto de<br />

design”, ou “isto é muito design”. É uma<br />

coisa extraordinária. Tudo o que vemos em<br />

nosso redor, seja um porta-chaves um<br />

clip, ou um copo, foi desenhado. Portanto,<br />

tudo é design em certa medida. Pode é ser<br />

bom ou mau. E isso é visto comparando o<br />

objectivo que se quer quando se desenha<br />

uma peça e a performance dessa peça, a<br />

sua eficácia. Quando faço uma casa ou<br />

quando faço um escritório, é claro que o<br />

design está presente. Mesmo que a casa<br />

estivesse toda vazia, mesmo que a casa só<br />

tenha três ou quatro coisas. O desenho do<br />

vazio é também uma opção, é um acto de<br />

design. Depois há peças mais icónicas de<br />

design de autores de que gosto imenso e<br />

que gostava de ter, por exemplo.<br />

Está numa fase de mudança de vida e<br />

não só de mudança de casa…<br />

É engraçado porque às vezes leio isso e não<br />

é bem assim. Há 12 anos que faço<br />

consistentemente uma coisa: a<br />

ExperimentaDesign. Essa é a base. Depois<br />

faço muitas coisas diferentes – não só<br />

“<br />

Em termos<br />

profissionais<br />

as coisas não<br />

acontecem<br />

por acaso. Olho<br />

sempre para<br />

o que fiz<br />

até agora<br />

e a ligação<br />

entre as peças<br />

é perfeita.<br />

São sempre<br />

consequência<br />

do que fiz antes<br />

diferentes, porque são trabalhos distintos,<br />

mas também geograficamente diferentes e<br />

em condições diferentes. Faz parte da<br />

minha natureza. Gosto de fazer muitas<br />

coisas distintas e tenho uma linha de<br />

trabalho que vai unindo aquilo que faço<br />

enquanto plataforma. Essaéafontede<br />

alimento para tudo o resto. Tenho o<br />

cuidado de manter sempre esse tipo de<br />

bases em várias vertentes da minha vida;<br />

na familiar também.<br />

Há pouco, numa conversa informal, dizia<br />

que as pessoas a acham arrogante. Qual<br />

a razão dessa imagem que criou?<br />

Quando sabemos muito bem aquilo que<br />

queremos fazer e por onde queremos ir e<br />

em que direcção, às vezes isso pode ser<br />

visto como uma forma de arrogância. Sou<br />

muito afirmativa na forma de ser, embora<br />

depois seja muito afectiva e ligada às<br />

pessoas. Verdadeiramente afectiva. Mas sei<br />

muito bem o que quero e por onde quero<br />

ir. E às vezes isso é algo intimidante.<br />

E onde quer ir?<br />

Em termos profissionais? As coisas não<br />

acontecem por acaso. Olho sempre para o<br />

que fiz até agora e a ligação entre as peças é<br />

perfeita, são sempre consequência do que<br />

fiz antes, ou onde estive antes e de pessoas<br />

com quem me cruzei e da forma como faço<br />

a gestão desses contactos e desses<br />

entusiasmos. No fundo sou muito selectiva<br />

em relação a esse ‘network’, de pessoas e<br />

de influências. É um ecossistema muito<br />

rico e que vai criando uma série de<br />

oportunidades. E depois, ou se está lá ou<br />

não está, ou se quer ou não aceitá-las. Mas<br />

as coisas não acontecem por acaso. São<br />

sempre fruto de um percurso e de uma<br />

linha de trabalho.Eaformacomome<br />

posiciono funciona como uma espécie de<br />

íman que vai atraindo pessoas, projectos,<br />

convites, desafios. Sou uma provocadora<br />

desses convites.<br />

Foi esse íman que atraiu os<br />

responsáveis pelo novo equipamento<br />

cultural de Paris, o La Gaité, que a<br />

convidaram para comissariar o primeiro<br />

núcleo de programação?<br />

O Jerome Delormas (director-geral do La<br />

Gaité) veio cá em Setembro de 2009 ter um<br />

primeiro encontro comigo. Conhecia o<br />

meu trabalho e queria falar comigo sobre<br />

uma possível ligação entre a Experimenta<br />

e Paris. Tão abstracto quanto isso. Depois,<br />

estivemos em contacto mais duas ou três<br />

vezes e ele esteve a assistir a toda a semana<br />

inaugural da Experimenta Design.<br />

Voltámos a falar sobre o que podíamos<br />

fazer em conjunto com o La Gaité, com a<br />

Experimenta, com Paris, com Lisboa.<br />

Porque à Experimenta e a mim interessa<br />

muito essa ligação com as cidades que<br />

ultrapassa um trabalho às vezes mais<br />

pontual com outros países ou outros<br />

espaços e o Jerome insistia sempre: “tens<br />

que vir a Paris e tens que ver La Gaité”. E<br />

depois convidou-me para ir. Acho que ele<br />

sabia que eu tinha que ver o espaço e


Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 43


44 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

VIDA<br />

perceber o que era aquilo para me seduzir “convites que implicavam que me fosse<br />

por completo, para algo mexer comigo.<br />

embora ou que estivesse seis ou sete meses<br />

Quando fui a Paris, ele disse-me que além<br />

fora. Isso, para mim, não faz sentido de<br />

da parceria com a Experimenta gostava<br />

todo. É mais uma condicionante nas<br />

muito de me convidar para comissariar a<br />

minhas escolhas. Aceito coisas que possa<br />

programação do La Gaité. Não foi muito<br />

fazer neste misto de estar cá e ir lá. É muito<br />

surpreendente. Foi muito um desafio<br />

importante ir lá, mas amanhã tenho duas<br />

porque o La Gaité não se posiciona muito<br />

horas de skipe agendadas com o Michel<br />

na área do design, mas na área cultural e<br />

Reilhac (director de cinema do canal de<br />

não havia necessariamente uma ligação ao<br />

televisão ARTE) e como o Jerome e estou<br />

design se o Jerome não a quisesse fazer. E<br />

em Torres Vedras e eles estão em Paris e<br />

ele definitivamente quer fazê-la.<br />

estamos a trabalhar em conjunto. Não<br />

implica eu ir. Cada vez mais as novas<br />

tecnologias permitem estar num sítio e<br />

trabalhar em rede com o mundo inteiro.<br />

Já sabe o que vai fazer em Paris?<br />

Ainda não sei. É tudo muito novo. Sei qual<br />

é o desafio, sei que é um projecto que vai<br />

falar sobre o futuro e celebrar o facto de em<br />

2062 o La Gaité fazer 200 anos. Vamos<br />

trabalhar como ‘layer’ do passado, olhando<br />

para o presente. É uma visão antecipatória<br />

desse ano de 2062. Não vamos estar a criar<br />

um projecto para 2062. Vamos apresentar<br />

em 2011 uma visão de 2062.<br />

Parece um pouco ficção científica.<br />

(Risos) Li imensa ficção científica quando<br />

era miúda. Essa capacidade de antecipar e<br />

de criar cenários é das coisas mais<br />

extraordinárias. Se há área onde isso tem<br />

um poder extraordinário é cultura, na<br />

criação artística, porque praticamente não<br />

há fronteiras, limites. Pode-se criar o<br />

inexistente. Vamos ter actores na área da<br />

cultura, sejam músicos, cantores,<br />

performers, designers ou arquitectos e<br />

puxar por essa liberdade criativa, tentando<br />

com eles criar uma visão de 2062. Estamos<br />

a identificar coisas muito específicas em<br />

relação ao presenteeéumpresente<br />

ancorado numa cidade como Paris – que<br />

nos interessam agora. Já chegámos a<br />

algumas conclusões, o que é que nos<br />

interessa trabalhar. Partiremos de alguns<br />

olhares muito concretos sobre o presente<br />

para fazer essa visão do futuro. É aí que<br />

entram todos os criadores que vamos<br />

convidar. Portanto, a coisa está muito,<br />

muito em aberto.<br />

Isso implica conhecer o cenário. Qual é<br />

a sua relação com Paris?<br />

Tive um grande enamoramento com Paris<br />

há muitos anos e depois um grande<br />

afastamento. Paris deixou de me<br />

interessar. Mas identifico-me muito com a<br />

cultura francesa e posso dizer que sinto-<br />

-me em casa em Paris. É uma cidade que<br />

me é muito próxima, de pele e<br />

emocionalmente. Paris está em<br />

transformação e é muito interessante<br />

observar isso. Vai ser muito interessante<br />

perceber que, por exemplo, no Marais há<br />

uma comunidade chinesa fortíssima, há<br />

uma comunidade gay também muito forte,<br />

toda uma dimensão de situações sociais<br />

que vão mudar o olhar que vamos ter<br />

sobre aquele espaço. E essa é uma das<br />

áreas que me interessa: perceber em que<br />

medida estas camadas sociais e culturais<br />

que Paris tem que não batem certo com<br />

essa memória que existe, escrita e em<br />

cinema, como é que isso já mudou na<br />

cidadeeoqueéqueissovaimudar,<br />

inevitavelmente, naquela cidade.<br />

Geograficamente, vai manter-se em<br />

Torres Vedras?<br />

Vou. Aliás, continuo na Experimenta.<br />

Estamos a preparar muitas coisas em<br />

Portugal. Interessa-me muito trabalhar em<br />

Portugal. A próxima edição da Bienal é em<br />

2011; já estamos a trabalhar nela. Tive um<br />

convite para o Brasil, São Paulo, ainda não<br />

é público, mas vou muito em breve ao<br />

Brasil começar novos trabalhos. É apenas<br />

mais uma peça do tal ‘puzzle’. Não posso,<br />

nem quero deixar Portugal. Já tive vários<br />

Não gosto<br />

de ‘gadgets’,<br />

não gosto de<br />

coisinhas.<br />

Nada. Nada.<br />

Não sou uma<br />

coleccionadora<br />

e não tenho<br />

obsessão<br />

de ter peças<br />

assinadas;<br />

de ter ícones<br />

do design<br />

na minha casa<br />

Não lhe passa pela cabeça viver fora<br />

de Torres Vedras, a sua cidade?<br />

Quando fui estudar, vivi em Lisboa<br />

durante quatro anos. Depois casei, vivi um<br />

ano em Lisboa e quando fiquei grávida<br />

lembro-me de estar no autocarro e pensar<br />

que não queria que o meu filho nascesse<br />

ali. Tenho uma raiz. É engraçado, mas<br />

quando uma pessoa não nasce numa<br />

grande cidade e faz essa deslocação de ir<br />

para a grande cidade, há sempre uma terra<br />

que a chama. Sou muito ligada a isto. À<br />

estrutura familiar que tenho aqui, ao<br />

apoio. O que não quer dizer que não vá<br />

viver para outro sítio. Para ser sincera,<br />

50% do meu ano não vivo aqui. Tenho<br />

uma relação de seis meses com esta<br />

cidade, quotidiana, e depois tenho seis<br />

meses em que não estou cá. E acho que<br />

neste momento não conseguiria viver fora.<br />

É uma cidade com personalidade e que<br />

conheço desde pequenina. Passo muito<br />

tempo fora de Portugal, quase sempre<br />

numa realidade ilusória, em bienais, vive-<br />

-se num mundo irreal e aprecio imenso<br />

este exercício da relatividade de viver num<br />

espaço que é uma cidade portuguesa de<br />

província que obriga a relativizar as coisas.<br />

Relativiza a importância do que faço<br />

noutros sítios e chama-me para coisas<br />

muito básicas, muito simples, muito<br />

estruturantes. Continuam a ser as mais<br />

importantes da vida. E, às vezes,<br />

frequentando outros caminhos, outros<br />

passos, corre-se o risco de esquecer isso.<br />

Gosto de não me esquecer, de ter isso<br />

sempre presente.<br />

A edição de 2007 da Experimenta<br />

foi cancelada por causa de um litígio,<br />

chamemos-lhe assim, com o então<br />

presidente da Câmara de Lisboa,<br />

Carmona Rodrigues. Pouco antes<br />

de ser convidada a desempenhar<br />

cargos políticos, primeiro enquanto<br />

administradora do CCB e depois<br />

como programadora da Casa<br />

da Música. Qual a sua relação<br />

com a política?<br />

Opero em relação à sociedade de uma<br />

forma política, mas a política partidária<br />

não me interessa. Não tenho nenhuma<br />

ligação nem com esquerda, nem com a<br />

direita. Neste momento não consigo dizer<br />

que me identifique com nenhum partido.<br />

Sei que não me interessam os extremos.<br />

Nem a extrema-esquerda, nem a<br />

extrema-direita.


Mas é forçada a lidar com quem está no<br />

poder.<br />

Sim. Tal como tenho de lidar com todos os<br />

empresários. Tenho de saber lidar com<br />

todas as pessoas. Agora, sempre me liguei e<br />

sempre me relacionei com as pessoas que<br />

estão à frente das coisas e não com as<br />

pessoas que estão atrás dessas pessoas. Não<br />

me interessam os partidos, mas as pessoas.<br />

Mesmo não votando em Lisboa, apoiei o<br />

António Costa porque acreditei nele em<br />

2007, quando se candidatou pela primeira<br />

vez, e porque, depois destes dois anos em<br />

Lisboa, merecia não só continuar o<br />

trabalho iniciado como ter mais tempo<br />

para levar projectos de fundo, essenciais<br />

para a capital portuguesa, a bom porto. É<br />

um homem rigoroso e consistente que<br />

defende, tal como eu, o papel da cultura e<br />

do design como prioritários para<br />

desenvolver a cidades do século XXI.<br />

O design seria uma disciplina obrigatória<br />

para a classe política?<br />

Não só para a classe política. É daquelas<br />

disciplinas que todos deveríamos aprender<br />

a utilizar desde muito cedo porque é<br />

utilíssima. Permite olhar para o contexto e<br />

ver onde está o problema e saber que há<br />

que chegar àquele ponto e desenhar a<br />

estrutura que leva a ele. Imensa gente faz<br />

isso de forma altamente intuitiva. Agora,<br />

pode-se aprender como fazer isso de<br />

forma muito mais técnica e muito mais<br />

aperfeiçoada.Eéissoqueodesignfaz.Eé<br />

muito interessante porque o design é<br />

muito abrangente. É talvez a disciplina<br />

Não me<br />

interessam<br />

os partidos,<br />

mas as pessoas<br />

(...) António<br />

Costa é um<br />

homem<br />

rigoroso<br />

e consistente<br />

que defende<br />

a cultura<br />

e o design<br />

como<br />

prioritários<br />

para<br />

desenvolver<br />

as cidades<br />

do século XXI<br />

Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 45<br />

mais abrangente. Tem condicionantes de “A sua saída do CCB esteve envolta em<br />

carácter económico, de sustentabilidade<br />

polémica. Houve algum momento em<br />

ambiental ou social, condicionantes de<br />

que sentiu que não devia ter aceite o<br />

carácter estético e ético. Há toda uma série<br />

convite?<br />

de áreas que um designer é obrigado a<br />

Não. O CCB estava uma altura muito<br />

pensar se quiser produzir uma resposta<br />

crítica quando entrei lá.<br />

boa, consistente e eficaz. Nem a<br />

arquitectura nem a engenharia são tão<br />

abrangentes. Acho uma ferramenta<br />

utilissíma quer para políticos, quer para<br />

gestores nos hospitais.<br />

Sentiu-se bem em estruturas como a<br />

Casa da Música ou o CCB?<br />

Acho que sou mais útil fora de uma<br />

estrutura tão rígida e tão formal. Não me<br />

revejo em estruturas muito rígidas onde<br />

exista um ambiente de formalismo, onde<br />

exista uma grande incapacidade de<br />

resposta a tempo e onde se perca<br />

demasiado tempo em coisas que considero<br />

pouco importantes.<br />

Está a referir-se a estas duas<br />

instituições?<br />

Não. Estou a referir-me à maior parte das<br />

instituições que nós, sociedade,<br />

desenhamos ao longo dos tempos. Não é só<br />

na área da cultura. No ponto de vista das<br />

pessoas políticas, das instituições sociais.<br />

Penso que deviam ser redesenhadas.<br />

Conheço a experiência de estar em<br />

estruturas que não têm essa rigidez e esse<br />

formalismo. Foi útil, foi interessante, foi<br />

muito estimulante e gostei de as ter mas<br />

acho que sou mais útil se estiver a operar<br />

num território muito mais flexível.<br />

Tinha consciência disso?<br />

Sim. Mas tinha para mim um desafio<br />

importantíssimo que era o museu do<br />

design. E eu sabia perfeitamente o que<br />

deveria fazer para transformar o museu do<br />

design naquilo que ele deveria ser. Para o<br />

colocar no circuito internacional tal como<br />

nós fizemos com a Experimenta. Portanto,<br />

esse desafio com uma instituição que<br />

tinha uma peça importantíssima neste<br />

jogo foi o suficiente para eu dizer que sim.<br />

Eu sabia onde estava a entrar. Ao pensar<br />

também sei que um bocadinho antes de<br />

mim. Posso é ter saído frustrada por não<br />

ter conseguido fazer aquilo que queria.<br />

Há pouco falava das oportunidades e<br />

convites para trabalhar fazer fora do<br />

país. Declinou sempre esses convites.<br />

Sente que isso a prejudicou?<br />

Claro que sim. Mas sou mãe, tenho dois<br />

filhos, e acho que das coisas mais<br />

importantes que se pode ter na vida é ser<br />

mãe e ter filhos. E é uma coisa que ainda<br />

por cima tem um ‘timming’ relativamente<br />

curto. Porque eles são pequeninos durante<br />

muito pouco tempo. Depois são como nós,<br />

são adultos. Continuo a ser mãe deles,<br />

obviamente mas já é outra coisa.<br />

Entretanto eles já ficam nossos irmãos,<br />

pessoas como nós. Esse tempo de<br />

crescimento, esse tempo de formação é<br />

muito importante, é determinante. Acho<br />

que é um privilégio poder acompanhar<br />

isso muito bem. Portanto, nunca, durante<br />

este período, faria algo que me levasse<br />

para longe deles. E também, por natureza,<br />

não me via a levá-los para outro sítio<br />

porque preciso de uns sítios, as tais<br />

referências, para ter o meu equilíbrio.<br />

Portanto, a opção foi dizer sempre que<br />

não, com muita pena muitas vezes, mas<br />

não tenho nada de arrependida. Pelo<br />

contrário, acho que fiz sempre certíssimo,<br />

e agora eles estão tão grandes, um tem 19,<br />

outro 15 e começa a ser tempo de eu poder<br />

aceitar coisas mais fora de Portugal e que<br />

me levem para fora de Portugal. Mas eu<br />

não quero, não gostaria de sair de<br />

Portugal.<br />

Li em algum lado que se acha uma<br />

anti-social.<br />

Sou muito solitária. Saio muito, muito<br />

pouco. Não individualista, mas solitária.<br />

Se estou em trabalho, sou sociável e faço<br />

isso muito bem. Mas por natureza sou<br />

muito reservada e sou de muito poucas<br />

pessoas. Acho que isso depois não bate<br />

certo, às vezes, com aquilo que as pessoas<br />

vêem. Não há disposição.<br />

Mas aparece muito na comunicação<br />

social. Como lida com isso?<br />

Acho importante comunicar o que faço e<br />

não me importo nada de o fazer. Coisas<br />

muito pessoais não gosto. Digo muitas<br />

vezes que não. Mas também faço uma<br />

gestão muito instintiva dessa área. Sou<br />

daquelas pessoas que entra numa<br />

inauguração e dá duas voltas, fala com três<br />

pessoas e vai-se embora a seguir. É mais<br />

do que suficiente. Depois no dia a seguir<br />

vou lá, sozinha. Mas vou se é alguém que<br />

eu admire, alguém que eu respeite,<br />

alguém de que goste particularmente,<br />

dizer ‘estou aqui, vim cá para ver o teu<br />

trabalho, estou aqui porque acredito<br />

naquilo que fazes ou quero que me<br />

surpreendas e quero aprender’.


46 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

VIDA<br />

Há um lado de gestora ligado à sua<br />

profissão.<br />

Estudei gestão hoteleira… Foi muito útil.<br />

Tive muitas cadeiras de gestão, de<br />

economia.<br />

Alguma vez lhe passou pela cabeça<br />

gerir um hotel?<br />

Não. Nunca. Soube que não queria nada<br />

disso quando ainda estava a estudar.<br />

A Experimenta é a sua grande causa?<br />

É. Não tenho dúvida. Eu quero muito,<br />

gostaria muito de poder contribuir para<br />

que, progressivamente, algumas coisas<br />

que eu acho que estão altamente<br />

desproporcionais em Portugal se fossem<br />

alterando.<br />

Mas está muito dependente de ajuda<br />

externa.<br />

Dependo. Defendi que fazer a bienal<br />

Experimenta em Portugal é importante<br />

para o nosso país, é importante para a<br />

cidade, colocou Lisboa num certo sítio,<br />

colocou Portugal num certo sítio, coloca<br />

os nossos criadores num certo sítio<br />

também. Nós formamos milhares de<br />

pessoas a cada edição, o nosso papel cá é<br />

muito importante para o nosso país e para<br />

a cidade onde operamos. Acho que deve<br />

haver uma comparticipação do Estado e<br />

da cidade em relação a este projecto. Do<br />

Estado é uma comparticipação mínima<br />

comparada com a das realidades que<br />

conheço como em Itália ou França. Aqui<br />

nós temos uma comparticipação de 38%<br />

em relação ao orçamento total da bienal.<br />

Estou confortável com 38% mas não é<br />

muito. Se me coloca na dependência? Só<br />

me coloca se eu quiser. Por isso uma vez<br />

cancelei a bienal. Foi uma decisão muito<br />

mais política do que económica. Eu podia<br />

ter feito a bienal mais pequenina só que,<br />

politicamente, seria, para mim,<br />

completamente em vão estar a fazer uma<br />

bienal numa cidade quando o Presidente<br />

da Câmara dessa cidade não a queria. Se<br />

não quer, eu não faço. As coisas devem ser<br />

feitas de forma sinérgica, em colaboração.<br />

É assim que gosto de trabalhar.<br />

Vais sair na próxima edição da “Vogue”<br />

italiana.<br />

É um artigo todo sobre o meu trabalho. A<br />

“Vogue” italiana é conhecida no mundo<br />

das revistas de moda por trazer temas que<br />

MAKING-OF<br />

Estamos numa rua pedonal no centro de<br />

Torres Vedras, a cidade onde Guta Moura<br />

Guedesnasceuhá44anoseondevive<br />

apesar das solicitações do exterior.<br />

É ali que a directora da<br />

ExperimentaDesign está a recuperar uma<br />

casa antiga. É ali que quer ser<br />

fotografada, num espaço que não quer<br />

encher de objectos, mas onde está<br />

presente a marca da designer.<br />

É uma casa de todas as cores, divertida,<br />

como o actual momento que diz estar a<br />

viver.<br />

normalmente não saem nas revistas de<br />

moda.<br />

Qual a sua relação com a moda?<br />

Interessa-me só enquanto forma de<br />

comunicação. Só me interessa a roupa<br />

como veículo de comunicação. E do ponto<br />

de vista criativo, ou seja, interessam-me<br />

certos criadores. Cada vez mais está no<br />

campo artístico e portanto já é difícil dizer<br />

que se é um designer de moda. Mas<br />

interessa-me enquanto pólo de<br />

criatividade, enquanto expressão artística<br />

e criativa. E depois a minha relação com a<br />

moda é rigorosamente zero a não ser no<br />

sentido em que me visto e que escolho<br />

aquilo que visto com uma intenção<br />

deliberada. Não me visto de uma forma<br />

neutra, nem me visto como se não me<br />

estivesse a vestir.<br />

Como é que se vestiu para esta<br />

entrevista?<br />

Pensei que o critério era sempre<br />

fotogénico. Essencialmente isso. A roupa é<br />

uma forma de comunicação, como a<br />

palavra, como a escrita, como a música,<br />

Escreve?<br />

Escrevo. Escrevo um bocadinho.<br />

Mas não publica.<br />

Não.<br />

Porquê?<br />

Porque sou muito, muito, muito crítica.<br />

Procuro fazer as coisas muito bem feitas e<br />

acho que devo investir naquilo que faço já<br />

muito bem e devo-me divertir com aquilo<br />

que me interessa porque preciso,<br />

eventualmente, de escrever e preciso<br />

tocar a música ou alguma coisa assim (já<br />

não toco piano há muitos anos), mas gosto<br />

demasiadamente de ler para poder<br />

publicar.<br />

O que gosta de ler? Falou de Herberto.<br />

Gosto de ler uma imensidão, mas tem que<br />

ser muito bom, dentro dessa imensidão.<br />

Não consigo ler maus livros.<br />

O que é um mau livro?<br />

É um livro mal escrito. Não consigo ler<br />

uma boa história mal escrita. Fico doente.<br />

Tenho uma enorme paixão pela palavra e<br />

pela construção de um texto, pela<br />

estrutura de um texto, pela história<br />

“também, obviamente. As histórias são<br />

extraordinárias mas não me chega a<br />

existência de uma história. Tem que<br />

existir uma estrutura de texto, uma<br />

palavra, um hino da palavra, um hino de<br />

Sou muito<br />

solitária. Não<br />

individualista,<br />

mas solitária.<br />

Se estou em<br />

trabalho, sou<br />

sociável e faço<br />

isso muito<br />

bem. Mas por<br />

natureza sou<br />

muito<br />

reservada<br />

ritmo, que por detrás daquela história me<br />

faça ler. Gosto tanto dos clássicos, gosto de<br />

alguns contemporâneos, mas poucos.<br />

Gosto do Philip Roth, acho extraordinário,<br />

nãosópelotemacomopelaformacomo<br />

ele escreve. Mas estou constantemente<br />

‘back to the classics’ porque não consigo<br />

resistir. Quer dizer, como é que a pessoa<br />

resiste a Eça de Queirós, Stendhal,<br />

Faulkner, Proust, todos esses, como é que<br />

se resiste? Depois o tempo é muito curto.<br />

É que não se pode ler tudo, não é? E então<br />

prefiro só ler os melhores. O que escrevo<br />

deve ser muito ridículo. Ridículo<br />

comparado com isso.<br />

Como define a actual fase da sua vida?<br />

Muito divertida! Muito difícil… muito<br />

entusiasmante. Ter 44, quase 45 anos,<br />

estar mais ou menos a meio da vida. Estar<br />

com energia, estar com o que sinto que já<br />

sei. É um momento da vida muito<br />

interessante. Estou com alguma<br />

dificuldade de gestão de prioridades.<br />

Tenho muitas solicitações, muitas coisas<br />

para fazer. Como disse, não gosto de fazer<br />

nada mal, gosto de fazer coisas bem feitas<br />

e isso implica fazer escolhas e aplicar as<br />

forças e o foco em poucas coisas. Estou<br />

muito entusiasmada com o redesenho da<br />

Experimenta.<br />

Vai ser diferente?<br />

A bienal vai mudar um pouco mas a<br />

própria Experimenta vai ter áreas que me<br />

interessam, ligadas ao design e às questões<br />

sociais, ao design e o envelhecimento, o<br />

design e a sustentabilidade. Interessa-me<br />

muito trabalhar nesta área do design<br />

estratégico, portanto, do ponto de vista de<br />

design urbano, de design de cidades. E<br />

interessa-me muito, também em<br />

Portugal, a ligação entre o design e a<br />

indústria, a ligação entre o design e as<br />

empresas.<br />

E os empresários portugueses têm essa<br />

noção?<br />

Começam a ter noção agora e é preciso<br />

fazer isso agora. O design é uma mais-<br />

-valia competitiva extraordinária. Nós não<br />

fazemos isso. Temos de fazer isso.


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