Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
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Administração do<br />
BPP quer alargar<br />
solução para<br />
clientes do banco<br />
O plano das Finanças para pagar aos<br />
clientes não agrada à administração do<br />
BPP que defende que todos devem ser<br />
tratados de forma igual. ➥ P44<br />
SÁBADO, 19 DE DEZEMBRO 2009 | Nº <strong>1197</strong> | PREÇO (IVA INCLUÍDO): CONTINENTE 2,50 EUROS<br />
DIRECTOR ANTÓNIO COSTA DIRECTOR EXECUTIVO BRUNO PROENÇA<br />
DIRECTORA-ADJUNTA CATARINA CARVALHO SUBDIRECTORES FRANCISCO FERREIRA DA SILVA E PEDRO SOUSA CARVALHO<br />
Entrevista<br />
Saiba por que Guta Moura Guedes<br />
vai liderar um novo espaço<br />
cultural em Paris. ➥ OUTLOOK P40<br />
Santana Lopes<br />
regressa para<br />
condicionar<br />
disputa no PSD<br />
Ferreira Leite aplaudiu a proposta de<br />
Santana para um congresso<br />
extraordinário. Apoiantes de Passos<br />
Coelho dizem que “não faz sentido”. ➥ P26<br />
Opinião<br />
João Lobo Antunes escreve<br />
sobre as lições a tirar das<br />
vacinas da gripe A. ➥ OUTLOOK P11<br />
Líderes<br />
mundiais<br />
fazem acordo<br />
possível em<br />
Copenhaga<br />
www.economico.pt<br />
Venda de Igrejas<br />
Veja no que se pode transformar<br />
uma igreja à venda no Bairro<br />
Alto, em Lisboa. ➥ OUTLOOK P36<br />
Sócrates e Lula aprovam<br />
OPA brasileira sobre a Cimpor<br />
Os brasileiros da CSN lançaram<br />
uma oferta de compra surpresa sobre<br />
a Cimpor, oferencendo 5,75 euros<br />
por acção. No total, estão em causa<br />
3,8 mil milhõesde euros.<br />
A Cimpor responde considerando<br />
a OPA não amigável mas os brasileiros<br />
têm o apoio do Governo português.<br />
A Camargo Corrêa e Votorantim<br />
são outros grupos brasileiros que<br />
já se posicionam para lutar pelo<br />
controlo da cimenteira nacional.<br />
“Temos todo o apoio<br />
do Governo português”<br />
JUAREZ SALIBA DE AVELAR<br />
Director-geral da CSN<br />
Os líderes mundiais reunidos<br />
naCimeiradeCopenhaga<br />
falharam um acordo mais<br />
ambicioso e atiraram as<br />
maiores promessas para<br />
2050. ➥ P50 A 53<br />
Jamil Bittar/Reuters<br />
Saiba o que tem<br />
de fazer para<br />
ganhar dinheiro<br />
com a OPA<br />
O primeiro-ministro,<br />
José Sócrates e o<br />
presidente Lula da Silva.<br />
Os sinais<br />
de Teixeira dos<br />
Santos para<br />
provar que quer<br />
baixar o défice<br />
Os organismos internacionais e a<br />
oposição querem sinais de que o<br />
Governosepreparaparacontrolar<br />
o défice. Os economistas sugerem,<br />
por exemplo, poucos aumentos<br />
na função pública. ➥ P20
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4 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
A NÃO PERDER<br />
19.12.09<br />
Grécia avança com<br />
reforma fiscal para<br />
combater o défice<br />
Têm várias coisas em comum: o mesmo<br />
primeiro nome, um estrelato inesperado e<br />
o risco de ficarem para a história pelo pior<br />
das razões - estarem à frente do governo<br />
quando a Grécia faliu.<br />
➥ ECONOMIA - P22<br />
Santana regressa para<br />
condicionar disputa<br />
no PSD<br />
Santana Lopes regressou ao centro de<br />
todos os debates e causou burburinho<br />
dentrodoPSD.Bastouumartigode<br />
opinião a dizer que vai recolher<br />
assinaturas para convocar um congresso<br />
extraordinário. ➥ POLÍTICA - P26 A 27<br />
Galp invest 1.080 milhões<br />
no maior projecto industrial<br />
em Portugal<br />
A Galp Energia vai avançar com o maior<br />
investimento industrial da década em<br />
Portugal. O contrato para o projecto de<br />
reconversão da refinaria de Sines foi assinado,<br />
ontem, pela Galp Energia e pela espanhola<br />
Tecnicas Reunidas. ➥ EMPRESAS - P38 A 39<br />
Adão da Fonseca tenta<br />
convencer Finanças a<br />
alargar solução para o BPP<br />
Uma semana depois da apresentação, por<br />
parte das Finanças, do plano para os clientes<br />
do BPP, a administração de Adão da Fonseca<br />
não se dá por satisfeita. Isto porque o plano<br />
do Governo se dirige apenas à protecção dos<br />
clientes. ➥ DESTAQUE - P44 A 45<br />
Unicer investe em<br />
calendário para seduzir<br />
público jovem<br />
O ciclo da água é o conceito criativo que<br />
serve de base no calendário águas das<br />
pedras 2010, onde é possível ver todo o<br />
percurso deste elemento desde a nascente<br />
até ao momento em que chega à mesa do<br />
consumidor. ➥ DESTAQUE - P54<br />
SOCIEDADE ABERTA<br />
Vital Moreira<br />
Eurodeputado eleito pelo PS<br />
Asfixia financeira<br />
Em muitos países, a crise económica e financeira teve, e<br />
continua a ter, custos elevados para as finanças públicas,<br />
traduzidos em défices orçamentais consideráveis e no<br />
aumento súbito do endividamento público.<br />
Trata-se do resultado conjugado da diminuição substancial<br />
das receitas fiscais do Estado - em consequência<br />
directa da retracção económica - e do aumento das despesas<br />
públicas, em protecção social, em apoios ao emprego e<br />
em investimento público (para atenuar os efeitos da crise).<br />
Em alguns países europeus, como a Irlanda, a<br />
Grécia e a Espanha, o impacto orçamental está a ser<br />
especialmente severo, com drástica redução da<br />
receita, défices das contas públicas acima dos dois<br />
dígitos e dívida pública em escalada para o céu.<br />
Mesmo que não houvesse o Pacto de Estabilidade para<br />
voltar a respeitar – logo que a retoma económica em curso<br />
se consolide -, há desde logo que conter o aumento do<br />
risco do crédito externo e do preço da dívida. Não basta<br />
obviamente esperar pela retoma da actividade económica,<br />
que vai manter-se em ritmo modesto numa primeira fase,<br />
o que não possibilitará uma recuperação financeira rápida.<br />
Voltaram portanto os tempos de austeridade financeira.<br />
Por isso vão ser necessárias medidas de disciplina orçamental<br />
mais ou menos exigentes, especialmente do lado<br />
da despesa. Vários países começaram a subir os impostos<br />
ou a descer a despesa pública, ou ambas as coisas ao<br />
mesmo tempo. A contenção ou redução da despesa vai<br />
incidir necessariamente sobre as remunerações do sector<br />
público, tendo a Irlanda decidido mesmo cortar nos<br />
salários dos funcionários públicos!<br />
Como amostra do que vai suceder<br />
no orçamento para 2010,<br />
não podiam ser piores os augúrios.<br />
EemPortugal?<br />
Apesar de menos grave do que em muitos outros<br />
países, entre nós a crise não deixou de fazer importantes<br />
estragos nas contas púbicas, em especial a diminuição<br />
das receitas tributárias, com efeitos nocivos no<br />
aumentododéficeorçamentaledoendividamento<br />
público. Também virá o momento de contrariar essa<br />
degradação orçamental, que terá de ser feita pela redução<br />
da despesa pública (preferivelmente a despesa<br />
correnteenãoadeinvestimento),jáqueumaumento<br />
dos impostos é politicamente invendável.<br />
Infelizmente, a ter em conta o polémico “orçamento<br />
rectificat1ivo”, o caminho escolhido pela coligação das<br />
oposiçõesaoGovernominoritáriodoPSpareceser<br />
exactamente o contrário, ou seja, diminuir os as receitas<br />
(pagamento especial por conta e código contributivo da<br />
segurança social) e aumentar as despesas (por exemplo,<br />
transferências para a Madeira). Como amostra do que<br />
vai suceder no orçamento para 2010, não podiam ser<br />
piores os augúrios.<br />
É caso para dizer que alguém ensandeceu, politicamente<br />
falando. Mesmo que o alvo seja alegadamente<br />
o Governo, é evidente que o resultado será a asfixia<br />
financeira do país. ■<br />
AFRASE<br />
“Achoqueéumbelíssimo<br />
momento...antes das eleições<br />
directas.”<br />
—Manuela Ferreira Leite, Líder do PSD.<br />
A presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, considerou<br />
ontem como positivo que antes das eleições directas para<br />
a liderança do PSD aconteça um congresso<br />
extraordinário, como pretende Pedro Santana Lopes.<br />
Daniel Proença de Carvalho<br />
Advogado<br />
Por favor entendam-se!<br />
Ninguém responsável ignora que vivemos um<br />
momento particularmente difícil e incerto quanto ao<br />
nosso futuro. Temos uma economia sem o dinamismo<br />
necessário à criação de emprego e geração de<br />
riqueza que sustente o peso do Estado e estanque o<br />
endividamento perante o exterior.<br />
Perante este quadro, os eleitores decidiram criar<br />
uma situação política frágil, com um governo<br />
minoritário e uma oposição que se junta sem coerência<br />
para limitar a acção governativa. Caminhamos<br />
para um beco sem saída.<br />
As guerrinhas do PSD dentro<br />
e fora do Partido começam<br />
a entediar quem deseja<br />
umaalternativaàmedidadasua<br />
história e do seu líder fundador.<br />
Mas o que mais falta nos faz é uma oposição à<br />
direita do PS com um programa e uma agenda alternativos<br />
ao actual Governo. José Sócrates tem um<br />
pensamento político e uma estratégia coerentes<br />
com uma linha ideológica de esquerda moderna:<br />
assume que a saída da crise passa pelo investimento<br />
público, quer preservar os modelos do SNS e da<br />
escola pública, quer uma presença forte do Estado<br />
na regulação de sectores importantes da economia,<br />
é um fervoroso adepto das novas tecnologias como<br />
factor de modernização do país. No plano social,<br />
procura uma abertura controlada a formas de vida<br />
alternativas às estruturas tradicionais familiares.<br />
Podemos concordar, discordar, apoiar ou<br />
combater essas ideias. Eu discordo frontalmente de<br />
algumas delas.<br />
Masquealternativasnooferecemospartidosde<br />
direita?<br />
Até agora oferecem-nos combates pessoais,<br />
onde não raro os pequenos ódios ofuscam uma<br />
visão do futuro.<br />
Os partidos de direita precisam de uma reflexão<br />
ideológica imbuída de pragmatismo. Talvez esteja<br />
mesmochegadaahoradePSDeCDSfazeremessa<br />
reflexão em conjunto. Será que no início da segunda<br />
década do século XXI se justifica a existência<br />
desses dois partidos? Será que os eleitores que se<br />
nãorevêemnaagendadoPSconseguemcompreender<br />
as bizantinas divergências entre as várias<br />
“correntes” do PSD e o CDS?<br />
Não seria altura de construir uma verdadeira<br />
alternativa não socialista nem social-democrata<br />
(oualguémduvidaqueopartidoquerepresentaa<br />
social democracia é o PS!?), com coerência,<br />
dotada de um programa claro e alternativo, com<br />
visão de futuro?<br />
As guerrinhas do PSD dentro e fora do Partido<br />
começam a entediar quem deseja uma alternativa à<br />
medida da sua história e do seu líder fundador. Por<br />
favor entendam-se! ■<br />
O NÚMERO<br />
1.664<br />
Todososdiasentramnos<br />
tribunais mais de 1.664<br />
processos de injunção e as<br />
instituições bancárias estão a<br />
liderar as queixas contra os<br />
seus clientes. A razão já todos<br />
sabemos qual é: falta de<br />
pagamento, ou agora<br />
designado por incumprimento,<br />
devido à crise.
António Ramalho<br />
Gestor<br />
Do empréstimo ao imposto<br />
De repente, como que de forma inesperada, a descoberta de<br />
um deficite de 8% (e não 5,9% como anunciado), um inevitável<br />
orçamento ratificativo a aprovar já sem maioria garantida e<br />
está criada uma nova consciência colectiva “esmiuçando”<br />
a gravidade das finanças públicas, antecipando cenários antes<br />
esquecidos e, até quem sabe, temendo pelo futuro do país.<br />
Não percebo como o deficite de 2009, talvez o mais justificado<br />
dos deficites dos últimos dez anos, foi capaz de criar<br />
tal consciência. De facto, dezenas de comentadores nestas<br />
colunas entre os quais me incluo, e alguns até em livro para<br />
que a memória não apague (Vítor Bento, p.ex.) têm antecipado<br />
com inegável oportunidade, quer a reduzida consolidação<br />
das contas públicas verificada nos últimos anos, quer<br />
o crescente endividamento público e externo, quer, por<br />
último, a clara incapacidade de crescimento da nossa<br />
economia no quadro do seu actual modelo competitivo.<br />
Os nossos problemas económicos não são o resultado de<br />
um ano de crise, infelizmente são o resultado de uma crise<br />
de anos. Anos de investimento público pouco rentável, anos<br />
de endividamento privado demasiado consumido, e tudo<br />
junto, endividamento privado e público pouco orientado<br />
para aumentar drasticamente, como se impunha, o nosso<br />
potencial competitivo.<br />
O resultado é uma dívida pública directa superior a 80%<br />
do PIB. Acrescente-se a divida indirecta de empresas públicas,<br />
sobretudo na área dos transportes e some-se a dívida<br />
diferida de responsabilidades já assumidas nomeadamente<br />
PPP, e tudo ultrapassará certamente os 100% do PIB. Tudo<br />
financiado por empréstimos no exterior que terão que ser<br />
pagos, está bom de ver, quer pela redução da despesa, quer<br />
pelo aumento da receita.<br />
Os nossos problemas económicos<br />
não são o resultado de um ano de crise.<br />
Infelizmente, são o resultado<br />
de uma crise de anos.<br />
Como não parece possível consensualizar a redução da<br />
despesa, como temos uma economia estado-dependente, e<br />
como o exemplo irlandês de cortes nos salários dos funcionários<br />
públicos ainda não parece viável, então todos se irão<br />
virar para a receita.<br />
Equantoàreceita,tambéméfácildever,nãoexistirá<br />
crescimento potencial suficiente do PIB para garantir um<br />
acréscimo da receita entre 3% e 4%, que é quanto pagamos<br />
em juros (vamos, por simplicidade esquecer a amortização<br />
do capital) pelos empréstimos de dimensão idêntica ao PIB<br />
anual.<br />
É, por isso, que a questão do aumento de impostos parece<br />
inevitável. E até já vale a pena dedicar tempo de debate sobre<br />
que tipo de acréscimo na carga fiscal. Sobre os particulares<br />
ou sobre as empresas? Sobre as transacções ou sobre os<br />
rendimentos? Sobre os impostos “gerais” ou sobre impostos<br />
especiais?<br />
Porque lá dizia Eça, que eu já citei aqui, a seguir ao<br />
empréstimo lá virá o imposto. E o país do Fontismo parece<br />
não ter mudado. ■<br />
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EDITORIAL<br />
Queda do ‘rating’ da Grécia<br />
põe Portugal sob pressão<br />
A sensação de que a crise estava debelada e que os próximos<br />
tempos seriam de retoma económica ficaram abaladas pelo corte<br />
no ‘rating’ da Grécia, primeiro da Fitch e depois da Standard &<br />
Poor’s. A dívida pública grega já atinge 113% do Produto Interno<br />
Brutoeodéficeprevistoparaesteanoéde12,7%.Estecasofez<br />
com que todos olhassem de imediato para Portugal. Tal como a<br />
Grécia, também o nosso país corre o risco de estar a entrar num<br />
ciclo de baixo crescimento económico e dívida pública cada vez<br />
mais insustentável. A Moody’s, a outra das três agências de ‘rating’<br />
internacionais de referência, fez mesmo uma alusão conjunta a<br />
Portugal e à Grécia, dizendo que à medida que a dívida se tornar<br />
mais insustentável, os governos podem sentir a tentação de tomar<br />
decisões que sejam prejudiciais aos seus credores. O mais curioso<br />
é que os dois países atravessaram a crise financeira desencadeada<br />
pela falência do Lehman Brothers, a 15 de Setembro de 2008, sem<br />
grandes danos e podem agora vir a enfrentar dificuldades maiores<br />
que os restantes países da Zona Euro. A Moody’s referiu até que,<br />
apesar de o euro ter protegido estes dois países durante a crise de<br />
liquidez, não deverá agora ajudá-los a recuperar e aventou como<br />
credível a hipótese de vir a verificar-se uma lenta degradação da<br />
vitalidade económica com o consequente aumento inexorável da<br />
dívida pública, pressionada por taxas de juro cada vez maiores. O<br />
certo é que os ‘credit default swaps’ de Portugal, instrumentos que<br />
protegem os compradores dos títulos da República de eventuais<br />
incumprimentos, têm subido muito, tornando cada vez mais caro o<br />
dinheiro que o país pede emprestado ao estrangeiro. Afinal, os<br />
bancos nacionais estavam mais bem preparados para a crise que<br />
lhes bateu à porta que o país para a recuperação económica que<br />
agora se impunha. As agências de ‘rating’ têm Portugal sob<br />
observação negativa e estão à espera do Orçamento do Estado de<br />
2010 para saber se existem ou não sinais que permitam pensar<br />
que o Governo está preocupado e vai tomar as medidas<br />
necessárias para corrigir a trajectória descendente da economia<br />
do país. É caso para dizer que Portugal está à beira do abismo,<br />
mas ainda a tempo para tomar as medidas que os economistas e<br />
as agências de ‘rating’ recomendam e, com elas, recuperar<br />
a credibilidade internacional e baixar o défice.<br />
Causas... de Marrocos<br />
O Parlamento português aprovou, no dia 27 de Novembro, com as<br />
abstenções dos grupos parlamentares do PS, PSD e CDS-PP, um<br />
voto proposto pelo PCP de solidariedade para com a activista<br />
sarauí Aminatu Haidar, que se encontrava em greve de fome em<br />
Lanzarote, nas ilhas Canárias. O texto aprovado pela Assembleia<br />
da República explicitava que os representantes do povo português<br />
pugnavam “pelo cumprimento dos direitos humanos e das<br />
resoluções aprovadas pelas Nações Unidas”. Tal acto levou o<br />
governo de Marrocos a manifestar o seu “espanto” e “decepção”<br />
pela “moção inamistosa” aprovada pelo Parlamento português.<br />
Com efeito, ao tomar posição sobre este caso, a Assembleia da<br />
República intrometeu-se da pior forma num assunto interno de um<br />
EstadosoberanocomoqualPortugaltemumlongohistorialde<br />
relações amistosas e onde muitas empresas e profissionais<br />
nacionais exercem a sua actividade, dando corpo à intenção<br />
expressa de internacionalizar a economia portuguesa. Ao<br />
dispensar a diplomacia eahostilizar o país cuja capital é a mais<br />
próxima, em linha recta, de Lisboa, os parlamentares portugueses<br />
podem ter levantado barreiras ao estreitamento de relações<br />
económicas. O problema da activista sarauí está resolvido e<br />
ninguém mais, a não ser o governo de Marrocos, se vai lembrar<br />
do voto de solidariedade do Parlamento português e,<br />
especialmente, das palavras usadas. Em matéria de relações<br />
internacionais, há que saber medir as consequências da defesa<br />
de causas, muito nobres, e as suas repercussões na actividade<br />
económica do país e das empresas.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 5<br />
Amelhor<br />
notícia<br />
da semana<br />
ANTÓNIO COSTA<br />
Director<br />
Tomás Correia venceu as<br />
eleições para a presidência<br />
do Montepio Geral com<br />
uma votação expressiva, de<br />
quase 70%, recebendo, assim,<br />
o voto de confiança<br />
dos mutualistas para continuar<br />
o projecto por si desenvolvido<br />
desde Março de<br />
2008. Porque é que esta é a<br />
melhor notícia da semana?<br />
Por várias razões, uma das<br />
quais, talvez mesmo a mais<br />
importante, porque existe a<br />
ideia de que em Portugal<br />
não há convicção nos projectos<br />
de longo prazo. Mas<br />
existe.<br />
Os mutualista do Montepio<br />
não se deixaram ‘seduzir’<br />
pelo discurso negativo<br />
de Alberto Regueira e deram<br />
a oportunidade a Tomás<br />
Correia para mostrar resultados<br />
de um plano agressivo<br />
de crescimento. Que, digase,<br />
tem tido sucesso.<br />
Se há um problema persistente<br />
na cultura portuguesa,<br />
especialmente na<br />
empresarial, é o de impaciência<br />
e ausência de definição<br />
de metas e objectivos<br />
de médio e longo prazo.<br />
Ora, neste caso, o caminho<br />
foi o oposto.<br />
Há outro motivo para escolher<br />
esta notícia: o mutualismo<br />
é cada vez mais<br />
relevante na sociedade, mas<br />
só será viável se as respectivas<br />
associações mutualistas<br />
gerarem receitas e resultados.<br />
E isso obriga a olhar<br />
para o mutalismo com um<br />
novo olhar, mais perto do<br />
mercadoesemmedoda<br />
concorrência da banca ‘tradicional’.<br />
É esta a aposta do<br />
Montepio quando não rejeita<br />
crescer e olha para as<br />
oportunidades, poucas, que<br />
o mercado vai gerando. ■
6 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
OPINIÃO<br />
O Reino Unido tem<br />
de decidir como vai<br />
partilhar as perdas<br />
MARTIN WOLF<br />
Colunista do Financial<br />
Times<br />
O Reino Unido é mais pobre do que se pensava.<br />
Eis o aspecto mais relevante desta crise. A batalha<br />
em torno da distribuição das perdas será<br />
brutal. E sê-lo-á ainda mais devido ao segundo<br />
aspecto mais relevante desta crise, isto é, aos<br />
seus efeitos devastadores nas finanças públicas.<br />
Os défices não têm paralelo com quaisquer<br />
outrosemperíodosdepaz.<br />
Felizmente, as eleições gerais afiguram-se<br />
uma excelente oportunidade para o debate.<br />
Deve o país centrar-se nesse debate? Sim. Mas<br />
será esse o debate que vamos ter? Não. O que o<br />
governo fará se for reeleito permanece, mesmo<br />
depois do relatório de pré-Orçamento,<br />
“um mistério dentro de um enigma”, parafraseando<br />
a expressão usada por Winston Churchill<br />
para definir a Rússia de Estaline.<br />
Segundo as previsões actuais do Tesouro<br />
britânico, a economia deverá regressar aos níveis<br />
de actividade de 2008 em 2012. Entretanto,<br />
ter-se-ão perdido quatro anos de crescimento<br />
económico. No relatório de pré-Orçamento<br />
apresentado na semana passada, as<br />
previsões do Tesouro apontavam para um<br />
crescimentode1,25%paraopróximoano,de<br />
3,5% para 2011 e 2012, e de 3,25% para 2013 e<br />
2014. Vamos supor que, daí em diante, o crescimento<br />
se mantinha em 3,25% ao ano. Só em<br />
2031 é que a economia voltaria a ser tão robusta<br />
como teria sido se a tendência registada<br />
entre 1998 e 2007 se tivesse mantido. Nesse<br />
caso, a perda cumulativa do produto rondaria<br />
os 160% do Produto Interno Bruto (PIB) de<br />
2007. Se o crescimento posterior a 2014 mantivesse<br />
a tendência anterior a 2008, a queda<br />
no PIB seria equivalente, em 2030, a quase<br />
trêsvezesoPIBde2007.Noentanto,éfácil<br />
ima<strong>gina</strong>r cenários ainda mais dramáticos.<br />
Estas perdas no produto tiveram um impacto<br />
profundo nas finanças públicas. Com efeito,<br />
a deterioração orçamental no Reino Unido tem<br />
sido substancialmente maior do que a registada<br />
em qualquer outro membro do G7. A explicação<br />
que mais se aproxima da realidadeéaforte<br />
quebra nas receitas do governo. Entre o Orçamento<br />
de 2008 e o relatório de pré-Orçamento<br />
de 2009, as previsões para o total da despesa<br />
deste ano fiscal aumentaram apenas 4,4%, enquanto<br />
que as previsões para o PIB nominal<br />
apresentam uma descida de 9,1%. No entanto,<br />
as previsões relativas à receita caíram 18,1%.<br />
Apesar de tudo, a recessão britânica não<br />
tem sido mais grave do que a dos outros países<br />
com elevado rendimento. O ministro das Finanças<br />
britânico, Alastair Darling, sublinhou<br />
no seu discurso sobre o relatório de pré-Orçamento<br />
que, até ao final do terceiro trimestre de<br />
2009, a contracção cumulativa nesta recessão<br />
foi de 3,2% nos EUA, 5,6% na Alemanha, 5,9%<br />
em Itália, 7,7% no Japão e de apenas 4,75% no<br />
Reino Unido. A causa desta descida pouco<br />
alarmante no produto, tendo em conta os padrões<br />
desta “Grande Recessão”, tem tido um<br />
impacto particularmente grande nas receitas<br />
porque, no Reino Unido, o sector financeiro<br />
desempenhou um papel importante no apoio<br />
às despesas dos consumidores, à compra e<br />
venda de habitação e aos lucros empresariais.<br />
Mais de um quarto dos impostos aplicados às<br />
empresas proveio exclusivamente do sector financeiro.<br />
As receitas dos impostos sobre as<br />
empresas caíram 26% entre os 12 meses até<br />
Outubrode2008eos12mesesatéOutubrode<br />
2009, ao passo que as receitas do IVA desceram<br />
17% no mesmo período. O efeito geral da<br />
recessão resulta, em grande parte, da vulnerabilidade<br />
da economia do Reino Unido à rotura<br />
no crédito e ao colapso nos lucros das empresas<br />
financeiras.<br />
Que implicações terá tudo isto para o futuro<br />
do Reino Unido? Um dos raciocínios possíveis<br />
passa por recordar que o Reino Unido<br />
teve não só uma crise financeira – cujo impacto<br />
no produto e nas finanças públicas foi,<br />
previsivelmente, severo –, como manteve<br />
uma economia “monocultura”, cabendo à finança<br />
o papel de “cultura”.<br />
Os países que dependem fortemente do<br />
produto e das exportações de matérias-primas,<br />
cujos mercados são voláteis, estão particularmente<br />
familiarizados com os ciclos que<br />
estes podem ori<strong>gina</strong>r. Nos períodos de crescimento,<br />
as receitas das exportações e as receitas<br />
públicas sofrem oscilações, a taxa de câmbio<br />
real valoriza e os produtores mar<strong>gina</strong>is de<br />
bens e serviços transaccionáveis são, regra geral,<br />
afastados – destino que passou a ser conhecido<br />
por “doença holandesa”, referindose<br />
a situações como a que viveu a Holanda, em<br />
que a descoberta de um recurso natural valioso,<br />
o gás natural, e a sua exportação resultaram<br />
na valorização da moeda e na queda dos<br />
restantes sectores de actividade por perderem<br />
competitividade no exterior.<br />
É frequente o Estadoeosectorprivadocontraíremcréditoselevadosnestesperíodosde<br />
bonança. Depois vem o embate: as exportações<br />
e as receitas públicas caem a pique, os défices<br />
orçamentais disparam e a taxa de câmbio<br />
desce sendo que, em muitos casos, são acompanhados<br />
pela subida da inflação e pelo risco<br />
de incumprimento do governo.<br />
O maior erro que se pode cometer em macroeconomia<br />
é confundir o ciclo com a tendência.<br />
Nas economias “monocultura”, o perigo<br />
é ainda maior porque os ciclos podem ser<br />
particularmente longos. Retrospectivamente<br />
falando, foi este o erro do Reino Unido. Foi assim<br />
que o Tesouro proclamou que o produto<br />
caíra subitamente 5% durante a crise. Ora, isto<br />
é absurdo, conforme sublinhou Robert Chote,<br />
director do Institute for Fiscal Studies. O que<br />
antes o Tesouro considerava um produto sustentável<br />
era, ao invés, o resultado do alastramento<br />
da bolha no sector financeiro “monocultura”<br />
- directa e indirectamente–àeconomia<br />
e às finanças públicas.<br />
“<br />
Segundo<br />
as previsões<br />
actuais do Tesouro<br />
britânico, a<br />
economia deverá<br />
regressar aos níveis<br />
de actividade<br />
de 2008 em 2012.<br />
Entretanto,<br />
ter-se-ão perdido<br />
quatro anos<br />
de crescimento<br />
económico.<br />
O Reino Unido teve<br />
nãosóumacrise<br />
financeira – cujo<br />
impacto no produto<br />
e nas finanças<br />
públicas foi,<br />
previsivelmente,<br />
severo –, como<br />
manteve uma<br />
economia<br />
“monocultura”,<br />
cabendo à finança o<br />
papel de “cultura”.<br />
Se esta perspectiva estiver correcta, as implicações<br />
serão três e dolorosas. Primeiro, significa<br />
que, durante o mandato de Gordon<br />
Brown como ministro das Finanças, a política<br />
orçamental foi mais branda do que dura. Segundo,éprovávelquenoReinoUnidoseregistenão<br />
só uma perda permanente no produto, como<br />
uma descida permanente na tendência do crescimento<br />
económico. Terceiro, não será possível<br />
evitar uma forte contracção orçamental.<br />
Actualmente, o governo pondera uma contracção<br />
na estrutura orçamental na ordem dos<br />
5,4% do PIB para os próximos dois mandatos<br />
do Parlamento, embora não tenha especificado<br />
como. Espera obter um terço dessa contracção<br />
aumentando os impostos e dois terços
“<br />
O que antes o Tesouro<br />
considerava um<br />
produto sustentável<br />
era, ao invés,<br />
o resultado<br />
do alastramento<br />
da bolha no sector<br />
financeiro<br />
“monocultura”.<br />
mediante cortes na despesa. Para tornar esta política<br />
credível, o governo britânico está também a estudar<br />
um plano de consolidação orçamental que<br />
possa – ainda que de uma forma incompreensível –<br />
ser legalmente vinculativo. Pergunto-me se equaciona<br />
a possibilidade de encarcerar o ministro das<br />
Finanças em caso de incumprimento? O problema<br />
destes planos é que, além de serem pouco críveis,<br />
visam uma contracção que ficaria, muito provavelmente,<br />
aquém do necessário e manteria a dívida líquida<br />
do sector privado demasiado elevada (perto<br />
de 60% do PIB) para dar alguma margem de conforto,<br />
dada a probabilidade de ocorrerem novos<br />
choques adversos. Não obstante, os cortes na despesa<br />
são superiores aos levados a cabo em situações<br />
semelhantes no pós-guerra.<br />
Londres está a estudar um plano de<br />
consolidação orçamental que possa ser<br />
legalmente vinculativo. Será que o<br />
ministro das Finanças, agora na pessoa<br />
de Alistair Darling, pode ser encarcerado<br />
em caso de incumprimento?<br />
Embora o ministro das finanças britânico tenha<br />
apresentado valores gerais, inibiu-se de explorar todas<br />
as implicações, bem como a natureza das decisões<br />
que o país terá de tomar. É precisamente este o<br />
debate que o Reino Unido precisa de levar a cabo,<br />
sendo que deve começar pela seguinte constatação:<br />
o país é mais pobre do que se pensava. Como poderemos<br />
partilhar estas perdas de forma a minimizar<br />
os danos infligidas às pessoas mais vulneráveis no<br />
presente e às perspectivas económicas do país no<br />
futuro? São estas as grandes questões que se colocam<br />
à política britânica e às quais os políticos sérios<br />
não devem furtar-se. ■<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Ana Pina<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 7<br />
Luke MacGregor/Reuters<br />
CRESCIMENTO DO PIB<br />
Milhares de milhões de libras,<br />
preços de 2005.<br />
2600<br />
2400<br />
2200<br />
2000<br />
1800<br />
1600<br />
1400<br />
1200<br />
Previsões do Tesouro até 2014<br />
e posterior crescimento a 3,25%<br />
Previsões do Tesouro até 2014<br />
e posterior crescimento<br />
reflectindo a tendência<br />
entre 1998 e 2007<br />
Actual<br />
PIB sem interrupção<br />
da tendência entre<br />
1998 e 2007<br />
1000<br />
2000 2010 2020 2030<br />
Fonte: FT, IFS<br />
FINANÇAS PÚBLICAS DO G7<br />
Balanço geral do governo (%<br />
do PIB).<br />
Itália<br />
Alemanha<br />
França<br />
Canadá<br />
EUA<br />
Japão<br />
Reino<br />
Unido<br />
Fonte: FT, IFS<br />
Outono,<br />
2007-2010 2010*<br />
-4,1<br />
-4,2<br />
-4,4<br />
-5,7<br />
-7,1<br />
-7,7<br />
-10,6<br />
2007<br />
PREVISÕES DO TESOURO<br />
Para o ano fiscal de 2009-2010<br />
(milhares de milhões de libras).<br />
1600<br />
1500<br />
1400<br />
700<br />
600<br />
500<br />
PIB nominal<br />
Despesa total<br />
200<br />
Receitas correntes<br />
100<br />
Valor líquido dos<br />
0<br />
empréstimos do sector público<br />
2008 2008 2009 2009<br />
Orçamento Relatório Orçamento Relatório<br />
de pré-Orçamento<br />
de pré-Orçamento<br />
Fonte: FT, IFS<br />
(RPO)<br />
(RPO)<br />
CONTRACÇÃO ORÇAMENTAL<br />
% do rendimento nacional.<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Impostos desconhecidos ou despesas correntes<br />
Mudanças no investimento<br />
Mudanças nas despesas correntes<br />
Mudanças nos impostos<br />
-2<br />
2008 09<br />
09 10<br />
10<br />
11<br />
11<br />
12<br />
12<br />
13<br />
13<br />
14<br />
14<br />
15<br />
15<br />
16<br />
16<br />
17<br />
17<br />
18<br />
Anos Fiscais<br />
Fonte: Financial Times, IFS
8 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
Brasileiros têm<br />
apoio do Governo<br />
na OPA à Cimpor<br />
Operação-relâmpago do grupo brasileiro apanhou de supresa<br />
principais accionistas da cimenteira, como a Teixeira Duarte.<br />
Maria Teixeira Alves<br />
e Nuno Miguel Silva<br />
maria.alves@economico.pt<br />
O grupo brasileiro CSN – Companhia<br />
Siderúrgica Nacional garantiu<br />
ao <strong>Económico</strong> que avançou<br />
para a OPA – Oferta Pública<br />
de Aquisição, ontem anunciada à<br />
totalidade do capital da Cimpor,<br />
com o apoio do Governo português,<br />
designadamente do primeiro-ministro<br />
José Sócrates.<br />
Em entrevista ontem concedida<br />
ao Diário <strong>Económico</strong>, Juarez Saliba<br />
de Avelar, director-geral da<br />
CSN, garantiu que “ontem<br />
[quinta-feira] o nosso presidente<br />
[Benjamin Steinbruch] tentou<br />
falar com o primeiro-ministro,<br />
não conseguimos, mas sabemos<br />
quechegouamensagemdeque<br />
estaríamos a fazer uma coisa”.<br />
“Infelizmente, não deu para<br />
falar antes, mas vamo-nos mover<br />
para fazer esses contactos e<br />
temos todo o apoio do Governo<br />
português”, confirmou Juarez<br />
Saliba de Avelar ao Diário <strong>Económico</strong>.<br />
A decisão da CSN de avançar<br />
para esta OPA apanhou meio<br />
mundo de surpresa, em particular<br />
os accionistas de referência da<br />
cimenteira nacional, que não foram<br />
previamente notificados da<br />
operação. Contactada, fonte oficial<br />
do Ministério das Finanças<br />
(que tutela a Caixa Geral de Depósitos,aqualdetémcercade<br />
10% da Cimpor, que se comprometeu<br />
a revender a Manuel Fino)<br />
disse que a OPA é “uma operação<br />
de mercado que não temos de<br />
comentar, acrescentando que<br />
“sendo uma oferta de aquisição,<br />
cabe aos accionista decidir”. “No<br />
casodaCGD,amatériaédaexclusiva<br />
competência do seu conselho<br />
de administração”, sublinhou<br />
a mesma fonte.<br />
A principal accionista, a<br />
construtora Teixeira Duarte,<br />
com cerca de 23% do respectivo<br />
capital, teve o conselho de administração<br />
em reunião durante<br />
praticamente todo o dia de ontem,<br />
mas não foi possível obter<br />
comentários de qualquer responsável.<br />
(ver pág. 10)<br />
Contactada fonte oficial da<br />
Lafarge, maior grupo cimenteiro<br />
mundial e segundo maior accionista<br />
da Cimpor, disse “que sou-<br />
PRÓS E CONTRAS<br />
+<br />
A CSN é uma empresa de grande<br />
dimensão e forte tradição<br />
industrial. Irá reforçar a posição<br />
da Cimpor no Brasil se operar<br />
também os activos da CSN,<br />
porque é a empresa portuguesa<br />
que detém o ‘know-how’ há<br />
várias décadas.<br />
A CSN poderá acalmar o clima de<br />
conflito internos dos últimos<br />
meses e reforçar a capacidade de<br />
investimento da Cimpor em<br />
novos mercados internacionais.<br />
-<br />
A CSN tem passado algumas<br />
dificuldades financeiras e não<br />
tem‘knowhow’nosector<br />
cimenteiro.<br />
Não existem sinergias<br />
assinaláveis entre o sector<br />
siderúrgico e o mineiro, onde a<br />
CSN actua, e o sector cimenteiro<br />
Lula da Silva<br />
Presidente<br />
brasileiro<br />
“Portugal tem muito mais a ganhar<br />
com o actual momento do<br />
Brasil, e as empresas portuguesas<br />
que incluíram o nosso país no<br />
seu roteiro de internacionalização<br />
já beneficiam da vitalidade<br />
da economia brasileira. Os ganhos<br />
de escala possibilitados<br />
pelo dinamismo do mercado interno<br />
são um elemento que nenhuma<br />
empresa pode desprezar,<br />
e isso muitos investidores portugueses<br />
souberam perceber<br />
muito bem”.<br />
bemos da OPA da CSN esta manhã”,<br />
confirmando que não teve<br />
conhecimento prévio da operação,<br />
mas escusando-se a efectuar<br />
mais comentários sobre o<br />
assunto.<br />
Também a Investifino, outro<br />
accionista de referência da Cimpor,<br />
com 10%, esteve em conselho<br />
de administração durante<br />
grande parte do dia, tendo sido<br />
impossível obter uma reacção da<br />
Investifino.<br />
José Maria Ricciardi, presidente<br />
do BESI – Banco Espírito<br />
Santo de Investimento, que<br />
montou a operação de aquisição<br />
para a CSN, diz que “o interesse<br />
de um dos maiores produtores de<br />
aço do mundo em investir mais<br />
de 4 mil milhões de euros numa<br />
empresa portuguesa é uma boa<br />
notícia para Portugal”.<br />
O BES Investimento montou<br />
uma operação-relâmpago, que<br />
apanhou de surpresa o maior accionista<br />
a Teixeira Duarte. Na assessoria<br />
jurídica está Diogo Leónidas<br />
Rocha, em nome do BESI, e<br />
o escritório Morais Leitão por<br />
contadaCSN.<br />
O BES acabou por ser contratado<br />
para montar a OPA que ontem<br />
a empresa brasileira, que já<br />
detém em Portugal a Lusosider,<br />
lançou sobre a Cimpor a 5,75 euros<br />
por acção.<br />
O preço é considerado baixo<br />
tendo em conta a cotação de fechodacimenteiranasessãode<br />
quinta-feira (5,4 euros por acção).<br />
Mas fontes da banca de<br />
investimento garantem que este<br />
preço representa quase 10 vezes<br />
o EBITDA da cimenteira. Os<br />
analistas são unânimes em<br />
considerar a oferta atractiva,<br />
tendo em conta os fundamentais<br />
da empresa. (ver pág.12)<br />
A oferta apanhou de surpresa o<br />
mercado, apesar de na quinta-feira<br />
já existirem rumores de que tal<br />
operação estava a ser preparada.<br />
Por sua vez, a CGD já manifestou<br />
que não tem interesse<br />
em vender a sua participação<br />
na Cimpor. Uma posição reforçada<br />
pelo presidente da Caixa,<br />
Faria de Oliveira, que já revelou<br />
que tem por política defender<br />
os centros de decisão nacional,<br />
a propósito da OPA da<br />
CSN sobre a Cimpor. ■ Com<br />
B.P., E.M., F.A. e P.C.<br />
Os responsáveis da CSN<br />
estiveram ontem em Lisboa<br />
para explicar a operação.<br />
ENTREVISTA JUAREZ SALIBA DE AVELAR director-geral da<br />
“Temos todo o apoio<br />
O director-geral da diz que<br />
Sócrates já fez à CSN vários<br />
apelos para investir em Portugal.<br />
Bruno Proença<br />
e Pedro Sousa Carvalho<br />
pedro.carvalho@economico.pt<br />
Juarez Saliba de Avelar explica o<br />
racional da OPA e não descarta<br />
rever o preço em alta.<br />
Os analistas estão a dizer que o<br />
preço da OPA é muito baixo.<br />
Estamos a trabalhar há dois meses<br />
na avaliação da empresa para fazer<br />
uma oferta e não gostamos de<br />
colocar uma oferta que seja encarada<br />
como ofensiva. Gostamos de<br />
ter uma oferta justa. Não queremos<br />
explorar ninguém. E não somos<br />
estranhos no sector. Temos<br />
actividade e pessoas que conhecem<br />
o sector. Temos acompanhado<br />
o que se tem passado na Cim-<br />
por, de algum tipo de problemas<br />
entre accionistas.<br />
Acha que os accionistas querem<br />
vender a esse preço?<br />
Uma das grandes dificuldades que<br />
vimos no grupo de accionistas<br />
que gostariam de sair da empresa<br />
foi a questão da liquidez das acções<br />
da Cimpor, que é muito baixa.<br />
Alguns accionistas que pretendiam<br />
sair ficavam com problemas<br />
de sair, porque não tinham<br />
essa porta de saída.<br />
Fechaasportasaumarevisãoem<br />
alta do preço da OPA?<br />
A resposta é não. Mas estamos no<br />
mercado e não sabemos o que irá<br />
acontecer. Pode haver uma melhoria<br />
de preço. O importante<br />
nisto tudo é que estamos dispostos<br />
a comprar 100% da empresa e<br />
estamos preparados financeiramente<br />
para fazer isso. Só de caixa<br />
temos cinco mil dólares de liquidez<br />
na empresa.
PONTOS-CHAVE<br />
Companhia Siderúrgica Nacional<br />
O grupo brasileiro CSN<br />
garantiu ao <strong>Económico</strong> que<br />
avançou para a OPA ontem<br />
anunciada à totalidade do capital<br />
da Cimpor, com o apoio do<br />
Governo português.<br />
do Governo português”<br />
A guerra na Cimpor facilitou a<br />
operação?<br />
Como disse a decisão de fazer a<br />
operação foi estratégica. A questão<br />
dos accionistas não faz parte<br />
da nossa oferta. Se há conflito,<br />
então nós passamos a ser um facilitador<br />
para a saída daqueles que<br />
querem sair. E é dessa forma que<br />
nós nos estamos colocando nessa<br />
operação. Acho que para aqueles<br />
que querem sair tenho a certeza<br />
queestãoaacharopreçoóptimo.<br />
Comunicaram previamente aos<br />
accionistas a operação?<br />
Nós não tivemos a oportunidade<br />
de fazer uma comunicação adequada<br />
como gostaríamos, tanto<br />
para o Governo como para os administradores<br />
da empresa e os accionistas,<br />
justamente por causa<br />
da correria que foi ontem à noite e<br />
dos boatos que começaram a surgir.<br />
Ontem o nosso presidente<br />
tentou falar com o primeiro-mi-<br />
“ O primeiro-ministro<br />
José Sócrates todas as<br />
vezesquevaiaoBrasil<br />
conversar com o<br />
Presidente Lula, pega<br />
no telefone e fala com<br />
o Benjamim, o nosso<br />
‘chairman’.<br />
O mercado aposta numa<br />
subida do preço da oferta da<br />
CSN e sugere ‘price targets’ mais<br />
elevados. Os títulos da cimenteira<br />
viveram a melhor sessão de<br />
sempre. Dispararam 16%.<br />
nistro, não conseguiu. Mas sabemos<br />
que chegou a mensagem,<br />
mas infelizmente não deu para falar<br />
antes, mas vamos mover para<br />
fazeressescontactosetemostodo<br />
o apoio do Governo português.<br />
Sabe que a compra pode levantar<br />
problemas políticos?<br />
Fico muito desconfortável a falar<br />
sobre isso. Mas aqui em Portugal<br />
nós nos sentimos como locais.<br />
Sentimos confortáveis de<br />
estar aqui, gostamos do povo,<br />
gostamos da cultura. Nós queremos<br />
estar aqui como portugueses.<br />
Segunda coisa, nós talvez<br />
sejamos a única empresa<br />
que olharia para a Cimpor e que<br />
não vai ter nenhum problema<br />
de concorrência.<br />
Contactaram Lula ou Sócrates?<br />
O nosso Presidente tem diversos<br />
amigos em Portugal e ele vem<br />
sempre aqui, passa férias. Ele é<br />
uma pessoa com bons relaciona-<br />
Conheça a CSN e os seus<br />
interesses em Portugal. E<br />
saiba quais as razões por trás do<br />
interesse da cimenteira<br />
brasileira: a forte implementação<br />
internacional da Cimpor.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 9<br />
Paula Nunes<br />
mentos aqui, não só empresariais,<br />
mas pessoais e também com o<br />
Governo. O primeiro-ministro<br />
José Sócrates todas as vezes que<br />
vaiaoBrasilconversarcomoPresidente<br />
Lula, pega no telefone e<br />
fala com o Benjamim, o nosso<br />
‘chairman’ e pergunta: quando é<br />
que você vai botar dinheiro no<br />
nosso país? E a resposta sempre<br />
foi: estamos olhando, temos interesse,<br />
gostamos do país e vamos<br />
fazer alguma coisa. E agora essa é<br />
a resposta. E isso não foi uma ou<br />
duas vezes, foram várias vezes.<br />
Acha que a OPA será bem vista<br />
pelas autoridades?<br />
Como já disse, o vosso primeiroministro,<br />
José Sócrates já falou<br />
com o nosso presidente convidando-o<br />
para vir aqui por diversas<br />
vezes. Nós não somos especuladores<br />
financeiros, nós somos<br />
investidores industriais de<br />
longo prazo.■<br />
Camargo<br />
Corrêa e<br />
Votorantim<br />
na corrida<br />
Os grupos brasileiros continuam a<br />
seguir as movimentações<br />
na Cimpor com muita atenção.<br />
Pedro Latoeiro, Hugo Real<br />
e Nuno Miguel Silva<br />
pedro.latoeiro@economico.pt<br />
Chegou já ao final do dia de ontem,<br />
em Lisboa, a primeira resposta<br />
à OPA surpresa lançada pelos<br />
brasileiros da CSN sobre a<br />
Cimpor. Depois de todos os rumores<br />
que circularam nos mercados,<br />
a Camargo Corrêa foi a primeira<br />
a posicionar-se e dissipou<br />
algumas dúvidas ao garantir que o<br />
seu interesse na Cimpor mantém-se<br />
intacto, apesar da OPA.<br />
Numa nota enviada à imprensa<br />
brasileira, a Camargo Corrêa diz<br />
mesmo que “conversou com vários<br />
accionistas da Cimpor para<br />
demonstrar o seu interesse, em<br />
particular com os accionistas<br />
portugueses”, que são a Teixeira<br />
Duarte, com mais de 22% do capital,oempresárioManuelFinoe<br />
os bancos CGD e BCP.<br />
Também a Votorantim, outro<br />
grupo cimenteiro brasileiro, está a<br />
seguir o ‘dossier’. Contactada pelo<br />
<strong>Económico</strong>, fonte oficial da empresa<br />
disse: “Estamos a acompanhar<br />
a história”. Sem comentar o<br />
lançamento de uma operação de<br />
compra, a mesma fonte, não afastou,<br />
contudo essa hipótese.<br />
Quanto à Camargo Corrêa deixaclaroqueaofertadaCSNnão<br />
altera em quase nada os seus planos<br />
na Cimpor, “uma referência”<br />
no mercado português e no sector<br />
mundial. “Apesar da oferta pública<br />
de compra feita hoje [ontem], a<br />
Camargo segue firme na sua disposição<br />
de buscar, com os accionistas<br />
da Cimpor, uma equação<br />
que contemple os interesses dos<br />
accionistas da empresa”.<br />
Foiestaareacçãodogrupo<br />
brasileiro à OPA sem aviso da CSN<br />
sobre a totalidade do capital da<br />
Cimpor.Opreçoéde5,75euros<br />
por título, mas a subida de ontem<br />
de 16% das acções da Cimpor<br />
para 6,34 euros são um reflexo de<br />
que o mercado espera uma de<br />
duas coisas: uma OPA concorrente<br />
ou uma revisão em alta do preço<br />
proposto pela CSN, considerado<br />
baixo por alguns analistas.<br />
O interesse da Camargo Corrêa<br />
– tem uma aliança com a Brisa, e<br />
são ambos os grupos accionistas<br />
de referência da Companhia de<br />
Concessões Rodoviárias – e da<br />
Votorantim na Cimpor não é<br />
novo. O grupo estava a estudar o<br />
crescimento em Portugal, e na<br />
Cimpor em particular, estando<br />
um banco de investimento a sondar<br />
os principais accionistas para<br />
perceber a sua disponibilidade<br />
para venderem acções. ■
10 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
Administração da<br />
Cimpor considera<br />
OPA não amigável<br />
Para os próximos dias espera-se o clarificar de<br />
posições dos diversos accionistas de referência.<br />
Maria Teixeira Alves<br />
e Nuno Miguel Silva<br />
nuno.silva@economico.pt<br />
A OPA que o grupo brasileiro<br />
CSN lançou de surpresa a 100%<br />
do capital da Cimpor é entendido<br />
pela administração da cimenteira<br />
como não amigável. O<br />
<strong>Económico</strong> apurou que foi essa a<br />
principal conclusão retirada do<br />
conselho de administração extraordinário<br />
que teve lugar durante<br />
quase todo o dia de ontem,<br />
na sequência da OPA anunciada<br />
pelo grupo brasileiro CSN.<br />
Para os próximos dias, espera-se<br />
o clarificar de posições de<br />
diversos accionistas de referência<br />
da Cimpor - que tem o acompanhamento<br />
jurídico garantido<br />
pela PLMJ, garantiu ao <strong>Económico</strong><br />
Pedro Melo, sócio da PLMJ.<br />
Estas posições são fundamentais<br />
para decidir o futuro desta OPA,<br />
assim como para saber se haverá<br />
a intenção de lançar uma ou mais<br />
OPA concorrentes. Na prática,<br />
será o continuar de uma contagem<br />
de espingardas que se vem<br />
acentuando na empresa nas últimas<br />
semanas, agora com o aliciante<br />
das mais-valias que se poderão<br />
encaixar em bolsa e com a<br />
participação de um grupo muito<br />
mais alargado de interveniente,<br />
numa guerra que alastra a vários<br />
continentes.<br />
A proposta inicial da Camargo<br />
Corrêa propunha uma incorporação<br />
da Cimpor na empresa<br />
brasileira. Mas a fusão implicava<br />
a diluição dos actuais accionistas<br />
da cimenteira portuguesa. A<br />
outra proposta, da Votorantim,<br />
propunha entregar à Cimpor a<br />
fábrica de cimentos do Brasil em<br />
troca de uma participação ac-<br />
A Cimpor tem estado<br />
envolvida nas últimas<br />
semanas num contar<br />
de espingardas.<br />
As mais-valias que os<br />
diferentes accionistas<br />
podem encaixar<br />
são um importante<br />
aliciante.<br />
cionista da cimenteira em Portugal.<br />
Todas estas propostas foram<br />
rejeitadas por se considerar<br />
que não traziam mais-valias<br />
para os accionistas da Cimpor,<br />
nem traziam a estabilidade accionista<br />
necessária à gestão.<br />
Além destes dois grupos brasileiros,<br />
diversos rumores têm<br />
dado como provável o surgimento<br />
de OPA concorrentes por<br />
parte dos principais grupos do<br />
sector, com especial destaquepara<br />
os suíços da Holcim e para<br />
os mexicanos da Cemex, respectivamente,<br />
segundo terceiro<br />
maior produtores mundiais de<br />
cimentos.<br />
A nível interno, também já<br />
foi referido o interesse na Cimpor<br />
por parte da Cimentos Liz,<br />
cimenteira brasileira de Luís<br />
Champalimaud. O Diário <strong>Económico</strong><br />
tentou contactar<br />
Champalimaud, sem sucesso.<br />
Também Pedro Queiroz Pereira,<br />
dono da Secil, segunda cimenteira<br />
nacional e grande perdedora<br />
da guerra pela última fase<br />
de privatização da Cimpor, é<br />
dado como um forte candidato,<br />
mas não quis comentar o assunto<br />
para o Diário <strong>Económico</strong>.<br />
A possibilidade de a Lafarge –<br />
maior grupo mundial do sector<br />
e segundo accionista da Cimpor<br />
– lançar uma OPA concorrente<br />
é, na perspectiva dos analistas,<br />
baixa. O analista do Barclays<br />
Capital referia na sua nota de<br />
análise à OPA que há um baixo<br />
risco da Lafarge lançar uma OPA<br />
concorrente”, uma vez que a<br />
Cimpor consta dos activos disponíveis<br />
para venda nas contas<br />
da Lafarge. “A Lafarge está actualmente<br />
comprometida na<br />
desalavancagem e iria colocar<br />
em risco os seus ‘ratings’ caso<br />
avançasse com uma oferta concorrente,<br />
a não ser que a mesma<br />
fosse altamente financiada em<br />
acções”, destacou o analista.<br />
Outro protagonista de peso<br />
nesta batalha que se ameaça<br />
prolongar por grande parte de<br />
2010 é Luís Silva. O ex-patrão da<br />
Lusomundo consegue acertar na<br />
maioria dos investimentos em<br />
que aposta. Parece que este negócio<br />
não será a excepção essa<br />
regra. As mais-valias de Luís<br />
Silva, que tem uma posição conhecidade4%naCimpor.<br />
Com uma posição inferior,<br />
abaixo de 2%, Joe Berardo fez<br />
ontem saber que “a OPA é bemvinda,<br />
mas o preço é muito baixo”.<br />
O empresário madeirense,<br />
que esperava há muitos anos<br />
uma OPA na Cimpor, disse ainda<br />
estar convencido que vão aparecer<br />
ofertas concorrentes. ■<br />
Manuel Fino<br />
Pedro Maria Teixeira Duarte<br />
João Paulo Dias<br />
Tem apenas 10% da Cimpor, mas se exercer a opção<br />
de recompra dos 10% que estão nas mãos da<br />
CGD, duplica a influência e vai ser um dos mais influentes<br />
protagonistas deste folhetim que agora<br />
entra numa nova fase. Foi aliado de Pedro Maria,<br />
mas mudou de campo e na assembleia-geral de<br />
13 de Maio exigiu uma gestão independente.<br />
O dono tem perdido poder no último ano. Deixou de<br />
ser o presidente da comissão executiva da Cimpor<br />
em Maio. Abandonou essa comissão executiva em final<br />
de Agosto. O substituto como CEO na Cimpor era<br />
um homem da sua confiança, mas Salavessa Moura<br />
foi destronado por Bayão Horta no início do mês.<br />
Podem valer-lhe as valorizações da Cimpor.<br />
Bruno Lafont<br />
O líder da Lafarge nunca conseguiu liderar na<br />
Cimpor. Foi dado como aliado da Teixeira Duarte,<br />
mas nas últimas decisões os seus administradores<br />
têm estado do lado oposto. Apesar de ser o<br />
segundo accionista, nunca se percebeu a sua estratégia<br />
para a Cimpor. Os analistas duvidam que<br />
possa e queira lançar uma OPA concorrente.<br />
Luís Silva<br />
O antigo dono da Lusomundo é discreto, mas da<br />
fama ninguém o livra. Em todos os investimento que<br />
aposta é como o Rei Midas, fazendo reluzir os activos<br />
em que investe. Agora, comprou 4% da Cimpor<br />
em baixa e está mais uma vez na perspectiva de encaixar<br />
fortes mais-valias. Mas, também poderá quererfazerpartedasoluçãoaccionistaparaaCimpor.<br />
Cimenteira portuguesa<br />
desperta cobiça<br />
dos líderes mundiais<br />
É uma galeria de notáveis que gravita<br />
em torno do futuro accionista da<br />
Cimpor. Além dos actuais accionistas,<br />
há potenciais interessados que<br />
esperam cruzar fronteiras e mares<br />
para ter acesso a um pedaço da<br />
cimenteira portuguesa. Após a CSN,<br />
fala-se da cobiça da Holcim, Cemex,<br />
Votorantim, Camargo Corrêa, Luís<br />
Champalimaud (Cimentos Liz), Pedro<br />
Queiroz Pereira (Secil).<br />
Paulo Figueiredo Paula Nunes<br />
Fernando Faria de Oliveira<br />
O presidente da Caixa Geral de Depósitos será outro<br />
homem cuja palavra terá efeito no futuro da<br />
Cimpor. O líder da CGD está representado na estrutura<br />
accionista da Cimpor porque Manuel Fino deu<br />
10% da cimenteira como garantia de dívidas contraídas.<br />
O empresário tem uma opção de recompra,<br />
mas até lá, a posição da CGD não é irrelevante.<br />
Nome do fotógrafo Paulo Figueiredo<br />
Carlos Santos Ferreira<br />
O presidente do BCP terá, à partida, pouco a dizer<br />
directamente sobre este assunto, porque a posição<br />
detida na Cimpor é controlada pelo fundo de pensões<br />
do banco, que tem uma gestão independente.<br />
Mas, tendo em conta o peso do banco e o historial<br />
de relações do BCP com alguns dos accionistas da<br />
Cimpor, a sua influência vai fazer-se sentir.<br />
Paulo figueiredo Paulo Figueiredo<br />
Joe Berardo<br />
É conhecido por ser especialista em ganhar dinheiro<br />
em bolsa com OPA de lhe parecem cair do<br />
céu. Este é mais um exemplo. Não é que não tivesse<br />
já tentado mudar o ‘status quo’ em ocasiões<br />
anteriores, mas ainda não tinha calhado. Se<br />
houver OPA concorrentes à da CSN, vai ter hipótese<br />
de atenuar as perdas dos últimos anos.
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12 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE<br />
9<br />
8<br />
7<br />
6<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
Mercado aposta em subida<br />
do preço da oferta da CSN<br />
Títulos da cimenteira viveram a melhor sessão de sempre. Dispararam 16%.<br />
Rui Barroso e Rita Paz<br />
rui.barroso@economico.pt<br />
Os títulos da Cimpor viveram ontemomelhordiadesempreem<br />
bolsa. Dispararam 16,01%. Negociaram<br />
em máximos de mais<br />
de dois anos e fecharam o dia a<br />
valer 6,34 euros, 10,26% acima<br />
dos 5,75 euros oferecidos pela<br />
Companhia Siderúrgica Nacional<br />
(CSN). Também a liquidez do título<br />
teve um dia histórico, com<br />
9,89 milhões de acções transaccionadas<br />
num volume de negócios<br />
de 61,5 milhões de euros,<br />
muito acima do habitual.<br />
A explicar a hiperactividade<br />
das acções estiveram dois motivos.<br />
Por um lado, correu o rumor<br />
de que pode aparecer uma OPA<br />
concorrente, que viria a ganhar<br />
força ao final da tarde com um<br />
comunicado da Camargo Corrêa.<br />
Esta empresa referiu que “apesar<br />
da oferta pública de compra feita<br />
hoje (ontem), a Camargo segue<br />
firme na sua disposição de buscar,<br />
com os accionistas da Cimpor,<br />
uma equação que contemple<br />
os interesses dos accionistas da<br />
empresa”. Por outro, alguns operadores<br />
apostam numa subida do<br />
preço oferecido pela empresa<br />
brasileira, cenário que não foi<br />
descartado pelo director-geral da<br />
CNS, Juarez Saliba de Avilar.<br />
14-01-2000<br />
ACCIONISTAS LUCRAM<br />
135,4 milhões<br />
A Teixeira Duarte, que detém<br />
22,9% da Cimpor, viu a sua<br />
participação valorizar 135,4<br />
milhões de euros ontem. Para<br />
além disso, a própria Teixeira<br />
Duarte disparou 15,51%.<br />
101,7 milhões<br />
O valor detido pela terceira<br />
maior accionista da Cimpor, a<br />
Lafarge, aumentou em 101,7<br />
milhões de euros com a subida<br />
dos títulos.<br />
62,9 milhões<br />
O empresário Manuel Fino, que<br />
detém uma participação de<br />
10,7% na cimenteira através da<br />
Investifino, viu a sua participação<br />
valorizar 62,9 milhões de euros.<br />
EVOLUÇÃO DAS ACÇÕES DA CIMPOR DESDE 2000<br />
Fonte: Bloomberg e CMVM<br />
“Acho que vai haver mais interessados”,<br />
referiu Joe Berardo<br />
quedetémmenosde2%dacimenteira.<br />
Também o analista do<br />
Millennium IB, João Mateus, destacou<br />
o apetite que a Cimpor provoca:<br />
“O mercado tem perspectivas<br />
de crescimento fortes para a<br />
Cimpor. Esta OPA é consequência<br />
do que os concorrentes vêem<br />
que está a acontecer. É um sinal<br />
deoportunidadeeéaalturaideal<br />
para fazer uma oferta”.<br />
Para além da expectativa em<br />
torno de uma OPA concorrente, o<br />
mercadoestáaapostarqueaempresa<br />
brasileira tenha de rever em<br />
alta a contrapartida: “A CSN vai<br />
terdesubiropreço.Oprémio<br />
não é atractivo e os accionistas<br />
não vão largar por esse valor”,<br />
referiu Marco Franco, analista da<br />
Intervalores.<br />
A reforçar a ideia de que o valor<br />
oferecido não é atractivo estão<br />
os preços-alvo emitidos pelas casas<br />
de investimento nos últimos<br />
meses. A média dos ‘target’ dos<br />
seis analistas que acompanham a<br />
acçãoéde6,13euros,6,6%acima<br />
do valor proposto pela CSN. A<br />
casa de investimento mais optimista<br />
é o BCP, com um preçoalvo<br />
de 7,65 euros, enquanto o<br />
Santander tem o ‘target’ mais<br />
conservador, de cinco euros. Do<br />
lado do analistas que acompa-<br />
Factos relevantes<br />
na Cimpor nos<br />
últimos meses<br />
4,538<br />
6,34<br />
nham a CSN, as opiniões são diferentes.<br />
O Credit Suisse emitiu<br />
uma análise onde refere que “o<br />
preço oferecido não parece ser<br />
barato”. Já o JPMorgan refere que<br />
“apesar da avaliação não ser elevada,<br />
o valor total é significativo<br />
para a CSN”. Como consequência,<br />
os títulos da empresa derrocaram<br />
5,33% na bolsa de São<br />
Paulo e negociaram em mínimos<br />
de três meses, com alguns investidores<br />
a consideraram que, devido<br />
ao preço, a CSN poderá estar<br />
a fazer um mau negócio.<br />
Negócio tem possibilidades<br />
de seguir em frente<br />
O mercado português não é muito<br />
dado ao sucesso de OPA não<br />
solicitadas. Mas, apesar do historial<br />
de falhanços, os analistas levantam<br />
a possibilidade da OPA<br />
da CNS à Cimpor ser bem sucedida.<br />
“Há possibilidade da oferta<br />
seguir em frente, já que a CNS<br />
afirmou que não quer partir a<br />
empresa aos bocados e que manterá<br />
a empresa em Portugal. Para<br />
além disso, há accionistas que<br />
precisam de vender. Apesar do<br />
historial no mercado português<br />
ser muito mau, há algumas possibilidades<br />
do negócio se concretizar”,<br />
referiu ao <strong>Económico</strong> um<br />
analista que pediu para não ser<br />
identificado. ■<br />
Cimpor cria comissão executiva<br />
presidida por Salavessa Moura<br />
Cimpor aprova relatório e contas<br />
e elege Bayão Horta para presidente<br />
do Conselho de Administração.<br />
PREÇOS-ALVO<br />
6euros<br />
É o preço-alvo atribuído pela<br />
Espírito Santo Research, que tem<br />
uma recomendação de “neutral”.<br />
6,70 euros<br />
O‘target’doCaixaBIparaa<br />
cimenteiraéde6,70euroscom<br />
recomendação de “comprar”.<br />
5,55 euros<br />
O preço-alvo do BPI, que recomenda<br />
“manter”, está abaixo dos 5,75<br />
euros oferecidos pela CSN.<br />
7,65 euros<br />
O ‘target’ do Millennium IB para a<br />
cimenteira é o mais alto das casas<br />
de investimento que<br />
acompanham o título.<br />
5euros<br />
O Santander tem o preço-alvo mais<br />
conservador para as acções.<br />
5,85 euros<br />
O Banif avalia a Cimpor em 5,85<br />
euros por acção.<br />
A CSN anuncia uma<br />
OPA sobre a Cimpor<br />
Salavessa Moura é destituído<br />
do cargo de presidente-executivo,<br />
sendo substituído por Bayão Horta<br />
18-12-2009
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14 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
Marta Reis<br />
marta.reis@economico.pt<br />
Agora que a brasileira Companhia<br />
Siderúrgica Nacional (CSN)<br />
comunicou ao mercado a intenção<br />
de lançar uma Oferta Pública<br />
de Aquisição (OPA) sobre a<br />
Cimpor, através da divulgação<br />
do anúncio preliminar, seguese<br />
um processo com vários passos.<br />
Eis os que se seguem:<br />
1<br />
QUANTO DIAS TEM<br />
A OFERENTE PARA<br />
REGISTAR A OPA?<br />
Após o anúncio preliminar, feito<br />
ontem (dia 18), a sociedade<br />
que lançou a OPA tem de 20<br />
dias seguidos para requerer,<br />
junto da Comissão do Mercado<br />
de Valores Mobiliários (CMVM),<br />
liderada por Carlos Tavares.<br />
2<br />
QUANDO TEM DE SE PRONUN-<br />
CIAR A SOCIEDADE VISADA?<br />
De acordo com o Código de Valores<br />
Mobiliários (CdVM), a empresa<br />
que foi alvo de OPA tem<br />
de dar o seu parecer sobre a<br />
mesma. Assim, no prazo de oito<br />
dias corridos a contar da recepção<br />
dos projectos de prospecto e<br />
de anúncio de lançamento (que<br />
a oferente tem de submeter à<br />
CMVM durante os próximos 20<br />
dias), o órgão de administração<br />
da sociedade visada deve pronunciar-se<br />
sobre a oportunidade<br />
e as condições da OPA.<br />
3<br />
QUANTO TEMPO TEM A CMVM<br />
PARA REGISTAR A OFERTA?<br />
Nas ofertas públicas de aquisição,<br />
a CMVM tem oito dias seguidos<br />
para comunicar à sociedade<br />
oferente a aprovação do<br />
prospecto, o registo ou a sua<br />
AOPA<br />
passo a passo<br />
A CSN fez ontem o anúncio preliminar de oferta pública de aquisição sobre<br />
a Cimpor. Dentro de um mês, a OPA deverá arrancar.<br />
Companhia<br />
Siderúrgica<br />
Nacional tem<br />
agora 20 dias<br />
seguidos [a<br />
contar de<br />
ontem] para<br />
requerer o<br />
registo da OPA<br />
sobre a Cimpor<br />
junto da CMVM.<br />
Quando receber<br />
opedido,<br />
oregulador<br />
tem oito dias<br />
corridos<br />
para conceder<br />
ou recusar<br />
oregisto.<br />
Arttur Badin pode<br />
ter uma palavra a<br />
dizer sobre o<br />
interesse da CSN<br />
sobre a Cimpor.<br />
Carlos Tavares,<br />
enquanto<br />
presidente da<br />
CMVM, vai ter de<br />
dar um parecer<br />
sobre a OPA.<br />
recusa. Este prazo pode ser interrompido<br />
se a CMVM tiver,<br />
entretanto, pedido à sociedade<br />
oferente ou a terceiros, a prestação<br />
de informações complementares<br />
às que já constavam<br />
do pedido de registo da OPA.<br />
4<br />
OS PODERES DA CIMPOR<br />
FICAM CONDICIONADOS?<br />
Sim.Apartirdomomentoem<br />
que tome conhecimento da decisão<br />
de lançamento de OPA e até<br />
ao fim desta, o órgão de administração<br />
da sociedade visada (neste<br />
caso a Cimpor) fica com os poderes<br />
condicionados. Segundo a lei,<br />
“não pode praticar actos susceptíveis<br />
de alterar de modo relevante<br />
a situação patrimonial da<br />
sociedade visada, que não reconduzam<br />
à gestão normal da<br />
sociedade e que possam afectar<br />
de modo significativo os objectivos<br />
anunciados pelo oferente”.<br />
5<br />
DURANTE QUANTO TEMPO<br />
DECORRERÁ A OPA?<br />
O prazo da oferta pública de<br />
aquisição poderá variar entre<br />
duas e dez semanas. A OPA só<br />
pode ter início no dia seguinte<br />
ao da divulgação do anúncio de<br />
lançamento e do prospecto.<br />
6<br />
A EMPRESA QUE LANÇOU A<br />
OPA PODE REVER A OFERTA?<br />
Pode. Até cinco dias antes de<br />
terminar o prazo da oferta, o<br />
oferente pode rever a contrapartida<br />
quanto à sua natureza e<br />
montante. No entanto, caso<br />
decida rever a oferta, a sociedade<br />
não pode piorar as condições<br />
que constavam da oferta<br />
inicial e a contrapartida deve<br />
ser superior à antecedente em,<br />
pelo menos, 2% do seu valor.<br />
7<br />
PODE SER LANÇADA UMA<br />
OPA CONCORRENTE?<br />
A partir da publicação do<br />
anúnciopreliminardaOPA,<br />
que aconteceu ontem, pode ser<br />
lançada uma oferta concorrente.<br />
Quem pretenda avançar<br />
com uma OPA concorrente só<br />
pode fazê-lo até ao quinto dia<br />
anterior àquele em que termina<br />
o prazo da oferta inicial,<br />
ainda não conhecido.<br />
8<br />
EM QUE CONDIÇÕES<br />
ÉLANÇADAUMAOPA<br />
CONCORRENTE?<br />
Uma oferta concorrente não<br />
pode ser lançada por pessoas<br />
que estejam com o oferente<br />
inicial ou com um oferente<br />
concorrente anterior. E não<br />
pode incidir sobre quantidades<br />
de valores mobiliários inferior<br />
à que é objecto da OPA inicial.<br />
Em termos de contrapartida, a<br />
oferta concorrente deve ser superior<br />
à antecedente em, pelo<br />
menos, 2% do seu valor. Não<br />
há limite para o número de vezes<br />
que uma oferta pode ser revista<br />
em alta, desde que respeite<br />
a subida de 2%.<br />
9<br />
AS AUTORIDADES<br />
DE CONCORRÊNCIA TÊM<br />
DE SE PRONUNCIAR?<br />
Por regras, as autoridades de<br />
concorrência têm de se pronunciar<br />
em casos de OPA. Nesta<br />
situação há apenas a necessidade<br />
de uma notificação formal à<br />
AdC, dado que não se colocam<br />
questões a nível concorrencial.<br />
Já o Conselho Administrativo<br />
de Defesa Económica, presidido<br />
por Arthur Badin, tem de se<br />
pronunciar sobre se não se opõe<br />
à concentração, ou se há lugar à<br />
imposição de condições. ■
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16 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
PERFIL<br />
Benjamin Steinbruch<br />
Entrou para a elite empresarial<br />
brasileira em 1993. Era, então,<br />
um rapaz de 40 anos, que<br />
desempenhava a função de<br />
director da Vicunha, empresa têxtil<br />
fundada por seu pai Mendel<br />
Steinbruch e pelo empresário<br />
Jacques Rabinovitch. Naquele ano,<br />
a Companhia Siderúrgica Nacional<br />
foi a leilão, inaugurando a década<br />
das grandes privatizações no<br />
Brasil. A Vicunha, com Benjamin<br />
Steinbruch à frente, apresentou-se<br />
como líder do Consórcio Brasil –<br />
tendo apoio do Fundo de pensão<br />
dos funcionários do Banco do<br />
Brasil e da Bradespar. Do outro<br />
lado da disputa, um poderoso<br />
adversário na luta pela CSN:<br />
Antonio Ermírio de Moraes, dono<br />
do grupo Votorantim. No final de<br />
uma sexta-feira 2 de Abril de 1993,<br />
o martelo bateu a favor<br />
de Steinbruch. O ‘playboy’ da<br />
Vicunha, que adorava carros<br />
desportivos e cavalos, tornava-se<br />
proprietário da maior siderúrgica<br />
do país.<br />
CSN planeava entrar nos<br />
cimentos há cinco anos<br />
A empresa foi privatizada em 1993 e desde então não pára de crescer. O processo<br />
de internacionalização foi iniciado em 2001. O interesse na Cimpor é mais um passo.<br />
Dárcio Oliveira<br />
doliveira@brasileconomico.com.br<br />
O interesse da Companhia Siderúrgica<br />
Nacional (CSN) pela<br />
Cimpor está na diversificação<br />
de suas actividades.<br />
Em Maio deste ano, a empresa<br />
inaugurou a CSN Cimentos,<br />
com capacidade de produção de<br />
2,8 milhões de toneladas. A<br />
perspectiva inicial era fechar o<br />
ano com uma fabricação de 300<br />
mil toneladas, chegando a 2010<br />
a milhão de toneladas e uma<br />
facturação de 300 milhões de<br />
reais (117,5 milhões de euros).<br />
Trata-se de um número bastante<br />
discreto pelos padrões do<br />
Brasil, que em 2008 produziu 51<br />
milhões de toneladas de cimento,<br />
com uma facturação de 12<br />
mil milhões de reais (4,7 mil<br />
milhões de euros). O mercado<br />
nacional é dominado por onze<br />
grandes grupos, liderados pela<br />
Votorantim.<br />
A entrada da CSN no sector<br />
doscimentosestavaaserplaneada<br />
há cinco anos pelos accionistas.<br />
“O consumo per capitaébaixonoBrasil.São280<br />
quilos por habitante, contra a<br />
média mundial de 420 a 440<br />
quilos”, afirmou o director da<br />
CSN Cimentos, José Tarcisio<br />
EMPRESA EM NÚMEROS<br />
ACTIVOS (2008)<br />
149, 1 mil<br />
milhões de euros<br />
PATRIMÓNIO (2008)<br />
2,62 mil milhões<br />
de euros<br />
LUCROS (2008)<br />
10,5 mil milhões<br />
de euros<br />
Piau, ao Brasil Econômico. Com<br />
investimento de 600 milhões de<br />
reais (235 milhões de euros) em<br />
duas unidades industrias, a empresadeveactuarprincipalmente<br />
no Sudeste do país, que<br />
consomemetadedetodoocimento<br />
utilizado no Brasil.<br />
No anúncio preliminar de<br />
lançamento da oferta pública de<br />
aquisição (OPA), a CSN diz que<br />
“a aquisição da Cimpor contribuiráparaaformaçãodeuma<br />
das maiores empresas produtoras<br />
de cimento do mundo, com<br />
capacidade de produção de 36<br />
milhões de toneladas anuais de<br />
cimento”. Informa ainda que a<br />
compra poderá ser feita tanto<br />
com caixa disponível da CSN<br />
quanto por financiamento de<br />
parte ou da totalidade da aquisição<br />
com linhas de crédito de<br />
bancos de primeira linha.<br />
A CSN foi fundada em 1941<br />
por decreto do presidente Getúlio<br />
Vargas. Começou a operar<br />
cinco anos depois, em Outubro<br />
de 1946, com forte presença<br />
no processo de industrialização<br />
do país. Em 1993<br />
foi privatizada pelo Programa<br />
Nacional de Desestatização do<br />
Governo federal.<br />
A data marca a entrada de<br />
Benjamin Steinbruch na em-<br />
presa. Na época, Steinbruch,<br />
que vinha da Vicunha, foi classificado<br />
pelo presidente de uma<br />
grande empresa do sector como<br />
alguém que encarava “a siderurgia<br />
como mais um negócio a<br />
ser comprado e vendido na primeira<br />
boa oportunidade”.<br />
Steinbruch continua à frente<br />
da CSN. A empresa tem capacidade<br />
de produzir 5,6 milhões<br />
de toneladas por ano, emprega<br />
16 mil pessoas e actua, além da<br />
siderurgia, em mineração e infra-estruturas.<br />
Em 2001, iniciou<br />
o processo de internacionalização<br />
com a compra de activos<br />
da Heartland Steel, formando<br />
a CSN LLC, nos Estados<br />
Unidos. Hoje tem uma fábrica<br />
siderúrgica integrada, cinco<br />
unidades industriais, duas delas<br />
no exterior (EUA e Portugal),<br />
minas de minério de ferro,<br />
calcário e dolomita, distribuidora<br />
de aços planos, terminais<br />
portuários, participações em<br />
estradadeferroeemduasfábricas<br />
hidroeléctricas. Controla<br />
igualmente a Nacional Minérios<br />
S.A (Namisa), criada em<br />
2007. Também é proprietária<br />
da desejada mina de Casa de<br />
Pedra, em Congonhas, no Estado<br />
de Minas Gerais, da qual a<br />
Namisa é subsidiária. ■<br />
DR<br />
CSN<br />
prometeu<br />
projectos de<br />
mil milhões<br />
em Portugal<br />
Investimento seria feito<br />
através da Lusosider,<br />
empresa controlada a 100%<br />
pela CSN desde 2006.<br />
Hugo Real<br />
hugo.real@economico.pt<br />
A primeira grande operação da<br />
CSN (Companhia Siderúrgica<br />
Nacional) em Portugal aconteceu<br />
em 2006, quando o grupo<br />
brasileiro passou a controlar<br />
100% do capital da portuguesa<br />
Lusosider. Para concretizar o<br />
negócio, a CSN investiu 25 milhões<br />
de euros, o montante pago<br />
aos holandeses do Corus Group<br />
que controlavam 50% do capital<br />
Lusosider. Na altura, a CSN afirmouqueacompratinhacomo<br />
objectivo “reforçar o compromisso<br />
da CSN na sua estratégia<br />
de internacionalização, expandindo<br />
as suas operações no exterior<br />
por meio da aquisição de<br />
linhas de acabamento próximas<br />
dos grandes mercados consumidores<br />
de aço”.<br />
No ano seguinte, e após falhar<br />
a compra do Corus Group, a empresa<br />
brasileira revelou a vontade<br />
de reforçar o investimento<br />
em Portugal, de forma a que<br />
80% da produção da Lusosider<br />
fosse exportada para Espanha,<br />
França e Itália. Para tal, Benjamin<br />
Steinbruch, presidente da<br />
CSN, revelou que pretendia investir<br />
mil milhões de euros em<br />
Portugal. Um dos projectos passava<br />
pelo investimento de 200<br />
milhões de euros na ampliação<br />
da capacidade de produção da<br />
Lusosider para um milhão de toneladas.<br />
“Os estudos estão feitos,<br />
o projecto está bem adiantado<br />
e poderá estar concluído<br />
dentro de dois ou três meses”,<br />
afirmou Steinbruch na altura. O<br />
segundo projecto previa um investimento<br />
de 800 milhões de<br />
euros numa laminadora a quente<br />
para três milhões de toneladas.<br />
No entanto, estes investimentos<br />
estão ainda à espera de concretização.<br />
Actualmente, a Lusosider<br />
produz aços planos relaminados<br />
a frio, com revestimento<br />
anti-corrosão, tendo uma “capacidade<br />
instalada de cerca de 550<br />
mil toneladas/ano para produzir<br />
chapa galvanizada e chapa decapadaeoleada”,adiantaaCSNna<br />
sua pá<strong>gina</strong> ‘online’. A empresa<br />
siderúrgica portuguesa está instalada<br />
em Paio Pires e possui uma<br />
área total de 391 mil metros quadrados,<br />
sendo a área coberta de<br />
65 mil metros quadrados.<br />
Os seus produtos podem ser<br />
aplicados na indústria automóvel,<br />
na construção civil, em<br />
componentes de electrodomésticos,<br />
bem como na produção de<br />
latas e embalagens para a indústria<br />
química e alimentar. ■
PUB
18 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE OPADACSNÀCIMPOR<br />
Brasil é um mercado<br />
cada vez mais<br />
importante para a Cimpor<br />
Entre Janeiro e Setembro, a cimenteira vendeu mais de 3,3 mil toneladas de cimento<br />
no Brasil, mais 200 mil do que em Portugal. O Brasil representa já 19,5% da facturação.<br />
Hugo Real<br />
hugo.real@economico.pt<br />
A posição de relevo da Cimpor<br />
nomercadobrasileiroéum<br />
dos principais atractivos para<br />
a Companhia Siderúrgica Nacional<br />
(CSN), que está a iniciar-se<br />
no negócio de produção<br />
de cimento.<br />
A empresa portuguesa, uma<br />
das dez maiores cimenteiras<br />
mundiais em valor de mercado,<br />
éjáaterceiramaiorcimenteiraa<br />
actuar no Brasil, em termos de<br />
vendas, e a quarta em capacidade<br />
de produção. Uma posição<br />
muito importante, numa altura<br />
em que o Brasil está a arrancar<br />
com as obras para o Mundial de<br />
Futebol de 2014 e os Jogos<br />
Olímpicos de 2016, eventos que<br />
vão necessitar de muitas construções.<br />
Logo, de muitos milhões<br />
de toneladas de cimento.<br />
OBrasiléjáresponsávelpor<br />
19,5% da facturação total da<br />
Cimpor que, entre Janeiro e Setembro,<br />
foi de 1.575 milhões de<br />
euros, e por quase 20% do total<br />
de produção da empresa portuguesa,<br />
ao garantir 6,4 milhões de<br />
toneladas por ano. No Brasil, a<br />
Cimpor controla seis fábricas de<br />
cimento, duas moagens e 32 centrais<br />
de betão. Além disso, a empresa<br />
liderada por Manuel Simões<br />
Bayão Horta é ainda responsável<br />
por uma unidade de exploração<br />
de agregados e por duas unidades<br />
fabris de argamassas secas.<br />
Em termos globais, a Cimpor<br />
tem uma capacidade instalada<br />
de 33,5 milhões de toneladas de<br />
produção anual de cimento, um<br />
valor que pode subir até aos 36<br />
milhões de toneladas, se às fábricas<br />
da empresa portuguesa se<br />
juntar a unidade de produção da<br />
CSN no Brasil. De acordo com a<br />
siderúrgica, em 2011, esta fábrica<br />
deverá estar a produzir 2,5<br />
milhões de toneladas de cimento<br />
ao ano. Actualmente, a Cim-<br />
CRONOLOGIA DA EMPRESA<br />
1976<br />
Constituição da Cimpor - Cimentos<br />
de Portugal. Quinze anos depois,<br />
em 1991, a empresa constitui-se<br />
como sociedade anónima.<br />
No ano seguinte, a Cimpor<br />
dá início ao processo de<br />
internacionalização, com<br />
a compra da empresa espanhola<br />
Corporación Noroeste.<br />
MAIORES PRODUTORES<br />
MUNDIAIS DE CIMENTO<br />
China 1300<br />
Índia 160<br />
EUA 96<br />
Japão 70<br />
Rússia 59<br />
Coreia do Norte 55<br />
Espanha 50<br />
Turquia 48<br />
Itália 44<br />
México 41<br />
Brasil 40<br />
Tailândia 40<br />
Indonésia 35<br />
Alemanha 34<br />
Irão 34<br />
Vietname 32<br />
Egipto 29<br />
Árabia Saudita 28<br />
França 21<br />
Total Mundial<br />
Nota: Valores de 2007<br />
2500<br />
Arranque do processo<br />
de privatização,<br />
com a<br />
alienação de<br />
20% do capital.<br />
Compra de 51%<br />
da empresa<br />
Cimentos de<br />
Moçambique.<br />
por está também a projectar<br />
uma fábrica no Peru, uma unidade<br />
que irá reforçar a produção<br />
na América Latina.<br />
Além de uma forte presença<br />
no mercado brasileiro, a aquisição<br />
da Cimpor permitiria à CSN<br />
afirmar-se como uma maiores<br />
cimenteiras mundiais e com negócios<br />
espalhados por todo o<br />
mundo, para além de resolver os<br />
problemas de tratamento dos<br />
resíduos provenientes da sua<br />
actividade siderúrgica. Isto porque<br />
a Cimpor marca já presença<br />
em 13 países, espalhados por<br />
quatro continentes (Europa,<br />
África, Ásia e América). Os<br />
mercados internacionais são já<br />
responsáveis por 78% do volume<br />
de negócios da empresa<br />
portuguesa.<br />
Depois de Portugal e Brasil, a<br />
Espanha surge como o terceiro<br />
maior mercado para a cimenteira<br />
nacional. Depois da aquisição<br />
da Corporación Noroeste, em<br />
1992, a Cimpor continuou a investir<br />
no país vizinho, que hoje<br />
é já responsável por 16% do volume<br />
de negócios da empresa<br />
garantindo uma produção de 3,2<br />
milhões de toneladas por ano.<br />
Entretanto, a Cimpor partiu<br />
para o Norte de África (Egipto,<br />
Marrocos e Tunísia), um mercado<br />
que tem vindo a ganhar relevo,<br />
garantindo já mais de 19% do<br />
volume de negócios do grupo.<br />
A posição da empresa em<br />
África estende-se também a<br />
Moçambique e Cabo Verde,<br />
onde é líder de mercado. África<br />
do Sul é outro importante mercado<br />
para a cimenteira, com o<br />
país a ser responsável por 7,3%<br />
das receitas da empresa.<br />
O Oriente é a aposta mais recente<br />
da Cimpor que, ainda no<br />
ano passado, comprou uma empresa<br />
na Índia. As operações na<br />
Turquia, Índia e China são já<br />
responsáveis por 11,6% do volume<br />
de vendas da cimenteira. ■<br />
LÍDERES MUNDIAIS<br />
1º<br />
Lafarge é accionista da Cimpor<br />
e líder mundial nos cimentos<br />
A Lafarge é a líder mundial na<br />
produção de cimento. A empresa<br />
francesa, que é também<br />
accionista de referência da<br />
Cimpor, com uma posição de<br />
17,3%, está presente em 79 países<br />
e conta com 84 mil funcionários.<br />
Entre Janeiro e Setembro, a<br />
empresa vendeu mais 215 mil<br />
toneladas de cimento.<br />
2º<br />
Holcim com vendas próximas<br />
das 100 milhões de toneladas<br />
A Holcim fechou os primeiros<br />
nove meses do ano com uma<br />
facturação total de 15,8 mil<br />
milhões de euros, uma quebra de<br />
18,4%. Em resposta à crise, a<br />
empresa suíça diminuiu a<br />
capacidade de produção de<br />
cimento em dez milhões de<br />
toneladas. Ainda assim, vendeu<br />
99 milhões entre Janeiro e<br />
Setembro.<br />
3º<br />
Vendas da cimenteira<br />
de Carlos Slim caem 19%<br />
TalcomoaLafargeeaHolcim,a<br />
Cemex, a empresa do milionário<br />
mexicano Carlos Slim, viu as suas<br />
vendas de cimento diminuírem<br />
em 2009. Entre Janeiro e<br />
Setembro, a empresa colocou no<br />
mercado 49,6 milhões de<br />
toneladas, uma quebra de 19%.<br />
Neste período, a empresa<br />
facturou 12 mil milhões de<br />
dólares, um recuo de 31%.<br />
1994 1996 1999 2001<br />
Segunda fase de privatização, com alienação<br />
de 45% do capital. O processo de<br />
internacionalização continua, com a<br />
aquisição de 45% da cimenteira marroquina<br />
Asment de Témara. O ano seguinte<br />
fica marcado pela entrada no Brasil,<br />
com a compra da Cisafra e do negócio<br />
de cimento do grupo Serrana. Criação<br />
da Sociedade de Cimentos do Brasil.<br />
Cimpor reforça posição no mercado<br />
brasileiro, com a aquisição do grupo<br />
Brennand, da companhia de<br />
cimentos de Goiás, da Companhia<br />
de Cimento de Atol e da Companhia<br />
de Cimento Portland, na África do<br />
Sul. No ano seguinte a empresa<br />
avança com a compra de uma<br />
cimenteira no Egipto.<br />
Última fase do<br />
processo de privatizaçãodaCimpor,<br />
com o Estado<br />
à vender à Teixeira<br />
Duarte a posição<br />
de 10,05%<br />
que detinha na<br />
cimenteira.
2003 Fevereiro de 2009 Maio de 2009 Dezembro de 2009<br />
Empresa compra mais uma empresa<br />
em Espanha. No ano seguinte parte<br />
para Angola, com a aquisição de<br />
49% da Nova Cimangola. Em 2005<br />
compra 100% da Nordicave Trading<br />
Industrial. Nos anos seguintes, entre<br />
2007 e 2008, fica com<br />
participações maioritárias em<br />
empresas na China, Índia e Espanha.<br />
As dívidas<br />
obrigam Manuel<br />
Fino a dar como<br />
garantia à CGD<br />
10% das acções<br />
que detém<br />
na Cimpor,<br />
assegurando<br />
a sua recompra.<br />
A guerra interna pelo poder sobre<br />
de tom. Na assembleia-geral de 13<br />
de Maio, Pedro Maria enfrenta séria<br />
oposição, é obrigado a abandonar o<br />
cargo de CEO, mas garante<br />
Salavessa Moura, um homem de<br />
confiança no posto. No final de<br />
Agosto perde mais poder e sai da<br />
comissão executiva da Cimpor.<br />
Infografia: Susana Lopes | susana.lopes@economico.pt<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 19<br />
O conflito sobe de<br />
tomemDezembro,<br />
quando Bayão<br />
Horta acumula os<br />
cargos de ‘chairman’eCEOcom<br />
os votos contra da<br />
Teixeira Duarte e<br />
da CGD.<br />
ANÁLISE<br />
O melhor<br />
projecto para<br />
a cimenteira<br />
BRUNO PROENÇA<br />
Director Executivo<br />
NasvésperasdeNatal,opaísfoi<br />
surpreendido por uma OPA à Cimpor.<br />
Para os mais distraídos, a Cimpor<br />
é a maior empresa industrial<br />
portuguesa e uma das dez maiores<br />
cimenteiras do mundo. Ou seja,<br />
não é uma empresa qualquer. E<br />
reúne os maiores bancos e as maiores<br />
construtoras nacionais. Caixa,<br />
BCP, Teixeira Duarte, Lafarge – uma<br />
das três maiores cimenteiras do<br />
mundo –, Manuel Fino, dono da<br />
Soares da Costa, estão entre os<br />
maiores accionistas da cimenteira.<br />
Portanto, coloca-se desde logo<br />
uma questão: como é que alguém<br />
tem a ousadia de lançar uma oferta<br />
de compra de surpresa contra accionistas<br />
deste calibre? Porque eles<br />
nunca se entenderam na gestão da<br />
Cimpor.OserroscometidosnoBCP<br />
repetiram-se na Cimpor. Aliás, há<br />
actores comuns. Os accionistas não<br />
souberam definir uma trajectória<br />
de gestão coerente para a empresa.<br />
Pelo contrário, envolveram-se em<br />
lutas de poder – o último episódio<br />
foi a eleição de Bayão Horta para<br />
CEO da Cimpor –, o que colocou a<br />
cimenteira à mercê de uma OPA.<br />
Desta forma, estes mesmos<br />
accionistas não têm agora moral<br />
para invocarem os interesses do<br />
país e os centros de decisão nacional<br />
para rejeitarem a operação.<br />
A resposta à oferta da CSN, um<br />
dos maiores grupos industriais<br />
brasileiros, deve ser racional, tendo<br />
em conta o valor da oferta e o<br />
projecto para o futuro da Cimpor.<br />
Mais do que a discussão estéril sobre<br />
os centros de decisão nacional,<br />
é preciso garantir uma gestão<br />
que produza valor. A discussão<br />
nãodeveserentreestrangeirose<br />
portugueses, mas sim quem tem o<br />
melhor projecto para a Cimpor.<br />
Antecipando o argumento nacionalista,<br />
os brasileiros garantem<br />
queaempresamantémasedeem<br />
Lisboa e que a equipa de gestão<br />
continuará a ser portuguesa. E<br />
parecem ter garantido os mais altos<br />
apoios políticos. José Sócrates<br />
e Lula da Silva deram aparentemente<br />
luz verde à operação. Esta<br />
posição retira também munições<br />
a uma possível discussão política.<br />
Assim, tudo se resume ao mundo<br />
dos negócios. E a verdade é que<br />
umaOPAestrangeirapodeserasoluçãoquepermitesalvarafacedos<br />
vários accionistas da Cimpor. Além<br />
de garantirem mais-valias. A operação<br />
ainda agora começou e muita<br />
água ainda vai correr. Não é de excluir<br />
uma OPA concorrente de outra<br />
empresa estrangeira. Mas uma coisa<br />
parece certa: na Cimpor nada vai ficar<br />
como antes e provavelmente o<br />
poder vai mudar de mãos. ■
20 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ECONOMIA<br />
Os sinais que Teixeira dos<br />
Santos tem de dar para<br />
provar que vence o défice<br />
Magros aumentos na função pública e não renovar a frota<br />
automóvel são alguns dos sinais que os economistas pedem.<br />
Margarida Peixoto<br />
margarida.peixoto@economico.pt<br />
Sinal: “Nome masculino, do latim<br />
signále, tudo o que representa<br />
ou faz lembrar uma coisa,<br />
um facto ou um fenómeno presente,<br />
passado ou futuro” – esta<br />
é a primeira definição da palavra,<br />
disponível em qualquer dicionário<br />
da língua portuguesa.<br />
O que não está disponível, nem<br />
nos dicionários nem do discurso<br />
público, é o que Governo,<br />
oposição e instituições internacionais<br />
querem dizer com “dar<br />
um sinal de preocupação com as<br />
contas públicas”.<br />
Nas últimas semanas os pedidos<br />
multiplicaram-se: a oposi-<br />
DÉFICE<br />
Comacriseodéficechegaa<br />
máximos dos últimos 20 anos.<br />
8<br />
7<br />
6<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
1<br />
0<br />
1995<br />
Fonte: FMI<br />
DÍVIDA PÚBLICA<br />
A dívida pública está muito<br />
além dos 60% de Bruxelas.<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
1995<br />
Fonte: FMI<br />
2009<br />
2009<br />
çãoquerverum“sinaldeseriedade”,<br />
disse o PSD, as agências<br />
de ‘rating’ querem saber “as intenções<br />
orçamentais”, sublinhou<br />
a Moody’s e até o próprio<br />
ministro das Finanças disse no<br />
Parlamento que é preciso “fazer<br />
um esforço de redução do défice<br />
já a partir deste ano”.<br />
Mas o que ficou por dizer foi<br />
como. Ou seja, o que são, na<br />
prática, esses “sinais” de boa<br />
vontade que permitem convencer<br />
que o défice em torno dos<br />
8%equeadívidapúblicaacaminho<br />
dos 84,6% do produto<br />
interno bruto, segundo as contas<br />
de Bruxelas, são apenas um<br />
acidente de percurso.<br />
E esta é a parte mais complexa.<br />
O consenso sobre a necessidade<br />
de manter os estímulos à<br />
economia é alargado, mas<br />
quando o desafio é explicar<br />
como é que, ao mesmo tempo,<br />
se começa a traçar um esboço<br />
da futura consolidação, afinal,<br />
os ditos “sinais” têm significados<br />
muito diferentes.<br />
Para o PSD, um sinal seriam<br />
aumentos salariais moderados<br />
para a função pública, “que não<br />
deviam ir além dos 1% a 1,5%”,<br />
explicou Miguel Frasquilho.<br />
Mas para o Bloco de Esquerda<br />
um sinal importante seria “acabar<br />
com os offshores, que só<br />
criam um sistema fiscal injusto<br />
e corroem a receita fiscal”, defende<br />
o deputado José Gusmão.<br />
Do lado dos patrões, Francisco<br />
Van Zeller defende que “esta<br />
éaalturadoGovernodaro<br />
exemplo” e que por isso a gestão<br />
da frota automóvel do Estado<br />
deveria ser modificada, “mantendo-se<br />
os mesmos carros<br />
além dos quatro anos”. “Não era<br />
uma poupança significativa,<br />
mas era um sinal”, defende.<br />
O leque de opções que Teixeira<br />
dos Santos tem em cima da<br />
mesa é alargado, mas será difícil<br />
agradar a todos os quadrantes<br />
políticos. Aqui fica a lista das<br />
várias definições que o ministro<br />
tem de dar para provar que<br />
vence o défice orçamental. ■<br />
CALENDÁRIO<br />
● Para 14 de Janeiro está<br />
prevista a apresentação do<br />
Orçamento do Estado para 2010.<br />
O prazo legal vai até dia 26.<br />
● A Assembleia da República<br />
tem 45 dias para debater o<br />
documento. A votação deve<br />
acontecer até final de Fevereiro<br />
ou início de Março.<br />
● SeoOrçamentodoEstadofor<br />
aprovado, o documento segue<br />
para promulgação em Belém.<br />
Como o documento vem do<br />
Parlamento, Cavaco Silva tem 20<br />
dias para dizer se promulga ou<br />
não.<br />
É neste gabinete que<br />
Teixeira dos Santos fará<br />
as escolhas para<br />
convencer todos que<br />
quer baixar o défice.
Execução de projectos tem de acelerar<br />
A secretária de Estado do Ordenamento do Território, Fernanda do<br />
Carmo, defendeu ontem que Portugal precisa de “entrar em velocidade<br />
de cruzeiro” na execução de projectos já aprovados no âmbito da<br />
Política de Cidades, apoiados por fundos comunitários. “Estamos no<br />
bom caminho” em termos de aprovação de candidaturas mas “é preciso<br />
que consigamos agora entrar em velocidade de cruzeiro na execução”,<br />
disse, citada pela agência Lusa.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
AS OITO DEFINIÇÕES DO DICIONÁRIO DO QUE É UM SINAL<br />
A primeira forma que o Governo tem de<br />
recordar que está determinado a melhorar<br />
as contas públicas é através do<br />
seu discurso. “Mesmo que não esteja<br />
no texto do Orçamento, Sócrates pode<br />
fazer um discurso de apresentação do<br />
documento onde deve afirmar que Portugal<br />
tem um problema de défice orçamental<br />
acima da média da União Europeia<br />
e que vai seguir as indicações de<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 21<br />
“Coisa que chama outra à memória, que a recorda, que a faz lembrar”<br />
“Manifestação exterior do que se pensa, do que se quer”<br />
É fundamental que Teixeira dos<br />
Santos diga exactamente o<br />
caminho a seguir. É deste plano<br />
que as agências de rating estão à<br />
espera para decidir se mantêm a<br />
notaçãodadívidadaRepública.<br />
“Gesto convencionado para servir de advertência”<br />
Outra forma de dar um sinal, seria<br />
mostrar um cartão vermelho<br />
aos desperdícios. “A gestão hospitalar<br />
tem de ser revista, temos<br />
sinais de descontrolo”, diz a deputada<br />
do CDS, Assunção Cristas.<br />
“Indício, vestígio, rastro, traço”<br />
Um sinal também pode revelar o que o<br />
futuro reserva. Para o economista João<br />
Loureiro, como o Governo se comprometeu<br />
em não aumentar impostos, a alternativa<br />
poderá ser reduzir a despesa<br />
José Gusmão, do BE, defende que<br />
as parcerias público-privadas devem<br />
ser repensadas e lembra a<br />
experiência “mal sucedida” do<br />
Amadora-Sintra. Outra forma de<br />
mostrar rigor seria “racionalizar<br />
Mesmo que cortar a despesa já<br />
em 2010 seja difícil, há que dar<br />
indícios do que se quer fazer: “era<br />
preciso haver disciplina na gestão<br />
da frota dos automóveis do<br />
Estado”, defende Francisco Van<br />
“O que revela causa oculta ou ainda não declarada”<br />
“Rótulo, letreiro, etiqueta”<br />
Se há rótulo que o Governo tem<br />
interesse em colocar no próximo<br />
Orçamento é que consegue reunir<br />
o apoio da oposição, pois essa é a<br />
única forma de garantir que será<br />
cumprido. A palavra de ordem será<br />
“Presságio”<br />
“A frota automóvel<br />
do Estado deveria<br />
ser gerida de outra<br />
forma e manter-se<br />
os mesmo carros<br />
por mas de quatro<br />
anos”, diz<br />
Van Zeller.<br />
Este é dos sinais mais claros: os<br />
aumentos dos funcionários<br />
públicos deverão ser moderados<br />
no próximo ano. “Seria um sinal<br />
que abrangia 700 mil pessoas”,<br />
defende o presidente da CIP,<br />
Também aqui é preciso uma prova<br />
agora para que se acredite que o<br />
contrato firmado com a Comissão<br />
Europeia (reduzir o défice para o<br />
limite dos 3% até 2013) vai<br />
mesmo ser cumprido. João<br />
“O Orçamento de<br />
2010 deve ter uma<br />
meta de défice<br />
ligeiramente inferior<br />
ao valor de 2009,<br />
mesmo que seja só<br />
um ponto”, diz João<br />
Loureiro.<br />
fiscal. “O Governo pode reduzir ou cortar<br />
deduções ou subsídios fiscais já no<br />
OE de 2010 e dessa forma não altera o<br />
défice do próximo ano, mas dá um sinal<br />
de melhoria para 2011”, explica o pro-<br />
pacificar a tensão política actual. O<br />
economista Alberto Castro sugere<br />
“um pacto estratégico de longo<br />
prazo com o PSD, que tenha o<br />
patrocínio de Cavaco Silva”, para a<br />
economia.<br />
Francisco Van Zeller. “Poderia,<br />
por exemplo, congelar a maior<br />
parte dos salários e atender só<br />
aos do nível mais baixo”, sugere<br />
ainda o representante dos<br />
patrões. O discurso vai ao<br />
Bruxelas”, diz o politólogo Costa Pinto.<br />
“Deve mesmo sublinhar este ponto”,<br />
defende o especialista que considera<br />
que esta é uma forma de lembrar que o<br />
Governo está empenhado<br />
“Não pedimos apenas sinais, mas<br />
antes um plano concreto e com<br />
metas temporais que mostre como<br />
oGovernovaireduzirodéfice<br />
orçamental”, explicou fonte oficial<br />
da Standard & Poor’s.<br />
a gestão das infra-estruturas<br />
existentes”, acrescenta o fiscalista<br />
Miguel Caetano de Freitas,<br />
defendendo que devem ser reavaliadas<br />
os investimentos programados.<br />
Zeller, presidente da<br />
Confederação da Indústria<br />
Portuguesa. Outra hipótese é<br />
“reduzir as despesas com<br />
assessoria externa”, lembra a<br />
deputada Assunção Cristas.<br />
fessor da Faculdade de Economia do<br />
Porto. José Gusmão defende que se<br />
deveria caminhar para o fim dos offshores<br />
e Assunção Cristas lembra que nem<br />
todas as SCUT são obrigatórias.<br />
“Não há outra forma<br />
se não o Governo<br />
realizar um repto ao<br />
maior partido da<br />
oposição para que o<br />
apoie no Orçamento<br />
de 2010”, diz Costa<br />
Pinto.<br />
encontro do que já foi pedido<br />
tanto pelo Fundo Monetário<br />
Internacional, como pelo Banco<br />
de Portugal, que disse que os<br />
aumentos não deveriam ir além<br />
dos1%ou1,5%.<br />
“Valores que o comprador dá ao vendedor para segurança do contrato”<br />
“O nível da despesa<br />
edareceitanão<br />
deveria ultrapassar<br />
em 2010, no<br />
máximo, o<br />
verificado este<br />
ano”, defende<br />
Alberto Castro.<br />
Loureiro sugere uma regra de<br />
controlo da despesa na Lei de<br />
Enquadramento Orçamental e<br />
Alberto Castro propõe o<br />
congelamento do nível das<br />
despesas e taxas.
22 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ECONOMIA<br />
Grécia avança com<br />
reforma fiscal para<br />
combater o défice<br />
O ministro das Finanças grego anunciou um novo sistema<br />
progressivo, para aumentar a base de tributação da economia.<br />
Luís Reis Pires<br />
luis.pires@economico.pt<br />
Têmváriascoisasemcomum:o<br />
mesmo primeiro nome, um estrelato<br />
inesperado eoriscode<br />
ficarem para a história pela<br />
pior das razões – estarem à<br />
frente do governo quando a<br />
Grécia faliu. As duas primeiras<br />
já ninguém lhas tira, mas o primeiro-ministro<br />
grego, Georges<br />
Papandreou, e o seu ministro<br />
das Finanças, Georges Papaconstatinou,<br />
querem evitar a<br />
parte chata da falência e estão<br />
dispostos a tudo para o fazer.<br />
Ontem, Papaconstatinou<br />
anunciou que o governo vai<br />
avançar com uma mega reforma<br />
fiscal no país para reduzir o<br />
défice, numa derradeira tentativa<br />
de recuperar alguma confiança<br />
dos mercados.<br />
Ainda a Europa estava a<br />
acordar e já o vice-presidente<br />
do BCE, Lucas Papademos -<br />
que reuniu de emergência com<br />
Papaconstatinou na quintafeira<br />
- tentava passar um sinal<br />
positivo ao mundo financeiro<br />
desde Frankfurt: “O BCE está<br />
confiante, devido à informação<br />
que temos, que o governo grego<br />
está consciente da gravidade da<br />
situação e vai tomar as acções<br />
apropriadas”.<br />
Horas mais tarde, em conferência<br />
de imprensa, o ministro<br />
das Finanças da Grécia anunciava<br />
uma reforma fiscal no<br />
país, para aumentar as receitas<br />
do Estado e diminuir o défice<br />
para, pelo menos, 3% do Produto<br />
Interno Bruto (PIB) até<br />
2013 - deverá terminar este ano<br />
a rondar os 12,7%. “Temos que<br />
convencer os mercados que a<br />
Grécia está a ir por um cami-<br />
CRONOLOGIA<br />
Dia 8<br />
A agência de notação financeira<br />
Fitch baixa o ‘rating’ da Grécia de<br />
A- para BBB+, já depois de a<br />
Standard & Poor’s ter colocado a<br />
dívida do país sob revisão,<br />
motivada por uma revisão em alta<br />
do défice do ano passado - de 3,7<br />
para 7,7% do PIB de 2008. Esta<br />
foi a primeira vez em dez anos<br />
que o ‘rating’ da Grécia desceu<br />
abaixo de A.<br />
nho diferente”, avisou Papaconstantinou,<br />
antes de anunciar<br />
uma reforma fiscal que<br />
“vai ser crucial para melhorar<br />
as contas públicas”.<br />
Contra a fúria dos mercados,<br />
reformar, reformar<br />
A reforma fiscal inclui um impostosobreosganhosempresariais,<br />
um aumento no imposto<br />
do tabaco e álcool e uma tri-<br />
A taxa de tributação<br />
do novo sistema<br />
progressivo<br />
vai variar entre<br />
5% e 50%<br />
do rendimento.<br />
Dia 14<br />
O primeiro-ministro helénico,<br />
Georges Papandreou, anuncia<br />
uma série de medidas, com o<br />
objectivo de convencer os<br />
mercados de que a Grécia vai<br />
conseguir baixaro défice de 12,7%<br />
do PIB este anopara menos de 3%<br />
em 2013. Congelar salários na<br />
função pública ou cortar na<br />
segurança social foram duas<br />
das promessas.<br />
butação a 90% sobre os bónus<br />
da banca privada. Mas “a grande<br />
aposta”, anunciou o ministro,<br />
será “alargar a base de tributação”<br />
da economia, através<br />
de alterações no sistema progressivo,<br />
porque actualmente a<br />
maioria das receitas fiscais -<br />
que não ultrapassam os 19% do<br />
PIB-provêmdeumnúmero<br />
reduzido de contribuintes, “na<br />
sua maioria assalariados com<br />
rendimentos medianos”.<br />
Cerca de 85% das declarações<br />
de IRS na Grécia dizem<br />
respeito a rendimentos anuais<br />
inferiores a 30 mil euros, com<br />
apenas três mil declarações a<br />
apresentarem rendimentos<br />
acima dos 200 mil euros. Além<br />
disso, cerca de 5 milhões de<br />
gregos declaram rendimentos<br />
anuais abaixo dos 12 mil euros.<br />
A taxa de tributação do novo<br />
sistema progressivo vai variar<br />
entre 5% e 50% do rendimento,<br />
tendo em vista carregar sobre<br />
os mais ricos. O governo<br />
espera aprovar a reforma em<br />
princípios de Março do próximo<br />
ano, mas os seus efeitos só<br />
se vão sentir em 2011.<br />
O discurso do ministro das<br />
Finanças não veio a tempo de<br />
impedir que a Moody’s - única<br />
agência de notação que não<br />
cortou no ‘rating’ da dívida<br />
grega - pusesse quatro bancos<br />
helénicos sobre vigilância negativa.<br />
Papaconstantinou foi,<br />
por isso questionado, sobre um<br />
eventual ‘downgrade’ da<br />
Moody’s na dívida da República<br />
- o que impediria o BCE de<br />
aceitar obrigações gregas como<br />
colaterais. “Falámos com a<br />
Moody’s e não temos nenhuma<br />
indicação [sobre um eventual<br />
corte]”, respondeu. ■<br />
Dia 16<br />
Na última quarta-feira foi a vez<br />
de a Standard & Poor’s baixar<br />
o ‘rating’ da República grega<br />
de ‘AAA-’ para ‘BBB+’, mantendo<br />
o ‘outlook’ negativo. Medidas<br />
insuficientes para controlar as<br />
contas públicas e “obstáculos<br />
domésticos” muito fortes para<br />
oGovernonaalturadelevar<br />
a cabo reformas foram<br />
as justificações dadas.<br />
É previsível que as medidas de<br />
consolidação orçamental gerem<br />
contestação na Grécia.<br />
Dia 17<br />
O primeiro-ministro grego viaja<br />
para o centro financeiro de<br />
Londres de manhã, para acalmar<br />
os mercados. À tarde, reúne-se de<br />
urgência com o vice-presidente do<br />
BCE, que o pressiona a avançar<br />
com medidas mais claras. A<br />
Alemanha também pressiona, com<br />
Angela Merkel a pedir “mais<br />
esforços” e responsabilidade ao<br />
governo helénico.<br />
Dia 18<br />
O ministro das Finanças grego<br />
anunciou uma mega reforma fiscal<br />
para reduzir o défice. A grande<br />
aposta de Papaconstantinou<br />
passa por alargar a base de<br />
tributação, através de alterações<br />
ao sistema progressivo, para<br />
carregar sobre os mais riscos.<br />
O anúncio não impede a Moody’s<br />
de colocar quatro bancos gregos<br />
sobre vigilância negativa.
PUB<br />
Yiorgos Karahalis/Reuters<br />
Luís Reis Pires<br />
luis.pires@economico.pt<br />
Reside em Portugal há uma década,<br />
mas não esconde a preocupação<br />
com a grave situação que o<br />
seu país natal atravessa. Elias<br />
Soukiazis, professor da Universidade<br />
de Coimbra, diz que não há<br />
outra solução a não ser tomar<br />
medidas drásticas, mas receia a<br />
reacçãodopovogregoàausteridade<br />
orçamental.<br />
Como está acompanhar a situaçãonaGrécia?<br />
Estou preocupado. É muito difícil<br />
saber que o país está a falir.<br />
Opovogregotempercepçãodo<br />
quãograveéesteproblema?<br />
Acho que não. Eu este ano passei<br />
lá férias no Verão e quase nem se<br />
notava a crise financeira. Os gregos<br />
são mais alegres, não ligam<br />
muito a estas coisas. E a Grécia é<br />
um país mais baseado no comércio,<br />
nas comunicações, nos<br />
transportes marítimos e no turismo,<br />
ou seja, não tinha tantas indústrias<br />
para fechar e criar tanto<br />
desemprego como em Portugal.<br />
Além disso, o país conseguiu ter<br />
um bom crescimento nos últimos<br />
anos,devidoàsfronteirasque<br />
abriramnaEuropadoLestee<br />
trouxeram novas oportunidades.<br />
Mas esta euforia era falsa, era devida<br />
a dinheiro emprestado. E<br />
agora chegou a altura de pagar<br />
isso.<br />
Como é que o país chega a este<br />
ponto?<br />
Uma das grandes razões é falta de<br />
confiança nos políticos gregos.<br />
Aliás, o próprio ministro das finanças<br />
alemão pôs a culpa nos<br />
governos anteriores, que até<br />
eram de direita e queriam privatizar<br />
tudo o que era do Estado,<br />
porque não era eficiente. Mas no<br />
fim não deixaram receita nenhu-<br />
ma. Agora quem paga é o novo<br />
governo, que vai ter que tomar<br />
medidas impopulares.<br />
Mas como é possível tanta falta de<br />
transparência nas contas?<br />
Falta controlo por parte da União<br />
Europeia. A solução passa por<br />
duas opções combinadas: primeiro,<br />
o governo tem que tomar<br />
medidas severas para aumentar a<br />
receita e cortar a despesa. E depois<br />
o Banco Central Europeu<br />
tem de fazer uma maior fiscalização,<br />
para ver se estas medidas<br />
vão conseguir reduzir o défice. E<br />
pressionar mais o governo, porque<br />
até agora não houve nenhuma<br />
pressão e os governos conseguem<br />
esconder algumas coisas.<br />
Há risco de ‘default’?<br />
Sim, mas a questão coloca-se<br />
mais em termos de credibilidade<br />
porque não acredito mesmo na<br />
falência. A Grécia tem duas coisas<br />
muito fortes que podem ajudar<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 23<br />
ENTREVISTA ELIAS SOUKIAZIS economista e professor na Universidade de Coimbra<br />
“Receio que o povo grego<br />
não reaja bem às medidas<br />
impopulares do governo”<br />
As boas relações do governo com os sindicatos poderão não ser<br />
suficientes para evitar uma revolta social. Tudo depende do desemprego.<br />
A Grécia tem<br />
dois pontos fortes<br />
aseufavor:o<br />
negócio marítimo<br />
e o turismo,<br />
lembra Elias<br />
Soukiazismas,<br />
grego e professor<br />
da Universidade<br />
de Coimbra.<br />
também a trazer mais receita: o<br />
negócio marítimo e o turismo. O<br />
que é preciso é coragem política e<br />
implementarasmedidascertas<br />
para ultrapassar o problema. Até<br />
porque a União Europeia não tem<br />
nenhum interesse em deixar um<br />
membro com problemas, por<br />
causa do perigo de contaminação.<br />
Não acredito que vão deixar<br />
a Grécia ficar nas mãos do FMI.<br />
A Grécia conseguirá resolver o<br />
problema sem ajuda?<br />
As economias grandes, como a<br />
Alemanha, já disseram que, se a<br />
Grécia tomar todas as medidas<br />
necessárias, não vão precisar de<br />
apoio. Têm é que implementar<br />
bemerápido.Etêmqueserfiscalizadas<br />
de forma contínua, para<br />
ver se de facto estão a dar resultado.<br />
Receio que o povo grego<br />
não reaja bem às medidas impopulares.<br />
A Grécia não tem um grande historialdeaceitaçãodopovoem<br />
medidas mais austeras…<br />
É verdade, mas neste momento o<br />
governo tem maioria absoluta e<br />
pode implementar as medidas. E<br />
o partido socialista na Grécia é<br />
mais de esquerda, tem uma relação<br />
muito diferente com os sindicatos,<br />
quando comparado por<br />
exemplo com o partido socialista<br />
português. Acho que talvez o<br />
povo grego mostre uma certa tolerância<br />
a estas medidas, reconhecendo<br />
que os governos anteriores<br />
tiveram políticas desastrosasequeistotemqueserresolvido.<br />
Mas depois há um movimento<br />
anarquista muito forte, não sei<br />
se eles vão reagir com distúrbios.<br />
Mas é capaz de haver uma tolerância<br />
pelo menos nos primeiros<br />
tempos, não havendo revoluções<br />
sociais. Agora, vai depender do<br />
desemprego. Se aumentar ainda<br />
mais, vai haver problemas sociais<br />
de certeza. ■
24 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ECONOMIA A SEMANA<br />
Agenda 19.12 > 25.12<br />
> 21.12<br />
Ministra do Trabalho ouvida<br />
no Parlamento<br />
A ministra do Trabalho, Helena André, é recebida<br />
na Assembleia da República na segunda-feira.<br />
Os deputados da Comissão do Trabalho deverão<br />
questionar a governante sobre o Código<br />
Contributivo, o salário mínimo e as medidas<br />
de apoio às empresas.<br />
Orçamento revela contas<br />
públicas de Novembro<br />
A Direcção-Geral do Orçamento divulga o boletim<br />
de execução orçamental de Novembro, onde constam<br />
dados sobre a evolução da receita fiscal e da despesa<br />
do Estado.<br />
INE divulga síntese económica<br />
de conjuntura<br />
O Instituto Nacional de Estatística (INE) avança<br />
os dados da Síntese Económica de Conjuntura e<br />
ainda os Índices de Preços na Produção Industrial.<br />
Reunião da APED<br />
com o sindicato do sector<br />
A APED (Associação Portuguesa de Empresas<br />
de Distribuição) reúne-se com o CESP (Sindicato dos<br />
Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços<br />
de Portugal) para discutir alterações ao contrato<br />
colectivo de trabalho, nomeadamente a criação<br />
do banco de horas. O sindicato já contestou a posição<br />
patronal, convocando uma greve para dia 24 de<br />
Dezembro.<br />
> 22.12<br />
Eurostat publica números<br />
das encomendas à indústria<br />
Na terça-feira, a entidade oficial de estatística<br />
daUniãoEuropeia–oEurostat–publicaas<br />
estatísticas referentes às novas encomendas<br />
à indústria em Outubro.<br />
EUA avançam estimativa<br />
do PIB do terceiro trimestre<br />
O Gabinete de Análise Económica do Departamento<br />
norte-americano do Comércio divulga a terceira<br />
estimativa do PIB no terceiro trimestre.<br />
Reino Unido divulga<br />
Contas Nacionais Trimestrais<br />
O Reino Unido divulga ainda as Contas Nacionais<br />
Trimestrais enquanto França avança o índice<br />
de preços no produtor e de importação.<br />
> 23.12<br />
Banco de Portugal publica<br />
Boletim Estatístico<br />
O Banco de Portugal revela na quarta-feira o seu<br />
Boletim Estatístico, que contém os dados de crédito<br />
mal-parado das famílias e das empresas e o volume<br />
de crédito concedido.<br />
Tribunal de Contas entrega<br />
parecer sobre CGE de 2008<br />
O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme<br />
d’Oliveira Martins, entrega ao presidente da<br />
Assembleia da República, Jaime Gama, o parecer<br />
sobre a Conta Geral do Estado de 2008.<br />
O presidente da Fed viu renovado o seu mandato por mais quatro anos. Eleito pela<br />
revista Time como personalidade do ano, Bernanke defendeu esta semana a importância<br />
de manter baixo o preço do dinheiro por um período prolongado.<br />
A FIGURA<br />
HELENA ANDRÉ<br />
ministra do Trabalho<br />
O Governo vai financiar o recurso das empresas aos<br />
contratos de trabalho intermitente, facultando e<br />
financiando acções de formação dos trabalhadores.<br />
Esta foi a principal novidade que o Governo<br />
apresentou esta semana na reunião de concertação<br />
social, como moeda de troca para o aumento do<br />
salário mínimo, de 450 para 475 euros. A ministra do<br />
Trabalho, Helena André, mostrou-se intransigente,<br />
não tendo aceite a proposta dos patrões que<br />
aumentava o SMN para apenas 460 euros.<br />
OFACTO<br />
DÍVIDAS DOS HOSPITAIS<br />
Time Inc. via Bloomberg<br />
BERNANKE RENOVOU MANDATO E FOI ESCOLHIDO PELA TIMES COMO PERSONALIDADE DO ANO<br />
A dívida dos hospitais aos fornecedores deverá<br />
ultrapassar os mil milhões de euros no final do ano.<br />
Segundo o Ministério da Saúde, em Setembro<br />
a dívida já chegava aos 900 milhões de euros,<br />
podendo chegar facilmente aos mil milhões<br />
verificados no ano passado. A poucos dias do fim<br />
do ano, o Governo ainda não sabe como vai pagar<br />
a galopante dívida dos hospitais aos fornecedores.<br />
É que o Fundo de Apoio aos Pagamentos do Serviço<br />
Nacional de Saúde só tem 1,8 milhões de euros.
PUB
26 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
POLÍTICA<br />
Santana regressa<br />
para condicionar<br />
disputa no PSD<br />
Ferreira Leite aplaude proposta de congresso extraordinário.<br />
Apoiantes de Passos Coelho dizem que “não faz sentido”.<br />
Márcia Galrão<br />
marcia.galrao@economico.pt<br />
Santana Lopes regressou ao<br />
centro de todos os debates e<br />
causou burburinho dentro do<br />
PSD. Bastou um artigo de opinião<br />
a dizer que vai recolher assinaturas<br />
para convocar um<br />
congresso extraordinário, para<br />
que o nome do ‘enfant terrible’<br />
do PSD voltasse à ribalta. E desta<br />
vez, até Ferreira Leite lhe gabou<br />
a proposta. Informada antecipadamente<br />
do objectivo de<br />
Santana, a líder recusou assinar<br />
o requerimento mas disse que a<br />
ideia é “positiva” e surge “num<br />
belíssimo momento”. Menos<br />
satisfeitos ficaram os apoiantes<br />
de Passos Coelho, a quem este<br />
conclave vem baralhar as contas<br />
rumo à candidatura nas próximas<br />
directas.<br />
Ao que o <strong>Económico</strong> apurou,<br />
a ideia de Santana não foi previamente<br />
combinada com a direcção<br />
de Ferreira Leite ou com<br />
qualquer facção dentro do PSD.<br />
Mas a proposta não deixou de<br />
agradar a quem considera que o<br />
partido precisa de fazer uma reflexão<br />
interna o quanto antes,<br />
sobretudo àqueles que continuam<br />
à espera de uma vaga de<br />
fundo à volta de uma qualquer<br />
candidatura que faça frente a<br />
Pedro Passos Coelho. O congresso<br />
extraordinário é visto<br />
como a oportunidade para que<br />
surja um novo candidato à liderança,<br />
sustentado num debate<br />
ideológico profundo. Uma ideia<br />
que Marcelo Rebelo de Sousa<br />
defendeu recentemente, quando<br />
propôs uma cimeira “em que<br />
as pessoas” se sentassem “à<br />
mesa para encontrarem uma<br />
solução, os ex-líderes, os que<br />
acham que lideram sensibilidades,<br />
aqueles que têm alguma<br />
responsabilidade passada”.<br />
Agora, perante a proposta de<br />
Santana Lopes, são muitos os<br />
nomes ligados a Ferreira Leite<br />
que vêm aplaudir a proposta. Ao<br />
<strong>Económico</strong>, Alexandre Relvas<br />
diz que “todos os debates e reflexões<br />
que possam consolidar e<br />
conduzir ao reforço do PSD<br />
como alternativa política são<br />
úteis”. Também João de Deus<br />
Pinheiro acredita tratar-se de<br />
uma “excelente proposta, não só<br />
para o PSD como também para o<br />
país”. Presidente da mesa do<br />
congresso, Rui Machete defendeu<br />
à TSF que o debate seria útil<br />
para discutir o futuro do partido<br />
e poderia até servir para evitar<br />
alguns defeitos das eleições di-<br />
OSRECADOSDESANTANA<br />
O PSD precisa de<br />
um congresso<br />
extraordinário para<br />
tudo ser “ponderado,<br />
debatido e decidido”.<br />
“Não acredito no PSD<br />
seopartidonãolevar<br />
uma grande volta”.<br />
“O PSD está sem<br />
causas. Está a ir atrás<br />
daqueles que há anos<br />
tudo fazem para<br />
desestabilizar, para<br />
corroer, para minar os<br />
alicerces da sociedade<br />
e do Estado”.<br />
“Se sair, estou seguro<br />
que não voltarei”.<br />
“Gostava de lá ver<br />
e ouvir, por exemplo<br />
Fernando Nogueira”,<br />
diz Santana Lopes<br />
no artigo de opinião<br />
no Sol.<br />
rectas, preparando o partido<br />
para a eleição do novo líder.<br />
Mais cauteloso foi José Pedro<br />
Aguiar-Branco. O líder parlamentar<br />
do PSD disse que irá<br />
respeitar “a vontade dos militantes<br />
e, portanto, não há problema<br />
nenhum” num congresso<br />
extraordinário, mas não irá<br />
subscrever qualquer convocatória”.<br />
Apontando como um<br />
possível candidato à liderança,<br />
Aguiar-Branco, diz que essa<br />
discussão não deve ser antecipada<br />
ao Orçamento do Estado.<br />
Uma visão bem distinta têm<br />
os apoiantes de Pedro Passos<br />
Coelho, que estão já a preparar o<br />
terreno para as eleições directas<br />
do partido, que o Conselho NacionaldoPSDremeteuparadepois<br />
da votação do Orçamento<br />
do Estado para 2010. O próprio<br />
Passos Coelho recusou comentar<br />
a proposta de Santana, mas<br />
Miguel Relvas diz ao <strong>Económico</strong><br />
que acha “estranho” que alguns<br />
“tenham tanta pressa num congresso<br />
extraordinário e tão pouca<br />
em realizar eleições”. E consideraqueoproblemadopartido<br />
é de “liderança” e “os militantes<br />
exigem e os portugueses desejam<br />
uma liderança que construa<br />
uma nova alternativa para Portugal”.<br />
Também Ângelo Correia<br />
rejeita a proposta e acusa mesmo<br />
o ex-primeiro-ministro de estar<br />
a querer “acabar com as eleições<br />
directas”, uma vez que no artigo<br />
que assina no Sol Santana defende<br />
que “o sistema de debate<br />
estratégico e de escolha da liderança<br />
precisa de ser alterado”.<br />
No mesmo artigo, acusa o<br />
partido de estar “sem causas” e<br />
diz sentir-se na “obrigação de<br />
fazer mais um esforço para que<br />
as coisas possam mudar”. “Por<br />
amor e não por interesse” vai<br />
recolher as 2500 assinaturas<br />
para um congresso e diz que se<br />
sair do partido está “seguro”<br />
que não voltará. As palavras de<br />
Santana são interpretadas por<br />
Nogueira Leite como “mais uma<br />
das habituais provas de vida” do<br />
ex-primeiro-ministro, embora<br />
reconheça que o partido precisa<br />
de “reflexão”. ■<br />
Foi com Santana Lopes que o PSD<br />
passou a escolher cada novo líder<br />
em eleições directas. Agora,<br />
o ex-primeiro-ministro quer discutir<br />
no Congresso Extraordinário<br />
se esta é a melhor forma do PSD<br />
escolher quem o conduza.<br />
REACÇÕES DO PSD<br />
Manuela Ferreira<br />
Leite<br />
Líder do PSD<br />
“Acho que é um belíssimo<br />
momento para ser um foro de<br />
debate muitíssimo importante<br />
antes das eleições directas,<br />
que é aquilo que ele pretende.<br />
É bastante positivo que haja<br />
um momento de debate entre<br />
os militantes tão útil e tão<br />
profícuo”.<br />
Alexandre Relvas<br />
Presidente do<br />
Instituto<br />
Francisco Sá<br />
Carneiro<br />
“Acho que todos os debates e<br />
todas reflexões que possam<br />
consolidar e conduzir ao<br />
reforçodoPSDcomo<br />
alternativa política, são úteis”,<br />
sustenta Alexandre Relvas,<br />
presidente do IPSD, numa<br />
reacção à proposta de um<br />
congresso extraordinário.
Miguel Relvas<br />
Militante do PSD e<br />
apoiante de Pedro<br />
Passos Coelho<br />
“O problema do PSD é de<br />
liderança. Os militantes exigem<br />
e os portugueses desejam uma<br />
liderança que construa uma<br />
nova alternativa para Portugal.<br />
Acho estranho que alguns<br />
tenham tanta pressa num<br />
congresso e tão pouca em<br />
realizar eleições”.<br />
CDS aprova medidas anti-crise para agricultura<br />
O Parlamento aprovou ontem um projecto de resolução do CDS-PP<br />
com “medidas de efeito rápido” para responder à crise na agricultura,<br />
com os votos favoráveis do CDS, PSD e PCP e PEV e abstenção do PS<br />
e do Bloco de Esquerda. A ideia é que os apoios cheguem aos<br />
agricultores mais depressa. O líder do CDS, Paulo Portas, considerou<br />
insuficientes as medidas já tomadas pelo Governo, como a “energia<br />
verde, o apoio ao gasóleo e a linha de crédito anunciada”.<br />
João de Deus<br />
Pinheiro<br />
Militante do PSD<br />
“Acho que o congresso<br />
extraordinário proposto por<br />
Santana Lopes é uma excelente<br />
ideia, não só para se reflectir<br />
sobre o próprio PSD como<br />
também sobre o país. Acho que<br />
é uma excelente proposta”,<br />
considera João de Deus<br />
Pinheiro.<br />
Paulo Figueiredo<br />
António Nogueira<br />
Leite<br />
Economista e<br />
militante do PSD<br />
“Acho que faz sentido uma<br />
reflexão, mas esta é mais uma<br />
das habituais provas de vida do Dr.<br />
Santana Lopes. Até haver alguma<br />
substância é o estilo habitual,<br />
nada que não conheçamos<br />
ao fim de 30 anos. Estava<br />
afastado de tudo, é uma forma<br />
de mostrar que ainda existe”.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 27<br />
Congresso em<br />
Março adiará<br />
eleições directas<br />
Proposta de Santana Lopes<br />
aponta princípio de Março para<br />
realização do Congresso.<br />
Márcia Galrão<br />
marcia.galrao@economico.pt<br />
O pontapé de saída está dado,<br />
agora falta apenas convencer<br />
2.500 militantes a assinar o requerimento<br />
que ditará a convocação<br />
de um congresso extraordinário,<br />
como propõe Pedro Santana<br />
Lopes. Em declarações à<br />
Lusa, o ex-primeiro-ministro<br />
adiantou que prevê entregar na<br />
primeira quinzena de Janeiro as<br />
assinaturas necessárias e espera<br />
que este se realize “no princípio<br />
de Março”, apontando “5, 6 e 7<br />
ou 12, 13 e 14 de Março” como datas<br />
possíveis para a realização do<br />
congresso extraordinário que<br />
pretende fazer convocar. A partir<br />
da entrega das 2.500 assinaturas<br />
“o processo ao todo deve demorar<br />
cerca de 45 dias”, estimou.<br />
Santana Lopes propõe que na<br />
agenda desse congresso extraordinário<br />
do PSD esteja “a<br />
análise da situação política e<br />
eventuais alterações aos estatutos<br />
do partido”, que poderão alterar<br />
a forma de eleição do presidente<br />
do partido. Dois pontos<br />
que fazem parte das competências<br />
do Congresso Nacional, órgão<br />
supremo do partido, e estão<br />
explícitas nos estatutos. “Deve<br />
ser um congresso para estar<br />
tudo em causa e estarmos todos<br />
em causa, para analisar o passado<br />
e falar do presente, para<br />
construir o futuro”, acrescentou<br />
Santana Lopes, afastando<br />
para já qualquer candidatura<br />
sua à liderança do partido.<br />
Após o Conselho Nacional<br />
ter remetido para depois da<br />
discussão do Orçamento do Estado<br />
para 2010 a convocação<br />
das eleições directas, o congresso<br />
pode vir baralhar estas<br />
contas. É que até aqui tem-se<br />
apontado exactamente para<br />
Marçocomoadatamaisprovável<br />
para o sufrágio.<br />
Se as datas avançadas por Pedro<br />
Santana Lopes forem aceites,<br />
a eleição directa será provavelmente<br />
adiada para Abril ou<br />
Maio. Exactamente em cima do<br />
período em que o Presidente da<br />
República voltará a ter poder<br />
para dissolver a Assembleia da<br />
República, o que a acontecer<br />
encontrará o PSD com uma<br />
nova liderança imaculada. Circunstâncias<br />
muito semelhantes<br />
às que conduziram José Sócrates<br />
à liderança do seu primeiro<br />
Governo.<br />
Nos bastidores do PSD esta<br />
coincidência não passa despercebidaeháquemacrediteque<br />
seria a estratégia perfeita para<br />
uma alternância de poder. Seja<br />
quem for o líder na altura, estará<br />
em condições reforçadas para<br />
discutir com o PS o Governo de<br />
Portugal, caso a situação de governabilidade<br />
do país se torne<br />
de tal forma insustentável que<br />
Cavaco resolva tomar uma atitude<br />
ou Sócrates decida ele próprio<br />
impor uma moção de confiança<br />
no Parlamento. ■<br />
“Deve ser um<br />
congresso para estar<br />
tudo em causa e<br />
estarmos todos em<br />
causa, para analisar<br />
o passado e falar<br />
do presente, para<br />
construir o futuro”,<br />
defende Santana<br />
Lopes.
28 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
POLÍTICA<br />
Dívidas à banca aumentam<br />
processos em tribunal<br />
Balcão Nacional de Injunções recebe mais de 1.600 processos diários para reconhecer<br />
a existência de dívidas. Banca lidera lista de credores com 40% das acções.<br />
António de Albuquerque<br />
eSusanaRepresas<br />
antonio.albuquerque@economico.pt<br />
São números que demonstram<br />
averdadeiracruezadacrise<br />
económica que se abateu sobre<br />
Portugal.Todososdiasentram<br />
no Balcão Nacional de Injunções<br />
mais de 1.664 processos<br />
para cobrança de dívidas. É<br />
através de uma injunção que o<br />
credor obtém um título executivo,<br />
que reconhece a existência<br />
da dívida, o primeiro passo<br />
para que seja feita a cobrança<br />
judicial.<br />
Os dados do ministério da<br />
Justiça, a que o <strong>Económico</strong> teve<br />
acesso, revelam que as instituições<br />
bancárias estão a liderar<br />
as queixas contra os seus clientes.<br />
A razão já todos sabemos<br />
qual é: falta de pagamento ou o<br />
chamado incumprimento. E é<br />
no crédito concedido para<br />
aquisição à habitação própria<br />
queseregistaomaiorcrescimentodesempredestetipode<br />
processos, com mais de cinco<br />
mil, isto apenas no primeiro<br />
semestre do ano, o que contrasta<br />
com os 4.272 registados<br />
durantetodooanode2008<br />
(ver infografia).<br />
Aliás, um olhar atento sobre<br />
os números demonstra que as<br />
injunção instruídas pelas instituições<br />
bancárias aumentaram<br />
com a crise. Senão vejamos. A<br />
banca, e em menor escala as outras<br />
instituições de concessão<br />
de crédito - responsáveis por<br />
parte dos 906 processos relativosàcompraevendaaprestações<br />
-, foram responsáveis por<br />
mais de 20 mil processos no primeirosemestredoano,oque<br />
representa 40% de todos os<br />
processos entrados nos tribunais.<br />
Ao longo de todo o ano<br />
passado, estas instituições financeiras<br />
foram responsáveis<br />
por pouco mais de 28,7 mil injunções.<br />
A par dos processos relativos<br />
à concessão de crédito<br />
para habitação própria e de<br />
compra e venda a prestações,<br />
juntam-se os referentes ao cartãodecréditoedeaberturade<br />
crédito. Isto, se excluirmos a<br />
rubrica que mais contribui para<br />
inundar os tribunais de papel, e<br />
agora mais recentemente sobrecarregarossistemasinformáticos,<br />
concretamente com a criação<br />
do sistema de informação<br />
Citius. Trata-se de todos os casos<br />
de falta de pagamento e que<br />
se prendem com o fornecimento<br />
de bens e serviços, nomeadamente<br />
telecomunicações, água,<br />
luz, gás, entre outros. E que há<br />
muito representam a maior fatia<br />
do número de processos: no ano<br />
passado representavam mais de<br />
80% e este ano, no primeiro semestre,pesam76%(verinfografia).<br />
Apesar deste caos aparente,<br />
este sistema de injunções<br />
facilitoubastanteavidaaquem<br />
quer cobrar uma dívida. Quem o<br />
garanteéaadvogadaDulceDinis:<br />
“É uma forma mais rápida<br />
de obter uma sentença com força<br />
executória”, no entanto,<br />
acrescenta a advogada da Albuquerque<br />
& Associados, o problema<br />
da cobrança mantém-se,<br />
e mesmo nos casos em que o devedor<br />
reconhece o valor em falta,<br />
o processo judicial pode arrastar-se<br />
vários anos, caso não<br />
tenhadinheirooubensparape-<br />
Dulce Dinis,<br />
da Albuquerque<br />
& Associados<br />
confirma que<br />
os novos procedimentossimplificaramesteprocesso<br />
e tornaram mais<br />
eficaz a cobrança<br />
de dívidas.<br />
“O aumento<br />
do desemprego e<br />
as elevadas taxas<br />
de juro de 2008,<br />
ainda reflectidas<br />
nos contratos<br />
à habitação,<br />
justificam estes<br />
números”, refere<br />
Filipe Garcia.<br />
nhorar.Esteé,aliás,umdos<br />
mais graves problemas da justiça,<br />
responsável por milhares de<br />
processos pendentes em tribunal.<br />
Apesar da recente reforma<br />
da acção executiva, o cenário<br />
ainda é catastrófico. Esta semana,<br />
o presidente do Supremo<br />
Tribunal de Justiça, Noronha<br />
Nascimento, disse que “o novo<br />
regime tem fracassado” e “enche<br />
as estatísticas das pendências<br />
processuais, agravando na<br />
opinião pública uma imagem<br />
de morosidade que não passa<br />
por eles”. Ainda nas palavras<br />
de Noronha, no discurso de tomada<br />
de posse, o conselheiro<br />
lembrou que “há países da<br />
União que nem sequer têm acção<br />
executiva”, e quem quer<br />
cobrar uma dívida recorre a entidades<br />
privadas.<br />
O economista Filipe Garcia<br />
não deixa de salientar a actual<br />
conjuntura económica para<br />
justificar o acréscimo de processos.<br />
“No primeiro semestre<br />
deste ano tivemos a pior conjugação<br />
possível, por um lado o<br />
desemprego a aumentar e por<br />
outro, a queda verificada das<br />
taxas de juro ainda não estava<br />
incorporada nos contratos à<br />
habitação”, refere o responsáveldaInformaçãodeMercados<br />
Financeiros.<br />
Justiça já resolveu mais<br />
de 330 mil processos<br />
É um facto: a crise está a contribuir<br />
para o aumento do número<br />
de processos, veja-se que entre<br />
2008 e 2009 foram mais de 1.770<br />
processos por dia, quando comparamos<br />
com um número de<br />
mil nos anos anteriores. Contudo,<br />
assinale-se que só neste semestre<br />
foram encerrados mais<br />
de 330 mil processos. Um número<br />
que representa quase uma<br />
duplicação do observado em<br />
muitos anos, quando fazemos<br />
uma retrospectiva a partir de<br />
1999. Aliás, caso se mantenha<br />
este ritmo nos tribunais, será<br />
batido um autêntico recorde,<br />
com mais de 600 mil processos<br />
decididos. No ano passado, já<br />
tinham sido dados como findos<br />
perto de 500 mil.<br />
A justificação para esta eficácia<br />
reside no facto de ser<br />
mais simples e rápido, e também<br />
mais barato, o procedimento<br />
de injunção que uma<br />
acção judicial, sobretudo depois<br />
da alteração de Março de<br />
2008, que facilitou os procedimentos<br />
e reduziu os custos,<br />
com a utilização da Internet<br />
(ver texto ao lado). ■<br />
CUSTOS DA INJUNÇÃO<br />
● Os custos de propôr uma<br />
injunção são reduzidos em<br />
metade caso o requerimento seja<br />
apresentado por via electrónica.<br />
● Se o valor da dívida for inferior<br />
a1.875euros,oprocessotemum<br />
custode12euros.<br />
● Quando o procedimento tem<br />
um valor igual ou superior a 1.875<br />
euros e inferior a 3.750 euros, a<br />
injunção custa 24 euros.<br />
● O custo passa para 48 euros,<br />
caso a acção tenha um valor<br />
igual ou superior a 3.750 euros e<br />
inferior a 15.000 euros.<br />
● A partir de 15.000 euros, cada<br />
acção de injunção tem de ser<br />
paga por 96 euros.<br />
● Quando o procedimento tiver<br />
um valor superior a 30.000<br />
euros, aos 96 euros referidos<br />
anteriormente, acresce, por cada<br />
15.000 euros ou fracção, e até ao<br />
limite máximo de 50.000 euros,<br />
24 euros.<br />
● Todos estes valores duplicam,<br />
caso o processo não seja<br />
apresentado pela via electrónica.
Infografia: Mário Malhão | mario.malhao@economico.pt<br />
Criação do Balcão Nacional de<br />
Injunções agilizou o processo.<br />
Susana Represas<br />
susana.represas@economico.pt<br />
Desde Março de 2008 que é possível<br />
certificar oficialmente a<br />
existência de uma dívida através<br />
da Internet. Um processo simples<br />
que permite ao credor obter<br />
um título de cobrança, o primeiro<br />
passo para poder avançar<br />
com a cobrança em tribunal.<br />
1.<br />
O QUE É A INJUNÇÃO?<br />
A injunção é um procedimento<br />
através do qual uma empresa<br />
pede um título executivo que<br />
comprova que tem um crédito<br />
sobre outra entidade. Só depois<br />
de ter este documento é que o<br />
credor pode dirigir-se ao tribunal<br />
para pedir a cobrança coerciva<br />
da dívida.<br />
2.<br />
QUAISOSPASSOSDESTEPRO-<br />
CEDIMENTO NA INTERNET?<br />
Oprimeiropassoéapresentaro<br />
requerimento de injunção. Depois<br />
da notificação do devedor,<br />
este pode opor-se à dívida - e aí<br />
oprocessovaiparatribunalou<br />
aceitá-la. Neste caso, forma-se<br />
um título executivo, assinado<br />
pelo secretário judicial,<br />
que depois é enviado para o tribunal.<br />
As instâncias judiciais<br />
desencadeiam então uma acção<br />
executiva para o credor recuperar<br />
a dívida.<br />
3.<br />
QUAL É A PRINCIPAL<br />
VANTAGEM PARA A EMPRESA<br />
CREDORA?<br />
Fazer este procedimento pela<br />
internet reduz em metade as taxas<br />
de justiça, poupa tempo<br />
(porque evita a intervenção de<br />
um juiz e a necessidade de um<br />
processo judicial) e evita deslocações<br />
aos tribunais para entregar<br />
fisicamente os documentos<br />
necessários.<br />
4.<br />
COMO É QUE SE ENTREGA<br />
O REQUERIMENTO?<br />
Antes deste processo entrar em<br />
funcionamento, até Março de<br />
2008, era obrigatória a ida ao<br />
tribunal e a assinatura de um<br />
juiz. Desde que a desmaterialização<br />
do processo de injunções<br />
entrou em vigor, o requerimento<br />
pode ser entregue através do<br />
sistema informático CITIUS (a<br />
que os agentes de justiça, como<br />
os advogados, têm acesso) ou<br />
mandando um formulário elec-<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 29<br />
Cobrança<br />
‘online’ é rápida<br />
e mais barata<br />
trónico preenchido (disponível<br />
em www.mj.gov.pt). Por outro<br />
lado, se o requerente não puder<br />
aceder ao CITIUS, pode simplesmente<br />
entregar o requerimento<br />
em papel, cabendo aos<br />
funcionários tratar da sua passagem<br />
a formato electrónico.<br />
5.<br />
O QUE É, E PARA QUE SERVE<br />
ONOVOBALCÃONACIONAL<br />
DAS INJUNÇÕES?<br />
O novo balcão equipara-se a<br />
uma secretaria-geral e serve<br />
para garantir que os procedimentos<br />
electrónicos são bem<br />
feitos. O objectivo deste balcão<br />
é aumentar os níveis de eficiência<br />
e eficácia no trabalho e retirar<br />
estes procedimentos das 231<br />
secretarias judiciais onde antes<br />
tramitavam as injunções, libertando<br />
essas secretarias para os<br />
restantes processos e procedimentos<br />
judiciais.<br />
6.<br />
O QUE ACONTECE ÀS<br />
SECRETARIAS JUDICIAIS?<br />
As secretarias foram extintas,<br />
mantendo-se em funcionamento<br />
como liquidatárias dos<br />
processos pendentes.<br />
7.<br />
PAGAMENTOS MAIS RÁPIDOS<br />
Desde o início de 2008 que está<br />
também em vigor o programa<br />
Pagar a Tempo e Horas, cujo objectivo<br />
principal é descer os<br />
prazos de pagamentos das empresas<br />
do Estado aos fornecedores<br />
privados. O programa<br />
aplica-se também aos municípios,<br />
embora com críticas da<br />
associação das autarquias. O<br />
objectivo é reduzir os prazos em<br />
15% no primeiro ano de vigor e<br />
será possível às entidades contrair<br />
empréstimos com juros<br />
mais baixos. ■<br />
Fazer este<br />
procedimento<br />
pela Internet reduz<br />
em metade as taxas<br />
de justiça, poupa<br />
tempo e evita<br />
deslocações<br />
aos tribunais.
30 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
POLÍTICA<br />
Catarina Duarte<br />
catarina.duarte@economico.pt<br />
Portugal já superou o pico da<br />
gripe A. “A primeira onda pandémica<br />
já passou”, confirmou<br />
ao <strong>Económico</strong> a subdirectorageraldaSaúde,GraçaFreitas.<br />
Nas últimas duas semanas, e<br />
de acordo com os balanços semanais<br />
do ministério da Saúde, o<br />
número de casos de síndrome<br />
gripal observados nos serviços<br />
de saúde diminuiu consideravelmente.<br />
Nas semanas entre 16 e 29<br />
de Novembro, o número de casos<br />
registados ultrapassou os 27 mil.<br />
Na primeira semana de Dezembro<br />
o número caiu para 20.506<br />
casos e os últimos dados, relativos<br />
à semana de 7 a 13 de Dezembro,<br />
confirmam uma desaceleração<br />
da doença: foram re-<br />
gistados 14.518 doentes com gripe.<br />
Portugal não foi o único país<br />
a registar uma desaceleração do<br />
número de casos de H1N1. Parte<br />
da Europa e Estados Unidos<br />
também já ultrapassaram o pico<br />
da doença. Contudo, a Organização<br />
Mundial da Saúde diz que<br />
ainda é “demasiado cedo” para<br />
afirmar que a pandemia da gripe<br />
A - que já fez mais de dez mil<br />
mortosemtodoomundo-está<br />
achegaraofim.Istoporqueo<br />
H1N1 continua a propagar-se a<br />
“níveis elevados” em certas regiõesdaEuropaedaÁsiaCentral,<br />
e “actualmente não podemos<br />
prever se o vírus irá ressurgir<br />
no início de 2010”, referiu<br />
esta semana o conselheiro especialdaOMS,KeijiFukuda.<br />
A vacinação poderá ter contribuído<br />
para evitar uma peque-<br />
na parte dos contágios, admite<br />
Graça Freitas, contudo “não podemos<br />
dizer que as vacinas tenham<br />
contribuído para a diminuição<br />
da intensidade da<br />
gripe A”. De acordo com a<br />
subdirectora-geral da Saúde, o<br />
abrandamento da pandemia<br />
deve-se “ao comportamento<br />
do vírus, que começa por uma<br />
fase de aceleração lenta, depois<br />
rápida e depois entra numa<br />
fase de desaceleração”.<br />
Nesta fase, o vírus encontrase<br />
agora mais activo entre a população<br />
adulta. “O pico atinge<br />
primeiro as crianças e de seguida<br />
os adultos jovens”, explicou<br />
Graça Freitas, acrescentando<br />
que os sintomas da doença<br />
também estão mais ligeiros, o<br />
que pode levar à não identificação<br />
da doença.<br />
Denis Balibouse/Reuters<br />
O vírus H1N1<br />
encontra-se agora<br />
mais activo entre a<br />
população adulta.<br />
Portugal já ultrapassou pico da gripe A<br />
Novas vagas do vírus podem ressurgir em 2010. OMS diz que ainda é cedo para falar no fim da pandemia.<br />
MORTES NO MUNDO<br />
10 mil<br />
De acordo com a Organização<br />
Mundial de Saúde, o vírus da<br />
gripeAjáfezmaisde10mil<br />
mortos em todo o mundo.<br />
Vacinação alargada<br />
a crianças até aos 12 anos<br />
Todas as crianças até aos 12 anos<br />
podem começar a ser vacinadas<br />
contra a gripe A já a partir de<br />
segunda-feira, avançou ontem<br />
oministériodaSaúde.<br />
A decisão antecipa assim a<br />
vacinação do grupo C, que<br />
inicialmente estava prevista<br />
para depois de Janeiro. Contudo,<br />
com as remessas regulares<br />
de novas doses da vacina,<br />
a pouca adesão dos grupos<br />
de risco anteriores e o<br />
factodejásósernecessária<br />
uma dose para garantir a<br />
imunização, ficaram disponíveis<br />
mais vacinas, pelo<br />
que se antecipou o processo<br />
para este grupo, em que será<br />
dada prioridade às crianças<br />
até aos 12 anos. ■<br />
Infografia: Susana Lopes | Susana.lopes@economico.pt
Agenda 19.12 > 25.12<br />
> 21.12<br />
Conferência de líderes aborda<br />
o tema da corrupção<br />
PSD tenciona propor a criação de uma comissão<br />
eventual de acompanhamento do combate à<br />
corrupção, na conferência de líderes, na Assembleia<br />
da República.<br />
Criminoso de guerra nazi<br />
julgado na Alemanha<br />
John Demjanjuk, 89 anos, de origem ucraniana,<br />
está a ser julgado por cumplicidade no assassínio<br />
de 27.900 judeus nas câmaras de gás do campo de<br />
extermínio nazi de Sobibor, onde foi guarda, em 1943.<br />
O julgamento está a decorrer em Munique,<br />
na Alemanha.<br />
Grupos parlamentares do PS e<br />
PSD organizam jantar de Natal<br />
Os grupos parlamentares do Partido Socialista e do<br />
Partido Social Democrata organizam os seus<br />
respectivos jantares de Natal, que vão contar com as<br />
presenças dos líderes, José Sócrates e Manuela<br />
Ferreira Leite. O jantar do PS vai ter lugar no<br />
Refeitório dos Frades e o do PSD será no edifício<br />
novo da Assembleia.<br />
> 22.12<br />
Lisboa faz balanço<br />
da Estratégia<br />
Energético-Ambiental<br />
Um ano depois da aprovação da Estratégia<br />
Energético-Ambiental de Lisboa, a CML faz o balanço<br />
do trabalho desenvolvido, dos ganhos obtidos e das<br />
novas medidas a implementar para tornar Lisboa<br />
mais eficiente e sustentável até 2013. António Costa<br />
estarápresentenaconferênciadeimprensa.<br />
Apresentado relatório sobre<br />
prisões secretas da CIA<br />
Está prevista a divulgação do relatório e conclusões<br />
da comissão parlamentar de inquérito sobre as<br />
prisões secretas da CIA na Lituânia.<br />
Debate quinzenal com<br />
o primeiro-ministro<br />
O PS será o partido a escolher o tema para o debate<br />
quinzenal com o primeiro-ministro, José Sócrates.<br />
Ainda não foram definidas as questões a abordar.<br />
> 23.12<br />
Continuam as negociações<br />
no Ministério da Educação<br />
Os sindicatos dos professores continuam as<br />
negociações com o secretário de Estado<br />
da Educação, Alexandre Ventura. Já começam<br />
a haver alguns indícios de um possível consenso,<br />
mas a existência de quotas para a atribuição<br />
das notas mais elevadas continua a ser um entrave<br />
aumpossívelacordo.<br />
GOVERNO APROVA CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 31<br />
A SEMANA<br />
A falta de consenso não impediu o Governo de aprovar a alteração ao Código Civil<br />
para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Resta saber como é que a<br />
lei vai contornar a questão da adopção, que se for tratada como excepção pode ditar<br />
a inconstitucionalidade desta lei.<br />
O MOMENTO<br />
SISMO<br />
Portugal tremeu na quinta-feira<br />
Foi só um susto, mas serviu para provocar uma noite<br />
de insónias a milhares de portugueses com um sono<br />
mais leve. Na madrugada de quinta-feira, o país foi<br />
abalado por um sismo de magnitude 6,0 na escala<br />
de Richter, que teve o epicentro ao largo do Cabo de<br />
São Vicente. O sismo foi sentido por todo o território<br />
mas não houve vítimas nem estragos. No entanto,<br />
foi o suficiente para desenterrar o assunto e lembrar<br />
que Portugal está numa zona de risco sísmico<br />
significativo. Foi o abalo mais forte desde 1969.<br />
AFIGURA<br />
BERLUSCONI<br />
Primeiro-ministro italiano alvo de violência<br />
João Paulo Dias<br />
Um nariz partido, dois dentes rachados e um corte no<br />
lábio foram as marcas deixadas por uma miniatura de<br />
ferro, que um cidadão atirou ao seu primeiro-ministro,<br />
Silvio Berlusconi. Um ataque sofrido à saída de um<br />
comício, em Milão, que valeu ao presidente uns dias<br />
de internamento e quinze dias de repouso em casa.<br />
O agressor, Massimo Tartaglia, que tem problemas<br />
mentais, está preso desde domingo. Os comerciantes<br />
não perderam tempo e inventaram uma miniatura de<br />
Berlusconi em sangue.
32 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
RADAR PORTUGAL<br />
Os três grandes estão em competição na Europa.<br />
A sorte da UEFA não foi nada<br />
ori<strong>gina</strong>l para os portugueses: o<br />
Arsenal é um velho conhecido<br />
do FC Porto na Liga dos Campeões.<br />
Já Benfica e Sporting trocaram<br />
de adversários na Liga<br />
Europa.<br />
O sorteio dos oitavos-de-final<br />
da Liga dos Campeões voltou<br />
a colocar uma equipa londrina<br />
no caminho do portistas.<br />
Estes ainda não conseguiram<br />
ultrapassar o fatalismo histórico<br />
das viagens a Inglaterra, onde<br />
nunca venceram para as competições<br />
europeias, somando 11<br />
derrotas em 12 encontros. No<br />
constante “convívio” com<br />
equipas da pátria do futebol na<br />
Liga dos Campeões, chegou<br />
agora novamente a vez do Arsenal,<br />
que o FC Porto defrontou<br />
em quatro ocasiões - todas na<br />
fase de grupos da Champions -<br />
nos últimos quatro anos, apenas<br />
com uma vitória lusa.<br />
Ints Kalnins /Reuters Vasily Fedosenko/Reuters<br />
Um gigante e dois aflitos<br />
O FC Porto enfrenta peso-pesado,<br />
Benfica e Sporting têm missões bem menos espinhosas<br />
No Arsenal actuam<br />
grandes nomes do<br />
futebol mundial,<br />
como Fabregas, Van<br />
Persie ou Arshavin.<br />
O treinador francês<br />
Arséne Wenger criou<br />
uma autêntica escola<br />
futebolística.<br />
JOGOS DAS EQUIPAS PORTUGUESAS<br />
FCP inicia a competição com um jogo em casa<br />
José Manuel Ribeiro/Reuters<br />
Na Liga Europa, ao Sporting<br />
calhou em sorte um “traumatizado”<br />
Everton, depois da “chapa<br />
5” que encaixou no Estádio<br />
da Luz há poucas semanas.<br />
Igualmente em crise encontra-seoadversáriodoBenfica<br />
nestes 1/16 de final da Liga Europa:<br />
o Hertha de Berlim, que<br />
foi oponente do Sporting na fase<br />
de grupos. Os alemães ocupam<br />
mesmo o último lugar da Bundesliga.<br />
■JNC – Football Ideas<br />
Prova Fase Equipa Adversário Local Data<br />
Liga dos Campeões 1/8 final FC Porto Arsenal 1ª mão Porto, 17/2/2010<br />
2ª mão Londres, 9/3/2010<br />
Liga Europa 1/16 final Benfica Hertha 1ª mão Berlim, 18/2/2010<br />
2ª mão Lisboa, 23/2/2010<br />
Liga Europa 1/16 final Sporting Everton 1ª mão Liverpool, 16/2/2010<br />
2ª mão Lisboa, 25/2/2010<br />
Bruxelas aprova financiamento adicional para a Alta Velocidade.<br />
Transportes<br />
Alta velocidade recebe mais 33 milhões<br />
A Comissão Europeia (CE) aprovou<br />
um financiamento adicional<br />
de 33 milhões de euros para o<br />
projecto de alta velocidade em<br />
Portugal, anunciou o ministério<br />
das Obras Públicas. De acordo<br />
com o comunicado, este financiamento<br />
vem no seguimento<br />
das cinco candidaturas apresentadas<br />
pela RAVE (a responsável<br />
pelo projecto de TGV) em Maio<br />
deste ano ao programa das Rede<br />
Transeuropeia de Transportes<br />
(RTE-T). No pacote de projectos<br />
que vão receber este financiamento<br />
incluem-se estudos e os<br />
projectos de execução relativos<br />
aos sub-troços Moita-Poceirão e<br />
Poceirão-Évora, que integra o<br />
eixo Lisboa-Madrid, e ainda a<br />
Calçado<br />
Nova administração da Investvar<br />
paga salários<br />
Começou uma nova era para a<br />
Investvar. A nova administração<br />
da Investvar, empresa que<br />
ainda utiliza a marca Aerosoles,<br />
já está em funções. Uma boa<br />
nova para os 650 trabalhadores<br />
da empresa, uma vez que a primeira<br />
medida desta administração<br />
liderada por Jorge Pereira da<br />
Costa, foi efectuar o pagamento<br />
dos salários referentes ao mês de<br />
Novembro, a que se junta ainda<br />
o subsídio de Natal.<br />
O <strong>Económico</strong> sabe que após a<br />
reunião da passagem de testemunhoentrePedroRibeiroda<br />
CunhaeJorgePereiradaCosta,o<br />
novo presidente fez questão de se<br />
ir apresentar aos funcionários da<br />
empresa.<br />
A administração ontem cooptada<br />
vai agora realizar um estudo<br />
de viabilidade da empresa, delineado<br />
o seu plano estratégico.<br />
Quem também teve oportunidade<br />
de conhecer o novo presidente<br />
da Investvar foi Fernanda<br />
Moreira do sindicato de calçado<br />
de Aveiro.<br />
“Éumafactoqueanovaadministração<br />
já está em funcionamento,<br />
agora vamos ver o que<br />
se segue”, adiantou Fernanda<br />
Moreira.<br />
“A nova administração está ali<br />
Lucas Schifres. Bloomberg<br />
implementação dos sistemas de<br />
sinalização e telecomunicaçõesnotroçoentreBragaeafronteira<br />
com Espanha, do eixo Porto-Vigo<br />
e no troço de entre Lisboa e<br />
Caia, do eixo Lisboa-Madrid.<br />
Dizocomunicado,coma<br />
atribuição deste apoio, os apoios<br />
da CE, no âmbito das RTE-T, totalizam<br />
já os 422 milhões de euros.<br />
A estes juntam-se os 955<br />
milhões de euros disponilbilizadosnoâmbitodoQREN,oque<br />
totaliza apoios comunitários de<br />
1.377 milhões de euros.<br />
O comunicado nota ainda que<br />
as decisões agora tomadas pela<br />
CE serão ainda ratificadas pelo<br />
Parlamento Europeu até 8 de Janeiro<br />
de 2010. ■A.B.<br />
paralevaraempresaparaafrente,<br />
pelo menos foi isso que me<br />
transmitiu o presidente”.<br />
Quanto aos ordenados, Fernanda<br />
Moreira foi mais cautelosa<br />
“a indicação que me deram é que<br />
a ordem de pagamento já foi<br />
dada, por isso alguns receberão<br />
hoje dependendo da instituição<br />
bancária, outros receberão na<br />
segunda-feira”.<br />
Duranteapróximasemana,<br />
apesar desta ser mais curta, a<br />
administração deverá reunir<br />
com o sindicato de modo a definirem<br />
o número de trabalhadores<br />
que deverá entrar em<br />
‘lay-off’.<br />
A nova administração só deve<br />
tomar posse formalmente depois<br />
de ser aprovada em assembleia<br />
geral de accionistas, o que<br />
deverá ocorrer em finais de Janeiro.<br />
■ E.F.<br />
Uma boa notícia para 650 trabalhadores.
Banco de Portugal<br />
Indicadores de conjuntura apontam<br />
para melhoria da actividade económica<br />
A economia portuguesa continua<br />
a dar sinais que apontam<br />
para uma recuperação lenta mas<br />
sustentada. Depois de o Instituto<br />
Nacional de Estatística (INE)<br />
ter confirmado que a melhoria<br />
do investimento impulsionou o<br />
PIB no segundo trimestre, foi a<br />
vez do Banco de Portugal revelar<br />
que o indicador coincidente<br />
para a actividade económica<br />
saiu finalmente do vermelho no<br />
mês de Novembro.<br />
O indicador já estava a melhorar<br />
desde Abril mas desta vez<br />
chegou finalmente ao nível atingido<br />
no mês homólogo. Apesar<br />
disso, os indicadores de confiança<br />
de vários indústrias e serviços<br />
mantiveram-se longe do<br />
INDICADOR DE ACTIVIDADE<br />
O indicador coincidente tem<br />
vindo a recuperar depois de ter<br />
atingido mínimos em meados<br />
do corrente ano.<br />
0,00<br />
-1,75<br />
-3,50<br />
Nov 08<br />
Fonte: BdP<br />
Nov 09<br />
O Presidente Cavaco Silva esteve ontem em Torres Vedras.<br />
O Presidente da República, Cavaco<br />
Silva, garantiu ontem a sua independência<br />
na análise dos diplomas,<br />
quer se tratem de propostas<br />
do Governo ou da Assembleia<br />
da República. À margem de<br />
uma visita à Associação para a<br />
Educação de Crianças Inadaptadas,<br />
em Torres Vedras, Cavaco foi<br />
interrogadosobresehátratamento<br />
diferente entre os diplomas<br />
que chegam a Belém vindos<br />
da oposição e os que vêm do Governo,<br />
Cavaco Silva assegurou<br />
registado no final do ano passado,<br />
tal como as perspectivas de<br />
procura dirigidas à indústria<br />
transformadora (menos 50% do<br />
que no período homólogo).<br />
A subir continua também o<br />
consumo privado. Segundo o<br />
Banco de Portugal, o indicador<br />
coincidente cresceu 1,7%, acelerando<br />
relativamente aos 1,2%<br />
do mês anterior. E acumula já<br />
sete melhorias consecutivas,<br />
revelandoqueaescaladadodesemprego<br />
não teve um impacto<br />
directamente proporcional nas<br />
despesas das famílias.<br />
A explicação é tripla: o rendimento<br />
disponível continua<br />
robusto devido às actualizações<br />
salariais negociadas no ano passado,<br />
a inflação está contida (-<br />
0,8% em Novembro, apesar de<br />
já estar a ganhar terreno) e a<br />
confiança dos consumidores<br />
começa a reanimar à medida<br />
que as notícias se tornam progressivamente<br />
menos negativas.<br />
Os economistas, contudo,<br />
têm vindo a avisar que o consumo<br />
não tem muito mais margem<br />
para crescer.<br />
Deprimido continua o sector<br />
automóvel, um dos mais afectados<br />
pela crise. Segundo o<br />
BancodePortugal,ovolumede<br />
negócios no ramo dos veículos<br />
pesados, por exemplo, está cerca<br />
de 60% mais curto do que no<br />
período homólogo. Ainda assim,<br />
o investimento começa a<br />
melhorar, o que aponta para<br />
uma recuperação da produção a<br />
médio prazo. ■<br />
Presidência da República<br />
Cavaco garante independência na análise dos diplomas<br />
nunca ser influenciado nas suas<br />
decisões por este factor. “É [preciso]<br />
não [me] conhecer para<br />
ima<strong>gina</strong>r que eu posso ser influenciado<br />
nas minhas decisões<br />
relativamente a diplomas, consoante<br />
eles são originários do Governo<br />
ou da Assembleia da República,<br />
se eles são aprovados por<br />
este ou por aquele partido”, exclamou<br />
o chefe de Estado. Os critérios,<br />
acrescentou, são “sempre<br />
os mesmos” e têm em linha de<br />
conta “o interesse nacional”.<br />
Interrogado sobre os apelos<br />
para uma intervenção sua caso o<br />
ambiente de conflito entre Governo<br />
e oposição continuar, Cavaco<br />
Silva apenas disse que<br />
acompanhade“muitoperto”a<br />
situação do país nos mais variados<br />
domínios, mas recusou deixar-se<br />
“arrastar” para “combates de natureza<br />
político-partidária”. Sem<br />
comentário ficou o facto de o Governo<br />
ter aprovado o diploma que<br />
vai permitir o casamento entre<br />
duas pessoas do mesmo sexo. ■<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 33<br />
Simon Kwong/ Reuters<br />
O DESCERRAR DA BANDEIRA PORTUGUESA EM MACAU<br />
Desde que deixou de ser território português, há dez<br />
anos, que Macau recebeu pouco mais de mil milhões<br />
de euros de investimento português, um valor que a<br />
AICEP considera simbólico.<br />
João Paulo Dias<br />
PUB<br />
Media<br />
Liberdade<br />
de expressão<br />
em causa<br />
O Sindicato de Jornalistas e a<br />
Confederação de Meios já se<br />
pronunciaram contra a criação<br />
de um organismo com poderes<br />
disciplinares efectivos sobre os<br />
jornalistas. A proposta do presidente<br />
do Supremo Tribunal<br />
de Justiça (STJ), Noronha Nascimento,<br />
é considerada pelo<br />
Sindicato “uma verdadeira<br />
caça aos mensageiros da desgraça”,<br />
acrescentando ainda<br />
que já existem “leis suficientes”<br />
e “órgãos bastantes para<br />
escrutinar e eventualmente<br />
sancionar os jornalistas”. A<br />
Confederação de Meios, que<br />
representa mais de 600 empresas<br />
de media em Portugal, avisou<br />
ainda que a criação de tal<br />
órgão pode constituir “uma<br />
ameaça à liberdade de expressão”<br />
e como tal anunciou que ia<br />
pedir uma audiência com carácter<br />
de urgência a Noronha<br />
Nascimento para obter explicações<br />
sobre o caso. As reacções<br />
surgem depois da tomada de<br />
posse do presidente do STJ,<br />
pelo segundo mandato consecutivo,<br />
onde Noronha Nascimento<br />
afirmou que muitos dos<br />
actuais problemas da justiça<br />
advém da postura da comunicação<br />
social. “Para violações<br />
estatutárias só conheço um antídoto<br />
eficaz. Um órgão com<br />
poderes disciplinares efectivos,<br />
composto paritariamente por<br />
representantes da classe profissional<br />
e da estrutura política<br />
do Estado”, afirmou. ■
34 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
RADAR MUNDO<br />
Auschwitz foi o maior campo de concentração do regime nazi.<br />
1 Polónia<br />
Marco histórico roubado dos portões<br />
de Auschwitz<br />
Umatabuletacomafrase“Arbeit<br />
Mach Frei” (O trabalho vai<br />
libertar-te) foi roubada ontem<br />
da entrada do antigo campo de<br />
concentração nazi de<br />
Auschwitz. O governo polaco<br />
destacou 50 membros das suas<br />
forças policiais para encontrar o<br />
paradeiro da tabuleta, que já foi<br />
entretanto substituída por uma<br />
réplica. Em Bruxelas, Jerzy Buzek,<br />
presidente do Parlamento<br />
Europeu e ex-primeiro-ministro<br />
polaco, apelou aos ladrões<br />
para que devolvam a tabuleta.<br />
“Devolvam-no, por respeito ao<br />
sofrimento de mais de um milhão<br />
de vítimas, mortas neste<br />
campo de concentração nazi, o<br />
maior cemitério da Humanidade”,<br />
disse. Grupos neo-nazis<br />
são os principais suspeitos pelo<br />
roubo. O roubo ocorre um dia<br />
depois da Alemanha ter doado<br />
60 milhões de euros para preservar<br />
o antigo campo nazi, que<br />
recebe por ano cerca de um milhão<br />
de pessoas. ■<br />
2 Argélia<br />
Argel negoceia livre circulação<br />
de pessoas em troca de gás<br />
O ministro da Energia argelino<br />
Chakib Khelil só avança para o<br />
acordo estratégico de gás, que está<br />
a negociar com a União Europeia,<br />
se conseguir a livre circulação de<br />
pessoas entre o país do Magreb e<br />
os países membros. “Há outras<br />
condições que a Argélia pede, o<br />
queéimportanteparanósnãoéde<br />
venda de gás, como tal, mas a obtenção<br />
da livre circulação de pessoasentreaArgéliaeaUniãoEuropeia”,<br />
disse o ministro.<br />
Cerca de 95% das exportações<br />
de gás da Argélia são vendidos no<br />
continente europeu, satisfazendo<br />
assim 15% das suas necessidades<br />
de consumo. Portanto, o<br />
acordo estratégico reduziria a<br />
dependência energética crescentedaRússiaoudaNoruega.<br />
O objectivo do Magreb, nas<br />
palavras da Comissária Europeia<br />
8<br />
6 11<br />
9<br />
1<br />
4 7<br />
10<br />
4<br />
2<br />
para as Relações Externas, Benita<br />
Ferrero-Waldner, é fazer<br />
um gornecimento seguro “para<br />
o continente, enquanto” a Argélia<br />
pretende um mercado preferencial<br />
para os seus produtos<br />
energéticos. Por sua vez, Chakib<br />
Khelil frisou: “Nós temos que<br />
conseguir algo muito importante,queéalivrecirculaçãode<br />
pessoas”.<br />
O ministro já havia manifestado<br />
algumas objecções à natureza<br />
e conteúdo do acordo estratégico<br />
de energia, que ele chamou de<br />
“inútil”. Chakib Khelil disse em<br />
Março passado que não sabia se<br />
“Bruxelas quer um acordo global<br />
que obrigue todos os países<br />
membros, ou melhor, um acordo<br />
académico que conduza a negociações<br />
bilaterais com cada um<br />
dos Estados-membros.” ■<br />
4 França<br />
Ex-ministra Dati<br />
critica União<br />
Europeia<br />
“Estou no hemiciclo do<br />
Parlamento em Estrasburgo. Já<br />
não posso mais, já não posso<br />
mais. Acho que ainda vai haver<br />
um drama antes de eu acabar<br />
o meu mandato.” O desabafo da<br />
ex-ministra da Justiça, foi<br />
captado em Setembro pela<br />
estação de televisão M6.<br />
Rachida tinha-se esquecido do<br />
microfone ligado durante uma<br />
conversa telefónica com uma<br />
amiga. Está lançada a polémica.<br />
As observações de Rachida Dati<br />
foram alvo de críticas no<br />
Parlamento, em Estrasburgo.<br />
“Eu disse que ela não<br />
aguentava, que regressaria”,<br />
reagiu o líder dos verdes no<br />
Parlamento Europeu, Daniel<br />
Cohn-Bendit, falando no<br />
falhanço do “sarkozysmo”.<br />
Próxima do presidente Nicolas<br />
Sarkozy, a ministra de origem<br />
magrebina caiu em desgraça e<br />
foi enviada para o Parlamento<br />
Europeu. “É a falha do<br />
‘pegamos em qualquer um e<br />
colocamo-lo em qualquer lado’”,<br />
disse Cohn-Bendit.<br />
Declarações “indignas” e<br />
“absolutamente escandalosas”,<br />
segundo Rachida Dati.<br />
Questionada pela AFP, a<br />
eurodeputada lembrou que a<br />
conversa era com uma amiga<br />
sobre o problema de<br />
“organização” da sua vida<br />
privada – mãe solteira – e que<br />
não está nada frustrada com a<br />
situação. Joseph Daul, o seu<br />
chefe no Parlamento Europeu,<br />
também da UMP, disse<br />
compreender ser “difícil<br />
quando somos ministros<br />
e nos tornamos meros<br />
eurodeputados”. C.M.<br />
Dati aborrecida em Estrasburgo.<br />
O negócio está avaliado em cerca de mil milhões de euros.<br />
5 Itália<br />
Prisa e Mediaset fundem canais<br />
O grupo espanhol Prisa anunciou<br />
ontem que chegou a acordo<br />
com a Mediaset, de Silvio<br />
Berlusconi, para uma operação<br />
de fusão dos canais “Cuatro”<br />
(Prisa) e “Telecinco” (Mediaset),<br />
líder de audiências em Espanha.Noâmbitodesteacordo<br />
será criada uma nova empresa<br />
controlada pelo grupo de Berlusconi<br />
e onde a Sogecable, da<br />
Prisa, terá uma participação de<br />
22%. O negócio implica ainda<br />
que a Mediaset tome uma participação<br />
de 22% na Digital+, a<br />
plataforma de televisão paga do<br />
grupo Prisa.<br />
O acordo pressupõe ainda que a<br />
“Telecinco” irá realizar um aumento<br />
de capital para integrar a<br />
“Cuatro”, que será subscrito<br />
pela Sogecable. A participação<br />
final da Sogecable na nova “Telecinco”<br />
será, no entanto, de<br />
apenas 18%, já que após a conclusão<br />
da operação de concen-<br />
6 Reino Unido<br />
Brown quer reformar sistema legal<br />
após ordem de prisão a Livni<br />
Com carácter “urgente”, o GovernodoReinoUnidoestáaestudar<br />
reformar o seu sistema legal<br />
depois de um tribunal de<br />
Londres emitir, no final de semana<br />
passada, uma ordem de<br />
detenção contra a chefe da<br />
oposição israelita, Tzipi Livni.<br />
A informação foi dada pelo ministro<br />
dos Assuntos Exteriores,<br />
David Miliband, em comunicado,<br />
no qual ressalta que é<br />
importante a visita de personalidades<br />
de Israel ao Reino<br />
Unido para dialogar com as<br />
autoridades deste país.<br />
A ordem de detenção contra<br />
Livni – que iria visitar esta semana<br />
o Reino Unido – foi concedida<br />
por um tribunal a pedido<br />
de grupos palestinos, furiosos<br />
pela incursão militar israelita,<br />
no final de 2008, contra a<br />
Faixa de Gaza.<br />
Na última segunda-feira, ao<br />
saberqueaministradeAssuntos<br />
Exteriores de Israel não viajaria<br />
mais, a ordem judicial foi<br />
tração, a “Telecinco” fará um<br />
novo aumento de capital. A Telecinco<br />
adquire assim 82% e a<br />
Prisa 18,3%. Um negócio que,<br />
no total, está avaliado em cerca<br />
demilmilhõesdeeuros.De<br />
acordo com o grupo espanhol,<br />
que em Portugal controla a Media<br />
Capital (dona da TVI), a<br />
participação de 22% que a Telecinco<br />
vai controlar na “Digital+”<br />
está avaliada em 470 milhões<br />
de euros, valor igual ao<br />
pago pela Telefónica à Prisa há<br />
cerca de três semanas por uma<br />
quota de 21%.<br />
O objectivo passa por consolidar<br />
a Telecinco como líder em<br />
sinal aberto e da “Digital+” nos<br />
conteúdos pagos. A par deste<br />
negócio,aPlanetaeaMediaPro<br />
negociaram também a fusão<br />
dos canais “Antena 3” e “La<br />
Sexta”, operação que dá assim<br />
lugar à segunda empresa privada<br />
do sector. ■<br />
levantada. O primeiro-ministro,<br />
Benjamin Netanyahu, classificou<br />
a decisão de “absurda”.<br />
David Miliband frisou que<br />
está disposto a impedir que<br />
uma situação como essa volte a<br />
repetir-se. “Israel é um parceiro<br />
estratégico e um amigo próximo<br />
do Reino Unido. Estamos<br />
determinados a proteger e desenvolver<br />
estes laços. Os líderes<br />
israelitas, como os líderes de<br />
outros países, devem visitar e<br />
manter um diálogo apropriado<br />
com o Governo britânico”. ■<br />
Livni é ‘procurada’ no Reino Unido.<br />
DR
4 França<br />
Tribunal francês proíbe Google<br />
de disponibilizar livros digitalizados<br />
Um tribunal francês deliberou,<br />
ontem, que a Google não podia<br />
digitalizar livros franceses<br />
sem a autorização das editoras<br />
e determinou que o gigante<br />
‘online’ terá de pagar 300 mil<br />
euros de indemnização.<br />
Esta decisão veio encerrar<br />
um caso que já se arrastava<br />
há mais de três anos, depois<br />
da Le Seuil, uma das maiores<br />
editoras francesas, ter colocado<br />
a Google em tribunal por<br />
disponibilizar milhares<br />
das suas obras em formato<br />
digital sem a sua autorização.<br />
O tribunal de Paris determinou<br />
que a “Google cometeu actos<br />
de violação de direitos<br />
7 China<br />
Novo gasoduto abastece<br />
mercado chinês<br />
Um gasoduto crucial para levar<br />
gás natural da Ásia Central para<br />
a China começou esta semana a<br />
funcionar, contornando a Rússia,<br />
o que diminuirá o seu controlo<br />
sobre os vastos recursos<br />
naturais da região. A torneira do<br />
gasoduto foi oficialmente aberta<br />
no Norte do Turquemenistão<br />
pelos líderes da China (Hu Jintao),<br />
Cazaquistão, Uzbequistão<br />
e Turquemenistão.<br />
É a primeira grande rota de<br />
exportação de gás da Ásia Central<br />
que contorna a Rússia, este<br />
gasoduto desempenhará um<br />
papel chave na retirada das antigas<br />
repúblicas soviéticas da<br />
região da esfera de influência<br />
económica de Moscovo.<br />
Prevê-se que os fornecimentos<br />
de gás à China, através do<br />
gasoduto, atinjam cerca de 13<br />
mil milhões de metros cúbicos<br />
em 2010 e 30 mil milhões de<br />
metros cúbicos em 2013, quando<br />
a infra-estrutura estiver definitivamente<br />
concluída.<br />
O gasoduto de 6.800 quilómetros<br />
abastecerá todo o mercado<br />
chinês. “A abertura deste<br />
gasoduto é outra plataforma<br />
para a colaboração e a cooperação<br />
entre as nossas nações<br />
de ‘copyright’ em detrimento<br />
da Le Seuil” e outras duas<br />
editoras, todas pertencentes ao<br />
grupo La Martiniere. O grupo,<br />
que recebeu 300 mil euros de<br />
indemnização, tinha exigido<br />
inicialmente uma compensação<br />
de 15 milhões de euros.<br />
Agora, a Google terá um mês<br />
para cumprir com a decisão do<br />
tribunal e parar de digitalizar<br />
livros franceses. Passado<br />
o prazo, terão de pagar<br />
uma multa de dez mil euros<br />
por dia. O caso já tinha tido<br />
ramificações políticas. Na<br />
passada segunda-feira, o<br />
presidente francês Nicolas<br />
Sarkozy anunciou que o seu<br />
governo ia gastar cerca de 750<br />
milhões de euros para<br />
digitalizar os seus “tesouros<br />
nacionais” e comprometeu-se a<br />
proteger o património francês.<br />
Antes, no início de Dezembro, o<br />
ministro da Cultura Frederic<br />
Mitterrand já se tinha reunido<br />
com o vice-presidente da<br />
Google, David Drummond, para<br />
transmitir a sua “preocupação”<br />
com a política de digitalização<br />
delivrospostaempráticaem<br />
todo o mundo pela empresa<br />
norte-americana.<br />
A advogada em defesa<br />
da Google, argumentou<br />
que o Google Books não<br />
era uma livraria mas<br />
apenas um motor<br />
de pesquisa<br />
que disponibilizava pequenos<br />
excertos dos livros na Internet,<br />
livres de custos.<br />
amigas”, declarou Hu Jintao.<br />
O presidente chinês abriu a<br />
torneira que permitiu o fluxo de<br />
gás natural que percorrerá 1.800<br />
quilómetros no Turquemenistão,<br />
a partir da cidade de Samadepe,<br />
e depois 5.000 quilómetros<br />
até à província chinesa de<br />
Xinjiang, depois de passar pelo<br />
Uzbequistão e Cazaquistão. No<br />
momento de pleno funcionamento,<br />
em 2012-2013, o gasoduto<br />
permitirá a passagem<br />
anual de 40 mil milhões de metros<br />
cúbicos de gás natural. ■<br />
O gasoduto estende-se por 6.800 km.<br />
8 SAHARA OCIDENTAL: HAIDAR REGRESSA A CASA<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 35<br />
STR New/Reuters<br />
A activista do Sahara Ocidental, Aminatou Haidar, foi<br />
autorizada a regressar a casa, depois de uma greve de<br />
fome que durou 32 dias. A activista tinha sido exilada<br />
em Espanha pelo governo marroquino, mas após uma<br />
maratona diplomática Haidar aterrou ontem na sua cidade,<br />
onde os filhos (na foto) a aguardavam.<br />
9 Irlanda<br />
Ryanair cancela<br />
compra de 200<br />
aviões da Boeing<br />
A Ryanair confirmou o fim<br />
das negociações com a Boeing<br />
para a compra de 200 aviões<br />
do modelo 737-800 para<br />
o período de 2013-2016.<br />
A mudança nas condições<br />
estabelecidas em acordos<br />
prévios com a fabricante<br />
norte-americana será a<br />
principal razão por trás do<br />
recuo da operadora ‘low-cost’<br />
irlandesa, uma das maiores<br />
em toda a Europa.<br />
A Ryanair, que tem lucrado<br />
com os efeitos da crise,<br />
traduzida num aumento<br />
da procura por viagens com<br />
preços mais competitivos,<br />
anunciou também que este<br />
recuo não terá qualquer efeito<br />
nos negócios já concluídos<br />
com a Boeing.<br />
A operadora adiantou<br />
que continua a contar com<br />
a entrega de mais 112 aviões<br />
entre 2010 e 2012.<br />
10 Bélgica<br />
Bruxelas reforça orçamento<br />
para terrorismo e imigração<br />
O Parlamento Europeu aprovou,<br />
esta semana, o orçamento da<br />
União Europeia para 2010, de<br />
122,9 mil milhões de euros (o<br />
equivalente a 1,04% do produto<br />
interno bruto da UE), verba que<br />
SEGURANÇA<br />
1.000 milhões<br />
É o valor orçamentado para<br />
combater a criminalidade, o<br />
terrorismo e gerir os fluxos<br />
migratórios na União Europeia<br />
no próximo ano. Os recursos<br />
para investigação crescem 12%,<br />
para7.500milhõesdeeuros.<br />
11<br />
Alemanha<br />
Berlim aprova<br />
redução<br />
de impostos<br />
A câmara alta do parlamento<br />
alemão (Bundesrat) aprovou,<br />
ontem, o primeiro grande<br />
plano de corte de impostos<br />
do novo governo de Angela<br />
Merkel. As medidas propostas<br />
visam a redução de impostos<br />
nas empresas e mais ajudas<br />
fiscais para as famílias, e vai<br />
custar cerca 8,5 mil milhões<br />
ao governo alemão em 2010,<br />
quando entrar em vigor.<br />
A decisão acaba por salvar<br />
a chanceler do possível<br />
embaraço de um veto, tão<br />
cedo no seu segundo mandato.<br />
A Bundesrat é controlada<br />
por representantes dos<br />
16 estados da Alemanha,<br />
eMerkelcontavacom<br />
o apoio das regiões<br />
pela sua coligação.<br />
Alguns dos estados tinham<br />
ameaçado bloquear o plano<br />
de redução de impostos se não<br />
fossem compensadas pela<br />
perda de receitas que este vai<br />
trazer. Angela Merkel coloca<br />
nestas medidas muitas<br />
das suas esperanças para<br />
recuperar a sua economia,<br />
que se viu enterrada na sua<br />
maior recessão do pós-guerra.<br />
Apesar de contar agora<br />
um governo composto<br />
inteiramente pelos seus<br />
maiores aliados políticos, o<br />
segundo mandato de Merkel,<br />
ainda no seu segundo mês,<br />
já foi abalado por vários<br />
problemas, incluindo uma<br />
controvérsia envolvendo um<br />
ataque aéreo no Afeganistão<br />
que vitimou civis.<br />
O PIB alemão deverá cair<br />
quase5%esteanoeas<br />
previsões de expansão<br />
económica em 2010<br />
ficam-se pelos 1,2%.<br />
inclui uma ajuda de emergência<br />
de 300 milhões de euros para os<br />
produtores do leite. Além de<br />
um apoio adicional de 300 milhões<br />
de euros ao sector leiteiro,<br />
tal como solicitado pela assembleia,<br />
o orçamento prevê<br />
ainda uma “margem de manobra”<br />
de 500 milhões de euros<br />
para outras eventuais medidas<br />
de urgência para auxiliar os<br />
agricultores.<br />
No entanto, o maior aumento<br />
da despesa regista-se nos projectos<br />
de combate à criminalidade,<br />
ao terrorismo e na gestão<br />
dos fluxos migratórios, cujo financiamento<br />
aumentará 16%<br />
para 1.000 milhões de euros.<br />
O orçamento, negociado ao<br />
longo dos últimos meses entre<br />
representantes das três instituições<br />
comunitárias – Comissão ,<br />
Conselho e Parlamento –, foi<br />
aprovado no hemiciclo de Estrasburgo<br />
com 483 votos a favor,<br />
48 contra e 32 abstenções.■
36 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE LIVRO DE MARK MAZOWER<br />
Aorigem<br />
das Nações Unidas<br />
JOÃO MARQUES<br />
DE ALMEIDA<br />
Colunista do <strong>Económico</strong><br />
Mark Mazower, professor de história internacional<br />
na Universidade de Columbia, escreveu<br />
um livro magnífico. O tempo e a escassa<br />
curiosidade histórica resultaram<br />
numa ignorância relativamente generalizada<br />
sobre as origens das Nações Unidas. A<br />
organização é muito discutida, mas a história<br />
da sua criação é pouco conhecida. Como<br />
diz o autor na introdução, a versão oficial<br />
conta que “as Nações Unidas emergiram<br />
depois da Segunda Guerra Mundial puras e<br />
descontaminadas em relação ao passado da<br />
política mundial”. Marcariam uma espécie<br />
de ‘novo começo’ da história do mundo. O<br />
autor argumenta que, ao contrário das teses<br />
da ruptura, a origem das Nações Unidas<br />
deve ser colocada no contexto dos debates<br />
sobre os impérios europeus, nomeadamente<br />
o Império Britânico, e a experiência da<br />
Sociedade das Nações. Para Mazower, há<br />
duas dimensões centrais, paralelas e opostas,<br />
nas Nações Unidas. Para uns, a organização<br />
deveria promover a “missão civilizadora”<br />
dos impérios europeus. Para outros,<br />
deveria legitimar as lutas anti-coloniais de<br />
libertação nacional. Essas duas tendências,<br />
ainda hoje, explicam muitas das contradições<br />
da organização.<br />
As Nações Unidas<br />
e o ‘internacionalismo imperial’<br />
Os dois primeiros capítulos discutem as contribuições<br />
de um político, o sul-africano Jan<br />
Smuts, e de um académico, o inglês Alfred<br />
Zimmern, para a criação das Nações Unidas.<br />
Embora representassem visões distintas, foram<br />
ambos educados pela ideologia imperial<br />
britânica. Smuts defendeu a ‘superioridade<br />
racial branca’ na África do Sul. Zimmern<br />
pertencia a meios mais cosmopolitas e progressistas<br />
dos sectores liberais britânicos.<br />
Mas ambos olhavam para a tradição imperial<br />
britânica como uma forma de progresso histórico<br />
(”the white man’s burden”).<br />
Jan Smuts, primeiro-ministro sul-africano,<br />
era um dos delegados mais experientes na<br />
Conferência de São Francisco, após ter participado<br />
na Conferência de Paris que estabeleceu<br />
a SDN, em 1919. Tendo em conta o papel<br />
das Nações Unidas na luta contra o regime<br />
sul-africano do ‘apartheid’, quem diria que<br />
um antigo primeiro-ministro da África do<br />
Sul teria um papel de relevo na criação da or-<br />
ganização em 1945. Smuts via na ONU a garantia<br />
da preservação do Império Britânico<br />
em África, atribuindo ao governo sul-africano<br />
a papel de agente civilizador entre as populações<br />
locais. Ironicamente, na cabeça de<br />
um dos Pais Fundadores da organização, “as<br />
Nações Unidas começaram a sua vida não<br />
como um instrumento para acabar com o colonialismo,<br />
mas como um meio para o preservar”.<br />
E Smuts, de certo modo, não estava<br />
enganado. A Carta da ONU é de uma neutralidade<br />
absoluta em relação aos impérios coloniais<br />
e, mais tarde, foi devido aos interesses<br />
de Washington e de Moscovo e através de Resoluções<br />
da Assembleia Geral que a organização<br />
combateu o colonialismo.<br />
Não se julgue que a ligação entre as organizações<br />
universais e os Impérios era um exclusivo<br />
dos políticos mais conservadores. Intelectuais<br />
radicais, como J.A. Hobson, um<br />
crítico feroz do “imperialismo”, defendia a<br />
construção de uma “federação de Estados civilizados”<br />
com o objectivo de promover a<br />
missão civilizadora dos Impérios europeus.<br />
Nos meios intelectuais e académicos, o principal<br />
defensor do “internacionalismo imperial”<br />
foi Alfred Zimmern. Professor de Relações<br />
Internacionais na Universidade de<br />
Oxford e, mais tarde, na Universidade de<br />
Cornell, nos Estados Unidos.<br />
Zimmern, uma das figuras mais respeitadas<br />
e influentes no mundo anglo-saxónico<br />
no período entre as Guerras, herdou duas<br />
ideias centrais do pensamento liberal do século<br />
XIX. Em primeiro lugar, a Grécia clássica<br />
e Roma representavam os modelos dos<br />
Impérios civilizadores, cujos exemplos deveriam<br />
ser seguidos pelos europeus no século<br />
XX. Em segundo lugar, recuperou a<br />
distinção, desenvolvida nos séculos XVII e<br />
XVIII, entre os ‘bons’ e os ‘maus’ impérios.<br />
De um lado estavam os ‘impérios comerciais’<br />
e do outro os ‘impérios de conquista’<br />
(na linguagem usada por Montesquieu, Hume<br />
e Adam Smith). A partir do século XIX, a<br />
oposição passou a ser entre ‘impérios liberais’<br />
(defendidos por Tocqueville e Stuart<br />
Mill) e ‘impérios militaristas’. A Alemanha<br />
nazi constituía o exemplo mais recente (e<br />
mais terrível) dos últimos; e o Império Britânico<br />
representava o último sobrevivente<br />
dos primeiros.<br />
Zimmern viu mais longe que Smuts e percebeu<br />
que o Império britânico estava condenado<br />
como resultado das relações de poder<br />
provocadas pela Segunda Guerra Mundial. À<br />
semelhança do governo britânico trabalhista<br />
do pós-Guerra, Zimmern olhava para os norte-americanos<br />
como os herdeiros da missão<br />
civilizadora liberal. Já a viver nos Estados<br />
Unidos, Zimmer tentou convencer o Departamento<br />
de Estado a apresentar um “progra-<br />
“ Na cabeça de<br />
um dos Pais<br />
Fundadores da<br />
organização, “as<br />
Nações Unidas<br />
começaram a sua<br />
vida não como<br />
um instrumento<br />
para acabar com<br />
o colonialismo,<br />
mas como um meio<br />
para o preservar”.<br />
As últimas décadas<br />
constituem a<br />
história da<br />
emergência da<br />
ONU global e o fim<br />
dos impérios.No<br />
entanto, o desfecho<br />
da história não nos<br />
deve levar a ignorar<br />
o seu início.<br />
O livro ‘No Enchanted Palace: The End<br />
of Empire and the Ideological Origins<br />
of the United Nations’ está à venda<br />
‘online’ na Amazon por 16,47 dólares.<br />
A origem das Nações Unidas deve ser colocada<br />
no contexto dos debates sobre os impérios<br />
europeus, nomeadamente o Império Britânico.<br />
ma americano para consolidar a civilização<br />
ocidental” através das Nações Unidas. Acaboudesapontadopelofactodo<strong>Plano</strong>Marshall<br />
e da Doutrina Truman ignorarem a ONU<br />
e limitarem-se à Europa.<br />
A ligação entre imperialismo e internacionalismo<br />
aponta, ao contrário do que dizem as<br />
teses dominantes, para a continuidade entre<br />
a Sociedade das Nações e as Nações Unidas.<br />
Tanto em Washington como em Londres, os<br />
grupos de trabalho que, ainda durante a<br />
Guerra, pensaram as Nações Unidas eram<br />
compostos por figuras que tinham desempenhado<br />
um papel importante na construção<br />
da Sociedade das Nações (Keynes é talvez o<br />
exemplo mais conhecido). Nas palavras de<br />
Mazower, “o exemplo da Sociedade das Nações<br />
dominou as discussões sobre a Carta das<br />
Nações Unidas”. A SDN fora uma “instituição<br />
Vitoriana” empenhada numa “missão civilizadora<br />
global”, herdeira das ideologias imperiais<br />
europeias. Para Smuts e Zimmern, a
“ A Carta da ONU<br />
édeuma<br />
neutralidade<br />
absoluta em relação<br />
aos impérios<br />
coloniais.<br />
ONU deveria prosseguir a missão civilizadora<br />
da sua antecessora, mas obviamente com<br />
mais sucesso.<br />
A ambiguidade ori<strong>gina</strong>l das Nações Unidas<br />
O livro conta, igualmente, a outra história sobre<br />
a origem e a evolução das Nações Unidas:<br />
a defesa do princípio da auto-determinação<br />
nacional e da libertação anti-colonial. É a<br />
históriamaisconhecidaeaquetemmarcado<br />
grande parte da vida da organização. Esteve<br />
igualmente presente no momento de criação<br />
da ONU. O capítulo terceiro explica a contribuição<br />
do pensamento de dois emigrantes judeus<br />
na Palestina, Raphael Lemkin e Joseph<br />
Schechtman, para a afirmação do princípio da<br />
auto-determinação das minorias nacionais, a<br />
partir do caso de Israel. Neste ponto, também<br />
senotaacontinuidadeentreaSDNeaONU.A<br />
defesa da auto-determinação das nações que<br />
pertenciam aos Impérios europeus foi um dos<br />
pontos definidores da SDN, confirmada pela<br />
Mhghghk df df gdjkfhg<br />
sdfhglkhsdlfjgh sdjfgh<br />
sjdfh g hsdfkjgh<br />
ksdfjgsjdfhkgjh sdfjkgh ksjdfh<br />
gkj shdfkjgh sdjkfhgk jsdhfkgjh<br />
skdfjg sdfg.<br />
Mhghghk df df gdjkfhg<br />
sdfhglkhsdlfjgh sdjfgh<br />
sjdfh g hsdfkjgh<br />
ksdfjgsjdfhkgjh sdfjkgh ksjdfh<br />
gkj shdfkjgh sdjkfhgk<br />
jsdhfkgjh skdfjg sdfg.<br />
vaga de independências nacionais que se seguiu<br />
ao colapso dos Impérios Otomano, Russo<br />
e Austro-Húngaro, após a primeira Guerra<br />
Mundial. A criação do Estado de Israel marca<br />
a expansão do princípio da auto-determinação<br />
para fora da Europa, e a sua transformação<br />
na luta contra os impérios coloniais.<br />
Jawaharlal Nehru, conta-nos o autor no<br />
capítulo quarto, reforçou a visão anti-colonial<br />
com a sua proposta sobre umas “nações<br />
unidas globais”, onde a Ásia e África ocupariam<br />
um lugar ao lado das “potências ocidentais”.<br />
As últimas décadas constituem a<br />
história da emergência da ONU global e o fim<br />
dos impérios. O que, em larga medida, deu<br />
razão a Nehru. No entanto, o desfecho da história<br />
não nos deve levar a ignorar o seu início.<br />
A ambiguidade ori<strong>gina</strong>l reflecte uma tensão<br />
histórica entre tolerância e civilização;<br />
ou, usando outros termos, entre nacionalismo<br />
e cosmopolitanismo. Durante o pós-<br />
Guerra, o conceito de civilização perdeu a<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 37<br />
Karamallah Daher / Reuters’<br />
natureza discriminatória, em termos raciais,<br />
e adquiriu uma identidade política, adoptando,<br />
pelo caminho, o nome de ‘democracia e<br />
direitos humanos’. A versão contemporânea<br />
da tensão histórica entre tolerância e civilizaçãotransformou-senatensãoentrerespeito<br />
pela soberania nacional eapromoção<br />
da democracia e dos direitos humanos. A<br />
“Agenda para a Paz” de Boutros-Boutros<br />
Ghali, o documento fundador da “ONU pós-<br />
Guerra Fria”, constitui um dos exemplos<br />
mais recentes da tensão permanente que habita<br />
a organização. A excelente contribuição<br />
de Mazower ajuda a entender muito melhor<br />
não só a natureza das contradições da ONU,<br />
mas também as razões porque continuaremosavivercomelas.■<br />
João Marques de Almeida escreve aos<br />
sábados no <strong>Weekend</strong> <strong>Económico</strong> sobre<br />
grandes líderes europeus e grandes livros.
38 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
EMPRESAS<br />
Galp investe 1.080<br />
milhões no maior projecto<br />
industrial em Portugal<br />
Reconversão da refinaria de Sines será concluída até 2011, criando sete mil postos de<br />
trabalho, no que será o maior investimento industrial em Portugal na última década.<br />
Sara Piteira Mota<br />
e Ana Maria Gonçalves<br />
sara.mota@economico.pt<br />
A Galp Energia vai avançar com<br />
o maior investimento industrial<br />
da década em Portugal. O contrato<br />
para o projecto de reconversão<br />
da refinaria de Sines foi<br />
assinado, ontem, pela Galp<br />
Energia e pela espanhola Tecnicas<br />
Reunidas. O investimento<br />
de 1.080 milhões inclui a conversão<br />
da refinaria de Sines e<br />
ainda outros projectos nas áreas<br />
da eficiência energética e do<br />
ambiente.<br />
De acordo com a empresa, o<br />
arranque operacional das novas<br />
unidades está previsto para o<br />
terceiro trimestre de 2011. No<br />
total, a Galp irá investir 1.300<br />
milhões de euros na conversão<br />
das duas refinarias. Este investimento<br />
vai criar mais de sete<br />
mil empregos durante a fase de<br />
construção.<br />
“O contrato assinado fixa o<br />
valor final do investimento,<br />
dentro dos prazos e dos valores<br />
previstos desde o início”, diz<br />
fonte oficial da Galp Energia.<br />
A partir do momento em que<br />
as obras estejam terminadas as<br />
duas refinarias passam a funcionar<br />
de forma perfeitamente<br />
integrada.<br />
A refinaria de Sines é um dos<br />
pontos nevrálgicos do aparelho<br />
refinador da Galp. De acordo<br />
com o comunicado da empresa<br />
liderada por Ferreira de Oliveira,<br />
o objectivo deste mega investimento<br />
é “ajustar o perfil de<br />
produção às necessidades do<br />
mercado ibérico, onde actualmente<br />
existe um défice de gasóleo.”<br />
Este projecto de conversão<br />
da refinaria de Sines vai permitir<br />
a maximização da produção<br />
anual de gasóleo.<br />
A Galp prevê que, dentro de<br />
dois anos, consiga adaptar a sua<br />
produção, reduzindo as importações<br />
de gasóleo ao mesmo<br />
tempo que permitirá uma reduçãode6%nafacturaenergética<br />
de Portugal.<br />
“SeaGalpEnergiaéhojeo<br />
maior exportador nacional, é<br />
A refinaria<br />
de Sines é<br />
considerada<br />
um projecto PIN +,<br />
que são apoiados<br />
pela AICEP,<br />
entidade<br />
governamental<br />
liderada por<br />
Basílio Horta.<br />
ENERGÉTICA EM BOLSA<br />
O título da Galp Energia, cotado<br />
na Euronext Lisboa, fechou a<br />
semana a recuar 0,59%, para<br />
11,86 euros.<br />
12,5<br />
12,0<br />
11,5<br />
19 Nov 09<br />
Fonte: Bloomberg<br />
18 Dez 09<br />
graças ao seu aparelho refinador,<br />
do qual Sines é a peça<br />
principal. A Galp, que é hoje o<br />
maior exportador nacional,<br />
além de contribuir para o equilíbrio<br />
da balança comercial pela<br />
via das exportações, vai contribuir<br />
igualmente pela redução<br />
das importações de gasóleo”,<br />
acrescenta fonte oficial.<br />
Projecto vai reduzir a factura<br />
energética em 450 milhões<br />
A refinaria de Sines dispõe de<br />
uma capacidade de destilação<br />
instalada de 10,4 milhões de toneladas<br />
por ano, onde se privilegia<br />
a produção de gasolinas.<br />
Um valor que se manterá após a<br />
conclusão destes trabalhos.<br />
Prevê-se que este projecto, a<br />
par do investimento de modernização<br />
da refinaria de Matosinhos,<br />
na ordem dos 280 milhões<br />
de euros, permita uma redução<br />
anual da factura energética nacional<br />
na ordem dos 450 milhões<br />
de euros.<br />
Esta última, com uma capacidade<br />
de 4,8 milhões de toneladas,<br />
produzirá essencialmente<br />
combustíveis, lubrificantes e<br />
produtos aromáticos de base<br />
para a indústria petroquímica.<br />
A central de cogeração (que<br />
já está concluída e a funcionar)<br />
implicou um investimento de<br />
73 milhões de euros e tem uma<br />
capacidade de 82 megawatts.<br />
Existe uma em Sines e outra no<br />
Porto que ainda está em construção).<br />
Funciona a gás natural (consome<br />
250 m3/ano), produz 1,8<br />
milhões de toneladas de vapor<br />
e 668 GWh/ano e evita a emissão<br />
de 500 mil toneladas ano de<br />
CO2 a nível nacional.<br />
Apesar de elevado, o investimento<br />
da Galp fica atrás do realizado<br />
pela Volkswagen, em<br />
1995, na fábrica da Autoeuropa.<br />
A fabricante alemã investiu<br />
1.282 milhões de euros só na<br />
implementação da fábrica, um<br />
valor que, aos preços de hoje,<br />
seria naturalmente superior.<br />
No total, a Autoeuropa custou<br />
1.970 milhões de euros ao<br />
grupo germânico. ■<br />
PALAVRA-CHAVE<br />
✽<br />
Refinaria de Sines<br />
Em operação desde 1979,<br />
a refinaria de Sines dispõe<br />
de uma capacidade de destilação<br />
de aproximadamente 10,5 milhões<br />
de toneladas de crude por ano<br />
(220 mil barris por dia), sendo<br />
este o primeiro grande incidente<br />
em que se vê envolvida. A<br />
reconversão da refinaria é<br />
considerado o primeiro projecto<br />
PIN +, pela sua relevância<br />
estratégica para o país.<br />
Fábricas d<br />
Projectos da Repsol e La Seda,<br />
ambos em Sines, à espera de<br />
melhores dias para avançarem.<br />
Ana Maria Gonçalves<br />
ana.goncalves@economico.pt<br />
Renault-Nissan, Repsol e La<br />
Seda Barcelona são as empresas<br />
responsáveis pelos três dos<br />
principais investimentos industriais<br />
que estão previstos para<br />
Portugal, embora, actualmente,<br />
apenas a fábrica de baterias para<br />
carros eléctricos da Renault-<br />
Nissan reuna garantias de concretização<br />
efectiva.<br />
Aveiro foi a região escolhida<br />
pela Renault-Nissan para loca-
REN ganha acção contra a Galp<br />
A REN ganhou o braço de ferro que mantinha com a Galp relativo<br />
ao ajustamento do preço dos activos regulados do sector do gás<br />
natural, adquiridos à petrolífera em 2006. Em causa estavam cerca<br />
de 40,6 milhões de euros, acrescidos de 4,6 milhões de euros que<br />
a REN sempre alegou que não tinha de os pagar. O Tribunal Arbitral<br />
veio agora julgar totalmente improcedente a acção movida pela Galp .<br />
O acórdão arbitral não é passível de recurso.<br />
A Galp, que é liderada por Ferreira do<br />
Amaral (à direita) e tem como accionista<br />
Américo Amorim (à esquerda) vai avançar<br />
com o maior projecto industrial<br />
dos últimos dez anos.<br />
a Repsol e La Seda continuam no papel<br />
Novas fábricas<br />
da Repsol, em Sines,<br />
já deviam estar em<br />
fase de construção<br />
há mais de um ano.<br />
Mas continuam<br />
paradas e sem data<br />
prevista de arranque.<br />
lizar a futura fábrica de baterias<br />
para carros eléctricos , um dos<br />
pilares estratégicos do projectopiloto<br />
que visa à criação de uma<br />
rede de abastecimento para este<br />
tipo de veículos. A par do Reino<br />
Unido, Portugal é um dos dois<br />
pólos mundiais seleccionados<br />
pela Renault-Nissan para a instalação<br />
de unidades de baterias<br />
de iões de lítio destinadas ao<br />
abastecimento dos futuros carros<br />
eléctricos.<br />
A nova fábrica exige um investimento<br />
de 250 milhões de<br />
euros e deverá criar 200 postos<br />
de trabalho, estando o seu arranque<br />
previsto para 2012.<br />
Também a Repsol tem em<br />
vista novos projectos de investimentoparaocomplexopetroquímico<br />
de Sines, avaliados em<br />
mil milhões de euros. Estes projectos<br />
já deveriam estar em fase<br />
de construção, mas continuam<br />
sem data para arrancar. As novas<br />
fábricas estão, assim, com<br />
mais de um ano de atraso, justificando<br />
a petrolífera este atraso<br />
pela inversão da conjuntura<br />
económica. As terraplanagens,<br />
os únicos trabalhos visíveis no<br />
terreno, têm já largos meses.<br />
Integrados nos investimentos<br />
da petrolífera espanhola para<br />
2008-2012, Sines continua, porém,<br />
a figurar na lista dos 10<br />
projectos estratégicos.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 39<br />
João Paulo Dias<br />
Outra obra, programada para<br />
Sines, está igualmente sem<br />
rumo definido. A construção da<br />
futura fábrica da La Seda Barcelona<br />
pararam em Setembro por<br />
falta de pagamento às empresas<br />
que estão no terreno, entre as<br />
quais a Martifer, Somague e Engiarte.<br />
Depois de várias ameaças,<br />
os noruegueses da AKER, o<br />
grupo de engenharia que supervisiona<br />
o projecto industrial,<br />
avançou com um pedido de suspensão<br />
dos trabalhos. Em causa<br />
estão sucessivos atrasos de financiamento<br />
por parte da CGD,<br />
líder do consórcio bancário responsável<br />
pelo ‘project finance’<br />
de 320 milhões de euros. ■<br />
TRÊS PERGUNTAS A...<br />
EDUARDO CATROGA<br />
Economista<br />
“Estamos a abusar<br />
das parcerias público<br />
privadas”<br />
Todos os incentivos públicos<br />
deviam ser orientados para os<br />
sectores de bens de exportação,<br />
defende o economista Eduardo<br />
Catroga, que acrescenta que o<br />
que está em causa é qualidade<br />
e não a quantidade<br />
dos investimentos.<br />
O que é necessário para captar<br />
investimentos industriais para<br />
Portugal?<br />
O investimento dirigido à indústria<br />
depende das condições de<br />
atractividade criadas no País, em<br />
comparação com os países com<br />
quem concorremos. Tudo isto<br />
radica na qualidade dos factores<br />
que influenciam a competividade e<br />
a produtividade da economia<br />
portuguesa. Enquadrado num<br />
ambiente social e económico amigo<br />
do investimento. São essas as<br />
condições estruturantes. Não basta<br />
fazermos investimentos. É preciso<br />
que tenham qualidade, que criem<br />
valor. Não é tanto a quantidade<br />
de investimento, mas sim<br />
a sua qualidade.<br />
No seu entender, que<br />
incentivos devemos ter?<br />
Há incentivos fiscais e financeiros<br />
e há orientações políticas que<br />
acabam por interferir na qualidade<br />
e afectação dos recursos na<br />
economia. No fundo, para atrairmos<br />
mais investimentos, tipo Galp ou<br />
Siemens, temos que privilegiar<br />
esses sectores. A estrutura de<br />
incentivos tem estado errada.<br />
Num contexto financeiro difícil<br />
que vivemos, orienta-se a banca<br />
para investir em grandes Parcerias<br />
Público Privadas, em que o risco<br />
é todo do Estado. A banca prefere<br />
esse investimento sem risco,<br />
do que emprestar às empresas,<br />
que estão em concorrência.<br />
E no seu entender, não é<br />
prioritário?<br />
Todos os incentivos e estímulos<br />
deviam ser para os sectores<br />
de bens transaccionáveis (que<br />
se podem exportar). Estamos<br />
a abusar das PPP, desde<br />
as concessões rodoviárias,<br />
ferroviárias, hospitais, etc). ■
40 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
EMPRESAS<br />
Só um milagre<br />
pode salvar<br />
a mítica marca<br />
sueca SAAB<br />
A General Motors não vai reestruturar a Saab.<br />
Apenas um comprador surpresa a pode salvar.<br />
Sara Piteira Mota<br />
sara.mota@economico.pt<br />
O último fio de esperança para<br />
salvar a fabricante de carros sueca<br />
foi cortado ontem, após o insucesso<br />
das conversações entre a<br />
General Motors (GM) e a Spyker<br />
Cars. O gigante norte-americano<br />
GM,queestavaatentarvendera<br />
marca sueca há um ano, e quer<br />
desembaraçar-se dela antes do finalde2009,deveráanunciaras<br />
suas intenções na próxima semana<br />
durante um conselho de administração,<br />
que irá realizar-se em<br />
Detroit, nos Estados Unidos.<br />
Paul Newton, especialista do<br />
sector automóvel, disse à imprensa<br />
sueca que “o cenário mais prováveléofecho”daSaab.Reestruturá-la<br />
não está, definitivamente,<br />
nos planos da GM.<br />
A GM e a Spyker, uma fabricante<br />
de carros que chegam a custar<br />
150 mil euros, encontraram<br />
“certos problemas” que não conseguiram<br />
ser resolvidos, diz a<br />
agência Bloomberg.<br />
Após a retirada da oferta de<br />
aquisição por parte da Koenigsegg<br />
Group AB no mês passado, a GM<br />
deu início a conversações com a<br />
Spyker Cars para vender a Saab.<br />
porém, segundo a GM “não foi<br />
possível chegar a acordo.”<br />
Apesar do fecho já esperado, a<br />
O comunicado da<br />
quebra do acordo<br />
entre a General<br />
Motors e a Spyker<br />
Cars foi anunciado<br />
pelo presidente da<br />
General Motors<br />
Europe, Nick<br />
Reilly.<br />
Saab irá cumprir as suas obrigações<br />
em termos de garantias e de<br />
assistência aos automóveis já vendidos,<br />
bem como os pagamentos<br />
aos fornecedores, assegura o comunicado<br />
da norte-americana.<br />
Em Novembro passado, a Koenigsegg<br />
Group AB, fabricante escandinava<br />
de carros desportivos,<br />
explicou que cancelou as negociações<br />
para comprar a Saab, citando<br />
atrasos no fecho do acordo que teriam<br />
causado “riscos e incertezas”.<br />
A empresa disse ainda que<br />
“o tempo sempre foi um factor<br />
crucial na nossa estratégia para<br />
reanimar a empresa”. Fritz Henderson,<br />
ex-CEO da GM, afirmou<br />
na altura que a empresa estava<br />
“obviamente muito desapontada”<br />
com a decisão da Koenigsegg.<br />
Além do fecho eminente da fabricante<br />
sueca a outra alternativa<br />
parece vir da China caso a Beijing<br />
Automotive (BAIC), que era aliada<br />
da Koenigsegg, decida manter o<br />
interesse. O quinto maior fabricante<br />
chinês, que procura encontrar<br />
um parceiro ou comprar uma<br />
marca para se internacionalizar,<br />
anunciou ontem que iria “prudentemente<br />
reavaliar” o projecto.<br />
Porém, a BAIC “está interessada<br />
na única coisa que poderá provavelmente<br />
obter da GM – a tecnologiaeo‘know-how’–,sendo<br />
por isso pouco provável que chegueaumacordoparaimpedira<br />
Saab de desaparecer”, adianta<br />
Paul Newton.<br />
O fecho da Saab, uma das marcas<br />
suecas mais conhecidas, vai<br />
incomodar não só os suecos como<br />
é também considerada uma catástrofesocialnasuaterradeorigem,<br />
Trollhattan (pequena cidade<br />
no sudoeste da Suécia) e irá afectar<br />
o sector automóvel do país.<br />
Actualmente, a Saab emprega<br />
3.400 pessoas, mas deverão desaparecer<br />
entre cinco mil a dez mil<br />
empregos indirectos provenientes<br />
de empresas subcontratadas. A<br />
marca produzia cerca de cem mil<br />
carros por ano, tendo este ano as<br />
suas vendas caído 65%.<br />
De acordo com o Governo<br />
sueco está a ser analisado um<br />
empréstimo de urgência do Estado,<br />
embora tenha como condição<br />
encontrar-se um comprador<br />
para a Saab. Recorde-se que a<br />
Saab pediu 400 milhões de euros<br />
ao Banco Europeu de Investimento<br />
(BEI), com garantia dada<br />
por Estocolmo. ■<br />
A Saab emprega hoje 3.400<br />
pessoas e produzia cerca<br />
de cem mil carros por ano.<br />
Saab desaparece ao fim de sete décadas de vida<br />
A marca sueca Saab (Svenska<br />
Aeroplan Aktiebolaget) foi<br />
fundada em 1937 tendo começado<br />
como uma fábrica produtora de<br />
aviões para a força aérea sueca.<br />
O final da II Guerra Mundial e a<br />
perspectiva de diminuição da<br />
procura de aviões de combate,<br />
levouaSaabaentrarnaindústria<br />
automóvel, uma nova área de<br />
negócio. A divisão automóvel foi<br />
criada em 1947. Passado dois anos<br />
a Saab lança o 92, um automóvel<br />
de linhas invulgares para a época,<br />
com melhor coeficiente de<br />
aerodinâmica da época,<br />
continuando a fazer inveja a<br />
muitos dos actuais desportivos.<br />
Em 1978 a Saab assinou um<br />
acordo com a Fiat, de forma, a<br />
produzir automóveis Lancia.<br />
No final da década de 80 a<br />
Christian Charisius / Reuters<br />
empresa começou a registar<br />
prejuízos, o que levou a GM a<br />
comprar 50% da marca sueca.<br />
SobodomíniodaGMaSaab<br />
lançaria o 900 em 1993 e passado<br />
dois anos passava a dar lucro. Em<br />
2000 a GM adquire a totalidade<br />
da Saab. Com a crise económica o<br />
grupo norte-americano está a<br />
tentar vender as marcas não<br />
estratégicas. S.P.M.
Hugo Real<br />
hugo.real@economico.pt<br />
OgrupoRTPfechouoacordo<br />
de financiamento através do<br />
qual vai comprar ao BPN<br />
Imofundos o edifício sede, situado<br />
na Avenida Marechal<br />
Gomes da Costa, em Lisboa,<br />
apurou o <strong>Económico</strong>. Em<br />
causaestáumnegóciode70<br />
milhões de euros.<br />
“Está formalizada a escolha<br />
do consórcio para a compra do<br />
edifício sede”, assumiu fonte<br />
oficial da empresa quando<br />
questionada pelo <strong>Económico</strong>. A<br />
RTP não quis adiantar mais<br />
pormenores, mas o <strong>Económico</strong><br />
apurou que este consórcio é<br />
formado pela Caixa Geral de<br />
Depósitos e pelo BES, que assinaram<br />
com a RTP um contrato<br />
de leasing imobiliário válido<br />
por 25 anos, sendo que o valor<br />
do financiamento é de 70 milhões<br />
de euros.<br />
O que significa que, no total,<br />
o grupo RTP vai gastar mais de<br />
100 milhões de euros na aquisição<br />
do edifício. Isto porque a<br />
empresa de rádio e televisão<br />
havia já pago, em 2007, “o sinal<br />
do contrato de compra e venda<br />
para a aquisição do edifício sede<br />
(...) no valor de 19,5 milhões de<br />
euros”, conforme se pode no<br />
relatório e contas da empresa<br />
referente ao mesmo ano.<br />
Além disso, entre 2006 e<br />
2008, a RTP pagou cerca de 8,6<br />
milhões de euros ao BPN Imofundos<br />
pelo aluguer do espaço<br />
que agora vai adquirir.<br />
Apesar do Acordo de Restruturação<br />
Financeira da empresa,<br />
assinado em 2003, impedir<br />
a RTP de realizar empréstimos<br />
de longo prazo, o contrato<br />
abre uma excepção para a<br />
aquisição do edifício sede.<br />
Guilherme Costa, presidente<br />
da empresa, revelou recentemente<br />
ao <strong>Económico</strong> que neste<br />
caso especifico existe uma autorização<br />
do Estado para ter<br />
acesso ao empréstimo para financiar<br />
a aquisição da sede. Na<br />
mesma altura, o presidente da<br />
RTP recordou que a compra foi<br />
decidida em 2007, aquando do<br />
pagamento do sinal de 19,5 mi-<br />
lhões, pela administração liderada<br />
por Almerindo Marques, e<br />
que o grupo tinha até ao final<br />
deste ano para decidir se avançava<br />
com a compra.<br />
Processo da nova sede<br />
arrasta-se desde 2002<br />
O processo em volta do edifício<br />
sede da estação pública de televisão<br />
começa em Setembro de<br />
2002, quando foi decidido que<br />
as várias instalações da RTP e<br />
da RDP se iriam concentrar no<br />
mesmo local. Ainda nesse ano<br />
foi escolhida a localização,<br />
sendo que em Fevereiro de<br />
2003 foram adjudicados os primeiros<br />
projectos.<br />
A obra arrancou em Agosto<br />
desse ano, com a inauguração a<br />
ter lugar em Março de 2004,<br />
contando com a presença de<br />
Durão Barroso, então primeiroministro.<br />
Situado num espaço<br />
de 35 mil metros quadrados<br />
(com19milm2deáreaconstruída),<br />
o edifício projectado<br />
pelo arquitecto Carlos Ramos<br />
alberga actualmente as instalações<br />
da RTP e da RDP. ■<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 41<br />
RTP compra sede ao BPN por 70 milhões<br />
Consórcio da Caixa e do BES financia a compra da sede da empresa pública a um fundo gerido pelo BPN.<br />
PUB<br />
A administração<br />
liderada por<br />
Guilherme Costa<br />
está prestes<br />
a resolver<br />
o problema<br />
da propriedade<br />
do edifício sede<br />
da estação pública<br />
de televisão.<br />
PALAVRA-CHAVE<br />
✽<br />
Venda de património<br />
do BPN<br />
O BPN tem estado em operações<br />
de venda de participadas,<br />
para minimizar o défice<br />
da situação líquida. Na lista<br />
de activos oficialmente à venda<br />
estãooBPNBrasileoBPN<br />
França. Recentemente surgiu<br />
uma proposta para comprar<br />
a Real Vida, que deverá ser<br />
analisada. O BPN deverá ser<br />
privatizado em bloco com o Efisa,<br />
comoBPNCréditoecomoBPN<br />
Gestão de Activos. Essa é pelo<br />
menos a actual intenção da<br />
administração do BPN. MTA
42 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
EMPRESAS<br />
O palácio quinhentista está em vias de se transformar<br />
num hotel de cinco estrelas.<br />
Polémica ameaça transformação do<br />
Palácio dos Arcos em hotel de charme<br />
O Vila Galé ganhou a concessão do palacete de Oeiras, mas um concorrente local impugnou a decisão.<br />
Marina Conceição<br />
marina.conceicao@economico.pt<br />
O concurso público para construção<br />
de um hotel de charme no Palácio<br />
dos Arcos, em Oeiras, foi impugnado<br />
pelo último classificado<br />
depois de ter sido ganho pela cadeia<br />
Vila Galé no início do ano.<br />
Fica assim em causa a criação de<br />
umhoteldecincoestrelasnopalácio<br />
quinhentista.<br />
A empresa Nova Caxias, que<br />
que gere a unidade de quatro estrelas<br />
Solar Palmeiras,decidiu impugnar<br />
a primeira decisão por<br />
“violação do sistema do concurso<br />
e violação da legislação dos empreendimentos<br />
turísticos”, avançou<br />
ao Diário <strong>Económico</strong> Rui Silva,<br />
administrador da Nova Caxias.<br />
A empresa que ficou em último<br />
lugar, entre cinco concorrentes,<br />
acusa a cadeia Vila Galé de não ter<br />
apresentado uma proposta com<br />
pouca volumetria na transformação<br />
do palacete do século XV em<br />
hoteldecharme.<br />
“Ficámos admiradíssimos<br />
quando a proposta que ganhou<br />
tinha grande volumetria de<br />
construção e os quartos eram<br />
Jorge Rebelo<br />
de Almeida,<br />
presidente do grupo<br />
Vila Galé, está<br />
confiante que<br />
a autarquia liderada<br />
por Isaltino Morais<br />
vai manter<br />
a decisão inicial<br />
de adjudicação.<br />
menores do que a legislação de<br />
um cinco estrelas obriga”, explicou<br />
Rui Silva.<br />
O projecto do Vila Galé, escolhido<br />
pela autarquia de Isaltino<br />
Morais, consiste num hotel<br />
com75quartosnuminvestimento<br />
de 9,9 milhões de euros e<br />
com, uma renda acumulada de<br />
2,9 milhões de euros numa concessãoa50anos.<br />
Confrontado com os argumentos<br />
do concorrente, o presidente<br />
da cadeia Vila Galé, Jorge Rebelo<br />
de Almeida, disse que “as razões<br />
apresentadas não têm fundamento.<br />
O projecto respeita todos os<br />
condicionamentos do concurso e<br />
cumpre largamente por excesso a<br />
legislação de um hotel de cinco<br />
estrelas, com quartos muito maiores<br />
do que a lei exige”.<br />
Em relação à dimensão do<br />
projecto do Palácio dos Arcos, o<br />
presidente da Vila Galé afirmou<br />
que “o edifício tem dois e três pisos<br />
e, por isso, não ultrapassa a<br />
altura do palácio”.<br />
A proposta da Nova Caxias implica<br />
um investimento de seis milhões<br />
de euros e conta com a<br />
construção de um hotel de 45<br />
quartos e mais seis suites localizadas<br />
no palacete. Além disso, Rui<br />
Silva tornou-o num projecto<br />
“auto-suficiente do ponto de vista<br />
energético”.<br />
Apesar do valor da renda ser<br />
inferior ao das outras propostas, a<br />
Nova Caxias oferecia um incremento<br />
de progressão de 1% até ao<br />
finaldaconcessãode50anos,o<br />
que no fim dava um retorno maior<br />
à Câmara, segundo Rui Silva.<br />
A Câmara Municipal de Oeiras<br />
está calada desde Julho. Contactada<br />
pelo <strong>Económico</strong>, fonte oficial<br />
da autarquia sublinhou que “a câmara<br />
não se pode pronunciar<br />
porque há um júri responsável<br />
pela avaliação do concurso, mas a<br />
autarquia está muito empenhada<br />
em que tudo se resolva rapidamente<br />
para a decisão do júri ir<br />
novamente a assembleia municipal<br />
para ser votada”.<br />
Rui Silva aguarda uma decisão<br />
favorável à impugnação que provocou<br />
e que seja a Nova Caxias a<br />
ganhar o projecto. Por outro lado,<br />
Jorge Rebelo de Almeida, não vai<br />
desistir do projecto e está confiante<br />
na manutenção da decisão inicial<br />
da autarquia.■<br />
PALAVRA-CHAVE<br />
✽<br />
O palácio de onde<br />
D. Manuel via<br />
partir as naus<br />
Paulo Alexandre Coelho<br />
O Palácio dos Arcos foi construído<br />
no século XV. Reza a lenda que foi<br />
deste palacete de Oeiras que<br />
D.Manuel I, o Venturoso, viu partir<br />
as naus com destino à Índia. Passou<br />
depois de geração em geração ao<br />
longo de cinco séculos, nas mãos<br />
dos condes de Arrochella e Castelo<br />
de Paiva. Até que o último<br />
proprietário o legou em testamento<br />
à Câmara de Oeiras, na condição<br />
que ali seja construída uma casamuseu<br />
com obras de artistas<br />
como Almada Negreiros, Cesariny<br />
e Vieira da Silva.
Agenda 18.07 > 24.07<br />
> 19.12<br />
Assembleia-geral da Ordem<br />
dos Técnicos Oficiais de Contas<br />
O plano de actividades e Orçamento vai ser<br />
apresentado na assembleia geral da Ordem<br />
dos Técnicos Oficiais de Contas. A reunião está<br />
marcada para as 14 horas, no Auditório da FIL,<br />
no Parque das Nações.<br />
> 21.12<br />
Assinatura do contrato<br />
de investimento<br />
do Parque Alqueva<br />
No Salão Nobre dos Paços do Município<br />
de Reguengos de Monsaraz, às 16h30, terá lugar<br />
assinatura do contrato de investimento do Parque<br />
Alqueva e inauguração das instalações do pólo<br />
turístico do Alqueva.<br />
> 22.12<br />
British Airways: Início da greve<br />
dos assistentes de voo<br />
Data anunciada para início da greve. Mais de 92 por<br />
cento dos assistentes de voo da British Airways<br />
aprovaram a paralisação, como protesto<br />
àssupressõesdepostosdetrabalhonaempresa.<br />
Deve decorrer até dia 02, integrando todo o período<br />
de Natal e de Ano Novo. No entanto, a British Airways<br />
está a tentar travar a greve nos tribunais.<br />
> 23.12<br />
Norte-americana Delphi<br />
despede 300 trabalhadores<br />
Quarta-feira é a data prevista para o abandono<br />
da empresa por 300 trabalhadores da fábrica da<br />
Delphi na Guarda.<br />
> 24.12<br />
Greve nos hipermercados<br />
O Sindicato dos Trabalhadores do Comércio<br />
anunciou um período de greve para a véspera<br />
de Natal, em protesto contra a intenção<br />
da Associação de Empresas de Distribuição<br />
de usar a possibilidade de alargamento<br />
do período semanal de trabalho para 60 horas.<br />
A convocação de greve acontece durante<br />
negociações dos sindicatos com associação<br />
patronal.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 43<br />
A SEMANA<br />
ACCIONISTAS DA LA SEDA APROVAM ENTRADA DE CONSÓRCIO DE MOREIRA DA SILVA<br />
Os accionistas da petroquímica catalã La Seda (incluindo a CGD) aprovaram esta semana<br />
o aumento de capital de 300 milhões de euros que a permitirá salvar. A operação<br />
inclui a entrada de Carlos Moreira da Silva (na foto), com 18% do capital.<br />
A FIGURA<br />
JORGE PEREIRA DA COSTA<br />
O novo presidente da Investvar (que usa a marca<br />
Aerosoles) tem pela frente a ingrata tarefa de dar<br />
novo rumo à maior fabricante portuguesa de<br />
calçado. A sua primeira tarefa será elaborar um<br />
novo plano de viabilidade (o terceiro em menos<br />
de um ano), que deverá passar pelo encerramento<br />
ouvendadealgumasfábricasepelaredução<br />
do número de traalhadores. Tem ainda de resolver a<br />
questão da marca, uma vez que a partir de Fevereiro<br />
deixa de poder usar a denominação Aerosoles.<br />
O MOMENTO<br />
ANOVATEIXEIRADUARTE<br />
Bruno Barbosa<br />
A construtora Teixeira Duarte anunciou na quintafeira<br />
– véspera do lançamento da OPA surpresa dos<br />
brasileiros da CSN sobre a Cimpor (ver pá<strong>gina</strong>s 8<br />
a 19) – um novo modelo para sua aguardada<br />
reestruturação societária. A construtora vai retirar<br />
de bolsa a actual sociedade e criar uma nova,<br />
através do lançamento de uma Oferta Pública<br />
de Troca (OPT) denominada Teixeira Duarte SA, que<br />
também estará cotada em Lisboa. A operação terá<br />
lugar através de uma Oferta Pública de Troca (OPT).
44 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
FINANÇAS<br />
Adão da Fonseca tenta<br />
convencer Finanças a<br />
alargar solução para o BPP<br />
<strong>Plano</strong> do Governo protege clientes do retorno absoluto indirecto com garantia, mas<br />
administração do banco defende que todos devem ser tratados de forma igual.<br />
Tiago Freire<br />
e Maria Teixeira Alves<br />
tiago.freire@economico.pt<br />
Uma semana depois da apresentação,<br />
por parte das Finanças,<br />
do plano para os clientes<br />
do BPP, a administração de<br />
AdãodaFonsecanãosedápor<br />
satisfeita. Isto porque o plano<br />
do Governo se dirige apenas à<br />
protecção dos clientes de retorno<br />
absoluto de investimento<br />
indirecto com garantia. Estes<br />
são maioritários, mas há casos<br />
de clientes que subscreveram<br />
outros produtos e que também<br />
têm dinheiro por receber. Tendo<br />
isto em vista, Adão da Fonseca<br />
quer pegar nos princípios-base<br />
da solução apresentada<br />
por Carlos Costa Pina mas<br />
estendê-la a todos os clientes<br />
afectados.<br />
“O conselho de administração<br />
tem como um facto absolutamente<br />
claro e inequívoco que<br />
o serviço público para o qual foi<br />
nomeado não admite qualquer<br />
solução que contrarie o princípio<br />
da igualdade no tratamento<br />
dos credores, o que inevitavelmente<br />
conduz à necessidade de<br />
assegurar um tratamento equitativo<br />
aos credores cujos direitos<br />
não foram ainda satisfeitos”,<br />
pode ler-se num comunicado<br />
enviado pelo BPP aos<br />
clientes.<br />
No documento, a que o <strong>Económico</strong><br />
teve acesso, o banco<br />
afirma que “continua a dar o<br />
Adão da Fonseca<br />
lembra que outros<br />
credores foram<br />
“salvos”, e<br />
defende que todos<br />
os clientes lesados<br />
devem beneficiar<br />
da solução<br />
desenhada pelas<br />
Finanças.<br />
Finanças assumiram interesse público do banco<br />
No mesmo comunicado, o BPP<br />
reproduz parcialmente o despacho<br />
de 1 de Dezembro de 2008,<br />
assinado por Carlos Costa Pina,<br />
que deu garantia do Estado ao<br />
empréstimo de 450 milhões de<br />
euros ao BPP. A operação foi<br />
justificada pelo “manifesto<br />
interesse para a economia nacional<br />
da operação de financiamento do<br />
BPP, resultante da necessidade de<br />
salvaguardar a estabilidade do<br />
sistema financeiro nacional” e a<br />
“manutenção da credibilidade do<br />
sistema bancário português no<br />
contexto internacional”. Por outro<br />
lado, lembra o despacho, a<br />
operação tinha em vista<br />
“especificamente a manutenção da<br />
exploração da instituição, enquanto<br />
se procede à elaboração de um<br />
estudo de viabilização”. Adão da<br />
Fonseca pega nestes argumentos<br />
para relembrar que trabalhou com<br />
o pressuposto de recuperação do<br />
banco e reforçar a necessidade de<br />
tratamento equitativo dos<br />
credores. T.F.<br />
seu melhor contributo ao Ministérios<br />
das Finanças e aos reguladores<br />
para que a solução do<br />
Governo cumpra os objectivos<br />
de equidade acima referidos”.<br />
A maioria dos clientes do<br />
BPP está abrangida pela solução<br />
anunciada pelo Governo, mas o<br />
banco defende que não há motivos<br />
objectivos para não usar o<br />
mesmo mecanismo para proteger<br />
todos os clientes afectados,<br />
incluindo aqueles que têm investimentos<br />
em warrants e<br />
produtos de retorno relativo,<br />
por exemplo.<br />
No passado dia 11, as Finanças<br />
anunciaram que a solução<br />
para os clientes de retorno absoluto<br />
seria a constituição do<br />
Fundo Especial de Investimento<br />
(FEI) para gerir as poupanças<br />
dos clientes do BPP que contrataram<br />
aplicações financeiras<br />
nas quais o banco garantia o capital<br />
investido e os juros contratados.<br />
O fundo contará com<br />
uma garantia de capital na maturidade<br />
(cinco anos) de até 250<br />
mil euros por titular. O remanescente<br />
das perdas será compensadas<br />
através do accionamento<br />
quer do Fundo de Garantia<br />
Depósitos (FGD), quer do<br />
Sistema de Indemnização aos<br />
Investidores (SII).<br />
Na prática, a diferença entre<br />
o valor actual dos activos e o retorno<br />
contratado é o que será<br />
coberto pelo FGD e SII, com pagamento<br />
em dois momentos:<br />
parte no curto-prazo e outra<br />
parte, caso seja necessário, na<br />
maturidade do fundo.<br />
O registo do fundo pela<br />
CMVM deverá acontecer até segunda-feira.<br />
Até 31 de Março do<br />
próximo ano, no máximo, os<br />
clientes serão parcialmente ressarcidos,<br />
através do accionamento<br />
do FGD e do SII.<br />
Foram ontem publicadas as<br />
duas portarias que definem o<br />
enquadramento em que serão<br />
accionados os dois sistemas de<br />
indemnização aos clientes do<br />
Banco Privado. Esta publicação<br />
era o passo que faltava para que<br />
os dois sistemas – Fundo de Garantia<br />
de Depósitos e Sistema de<br />
Indemnização aos Investidores<br />
fossem accionados, para o BPP<br />
tal como anunciado pelo Ministério<br />
das Finanças.<br />
As alterações essenciais aos<br />
dois mecanismos de indemnizaçãodosclientesjáeramconhecidas.<br />
O Governo tinha<br />
aprovado em Julho uma alteração<br />
legislativa ao regime do<br />
Fundo de Garantia de Depósitos<br />
(FGD) para permitir que este<br />
organismo empreste dinheiro<br />
aoSII.Equeseconfirmanesta<br />
portaria: “o Fundo poderá<br />
igualmente colaborar, com carácter<br />
transitório, em acções<br />
destinadas a restabelecer as<br />
condições de solvabilidade e de<br />
liquidez das mesmas instituições<br />
e a prestar apoio financeiro<br />
ao Sistema de Indemnização<br />
aos Investidores”.<br />
Esta foi a forma que o Governo<br />
encontrou para disponibilizar<br />
meios imediatos ao SII para<br />
pagar aos clientes do BPP. Isto<br />
porque, ao contrário do que<br />
acontece com o FGD, os intermediários<br />
financeiros podem<br />
contribuir para o SII com uma<br />
penhoradeactivos.Ecomoalibertação<br />
das penhoras é um<br />
processo burocrático e moroso,<br />
o Governo optou por criar condições<br />
para o FGD adiantar esse<br />
dinheiro ao SII até que as penhoras<br />
sejam libertadas.<br />
O regime jurídico do SII já tinha<br />
sido alterado em Julho, a<br />
portaria vem apenas aprovar<br />
essas alterações.<br />
Agoraéfixadoumimpacto<br />
máximo que este accionamento<br />
pode ter nos fundos próprios da<br />
instituição que contribui para o<br />
SII. O que permite evitar que a<br />
contribuição obrigatória ponha<br />
em risco a solvência do contribuinte.<br />
“Neste sentido, vem<br />
regular-se, por um lado, a forma<br />
de operacionalização do limite<br />
das contribuições das entidades<br />
participantes por referência<br />
a um limite dos respectivos<br />
fundos próprios, a fixar<br />
regulamentarmente”.<br />
A portaria clarifica ainda que<br />
o BPP será também chamado a<br />
pagar o SII. ■<br />
AequipadeAdãodaFonseca<br />
não quer fechar a porta a qualquer<br />
cliente lesado.
Activos de fundos imobiliários crescem 1,5%<br />
Os números ontem divulgados pela Associação Portuguesa de Fundos<br />
de Investimento, Pensões e Património (APFIPP) revelam que no mês de<br />
Novembro os activos dos fundos de investimento imobiliários cresceram<br />
1,5%, face ao mês anterior. No total, a indústria de fundos imobiliários<br />
gere 11,3 mil milhões de euros. Contas feitas, desde o início do ano,<br />
o património destes fundos já cresceu 6,2%. Recorde-se que existem<br />
243 fundos imobiliários portugueses em actividade.<br />
Paula Nunes<br />
A Privado Holding apoia-se num<br />
documento da Deloitte que<br />
defende interesse do Estado<br />
em aceitar proposta do grupo.<br />
Maria Teixeira Alves<br />
maria.alves@economico.pt<br />
A Privado Holding e a Orey Antunes<br />
continuam a debater-se<br />
para salvar o Banco Privado da<br />
falência. Embora esse pareça ser<br />
cada vez mais o inevitável destino<br />
da instituição, após a constituição<br />
do Fundo de Investimento<br />
Especial que está a ser patrocinado<br />
pelo Governo e pelas entidades<br />
reguladoras. Com esse<br />
objectivo, Privado e Orey estão<br />
já na posse de uma avaliação aos<br />
activos que contra-garantem o<br />
aval que o Estado deu ao empréstimo<br />
bancário de 450 milhões<br />
de euros, em que é demonstrado<br />
que esses activos valem<br />
menos do que o valor do<br />
empréstimo. Os activos do BPP<br />
que servem de garantia, caso o<br />
Estado tenha de exercer o aval,<br />
sãocompostosporcercade400<br />
milhões de euros de descobertos<br />
bancários (clientes do BPP que<br />
têm a conta a negativo). Desses<br />
cerca de 180 milhões são da Privado<br />
Holding, que está praticamente<br />
falida. Dos restantes,<br />
uma boa parte são descobertos<br />
não autorizados, onde a probabilidade<br />
de serem pagos é baixa.<br />
Na lista de activos para contra-garantir<br />
um empréstimo<br />
que vence no fim deste ano estão<br />
ainda créditos concedidos a<br />
clientes do retorno absoluto,<br />
avaliados inicialmente em 170<br />
milhões. Esses créditos estão<br />
colaterizados por títulos (acções<br />
e obrigações) que hoje valem<br />
mais do que há um ano atrás.<br />
Mas a questão põe-se se, num<br />
cenário de falência, o Estado<br />
conseguirá recuperar a totalidade<br />
dos créditos, já que a proposta<br />
de viabilização da Orey tende<br />
a calcular que apenas 30% desse<br />
montante será recuperado. Em<br />
termos de activos reais para<br />
contra-garantir o aval, sobram<br />
cerca de 60 milhões em títulos;<br />
12 milhões em imóveis; dez milhões<br />
em obras de arte e 28 milhões<br />
em dinheiro.<br />
A proposta da Orey consiste<br />
numa substituição das actuais<br />
contra-garantias ao aval que o<br />
Estado deu ao empréstimo de<br />
450 milhões de euros. Esse plano<br />
consiste na transformação<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 45<br />
Deloitte ajuda<br />
proposta da Orey<br />
para o banco<br />
desse empréstimo em obrigações<br />
subscritas pelos bancos e<br />
com uma ‘put’ (opção de venda)<br />
sobre o Estado, em vez do aval.<br />
O empréstimo teria assim um<br />
novo colateral: obrigações de<br />
valor idêntico ao empréstimo:<br />
450 milhões. Mas o Estado não<br />
se mostrou receptivo a essa solução.<br />
Porque considera que o<br />
valor actual das contra-garantias<br />
actuais ronda 710 milhões<br />
de euros, valor que é posto em<br />
causa pela Privado Holding/Orey.<br />
A proposta da Orey deverá ser<br />
conhecida em detalhe na próxima<br />
semana. Fonte ligada ao processo<br />
garante que este plano é o<br />
que melhor defende todas as<br />
partes envolvidas: os clientes,<br />
porque lhes paga já 100 mil euros,<br />
ou 25% do património aplicado,<br />
ficando o restante para<br />
pagar ao longo de cinco anos.<br />
Para o Estado que recupera integralmente<br />
o valor do aval, na<br />
maturidade das obrigações (só<br />
em caso de ‘default’ é que isso<br />
não ocorreria) e para os bancos<br />
porque evita quer o accionamento<br />
do Fundo Garantia de<br />
Depósitos, quer do SII. ■<br />
PONTOS FORTES<br />
● A Orey propõe-se pagar já 100<br />
mil euros a cada cliente ou 25%<br />
do património aplicado, para<br />
os maiores clientes. O resto<br />
ao longo de cinco anos.<br />
● A Orey propõe transformar<br />
o empréstimo de 450 milhões<br />
de euros numa emissão de<br />
obrigações BPP a subscrever<br />
pelos bancos, com uma opção<br />
de venda ao Estado em caso<br />
de ‘default’.<br />
● ApropostadaOreyevitao<br />
accionamento do FGD e do SII. A<br />
Orey propõe-se a investir cerca<br />
de 100 milhões de euros<br />
no capital do BPP, o que permite<br />
resolver parte da insuficiência<br />
de capitais do banco.
46 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
FINANÇAS<br />
Um ano depois,<br />
vítimas de Madoff<br />
continuam sem ver<br />
a cor do dinheiro<br />
O <strong>Económico</strong> falou com as vítimas que relatam as perdas<br />
financeiras e emocionais provocadas pela maior fraude da história.<br />
Tiago Figueiredo Silva<br />
tiago.silva@economico.pt<br />
“Não recebi o meu dinheiro de<br />
volta.Estavaàesperaque,um<br />
ano depois, já tivesse recuperado<br />
oqueperdi”.Otestemunhoéde<br />
Candance Newlove, uma das<br />
inúmeras vítimas da maior fraude<br />
financeira da história. Um ano<br />
depois do mundo ter conhecido a<br />
verdadeira identidade de Bernard<br />
Madoff, são vários aqueles que<br />
perderam as poupanças de uma<br />
vida inteira. “Perdi tudo o que tinha<br />
em 35 anos de trabalho. Perdi<br />
800 mil dólares”, revela a artista<br />
plástica. Mas os exemplos não ficam<br />
por aqui. O <strong>Económico</strong> contactou<br />
sete norte-americanos<br />
afectados pelo esquema piramidaldeMadoffeodiscursoérepetido<br />
vezes sem conta.<br />
“Os meus pais perderam perto<br />
de um milhão de dólares, que estava<br />
destinado às suas reformas. Até<br />
hoje ninguém nos disse se vamos<br />
conseguir ou não reaver o nosso<br />
dinheiro”, admitiu Abby Frucht. A<br />
única esperança para o casal que<br />
sofre de demência está agora no<br />
subsídio para veteranos de guerra.<br />
AhistóriadeDonCoennãodifere<br />
da dos pais de Abby. Também artista<br />
plástico, Don revela ter perdido<br />
“demasiado dinheiro” que ainda<br />
não conseguiu recuperar.<br />
Mesmo para os poucos que tiveram<br />
“sorte” apenas conseguiram<br />
recuperar uma pequena parte<br />
das prejuízos e não esperam<br />
mais boas notícias. “As minhas<br />
perdas com Madoff são superiores<br />
a quatro milhões de dólares. Consegui<br />
recuperar 320 mil dólares,<br />
ou seja, 8% e não espero recuperar<br />
mais dinheiro”, afirmou o antigo<br />
combatente na guerra da Coreia,<br />
Allan Goldstein. Já Steven<br />
Falk, que assume ter perdido 230<br />
mil dólares, revela ter conseguido<br />
“arrecadar alguns fundos”.<br />
Além das perdas financeiras,<br />
Bernard Madoff deixa para trás<br />
um rasto de perdas emocionais<br />
que poderão nunca vir a sarar. A<br />
maior parte das vítimas teve de<br />
escrever um novo capítulo que<br />
passou por reaprender a viver<br />
sem dinheiro. Vender a casa, o<br />
carroeatédarocãoemudarde<br />
cidade são apenas algumas das<br />
mudanças provocadas “indirectamente”<br />
por Madoff.<br />
“Como não conseguia pagar a<br />
“Asminhasperdas<br />
com Madoff são<br />
superiores a quatro<br />
milhões de dólares.<br />
Consegui recuperar<br />
320 mil dólares, ou<br />
seja, 8%, e não espero<br />
recuperar mais<br />
dinheiro”, afirmou<br />
o veterano<br />
Allan Goldstein.<br />
PREJUÍZOS TOTAIS<br />
65 mil milhões<br />
A maior fraude financeira da<br />
história, orquestrada por Bernard<br />
Madoff através do esquema<br />
piramidal, terá provocado perdas<br />
totais de 65 mil milhões de dólares.<br />
prestação, vendemos a casa e o<br />
carroetivemosatédedarocão.<br />
Mudámos de cidade e estamos a<br />
morar em casa da minha filha”,<br />
revela Allan Goldstein. Com 64<br />
anos, Glenna não conseguiu recuperar<br />
ainda os 1,2 milhões de<br />
dólares investidos em Madoff e<br />
teve de mudar de casa e voltar a<br />
trabalhar como enfermeira. “Tivemosdecortaremtodasasdespesas<br />
possíveis, mas as maiores<br />
dificuldades foram as emocionais”,<br />
acrescenta Glenna.<br />
Juntamente com os “desabafos”,<br />
as vítimas sublinham o facto<br />
das autoridades norte-americanas<br />
continuarem a não apoiar os<br />
investidores, sobretudo os indirectos.<br />
Além de Glenna, Jack<br />
Bamberg é um dos investidores<br />
indirectos que ainda não recuperou<br />
o dinheiro perdido uma vez<br />
que “o governo apenas protege e<br />
indemniza os investidores directos<br />
até 500 mil dólares. Mas as<br />
nossas perdas são tão reais como<br />
as dos investidores directos”.<br />
Ainda assim, Jack mantém a esperança<br />
de uma alteração da lei<br />
por parte do Congresso norteamericano,<br />
“de forma a tratar por<br />
igual todos os investidores”.<br />
Confrontados com a possibilidade<br />
de um dia poderem falar<br />
com o homem responsável pela<br />
mudança nas suas vidas, as respostas<br />
das vítimas revelam-se<br />
surpreendentes. “Pedia-lhe desculpa<br />
pela sua perda, pois ele perdeu<br />
mais do que nós. Nós ficámos<br />
com a nossa integridade e honra<br />
intactas e com o apoio da nossa<br />
família. Ele ficou sem nada”, afirmou<br />
Candance. Já Allan Goldstein<br />
aproveitaria a ocasião para “lhe<br />
desejar muitos anos de vida para<br />
que possa gozá-los na prisão”.<br />
Recorde-se que Bernard Madoff<br />
foi condenado a 150 anos de prisão.<br />
No entanto, para muitos, o<br />
veredicto final do juiz podia ter<br />
sido outro. Se para muitos a pena<br />
foi leve, pela falta de atribuição de<br />
trabalhos forçados, para outros a<br />
solução mais correcta teria sido a<br />
de utilizar Madoff para ajudar as<br />
autoridades na descoberta de casos<br />
semelhantes. Independentementedasentençaatribuídaedas<br />
perdas, a esperança e o apoio familiar<br />
foram os sentimentos mais<br />
mencionados como a solução<br />
para ultrapassar a maior fraude financeira<br />
da história. ■<br />
1<br />
ENTREVISTA IRVING PICARD Responsável pela liquidação da Bernar<br />
“Perdas ascendem<br />
Responsável revela que sistema de protecção aos<br />
Tiago Figueiredo Silva<br />
tiago.silva@economico.pt<br />
O responsável pela liquidação<br />
da firma de Madoff e encarregue<br />
de recuperar o dinheiro<br />
para pagar aos investidores lesados,<br />
Irving Picard, revela<br />
em declarações exclusivas ao<br />
<strong>Weekend</strong>, que já foram aprovadas<br />
1.647 queixas de clientes<br />
cujas perdas ascendem a<br />
um total de 4,7 mil milhões de<br />
dólares.<br />
O esquema piramidal<br />
realizado por Madoff causou<br />
quantas vítimas nos Estados<br />
Unidos?<br />
Acreditamos que a firma de<br />
Madoff tenha arrecadado 8.095<br />
contas ao longo dos anos. Até 11<br />
de Dezembro identificámos<br />
4.903 contas activas, das quais<br />
2.341 ainda não tinham recebido<br />
o dinheiro investido. Continuamos<br />
a analisar os dados da<br />
firma e esperamos que o número<br />
de clientes que perderam dinheiro<br />
se altere.<br />
O montante de perdas com a<br />
fraude ascende a quanto?<br />
Temos analisado todos os movimentos<br />
financeiros feitos<br />
pelos clientes. Tendo essa base,<br />
até 8 de Dezembro foram aprovadas<br />
1.647 queixas cujas per-
Shannon Stapleton/Reuters<br />
1 Bernard Madoff antes<br />
de ser sentenciado a<br />
150 anos de prisão.<br />
2 As vítimas da fraude<br />
tentam ainda hoje<br />
recuperarem pelo<br />
menos parte do seu<br />
dinheiro. Houve casos<br />
de pessoas que<br />
perderam as poupanças<br />
de uma vida inteira<br />
de trabalho e foram<br />
obrigadas a vender<br />
acasaeocarro.<br />
3 A fraude cometida<br />
pelo antigo presidente<br />
do Nasdaq não suscitou<br />
apenas surpresa ou<br />
indignação. Houve quem<br />
aproveitasse esta crise<br />
para fazer negócio.<br />
Pouco tempo depois<br />
do esquema piramidal<br />
ser conhecido várias<br />
empresas lançaram<br />
produtos de<br />
‘merchandising’ ligados<br />
a Madoff. Foi o caso<br />
de um fabricante de<br />
brinquedos que lançou<br />
um boneco de Madoff<br />
que vinha acompanhado<br />
porummartelo.O<br />
artigo em questão tinha<br />
o título sugestivo de<br />
“Smash-Me Bernie” e<br />
custava 99 dólares.<br />
3<br />
d L. Madoff Investment Secutiries<br />
2<br />
a 4,7 mil milhões de dólares”<br />
investidores tem <strong>56</strong>3 milhões de dólares para recompensar os lesados.<br />
Irving Picard disse<br />
ao <strong>Económico</strong> que<br />
até agora foram<br />
aprovadas 1.647<br />
queixas de<br />
clientes da firma<br />
de Madoff, que<br />
totalizam perdas<br />
de 4,7 mil milhões<br />
de dólares.<br />
das totais ascendem a 4,7 mil<br />
milhões de dólares. Mas estes<br />
dados mudam diariamente.<br />
Qual o montante de dinheiro<br />
já retribuído aos lesados?<br />
Até ao dia 18 de Dezembro o<br />
sistema de protecção aos investidores<br />
contava com <strong>56</strong>3<br />
milhões de dólares para recompensar<br />
os lesados.<br />
Como pretende recuperar o<br />
dinheiro que ainda falta?<br />
A recuperação do dinheiro tem<br />
sido feita através de penhoras<br />
de activos da firma de Madoff,<br />
bem como da venda de activos<br />
e de processos judiciais. O pro-<br />
Mike Segar/Reuters<br />
Shannon Stapleton / Reuters<br />
cesso de recuperação continua<br />
e já instaurámos 14 processos<br />
contra amigos e familiares de<br />
Madoff, com o objectivo de angariar<br />
15 mil milhões de dólares.<br />
As vítimas de Madoff podem<br />
ter esperança em ver<br />
retribuído o dinheiro perdido<br />
com a fraude?<br />
De acordo com a nossa metodologia,<br />
existem ainda 694<br />
queixas de clientes que podem<br />
vir a ser aceites. E, apesar de<br />
ser um processo muito demorado,<br />
temos vindo a fazer<br />
enormes progressos nos últimos<br />
meses. ■<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 47<br />
De celebridade<br />
em Wall Street a<br />
“padrinho” na prisão<br />
Madoff leva uma vida pacata na<br />
prisão, onde já cumpriu cinco dos<br />
1.795 meses de sentença.<br />
Tiago Figueiredo Silva<br />
tiago.silva@economico.pt<br />
O dia começa cedo no complexo<br />
prisional de Butner. Tal como todos<br />
os outros reclusos, o prisioneiro<br />
com o número 61.727-054 é<br />
obrigado a levantar-se todos os<br />
dias às seis da manhã e tem uma<br />
hora e meia para estar preparado<br />
para trabalhar. Com um “salário”<br />
que oscila entre os 12 cêntimos e<br />
os 1,15 dólares por hora, ser canalizador<br />
ou trabalhar na cozinha<br />
são alguns dos “empregos” da<br />
prisão.Às23hédadaaordem<br />
para se apagarem as luzes. Mais<br />
um dia que termina para os cerca<br />
de 6.100 reclusos de Butner, entre<br />
os quais Bernard Madoff.<br />
Do luxuoso apartamento de<br />
Manhattan para uma minúscula<br />
cela numa prisão da Carolina do<br />
Norte, a vida de Madoff alterouse<br />
radicalmente. Novos hábitos e<br />
novos amigos têm sido o dia-adia<br />
dos últimos meses. Mas tempoéoquenãofalta.Ohomem<br />
acusado de ter orquestrado a<br />
maior fraude financeira da história<br />
cumpriu ainda apenas cinco<br />
meses dos 1.795 que lhe foram<br />
sentenciados. Apesar de 150 anos<br />
serem uma eternidade, Madoff<br />
parece estar-se a dar bem com os<br />
ares da prisão. Entre as suas principais<br />
ocupações estão jogar damas<br />
e xadrez ou esfregar tachos e<br />
panelas. “Apesar de tudo, ele está<br />
bem. Mas ainda sofre e está muito<br />
arrependido por tudo o que fez”,<br />
PUB<br />
revelou recentemente o advogado<br />
de Madoff, Ira Sorkin.<br />
Apesar da figura mediática,<br />
Madoff conseguiu recuperar o<br />
que tinha perdido cá fora quando<br />
a fraude foi descoberta: respeito.<br />
Para os prisioneiros outrora artistas,<br />
Madoff é considerado<br />
como o “padrinho”. “Os artistas<br />
quecáestãovêem-nocomoo<br />
padrinho, como um ‘Don’”,<br />
afirmou um recluso de Butner ao<br />
Wall Street Journal. O respeito já<br />
deu lugar a inúmeras amizades<br />
que resultaram em presentes.<br />
Exemplo disso foi o quadro pintado<br />
por Kenneth Calvin. Conhecido<br />
por KC White, o artista<br />
que pintou vários murais na prisão<br />
conheceu Madoff na fila da<br />
medicação. “Perguntou-me se<br />
era eu quem pintava as paredes<br />
da prisão e pediu-me para fazer<br />
o seu retrato, de fato e gravata e<br />
não com a farda da prisão. Claro<br />
que aceitei”, revela KC White.<br />
Mas as experiências de Madoff<br />
na prisão não ficam por aqui.<br />
Muitos foram os reclusos que pediram,<br />
sem sucesso, o seu autógrafo<br />
com o objectivo de o vender<br />
no ‘site’ de leilões eBay, outros<br />
tornaram-se seus amigos com a<br />
esperança de que algum dia Madoff<br />
revele onde estão os cerca de<br />
18,4 mil milhões de dólares que<br />
desapareceram. ■<br />
Bernard Madoff passa<br />
os dias na prisão a<br />
jogar damas e xadrez<br />
e a esfregar tachos e<br />
panelas.
48 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
MERCADOS<br />
AS ÚLTIMAS RECOMENDAÇÕES<br />
BES<br />
PREÇO-ALVO<br />
5,25¤<br />
COTAÇÃO ACTUAL<br />
4,50¤<br />
POTENCIAL<br />
16%<br />
Os analistas do Crédit Suisse iniciaram a cobertura dos títulos do Banco Espírito<br />
Santo com uma recomendação de “neutral” e estabeleceram um preço-alvo de 5,25<br />
euros por acção.<br />
Marta Marques Silva<br />
marta.marquessilva@economico.pt<br />
Todososcaminhosvãoterà<br />
banca. O sector registou o pior<br />
desempenho da semana, ao cair<br />
1,37%, com a performance diário<br />
dos bancos europeus a variar<br />
entre perdas e ganhos na ordem<br />
dos 7%. Se na quarta-feira o<br />
sector rejubilou com o prazo<br />
alargado das propostas do Comité<br />
de Basileia – que visam reforçar<br />
as regras de liquidez e de<br />
capital para a banca – até ao final<br />
de 2012, os dias seguintes<br />
seriam fatídicos para as instituições<br />
bancárias. A Standard &<br />
Poors cortou o ‘rating’ da dívida<br />
IBERSOL<br />
PREÇO-ALVO<br />
10,25¤<br />
grega (ver pág.22), depois de a<br />
Fitch ter também revisto em<br />
baixa a sua notação na semana<br />
passada. Uma notícia que abalou<br />
os mercados de dívida pública<br />
– com o preço dos CDS de<br />
países como Portugal, Espanha,<br />
Irlanda e Reino Unido, além da<br />
Grécia, a disparem. Os receios<br />
sobre a saúde financeira de alguns<br />
países europeus – ainda no<br />
rescaldodoresgatedadívidado<br />
Dubai – afectou também as suas<br />
instituições financeiras. Nesse<br />
dia o sector afundava 2,7%. Já<br />
na quinta-feira foi a vez do BCE<br />
– que realizou também esta semana<br />
o último leilão de liquidez<br />
a 12 meses a preços baixos – vir<br />
COTAÇÃO ACTUAL<br />
9,20¤<br />
Bancos europeus voltam a<br />
viver dias de emoções fortes<br />
POTENCIAL<br />
11%<br />
Os analistas da Caixa BI reviram em alta a recomendação para as acções da Ibersol<br />
de ‘hold’ para ‘accumulate’ e fixaram um preço-alvo de 10,25 euros para os títulos–<br />
um valor que compara com os 8,85 euros anteriormente atribuídos.<br />
As propostas do Comité de Basileia agitaram o sector da banca. No final da semana,<br />
os títulos foram novamente pressionado com perspectivas de ‘write downs’ adicionais.<br />
BANCA PERDE 1,37%<br />
Evolução do sector europeu em<br />
Dezembro.<br />
230<br />
210<br />
190<br />
30-11-2009<br />
Fonte: Bloomberg<br />
18-12-2009<br />
Yiorgos Karahalis / Reuters<br />
A crise vivida na dívida grega marcou esta semana o desempenho dos<br />
mercados europeus, com o sector da banca a ser o mais penalizado.<br />
dizer que os bancos europeus<br />
deverão ter que amortizar mais<br />
187 mil milhões de euros até final<br />
de 2010, devido ao aumento<br />
do crédito malparado e à desvalorização<br />
do imobiliário comercial,<br />
além dos problemas que os<br />
elevados défices governamentais<br />
colocam à estabilidade financeira.<br />
Um rol de notícias que pressionou<br />
principalmente os bancos<br />
britânicos, gregos e irlandeses,<br />
com os últimos a perderem<br />
mais de 17% na semana. ■<br />
Veja no texto ao lado qual<br />
foi o comportamento da<br />
bolsa portuguesa.<br />
CAMBIOS<br />
Euro perde 2%<br />
pressionado pela<br />
crise na Grécia<br />
A semana que passou foi<br />
penalizadora para a moeda<br />
europeia que resvalou mais<br />
de 2%, com a crise<br />
económica vivida na Grécia.<br />
A dívida aquele país europeu<br />
foialvodeumsegundocorte<br />
de ‘rating’ por parte das<br />
agências de notação. E nem<br />
mesmo durante a sessão de<br />
ontem, com o euro a subir<br />
para os 1,4305 face ao dólar,<br />
foi suficiente para anular as<br />
perdas da semana.<br />
1,50<br />
1,45<br />
1,40<br />
11-12-2009<br />
MATERIAS PRIMAS<br />
18-12-2009<br />
Petróleo soma<br />
ganhos de 2,5%<br />
na semana<br />
O‘ouronegro’teveumciclo<br />
de cinco sessões positivo,<br />
tendo acumulado ganhos de<br />
2,5% no período. Para tal<br />
tendência contribuíram vários<br />
factores. Primeiro a OPEP<br />
reviu em alta ligeira o<br />
aumento da procura de<br />
petróleo em 2010. Por outro<br />
lado, a divulgação de dados<br />
económicos positivos pela<br />
Fed também ajudou a<br />
cimentar a expectativa de<br />
aumento da procura.<br />
74<br />
73<br />
72<br />
71<br />
70<br />
11-12-2009<br />
18-12-2009
MOTA-ENGIL<br />
PREÇO-ALVO<br />
5,35¤<br />
COTAÇÃO ACTUAL<br />
3,58¤<br />
POTENCIAL<br />
50%<br />
A Caixa BI reviu as estimativas para a Mota-Engil para o próximo ano, tendo<br />
atribuido um preço-alvo de 5,35 euros para o final de 2010 e reiterando a<br />
recomendação de ‘comprar’.<br />
EUROLIST BY EURONEXT. ACÇÕES<br />
Última Var. Var. Máx. Mín. Quant. Máx. Mín. Divid. Data Divid. Comport.<br />
Valor Mobiliário Data cotação % sessão sessão transcc. do ano do ano Ex-dív yeld% anual%<br />
Compartimento A<br />
B.COM.PORTUGUES 18-12-2009 0.78 -0.01 -1.01 0.79 0.76 31,947,833 1.08 0.<strong>56</strong> 0.02 16-04-2009 2.16 -3.19<br />
B.ESPIRITO SANTO 18-12-2009 4.50 -0.07 -1.49 4.57 4.46 3,057,070 5.34 2.65 0.16 26-03-2009 3.50 8.25<br />
BANCO BPI SA 18-12-2009 2.11 0.01 0.29 2.16 2.11 375,759 2.57 1.34 0.07 04-05-2009 3.17 20.29<br />
BRISA 18-12-2009 6.98 0.04 0.<strong>56</strong> 7.05 6.86 1,077,982 7.23 4.26 0.31 30-04-2009 4.47 29.70<br />
CIMPOR SGPS 18-12-2009 6.34 0.88 16.01 6.38 5.91 9,892,45 5.85 3.00 0.19 12-06-2009 3.39 57.04<br />
EDP 18-12-2009 3.06 -0.01 -0.36 3.09 3.06 6,914,44 3.22 2.34 0.14 14-05-2009 4.<strong>56</strong> 14.03<br />
EDP RENOVAVEIS 18-12-2009 6.34 0.04 0.57 6.34 6.25 646,712 7.83 4.41 0.00 0.00 25.92<br />
GALP ENERGIA 18-12-2009 11.86 -0.07 -0.59 12.00 11.86 922,287 12.65 7.03 0.23 22-10-2009 1.93 66.16<br />
J MARTINS SGPS 18-12-2009 6.81 -0.02 -0.23 6.86 6.75 1,066,764 6.94 3.01 0.11 06-05-2009 1.61 71.86<br />
PORTUGAL TELECOM 18-12-2009 8.30 -0.03 -0.30 8.36 8.21 3,228,065 8.69 5.48 0.57 24-04-2009 6.91 37.15<br />
ZON MULTIMEDIA 18-12-2009 4.19 0.01 0.29 4.23 4.17 2,368,401 5.01 3.55 0.16 27-05-2009 3.83 12.72<br />
Compartimento B<br />
SONAE INDUSTRIA 18-12-2009 2.47 0.00 0.04 2.50 2.44 206,481 2.86 1.15 0.00 16.61 61.64<br />
SONAECOM SGPS 18-12-2009 1.82 0.03 1.68 1.82 1.77 174,183 2.15 0.97 0.00 0.00 78.11<br />
MOTA ENGIL 18-12-2009 3.58 0.04 1.16 3.58 3.53 290,6 4.53 2.10 0.11 15-05-2009 3.11 50.64<br />
SEMAPA 18-12-2009 7.72 0.13 1.75 7.93 7.65 357,418 8.95 5.65 0.25 23-04-2009 3.36 18.51<br />
PORTUCEL 18-12-2009 1.88 -0.03 -1.42 1.92 1.88 490,011 2.13 1.31 0.10 06-04-2009 5.51 23.11<br />
SONAE 18-12-2009 0.81 -0.02 -2.17 0.84 0.81 7,407,661 0.98 0.40 0.03 20-05-2009 3.62 89.47<br />
BANIF-SGPS 18-12-2009 1.24 0.02 1.64 1.24 1.22 145,154 1.54 0.95 0.06 22-04-2009 5.02 18.87<br />
SONAE CAPITAL 18-12-2009 0.81 - - 0.82 0.80 70 1.00 0.41 0.00 0.00 84.09<br />
REN 18-12-2009 2.99 0.04 1.22 2.99 2.95 174,648 3.25 2.43 0.17 27-04-2009 5.59 4.06<br />
MARTIFER 18-12-2009 3.39 0.04 1.19 3.42 3.29 72,936 4.59 2.53 0.00 0.00 -10.90<br />
GRUPO MEDIA CAP 11-12-2009 4.45 - - - - - 5.00 2.00 0.23 09-04-2009 5.17 45.90<br />
SAG GEST 18-12-2009 1.31 -0.03 -2.24 1.31 1.27 5,15 1.59 0.90 0.02 10-11-2008 1.51 41.05<br />
TEIXEIRA DUARTE 18-12-2009 1.08 0.15 15.51 1.08 0.95 4,020,046 1.26 0.41 0.00 1.71 <strong>56</strong>.35<br />
FINIBANCO SGPS 18-12-2009 1.57 0.01 0.64 1.57 1.52 23,324 2.14 1.43 0.00 4.29 -21.61<br />
ALTRI SGPS SA 18-12-2009 3.89 -0.04 -0.89 4.00 3.89 311,775 4.25 1.50 0.00 2.00 87.40<br />
TOYOTA CAETANO 07-12-2009 4.16 - - - - - 7.92 4.00 0.07 26-05-2009 1.68 -46.04<br />
Compartimento C<br />
BENFICA-FUTEBOL 18-12-2009 2.55 0.02 0.79 2.55 2.53 1,313 3.55 1.70 0.00 0.00 20.48<br />
COFINA SGPS 18-12-2009 1.04 -0.01 -0.95 1.05 1.04 200,917 1.07 0.39 0.00 4.21 133.33<br />
COMPTA 16-12-2009 0.40 - - - - - 0.46 0.36 0.00 0.00 11.11<br />
CORTICEIRA AMORI 18-12-2009 0.94 -0.01 -1.05 0.95 0.94 38,687 1.05 0.54 0.00 6.74 17.28<br />
ESTORIL SOL N 22-09-1998 8.91 - - - - - 0.00 0.00 0.22 16-05-2007 2.47 -3.47<br />
ESTORIL SOL P 17-12-2009 7.00 - - - - - 9.88 6.15 0.00 4.54 -20.45<br />
F RAMADA INVEST 18-12-2009 0.94 0.07 7.71 0.95 0.86 34,154 0.98 0.57 0.00 0.00 39.04<br />
FISIPE 18-12-2009 0.16 - - 0.16 0.16 350 0.20 0.09 0.00 0.00 77.78<br />
FUT.CLUBE PORTO 17-12-2009 1.32 - - - - 500 1.75 1.25 0.00 0.00 -5.71<br />
GLINTT 18-12-2009 0.81 -0.01 -1.22 0.82 0.81 96,301 1.03 0.60 0.00 0.00 28.13<br />
IBERSOL SGPS 18-12-2009 9.20 0.20 2.22 9.20 8.90 422 10.00 5.51 0.05 22-05-2009 0.61 30.43<br />
IMOB GRAO PARA 25-11-2009 3.65 - - - - - 3.82 2.33 0.00 0.00 21.67<br />
IMPRESA SGPS 18-12-2009 1.82 -0.10 -5.21 1.92 1.81 622,86 2.30 0.<strong>56</strong> 0.00 0.00 128.57<br />
INAPA-INV.P.GEST 18-12-2009 0.62 -0.01 -1.59 0.64 0.62 375,23 0.73 0.23 0.00 0.00 85.29<br />
LISGRAFICA 17-12-2009 0.08 - - - - - 0.12 0.06 0.00 0.00 14.29<br />
NOVABASE SGPS 18-12-2009 4.48 -0.01 -0.22 4.49 4.44 5,676 5.06 3.21 0.00 0.00 -2.18<br />
OREY ANTUNES 16-12-2009 1.66 - - - - - 2.90 1.66 0.11 30-04-2009 6.63 -27.83<br />
PAP.FERNANDES 28-01-2009 2.66 - - - - - 2.66 2.65 0.00 0.00 0.38<br />
REDITUS SGPS 17-12-2009 7.39 - - - - - 8.00 5.83 0.00 0.00 4.08<br />
S.COSTA 18-12-2009 1.21 0.02 1.68 1.23 1.19 257,058 1.34 0.48 0.03 27-05-2009 2.61 88.89<br />
S.COSTA-PREF 18-09-2009 1.16 - - - - - 1.16 1.16 0.15 27-05-2009 12.93 -15.94<br />
SPORTING 18-12-2009 1.25 - - 1.25 1.25 620 1.52 1.01 0.00 0.00 -8.09<br />
SUMOL COMPAL 18-12-2009 1.41 0.09 6.82 1.41 1.41 10 1.70 1.21 0.00 0.00 -20.00<br />
VAA VISTA ALEGRE 17-12-2009 0.10 - - - - - 0.14 0.06 0.00 0.00 42.86<br />
VAA-V.ALEGRE-FUS 18-12-2009 0.08 - - 0.08 0.08 548,019 0.10 0.04 0.00 0.00 60.00<br />
VAA-V.ALEGRE-FUS 18-12-2009 0.08 - - 0.08 0.08 548,019 0.10 0.04 0.00 0.00 60.00<br />
Compartimento Estrangeiras<br />
BANCO POPULAR 18-12-2009 0.00 -0.05 -0.96 5.20 5.15 15,224 7.58 3.23 0.46 12-01-2009 8.82 -9.69<br />
BANCO SANTANDER 18-12-2009 0.00 -0.11 -0.97 11.48 11.22 36,666 11.97 3.94 0.64 01-08-2009 5.66 81.32<br />
E.SANTO FINANC N 12-11-2009 0.00 - - - - - 15.20 9.01 0.25 25-05-2009 1.65 48.87<br />
E.SANTO FINANCIA 18-12-2009 0.00 - - 14.88 14.85 8,013 15.49 9.92 0.25 25-05-2009 1.71 39.72<br />
PAPELES Y CARTON 17-12-2009 0.00 - - - - - 4.25 2.45 0.03 16-01-2009 0.91 6.80<br />
SACYR VALLEHERM 06-05-2009 0.00 - - - - - 7.95 7.55 0.57 31-10-2008 7.17 5.02<br />
As cotações do PSI 20, dos índices internacionais e dos seus respectivos componentes podem ser acompanhadas em: www.diarioeconomico.com<br />
Última cotação – Corresponde na grande maioria dos títulos, à cotação de fecho da última sessão, a menos que seja indicada outra data. Preços indicados em euros; Variação absoluta e percentual – diferença entre<br />
a última cotação e o fecho da sessão imediatamente anterior em que o título transaccionou; Dividendo – valor bruto, indicado em euros e respectiva data a partir da qual a aquisição do título deixou de dar direito<br />
ao pagamento do dividendo; Dividend Yield – Rendimento do dividendo, que resulta da divisão do último dividendo pago pela cotação; Comportamento anual – variação percentual da cotação em relação ao último<br />
preço do ano anterior. Compartimento A – Capitalização bolsista superior a 1.000 milhões de euros; Compartimento B – Capitalização bolsista entre 150 milhões e 1.000 milhões de euros; Compartimento C – Capitalização<br />
bolsista inferior a 150 milhões de euros; Compartimento Estrangeiras – Emitentes estrangeiras.<br />
MAIORES SUBIDAS<br />
TÍTULO VAR. %<br />
CIMPOR 23,68<br />
TEIXEIRA DUARTE 9,20<br />
BRISA 3,47<br />
MOTA ENGIL 3,17<br />
SEMAPA 2,16<br />
JERÓNIMO MARTINS 2,04<br />
GALP 1,80<br />
REN 1,25<br />
A Cimpor disparou ontem<br />
16%, em reacção à OPA<br />
lançada pela brasileira CSN.<br />
A Teixeira Duarte, que<br />
detém uma posição de<br />
22,9% na cimenteira seguiu<br />
a tendência. A Brisa<br />
beneficiou da adjudicação<br />
do primeiro troço do TGV.<br />
MAIORES DESCIDAS<br />
TÍTULO VAR. %<br />
SONAE -6,57<br />
B.COM.PORTUGUES -4,99<br />
PORTUGAL TELECOM -1,89<br />
EDP -1,16<br />
PORTUCEL -0,90<br />
B.ESPIRITO SANTO -0,77<br />
ALTRI -0,49<br />
SONAE INDÚSTRIA -0,12<br />
NOVABASE<br />
PREÇO-ALVO<br />
6,25¤<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 49<br />
O Millennium Investment Banking reviu em alta o preço-alvo para as acções da<br />
Novabase dos anteriores 5,35 euros para os 6,25 euros e atribui a recomendação<br />
de ‘comprar’ para os títulos.<br />
Depois de já ter estado a<br />
subir mais de 100% este<br />
ano, a Sonae corrigiu esta<br />
semana 6,57%. O BCP<br />
continua a ser o banco mais<br />
castigado no mercado<br />
portuguêseaexposiçãoà<br />
Grécia também não o<br />
ajudou nas últimas sessões.<br />
COTAÇÃO ACTUAL<br />
4,48¤<br />
COMENTÁRIO DE BOLSA<br />
MARTA MARQUES SILVA<br />
marta.marquessilva@economico.pt<br />
OPA sobre a Cimpor<br />
permite subida do PSI<br />
A semana até começou bem, com o emirado de Abu<br />
Dhabi a salvar o Dubai da entrada em incumprimento,<br />
com uma injecção de dez mil milhões de dólares, evitando<br />
assim maiores danos na confiança dos investidores.<br />
O dia seguinte trouxe mais uma dose de notícias,<br />
com o Comité de Basileia a fazer saber que os bancos<br />
europeus terão até final de 2012 para cumprir com os<br />
novos requisitos de capital e de liquidez. Mas, na quinta-feira<br />
a tendência inverteu-se. A Grécia sofre o segundo<br />
corte de ‘rating’ no espaço de uma semana. E,<br />
ontem, a estimativa do BCE de ‘write downs’ adicionais<br />
na banca europeia até final de 2010 dita mais um<br />
dia vermelho nas praças mundiais. Um ‘cocktail’ de<br />
acontecimentos que guiaram a performance das bolsas<br />
em todo o mundo, com as praças europeias a perderem<br />
mais de 1% na semana. E, o PSI 20 não seria excepção<br />
não fosse a OPA ontem lançada pela brasileira<br />
CSN sobre a Cimpor. A praça lisboeta fechou em contraciclo<br />
com o sentimento internacional. Ganhou ontem<br />
0,3% – o que lhe permitiu fechar a semana a subir<br />
0,34% – sustentada pela maior subida diária de sempre<br />
da Cimpor, que disparou 16%. A Teixeira Duarte<br />
(TD), que detém uma posição de 22,9% na cimenteira<br />
seguiu-lhe as pisadas e escalou 15,5%. Nas últimas<br />
cinco sessões a cimenteira nacional alcança ganhos de<br />
23,7%, naquela que foi a maior subida semanal entre as<br />
cotadas no Euro STOXX 600, seguida pela TD que sobe<br />
9,2%. Já a Brisa e a Soares da Costa (SC), que lideram o<br />
consórcio que irá construir o primeiro troço do TGV, tiveram<br />
comportamentos díspares. Enquanto a primeira<br />
subiu 3,47%, a SC caiu 2,4%. ■<br />
PSI 20 AVANÇA 0,34% NA SEMANA<br />
Desde o início do ano, os ganhos do índice de<br />
referência nacional atingem os 29,5%.<br />
8400<br />
8200<br />
8000<br />
Fonte: Bloomberg<br />
11-12-2009<br />
POTENCIAL<br />
39%<br />
acompanhe as bolsas ao minuto e todas as notícias em<br />
www.economico.pt<br />
18-12-2009
50 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ESPECIAL DESTAQUE CIMEIRA DE COPENHAGA<br />
Acordo de mínimos<br />
fecha cimeira<br />
do clima<br />
O mundo falha um acordo ambicioso, atiram promessas para<br />
2050 e frustraram-se as propostas europeias.<br />
Luís Rego, em Copenhaga<br />
luis.rego@economico.pt<br />
“Que idade tens em 2050?” A<br />
mensagem provocadora da organização<br />
mundial de jovens à conferência<br />
de Copenhaga parecia<br />
feita à medida do acordo que ontem<br />
se fechava entre líderes na<br />
capital dinamarquesa. Segundo<br />
ecos do encontro à hora de fecho<br />
desta edição, desenhava-se um<br />
acordo “seguramente histórico”,<br />
mas que “não deixa ninguém<br />
muito satisfeito”, explicava um<br />
delegado.<br />
Em cima da mesa estava uma<br />
meta de redução de emissões de<br />
50% até 2050, com um esforço<br />
calculado em 80% para os países<br />
mais desenvolvidos. Algo que<br />
afasta quaisquer restrições para<br />
2020 bem como a promessa de se<br />
tornar vinculativo e obrigatório<br />
no decorrer de 2010, dentro de<br />
seismesesouumano.Atéoobjectivo<br />
de fixar 2020 como ‘pico’<br />
das emissões globais, o que para<br />
os cientistas é fundamental para<br />
fazer com que a temperatura do<br />
planeta não aumente 2 graus, foi<br />
colocado de lado, fixando-se ao<br />
invés um rendez-vous em 2016<br />
para estudar a possibilidade de<br />
estabelecer 1,5 graus como tecto<br />
máximo. Não éosuficiente para<br />
combater as alterações climáticas<br />
mas é um primeiro passo, dizem<br />
fontes dos EUA, citadas pelas<br />
agências.<br />
A confirmar-se é um passo<br />
atrás face ao que os europeus procuravam,<br />
motivo pelo qual a UE<br />
chegou a ponderar ontem ‘saltar<br />
fora’, reportavam delegados europeus<br />
depois de uma segunda cimeiraimprovisadanumasalarecôndita<br />
da conferência. “Estamos<br />
perto de ver nascer um acordo<br />
não vinculativo depois de 36 horas<br />
de intensas negociações” dizia<br />
o ministro ambiente indiano, Jairam<br />
Ramesh.<br />
A UE ameaçou mesmo os seus<br />
parceiros com a criação um imposto<br />
sobre o carbono, para os<br />
produtos importados de países<br />
que não tenham metas ambientais<br />
comparáveis ao bloco europeu.<br />
Uma ideia muito francesa e<br />
que o Reino Unido apenas aceita<br />
como postura negocial. Algo<br />
que satisfaria a industria pesada<br />
europeia mas que prometeria<br />
lançar o mundo numa guerra<br />
Este acordo possível<br />
éoresultadodeum<br />
diadeconfrontação<br />
entre EUA e China,<br />
onde a UE ficou<br />
umdiainteiroaver<br />
as suas ‘linhas<br />
vermelhas’<br />
ultrapassadas mas<br />
comumacordo<br />
a ser gizado entre<br />
as duas nações mais<br />
poluentes.<br />
comercial de final imprevisível.<br />
Os europeus afastavam também<br />
ao principio da noite elevar a<br />
suametade20%para25%ou<br />
30% de redução de emissões, por<br />
manifesta falta de movimento<br />
das restantes partes. Ed Miliband,<br />
o ministro britânico, dizia<br />
que “se pudermos ir para 30%,<br />
vamos. Mas as coisas não parecem<br />
bem encaminhadas neste<br />
momento mas estamos a fazer o<br />
melhor que podemos para lá chegar”.<br />
Uma alternativa na mesa é<br />
que cada um dos europeus escolha<br />
voluntariamente elevar as<br />
suas posições para estimular movimento<br />
dos outros blocos, mas a<br />
Alemanha opunha-se terminantemente<br />
a um gesto colectivo sem<br />
garantia de acção recíproca.<br />
Esteacordopossíveléoresultado<br />
de um dia de confrontação<br />
entre EUA e China, onde a UE ficou<br />
um dia inteiro a ver as suas<br />
‘linhas vermelhas’ ultrapassadasmascomumacordoaser<br />
gizado entre as duas nações<br />
mais poluentes.<br />
Os países em vias de desenvolvimento,<br />
entre eles a China e Índia,<br />
aceitaram tomar e programar<br />
medidas concretas para reduzir<br />
emissões de CO2 no futuro. Wen<br />
Jiabao, o premeiro-ministro chinês,<br />
manteve metas de 40/45%<br />
de intensidade carbónica, mas<br />
aceitou reportar essas emissões<br />
através de “comunicações nacionais”<br />
para a ONU, numa solução<br />
arrancada a ferros a Pequim, que<br />
receava intromissão na sua soberania.<br />
Um tema que incendiou as<br />
negociações toda a tarde.<br />
Barack Obama, o presidente<br />
norte-americano, reiterou meta<br />
de 3% para 2020/1990, mas ofereceu<br />
mais verbas para a desflorestaçãooquenapráticasetraduziria<br />
em menos emissões, explica<br />
um fonte europeia.<br />
O capítulo do financiamento<br />
ficou fechado com os líderes a fixarem<br />
uma soma anual de 100<br />
mil milhões de dólares para os<br />
mais pobres até 2020, com um<br />
fundo de arranque rápido de 30<br />
milmilhõesparasergastoimediatamente<br />
e até 2010, para o<br />
qual a UE oferece 2,4 mil milhões.<br />
Trata-se de uma enorme<br />
cedência das nações africanas<br />
que tinham pedido há semanas<br />
um volume de 400 mil milhões<br />
ano até 2020. ■<br />
“ “Como maior<br />
economia do<br />
mundo e segundo<br />
maior emissor,<br />
aAmérica<br />
partilha a sua<br />
responsabilidade<br />
nas alterações<br />
climáticas e quer<br />
assumir essas<br />
responsabilidades”.<br />
A questão é se<br />
seguimos em frente<br />
juntos ou em nos<br />
separamos. Este<br />
não é um acordo<br />
perfeito e<br />
nenhumpaís<br />
conseguirá tudo<br />
o que deseja.<br />
Temos de escolher<br />
a acção em vez da<br />
inacção, o futuro<br />
em vez do passado–<br />
com coragem e fé.<br />
Barack Obama<br />
PISTAS PARA PERCEBER OS RESULTADOS DE COPENHAGA<br />
+<br />
Acordo forte<br />
● O objectivo:<br />
Limitar o aquecimento<br />
global a 2º<br />
● Compromisso dos ‘ricos’:<br />
Os EUA e os demais países<br />
desenvolvidos vão mais além<br />
dos compromissos já<br />
anunciados. A UE reduz a suas<br />
emissões de 20% para 30%.<br />
● Acções dos países em<br />
desenvolvimento:<br />
A China, a Índia e outras<br />
grandes economias<br />
emergentes acordam cortes<br />
mais profundos na intensidade<br />
das emissões, para além<br />
do anunciado.<br />
● Prazo de entrada em vigor<br />
do tratado vinculativo:<br />
O tratado será redigido<br />
e assinado no espaço de seis<br />
meses.<br />
● Financiamento:<br />
Os países desenvolvidos<br />
concordam em avançar com 100<br />
mil milhões de dólares mais de<br />
financiamento em 2020,<br />
montante este que pode
Christian Charisius/Reuters<br />
PONTOS-CHAVE<br />
“ China leva<br />
as alterações<br />
climáticas<br />
muito a sério.<br />
A China está numa<br />
fase acelerada de<br />
industrialização e<br />
urbanização e, da<br />
da predominância<br />
do carvão nas<br />
nossas escolhas<br />
energéticas,<br />
estamos<br />
confrontados<br />
com dificuldades<br />
especiais na<br />
redução de<br />
emissões”.<br />
“Vamos melhorar<br />
as estatísticas<br />
domésticas, vigiar<br />
e avaliar métodos,<br />
aumentar a<br />
transparência”<br />
Wen Jiabao<br />
aumentar, dando claras<br />
indicações quanto à distribuição<br />
desses montantes.<br />
● Supervisão:<br />
Os países em desenvolvimento,<br />
incluindo a China, concordam<br />
em submeterem as suas<br />
acções em matéria de redução<br />
de emissões ao escrutínio<br />
do exterior, mesmo que<br />
essas reduções não<br />
beneficiem de financiamento<br />
e apoio internacional.<br />
No último minuto, os líderes<br />
políticos conseguiram o<br />
acordo possível. As metas de<br />
corte de emissões foram<br />
arrastadas para 2050, com 80%<br />
a cargo dos países ricos.<br />
-<br />
Acordo fraco<br />
● O objectivo:<br />
Isenção de limites à subida<br />
global da temperatura.<br />
● Compromisso dos ‘ricos’:<br />
Países mantêm as reduções já<br />
anunciadas.<br />
● Acções dos países em<br />
desenvolvimento:<br />
Não haverá mudanças nas<br />
emissões chinesas e de outros<br />
países em desenvolvimento.<br />
● Prazo de entrada em vigor<br />
do tratado vinculativo:<br />
Todos Mhghghk os olhos df dfestavam gdjkfhg<br />
postos sdfhglkhsdlfjgh no discurso sdjfgh de<br />
Obama, sjdfh g hsdfkjgh mas não houve “coelhos<br />
tirados ksdfjgsjdfhkgjh da cartola’. sdfjkgh O presidente ksjdfh<br />
dos gkj shdfkjgh EUA não sdjkfhgk foi como esperado jsdhfkgjho<br />
‘salvador skdfjg sdfg. do planeta’.<br />
Ints Kalnins/Reuters<br />
Não será acordado nenhum prazo<br />
de entrada em vigor do tratado.<br />
● Financiamento:<br />
Os países desenvolvidos<br />
oferecem 100 mil milhões de<br />
dólares ou menos, com<br />
indicações muito vagas quanto à<br />
distribuição desses montantes.<br />
● Supervisão:<br />
Os países em desenvolvimento<br />
têm a liberdade de reportarem<br />
por si sós o seu desempenho em<br />
matéria de redução de emissões,<br />
sem qualquer supervisão externa.<br />
Apesar Mhghghk dedf ser dfum gdjkfhg de<br />
sdfhglkhsdlfjgh Portugal estar assinalado sdjfgh<br />
sjdfh como gumhsdfkjgh dos países que pode<br />
ksdfjgsjdfhkgjh sofrer mais comsdfjkgh o efeitoksjdfh estufa,<br />
gkj os portugueses shdfkjgh sdjkfhgk estão pouco<br />
jsdhfkgjh preocupados skdfjg comsdfg. o clima.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 51<br />
A velha ordem<br />
mundial está<br />
aderreter<br />
A conferência caracterizou-se por<br />
um conjunto de altercações e um<br />
apontar de dedo entre ‘ricos’<br />
e ‘pobres’.<br />
Andrew Ward, em Copenhaga<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Robert Zoellick passou quase<br />
despercebido esta semana no<br />
Bella Center, algo que remete<br />
para profundas na velha ordem<br />
mundial.<br />
Aqui estava o presidente do<br />
Banco Mundial – símbolo do domínio<br />
económico do Ocidente – a<br />
misturar-se anonimamente com<br />
a multidão numa conferência internacional,<br />
descrita por alguns<br />
como a mais importante desde a<br />
II Guerra Mundial.<br />
Na terça-feira seria a vez de<br />
uma série de dignatários, recém-chegados<br />
de países distantes,<br />
percorrerem os mesmos<br />
corredores austeros, perseguidos<br />
por hordas de jornalistas<br />
que deixavam perguntas no ar à<br />
sua passagem.<br />
A presença que maior frenesi<br />
provocou foi a de Hillary Clinton,<br />
a secretária de estado norteamericana,<br />
cuja influência e mediatismo<br />
acabariam por ofuscar a<br />
maioria dos líderes dos vários<br />
países nacionais aí presentes. Mas<br />
acimeiradoclimadeCopenhaga<br />
provou que os EUA deixaram de<br />
ser o grande foco de atenção.<br />
A paisagem humana nesta cimeira<br />
acabou com todo e qualquer<br />
fervor idealista. Em vez de<br />
um mundo unido para salvar o<br />
planeta, esta conferência caracterizou-se<br />
por uma série de altercações<br />
e por um apontar do<br />
dedo entre países ricos e pobres.<br />
Potências até agora periféricas,<br />
como é o caso da Bolívia, e<br />
uma série de países africanos que<br />
muita gente dificilmente conseguirá<br />
localizar no mapa, atraíram<br />
tantos repórteres para as suas<br />
conferências de imprensa diárias<br />
como os encontros com os jornalistas<br />
dos EUA e da União Europeia.<br />
Estes países assumiram aqui<br />
o seu papel de eleitores flutuantes,<br />
divididos entre ficarem ao<br />
lado do Ocidente ou de grandes<br />
economias emergentes como a<br />
ChinaeaÍndia.<br />
Personalidades como Lumumba<br />
Di-Aping, o beligerante<br />
líder sudanês do G77 de países em<br />
desenvolvimento, e Mohamed<br />
Nasheed, o mediático presidente<br />
das Maldivas, tornaram-se caras<br />
tão familiares como os participantes<br />
anglo-saxónicos.<br />
Copenhaga pode vir a representar<br />
a passagem para um<br />
mundo multipolar, anteven-<br />
do-se assim um futuro caótico.<br />
Os diplomatas ocidentais e os<br />
jornalistas estão acostumados a<br />
cimeiras internacionais, com listas<br />
de convidados bastante limitadas<br />
e comunicações de conclusões<br />
cuidadosamente encenadas.<br />
Copenhaga, com os seus 45 mil<br />
participantes registados, oriundos<br />
de cerca de 200 países, não<br />
foi muito diferente.<br />
Eatémesmoumpaísdescontraído<br />
e eficiente como a Dinamarca<br />
teve dificuldades em organizar<br />
um evento como este. As<br />
pessoas foram obrigadas a fazer<br />
fila durante horas e a temperaturas<br />
muito baixas, sendo que muitos<br />
nem conseguiram entrar porqueasalaestavacheia.Quandoa<br />
neve começou a cair esta semana,<br />
a fila de delegados enregelados<br />
que esperava no exterior mais<br />
parecia uma fila de pinguins imperadores,<br />
colados uns aos outros,<br />
em plena tempestade antárctica.<br />
Esta não era a melhor<br />
forma de proclamar a necessidade<br />
de resolver o problema do<br />
aquecimento global.<br />
Copenhaga é provavelmente<br />
uma das cidades mais bonitas da<br />
Europa. Mas a Dinamarca optou<br />
por organizar esta conferência<br />
numa sala de convenções sem janelas,<br />
num subúrbio desolado e<br />
fustigado pelo vento, barricado<br />
do exterior por vedações altas e<br />
estradas encerradas com a ajuda<br />
de grandes blocos de cimento. O<br />
local era sobrevoado por helicópteros<br />
da polícia e polícias percorriam<br />
o perímetro do local desta<br />
cimeira s com os seus pastores de<br />
Alsácia sempre a rosnar, montando<br />
guarda contra os manifestantes<br />
climáticos.<br />
Lá dentro, as pessoas corriam<br />
de reunião para reunião, falando<br />
de forma apressada ao telemóvel<br />
e aglomerando-se em volta de<br />
computadores portáteis. A cada<br />
dia que passava o ritmo e a intensidade<br />
aumentavam - mas com<br />
poucos resultados concretos.■<br />
Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />
A paisagem<br />
humana nesta<br />
cimeira acabou<br />
com todo e qualquer<br />
fervor idealista.
52 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ESPECIAL DESTAQUE CIMEIRA DE COPENHAGA<br />
O dia em que<br />
o ‘salva planetas’<br />
poupou os seus<br />
esforços<br />
O presidente Barack Obama não conseguiu cumprir o seu papel<br />
de ‘salva planetas’, como alguém lhe chamou.<br />
Luís Rego em Copenhaga<br />
Luis.rego@economico.pt<br />
Copenhaga é uma cidade difícil<br />
para o presidente norte-americano,<br />
Barack Obama. Em Outubro<br />
veio aqui para levar os jogos<br />
olímpicos para Chicago e voltou<br />
de mãos a abanar. À hora de fecho<br />
desta edição, esse fado perseguia<br />
de novo Obama. Mas ontem<br />
às 20h a vitória não parecia<br />
sorrir a ninguém, desta vez nem<br />
sequer ao Brasil. Um acordo<br />
com metas para 2050, que se<br />
perfilava, fica bem aquém do<br />
que todos podiam prever. “Parece<br />
um comunicado do G8”,<br />
atirou de imediato o grupo<br />
Greenpeace.<br />
Nos últimos dez dias, o fracasso<br />
já andava na boca de toda<br />
agente.Masquandoopresidente<br />
norte-americano Barack<br />
Obama o contemplou, ontem<br />
pouco depois da 11h diante das<br />
193 delegações, a conferência de<br />
Copenhaga teve um choque de<br />
realidade. O ‘salva planetas’,<br />
como lhe chamou um delegado<br />
europeu, não estava a cumprir a<br />
sua fama. “Os EUA vão continuar<br />
neste caminho, independentemente<br />
do que acontece<br />
aqui porque é bom para nós e<br />
para o mundo”, disse Obama.<br />
De nada serviu o tímido gesto<br />
do primeiro-ministro chinês<br />
Wen Jiabao de aceitar melhorias<br />
ao sistema de verificação<br />
das suas emissões, desde que<br />
não violem a sua soberania. De<br />
nada serviu o gesto muito<br />
aplaudido do presidente brasileiro<br />
Lula da Silva de “se for<br />
necessário [fazer] um sacrifício]<br />
e “colocar dinheiro para<br />
ajudar os outros países”. Nem<br />
sequer os apelos desesperados<br />
dos europeus, cada vez mais<br />
relegados para segundo plano,<br />
com as suas metas ambiciosas<br />
mas sem capacidade de alavancar<br />
os parceiros.<br />
E no entanto o dia começou<br />
com esperança. Na noite anterior,<br />
a seguir ao jantar de gala<br />
oferecido pela Rainha, vários<br />
líderes estiveram reunidos de<br />
emergência até às três da madrugada.<br />
A presidência dinamarquesa<br />
do encontrou lançou<br />
Ao contrário do<br />
previsto ontem pelo<br />
presidente da CE,<br />
Durão Barroso,<br />
Obama não trazia<br />
nenhum coelho na<br />
cartola, limitando-se<br />
a reiterar a pequena<br />
redução de emissões<br />
e aceitando participar<br />
na ajuda milionária<br />
para os países<br />
africanos até 2020.<br />
Reportagem<br />
no dia D<br />
da cimeira<br />
do clima<br />
então dois grupos de trabalho<br />
para estreitar posições, o que<br />
fizeram até às 7 da manhã. Às<br />
oito o esboço, cheio de parêntesisrectoscomintervalosde<br />
números lá dentro, atirava em<br />
todas as direcções.<br />
Os líderes da China e dos<br />
EUA entraram na conferência à<br />
cabeçada e uma bilateral de<br />
umahoranadaresolveu.Ao<br />
contrário do previsto ontem<br />
pelo presidente da CE, Durão<br />
Barroso, Obama não trazia nenhum<br />
coelho na cartola, limitando-se<br />
a reiterar a pequena<br />
redução de emissões e aceitando<br />
participar na ajuda milionária<br />
para os países africanos até<br />
2020. Nada de novo.<br />
A seguir ao almoço, a fila<br />
para os cafés engrossava e a<br />
presidência dinamarquesa<br />
avançava com uma proposta<br />
para reduzir emissões globais<br />
em 50% até 2050, o que implicaria<br />
um esforço de 80% para<br />
os ricos e 15% para os emergentes.<br />
A Índia aceita até a<br />
China roer a corda arrastando<br />
os indianos e causando a fúria<br />
de Nicolas Sarkozy.<br />
Dimitri Medvedev, o presidente<br />
russo, volta para casa e a<br />
Dinamarca adia ‘sine die ‘a<br />
tradicional foto de família.<br />
“Qual família?”, dizia um diplomata<br />
francês à saída das<br />
negociações. Nisto surge uma<br />
‘manifestação’ de luxo, os 27<br />
líderes, com séquitos e seguranças,<br />
a atravessar o corredor<br />
central da conferência. Os europeus<br />
decidem reunir de urgência<br />
procurando pegar nas<br />
rédeas do encontro e elevar a<br />
sua oferta, mas tudo indica que<br />
Berlim, que num cenário de<br />
redução europeia de 30% das<br />
emissões até 2020, teria de<br />
cortar 43%, impede um acordo,<br />
frustrando os voluntaristas<br />
do presidente francês Nicolas<br />
Sarkozy e do primeiro-ministro<br />
britânico Gordon Brown.<br />
A expressão plano B começa<br />
a circular nos corredores com<br />
odramaaaumentaracada<br />
minuto. Nas cimeiras europeias<br />
costuma ser a tempestade<br />
antes da bonança mas ontem<br />
não.■<br />
1<br />
3<br />
Clima longe das pri<br />
Para os portugueses o maior<br />
drama global é a pobreza, a fome<br />
e a falta de água potável.<br />
Luís Rego em Copenhaga<br />
luis.rego@economico.pt<br />
Os portugueses estão entre os europeus<br />
que menos se preocupam<br />
com as alterações climáticas.<br />
Apenas 28% cita este problema<br />
como um dos mais sérios que o<br />
mundo enfrenta, contra uma<br />
média de 47% de cidadãos europeus.<br />
De acordo com um estudo<br />
de opinião publicado pela Comissão<br />
Europeia, o clima está em<br />
sexto lugar no quadro de preocupações<br />
fundamentais do mundo<br />
para os portugueses, enquanto<br />
que na média da UE ocupa logo a<br />
segunda posição no ‘ranking’.<br />
Para os portugueses, o maior<br />
dramaglobaléapobreza,afome<br />
e falta de água potável (citado<br />
75% nas opiniões colhidas), seguido<br />
pela propagação de doenças<br />
infecciosas (39%), o terrorismo<br />
internacional (37%), a crise<br />
económica internacional (31%) e<br />
um conflito armado (30%). Segundo<br />
o mesmo estudo de opinião,<br />
20% considera que a gravidade<br />
das alterações climáticas<br />
tem sido exagerada, contra 7% da<br />
UE que têm esta opinião. E além<br />
disso, os portugueses estão entre<br />
os que menos aceitariam pagar
Bob Strong/Reuters<br />
4<br />
Ho New/Reuters<br />
1 Os vizinhos latinoamericanos,<br />
Hugo<br />
Chávez e Evo Morales<br />
caminham para a<br />
cimeira de Copenhaga. O<br />
presidente venezuelano<br />
afirmou que o discurso<br />
de Obama era “rídiculo”.<br />
2 Gordon Brown chega<br />
ao centro Bella para se<br />
reunir com os seus<br />
homólogos, num último<br />
diadacimeira.<br />
3 França, Alemanha e a<br />
presidência sueca da UE<br />
abandonam a cimeira<br />
ainda sem acordo apesar<br />
dos esforço da<br />
comunidade.<br />
4 Nem o presidente<br />
iraniano Mahmoud<br />
Ahmadinejad foi uma<br />
das figuras mais<br />
seguidas da cimeira,<br />
mas as suas declarações<br />
pautaram-se pela<br />
discrição.<br />
5 O presidente da<br />
Comissão Eurpeia,<br />
Durão Barroso, trazia no<br />
bolso a proposta mais<br />
ambiciosa dos países<br />
desenvolvidos e fez<br />
vários tentativas para<br />
subir a parada.<br />
ridades dos portugueses<br />
mais para usar energia menos<br />
poluente: apenas 22% aceitariam<br />
pagar até 20% na sua conta de<br />
energia em nome do ambiente,<br />
contra 45% média de europeus.<br />
E no entanto, os estudos sobre<br />
a evolução do clima dizem todos<br />
que Portugal será um dos países<br />
na Europa mais afectados pelas<br />
alterações climáticas. Nomeadamente<br />
pela subida do nível das<br />
águas, ‘comendo’ parte do território<br />
litoral onde vive a maioria<br />
da população nacional, e desertificando<br />
o interior. Num estudo<br />
do centro de investigação conjunto<br />
da Comissão Europeia, Portugal,<br />
Espanha, Grécia, Itália e<br />
Bulgária teriam as maiores perdas<br />
Apenas 28%<br />
dos portugueses<br />
citam as alterações<br />
climáticas como<br />
um dos problemas<br />
sérios que o mundo<br />
enfrenta.<br />
2<br />
de bem estar com as alterações<br />
climáticas, entre 0,3% e 1,6% do<br />
PIB por ano, em função do aumentodetemperaturaem2,5a<br />
5,4 graus célsius, respectivamente,<br />
previstos para 2080. Isto<br />
se nada for feito entretanto. A<br />
agricultura sofreria os maiores<br />
danos, perdendo até 25% do seu<br />
produto e as receitas do turismo<br />
podem diminuir até cinco mil<br />
milhões de euros por ano.<br />
O estudo de opinião revela<br />
que, ao nível dos comportamentosdiários,osportuguesesnão<br />
estão sintonizados com as novas<br />
práticas de eficiência energética,<br />
pelo menos não tanto quando os<br />
seus parceiros europeus. Em prá-<br />
Scanpix Denmark/Reuters<br />
5<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 53<br />
Ints Kalnins/Reuters<br />
ticas como triagem de lixo, redução<br />
de consumo de electricidade<br />
ou de água a nível doméstico, os<br />
portugueses revelam-se quase<br />
tão conscientes e praticantes<br />
como os restantes europeus. Mas<br />
o esforço termina aí. Apenas 21%<br />
dos portugueses reduzem o seu<br />
consumo de produtos como sacos<br />
de plásticos, embalagens e pacotes,<br />
contra 41% na média europeia.<br />
A preocupação em consumir<br />
produtos da época para evitar<br />
poluição transporte de mercadorias<br />
existe em 29% dos europeus<br />
e apenas 6% dos portugueses,<br />
proporção que se mantém no que<br />
toca a redução do uso do carro ou<br />
preferência por bicicletas. ■<br />
Ints Kalnins/Reuters<br />
ANÁLISE EFEITO ESTUFA<br />
O transporte<br />
público dá um<br />
contributo<br />
positivo<br />
J. Manuel Silva Rodrigues<br />
Presidente do Conselho de Administração<br />
da Carris<br />
As cidades modernas enfrentam<br />
problemas crescentes de<br />
sinistralidade, degradação<br />
ambiental e congestionamento,<br />
consequência do uso excessivo<br />
do automóvel.<br />
A evolução nas últimas décadas<br />
evidencia níveis crescentes<br />
de urbanização, que se<br />
têm reflectido no crescimento<br />
da mobilidade urbana, ao mesmo<br />
tempo, que se tem verificado<br />
uma taxa de motorização<br />
crescente, de que resultam impactos<br />
negativos no ambiente,<br />
pelaemissãodeCO2edeoutras<br />
partículas nocivas, para<br />
além do aumento dos níveis de<br />
ruído.<br />
Entre 1990 e 2006 o sector<br />
dos transportes aumentou em<br />
28% a emissão de CO2, sendo<br />
responsável por 23% da emissãodegasescomefeitodeestufa<br />
(GEE), os principais responsáveis<br />
pelas alterações climáticas.<br />
É imperativo tomar medidas<br />
que alterem esta situação,<br />
permitindo reduzir as emissões<br />
de GEE, passando por soluções<br />
técnicas que permitam<br />
diversificar energeticamente<br />
os motores e aumentar a respectiva<br />
eficiência, bem como<br />
por soluções comportamentais<br />
que alterem os padrões de<br />
mobilidade para formas mais<br />
sustentáveis.<br />
Este caminho constitui um<br />
desafio enorme mas, também,<br />
uma oportunidade extraordinária<br />
para o sector do transporte<br />
público.<br />
Redes ajustadas, frotas adequadas,<br />
pessoas formadas são<br />
os três pilares fundamentais de<br />
qualidade que têm de estar<br />
presentes na oferta que diariamente<br />
os operadores de transporte<br />
têm de disponibilizar,<br />
ajudando os cidadãos a concretizarem<br />
escolhas mais sustentáveis<br />
no tocante à respectiva<br />
mobilidade.<br />
Mas é preciso ir mais longe,<br />
actuando de forma pró-activa<br />
no mercado, promovendo os<br />
produtos existentes e criando<br />
novos produtos que dêem resposta<br />
adequada às diferentes<br />
necessidades de mobilidade<br />
dos vários públicos existentes.<br />
A Carris está bem ciente<br />
destes desafios e das oportunidades<br />
que hoje estão em cima<br />
da mesa. Continuaremos a trabalhar<br />
para oferecer à Cidade<br />
soluções de mobilidade inovadoras,<br />
modernas, confortáveis,<br />
seguras. ■
54 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
PUBLICIDADE & MEDIA<br />
Unicer investe<br />
em calendário<br />
para seduzir<br />
público jovem<br />
Com a criação deste projecto ‘online’, a marca Água das Pedras<br />
quer agora conquistar um novo ‘target’.<br />
Margarida Henriques<br />
margarida.henriques@economico.pt<br />
Ociclodaáguaéoconceito<br />
criativo que serve de base ao<br />
calendário Água das Pedras<br />
2010, onde é possível ver todo o<br />
percurso deste elemento desde<br />
a nascente até ao momento em<br />
quechegaàmesadoconsumidor,<br />
tendo como fim último<br />
contar toda a história da marca.<br />
É também por isso que desta<br />
vez foi escolhida apenas uma<br />
fotógrafa, que será a responsável<br />
pelas seis fotografias que<br />
compõem o calendário. E também<br />
se percebe as razões para a<br />
escolha dos locais para a sessão<br />
fotográfica: um palácio na vila<br />
deSintraeapraiadoMagoito.<br />
“Cada fotografia, revelada a<br />
cada bimestre, vai representar<br />
umafasedistintadocicloda<br />
água,desdeaorigemaomomento<br />
em que ganha forma,<br />
tornando-se intrínseca a vontade<br />
de a beber”, explica André<br />
Jacques, responsável pelo<br />
marketing das águas da Unicer.<br />
E acrescenta ainda que “a beleza<br />
natural e a sensualidade são<br />
factores centrais que se pretendemtransmitiremcadaimagem,<br />
conseguidos através de<br />
cenários idílicos, de modelos<br />
femininos e, claro, do elemento<br />
água”. Aliás, conceitos como<br />
“natureza” e “beleza natural”<br />
são sempre os elementos centrais<br />
e motivadores que definem<br />
as tendências da marca e<br />
funcionam como a linha orientadora<br />
para a estratégia de comunicação,<br />
de publicidade e de<br />
marketing da Água das Pedras.<br />
Estaéasegundaediçãodo<br />
calendário desta marca de água<br />
da Unicer. Um projecto que<br />
nasceu com o objectivo de<br />
aproximar a Água das Pedras de<br />
um novo perfil de consumidor<br />
de águas com gás. Como explica<br />
André Jacques, “a Água das Pedras<br />
posiciona-se também junto<br />
de um público jovem e urba-<br />
Com esta estratégia<br />
de marketing<br />
a marca pretende<br />
ainda transmitir<br />
os seus valores bem<br />
como os conceitos<br />
“natureza”<br />
e “natural”.<br />
SUCESSO<br />
150 mil<br />
pessoas visitaram o ‘site’ criado<br />
para a marca da Unicer, para<br />
a fotografia de Maio e Junho.<br />
Ao longo do ano, a procura<br />
da plataforma criada pela Fullsix<br />
consolidou-se.<br />
no como uma marca moderna,<br />
elegante, sofisticada e com<br />
‘glamour’. Para tal procurámos<br />
desenvolverumprojectoque<br />
conseguisse criar grande afinidade<br />
com este ‘target’ e que estivesse<br />
sempre disponível”.<br />
Por este motivo e porque os<br />
jovens são fortes utilizadores da<br />
Internet, a escolha foi a criação<br />
de um calendário digital –<br />
www.aguadaspedras2010.com<br />
– com diferentes funcionalidades<br />
e partilha. Assim a marca<br />
espera aproximar-se “das novas<br />
tendências, do ‘social<br />
networking’ e das comunidades<br />
‘online’. Com o calendário<br />
ÁguadasPedrassentimosque<br />
atingimos os nossos objectivos.<br />
Traduz bem o posicionamento<br />
inovador da marca”, remata o<br />
mesmo ‘marketeer’. Com esta<br />
estratégia de marketing a marca<br />
pretende ainda transmitir os<br />
seus valores bem como os conceitos<br />
“natureza” e “natural”.<br />
O retorno esperado é, para<br />
André Jacques, “o reconhecimentodopúblicoeaidentificação<br />
com os valores da marca”.<br />
Mas os resultados obtidos com o<br />
calendário deste ano são animadores:<br />
cerca de 78% dos utilizadores<br />
que viram a campanha<br />
interagiram com a mesma e<br />
visionaram o vídeo ‘full screen’<br />
da fotografia de Março/Abril; já<br />
a fotografia de Maio/Junho gerou<br />
mais de 150 mil visitas à pá<strong>gina</strong><br />
do calendário.<br />
O ‘site’ tem ainda outras<br />
funcionalidades além do calendário.<br />
Por exemplo, pode ser<br />
descarregado para o ambiente<br />
de trabalho para servir de<br />
agenda e permite criar e editar<br />
‘post-its’. Além disso, o processo<br />
criativo que dá origem a<br />
cada uma das fotografias também<br />
está disponível no ‘site’,<br />
com informações sobre a fotógrafa,<br />
os vídeos dos ‘making of’<br />
e das sessões fotográficas, bem<br />
como entrevistas às intervenientes.<br />
■<br />
1<br />
2<br />
As protagonistas<br />
As modelos Ana Sofia e Alexandrina<br />
(ambas da Elite Lisbon) são as<br />
protagonistas desta edição do calendário<br />
Água das Pedras, a que se<br />
junta ainda Luba Kvasina, uma celebridade<br />
na Rússia e que foi uma<br />
proposta da fotógrafa – também<br />
russa – Marianna Yakobson.<br />
A selecção da fotógrafa<br />
e das três modelos foi feita pela<br />
Unicer, com o apoio da agência<br />
Fullsix, um dos parceiros da marca<br />
paraaáreadodigital.<br />
Ao contrário de 2009, em que o<br />
projecto ficou nas mãos de seis<br />
fotógrafos, “para esta edição<br />
escolhemos uma fotógrafa de<br />
nacionalidade russa com grande<br />
expressão na área da moda”,<br />
revela o responsável pelo<br />
marketing da marca.<br />
Marianna Yakobson está há um ano<br />
em Portugal e do seu portefólio<br />
destacam-se trabalhos fotográficos<br />
para algumas das mais prestigiadas<br />
revistas da área, e em 2008<br />
participou na exposição Madonna<br />
50 Years, Decadance.
PUB<br />
Publicidade chega aos bilhetes da Ryanair<br />
Para poder manter a estratégia ‘low-cost’, a Ryanair teve de criar uma<br />
nova forma de rentabilizar a sua operação. A solução foi criar espaço<br />
para a publicidade nos títulos de transportes dos passageiros, um<br />
número que a companhia calcula que chegue aos 66 milhões em 2010,<br />
e que pode ser bastante interessante para as marcas pan-europeias.<br />
O objectivo desta iniciativa é angariar receitas para compensar<br />
o impacto da crise.<br />
1 A modelo russa Luba Kvasina<br />
é uma das três modelos que<br />
protagonizam o calendário<br />
deste ano, fotografado em<br />
Sintra.<br />
2 Marianna Yakobson,<br />
a fotógrafa russa escolhida<br />
pela Unicer e Fullsix avalia<br />
a sessão fotográfica.<br />
3 Mais um momento da sessão<br />
fotográfica, a cargo<br />
de Marianna Yakobson.<br />
3<br />
Fotografias: João Travessa para Água das Pedras<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 55<br />
Pirelli inspira-se<br />
no Brasil,<br />
Lavazza em Itália<br />
Os calendários destas duas marcas<br />
transformaram-se em objectos de colecção.<br />
Margarida Henriques<br />
margarida.henriques@economico.pt<br />
Começaram por ser mais uma<br />
peça da estratégia de comunicação<br />
das marcas mas depressa<br />
alguns calendários ganharam<br />
novo estatuto e se transformaram<br />
em peças de colecção,todososanosesperadas<br />
pelos coleccionadores. Foi o<br />
que aconteceu com os calendários<br />
de marcas como a Lavazza<br />
ou a Pirelli, mas também<br />
com o da Campari, da Larios<br />
ou da “Vogue”.<br />
O calendário deste ano da<br />
marca de cafés italiana tem a<br />
assinatura do fotógrafo inglês<br />
Miles Aldridge, que espelha a<br />
identidade da marca eaapresenta<br />
como o verdadeiro símbolo<br />
de culto de Itália, sempre<br />
fiel ao tema “The italian espresso<br />
experience”.<br />
Para comunicar os valores da<br />
marca, associados ao estilo de<br />
vida italiano e à qualidade, Aldridge<br />
inspirou-se em canções<br />
italianas intemporais como<br />
“Va’ pensiero”, “O sole mio” ou<br />
“Nessun dorma”.<br />
A campanha publicitária que<br />
dá a conhecer o calendário é da<br />
responsabilidade da conhecida<br />
agência Armando Testa, sob a<br />
direcção criativa de Michele<br />
Mariani.<br />
Já o calendário Pirelli foi<br />
procurar a inspiração ao Brasil,<br />
queéocenáriodasfotografias<br />
da edição de 2010, onde as modelos<br />
aparecem em praias,<br />
campos e jardins tropicais,<br />
muitas vezes até interagindo<br />
com animais. Do grupo de modelos<br />
fazem parte nomes como<br />
Miranda Kerr, Lily Cole ou<br />
Daisy Lowe.<br />
Terry Richardson, um dos<br />
fotógrafos mais conhecidos e<br />
polémicos da actualidade –<br />
considerado por muitos como o<br />
‘enfant terrible’ foi o escolhido.<br />
A ideia foi retratar as 11 modelos<br />
de uma forma bem natural,<br />
para revelar a sua essência e<br />
afastar-se assim da produção<br />
de moda. Como explica Terry<br />
Richardson, “a minha técnica é<br />
a ausência de técnica: as lentes<br />
são o meu olho, o meu carisma,<br />
a minha habilidade de capturar<br />
a verdade do momento, sejam<br />
quais forem os ângulos, uso de<br />
cor, luzes ou paisagem”. ■<br />
Aldridge inspirou-se<br />
em canções italianas<br />
intemporais como<br />
“Va’ pensiero”,<br />
“O sole mio”<br />
ou “Nessun dorma”.
<strong>56</strong> <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />
ÚLTIMA<br />
ÚLTIMA HORA<br />
Governo congela passes sociais.<br />
Passes sociais voltam<br />
a não aumentar em 2010<br />
Governo mantém política de não agravamento do orçamento das famílias.<br />
Os preços dos passes sociais não<br />
vão aumentar em 2010, anunciou<br />
ontem, o ministério das Obras Públicas,<br />
Transportes e Comunicações.<br />
Em comunicado, o ministério<br />
explica que, tal como já tinha<br />
acontecido nas tarifas fixadas este<br />
ano, o Governo decidiu manter a<br />
política social definida para os<br />
transportes públicos urbanos e<br />
suburbanos.<br />
“Ao manter inalterados os preços<br />
dos transportes públicos, o Governo<br />
demonstra mais uma vez a<br />
forma responsável e equilibrada<br />
como trata as matérias sociais e<br />
económicas, agindo sempre que<br />
OS COMENTÁRIOS DA SEMANA<br />
Ausência de Sócrates em<br />
Belém surpreende Cavaco<br />
● José Sócrates supõe, muito<br />
erradamente, que caso o Presidente<br />
da República convoque novas<br />
eleições, a disposição do eleitorado<br />
irá no sentido de aumentar a<br />
percentagem de votação no PS ou,<br />
inclusive, de lhe tornar a dar a<br />
maioria absoluta no Parlamento.<br />
- António da Silva<br />
● A falta de empatia é bem visível desde<br />
o caso das escutas em Belém. Ao<br />
Acompanhe ao minuto em www.economico.pt<br />
possível no sentido do não agravamento<br />
do orçamento das famílias e<br />
de garantir a estabilidade das empresas<br />
dando, ao mesmo tempo,<br />
um passo claro na promoção da<br />
utilização dos transportes públicos”,<br />
referia-se no comunicado.<br />
Segundo explicou ao <strong>Económico</strong><br />
fonte oficial deste ministério, antes,<br />
o preço dos passes sociais aumentavam<br />
com base no preço do petróleo,<br />
nas despesas com recursos humanos<br />
e na inflação, daí que uma<br />
das possíveis razões para que os<br />
preços não subissem este ano estivesse<br />
relacionada com o facto do<br />
preço do petróleo ter atingido mí-<br />
www.economico.pt<br />
Presidente da República não há muitas<br />
alternativas para mudar o rumo dos<br />
acontecimentos que não seja a demissão<br />
do primeiro-ministro. Falta saber<br />
qual é o momento ideal.<br />
- JOSÉ MARTINS<br />
● Quando isto chega aos altos signatários<br />
de Portugal o que podemos esperar<br />
cá em baixo? Não conheço pormenores,<br />
mas há regras básicas e quando<br />
não são respeitadas entramos em caminhos<br />
pouco claros.<br />
- FRANCISCO<br />
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de Publicações, S.A. Edifício Logista Expansão da Área Industrial do Passil Lote 1 – A Palhavã 2894 002 Alcochete<br />
nimos históricos no final de 2008.<br />
A mesma fonte referiu ainda que<br />
as condições dos passes para estudantes<br />
4-18 e Sub-23 (para estudantes<br />
universitários) se mantêm<br />
também inalteradas. Lançados este<br />
ano como mecanismo de apoio socialedecombateàcrise,mastambém<br />
como meio de promoção do<br />
uso de transportes públicos, estes<br />
passes disponibilizam descontos de<br />
50% sobre a tarifa normal.<br />
Esteéosegundoanoconsecutivo<br />
que o Governo decide não aumentar<br />
os passes sociais. O ano<br />
passado, esta decisão ocorreu pela<br />
primeira vez em 30 anos. ■.A.B.<br />
MAIS LIDAS DA SEMANA<br />
● Sismo desta madrugada foi o<br />
maiorem40anos<br />
● Estado de saúde de Berlusconi<br />
agrava-se mais do que o previsto<br />
● Crise em Copenhaga<br />
Paulo Figueiredo<br />
● Saiba quanto ganham os gestores<br />
do PSI 20<br />
● Governo aprova casamento ‘gay’<br />
mas exclui adopção<br />
Leia versão completa em<br />
www.economico.pt<br />
CML detecta erros no<br />
Orçamento Participativo<br />
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) detectou erros<br />
na análise de algumas propostas apresentadas por cidadãos<br />
para o Orçamento Participativo (OP) do município.<br />
Segundo o comunicado da Câmara, “foi detectada<br />
uma avaliação inadequada por parte dos serviços<br />
da CML relativamente a algumas propostas apresentadas,<br />
que teriam condições para virem a ser transformadas<br />
em projectos e colocadas à votação”. A solução<br />
encontrada por António Costa foi anular a segunda<br />
fase do OP - a fase de votação - que teve início no passado<br />
dia 14. A decisão surgiu depois de a Câmara ser<br />
“alertada por cidadãos participantes na primeira fase<br />
do OP para a existência de propostas apresentadas<br />
nesta fase que não surgiram na lista de projectos colocados<br />
à votação”. Assim, as propostas serão novamente<br />
colocadas à votação no período entre 30 de Dezembro<br />
e 15 de Janeiro. O OP permite que os munícipes<br />
apresentem propostas de melhoria da cidade num<br />
valor máximo de cinco milhões de euros. ■ P.C.S<br />
200 trabalhadores já<br />
não voltam à Delphi<br />
Cerca de 200 dos 315 trabalhadores despedidos da Delphi<br />
da Guarda entraram ontem de férias, naquele que foi<br />
o seu último dia de trabalho na empresa. De acordo com<br />
a Lusa, os restantes colaboradores que foram despedidos<br />
vão trabalhar até ao dia 23 de Dezembro, embora<br />
todos estejam vinculados à multinacional de fabrico de<br />
cablagens para o sector automóvel até ao final do mês de<br />
Dezembro. “No dia 04 de Janeiro os trabalhadores têm<br />
que se deslocar à fábrica para levantarem o papel que<br />
lhes dará direito ao subsídio de desemprego”, adiantou<br />
José Ambrósio, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores<br />
das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas. A<br />
fábricadaDelphinaGuardacontacomcercade950<br />
trabalhadores e a administração prevê despedir mais<br />
185 no primeiro trimestre de 2010. ■ Lusa<br />
Ana Jorge, ministra<br />
da Saúde, arranca<br />
com mais unidades.<br />
Paula Nunes<br />
Saúde avança com<br />
Cuidados na Comunidade<br />
Entraram ontem em funcionamento em todo o país 14<br />
Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), disponibilizando<br />
“mais médicos a quem não tem médico de família”,<br />
disse a ministra da Saúde. De acordo com Ana Jorge,<br />
outras 33 unidades estão também em “condições de<br />
avançar”. A ministra espera que “em muito curto prazo<br />
se constituam mais UCC, pelo menos uma por agrupamento<br />
de centros de saúde”, cumprindo assim a “primeira<br />
meta” do ministério. Confrontada com a necessidade<br />
de contratar mais profissionais face ao alargamento<br />
progressivo das UCC, Ana Jorge concordou que “poderá<br />
acontecer”, sublinhando, no entanto, que agora está a<br />
decorrer “uma reorganização dos serviços”. As UCC são<br />
equipas multiprofissionais, lideradas por um enfermeiro,<br />
que desenvolvem actividades como o acompanhamento<br />
das crianças na escola ou as visitas domiciliárias a doentes<br />
crónicos e grupos de risco. ■Lusa
Outlook<br />
SUPLEMENTO DE SÁBADO<br />
ECONÓMICO WEEKEND<br />
<strong>56</strong><br />
19/DEZEMBRO/2009<br />
“Não quero sair de Portugal”<br />
Guta Moura Guedes
PUB
Look at<br />
19.12.09<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 3<br />
Olhar para... O apelo vem de todos os cantos.<br />
Cores, muitas cores no universo de Guta Moura<br />
Guedes, a mulher que vai comissariar<br />
a programação de um novo equipamento cultural<br />
em Paris e que fomos encontrar a construir<br />
a sua nova casa. Directora e mentora da bienal<br />
ExperimentaDesing, diz que a explicação para<br />
o convite está no ‘puzzle’ que forma o seu<br />
percurso. Designer, diz ela. Mas não obcecada por<br />
objectos ou o vazio não fosse também um desenho<br />
40 Como os desenhos de Gezo Marques, outro<br />
designer, que assina móveis resgatados ao lixo<br />
e os transforma em arte decorativa. Para ver<br />
no Best-of onde se faz a lista dos melhores filmes<br />
de 2009 que já pode ver em casa e se degusta um<br />
bolo de Natal que uma pastelaria faz todos os dias.<br />
É o rei desta edição que olha para o céu e em vez<br />
de estrelas vê o trabalho de um astrofísico 6 Éa<br />
Norte. Como o vinho do Porto, aqui em bastidores<br />
nada virtuais 12 como as identidades possíveis<br />
nas redes sociais onde uma ‘password’ vale tanto<br />
como um Cartão de Cidadão 8 Tudo numa aldeia<br />
Global voltada para Copenhaga, mas marcada<br />
por Quioto, a cidade dos contrastes. Isabel Lucas
4 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
IDEIAS FORTES<br />
Um governo sem maioria que não quer<br />
negociar, uma oposição que acha que<br />
é governo e quer mandar. Márcia Galrão<br />
faz a radiografia política de um país<br />
que na última semana aprendeu mais<br />
um palavrão: “Ingovernabilidade”.<br />
Já António Freitas de Sousa olha<br />
para a Grécia, um país onde encontra<br />
afinidades com Portugal e que por estes<br />
dias parece governado por um gestor<br />
de falências.A ilustração<br />
édeGonçalo Viana<br />
Um país ao largo<br />
Ingovernabilidade, instabilidade, crispação, tensão. Sinónimos para<br />
descrever a mesma situação política: um Governo que não tem maioria e<br />
quer continuar a mandar sem negociar com ninguém. Uma oposição<br />
que acha que é governo só porque aritmeticamente tem mais votos no<br />
Parlamentodoqueogovernodedireito.Ingovernáveléomesmoquedizer<br />
“que não se pode governar; indisciplinável”, como diz o dicionário da<br />
línguaportuguesa.Eémesmoissoquetemfaltado na nossa vida política:<br />
disciplina senhores. E de tanto se falar nela, a ingovernabilidade entrou de<br />
no léxico de todos os políticos e comentadores e já começa a soar a gasta.<br />
Já ninguém aguenta abrir pá<strong>gina</strong>s e pá<strong>gina</strong>s de jornais e ver em todos os<br />
títulos e ideias associada a mesma palavra. Recados e mais recados em<br />
torno da mesma realidade. O país parou no dia em que Sócrates ganhou<br />
novamente as eleições, mas desta vez sem maioria absoluta. A partir de<br />
então, o Governo tem estado no limbo entre a vontade de fazer coisas e o<br />
medo que a oposição o contrarie. Daí a uma estratégia de dramatização do<br />
discurso foi um passo. Preocupados com a pouca margem de manobra que<br />
têm sentido no Parlamento, os socialistas parecem paralisados pelas<br />
circunstâncias e esqueceram todas as técnicas que tiveram que aperfeiçoar<br />
durante os dois mandatos dos governos minoritários de Guterres. Mas certo<br />
é que José Sócrates é o primeiro chefe de Governo na jovem democracia<br />
portuguesa que começou por liderar em maioria absoluta e a perdeu a meio<br />
do caminho. Talvez por isso esteja a ser tão difícil aprender a governar em<br />
circunstâncias mais adversas, obrigado a fazer concessões e com o<br />
fantasma da “arrogância” ainda colado à sua imagem.<br />
O desespero no campo socialista é tal que já chegaram a pedir a intervenção<br />
presidencial no caso. Algo que não seria de estranhar, se em Belém vivesse<br />
um inquilino da mesma cor política ou com excelentes relações de amizade<br />
com o Executivo. Mas tendo em conta que no Palácio vive Cavaco Silva, a<br />
resposta não podia ser outra se não aquela que foi dada. Qualquer coisa<br />
como “parem de choramingar e façam-se à vida para resolver os vossos<br />
problemas que eu também resolvi os meus quando liderava um governo<br />
minoritário”. As palavras não foram tão drásticas, mas andaram lá perto:<br />
“Existiu um Governo sem apoio maioritário no tempo em que António<br />
Guterres foi primeiro-ministro, entre 1995 e 2002, tal como eu também<br />
presidi a um governo minoritário. Sei bem o diálogo que tive de<br />
desenvolver. Algumas leis foram reprovadas e se calhar fiquei incomodado,<br />
mas, mesmo um governo minoritário aprovou leis muito importantes”,<br />
recordou o Presidente, qual historiador ao serviço da nação.<br />
Mas a via tem sido outra. Começando por Sócrates, passando pelos seus<br />
ministros e acabando nos deputados, todos têm insistido no discurso da<br />
dramatização. O primeiro-ministro diz que não pode governar com dois<br />
orçamentos e que a oposição tem tido uma atitude “desleal” e demagógica.<br />
O ministro da Defesa vem acusar os partidos de estarem a fazer<br />
“chantagem com o país”. O deputado Ricardo Rodrigues fala numa<br />
oposição que só quer “bloquear a acção do Governo” e pede a “alguém que<br />
exiba um cartão amarelo no sentido de dizer que quem governa, governa”.<br />
Leia-se que esse alguém só pode ser Cavaco. E se a situação não se alterar e<br />
os partidos mostrarem mesmo que não se conseguem entender,<br />
o que resta? Ou o Presidente toma de facto uma atitude e se assume<br />
como último reduto da estabilidade. Ou é o próprio primeiro-ministro<br />
que bate com a porta e diz basta! Apresenta uma moção de confiança<br />
e força uma relegitimação ou força mesmo eleições antecipadas. Cenário<br />
que não se percebe ainda bem que consequências poderá ter.<br />
Tudo vai depender da força com que o PSD, a alternativa de poder, tiver<br />
na altura em que isto aconteça. Ainda em busca de estabilidade interna<br />
ou com um novo líder imaculado?<br />
Entre esta troca de argumentos e estes cenários hipotéticos, os nossos<br />
políticos vão-se esquecendo que têm nas mãos a condução de um país que<br />
está farto das birras partidárias e quer é mais empregos e mais dinheiro no<br />
bolso. Enquanto uns quantos, poucos, se divertem na esgrima da dialéctica<br />
política entre governabilidade e ingovernabilidade, culpando-se uns aos<br />
outros do que foi a vontade do povo - ser governado por homens e<br />
mulheres que têm que se entender para chegar a algum lado - Portugal<br />
vai-se afundando a cada dia que passa em mais endividamento externo,<br />
desemprego e fraco crescimento económico. As nossas empresas<br />
vão perdendo competitividade, as nossas famílias vão perdend<br />
o poder de compra e os nossos jovens vão olhando para o seu futuro<br />
com um ar cada vez mais apreensivo.<br />
E depois há uns quantos “senadores” que ainda vêm dizer que o pior que<br />
podia acontecer ao país era Sócrates fartar-se de tudo isto e ir-se embora.<br />
Não Dr. Mário Soares. O pior que podia acontecer a Portugal é ver os<br />
políticos a brincar aos partidos enquanto o país se desprende da Europa,<br />
qual Jangada de Pedra à deriva no Atlântico. Já pouco falta, diz-se por aí,<br />
para que Bruxelas meta mão nisto e impeça que o cordão umbilical com a<br />
zona euro se rompa de vez. Vamos ver se antes que isso aconteça, PS e<br />
oposição se entendem de maneira a aprovar um Orçamento de Estado que<br />
nos permita começar o ano com alguma tranquilidade de espírito. Mesmo<br />
que para isso, Sócrates tenha que se entender mais uma vez com alguns<br />
Albertos João Jardim desta vida.
Grécia em regime<br />
de falência<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 5<br />
A Grécia deixou de ter um governo: passou a ter um gestor de falências,<br />
que tem em carteira a monumental tarefa de fazer regressar o país ao<br />
perímetro muito curto do grupo de nações com um défice<br />
economicamente suportável e politicamente admissível. Afinal, o mesmo<br />
perímetro de onde Portugal já derrapou, contando para isso com a<br />
concordância da União Europeia – posta em sossego com a promessa de<br />
que o país regressará ao interior do grupo mal possa, contando que seja<br />
em 2013.<br />
Por uma razão absolutamente egoísta, e que desmascara a pouca virtude<br />
com que alguns países entendem o que é uma união mais ou menos<br />
federativa de nações, a Bélgica eaAlemanhaapresentaramjáassuas<br />
reservas face à decisão do Banco Central Europeu em ‘deitar a mão’ a um<br />
associado que está a passar por horas difíceis. Tanto belgas como alemães<br />
têm um historial para esquecer em termos de bom relacionamento com<br />
os seus parceiros europeus: os belgas andam há anos a ver se se entendem<br />
entre si, para não terem que dividir ao meio aquela nesga de terra que<br />
lhes coube em sorte, enquanto vão disfarçando como podem a sua<br />
propensão para se darem mal com os forasteiros; e as tentações<br />
colonialistas dos alemães para com os seus vizinhos – principalmente<br />
franceses, austríacos, polacos em particular e eslavos em geral –<br />
mantiveram o continente a ferro e fogo durante mais de um século<br />
(quando apenas considerados os períodos da história moderna e<br />
contemporânea). Não é por isso de admirar que se tenham<br />
queixado da ajuda que a União quer fornecer a um país do Sul, logo do<br />
Sul, onde vivem aqueles europeus que só estão bem a apanhar<br />
Sol, a reduzir a escombros o mandamento segundo o qual não se<br />
deve cobiçar a mulher alheia e a viver dos subsídios da Europa do Norte,<br />
trabalhadora, ordeira e poupada. Talvez a Europa do Norte ache que<br />
a Europa do Sul só serve para passar férias e para agregar um corredor<br />
de segurança que sirva de tampão àqueles povos esquisitos que vivem<br />
do outro lado do Mediterrâneo – e que, meia volta, lhes dá para<br />
zarpar mar fora por ali acima.<br />
Pondo de lado a motivação mais óbvia para a formação da Comunidade<br />
Europeia, que era travar a guerra iminente ou eminente (efectiva) que<br />
marcou o relacionamento entre franceses e alemães e arrastava toda a<br />
genteatrásdesi–aUniãopretendeagregarumdesígnio,umapolítica,<br />
uma sociedade, uma defesa e uma preocupação comuns que permitam à<br />
Europa, 1.700 anos depois do fim do Império Romano do Ocidente, ser<br />
outra vez una – na medida do possível.<br />
Uma das qualidades dessa Europa é precisamente a de transformar o<br />
continente numa omeleta de regiões. No limite, se determinado fundo do<br />
governo da Alemanha tiver que ser usado para ajudar ao mau andamento<br />
económico da Alsácia-Lorena, isso é precisamente o mesmo – ou deve ser,<br />
ou é assim que quem pensou a União Europeia quer que seja – que enviar<br />
esse fundo para o Minho, para Atenas ou para a ilha de Chipre.<br />
Infelizmente, quando as coisas correm mal e a letra de forma tem de sair<br />
do papel para passar para o terreno, a propagandeada solidariedade entre<br />
os povos – uma das mais importantes construções da sociedade moderna,<br />
patrocinada pelos muito esquecidos anarquistas do final do século XIX e<br />
início do século XX – passa rapidamente a ser uma chatice.<br />
Como qualquer leigo adormecido consegue perceber, é a própria essência<br />
da União Europeia que fica posta em causa com estas peripécias. E não só<br />
fica em causa, como abre brechas nos fundamentos e alicerces da<br />
comunidade, em dois campos fundamentais da sua acção: no próprio<br />
relacionamento entre as nações que a compõem; e também, e às tantas<br />
mais importante ainda, na forma como os países terceiros observam a<br />
(falta de) argamassa de que a União padece – permitindo-lhes assim,<br />
neste mundo monumentalmente concorrencial, ficarem com a ideia,<br />
aparentemente verdadeira, que ela não é para levar a sério.<br />
Eles, os países terceiros nossos concorrentes, já desconfiavam: têm o<br />
exemplo, entre vários outros possíveis, da Política Agrícola Comum – uma<br />
invenção surpreendente para salvar a agricultura francesa em detrimento<br />
de todas as outras – para lhes provar isso mesmo. Ou dos devaneios<br />
bizarros e incalculavelmente maléficos registados quando a Jugoslávia<br />
entrou em processo de implosão. Mas não era preciso estar a insistir em<br />
dar-lhes mais exemplos deste destino comum tosco, que não passa do<br />
papel e emperra sempre que há um problema real.<br />
O que o caso da Grécia diz aos 350 a 400 milhões de almas acantonadas<br />
na União Europeia é que a federação ainda está longe de ser uma realidade<br />
que valha a pena ser levada a sério. Pior: que o melhor é cada um tratar<br />
de si, porque no fundo ninguém pode contar com mais ninguém. O brilho<br />
e ‘glamour’ das cimeiras, tratados, fotografias de grupo de presidentes e<br />
chefes de Estado e demais palhaçada são, neste quadro, apenas isso: uma<br />
palhaçada – que não atinge o Dubai, só para dar um exemplo tão próximo<br />
no tempo, rapidamente auxiliado pelo vizinho Abu Dhabi porque as<br />
motivações profundas da federação dos Emirados funcionou quando era<br />
preciso funcionar.
6 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
SUCESSO<br />
A ver estrelas<br />
Primeiro foram Gaspar, Baltazar e Belchior, agora Nuno Cardoso<br />
Santos: se pudessem, não faziam mais nada senão olhar para<br />
as estrelas. Três reis orientais e um astrofísico nada acidental<br />
TEXTO ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA / FOTO BRUNO BARBOSA<br />
Não consta de nenhuma crónica<br />
nem de nenhuma lenda<br />
nem de nenhum presságio<br />
quais eram as magias<br />
que Gaspar, Baltazar e Belchior<br />
conseguiam prodigalizar,<br />
se é que o faziam, nem ninguém sabe<br />
ao certo de onde vieram e para onde regressaram<br />
aqueles reis que também eram<br />
magos e acreditavam num destino que<br />
lhes veio ao encontro numa estrela. O que<br />
se sabe é que era uma estrela: brilhava<br />
muito, vinha do Oriente, parou por alturas<br />
da Palestina como se aquela fosse uma terra<br />
prometida que um dia haveria de ser<br />
ocupada por quem não é de lá, apagou-se<br />
nessa latitude e fê-los chegar às portas de<br />
um universo minúsculo onde está o mundo<br />
todo concentrado no seu grau mais alto<br />
de subtileza e sonho: estava uma criança a<br />
nascer, a experimentar os pulmões pela<br />
primeira vez, diz-se que no meio do gado<br />
manso, da palha e dos cuidados de quem<br />
era pai e mãe e não tinha mais ninguém a<br />
quem encomendar-se.<br />
Nuno Cardoso Santos não é crente –<br />
está naquele limbo dos que não sabem se<br />
são ateus ou mais displicentemente<br />
agnósticos, que é como quem diz que não<br />
perde muito tempo com o assunto – mas<br />
sabe de estrelas mais do que sabiam Gaspar,<br />
Baltazar e Belchior, que só trataram<br />
de seguir uma, por um acaso de observação<br />
empírica a mais brilhante. “Pode ter<br />
sido um cometa, uma super-nova ou<br />
mais provavelmente uma conjunção de<br />
planetas”, diz Nuno Cardoso Santos, licenciado<br />
em Física pela Faculdade de<br />
Ciências de Lisboa, com mestrado e doutoramento<br />
em Astrofísica, este último<br />
registado em Genebra, Suíça, sobre o estranho<br />
caso da estrela que deu novos<br />
mundos a pelo menos meio mundo e que<br />
serviu de guia de marcha aos três reis,<br />
que se calhar ficaram mágicos só por isso,<br />
por a terem seguido.<br />
E é por isso, por saber tanto de estrelas,<br />
que o European Research Council lhe atribuiu<br />
a gestão de uma cobiçada bolsa de investigação<br />
na área da astronomia e da astrofísica.<br />
Nuno Cardoso Santos – de 36<br />
anos, nascido em Moçambique, país que<br />
dizem ter o mais belo dos céus, e que<br />
abandonou com apenas 11 meses – quer<br />
chegar a uma coisa simples, que a ima<strong>gina</strong>ção<br />
que se quer eterna dos homens de<br />
todos os tempos tem procurado com insis-<br />
“Pode ter sido<br />
um cometa, uma<br />
super-nova ou mais<br />
provavelmente uma<br />
conjunção de<br />
planetas”, diz Nuno<br />
Cardoso Santos<br />
sobre o estranho<br />
caso da estrela<br />
que deu novos<br />
mundos a pelo<br />
menos meio mundo<br />
tência nunca esmorecida: à descoberta de<br />
uma forma de vida fora do planeta Terra,<br />
qualquer que ela seja e sob que capa física<br />
for. A estatística joga a seu favor: “na nossa<br />
galáxia há cem mil milhões de estrelas”,<br />
que, como a nossa, o Sol, têm uma série de<br />
planetas associados. Resultado: há milhões<br />
e milhões de planetas só na nossa galáxia,<br />
sendo no mínimo disparatado pensar-se<br />
que só na Terra é que foram criadas<br />
condições necessárias e suficientes para a<br />
eclosão de vida. A finalidade do trabalho<br />
de observação das estrelas que Nuno Cardoso<br />
Santos persegue é precisamente essa:<br />
a de descobrir planetas onde a probabilidade<br />
de existir vida seja semelhante à do<br />
planeta Terra – e possivelmente menos<br />
mal-tratada. “Tenho poucas dúvidas de<br />
que existe vida noutros planetas”, afirma,<br />
como se só tivesse acabado de pedir uma<br />
meia de leite morna e uma torrada com<br />
pouca manteiga; e se encontrasse um católico<br />
fundamentalista – tem a sorte de<br />
“nunca ter encontrado nenhum” – dir-<br />
-lhe-ia que, acreditar na vida apenas na<br />
Terra “seria menosprezar o poder de<br />
Deus”, mas isso seria só para ser cínico. Ou<br />
então foi Deus que quis ser cínico e só inventou<br />
vida neste planeta desgraçado,<br />
deixando aos outros a muito feliz condição<br />
de desabitados até à eternidade.<br />
A vontade de escrutinar a vida alheia<br />
que eventualmente se passará a anos-luz<br />
das nossas redondezas, no meio das estrelas,<br />
está-lhe antiga no gosto: aos 16 anos,<br />
juntamente com uns amigos, construiu o<br />
seu primeiro telescópio, uma complicada<br />
conjugação de lentes acantonadas num<br />
suporte tosco, com o qual não descobriu<br />
outra coisa que não fosse a vontade de se<br />
transformar num astrofísico. Dos amigos<br />
que o ajudaram naquela descoberta adolescente<br />
só ele acabou por seguir essa estrela<br />
que vislumbrou aos 16 anos: foi para o<br />
curso de Física porque é por aí que tudo<br />
começa e agora tem em mãos um cheque<br />
de mais de um milhão de euros para, nos<br />
próximos cinco anos e depois de contratar<br />
dois investigadores e três estudantes de<br />
doutoramento, contribuir para desenvolver<br />
o ‘hardware’ com que o mundo vai<br />
descobrir os mundos para além de nós.<br />
Nãoésóele:oCentrodeAstrofísicada<br />
Universidade do Porto (CAUP) – de que é<br />
um dos investigadores – serve-lhe de suporte<br />
à observação da variedade dos céus.<br />
Mas o centro não serve só para isso: serve<br />
para provar que a Universidade do Porto<br />
está apostada em definitivo em contribuir<br />
para a formação de um ambiente urbano<br />
propício à investigação científica por<br />
muito que a matéria com que esta queira<br />
preocupar-se não seja propriamente canónica<br />
e tradicional. Mais: serve também<br />
para provar que Portugal atingiu uma adolescência<br />
quase de maioridade no capítulo<br />
da astrofísica. “Há 30 anos era uma ciência<br />
incipiente”, afirma, uma coisa que misturava<br />
ficção científica e devaneios românticos,<br />
que obrigava quem quisesse ser astrofísico<br />
a comprar um bilhete só de ida<br />
para a NASA norte-americana. Tudo isso<br />
ficou lá para trás: um acordo a dez anos<br />
com o Observatório Europeu do Sul (ESO,<br />
que tem no Chile uma extensa bateria de<br />
telescópios do tamanho de canhões balísticos<br />
constantemente apontados às estrelas)<br />
permitiu ao país dar os primeiros passos<br />
numa ciência que não dominava.<br />
“Agora, com o país como membro efectivo<br />
do observatório desde o ano 2000, competimos<br />
de igual para igual.<br />
De igual para igual em quê, poderia<br />
perguntar-se relativamente a uma ciência<br />
que se limita a ver no céu coisas que,<br />
algumas delas, as estrelas, já nem sequer<br />
existem? “Há alguns campos da astrofísica<br />
que não têm aplicação directa”, admite,<br />
para logo de seguida compor a coisa:<br />
“Mas o fomento tecnológico induzido<br />
pela ciência” é incomensurável, mesmo<br />
que “seja difícil de quantificar em termos<br />
de ganhos económicos”. Um exemplo<br />
simples: o sensor interno que permitiu<br />
a criação das máquinas fotográficas<br />
digitais – uma banalidade para os milhões<br />
e milhões de fotógrafos nacionais,<br />
mesmo que seja apenas com o telemóvel<br />
– apareceu por via da investigação da astrofísica<br />
e do processo de descoberta<br />
tornado obrigatório pelas necessidades<br />
intrínsecas àquela ciência. De onde se<br />
conclui sem erro que “o retorno económico<br />
do progresso tecnológico [patrocinado<br />
pela astrofísica] é impossível de<br />
prever, mas chega no médio/longo prazo”;<br />
além disso, acredita Nuno Cardoso<br />
Santos, “a investigação científica catalisa<br />
o desenvolvimento económico”; por<br />
muito que não seja aceitável que o CAUP<br />
chegue ao gabinete de Teixeira dos Santos<br />
a pedir-lhe que largue os têxteis e<br />
passe a dirigir investimentos para a astrofísica.<br />
Ou se calhar...!
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 7
8 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
UTOPIAS<br />
Só respondo na presença<br />
do meu avatar<br />
Guarde bem a sua ‘password’ do Facebook, o ‘login’ do Twitter, o endereço<br />
do MySpace ou o nome de utilizador do Blogger. Em breve, será mais<br />
perigoso perdê-los do que perder a carteira com o Cartão de Cidadão dentro.<br />
Não é possível adocicar a notícia: as redes sociais mataram os carteiristas<br />
TEXTO ÂNGELA MARQUES / ILUSTRAÇÃO GONÇALO VIANA<br />
Há o que vivemos na realidade:<br />
um sismo mariquinhas.<br />
E depois há o que anunciamos<br />
que vivemos no Facebook:<br />
um sismo que ficará<br />
para a história e que nós<br />
sentimos – sentimos muito. Poucos minutos<br />
após o tremor de terra de quinta-feira<br />
milhares de portugueses ligaram o computador<br />
para postar: eu senti. Na verdade,<br />
o que diziam era que a sua identidade virtual<br />
sentiu. Provavelmente sem querer,<br />
deram informações a mais: que o prédio<br />
isto, que os filhos aquilo. Mas não resistiram,<br />
porque não estavam em si – mas na<br />
personagem que são do outro lado do ecrã.<br />
É crime? Não. Mas pode ser perigoso.<br />
Para muitos foi como a anedota do homem<br />
que lamenta estar numa ilha deserta<br />
com uma top model se não se pode<br />
gabar disso aos amigos. Para outros, uma<br />
necessidade básica. Os portugueses só<br />
foram apresentados ao Facebook em Setembro<br />
de 2008, mas hoje há já um milhão<br />
que não passa sem ele. E ali deixa<br />
metade da alma. “As pessoas usam as redes<br />
sociais como um espelho daquilo que<br />
são na realidade. Por exemplo, as fotografias<br />
que colocam no Facebook são<br />
reais. E isso levanta a problemática da<br />
segurança, claro”, diz Nelson Zagalo,<br />
professor e investigador da Universidade<br />
do Minho na área das Ciências e Tecnologias<br />
da Comunicação.<br />
As histórias de pessoas que perderam o<br />
emprego por dizerem mal do patrão em<br />
blogues e tweets já nem impressionam<br />
(são tão 2009 que não contam). “Hoje o<br />
Facebook é uma plataforma de centralização<br />
de informação. Até de informação relacionada<br />
com a nossa saúde”. Segundo o<br />
investigador, está já a ser “trabalhada pelo<br />
Google uma ferramenta que nos permitirá<br />
termos um login para aceder aos nossos<br />
boletins de saúde nos hospitais”. Não é<br />
preciso ima<strong>gina</strong>r muito para saber que<br />
“quem tiver acesso a essa ‘password’ terá<br />
acesso a informação extremamente relevante<br />
sobre nós”.<br />
Depois de ter destronado o Hi5 e o<br />
MySpace, o Facebook aparece assim, para<br />
Nelson Zagalo, como a rede social onde<br />
esta confusão de identidades será mais<br />
visível: “O objectivo do Facebook é dar-<br />
-nos a omnipresença constante. É podermos<br />
funcionar continuamente, mesmo<br />
que estejamos a dormir.”<br />
A dormir ou a dar uma entrevista na<br />
RTP2. A Paulo Querido, jornalista e consultor<br />
em Tecnologias de Informação e<br />
Conhecimento, isto já acontece: “Na semana<br />
passada eu estava em directo na<br />
RTP2 e as minhas contas Twitter, Facebook<br />
e FriendFeed eram alimentadas pelos<br />
meus bots, em acções relativamente<br />
independentes de mim.” Bots? “Bot é<br />
abreviatura de infobot. Um robot é um<br />
conjunto mecânico que executa tarefas<br />
pré-programadas. Um infobot é igual,<br />
mas não é mecânico, é informático. É um<br />
programa, ou conjunto, que executa tarefas<br />
pré-programadas”. Os de Paulo Querido<br />
estão por todo o lado.<br />
“Os meus bots recolhem informação<br />
(links) segundo directivas que lhes forneço,<br />
depositam-na numa base de dados.<br />
Depois, consoante se verifiquem certos<br />
pressupostos (hora, dia da semana, fonte<br />
da informação) vão buscar a informação a<br />
essa base de dados, processam-na e formatam-na<br />
para a enviarem para as minhas<br />
contas”. Assim, de uma forma mais<br />
ou menos assustadora, diz, “os bots fazem<br />
tweets em meu nome, sim”. Geralmente,<br />
acrescenta, são “tweets informativos,<br />
não-conversacionais, embora possam ser<br />
programados até para responderem a perguntas<br />
ou frases específicas.”<br />
Mas no futuro será melhor (ou pior):<br />
“Essa independência será maior e ao<br />
mesmo tempo essas entidades ganharão<br />
complexidade, massa, e finalmente al-<br />
Prepare-se:<br />
até a dormir<br />
vai partilhar.<br />
E as ferramentas<br />
que hoje usa para<br />
conversar em tempo<br />
real serão capazes<br />
de, em 10 a 20 anos,<br />
comunicar o seu<br />
estado de espírito<br />
sob a forma de<br />
um holograma<br />
enquanto está longe<br />
do computador.<br />
Os avatares já não<br />
são ficção científica
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 9<br />
guma espécie de rosto, ou capacidade visual.”<br />
Pense-se em hologramas, “em dez<br />
a 20 anos”. Mas se houver pressa, pense-<br />
-se no que já existe: “As plataformas de<br />
jogos online, não apenas o Second Life,<br />
onde bonecos com a nossa cara, ou o nosso<br />
nome, interagem mesmo quando estamos<br />
desligados. Se o Second Life permitisse<br />
maior interacção com o mundo fora<br />
dele – refiro-me aos computadores, não<br />
ao mundo dos átomos e dos humanos – eu<br />
já tinha um “Paulo Querido” a interagir,<br />
programado para acções simples de representação.”<br />
Mais uns anos, diz o consultor, e uma<br />
vez que “esses infobots já estão em prancha<br />
de testes, até por pessoas que não são<br />
propriamente génios da programação, e a<br />
indústria a tomar conta... sim, em vez de<br />
contas no Twitter e no Facebook teremos<br />
avatares vivos e interactivos, com alguns<br />
graus de autonomia.” Estranho? Não para<br />
uma geração abaixo dos 20 anos, que já<br />
hoje passa “mais tempo da sua vida dentro<br />
dos mundos virtuais que no mundo físico”.<br />
Como numa segunda vida.<br />
Não é fácil dizer onde isto começou.<br />
Mas em 2002, quando o Second Life surgiu,<br />
toda a gente começou a ter uma ideia<br />
do que nos esperava. Naquele mundo virtual<br />
ninguém era gordo, velho ou feio.<br />
Quem quisesse podia ser polícia, podia<br />
ser ladrão, podia voar, dançar, até chorar,<br />
se fosse caso disso. Sete anos depois o<br />
Second Life parece estar a transformar-<br />
-se na realidade virtual mais real do<br />
mundo: é-se mais verdadeiro no mundo<br />
virtual que na vida. Partilha-se tudo,<br />
confessa-se tudo, e é isso que pode estragar<br />
tudo. “Se o Facebook fosse ficcional<br />
não representava qualquer perigo. Mas<br />
neste momento quando leio alguma coisa<br />
no Facebook acredito que ela é real”, diz<br />
Nelson Zagalo. Como diz pelo telefone, é<br />
seguro. Ainda não há avatar que possa<br />
desmentir isto.
10 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
A MINHA JANELA<br />
Omovimento Dada - os seus<br />
fundadores recusam o termo<br />
Dadaísmo já que o “ismo”<br />
aponta para um movimento<br />
organizado que<br />
nãoéoseu–chegouàs<br />
empresas. Surgido durante e como reacção<br />
à I Guerra Mundial, ridicularizou o<br />
vazio e a decadência da vida moderna.<br />
Mas não perdeu a actualidade, por isso,<br />
assenta como uma luva à vida laboral de<br />
hoje. A pompa, a presunçãoeaimbecilidade<br />
gritante no trabalho pedem um tratamento<br />
dadaísta.<br />
O mestre actual do “Dada laboral”, o<br />
humorista e bloguista australiano David<br />
Thorne, tem por hábito citar os seus interesses<br />
máximos ao mesmo tempo que recita<br />
números primos por ordem decrescente.<br />
Tornou-se famoso há cerca de um<br />
ano quando, depois de tentar pagar uma<br />
sessão de quiropráctica com um desenho<br />
de uma aranha, divulgou no seu ‘site’<br />
(www.27bslash6.com) os ‘emails’ trocados<br />
com o dito quiroprático. Se o leitor<br />
ainda não teve oportunidade de visitar o<br />
‘site’, recomendo vivamente que o faça.<br />
A graça da coisa reside na diferença entre<br />
a imbecilidade normal da comunicação<br />
empresarialeaimbecilidade anormal da<br />
aranha. Thorne teve o mérito de protagonizar<br />
uma brincadeira particularmente<br />
divertida, saudável e inocente.<br />
A mais recente troca de emails de<br />
Thorne, que apanhou os ‘bloggers’ de<br />
surpresa e tem feito as delícias da comunidade<br />
nas últimas semanas, é igualmente<br />
divertida, no entanto, nada tem<br />
de saudável nem de inocente. Tudo começou<br />
quando um ‘web designer’ convidou<br />
Thorne a desenhar gratuitamente<br />
um logótipo e um gráfico de queijo para<br />
um projecto sobre ‘business-to-business<br />
(B2B) networking’. Thorne respondeu<br />
ao convite enviando um gráfico intitulado<br />
“O entusiasmo de David em trabalhar<br />
de borla para ‘S’”, composto pelos<br />
seguintes segmentos: “Nenhum”;<br />
“Muito pouco” e “Praticamente nulo”.<br />
Eis uma resposta sarcástica que Thorne<br />
fez acompanhar de um logótipo “que<br />
além de representar o projecto de ‘B2B<br />
networking’ no qual o Sr. trabalha actualmente,<br />
pretende também ilustrar<br />
o que é trabalhar consigo no geral”.<br />
À primeira vista, o logótipo parece uma<br />
águia, mas quando olhamos mais atentamente<br />
para o desenho vemos que<br />
se trata de um acto libidinoso entre<br />
dois homens.<br />
“S” enfurece-se e escreve: “Dispenso<br />
receber mais emails seus”. A resposta de<br />
Thorne é demolidora: “Ok. Boa sorte<br />
para o seu projecto. Se precisar de alguma<br />
coisa é só dizer”. Uma resposta imprópria<br />
para publicação.<br />
Aprendi três coisas com esta troca de<br />
emails: a) os artistas gostam de ser pagos<br />
pelo seu trabalho; b) os gráficos de queijo<br />
são uma parvoíce; c) ser incrivelmente<br />
rude com uma pessoa que achamos<br />
Lucy Kellaway<br />
Atitude dadaísta<br />
A pompa,<br />
a presunção<br />
e a imbecilidade<br />
gritante no<br />
trabalho pedem<br />
um tratamento<br />
dadaísta<br />
“Roue de<br />
Bicyclette”<br />
(1913) Marcel<br />
Duchamp<br />
que merece esse tratamento é tão revigorante<br />
como rebolar na neve.<br />
Esta história encerra em si outro aspecto<br />
dadaísta: situa-se numa zona nebulosa<br />
da Internet algures entre a realidade<br />
e a ficção. No Twitter há um homem<br />
real com o mesmo nome que finge<br />
ter percebido a piada, que nega tudo e<br />
que critica Thorne mordazmente. Se<br />
este homem é real, se existe de facto, estaremos<br />
perante um fenómeno de<br />
‘cyber-bulling’? Deveremos preocupar-nos<br />
com a situação? Ou será que foi<br />
Thorne quem inventou tudo isto? O seu<br />
currículo é invejável nesta matéria.<br />
Exemplos? A McDonalds enviou aos<br />
seus colaboradores dos ‘drive-ins’ na<br />
Austrália uma carta onde pedia que excluíssem<br />
alguns dos produtos pagos pelos<br />
clientes. A carta era assinada por<br />
“Robert Trugabe” e suscitou polémica.<br />
Recentemente veio a saber-se que este é<br />
mais um exemplo do extraordinário talento<br />
de Thorne. Não me interessa se é<br />
verdade ou pura ficção. Mas interessa-<br />
-me e valorizo a resposta de Thorne à<br />
proposta de criação de um logótipo e<br />
correspondente gráfico. Para mim, essa<br />
é uma verdadeira obra de arte e um curiosíssimo<br />
exercício de gestão.<br />
Os gestores passam a vida a tentar<br />
neutralizar a sua irritação, no entanto,<br />
acabam muitas vezes por alimentá-la,<br />
ainda que inadvertidamente. A resposta<br />
de Thorne choca por fazer exactamente<br />
o oposto: mete-se com uma pessoa que<br />
está irritada e consegue, paulatinamente,<br />
irritá-la ainda mais.<br />
A minha vida profissional faz com que<br />
me cruze com muitas pessoas que vivem<br />
num estado de irritação permanente.<br />
Muitas delas lêem o “Financial Times” e<br />
encaram as minhas crónicas como um<br />
lenitivo. Na semana passada, um tal Joseph<br />
Waring de Hong Kong escreveu-me<br />
a dizer que a minha última crónica era<br />
um chorrilho de imbecilidades e rotulou-me<br />
de patética. No final dizia: “A<br />
propósito, toda a gente aqui no trabalho<br />
acha o seu corte de cabelo ridículo e demasiado<br />
jovial”.<br />
Estava eu a engendrar uma resposta à<br />
altura da provocação quando abri o<br />
email de um advogado na reforma,<br />
Stephen Gold de seu nome. “Pagam-lhe<br />
para ser inútil e condescendente?”, perguntava<br />
numa mensagem escrita num<br />
tom irritado e mordaz que lhe deve ter<br />
ocupado, a ver pelo tamanho, uma tarde<br />
inteira a “teclar” no BlackBerry.<br />
Em nome da Arte – sim, com maiúscula<br />
-, roí por instantes a tampa da caneta<br />
e comecei a escrever a resposta mais<br />
repugnante e complacente que consegui<br />
arquitectar, e terminei com uma frase<br />
especialmente incendiária: “Espero que<br />
isto ajude”. Carreguei no ‘enter’, recostei-me<br />
na cadeira e aguardei. A resposta<br />
chegou uma hora depois. Curiosamente,<br />
o tom não era exaltado. Era mais cordial<br />
do que na missiva anterior. “Agradeço o<br />
tempo que despendeu a responder-me”,<br />
dizia respeitosamente.<br />
Como obra de arte, o meu esforço foi<br />
um rotundo fracasso. Mas aprendi mais<br />
três coisas. 1. A maior parte das pessoas<br />
não se dá ao trabalho de responder aos<br />
‘emails’. 2. É um erro recorrer à ironia<br />
numa mensagem electrónica. 3. É difícil<br />
ter graça, mas é ainda mais difícil ser um<br />
dadaísta bem sucedido.<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Ana Pina
O MEU OLHAR<br />
João Lobo Antunes<br />
Vacinas<br />
Em 1798, Edward Jenner, um<br />
médico inglês a quem se<br />
deve também a primeira<br />
descrição da arteriosclerose<br />
das coronárias, descreveu,<br />
num artigo que ficou famoso,<br />
o benefício que se obtinha na prevenção<br />
da varíola com a inoculação em humanos<br />
do líquido colhido das vesículas<br />
que apareciam nas tetas de vacas que sofriam<br />
de uma doença apropriadamente<br />
chamada “vaccinia”. Ele observara que<br />
as mulheres que mugiam animais infectados<br />
tinham uma forma mais ligeira de<br />
varíola, e assim surgiu a primeira vacina.<br />
A importância da descoberta foi fenomenal:<br />
em meados do século XVIII, uma<br />
em cada treze crianças morria de varíola<br />
e muitas mais ficavam cegas pelas úlceras<br />
que se desenvolviam na córnea.<br />
Quer teólogos, quer muitos médicos<br />
(católicos e protestantes), opuseram-se<br />
ferozmente à inoculação, por entenderem<br />
que a varíola era um castigo de Deus<br />
pelos pecados dos homens, castigo a que<br />
nos deveríamos submeter resignadamente,<br />
e a vacina era uma violação da lei<br />
divina. Assim pregava o Rev. Edward<br />
Moosey num sermão que intitulou “The<br />
Dangerous and Sinful Practice of Innoculation”!<br />
Um teólogo mais progressista<br />
argumentava, por seu lado, que as pústulas<br />
que cobriram Job eram obra do demónio<br />
e, assim, lutar contra elas era lutar<br />
do lado da vontade divina. A verdade<br />
é que a prática da vacina foi progressivamente<br />
adoptada e no final do século XIX<br />
a mortalidade da varíola era de 1 em<br />
1.600 infectados, e hoje ela quase desapareceu<br />
da face da Terra.<br />
Não se pense, contudo, que a resistência<br />
às vacinas por razões ideológicas é<br />
fenómeno do passado. Já no nosso tempo,<br />
grupos ultraconservadores norte-<br />
-americanos, por exemplo, têm-se<br />
oposto à vacinação de raparigas jovens<br />
contra o vírus do papiloma humano, cuja<br />
eficácia contra o aparecimento do cancro<br />
do colo do útero parece não oferecer<br />
dúvida. A razão invocada é que a vacina<br />
poderia favorecer a promiscuidade sexual<br />
e comportamentos tão censuráveis<br />
como o sexo pré-conjugal...<br />
É evidente que a vacinação contra o<br />
vírus H1N1 não suscita qualquer controvérsia<br />
vincada por preconceitos ideológicos<br />
ou religiosos, mas a verdade é que a<br />
sua aplicação como medida profilática<br />
universal, suscitou questões que não são<br />
exclusivamente médicas, ou seja, de natureza<br />
puramente científica ou técnica.<br />
A presente epidemia ou pandemia,<br />
como os responsáveis sanitários preferem<br />
chamar para realçar a dimensão<br />
epidemiológica mundial, avaliada pela<br />
taxa de infecção e disseminação global,<br />
que estamos a viver é de algum modo<br />
uma experiência nova partilhada universalmente<br />
pelas novas tecnologias<br />
de informação. De facto, assistimos à<br />
progressão da infecção em tempo real,<br />
caso após caso, dia após dia, alastrando<br />
como o óleo derramado no oceano por<br />
um petroleiro como o casco arrombado.<br />
Assim se vai contabilizando cada morte,<br />
o que contrasta com a indiferença perante<br />
outras epidemias como a malária,<br />
que mata por ano um milhão de crianças!<br />
Não importa agora discutir se esta gripe é<br />
mais ou menos grave do que outras “gripes”,<br />
embora, provavelmente, o risco<br />
seja menor que a “espanhola” do início<br />
do séc. XX, mas então os meios de combate<br />
às complicações que surgiam eram<br />
quase inúteis.<br />
O que é especial acerca desta gripe é<br />
também que nunca como agora, governantes<br />
e autoridades sanitárias estiveram<br />
sob tão cerrado escrutínio. Afinal,<br />
como não me canso de citar, a política foi<br />
sempre uma medicina em larga escala.<br />
Para a indústria, a gripe foi uma “bonanza”<br />
e a corrida à vacina que é, em regra,<br />
uma corrida de fundo, transformou-se<br />
num ‘sprint’ vertiginoso.<br />
Como sucede com outras um dos óbices<br />
da aplicação da vacina contra a gripe<br />
releva, fundamentalmente, do risco que<br />
pode comportar, que é realmente impossível<br />
de prever para cada caso singular.<br />
É sabido que persiste uma disputa<br />
sobre se vacinas como a “tríplice”, que<br />
se administra aos bebés, não é responsável<br />
pelo aparecimento mais tarde do autismo.<br />
Só nos E.U.A. há mais de 5.300 de<br />
pedidos de indemnização baseados nessa<br />
suposição, em relação à qual não há a<br />
mínima prova cientifica. Para compensar<br />
as vítimas ocasionais das complicações<br />
das várias vacinas, criou-se naquele<br />
país um organismo que analisa cada<br />
caso e indemniza a vítima sempre que<br />
haja evidência segura de causalidade.<br />
Sem isto, a indústria desistiria rapida-<br />
É evidente<br />
que a vacinação<br />
contra o vírus H1N1<br />
não suscita qual<br />
quer controvérsia<br />
vincada por<br />
preconceitos<br />
ideológicos<br />
ou religiosos,<br />
mas a verdade é que<br />
a sua aplicação como<br />
medida profilática<br />
universal, suscitou<br />
questões que não<br />
são exclusivamente<br />
médicas, ou seja,<br />
de natureza<br />
puramente científica<br />
ou técnica<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 11<br />
mente de fabricar vacinas.<br />
A questão da obrigatoriedade da vacina,<br />
assumida como dever moral de todos<br />
os prestadores da saúde – que incluem<br />
não só médicos e enfermeiros, mas também<br />
pessoal auxiliar e até porteiros e<br />
recepcionistas –, é complexa, porque,<br />
em certa medida, fere o principio da autonomia.<br />
É razoável assumir que a vacinação<br />
deste pessoal é uma medida importante<br />
de saúde publica e o estado de<br />
Nova Iorque declarou a sua obrigatoriedade.<br />
Imediatamente, os trabalhadores<br />
alvo reagiram, argumentando que isso<br />
era uma violação de direitos fundamentais,<br />
e que qualquer analogia com a varíola,<br />
cuja vacinação obrigatória se<br />
não contesta, era inapropriada, pois a<br />
gripe não tem gravidade comparável. Se<br />
asaúdeeasegurançadosdoenteséuma<br />
prioridade tal que permite excepções<br />
em relação à primazia dos direitos<br />
individuais, é matéria que será esclarecida<br />
nos tribunais.<br />
Mas este não é a único dilema ético<br />
suscitado pela pandemia, pois as questões<br />
da prioridade na vacinação e da definição<br />
de quem é imprescindível surgem,<br />
naturalmente, neste contexto. Se a<br />
vacina estivesse desde início disponível<br />
em quantidade tal que fosse assegurada a<br />
sua aplicação a todos, o principio da<br />
equidade era facilmente respeitado.<br />
Tal não sucedendo, se adoptarmos uma<br />
ética utilitarista deveriam favorecer-se,<br />
acima de tudo, os profissionais de<br />
saúde e aqueles que, doentes ou não, encerram<br />
maior risco. Poderá ainda alegar-se,<br />
invocando o principio da reciprocidade,<br />
que os profissionais, porque<br />
correm maior risco, mereciam ser<br />
vacinados primeiro.<br />
Se analisarmos a situação a nível<br />
mundial não há uniformidade de critérios<br />
quanto à definição de prioridades ou<br />
de grupos de risco, e o exemplo mediático<br />
dos responsáveis políticos cujo objectivo,<br />
compreensível, foi a demonstração<br />
de que não temem os possíveis riscos de<br />
vacina é de dúbia importância. De facto,<br />
aqui, como noutras áreas que implicam<br />
comportamentos de risco, como o sexo<br />
não protegido ou os desportos radicais,<br />
cada pessoa tende a aceitar o risco em<br />
que incorre voluntariamente, mas não<br />
aceita o risco que lhe é imposto, mesmo<br />
quando a evidência é débil como, por<br />
exemplo, sucede com as linhas de alta<br />
tensão perto de sua casa.<br />
Eu creio que uma das proveitosas lições<br />
desta pandemia é que é importante<br />
que exista uma rede de confiança que<br />
envolva todos os cidadãos, médicos e<br />
outros trabalhadores da saúde e respectivas<br />
instituições e governantes. Esta<br />
forma de solidariedade é indispensável<br />
para o melhor uso dos recursos e a não<br />
exclusão daqueles que são mais vulneráveis,<br />
mesmo quando, como parece estar<br />
a acontecer em todo o mundo, acabam<br />
por sobejar as vacinas...
12 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BASTIDORES<br />
O Natal do Vinho do Porto<br />
Entre as cepas do Douro profundo e as mesas de Natal, o Vinho do Porto<br />
segue ao ritmo acelerado das máquinas. O esforço vale a pena: Dezembro<br />
é o melhor mês do ano para os produtores<br />
TEXTO ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA/ FOTOS BRUNO BARBOSA<br />
As coisas começam no domínio<br />
dos deuses – nas alquimias<br />
secretas da fundura da<br />
terra que sobem aos caules<br />
na hibernação do Inverno –<br />
e acabam na mesa dos que<br />
para alguns é um Deus a comemorar a sua<br />
presença infantil junto dos mortais mais<br />
comuns: o Natal. A época de todos os excessos<br />
– gastronómicos, vínicos e fantasiosos,<br />
como se fosse uma tentação de felicidade<br />
que se vai esvaindo no desespero<br />
dos 11 meses seguintes – vale cerca de<br />
40% das vendas do Vinho do Porto, que no<br />
ano passado chegaram aos 375,8 milhões<br />
de euros, representando Dezembro mais<br />
de 151 milhões.<br />
Deixando para outras conversas mais<br />
demoradas o que se passa no interior secreto<br />
das cepas até que delas brotam aqueles<br />
frutosqueservemparaseremcortados,enganchados,<br />
esmagados, calcados e finalmente<br />
espremidos, a viagem do que vem<br />
dentro das garrafas de Vinho do Porto começa<br />
pela sua trasfega para as cubas onde se<br />
fazem provas, medições, cálculos, misturas<br />
delotes sefor casodissoeseesperaqueacabem<br />
os avatares próprios do precioso líqui-<br />
As vendas de Vinho<br />
do Porto<br />
ascenderam aos 375<br />
milhões de euros em<br />
2008. Dezembro<br />
responde por cerca<br />
de 40%: mais de 151<br />
milhões de euros<br />
do – para alguns uma coisa quase como o<br />
sangue, quase vivaeapulsarderespiração.<br />
Seja nas profundezas dos vales perdidos<br />
do Douro, seja nas margens do rio à desembocadura<br />
da sua foz, em Gaia, as unidades<br />
industriais de engarrafamento de<br />
Vinho do Porto parecem sempre um emaranhado<br />
de plaquetas metálicas, fios de<br />
chumbo e tubos de plástico, onde o líquido<br />
– amarelado brilhante ou vermelho forte –<br />
deambula como se andasse perdido num<br />
carrossel sem paragens.<br />
O outro componente do efeito final, a<br />
garrafa de vidro, é o primeiro a aparecer<br />
na linha de produção: vem aos montões,<br />
agregado sobre paletes de madeira a ver se<br />
não cai, e entra na primeira de muitas máquinas<br />
esquisitas muitos metros à sua<br />
frente, onde o espera o primeiro passo de<br />
um caminho longo, este primeiro bem<br />
pouco extraordinário: a lavagem. A função<br />
é profunda, demorada e até aos cantos,<br />
porque qualquer coisa que fique dentro da<br />
garrafa e não seja vinho só pode contribuir<br />
para estragar o produto final.<br />
Limpa das impurezas mais embirrentas,<br />
a garrafa segue por uma manga mecânica<br />
que vai estreitando à medida que progride,<br />
para que, na máquina seguinte – a da junção<br />
entre a embalagem e o precioso líquido<br />
que anda por ali em bolandas, isto é, a do<br />
enchimento – entre apenas na sua vez. A<br />
máquina produz uma rotação no sentido<br />
dos ponteiros do relógio, demorando cada<br />
uma uns 300 graus e possivelmente um segundo<br />
e meio a acabar de encher.<br />
Atingida com sucesso esta fase crucial<br />
da linha de produção, seguem as garrafas<br />
ainda uma de cada vez para o pistão que<br />
lhes coloca a rolha, devidamente de cortiça<br />
enquanto as modernices das soluções<br />
sintéticas não chegam ao demorado e velho<br />
sector do Vinho do Porto – esperando-<br />
-se que nunca venham a chegar, não apenas<br />
em favor das trincheiras mais interessantes<br />
da tradição, como ainda porque<br />
modernidade nem sempre rima com qualidade.<br />
Depois da rolha vem o selo – aquele<br />
que é disponibilizado pelo Instituto do<br />
Vinho do Douro e Porto e atesta que o que<br />
vem dentro da garrafa veio do Douro e não<br />
das planícies imitativas da Califórnia ou<br />
dos socalcos sul-africanos de Montagu e<br />
Oudtshoorn. A fase é, como se pode inferir,<br />
de rotulagem, pelo que os passos seguintes<br />
têm todos a ver com isso: rótulo da
frente, rótulo de trás e rótulo do gargalo se<br />
for caso disso, mais aquela tampa de plástico<br />
no final, que serve para proteger a rolhadecortiçaetransformaraaberturade<br />
uma garrafa num sarilho demorado e perigoso,<br />
a precisar de facas ou outro objecto<br />
contundente.<br />
Depois disto tudo, as garrafas chegam a<br />
uma praça larga onde novamente se juntam<br />
num alegre tinir de vidro que pode<br />
ensurdecer qualquer operário mais distraído,<br />
e ficam à espera de, ainda mecanicamente,<br />
serem isoladas em grupos de<br />
seis (ou doze) para serem introduzidas nas<br />
caixas em que chegarão às lojas. É depois a<br />
vez da formação de um grupo maior de<br />
muitas caixas, outra vez sobre palete de<br />
madeira, que um pouco mais à frente é envolvida<br />
em película de plástico, dando solidez<br />
ao conjunto mas deitando por terra<br />
as melhores práticas ecológicas, pelas<br />
quais alguns dos melhores jovens europeus<br />
andam a ficar com as cabeças rachadas<br />
nas ruas antigas de Copenhaga.<br />
A viagem das garrafas entre uma ponta e<br />
outra da pesada máquina não demorará<br />
mais que cinco minutos, se tanto, mas o<br />
mais espantoso é que, no caso presente (a<br />
Nesse espaço<br />
virtuoso existem<br />
todososvários<br />
tipos de vinho: em<br />
garrafa se forem<br />
um qualquer que<br />
esteja à venda ou<br />
se for um vintage<br />
(que envelhece em<br />
recipiente de vidro)<br />
ou em vasilhas de<br />
madeira se forem<br />
vinhos novos ou<br />
de lote à espera<br />
de seguirem para<br />
as unidades<br />
de engarrafamento<br />
unidade gaiense da Graham’s, do poderoso,<br />
grande e simpático grupo Symington), a<br />
maquineta consegue engarrafar até 11 mil<br />
garrafas por dia com apenas uns quatro ou<br />
cinco operadores no activo, ficando apenas<br />
para a memória e para os daguerreótipos<br />
cheios de pó as imagens dos batalhões de<br />
operárias sentadas em banquinhos baixos e<br />
estreitos que acabavam garrafas à mão e à<br />
vez cada uma. No edifício há cinco dessas<br />
maquinetas mais duas para lotes pequenos,<br />
o que dá em contas por alto a possibilidade<br />
de dali saírem por dia umas setenta mil garrafas<br />
de Vinho do Porto, transportadas por<br />
oito camiões TIR ou mais pelo menos no<br />
Natal (com 30 paletes cada), que constante<br />
eritmadamentelevamasuacargaparauma<br />
central logística às portas da cidade.<br />
Parte desta produção segue para as instalações<br />
da Graham’s logo ali ao lado na<br />
zona histórica das caves de Gaia, onde a<br />
empresa assentou praça há um monte de<br />
décadas (em 1820). Nesse espaço virtuoso<br />
existem todos os vários tipos de vinho: em<br />
garrafa se forem um qualquer que esteja à<br />
venda ou ser for um vintage (que envelhece<br />
em recipiente de vidro) ou em vasilhas<br />
de madeira se forem vinhos novos ou de<br />
Parte desta<br />
produção segue<br />
para as instalações<br />
da Graham’s logo<br />
ali ao lado na zona<br />
histórica das caves<br />
de Gaia, onde<br />
a empresa assentou<br />
praça há um monte<br />
de décadas<br />
(em 1820)<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 13<br />
lote à espera de seguirem para as unidades<br />
de engarrafamento.<br />
No recôndito das caves de Gaia, a Graham’s<br />
esconde – ou não esconde porque se<br />
vêem, mas estão fechados à chave – alguns<br />
dos seus tesouros mais preciosos,<br />
como sejam um par de garrafas com a<br />
insuspeita idade de 141 anos (1868), o que<br />
de algum modo vem provar que a alquimia<br />
dos vinhos – possivelmente, e a terem<br />
existido, um domínio dos deuses anteriores<br />
à formação geológica do planeta<br />
Terra – é uma metamorfose complexa,<br />
versátil e inesperada.<br />
Por sorte, desde há mais de dois mil<br />
anos e no meio do tempo que perde numas<br />
batalhas que importam pouco, o homem<br />
decidiu tomar-se de brios, e tentou explicar<br />
experimentando para o que raio serviriam<br />
aquelas bagas mais um menos em<br />
bola que um dia terá descoberto em estado<br />
selvagem. E ainda por lá andam, esses homens<br />
– neste caso nos baldios do Douro<br />
que por estas alturas se vai enchendo do<br />
frio que queima – a ver se apuram o que a<br />
terra e o seu húmus e a sua vontade transformam<br />
numa presença quase impossível<br />
de esquecer em cada Natal.
14 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
A MINHA ECONOMIA<br />
A importância do riso<br />
e das ‘gaffes’ políticas<br />
na economia francesa.<br />
Um ensaio por<br />
Fernando Pacheco.<br />
Enquanto isso,<br />
Tim Harford ensaia<br />
a aplicação de mais<br />
alguns princípios<br />
da economia<br />
comportamental<br />
para ajudar um leitor<br />
nas suas decisões.<br />
Tim Harford<br />
Querido<br />
Economista<br />
Fui recentemente informado que o meu cargo<br />
será eliminado no final do mês. O meu<br />
empregador oferece-me dois meses de<br />
indemnização. Estou a pensar em mudar de<br />
indústria, da finança para as tecnologias verdes,<br />
e mudar-me dos EUA para a Europa. Tenho<br />
quase trinta anos, sou solteiro e tenho<br />
disponibilidade para viajar e mudar de país –<br />
algo que, quando encontrar um novo emprego,<br />
talvez já não esteja em condições de fazer.<br />
Mas uma mudança deste tipo pode ser difícil e<br />
demorar mais de dois meses. Também posso<br />
continuar na cidade onde vivo e aceitar outro<br />
emprego na mesma indústria com relativa<br />
facilidade. Será que devo pensar bem antes de<br />
aceitar um novo emprego, ficar no desemprego<br />
durante algum tempo, ou devo jogar pelo<br />
seguro e arranjar emprego já?<br />
Jeremy<br />
Caro Jeremy,<br />
“A economia comportamental”, que funciona<br />
na fronteira entre a psicologia e a economia, dá-<br />
-nos uma série de pistas. Mas, infelizmente, a<br />
suas mensagens são contraditórias.<br />
Por um lado, pode estar a sofrer de “desconto<br />
hiperbólico” – uma tendência para atentar<br />
demasiado os custos imediatos e ignorar as<br />
vantagens a longo prazo. Tem três ou quarto<br />
décadas pela frente e, no entanto, só pensa nas<br />
poucas semanas durante as quais estará<br />
desempregado.<br />
O economista Johannes Spinnewijn descobriu<br />
que as pessoas que procuram trabalho tendem a<br />
ser demasiado optimistas quanto às suas<br />
hipóteses de encontrar rapidamente uma nova<br />
ocupação. Provavelmente está a subestimar os<br />
riscos, pensando ao mesmo tempo demasiado<br />
nos mesmos.<br />
Coloquemos de parte as contradições da<br />
economia comportamental e viremo-nos antes<br />
para a história económica. A experiência sugere<br />
que os grandes projectos de transformação – a<br />
GrandeMarchadeMaoeo‘jackpot’ da energia<br />
nuclear no Reino Unido – acabaram em<br />
desastre. É sempre melhor adoptar uma<br />
abordagem gradual. O seu plano consiste em<br />
mudar de indústria ou de continente, ou passar<br />
de uma situação precária para uma situação de<br />
desemprego. Será assim tão difícil tentar uma<br />
carreira de sonho passo a passo?<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />
Fernando Pacheco<br />
Riréomelhor<br />
remédio<br />
A senhora Christine Lagarde acaba de ser<br />
escolhida pelos seus pares como a melhor<br />
ministra do governo francês, ao mesmo tempo<br />
que bateu o recorde velho de dezassete anos de<br />
longevidade à cabeça da economia e finanças,<br />
até aqui nas mãos de Dominique Strauss-Kahn<br />
com dois anos e cinco meses. Relembre-se que<br />
ainda o mês passado um júri do “Financial<br />
Times” a tinha designado melhor ministro das<br />
finanças europeu. Nada mal para quem era<br />
apontado, dois anos atrás, como ‘gaffeur’ e de<br />
quem se dizia ser como o peru: não passaria do<br />
Natal. Aliás, em Fevereiro de 2008 a sua<br />
demissão foi anunciada duas vezes nos jornais.<br />
Christine Lagarde é de facto uma pessoa<br />
especial. Já lá vai o tempo em que era a Madame<br />
Lagaffe por no pico dos preços do petróleo<br />
recomendar que “se ande de bicicleta” e a<br />
quem, em plena crise, os deputados se referiam<br />
como “está tudo bem, senhora Marquesa”<br />
devido ao seu optimismo. A primeira mulher a<br />
habitar Bercy mandou substituir o tapete do<br />
gabinete por um horrível, tipo pele de zebra,<br />
para “ter a certeza que, quando falo, ninguém<br />
está a olhar para o chão” e é hoje citada quando<br />
diz coisas como “o risco, na política, é<br />
tornarmo-nos endógenos.” E a verdade é que a<br />
economia francesa resistiu melhor à crise do que<br />
muitas por estar melhor posicionada: não<br />
atravessava uma fase de forte especulação<br />
imobiliária, não estava tão exposta aos<br />
mercados externos por não depender na mesma<br />
medida das exportações e evidenciou maior<br />
estabilidade de emprego por o sector público ser<br />
mais importante.<br />
Mas não se pense que o governo francês ficou<br />
sem ‘gaffeur’ de serviço. E se a anedota do aluno<br />
que mentia na escola sobre a profissão dos pais<br />
por estes trabalharem em empresas financeiras<br />
ficou famosa graças à senhora Bachelot, a<br />
mesma que no dia 16 de Novembro passou uma<br />
viagem no avião presidencial a contar piadas<br />
de louras, o campeão incontestável – eleito<br />
pelos pares – é o senhor Kouchner. Foi ele que<br />
disse num conselho de ministros a um colega:<br />
“Sei que ofenderei a sua modéstia dizendo que<br />
foi excelente, mas mesmo assim vou fazê-lo”; é<br />
ele que, um mês antes das europeias, confessava<br />
“não sei em quem votar”; é ainda ele que antes<br />
das eleições afegãs opinava que uma segunda<br />
volta seria uma catástrofe para, na<br />
inevitabilidade desta, dizer que “era uma coisa<br />
muito boa para a democracia.”<br />
Será Kouchner o melhor ministro europeu de<br />
2010? Serão as ‘gaffes’ boas para a economia?<br />
Valeria a pena desenvolver um projecto de<br />
investigação para avaliar o impacto destas<br />
nos índices de confiança e de clima económico.<br />
É que, como se vê na terra de Astérix, com<br />
as ‘gaffes’ nem tudo são tristezas, o que<br />
indubitavelmente deve dar alguma animação –<br />
aos franceses e francesas, ‘forcément’<br />
aos mercados.
Bestof<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 15<br />
Miúdos | Há alturas na vida em que gostaríamos<br />
de ser pirralhos. Por muitas razões. Ter uma<br />
bicicleta Early Rider é uma delas. São giras<br />
a valer. E mais importante, são manufacturadas<br />
(com o carinho que os mais pequeninos<br />
merecem) em contraplacado marítimo<br />
de madeira proveniente de florestas nórdicas<br />
sustentáveis, selim em pele sintética ajustável<br />
e rodas em alumínio. Filosofia ‘sit-and-go’,<br />
sentar e equilibrar-se com os pés no chão.<br />
Pedais, não há. À venda na Gadgetoys em Sintra<br />
(Terrugem) e no ‘site’ www.gadgetoys.pt.<br />
A da foto é de uma Evolution Rider (dos três<br />
e meio aos seis anos) e custa 165 euros.
16 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Omelhorcinemade2009<br />
já se pode ver em casa<br />
Primeiro elegemos os melhores filmes do ano. Depois fomos ver se já estavam editados em<br />
DVD. Trazemos-lhe duas notícias, uma boa e outra má. A boa é que já pode levar o melhor<br />
cinema de 2009 consigo para casa. A má é que quase todas as edições são muito pobrezinhas<br />
Chegamos ao fim do ano com a<br />
forte impressão de que houve<br />
poucos, muito poucos filmes<br />
bons nos cinemas entre Janeiro<br />
e Dezembro; e que cada<br />
vez vemos menos bons filmes<br />
todos os anos. Depois, pegamos nas<br />
listas de estreias, começamos a peneirar os<br />
títulos, e vamos descobrindo um, dois,<br />
quatro, meia-dúzia, um cachinho de fitas<br />
que desmente a frase de Jean-Luc Godard,<br />
“Estou à espera da morte do cinema”. Pois<br />
pode ser que um dia morra, mais ainda não<br />
foi este ano.<br />
A outra boa notícia é que cinco dos oito<br />
filmes que elegemos como melhores de<br />
2009 já podem ser levados para casa em<br />
DVD e servir de prenda neste Natal e que os<br />
restantes três deverão estar cá fora ainda<br />
antes do final do ano. A má notícia é que as<br />
edições são quase todas muito modestas em<br />
extras. O mercado do DVD em Portugal parece,<br />
aliás, viver entre o oitoeo80.Osfilmes<br />
ou saem parcimoniosíssimos de extras<br />
(o ‘trailer’, umas fotografias e acabou-se)<br />
ouentão-nomeadamenteosgrandeclássicos<br />
ou os ‘blockbusters’ mais recentes -<br />
aparecem em edições a rebentar de bónus,<br />
material inédito e outras prendas.<br />
Há também os meios termos envergonhados,comoéocasodomelhorfilmedeste<br />
ano, “Gran Torino”, de e com Clint<br />
Eastwood (deverá ter sido o seu último papelnocinema,esaidatelapelaportamaior)<br />
cujo DVD tem como extras um documentáriosobrearelaçãodamasculinidadecomosautomóveisvistososnaculturanorte-americana,eoutrossobrecarrosclássicos.Eque<br />
bem que teria sabido uma entrevistazinha<br />
com Eastwood, por exemplo.<br />
Bem pior está outro filme com um tema<br />
intrinsecamente americano, o do último<br />
hurra!, a última oportunidade para brilhar<br />
de um ‘loser’ que já teve um lugar ao sol e o<br />
perdeu: “O Wrestler”, de Darren Aronofsky,<br />
que é também o regresso por cima<br />
deumMickeyRourkesaídodofundodavaleta<br />
de Hollywood. Nem um extrazinho que<br />
Pegamos nas listas<br />
de estreias do ano e<br />
vamos descobrindo<br />
um cachinho de<br />
fitas que desmente<br />
a frase de Jean-Luc<br />
Godard, “Estou à<br />
espera da morte do<br />
cinema”. Pois pode<br />
ser que um dia<br />
morra, mais ainda<br />
não foi este ano<br />
se aproveite. Continuando no cinema americano,<br />
haja pelo menos um dos melhores<br />
filmes de 2009 com uma edição em DVD<br />
que se apresente e dê gosto ver. A animação<br />
digital “Up-Altamente”, de Pete Docter e<br />
Bob Peterson, saída dessa fábrica de maravilhas<br />
chamada Pixar/Disney, além da ousadia<br />
de ter um velhinho (e dos rabugentos)<br />
porpersonagemprincipal,apresenta,entre<br />
outros, na versão em DVD, duas novas curtas<br />
animadas da casa, “Parcialmente Nublado”<br />
e “A Missão Especial de Dug”, ou<br />
ainda uma cena alternativa sobre o que<br />
pode ter acontecido ao vilão da fita.<br />
Omesmojánãosucedecomumadasmaravilhas<br />
que passaram pelos cinemas este<br />
ano, também animada (mas esta por processos<br />
tradicionais), o feérico “Ponyo à Beira-Mar”,<br />
de Hayao Miyazaki. É que o DVD<br />
deste novo filme do mestre nipónico do desenhos<br />
animado é uma secura de extras. E<br />
como seria bom termos nem que fosse um<br />
documentáriosobreaformacomoMiyazaki<br />
faz os seus filmes, ou sobre os seus Estúdios
Ghibli.Outrosdosfilmesenormementeacima<br />
da média que se estrearam este ano é<br />
fantástico, a discreta e ori<strong>gina</strong>líssima história<br />
de vampiros adolescentes “Deixa-me<br />
Entrar”, do sueco Tomas Alfredson, situada<br />
nos antípodas da série “Crepúsculo”. Só que<br />
em termos de extras, a edição, de fantástico<br />
para mostrar não tem nada.<br />
Oextraordinário“EstadodeGuerra”,de<br />
Kathryn Bigelow, não contente em ser um<br />
dos melhores filmes de 2009, é também o<br />
melhor filme sobre a guerra do Iraque feito<br />
até agora, e um dos mais notáveis filmes de<br />
guerra - corrijo: sobre homens em guerra -<br />
de sempre, centrado nos soldados “invisíveis”<br />
cuja missão é desarmar explosivos e<br />
armadilhas. Ainda não pode levar a fita<br />
para casa porque ainda não saiu em DVD,<br />
mas ela mais do que merecia ser acompanhada<br />
por bons extras, como por exemplo<br />
um farfalhudo ‘making of’ (Bigelow chegou<br />
a ter o projecto de ir filmar mesmo no<br />
Iraque, mas depois teve o bom senso de optar<br />
pela Jordânia).<br />
Os nossos dois últimos grandes filmes<br />
de 2009 provém, respectivamente, de<br />
França e do Japão. São eles “Séraphine”,<br />
de Martin Provost, que conta a histórica<br />
verídica da pintora ‘naif’ Séraphine de<br />
Senlis (1864-1942), contornando todos os<br />
lugares-comuns, situações-feitas e piedades<br />
em geral das biografias de artistas<br />
(ainda por cima, a biografada era uma aldeã<br />
simples e morreu louca); e “Andando”,<br />
de Hirokazu Kore-eda, que filma as<br />
relações, as tensões, os choques e as<br />
cumplicidades entre os membros de uma<br />
família que se junta todos os anos para assinalar<br />
o aniversário da morte de um dos<br />
seus membros, com a delicadeza, a reserva,<br />
os subentendidos e o estetoscópio de<br />
emoções de um Ozu, embora Kore-eda<br />
não precise para nada da referência ao<br />
mestre, porque tem um estilo que é só<br />
seu. Ambos os filmes estão à beira de sair<br />
em DVD, e teremos que esperar uns dias<br />
para ver se, no capítulo dos extras, são<br />
oito ou 80. VICTOR SILVÉRIO<br />
GRAN TORINO<br />
Realizado por: Clint Eastwood<br />
Com: Clint Eastwood, Christopher Carley<br />
e Ahney Her<br />
Nomeado para o Globo de Ouro para<br />
melhor música ori<strong>gina</strong>l<br />
ANDANDO<br />
Realizado por: Hirokazu Koreeda<br />
Com: Hiroshi Abe, Yui Natsukawa<br />
e Kazuya Takahashi<br />
UP – ALTAMENTE<br />
Realizado por: Pete Docter<br />
e Bob Peterson<br />
Com vozes de: Edward Asner,<br />
Christopher Plummer e Jordan Nagai<br />
Nomeado para dois Globos de Ouro<br />
ESTADO DE GUERRA<br />
Realizado por: Kathryn Bigelow<br />
Com: Jeremy Renner, Anthony Mackie<br />
e Brian Geraghty<br />
Nomeado para três Globos de Ouro<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 17<br />
SÉRAPHINE<br />
Realizado por: Martin Provost<br />
Com: Yolande Moreau, Ulrich Tukur e<br />
Anne Bennent<br />
Vencedor de sete prémios nos Césares<br />
O WRESTLER<br />
Realizado por: Darren Aronofsky<br />
Com: Mickey Rourke, Marisa Tomei<br />
e Evan Rachel Wood<br />
Nomeado para dois Óscares<br />
PONYO À BEIRA-MAR<br />
Realizado por: Hayao Miyazaki<br />
Com vozes de: Yuria Nara, Hiroki Doi<br />
e Jôji Tokoro<br />
Nomeado para o Leão de Ouro<br />
em Veneza<br />
DEIXA-ME ENTRAR<br />
Realizado por: Tomas Alfredson<br />
Com: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson<br />
e Per Ragnar
18 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Os ‘standards’ do fado<br />
Em “Fados do Fado”, Katia Guerreiro decidiu dedicar um disco inteiro<br />
a recuperar clássicos. E contou-nos a história de cada escolha<br />
Em “Fados do Fado”, Katia<br />
Guerreiro regressa ao conforto<br />
dos clássicos. Músicas a<br />
que podíamos chamar ‘standards’,<br />
tão boas que se foram<br />
eternizando em várias vozes<br />
ao longo do tempo. A ideia do disco surgiu<br />
num avião – a fadista ainda dá mais concertos<br />
no estrangeiro que em Portugal –<br />
poucos meses depois do álbum de ori<strong>gina</strong>is,<br />
Fado, e antes do início dos seus dez<br />
anos de carreira, em 2010, que irão iniciar-se<br />
com um concerto com a Filarmónica<br />
de Berlim.<br />
O alinhamento de um disco “de impulso”<br />
foi fácil: “Foram óbvios os temas a incluir.<br />
Há algum tempo que as músicas me<br />
cantavam nos ouvidos”, diz a fadista. Ao<br />
facto não será alheio o cada vez maior interesse<br />
do público pelo fado, uma nova rádioqueotoca24horas...ParaKatiaistoé<br />
mais que uma moda: “Ninguém é, nem<br />
pode ser, indiferente à música que mais<br />
mexe com a intimidade, a mais pura verdade<br />
das emoções.”<br />
“Fados do Fado” é um disco integrador:<br />
para quem gosta do estilo mas tem medo de<br />
se aborrecer com letras modernas que não<br />
conhece, e para os que sabem o valor de ter<br />
novas versões de coisas antigas. “A recuperação<br />
é fundamental para que não se esqueçam<br />
os protagonistas e impulsionadores<br />
do fado”, explica Katia. “A partir daí<br />
sim, criar e encontrar novos caminhos”. É<br />
o caso da sua interpretação lenta de “Gaivota”,<br />
de Amália, um dos primeiros que<br />
cantou, ainda na sua terra, São Miguel, nos<br />
Açores. Ou da versão feminina de “Procuro<br />
e Não te Encontro”: quando o canta, é<br />
inevitável vir-nos à imagem Tony de Matos,<br />
o galã que cantava este fado de mãos<br />
nos bolsos. “Agora Choro à Vontade” ganhou<br />
um significado especial. Natércia<br />
da Conceição, a sua protagonista, morreu<br />
quando Katia ia entrar em estúdio. “Recebi<br />
uma carta de uma amiga que cuidou dela<br />
nos últimos cinco anos, dizendo-me<br />
que quando lhe perguntavam quem era a<br />
voz da nova geração que mais gostava, respondia<br />
sempre o meu nome. Coisas estranhas<br />
da vida”. Ou, simplesmente, o fado.<br />
CATARINA CARVALHO<br />
OS FADOS DO FADO<br />
–<br />
KATIA GUERREIRO<br />
–<br />
JBJ E VICEVERSA<br />
A HISTÓRIA DE CADA FADO<br />
1. VIRA DOS MALMEQUERES<br />
Faz parte do cancioneiro Popular da região de Santarém,<br />
foi cantado por Raul Solnado, e gravado por vários<br />
artistas como Tonicha.<br />
2. ARRAIAL<br />
Com letra e música de João Ferreira Rosa, este tema foi<br />
oferecido a João Braga que acabou por não gravar, tendo<br />
sido recuperado por Nuno da Câmara Pereira e mais<br />
tarde cantado pelo próprio João Ferreira-Rosa. Em 2001<br />
pedi ao João que cantasse este tema numa noite de fados<br />
no Casino Estoril.<br />
3. ROSINHA DOS LIMÕES<br />
Com letra e música de Artur Ribeiro, foi gravado por<br />
Max, Francisco José. Artur Ribeiro foi um importante<br />
compositor, sendo também intérprete, autor de muitos<br />
clássicos também presentes neste disco.<br />
4. AGORA CHORO À VONTADE<br />
Letra de Guilherme Pereira da Rosa, director do desaparecido<br />
jornal “O Século”, e música de Eugénio Pepe.<br />
Um dos maiores sucessos de Natércia da Conceição. A<br />
fadista Natércia da Conceição morreu a 19 de Outubro<br />
deste ano, por coincidência, enquanto estava em estúdio<br />
a gravar este disco.<br />
5. LISBOA À NOITE<br />
Autoria de R. Portela, J. Galhardo e A.Vale. Fado cantado<br />
na revista “Não Faças Ondas “, em 19<strong>56</strong>, por Milú.<br />
6. PROCURO E NÃO TE ENCONTRO<br />
Este fado tem letra de António José e música de Nobre<br />
Sousa. Foi celebrizado por Tony de Matos, e também foi<br />
cantado por Fernando Maurício.<br />
7. FADO DA SINA<br />
Celebrizado por Hermínia Silva, pertence, segundo julgo,<br />
à banda sonora do filme “Um Homem do Ribatejo”,<br />
de Henrique Campos (1946).<br />
8. NEM ÀS PAREDES CONFESSO<br />
Um clássico absoluto. Foi celebrizado por Tristão da Silva<br />
e Max.<br />
9. GAIVOTA<br />
Letra de Alexandre O’Neill e música de Alain Oulman<br />
Este fado faz parte do disco “Com que Voz”, gravado no<br />
início da década de 70. É hoje considerado um dos melhores<br />
álbuns de Amália Rodrigues.<br />
10. NAMORICO DA RITA<br />
Letra de Artur Ribeiro e música de António Mestre<br />
Celebrizado por Amália, também foi gravado por Tony<br />
de Matos no Brasil em 1957.<br />
11. HÁ FESTA NA MOURARIA<br />
Com Poema de Gabriel de Oliveira e música de Alfredo<br />
Marceneiro. Nos meados dos anos 20, Gabriel de Oliveira<br />
- “o poeta marujo” – escreve uma letra de fado com<br />
o título “Senhora da Saúde”, que dá em primeira mão a<br />
Alfredo Marceneiro, que o canta com a música “A Marcha<br />
do Marceneiro.” Nos anos 60 a editora “Valentim<br />
de Carvalho” produz o LP “Há Festa na Mouraria”, em<br />
que Marceneiro grava o poema, da autoria de António<br />
Amargo, mas com a música da sua “marcha”, porque a<br />
versão de Gabriel de Oliveira já tinha sido gravada por<br />
Amália Rodrigues e outros, e Marceneiro que tinha sido<br />
o criador, não quer gravar o que os outros já gravaram.<br />
12. AMAR<br />
Poema de Florbela Espanca, fado gravado por Teresa<br />
Silva Carvalho, na década de 70. Foi o primeiro fado que<br />
cantei, ainda nos Açores, junto de amigos do rancho folclórico<br />
de Santa Cecília de que fazia parte.
Anos 20 em Nova Iorque<br />
Dois coreógrafos fazem um elogio à música de<br />
Gershwin em forma de dança. Pelo meio, trazem-nos<br />
um espectáculo inesquecível que fala de fantasmas<br />
vinte em Nova Iorque!” dizia<br />
“Quesortetervinteanosnosanos<br />
Ernest Hemingway. E com razão<br />
– como se prova no espectáculo que<br />
ontem estreou no Grande Auditório da<br />
Culturgest, ‘Good Morning, Mr. Gershwin’,<br />
e que ainda pode ver hoje, às<br />
21h30m e amanhã pelas 17h00m.<br />
Inspirados nos fantasmas da Broadway<br />
onde divagam ‘pin up’s’, cinema e músicas<br />
cantadas pelos melhores intérpretes,<br />
José Montalvo e Dominique Hervieu oferecem-nos<br />
um poema visual cheio de sensualidade,<br />
sonho e fantasia. ‘Good Morning,<br />
Mr. Gershwin’ é uma ode coreográfica<br />
que serve de tributo ao compositor<br />
americano Gershwin, que tão bem escreveu<br />
para a dança.<br />
Depoisde,emMaiode2008,teremmontado,<br />
a convite da Ópera de Lyon, ‘Porgy<br />
and Bess’, de George Gershwin, os dois coreógrafos<br />
voltam a inspirar-se no compositor<br />
americano nesta nova obra. Percebe-se<br />
porquê: os três partilham o facto de partirem<br />
de melodias e danças populares (o folclore<br />
judeu e o jazz, no caso de Gershwin, a<br />
dança hip-hop ou africana, no caso dos co-<br />
reógrafos) e trabalharem-nas de forma erudita.<br />
Numa escondida representação da segregação<br />
racial, somos, inicialmente, seduzidos<br />
por uma Broadway dos anos 20. Num<br />
estilodedançahipnotizadorecomumafesta<br />
submarina projectada numa tela onde<br />
vemos sereias voluptosas, os intérpretes<br />
deslumbram-nos os sentidos e adormecem<br />
adesconfiançadoquepoderávir.Eaverdade<br />
é que os acordes de ‘The Man I Love’<br />
anunciam a tempestade. ‘Summertime’ é o<br />
êxtase dos duetos masculinos. Belos, sérios<br />
e pesados. ‘Porgy’ abre as portas do inferno.<br />
Em George Gershwin e em Montalvo-<br />
-Hervieu tudo assenta na escrita, na sintaxe<br />
e no ritmo que atravessam os temas. Vestidos<br />
com as cores do mundo de hoje, os dois<br />
coreógrafos presenteiam os espectadores<br />
com um espectáculo inesquecível. Um espectáculo<br />
onde a moral da história vem disfarçada<br />
com talento, ima<strong>gina</strong>ção e muita<br />
música. Para a tentar encontrar, já sabe<br />
ondecomeçar:GrandeAuditóriodaCulturgest.<br />
Bilhetes a 20 euros. Menores de 30 pagam<br />
cinco euros.<br />
LUÍSA DE CARVALHO PEREIRA<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 19<br />
A MINHA FICÇÃO<br />
Patrícia Reis<br />
Do imenso frio<br />
de ser só<br />
O vento rasgava a pele e o corpo temia em ajeitar-se<br />
numa dança, puxando para a direita, descompassado.<br />
Por fim: a porta do registo criminal da nova cidade da<br />
Justiça de Lisboa, para os lados do Parque das Nações,<br />
antigo edifício embargado que o Estado fez o favor de<br />
maquilhar com lagos artificiais e demais arvoredo.<br />
A mulher entrou na urgência de se poupar à<br />
temperatura cruel. Assim que a porta de vidro se fechou<br />
apressou-se a retirar a senha para o atendimento. A sala<br />
estava gelada e vazia. Os números no placard digital<br />
pareciam estar igualmente congelados. A mulher<br />
esfregou as mãos e optou por se sentar. À sua frente<br />
estava o maior espectáculo de neve dos últimos anos.<br />
Recordou-se das idas ao circo e à pista de gelo quando<br />
era mais pequena. Claro que em criança o frio não se faz<br />
sentir, mas isso é uma coisa que se esquece depois,<br />
quando o corpo começa a atraiçoar-nos.<br />
Os funcionários do atendimento da secção do registo<br />
criminal, empenhados nos seus computadores, exibiam<br />
o pior dos ares, o mais triste, qual filme de Charlie<br />
Chaplin. Os sobretudos sobre as pernas, os cachecóis<br />
nos pescoços, os dedos vermelhos do frio.<br />
A mulher aguardou a sua vez e, perante o funcionário<br />
enregelado, perguntou:<br />
Não têm ar condicionado? Aquecedores?<br />
Ó minha senhora, aqui não há nada disso.<br />
A pergunta podia ter desatado as línguas, mas fez-se<br />
um silêncio sepulcral. A mulher sentiu que a solidão de<br />
se ser apenas um funcionário público estava ali bem<br />
patente. Um edifício novinho em folha que não foi<br />
pensado para albergar as suas funções. Em pleno século<br />
XXI é, no mínimo, triste. Mais tarde, nesse dia, passou<br />
pelas instalações do mesmo serviço nos Restauradores.<br />
Os empregados estavam já congelados. Não havia<br />
atendimento possível. A mulher abrigou-se de novo,<br />
certidões na mão, e fez-se ao entardecer da cidade.<br />
Pensou que lhe apetecia escrever em letras grandes algo<br />
como “Do imenso frio de se ser só”.<br />
Escritora
20 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Lusa<br />
Ao abrigo da arte<br />
Estaéahistóriadeumconcursoquecombinaarquitectura e natureza,<br />
arte e sustentabilidade. É promovido pelo Museu Guggenheim de Nova<br />
Iorque e foi ganho por um português. Uma inspiração no momento<br />
em que o mundo decide o que está disposto a fazer pelo ambiente<br />
Apesar dos esforços e desenvolvimentos<br />
políticos que<br />
se traduzem na organização<br />
de eventos como o COP15 –<br />
a mega cimeira que terminou<br />
ontem em Copenhaga<br />
– e através das notícias trazidas a público<br />
durante todo o tempo em que esta decorreu,<br />
ficamos a conhecer a difícil tarefa a<br />
que se propõem as grandes instituições<br />
mundiais. A responsabilidade de desenvolvimento<br />
de uma atitude sustentável –<br />
eco-lógica - perante o panorama em que<br />
se situa o nosso planeta, não pode assim ficar<br />
dependente da actuação dos grandes.<br />
É essa a mensagem que se tem tentado<br />
passar e que, efectivamente, tem dado resultados.<br />
A comprová-lo está o exemplo dado por<br />
um grupo de acção ligado ao mundo da<br />
cortiça em Portugal. Utilizando as novas<br />
tecnologias de informação, mais precisamente<br />
o Facebook, a Confraria do Sobreiro<br />
e da Cortiça, através da sua chanceler, Teresa<br />
Ramada-Curto, movimentou uma<br />
alargada acção de divulgação e sensibilização<br />
relativamente a um concurso internacional<br />
baseado na questão da arquitectura<br />
sustentável.<br />
O concurso, de título “Design it: Shelter<br />
Competion”, havia sido lançado pelo Museu<br />
Guggenheim, Nova Iorque. A proposta<br />
era a de, na sequência das exposições Frank<br />
Loyd Whright: From Within Outward e<br />
Learning by Doing, e convidar arquitectos<br />
amadores e profissionais de todo o mundo a<br />
realizarem um projecto em 3D, utilizando<br />
ferramentas do Google (Google SketchUp e<br />
Google Earth). O tema a abordar: a conceptualização<br />
de um abrigo que se poderia localizar<br />
em qualquer local do globo, considerando<br />
fundamentalmente as preocupações<br />
evidenciadas por toda linha de pensamento<br />
e actuação de Frank Loyd Whrigt,<br />
baseada na analogia entre a arquitectura e a<br />
natureza. “Pode o seu abrigo relacionar-se<br />
com o enquadramento natural e construído<br />
que o rodeia?” era o desafio lançado. A par<br />
dessa condição elementar, deveria ter uma<br />
dimensão específica e uma distribuição espacial<br />
determinada. Os materiais, obviamente,<br />
deveriam corresponder aos imperativos<br />
sustentáveis que serviam de pilar a<br />
toda a acção e serem provenientes da zona<br />
de implantação. Não tardou a que David<br />
Mares (n. 1983) tivesse conhecimento do<br />
mesmo e a pôr mãos à obra, tirando partido<br />
das características da cortiça e apelidando o<br />
seu projecto de CBS - Cork Block Shelter.<br />
Este foi escolhido entre os quase 600 enviados<br />
à instituição, provenientes de 68 países.<br />
Contando com o apoio da Confraria do<br />
Sobreiro e da Cortiça e através das redes de<br />
comunicação contemporâneas, recebeu os<br />
64.875 votos que o fizeram vencedor do<br />
People’s Prize. É constituído por uma estrutura<br />
rectangular cujas paredes de cortiça<br />
promovem uma protecção térmica que<br />
O abrigo pensado<br />
pelo português<br />
David Mares foi<br />
o mais votado pelo<br />
público de todo o<br />
mundo entre os 600<br />
projectos que foram<br />
submetidos<br />
a concurso<br />
se traduz numa defesa face ao microclima<br />
da localização em que se situa, Vale de Barris,<br />
que se caracteriza por uma amplitude<br />
profunda entre o calor seco e o frio húmido.<br />
Como afirmou David Mares, “a sua fachada<br />
dinâmica permite uma interacção visual –<br />
numarelaçãoprivilegiadacomanatureza–<br />
no contexto quotidiano de estudo ou trabalho,<br />
ao mesmo tempo que, quando necessário,<br />
facultando uma necessária privacidade,<br />
quando em modo de descanso”.<br />
O arquitecto estará este fim de semana<br />
em Nova Iorque, onde terá a honra de receber<br />
o seu prémio, e dessa forma, divulgar<br />
uma das mais importantes actividades<br />
económicas do nosso pais, a extracção e<br />
indústria da cortiça. Segundo a UNAC –<br />
União de Florestas Mediterrânica – este é<br />
ainda uma campo económico profundamente<br />
afectado pela actual crise e para o<br />
qual se exige uma politica de implementação<br />
de medidas que o revigorem. E atitudes<br />
destas vêm com certeza dinamizar a<br />
sensibilização para a questão económica a<br />
todos os níveis, inclusive o da sustentabilidade,<br />
assim como a divulgação e promoção<br />
dos produtos portugueses no mundo.<br />
Com apenas 33 anos, este arquitecto,<br />
natural de Setúbal, recebe assim, o seu<br />
primeiro prémio internacional. (ver o vídeo<br />
do projecto em www.guggenheim.org/new-york/press-<br />
-room/news/3064).<br />
MARIA DO CARMO ESPÍRITO SANTO
Ulf Andersen/GettyImages<br />
A histeria O’Neill<br />
É o livro de que se fala. Um dos finalistas do Booker<br />
Prize que Obama leu e aconselhou ao mundo.<br />
O mundo foi atrás e fez ‘Netherland’ um ‘best-seller’<br />
Joseph O’Neill, 45 anos, meio irlandês,<br />
meio turco, criado na Holanda<br />
e a viver em Nova Iorque, alcançou<br />
fama mundial com um romance que dá<br />
uma outra visão sobre o terror do 11 de<br />
Setembro, centrando-se no quotidiano<br />
de um homem e no modo como a solidão<br />
molda a vida. Neste livro, vencedor do<br />
prémio PEN/Faulkner e finalista da edição<br />
do Booker Prize, o escritor serve-se<br />
do enredo histórico para construir uma<br />
narrativa onde disseca sentimentos tão<br />
básicos como o amor ou a amizade, mas<br />
de forma sedutora para o mais desprevenido<br />
dos leitores, facilmente atraído pela<br />
malha narrativa apertada, sem espaço<br />
para grandes respirações. De um fôlego.<br />
“Netherland, Terra de Sombras”, o terceiro<br />
livro de ficção de O’Neill, tem como<br />
cenários as cidades de Londres e Nova Iorque<br />
e um narrador holandês, Hans van den<br />
Broek, corrector da bolsa que, em 1998,<br />
deixa a capital londrina para se instalar em<br />
Manhattan. “Na minha última tarde de<br />
trabalho antes de apanhar o avião de Londres<br />
para Nova Iorque – Rachel partira seis<br />
semanas antes –, estava a encaixotar objectos<br />
pessoais no meu cubículo, quando<br />
um vice-presidente sénior do banco, um<br />
inglês na casa dos cinquenta anos, me veio<br />
dar felicidades. Fiquei surpreendido – o<br />
homem trabalhava noutra parte do edifício,<br />
noutro departamento, e conhecíamo-<br />
-nos apenas de vista. Ainda assim, quis saber<br />
ao pormenor onde eu tencionava morar<br />
(“Watts? E em que quarteirão?”) e falou<br />
durante vários minutos sobre o seu ‘loft’ na<br />
Wooster Sreet e sobre as suas idas ao Dean<br />
& DeLuca ‘ori<strong>gina</strong>l’. Nem se esforçou por<br />
disfarçar a inveja.”<br />
A ideia era ficar nos EUA por um ano,<br />
mas a estada de Hans prolonga-se, já sem<br />
Rachel e o filho que voltaram a Londres. É<br />
então que Hans entra num circuito de<br />
emigrantes nova-iorquinos onde vive<br />
Chuck (coincidência de nomes esta, com o<br />
da crónica de João Tordo), parceiro de<br />
croquete. Sozinho, Hans percorre esses<br />
meandroseconheceoterroreatristeza<br />
com uma dimensão que jamais concebera<br />
como possível.<br />
Joseph O’Neill desmonta o sonho americano<br />
num livro que conquistou o presidente<br />
Obama. Isso explica grande parte da<br />
histeria à volta. Mas não toda.<br />
ISABEL LUCAS<br />
NETHERLAND<br />
–<br />
JOSEPH O’NEILL<br />
–<br />
BERTRAND<br />
O MEU DRAMA<br />
João Tordo<br />
Fuck Chuck<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 21<br />
Os tempos mudam, e de que maneira. Para os que,<br />
como eu, consumiram demasiada televisão e mau<br />
cinema nos anos oitenta existiram fenómenos que,<br />
com o passar dos anos, se transformaram em mitos.<br />
Um destes fenómenos foi o do pessoal da porrada.<br />
Na minha escola não havia miúdo que não tivesse um<br />
cromo / caderneta / dossier / t-shirt (pais ricos) com<br />
estas figuras épicas. Eram de diferentes nacionalidades<br />
e bairros sociais, mas todos massacravam em defesa<br />
de um ideal comum chamado América que, em plena<br />
Guerra Fria, andava a ressacar de coisas a rebentar e<br />
corpos mutilados; a porrada passou a figurar no grande<br />
ecrã em vez de nas selvas do Vietname. Vocês sabem<br />
de quem falo: do inefável Stallone, do incompreensível<br />
Schwarzenegger, do amaricado Van Damme e, ‘last but<br />
not least’, do malévolo Steve Seagal, que se limitava<br />
a estropiar todos os oponentes que se lhe atravessavam<br />
no caminho (e que, mais tarde, estropiou outras coisas,<br />
incluindo raparigas menores de idade; mas, caramba,<br />
era preciso sermos muito estúpidos para não perceber<br />
que o ‘look’ “porteiro de discoteca” escondia grandes<br />
ambições). A esta galeria de notáveis acrescento Chuck<br />
Norris. Vejo-o injustiçado e esquecido, sempre<br />
relembrado pelo seu trabalho mais medíocre<br />
(“O Ranger do Texas”) e nunca pelo mais hediondo<br />
(“Desaparecido em Combate”), como mandam as<br />
regras. Na altura circulavam certos rumores sobre<br />
Norris que ficaram por comprovar. Por exemplo:<br />
se tiveres cinco dólares e o Chuck tiver cinco dólares,<br />
ele tem mais dinheiro que tu; o Chuck consegue<br />
espirrar com os olhos abertos; o Chuck já contou até ao<br />
infinito – duas vezes; o Chuck nunca dorme, limita-se<br />
a esperar que a noite passe. Factos, provavelmente<br />
verdadeiros, ainda por demonstrar. O que não está<br />
por demonstrar é a sua inteligência superior. Fervoroso<br />
apoiante republicano, tem tecido críticas demolidoras<br />
à administração de Obama, e esta semana insurgiu-se<br />
contra a reforma do sistema de saúde proposta pelo<br />
presidente americano, dizendo que, segundo aquele,<br />
Jesus nunca teria existido, porque Maria teria abortado.<br />
“O que seria do mundo?”, pergunta o herói numa<br />
coluna de opinião (!). Eu acho a preocupação legítima,<br />
porque, tal como Jesus, também se diz de Chuck que<br />
a sua mãe era virgem; imaginem o que seria se, em<br />
tempos imemoriais, quando Norris nasceu, Obama<br />
fosse o presidente eleito e a mãe de Chuck tivesse<br />
abortado; o que seria do mundo sem Walker, o Ranger<br />
do Texas? Outro rumor provavelmente verdadeiro:<br />
a Terra resvalaria para um buraco negro; Lúcifer<br />
(certamente um negro) ascenderia ao trono,<br />
conduzindo a espécie humana ao final dos tempos;<br />
“Fuck Chuck”, diria o capeta. E depois Norris<br />
gerava-se a si próprio, dava-lhe uma sova,<br />
e salvava o mundo. Já se viram coisas mais estranhas.<br />
Escritor
22 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Roubar a arte ao lixo<br />
São candeeiros, móveis, objectos que vão além<br />
da decoração. Têm a assinatura de Gezo Marques,<br />
um criativo com atelier no Bairro Alto,<br />
e agora estão à venda na Mood, em Santos.<br />
Decoração? Transformação<br />
Transforma o velho em novo.<br />
Dá-lhe novas funcionalidades<br />
e afirma que quando vende<br />
uma das peças que muitas<br />
vezes ressuscita do lixo sente<br />
dor de pai. As peças têm<br />
nome próprio. Têm uma ficha de identidade.<br />
Têm história. Quando elas vão para<br />
algum lugar é como “se um filho tivesse<br />
ido embora”. Decoração? Talvez seja pouco<br />
para definir o trabalho que Gezo Marques,<br />
director de arte, veio desenvolver<br />
em Portugal depois de ser seleccionado<br />
num concurso, em São Paulo. Veio por um<br />
ano. Pelo menos, esse era o combinado<br />
com a família. “Foi fazer as malas, deixar<br />
tudo e vir para cá”, conta sorrindo. Já lá<br />
vão doze anos e a vontade de partir ainda<br />
não chegou. “Foi paixão à primeira vista.”<br />
E quem é Gezo Marques? Não quer definições<br />
sobre o que faz. Um criativo. Este<br />
brasileiro não se considera um artista. Enquanto<br />
director de arte, trabalha com todos<br />
os meios de comunicação tradicionais.<br />
Mas depois sente a necessidade de expressar<br />
essa criatividade com outros materiais.<br />
“Expresso-me através das telas, camisas,<br />
candeeiros, móveis e objectos.<br />
Adoro produzir coisas. Adoro inventar”.<br />
Foi algo que veio da infância. “Os meus<br />
pais, mais do que inspiração, desafiavam-<br />
-nos. Foi uma infância feliz“. Gezo relembra<br />
as idas ao “ferro-velho” com o pai e as<br />
irmãs, onde procuravam coisas para transformarantes“daondaedamodadareciclagem.<br />
O que podemos tirar e fazer de coisas<br />
que já não têm serventia?” Esta era a<br />
forma como o pai os estimulava. “É uma<br />
forma muito desafiadora de colocar a criatividade<br />
para fora, de olhar as peças e as<br />
coisas com outros olhos. Elas podem transformar-se<br />
em outra coisa”, lembra o artista,<br />
agora com atelier no Bairro Alto, inaugurado<br />
no passado domingo. “Nasceu de<br />
uma necessidade”, diz. É que a expressão<br />
artística de Gezo ocupa espaço e esse ia faltando<br />
em casa. Para lixar, martelar, atear<br />
fogo e arrastar móveis à noite. Gezo explica<br />
ainda que o trabalho em comunicação “é<br />
muito terciarizado. O resultado final envolve<br />
muita gente, muitas mãos, muitas<br />
opiniões”. A oficina funciona como espaço<br />
em que “fecho a porta e desenvolvo exactamenteoquequero,daformaquequero.Ese<br />
tiver que desfazer e fazer de novo, isso é<br />
uma necessidade mais do que um desejo”.<br />
Sobre o facto de ser no Bairro Alto, Gezo<br />
brinca, “se fossemos ver, o bairro não é<br />
nada indicado porque nunca consigo estacionar<br />
na rua. Não consigo descer as latas<br />
de tinta; não consigo parar na porta para<br />
transportar coisas grandes mas é encantador.<br />
E a oficina… Foi o espaço que me encontrou<br />
e não o contrário”. Também sobre<br />
a oficina costuma dizer que é “tipo 112. Costumo<br />
pegar em peças em muito mau esta-<br />
Paulo Alexandre Coelho<br />
A oficina de Gezo Marques<br />
localiza-se no Bairro Alto, na rua<br />
João Pereira da Rosa, nº8<br />
do, e às vezes encontro peças na rua, costumo<br />
dizer que ela passa pelo desfibrilhador.<br />
Dávidadenovo.Éressuscitarcoisasquetão<br />
mortas ou moribundas”. Acha graça e dá-<br />
-lhe muito prazer ver uma peça que estava<br />
completamente abandonada ou no lixo<br />
transformar-se num objecto de desejo,<br />
“que fica na casa das pessoas e que enche o<br />
coração das pessoas quando vêem a peça.<br />
Deixa-me muito satisfeito e faz-me procurar<br />
mais coisas. Serve-me como estímulo”.<br />
Não tem o preconceito de achar redutor o<br />
atributo de decorativo a uma obra de arte.<br />
Quando a peça nasce, nasce com tanta força<br />
que é mais forte do que um rótulo. Nunca<br />
se preocupou com isso. É visceral o produzir,<br />
o pintar, o expressar, o transformar<br />
coisas. O que as pessoas vão considerar decorativo<br />
ou arte, para ele é indiferente<br />
Ontem, a loja Mood inaugurou com uma<br />
exposição sua. O convite surgiu de alguém<br />
que se apaixonou pelo seu trabalho. “Cuidei<br />
mais do que colocar peças. Palpitei muito<br />
no conceito, na decoração. Escolhi e fiz peças<br />
específicas para serem exibidas e vendidas<br />
lá. Foi o primeiro desafio de loja e foi<br />
muito interessante”.<br />
Acredita que o seu trabalho é um conceito<br />
que vem de dentro. Um trabalho<br />
que dá nova vida. Se o publicitário vai descansar<br />
e ficar o artista? “Deus te ouça”,<br />
diz entre gargalhadas.<br />
LUÍSA DE CARVALHO PEREIRA
White<br />
Christmas<br />
Évintage mas acabado de criar,<br />
em pleno século XXI. O novo<br />
perfume da criadora portuguesa<br />
Ana Salazar foi lançado na passada<br />
terça-feira. Pelas mãos de Alberto Morillas<br />
– perfumista de renome que assinou<br />
fragrâncias de sucesso como CK One,<br />
Kenzo Flower, YSL M7, Carolina Herrera<br />
212, entre muitas outras – que uma vez<br />
mais aplica a sua experiência ao serviço<br />
de um perfume por medida. Desta feita,<br />
à medida da irreverente casa Salazar,<br />
com a qual colabora pela segunda vez.<br />
Um aroma que, com certeza, não deixará<br />
ninguém indiferente, à semelhança<br />
do primeiro perfume que Morillas assinou<br />
para a estilista portuguesa. Adoça os<br />
sentidos com notas de limão e bergamota.<br />
Depois invadem-nos o olfacto a flor de<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 23<br />
Se Maomé não vai à montanha, vem a montanha a Maomé. Que é como quem diz,<br />
se não tem tempo de dar um saltinho a Paris, as velas aromáticas do famoso Hôtel<br />
Costes (na não menos conhecida rue de St. Honoré, onde co-habitam as marcas<br />
mais luxuosas) vêm até si. Feitas de ingredientes naturais. E como o Natal (dos<br />
filmes) se quer vestido de branco, a sugestão é uma imaculada vela de gengibre,<br />
banana, cedro e lírio. Em fundo, o som de “White Christmas”, na voz de Bing<br />
Crosby, o single mais vendido de todos os tempos. Disponíveis apenas em Concept<br />
Stores - na Colette, em Paris, no Barneys, em Nova Iorque, entre outras - estas<br />
velas estão agora mais perto, na Casa do Passadiço, em Braga. Por <strong>56</strong> euros.<br />
Vintage<br />
na hora<br />
ANA SALAZAR EAU DE PARFUM<br />
–<br />
50 ML - 54,00 EUROS<br />
–<br />
100 ML - 82,00 EUROS<br />
laranjeira natural e o jasmim de Grasse<br />
(cidade e comuna francesa, situada nos<br />
Alpes Marítimos, na Costa Azul, famosa<br />
pela perfumaria graças ao facto de um<br />
quarto do território ser uma reserva<br />
natural, onde abundam oliveiras e flores).<br />
Nas notas de base – responsáveis pela<br />
duração da fragrância – , sente-se<br />
o almíscar especial (patenteado pela<br />
Firmenich, um produtor internacional<br />
de perfumaria) acompanhado de cedro<br />
e patchouly. O frasco leva-nos de volta no<br />
tempo, até aos anos 20 do século passado,<br />
sorvendo inspirações Art Déco. Os tons?<br />
O preto. Sempre. Imagem de marca da<br />
própria criadora. Disponível em tamanho<br />
de 50 ml e numa versão de 100 ml,<br />
apresentada numa luxuosa embalagem<br />
preta. Uma ajuda nos presentes de Natal.
24 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Majestoso<br />
A terceira geração do Audi A8 prima pela alta qualidade dos materiais,<br />
pelo luxo e pelo conforto a bordo, bem como por elevados níveis de segurança<br />
que oferece. Vai estar à venda a partir do início do próximo ano<br />
Onovo Audi A8 cresceu em<br />
tamanho, ainda que tenha<br />
diminuído de peso e aumentado<br />
a rigidez da sua<br />
carroçaria, e isso contribuiu<br />
para o ar majestoso que agora<br />
o caracteriza, quer pela aparência mais<br />
moderna e dinâmica que assumiu quer<br />
pelos elevados níveis de conforto e de segurança<br />
que oferece. A tudo isto juntam-<br />
-se um desenho sedutor, motores potentes<br />
de grande rendimento e eficiência,<br />
uma infinidade de dispositivos de ajudas<br />
ao condutor e um sistema MMI (Multi Media<br />
Interface) ainda mais avançado.<br />
Em relação à geração anterior, as diferenças<br />
são assinaláveis em todos os domínios,<br />
a começar no facto do ar sóbrio e<br />
austero que apresentava ter dado lugar a<br />
uma silhueta mais desportiva. Aliás, reconhecida<br />
pela própria marca quando faz<br />
questão de sublinhar que esta “é a berlina<br />
mais desportiva do seu segmento”.<br />
E é isso que salta à vista logo que se olha<br />
para este novo Audi A8, que tem uma<br />
frente que chama a atenção não apenas<br />
pela grelha redesenhada como pelos faróis<br />
que passam a ser a imagem de marca<br />
deste modelo, ao utilizarem a tecnologia<br />
LED em todas as suas funcionalidades,<br />
das luzes diurnas aos médios e máximos.<br />
Ainda que não o possa parecer, esta geração<br />
cresceu em todos os sentidos, com o<br />
comprimento a situar-se agora nos 5,13<br />
metros (mais 8 cm do que o seu antecessor),<br />
contra 1,94 m de largura (mais 10<br />
cm) e 1,46 cm de altura (apenas mais 2<br />
cm). A distância entre eixos aumentou 5<br />
cm, para 2,99 m, o que permitiu tornar o<br />
habitáculo ligeiramente mais amplo,<br />
além da capacidade da bagageira subir<br />
para os 510 litros.<br />
No interior é onde estão algumas das<br />
melhorias introduzidas neste Audi A8,<br />
com destaque para o ecrã táctil, onde se<br />
pode marcar o número de telefone desejado<br />
ou simplesmente digitar as letras da<br />
direcção do destino que se pretender seguir<br />
através do sistema de navegação.<br />
Por outro lado, os bancos são autênticas<br />
poltronas com funções de aquecimento,<br />
ventilação e massagens, mesmo os de<br />
trás, que dispõem igualmente de regulação<br />
eléctrica.<br />
A Audi quis ainda recriar diferentes<br />
ambientes a bordo através da utilização<br />
de LEDs de cores variadas, podendo mudar-se<br />
a tonalidade do interior através de<br />
um comando.<br />
Quanto a motores, de início estão previstos<br />
apenas dois, ambos V8: um a gasolina,<br />
o 4.2 FSi (372cv), e o outro o turbodiesel<br />
4.2 TDi (350cv). Num e noutro<br />
caso, vêm associados à caixa automática<br />
Tiptronic de oito velocidades. Para mais<br />
tarde está prevista a introdução de um<br />
outro motor Diesel, o 3.0 TDi, que vê a<br />
sua potência aumentada de 233 para<br />
250cv e irá dispor ainda do sistema<br />
“Stop/Start”, por forma a reduzir as<br />
emissões e baixar os consumos.<br />
No capítulo da segurança, a este novo<br />
Audi A8 não lhe falta nada, estando no<br />
topo das preferências o sistema que detecta<br />
e tenta evitar colisões, analisando<br />
através do radar não apenas o tráfego<br />
como os veículos que seguem atrás.<br />
CORREIA DE OLIVEIRA<br />
Um dos elementos<br />
a destacar na nova<br />
geração Audi A8<br />
é, sem dúvida,<br />
o seu equipamento<br />
áudio, que tem<br />
a assinatura<br />
da Bang&Olufsen,<br />
dispondo no<br />
habitáculo de nada<br />
menos que 19<br />
altifalantes
Em boa Companhia<br />
(das Quintas)<br />
O reforço da presença de Miguel Paes do Amaral<br />
no sector dos vinhos já está a fazer-se sentir.<br />
O seu universo empresarial parece o paraíso: vinhos<br />
e livros (e outras coisas despiciendas)<br />
ACompanhia das Quintas está em processo de consolidação<br />
da sua estrutura accionista (liderada por<br />
António Parente e Miguel Paes do Amaral) e a reciclar<br />
a sua estratégia, apontando-a para o aumento<br />
das exportações (em mercado como o Brasil, Angola<br />
e Estados Unidos) e para novos investimentos<br />
(entre três a cinco milhões de euros) ao nível das quintas do Douro<br />
que fazem parte dos seus activos; com tudo isto, o grupo quer<br />
crescer em termos de facturação, pretendendo ultrapassar os 11<br />
milhões de euros a médio prazo (este ano deverá ficar pelos dez<br />
milhões, tal como em 2008), segundo informação veiculada por<br />
um dos seus administradores, Bernardo Gouveia.<br />
Mas isso agora não importa nada: muito mais importante é<br />
passarmos a conhecer as novidades vínicas que acompanham estas<br />
alterações entediantes do lado menos vistoso do grupo –<br />
aquele que tem a ver com os balanços, previsões, provisões e outros<br />
aborrecimentos que estragam o dia-a-dia dos contabilistas.<br />
A Companhia das Quintas acaba de comprar – pela mão sempre<br />
atenta de Miguel Paes do Amaral, há já muito ligado aos vinhos – a<br />
Quinta da Fronteira, situada no Douro Superior, junto a Barca<br />
d’Alva. A propriedade tem 94 hectares de área, dos quais 52 estão<br />
cobertos com vinha e, mais importante que isso, passarão a vinificar<br />
sob o olhar atento do enólogo Jorge Serôdio Borges – para quem<br />
os vinhos que o Douro Superior são capazes de produzir representam<br />
um enorme desafio.<br />
Para a nova aquisição ser devidamente comemorada, a Companhia<br />
das Quintas acaba de lançar no mercado um Fronteira Reserva<br />
2007 – ano que aparentemente nunca vai deixar de surpreender<br />
os aficcionados dos vinhos. Produzido a 60% com Touriga<br />
Nacional, 20% com Touriga Franca e 20% com Tinta Roriz, o<br />
Fronteira Reserva estagiou 18 meses em barricas de carvalho<br />
francês, antes de, por 18 euros a unidade, ter sido lançado no<br />
mercado. Se ser de 2007 e do Douro já era um sinal garantido de<br />
qualidade, ser um reserva quer dizer que não vale a pena estar a<br />
perder-se tempo com palavreado. O vinho vai em grande sintonia<br />
com qualquer prato de assado e de caça, como também irá<br />
sem qualquer desprimor para os fundos de uma cave até ser redescoberto<br />
daqui por uma mão cheia de anos.<br />
Outra novidade é um espumante oriundo da Quinta do Cardo<br />
(Beiras) que tem uma característica adicional àquelas que costumam<br />
acompanhar os vinhos deste género produzidos pelo<br />
grupo: cada uma das sete mil garrafas lançadas no mercado é<br />
diferente de todas as outras. É que cada garrafa passou pelas<br />
mãos de artistas que fazem parte da Associação Nacional de Famílias<br />
para a Integração de Pessoas Deficientes. O espumante –<br />
que se apresenta um nível considerável, custando 20 euros por<br />
exemplar – tem por isso esse pequeno senão: seria uma pena<br />
que, no final da sua degustação, a garrafa fosse parar a um vidrão.<br />
ANTÓNIO FREITAS DE SOUSA<br />
O novo espumante<br />
da Quinta do Cardo<br />
merece uma<br />
atenção especial.<br />
Por duas razões:<br />
pelo que está<br />
dentro da garrafa<br />
e pela própria<br />
garrafa, que é uma<br />
espécie de pequena<br />
obradearte<br />
que vale a pena<br />
não deitar<br />
ao vidrão<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 25
26 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
BEST OF<br />
Bolo rei em Agosto<br />
O rei de Espanha é fã e há menos de um mês passou por Portugal<br />
e levou para Madrid o famoso bolo rei da Garrett Estoril, a pastelaria<br />
onde há 75 anos o doce natalício é feito todos os dias, todo o ano<br />
TEXTO BÁRBARA SILVA / FOTOS PAULA NUNES<br />
Osegredo está na massa. Literalmente.<br />
Pouco passa<br />
das nove da manhã e na<br />
pastelaria Garrett do Estoril<br />
o pequeno-almoço<br />
toma-se com vista para o<br />
mar. As primeiras fornadas de bolo rei<br />
vendem-se ainda a fumegar. Cheira a<br />
Natal e o melhor é que é assim todos os<br />
dias, todo o ano. Na Garrett há sempre<br />
bolo rei, mesmo no pico do calor, em<br />
Agosto. Até para quem não é especialista,<br />
à primeira dentada percebe-se a diferença:amassaétãofofaquesedesfazna<br />
boca. A gula custa 17,50 euros por quilo.<br />
O segredo, esse, vamos descobri-lo alguns<br />
metros mais abaixo, na fábrica da<br />
pastelaria, onde o ‘chef’ José Fernando<br />
trabalha há quase 40 anos. Começou<br />
como aprendiz no dia 13 de Maio de 72, tinha<br />
14 anos. Hoje é o único que ainda se<br />
lembra do forno a lenha que ocupava<br />
quase metade da fábrica, onde se coziam<br />
os bolos rei feitos segundo a receita especial<br />
que o fundador da Garrett do Estoril<br />
(inaugurada a 7 de Julho de 1934, já lá vão<br />
75 anos) foi buscar a França para tentar<br />
fazer o melhor bolo rei de Portugal.<br />
Enquanto descasca tangerinas para o<br />
recheio das broas castelar, o ‘chef’ José<br />
revela o segredo do bolo capaz de converter<br />
até os mais cépticos: farinha, açúcar<br />
e ovos (verdadeiros, sublinha), água<br />
sem calcário (graças a um revitalizador<br />
caríssimo importado do estrangeiro),<br />
frutas caseiras (figo, laranja, abóbora,<br />
pêra, cereja, cristalizadas ali mesmo, do<br />
zero), frutos secos nacionais (nozes, pinhões,<br />
amêndoas) e, à saída do forno,<br />
umapinceladadegeleiadelaranjapara<br />
dar o brilho final. Outro truque: a massa<br />
nãolevafermentoelevedasozinha,pelo<br />
calor, numa estufa de fermentação (uma<br />
espécie de frigorífico ao contrário).<br />
Começam a trabalhar às seis da manhã<br />
e duas horas depois, quando as portas<br />
abrem ao público já há bolo rei quentinho,<br />
vendido 365 dias por ano. “Há pessoas<br />
que têm sempre bolo rei em casa”,<br />
conta o senhor Casaleiro, dono da Garrett<br />
do Estoril desde 1998. Os fornos nunca<br />
param e a montra nunca está vazia. Não<br />
se vendem bolos da véspera (mesmo que<br />
no dia a seguir a massa ainda esteja fofa).<br />
Os bolos rei são feitos ao longo de todo o<br />
dia. Impera a lei da oferta e da procura:<br />
chegam a vender centenas de bolos e,<br />
com o aproximar do Natal, formam-se<br />
enormes filas à porta da pastelaria. Para<br />
quem quer inovar há também bolo rei de<br />
maçã reineta e o, não menos real, bolo<br />
rainha, para quem não gosta das frutas<br />
cristalizadas ou prefere uma versão menos<br />
calórica e açucarada.<br />
Parar no Estoril, entrar na Garrett e<br />
comer uma fatia de bolo rei é uma experiência<br />
no seu todo, a começar pelo porteiro<br />
que está à porta, a cumprimentar os<br />
clientes e a ajudar a transportar as caixas<br />
com guloseimas para o carro. Os fãs da<br />
mítica pastelaria são muitos e famosos.<br />
Juan Carlos, rei de Espanha, esteve recentemente<br />
no Estoril para participar a<br />
Cimeira Ibero-Americana e não dispensou<br />
uma “visita” à Garrett. Não pessoalmente,<br />
claro, por causa dos paparazzis,<br />
mas enviou lá um membro do seu ‘staff’<br />
buscar pastéis de nata e meia dúzia de bo-<br />
“Há pessoas que<br />
têm sempre bolo<br />
rei em casa”, conta<br />
o senhor Casaleiro,<br />
dono da Garrett do<br />
Estoril desde 1998.<br />
Os fornos nunca<br />
param e a montra<br />
nunca está vazia.<br />
Os bolos rei são<br />
feitos ao longo<br />
detodoodia<br />
los rei, para levar para Madrid, para os<br />
netos. Marcelo Rebelo de Sousa também é<br />
um cliente habitual, e o autor de uma resenha<br />
dos 75 anos de história da pastelaria.Eseo‘chef’JoséFernandoéamemória<br />
mais antiga da Garrett do Estoril, António<br />
Casaleiro Ramos, de 62 anos, é a<br />
alma do negócio. Nasceu em Mafra e começou<br />
a trabalhar na área de hotelaria<br />
aos 11 anos, na discoteca Ouriço, na Ericeira,<br />
onde era grumo (acendia os cigarros,<br />
pendurava os casacos, mudava cinzeiros).<br />
Depois trabalhou no Hotel Turismo<br />
da Ericeira e foi sócio dos restaurantes<br />
Visconde da Luz e Luzmar, em Cascais.<br />
Comprou a Garrett do Estoril em Dezembro<br />
de 1998, aos herdeiros do fundador,<br />
quando a pastelaria estava quase a fechar.<br />
Encontrou um espaço envelhecido e decadente,<br />
mas com clientes muito fiéis.<br />
HojeaGarrettdoEstoriléavidadosenhor<br />
Casaleiro e o enérgico proprietário é<br />
a vida da pastelaria que na última década<br />
já passou por várias obras e transformações.<br />
A mais recente foi há três anos: a<br />
nova decoração ficou a cargo do arquitecto<br />
Francis Leon e a Garrett ganhou<br />
uma nova esplanada (e mais 80 lugares,<br />
aumentando para um total de 155), em<br />
formato de varanda, de onde se vê o mar.<br />
António Casaleiro investiu tudo na<br />
Garrett do Estoril. Os bastidores da pastelaria<br />
são um mundo à parte, onde existe<br />
um enorme depósito de água com capacidade<br />
para mais de cinco mil litros e um<br />
gerador. É que pode não haver água nem<br />
luz, mas o bolo rei da Garrett do Estoril<br />
nunca pode faltar à mesa do Natal.<br />
Nos reinos do bolo<br />
. Lisboa .<br />
. .<br />
.<br />
CONFEITARIA NACIONAL<br />
Fundada em 1829, pertence à mesma família<br />
há cinco gerações e foi fornecedora da Casa<br />
Real. Uma das especialidades é o bolo rei,<br />
o mais antigo de Portugal, cuja receita foi<br />
trazida de França pelo filho do fundador<br />
em meados do século XIX.<br />
.<br />
PRAÇA DA FIGUEIRA 18 - LISBOA<br />
TEL. 213424470<br />
PASTELARIA CALIFA<br />
Em Benfica, o lema da casa Califa (fundada<br />
em 1968) é “Uma Doce Tradição” e uma<br />
das especialidades é o bolo rei. É uma<br />
das pastelarias mais emblemáticas de Lisboa,<br />
com tradição nos bolos e salgados de fabrico<br />
próprio.<br />
.<br />
ESTRADA DE BENFICA 463, LISBOA<br />
TEL. 217785030<br />
CONFEITARIA MARQUÊS DO POMBAL<br />
É famosa pelo bolo rainha e pelo bolo rei<br />
dourado, coberto com fios de ovos, que também<br />
tem amêndoa, uma mistura de sultanas com<br />
amêndoa palitada e pinhão, cereja e noz.<br />
Na versão normal são usadas claras de ovos,<br />
caju e fruta cristalizada.<br />
.<br />
AVENIDA DA LIBERDADE 244- B, LISBOA<br />
TEL. 213<strong>56</strong>2362
O segredo da<br />
massa: farinha,<br />
açúcar, ovos, frutas<br />
caseiras (figo,<br />
laranja, abóbora,<br />
pêra, cereja,<br />
cristalizadas ali<br />
mesmo, do zero),<br />
frutos secos<br />
nacionais (nozes,<br />
pinhões, amêndoas)<br />
e, à saída do forno,<br />
uma pincelada de<br />
geleia de laranja<br />
para dar o brilho<br />
final. Outro truque:<br />
a massa não leva<br />
fermento<br />
. Porto .<br />
. . .<br />
CONFEITARIA TAVI<br />
Fundada em 1935, a Tavi é conhecida<br />
como a Confeitaria da Foz, com uma esplanada<br />
sobre o mar. A carta de bolos tem mais<br />
de 50 variedades. São famosos o bolo rei,<br />
o pão-de-ló e o bolo de S. João.<br />
.<br />
RUA SENHORA DA LUZ, 363, PORTO<br />
TEL. 226 180 152 / 226 100 691<br />
CONFEITARIA PETÚLIA<br />
Perto da Rotunda da Boavista, a Confeitaria<br />
Petúlia é famosa pelo bolo rei e também pela<br />
variedade de bolos e pastéis de fabrico próprio.<br />
É um salão de chá que também vende queijos,<br />
charcutaria e vinhos.<br />
.<br />
RUA JÚLIO DINIS 775, PORTO<br />
TEL. 226066181<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 27<br />
PADARIA RIBEIRO<br />
A origem da Padaria Ribeiro remonta ao século<br />
XIX, localizada na antiga Praça do Pão.<br />
Começou a fabricar bolo rei na década<br />
de 40 do século XX e hoje tem três variedades:<br />
tradicional, de frutos secos e de chila.<br />
.<br />
PRAÇA GUILHERME GOMES FERNANDES,<br />
21-27 PORTO<br />
TEL. 222 005 067
28 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
dupla imbatível<br />
Domenico & Stefano<br />
Os designers de moda Dolce & Gabbana são as estrelas do próximo filme<br />
de Rob Marshall. Uma aparição fugaz mas que enche de orgulho a dupla italiana.<br />
É que o filme é inspirado em Frederico Fellini, ele próprio uma fonte<br />
de inspiração para Domenico Dolce e Stefano Gabbana<br />
Padres. Exactamente, padres. Não se trata de uma conversão. Mas talvez se possa apelidar<br />
de um chamamento. O da sétima arte. Dolce & Gabbana, famosos designers de moda italianos<br />
, são actores no próximo filme de Rob Marshall (director de cinema e coreógrafo<br />
americano, responsável pela direcção e coreografia de filmes como “Chicago”, premiado<br />
com seis Óscares, incluindo melhor filme). Inspirado na película do realizador italiano<br />
Frederico Fellini – “8 ½” - , “Nine” conta com a participação de nomes como Sophia Loren,<br />
Daniel Day-Lewis, Nicole Kidman, Penelope Cruz, Judi Dench, Marion Cotillard, Kate Hudson e<br />
Fergie. A dupla de designers veste a pele de dois padres católicos, pequenos papeis que, no entanto,<br />
consideraram irrecusável pela homenagem ao mestre do cinema italiano, que admiram e consideram<br />
uma fonte de inspiração. “Entrar neste filme, é sobretudo uma honra”, explicou Dolce. Domenico Dolce<br />
nasceu na Sicilía e Steffano Gabbana em Milão. Juntaram-se em 1985 adoptando o nome de Dolce &<br />
Gabbana e são apontados como os lideres de uma nova moda italiana. Inicialmente desenhavam apenas<br />
para o público masculino – as colecções eram marcadas por perfis másculos, de ombros estreitos e golas<br />
altas, calças justas e indispensáveis blusões de couro. Nos anos 90 deram nas vistas ao lançar uma camisa<br />
para homem de tecido transparente colada ao corpo, com costuras bem delineadas. Foi um sucesso.<br />
Estenderam as suas criações ao sexo feminino mantendo o mesmo estilo irreverente. Madonna foi e é<br />
uma das grandes admiradoras da ‘griffe’. Actualmente, Dolce e Gabbana, a par da alta-costura, têm<br />
também uma linha mais informal e de custo mais acessível designada por D&G. Gisele Bündchen, Monica<br />
Bellucci, Isabella Rossellini e Kylie Minogue são algumas das estrelas que se apresentam com roupas<br />
dos dos italianos. Aquela que é uma das mais importantes marcas de alta-costura do mundo possui<br />
mais de cem lojas próprias espalhadas por dezenas de países. “Nine”, cuja data de estreia nas salas portuguesas<br />
está prevista para Janeiro próximo, apresenta “um trabalho fantástico e o elenco é fabuloso. Não poderíamos<br />
por isso estar mais contentes por termos sido escolhidos, mesmo que tenha sido para aparecer de<br />
uma forma fugaz”, rejubila Gabbana. CRISTINA S. BORGES<br />
Dolce & Gabbana via Bloomberg
FUTEBOL<br />
No meio-campo estará<br />
a chave do clássico<br />
Por causa das baixas de Jesus e das dúvidas de Jesualdo o Benfica-Porto<br />
de domingo começará a decidir-se nas escolhas dos treinadores<br />
para o meio-campo<br />
TEXTOS JOÃO NUNO COELHO / FOOTBALL IDEAS<br />
Miguel Vidal/Reuters<br />
Origem dos golos de benfica<br />
e FC Porto na liga 2009/10<br />
LIGA 2009/10 BENFICA FC PORTO<br />
Ataque organizado 11 14<br />
Contra-ataque 6 2<br />
Bola parada 20 11<br />
Esteja o Sp. Braga pelos ajustes<br />
(e não ganhe em Paços de Ferreira)<br />
e o clássico pode para já decidir o<br />
“Campeão de Natal”, dado que, para sermos<br />
rigorosos, o de Inverno apenas se conhecerá<br />
no fim da primeira volta do campeonato.<br />
Isto depois do FC Porto ter recuperado<br />
cinco pontos nas últimas três jornadas<br />
e surgir na Luz aparentemente em<br />
melhor momento do que os encarnados,<br />
até porque, ao contrário daqueles, se<br />
apresenta na máxima força.<br />
Vai ser a estreia do duelo Jesus-Jesualdo<br />
enquanto técnicos dos dois gigantes e<br />
aguardam-se com ansiedade as suas opções,<br />
mormente na zona fulcral do relvado:<br />
o meio-campo. E aí se poderá decidir<br />
muita coisa.<br />
Jorge Jesus chega ao clássico com o seu<br />
miolo debilitado pelas ausências de Ramires<br />
(lesionado), Di Maria e Coentrão (suspensos).<br />
Perde assim uma das características<br />
fundamentais do processo ofensivo encarnado:<br />
a velocidade nas transições defesa-ataque<br />
habitualmente coroada com os<br />
cruzamentos para a área. Incólume ficará<br />
(se Aimar recuperar até domingo) a vertente<br />
mais criativa do jogo benfiquista, as-<br />
Os principais municiadores de jogo<br />
de FC Porto e Benfica na liga 2009(10<br />
Os “mais” de cada equipa (médias/jogo) BENFICA FC PORTO<br />
Assistências Fábio Coentrão - 6 Falcão - 4<br />
Passes de ruptura Saviola - 2.1 Belluschi – 1.9<br />
Cruzamentos Di Maria - 7 Meireles – 4.3<br />
segurada pelo argentino, com a colaboração<br />
de Javier Saviola, que recua muitas vezes<br />
para a posição 10, o que resulta em combinações<br />
entre os dois jogadores, habitualmente<br />
através de passes curtos na zona em<br />
frente à área adversária.<br />
Sem o elemento velocidade disponível,<br />
prevê-se que Jesus aposte num meio-<br />
-campo mais musculado, com César Peixoto<br />
na esquerda e Carlos Martins na direita.<br />
Os dois portugueses, apesar de serem<br />
pouco rápidos, garantem uma boa<br />
qualidade de passe e de cruzamento.<br />
A resposta de Jesualdo deverá privilegiar<br />
igualmente a contenção e a solidez<br />
defensiva no centro do terreno, a exemplo<br />
do que tem feito nos jogos fora de casa<br />
na Liga dos Campeões. Assim, o colombiano<br />
Guarin tem mais possibilidades de<br />
jogar de início do que o argentino<br />
Belluschi, já que fornece ao meio-campo<br />
a força e consistência defensiva que aquele<br />
não garante. Não é por acaso que Guarin<br />
tem jogado mais do que o seu concorrente<br />
directo na Liga dos Campeões. Ou seja,<br />
poderá muito bem ser a resposta para o<br />
dilema do interior-direito que Jesualdo<br />
continua a viver na presente temporada.<br />
Vai ser a estreia<br />
do duelo Jesus-<br />
-Jesualdo enquanto<br />
técnicos dos dois<br />
gigantes e<br />
aguardam-se com<br />
ansiedade as suas<br />
opções, mormente<br />
na zona fulcral<br />
do relvado: o meio-<br />
-campo. E aí se<br />
poderá decidir<br />
muita coisa<br />
Histórico: 75 jogos<br />
> 40 VITÓRIAS DO BENFI-<br />
CA (53%) ;<br />
> 23 EMPATES (31%);<br />
> 12 VITÓRIAS DO FC<br />
PORTO (16%)<br />
Resultado típico<br />
> 1 x 1 (13 jogos)<br />
Maior vitória do Benfica<br />
> 12X2(1942/43)<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 29<br />
BENFICA-FC PORTO,<br />
Estádio da Luz,<br />
Amanhã, 20.15, Sportv1<br />
Quim<br />
Maxi Luisão David Luiz shaffer<br />
Javi Garcia<br />
Carlos Martins César Peixoto<br />
Aimar<br />
Saviola<br />
Rodriguez<br />
Falcão<br />
Fernando<br />
Helton<br />
Cardozo<br />
Varela<br />
Raúl Meireles Guarin<br />
Álvaro Pereira Bruno Alves Rolando Fucile<br />
Maior vitória do FC<br />
Porto<br />
> 0-2 (1950/51)<br />
ÚLTIMOS 5 JOGOS<br />
> 2008/09 1 x 1<br />
> 2007/08 0 x 1<br />
> 2006/07 1 x 1<br />
> 2005/06 1 x 0<br />
> 2004/05 0 x 1<br />
O principal objectivo será impor dificuldades<br />
de criação aos pensadores de<br />
jogo do Benfica, Aimar e Saviola, o que poderá<br />
mesmo implicar uma adaptação no<br />
sistema de jogo de Jesualdo, que já por várias<br />
vezes utilizou Cristian Rodriguez<br />
como quarto elemento do meio-campo<br />
quando a equipa defende.<br />
O uruguaio não é um centro-campista<br />
de raiz, mas teve na época passada um<br />
papel preponderante no reforço do sector<br />
intermédio, a partir do seu posicionamento<br />
como extremo-esquerdo. Rodriguez<br />
foi muitas vezes o elemento-<br />
-chave no equilíbrio da equipa, baseado<br />
na flexibilidade entre o 4-4-3 (no processo<br />
ofensivo) e o 4-4-2 (no momento<br />
defensivo), assegurando maior consistência<br />
ao conjunto, designadamente em<br />
jogos da Liga dos Campeões, nos quais se<br />
tornam mais prementes as dificuldades<br />
de actuar com apenas três elementos no<br />
meio-campo.<br />
Ficará então apenas um problema para<br />
Jesualdo resolver - qual dos avançados se<br />
sentará no banco: Falcao, Varela ou Hulk?<br />
Afinal de contas, um problema que muitos<br />
treinadores gostariam de ter.
30 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
FUTEBOL<br />
Simon Kuper<br />
A felicidade<br />
possível<br />
dos americanos<br />
Algo de invulgar aconteceu nas<br />
universidades norte-americanas no mês<br />
passado. Dois colegas, mais propriamente<br />
Northeastern e Hofstra, duas figuras de<br />
relevo dessa modalidade conhecida por<br />
futebol americano durante mais de 70<br />
anos, de repente pararam. O futebol<br />
tornara-se, de repente, demasiado caro.<br />
Em plena recessão, e a poucos dias dos<br />
jogos de Inverno do Bowl, será que<br />
estamos a voltar à sanidade, algo que os<br />
críticos destes jogos há um século vêm<br />
reclamando?<br />
O excesso de futebol americano nas<br />
universidades atingiu níveis de absurdo<br />
desde os anos 90, escreve Michael Oriard<br />
no seu novo livro “Bowled Over” . As<br />
universidades injectam dinheiro que não<br />
têm no futebol. “Numa perspectiva<br />
razoavelmente objectiva, “afirma Oriard,<br />
“é caso para apelar aqui para a<br />
necessidade de reformas. Querer que um<br />
treinador de futebol ganhe tanto como o<br />
reitor de uma universidade é obviamente<br />
uma coisa de loucos.” Oriard sabe do que<br />
está a falar. Jogou futebol americano para<br />
a Universidade de Notre Dame e para a<br />
NFL antes de se tornar professor de Inglês<br />
na Oregon State University. O seu<br />
discurso pauta-se pela contenção e pela<br />
reflexão. Mas, à semelhança de muitos<br />
críticos e impulsionadores do futebol<br />
universitário, não parece perceber qual o<br />
objectivo por trás do futebol<br />
universitário.<br />
E não se cansa de identificar os abusos no<br />
desporto. Alguns jogadores abandonam a<br />
universidade iletrados, depois de anos a<br />
jogar aí futebol ininterruptamente. Não<br />
são pagos e, no entanto, as universidades<br />
que os acolhem continuam a estoirar<br />
fortunas em centros de formação e treino<br />
e voos pela América, recrutando muitas<br />
vezes “hospedeiras” cuja tarefa é aliciar<br />
os jovens para a universidade certa. A<br />
grande maioria das universidades perde<br />
dinheiro com os seus atletas, mas a<br />
reputação de muitas das suas equipas de<br />
futebol consegue superar muitas vezes a<br />
da própria universidade. E esta loucura<br />
agrava-se a cada ano que passa.<br />
Os argumentos em defesa do futebol<br />
universitário são provavelmente<br />
infundados. O futebol não parece<br />
convencer os antigos estudantes a<br />
apostarem numa carreira na<br />
universidade, para além de que também<br />
não atrai melhores estudantes.<br />
“Ganhamos -se muitas vezes bons<br />
jogadores mas perdemos bons<br />
académicos”, afirma Oriard.<br />
Mas estas críticas não falham muitas<br />
vezes neste ou naquele ponto. O futebol<br />
universitário não existe para tornar as<br />
universidades mais ricas ou melhores. O<br />
seu trabalho consiste em tornar os<br />
americanos mais felizes e conferir-lhes<br />
uma sensação de pertença. Oriard está<br />
bem ciente disso. “Um desafio de futebol<br />
no Michigan ou no Alabama,“ escreve,<br />
“com as suas bandas e claques é sempre<br />
gerador de fortes afluências e de grandes<br />
celebrações após cada jogo, como um<br />
festivaldefolk...transmitindo uma<br />
sensação de comunidade, tornando-se<br />
num ritual ou numa mera questão de<br />
prazer para milhões de americanos todas<br />
as semanas no Outono.”<br />
Em centenas de cidades americanas sem<br />
equipas de desporto profissional, o que<br />
une estas pessoas tão díspares são as<br />
equipas de futebol universitário. Estas<br />
cidades auto-intitulam-se<br />
“comunidades”. O futebol faz muitas<br />
vezes com que este mundo se torne uma<br />
realidade. São vinte universidades dos<br />
EUA que têm estádios com capacidade<br />
para mais de 80 mil pessoas, mais do que<br />
o campo do Manchester United. Num<br />
estudo levado a cabo pela ESPN em 2007,<br />
72% dos americanos consideravam-se fãs<br />
do futebol universitário. Não admira<br />
assim que Thomas Joiner, autor de “Why<br />
People Die By Suicide” , tenha concluído<br />
que a taxa de suicídios baixava em<br />
Columbus, Ohio e Gainesville, Florida,<br />
sempre que a equipa de futebol local<br />
conseguia bons resultados.<br />
Tem sido uma função histórica das<br />
universidades norte-americanas<br />
financiar parte desta felicidade. Este<br />
financiamento é frequentemente muito<br />
barato, em grande parte porque estes<br />
jogadores não são pagos. As perdas anuais<br />
no futebol universitário rondarão as<br />
centenas de milhões de dólares apenas.<br />
Trata-se de uma felicidade a que os EUA<br />
ainda se podem permitir.<br />
Os jogos do Bowl têm agora<br />
patrocinadores, e os directos televisivos<br />
são vendidos por uma fortuna. Oriard<br />
mostra-se preocupado com o facto de os<br />
jogadores serem explorados. Mas as<br />
provas que refere sugerem outra coisa.<br />
Em dois grandes estudos, levados a cabo<br />
pela própria National Collegiate Athletic<br />
Association, a grande maioria afirmou<br />
estar feliz. São pagos em glória. Na<br />
verdade, metade deles nem se chegam a<br />
licenciar. Mas, sem futebol, muitos deles<br />
nunca chegariam perto de uma<br />
faculdade.<br />
Ao que tudo parece indicar, os abusos que<br />
se verificam no futebol americano só se<br />
justificam porque os americanos parecem<br />
gostar desta modalidade tal como ela<br />
está. E não deixa de ser curioso que,<br />
depois da Hofstra e Northeastern,<br />
descontentes com modalidade, seis<br />
universidades tenham decidido apostar<br />
no futebol americano na próxima época.<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />
O talismã<br />
e o mal-amado<br />
São ambos titulares indiscutíveis.<br />
Mas Helton e Quim têm histórias<br />
bem diferentes nos confrontos<br />
com o rival deste domingo<br />
TEXTO NUNO OLIVEIRA / FOOTBALL IDEAS<br />
Helton nunca perdeu com<br />
oBenficaetransformou-<br />
-se num autêntico talismã<br />
para os portista nos encontros<br />
com o grande rival.<br />
O internacional brasileiro,<br />
a actuar em Portugal<br />
desde 2003, parece fadado<br />
para a caça à águia, já que<br />
em nove encontros realizados<br />
contra o Benfica<br />
(seis pelo FC Porto, três<br />
pelo União de Leiria) nunca<br />
conheceu a derrota,<br />
contando com quatro vitórias<br />
e cinco empates.<br />
As memórias de Quim<br />
dos jogos contra o FC Porto<br />
são bem diferentes: alinhando<br />
por Sp. Braga e<br />
Benfica, o guardião realizará<br />
amanhã o seu vigésimo<br />
desafio contra os portistas,<br />
e apenas se conseguirá<br />
recordar de dois<br />
triunfos (um em cada clube),<br />
saindo derrotado por<br />
11 vezes.<br />
Na presente Liga, Quim<br />
(totalista) e Helton (apenas<br />
falhou uma partida) são<br />
dos mais utilizados nas<br />
respectivas equipas, e ainda<br />
não foram apontados<br />
como culpados por qualquer<br />
golo sofrido. Curiosamente,<br />
o portista regista<br />
mais defesas do que Quim,<br />
mas este tem sido mais valioso<br />
para a sua equipa, já<br />
que efectuou um número<br />
superior de intervenções<br />
decisivas, daquelas que<br />
salvam situações de golo<br />
adversárias (ver infografia<br />
na pá<strong>gina</strong> seguinte).<br />
Esta é uma realidade que<br />
se vem repetindo nos últimos<br />
anos. Apesar de já ter<br />
perdido a titularidade várias<br />
vezes (para Moreira e<br />
mesmo para Moretto), e<br />
não desfrutar da simpatia<br />
de muitos adeptos encarnados,<br />
desde que chegou<br />
ao Benfica em 2004, Quim<br />
tem sido o mais decisivo<br />
dos guarda-redes dos três<br />
grandes.<br />
Pode afirmar-se que em<br />
diversos campeonatos o<br />
guardião minhoto acabou<br />
com superior número de<br />
golos sofridos do que os<br />
seus congéneres, mas a<br />
realidade é que teve quase<br />
sempre que conviver com<br />
linhas defensivas frágeis,<br />
salvando amiúde a sua<br />
equipa de desaires comprometedores.<br />
Isto para já<br />
não falar do papel crucial<br />
que o guarda-redes teve na<br />
conquista do último título<br />
nacional encarnado em<br />
2004/05, após tomar conta<br />
da baliza à 15ª jornada.<br />
Por seu lado, ainda que<br />
não seja um caso de amor<br />
consensual junto dos<br />
adeptos do FC Porto, Helton<br />
não é apenas visto<br />
como um talismã nos jogos<br />
contra o Benfica. O animado<br />
guarda-redes brasileiro<br />
pode também gabar-se de<br />
contar por títulos nacionais<br />
todos as Ligas disputadas<br />
ao serviço do FC Porto<br />
(quatro), tendo ainda<br />
conquistado por duas vezes<br />
a Taça de Portugal e outras<br />
duas a Supertaça. E no<br />
futebol, como todos sabemos,<br />
os títulos são quem<br />
mais ordena, mesmo num<br />
posto tão ingrato como o de<br />
guarda-redes, em que<br />
muitas vezes apenas as falhas<br />
são recordadas.
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 31
32 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
ALDEIA GLOBAL<br />
Quioto em dias de Copenhaga<br />
Foi há 12 anos. O protocolo ambiental foi assinado e o prazo está<br />
a expirar numa cidade de templos e de engarrafamentos.<br />
Fomos a Quioto quando o mundo está de olhos em Copenhaga<br />
TEXTO ISABEL LUCAS (EM QUIOTO) / ILUSTRAÇÃO PEDRO FERNANDES
Atrás do balcão, entre vénias,<br />
sorrisos e palavras<br />
imperceptíveis para quem<br />
não sabe o significado de<br />
um caracter japonês, a mulher<br />
vai embrulhando o<br />
doce. A iguaria não tem mais de umas 50<br />
gramas e é para comer na hora. Ainda assim,<br />
nada que demova a vendedora de a<br />
embalar num embrulho invejável para<br />
qualquer joalharia. O processo não termina<br />
aqui e é um verdadeiro exercício de paciênciaparaquemesperapelaprova.O<br />
olhar hesita entre fixar-se no doce que<br />
ameaça perder-se de vista ou na velocidade<br />
com que se movem os dedos da japonesa<br />
em verdadeiros exercícios de origami.<br />
O embrulho é, então, envolto em papel e<br />
colocado num saco de plástico, cujas pegas<br />
são por sua vez enroladas numa espécie<br />
de entrançado que merece tudo menos<br />
ser desfeito. A cerimónia dura alguns minutos,<br />
mais do que aqueles que demora a<br />
perceber que o doce não era assim tão<br />
doce, que talvez fosse feito de feijão e que a<br />
massa se colava ao céu da boca qual cara-<br />
Estamos em Quioto,<br />
cidade onde há 12<br />
anos foi assinado um<br />
protocolo no qual<br />
os países mais ricos<br />
se comprometeram<br />
a reduzir o efeito<br />
de estufa. O prazo<br />
está a acabar<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 33<br />
melo de Badajoz. No fim, sobra um monte<br />
de lixo, entre plástico e papel, equivalente<br />
ao que seria necessário para embrulhar<br />
um volume da enciclopédia Britânica.<br />
Ironia. Estamos em Quioto, a cidade<br />
onde há 12 anos foi assinado um protocolo<br />
noqualospaísesmaisricosdomundose<br />
comprometeram a reduzir em mais de 50<br />
por cento as emissões de gases até 2012 e<br />
combater, desse modo, o aquecimento<br />
que ameaça o futuro do planeta. O prazo<br />
está a acabar. Estamos também a alguns<br />
milhares de quilómetros de Copenhaga,
34 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
ALDEIA GLOBAL<br />
Eriko Sugita / Reuters<br />
Os contrastes andam nas ruas de Quioto, uma cidade<br />
onde o tradicional convive como pode com as<br />
exigências dos novos tempos. Dos templos às<br />
manifestações em defesa do ambiente. Das filas de<br />
trânsito ao desperdício associado à arte de bem servir<br />
onde esse compromisso esteve até ontem<br />
a ser revisto. Mas em Quioto, nas ruas da<br />
cidade milenar, não se ouvia falar de Copenhaga,<br />
nem se viram manifestações da<br />
sede local da Greenpeace por desrespeito<br />
ao protocolo. Aí, havia um grande silêncio.<br />
O ruído fora transferido para a capital<br />
da Dinamarca deixando a cidade imperial<br />
entregue ao seu próprio som ambiente,<br />
feito de sirenes, buzinas de carros, campainhas<br />
de bicicletas, pregões nos bairros<br />
Gion e Shiju, barulho de máquinas de jogos<br />
em que vale quase tudo por um Kit-<br />
-Kat ou uma Kitty de peluche. Se Quioto<br />
não se cumpriu que se cumpra então Copenhaga,<br />
lê-se na imprensa internacional<br />
que por ali é escassa e concentrada<br />
numa única livraria no centro da cidade,<br />
bem perto daquele balcão em Gion, um<br />
dos mais antigos e melhor preservados<br />
bairros de Quioto, com uma elevada concentração<br />
de restaurantes distinguidos<br />
pelo Guia Michelin, onde a vendedora parece<br />
alheada de todas estas negociações<br />
de cúpula e se limita a cumprir a a tradição<br />
ancestral de bem servir.<br />
TRADIÇÃO VERSUS AMBIENTE<br />
Até que ponto essa tradição é ou não compatível<br />
com os preceitos dessa outra Quioto<br />
que o mundo se habituou a nomear, é<br />
coisa que dificilmente lhe irá ocorrer. Ela<br />
sabe que está ali para servir e serve o melhor<br />
que sabe. Ela e os milhões de japoneses<br />
que trabalham no sector dos serviços; os<br />
mesmos que sabem que é proibido ou, na<br />
melhor das hipóteses, há que refrear o impulso<br />
de acender um cigarro na rua para<br />
não sujar o piso; que sabe ainda da dificuldade<br />
de encontrar um caixote de lixo a<br />
cada esquina; que talvez seja um dos muitos<br />
cidadãos de Quioto que se deslocam de<br />
bicicleta para o trabalho, conhecendo o<br />
caos que pode ser o trânsito local, e que<br />
muito provavelmente não saberá que o seu<br />
país, um dos que ratificaram o tratado, é o<br />
quarto maior emissor mundial de dióxido<br />
de carbono, com 13,4 milhões de toneladas/ano,<br />
atrás dos Estados Unidos, da China<br />
e da Rússia, e que produz qualquer coisa<br />
como 53 milhões de toneladas por ano de<br />
lixo doméstico, 80% do qual é incinerado.<br />
Isso: incinerado. É que o espaço é pouco,<br />
a matéria-prima quase toda importada<br />
e reciclar é um verbo que os japoneses<br />
aprendem a conjugar desde muito cedo. E<br />
incinerar implica controlar o número de<br />
aterros numa terra sobrepovoada, onde<br />
cada pedaço de chão é sagrado, aproveitado<br />
até não sobrar nada. Mas antes, muito<br />
antes, a grande aventura após encontrar o<br />
tal caixote do lixo é perceber que esse caixote<br />
se reparte em vários; cada um com<br />
instruções sobre que tipo de lixo deve receber,<br />
algo que pode levar o mais paciente<br />
ocidental a ter um acesso de nervos e a<br />
deitar tudo no mesmo saco por saber que<br />
dificilmente irá acertar no alvo. Isto se<br />
houver instruções em inglês. Tal não é exclusivo<br />
de Quioto, mas ali tudo se agrava.<br />
Culpa do esmero do serviço levado a extremos<br />
pouco compatíveis com os princípios<br />
do protocolo ali assinado. A arte de<br />
bem separar o lixo é comum a todas as cidades<br />
do Japão. Reciclar é obrigatório e<br />
cabe a cada município decidir sobre as categorias<br />
a que deve obedecer a triagem do<br />
lixo. No mínimo cinco: incinerável, não<br />
incinerável, garrafas PET, latas de metal e<br />
ainda alumínio e vidros. Confuso? Sim.<br />
Mas pode ser de loucos se pensarmos que<br />
em Yokohama, a segunda cidade do Japão,<br />
existem dez tipos de lixo.<br />
SE QUIOTO NÃO SABE DE COPENHAGA,<br />
COPENHAGA SABERÁ DE QUIOTO?<br />
Mas a cidade dos templos, ex-capital, ex-<br />
-morada dos imperadores, terra de jardins<br />
zen, gueixas e bonsais, sítio que o mundo<br />
passou a conhecer e a invocar sempre que<br />
se fala de ambiente, está longe de ser<br />
exemplo nessa matéria. Ali, ao contrário<br />
do que acontece na gigante capital, os<br />
transportes públicos estão a milhas de ser<br />
um exemplo. O metro não cobre todo o<br />
território de Quiotoeétudomenosprático<br />
e eficaz. Basta pensar que para trocar de<br />
linha muitas vezes é preciso atravessar<br />
uma avenida. A alternativa é uma rede de<br />
autocarros que vai a todo o lado mas se revela<br />
incapaz de fazer frente às filas provocadas<br />
pelos milhares de carros que enchem<br />
as principais vias da cidade em hora<br />
de ponta. Uma pescada de rabo na boca<br />
O actual primeiro<br />
ministro, Yukio<br />
Hatoyama,<br />
prometeu baixar<br />
em 25 por cento<br />
as emissões de gases<br />
do Japão até 2020.<br />
Uma promessa para<br />
levar a Copenhaga<br />
enquanto o trânsito<br />
não pára em Quioto<br />
Toru Hanai / Reuters<br />
que tem como resultado o facto dos cerca<br />
de 1,5 milhões de habitantes de Quioto<br />
preferirem o carro próprio para se deslocar<br />
internamente. Isso ou as bicicletas,<br />
verdadeira praga nos passeios para quem<br />
escolheu simplesmente andar a pé.<br />
Caos. Por vezes é assim. Tropeça-se<br />
nele, como se tropeça na loja mais requintada.<br />
A cidade é baixa. Estende-se ao<br />
longo de um vale protegido por montanhas<br />
e pintado em tons de castanho, a cor<br />
das folhas que ainda persistem nas árvores<br />
em volta. É quase Inverno e as cerejeiras<br />
do Passeio dos Filósofos há muito que<br />
deixaram de ter flor. Hordas de turistas<br />
percorrem o caminho que foi feito para a<br />
pensar. Mas onde anda agora a tranquilidade<br />
de outros tempos? Nem nos templos,<br />
muitos distinguidos pela UNESCO<br />
como património da Humanidade, envoltos<br />
em bonsais, à espreita em esquinas<br />
ou entre avenidas povoadas de anúncios<br />
de karaoke, com o incenso a misturar-se<br />
aos aromas das bancas de comida de rua.<br />
Quioto, a Quioto do Protocolo que Copenhaga<br />
agora veio prolongar, é uma cidade<br />
de contrastes. La Palisse não diria melhor,<br />
é certo. Mas é inevitável não pensar na<br />
Quioto do Protocolo ao percorrer a Quioto<br />
de casas de madeira escura, estores de<br />
bambu, pórticos laranja, ruas empedradas,<br />
avenidas apinhadas. Uma Quioto que<br />
já foi capital e agora é a sétima cidade do<br />
Japão com uma população que quase triplica<br />
a de Lisboa, num país agora governado<br />
por democratas que prometeram<br />
um melhor ambiente também para a cidade<br />
do Protocolo.<br />
Antes de tomar posse, o actual primeiro-ministro,<br />
Yukio Hatoyama, prometeu<br />
baixar em 25% as emissões de gases no Japão<br />
até 2020. Uma promessa para levar a<br />
Copenhaga enquanto o trânsito não pára<br />
em Quioto e, atrás dos milhares de balcões<br />
dos milhares de casas de comida e acessórios<br />
de todo o tipo, outros tantos milhares<br />
de vendedores continuam a fazer embrulhos<br />
segundo as técnicas de outros tempos.<br />
Copenhaga sabe da Quioto do Protocolo,<br />
mas saberá desta? É certo que esta<br />
também ainda não sabe nada de Copenhaga.<br />
Pelo menos a tal vendedora...
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36 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
ALMANAQUE<br />
O Vaticano diz que é uma “tendência imoral”, mas em todo o mundo<br />
há igrejas a serem transformadas em bares e discotecas. No Bairro<br />
Alto, a igreja de São Pedro e São Paulo aguarda comprador<br />
TEXTO BÁRBARA SILVA / FOTOS PAULA NUNES<br />
Em vez de um padre, uma<br />
‘striper’ no altar. Em vez de<br />
música religiosa e vozes angelicais,<br />
ritmos de dança e<br />
luzes psicadélicas. Em vez de<br />
fiéis na plateia, clientes alcoolizados<br />
e ávidos de diversão. O Vaticano<br />
está em choque. Na Hungria, uma igreja<br />
foi vendida para se transformar num<br />
clube de ‘striptease’. O arcebispo Gianfranco<br />
Ravisi, director do departamento<br />
cultural do Vaticano, fala de uma “tendência<br />
imoral”, em todo o mundo, para vender<br />
antigas igrejas que depois são convertidas<br />
em bares, discotecas, cinemas, museus,<br />
lojas, habitações e até escritórios.<br />
Aqui mesmo, em Lisboa, no coração do<br />
Bairro Alto, também há uma igreja à venda.<br />
Uma igreja que não é uma igreja (porque<br />
deixou de ser um templo católico há<br />
mais de 30 anos), mas que em tudo se parece<br />
com uma igreja: nave com coro alto,<br />
dez metros de pé-direito, quatro altares<br />
laterais e retábulo-mor, vitral dedicado a<br />
São Pedro e São Paulo (os santos que dão<br />
nomeàigreja),tectoemabóbadadeberço,<br />
frescos de Lourenço da Cunha, confessionários,<br />
órgão barroco e sinos, sepulturas<br />
com inscrições em latim.<br />
A Chamartín, proprietária do imóvel<br />
(integrado no condomínio de luxo Con-<br />
vento dos Inglesinhos, mas vendido como<br />
fracção autónoma), mantém o preço em<br />
segredo, mas garante que há interessados.<br />
Por se tratar de um imóvel “especial”, a<br />
promoção é discreta, com os mediadores<br />
imobiliários a contactarem directamente<br />
os possíveis interessados: fundações, galerias<br />
de arte, artistas, empresas que organizam<br />
eventos. Esses seriam os “compradores<br />
ideais” para João Leal Barreto, administrador<br />
executivo da Chamartín, sublinhando<br />
que o primeiro contacto foi feito<br />
com o Patriarcado de Lisboa, que não se<br />
mostrou interessado na compra. “Não está<br />
no circuito normal. É um nicho de mercado<br />
complicado. Não vem no jornal e até<br />
tem uma brochura específica, dada a exclusividade”,<br />
diz Leal Barreto. O restauro<br />
da igreja custou 1,5 milhões de euros.<br />
Apesar do secretismo, a venda da igreja<br />
de São Pedro e São Paulo chegou a estar<br />
anunciada na Internet , como um T0 com<br />
uma área útil de 772 metros quadrados,<br />
com cozinha equipada e aquecimento<br />
central, por dois milhões de euros. A Chamartín<br />
diz que é mentira e “foi um erro”.<br />
O espaço tem licença para receber comércio<br />
e serviços mas, acima de tudo,<br />
querem dar-lhe um “fim nobre” e um<br />
“uso digno”: “Pode ser um atelier de um<br />
artista, um espaço para exposições ou<br />
Na Hungria, uma<br />
igreja foi vendida<br />
para se transformar<br />
num clube<br />
de ‘striptease’.<br />
O Vaticano fala<br />
em “tendência<br />
imoral”<br />
eventos, uma galeria de arte. Nunca seria<br />
uma loja qualquer”, garante o responsável<br />
da Chamartín. A fracção tem uma área<br />
bruta privativa de <strong>56</strong>0 m2, que integra<br />
também um pátio sevilhano com 341m2,<br />
nove lugares de estacionamento e duas<br />
arrecadações com 28 m2. A vizinhança é<br />
selecta: 29 famílias que vivem no condomínio<br />
de luxo Convento dos Inglesinhos.<br />
Apesar da ausência de imagens e símbolos<br />
religiosos, quem entra pela primeira<br />
vez na igreja de São Pedro e São Paulo sente-se,<br />
de facto, numa igreja. O sítio é imponente<br />
e transpira história: foi erguida<br />
no século XVII, como parte do Venerável<br />
Colégio Pontifício de São Pedro e São Paulo,<br />
construído no Bairro Alto pelos católicos<br />
ingleses refugiados em Portugal. Sobreviveu<br />
ao terramoto de 1755, mas ficou<br />
torta para sempre. Em 1976 foi desactivada<br />
pela Igreja Católica e nos anos 80 a Santa<br />
Casa da Misericórdia comprou o edificado.<br />
Nos anos 90 foi adquirido pela Chamartín<br />
Imobiliária.<br />
Se em Portugal é caso raro, a dessacralização<br />
de igrejas é comum no Reino Unido,<br />
Holanda, Alemanha e Suíça. No Reino<br />
Unido, algumas igrejas foram transformadas<br />
em mesquitas e no Chipre a antiga<br />
catedral de São Nicolau é agora a mesquita<br />
Lala Mustafa Pasha. Em Maastricht, na
A igreja é um imóvel único: nave com coro alto, 10 metros de pé-direito, altares laterais,<br />
vitral, tecto em abóbada de berço, frescos de Lourenço da Cunha, confessionários,<br />
órgão barroco e sinos, sepulturas com inscrições em latim.<br />
Holanda, vários arquitectos foram premiados<br />
por transformarem uma antiga<br />
igreja dominicana numa livraria moderna,<br />
com área de leitura e café. Em Nova Iorque,<br />
a igreja episcopal situada entre a Sixth<br />
Avenue e a West 20th Street (construída no<br />
século XIX com um estilo “gótico rústico e<br />
revivalista”), que já foi casa das infames<br />
discotecas Limelight e Avalon, poderá<br />
agora ser transformada num centro comercial<br />
e num restaurante com esplanada,<br />
sendo que várias cadeias de lojas, como a<br />
H&M, já se mostraram interessadas.<br />
Na Alemanha, país onde nasceu o Papa<br />
Bento XVI, a Igreja Católica planeia<br />
vender ou alugar 25% dos cerca de 25 mil<br />
edifícios que detém, para equilibrar as<br />
contas e reduzir o défice. “Temos o sonho<br />
de que as igrejas vendidas possam ser utilizadas<br />
como espaços de eventos onde as<br />
pessoas se reunam, não numa missa, mas<br />
num museu ou numa galeria de arte. Isso<br />
seria o ideal”, disse Stefan Förmer, porta-<br />
-voz do Arcebispado de Berlim. Os potenciais<br />
interessados hesitam em comprar<br />
edifícios enormes com grandes custos de<br />
manutenção e restrições ligadas ao património<br />
histórico. De tal forma que até<br />
agora, quase todos os imóveis vendidos<br />
pela Igreja Católica na Alemanha foram<br />
para uso comercial.<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 37
38 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
MADE IN<br />
Nova Iorque...<br />
Foi para os Estados Unidos para concluir Gestão Hoteleira.<br />
Entre o trabalho e encontros casuais com famosos<br />
constituiu família: tem um filho e está grávida de outro<br />
Ese um actor lhe dirigir a palavra? Depende. Conhecer figuras como Gwyneth Paltrow,<br />
Yoko Ono, Robert De Niro ou Julia Roberts tornou-se o prato do dia enquanto gerente do<br />
Giorgione, um restaurante italiano no Soho de Nova Iorque. Complicado foi no dia em que<br />
o conhecido actor (e protagonista das campanhas publicitárias da Nespresso) George Clooney,<br />
terminado o almoço no restaurante, se dirigiu a Joana e disse: “Grazie!” (“com o ar<br />
mais charmoso”). “Eu derreti como manteiga ao sol e fiquei sem palavras, o único som que<br />
me saiu foi ‘hummm’ e começaram todos a rir porque deu perfeitamente para perceber que fiquei totalmente<br />
K.O.”. Nova Iorque foi uma escolha lógica para terminar o curso de Gestão Hoteleira. O pai e dois<br />
irmãos já aí viviam. Até então, tinha morado em Lisboa com a mãe. Depois do episódio com o senhor<br />
Nespresso, e de ter trabalhado num outro restaurante (também italiano), Joana foi para o Classic Car<br />
Club - um clube privado de ‘time-sharing’ de carros exóticos e clássicos, onde continua a cruzar-se<br />
com famosos como Donna Karan, Heath Ledger, entre outros. Cabe-lhe tratar da área financeira e, por<br />
vezes, da entrega de Ferrari, Lamborghini e Bentley aos membros do clube. Às vezes, também, das<br />
campanhas de marketing. A par da Joana profissional existe a Joana mãe. De Luca, de dois anos, e de um<br />
segundo filho que está a caminho (já percorreu seis meses). É também uma explicação lógica que dedique<br />
os seus tempos livres ao filho: com passeios em Central Park, idas ao cinema,<br />
visitas ao Zoo e outros parques. Na cidade que nunca dorme há uma infusão<br />
de pessoas, de restaurantes, de cheiros e “acima de tudo, de confusão”.<br />
Exactamente o que agrada a esta portuguesa de 32 anos, a viver em Nova Iorque<br />
desde Outubro de 2001: “A ideia de que faço parte deste mundo maravilhoso<br />
de diferentes etnias”. Há diferenças? Claro que as há. Por exemplo, as<br />
amizades em terras do tio Sam são diferentes. “Bem mais superficiais”. E<br />
como lisboeta que é, queixa-se da falta da praia. Com o calor, “o Verão na cidade<br />
torna-se insuportável”. Regressa a Portugal todos os anos para “matar<br />
saudades”. Se dúvidas houvesse quanto às suas raízes, estariam dissipadas<br />
com esta última afirmação. CRISTINA S. BORGES<br />
...de Joana Belo<br />
Brendan McDermid/Reuters
O MEU MUNDO<br />
Tyler Brulé<br />
Verde de inveja<br />
Estamos perante um espectáculo sem precedentes.<br />
Nas últimas semanas, as pá<strong>gina</strong>s dos semanários e<br />
diários financeiros mais parecem os bastidores de<br />
um hotel de Atlantic City em dia de concurso Miss<br />
America. Nas pá<strong>gina</strong>s dos jornais assistimos a uma<br />
verdadeira parada de nomes a tentarem despertar<br />
a atenção do mundo com as suas frases sonantes,<br />
prosa cuidada e mensagens bem ensaiadas.<br />
Mas diferença no que toca a este espectáculo é que<br />
os concorrentes não respondem por nomes como<br />
Amber e Tifani, não provêm de cidades como<br />
Tempe, Arizona ou Madison, Wisconsin, e o local<br />
do evento atravessou o Atlântico, de Nova Jérsia<br />
para as ruas de Copenhaga. Mas, diferenças à<br />
parte, a cimeira do clima da ONU mais parece um<br />
desfile de beleza como qualquer outro – pelo<br />
menos do ponto de vista do marketing.<br />
No meio de todo este rodopio, dos desfiles, dos<br />
passos de dança e das mensagens sonantes<br />
podemos encontrar as maiores marcas do mundo,<br />
das empresas óbvias dos sectores da energia e<br />
automóvel aos mais poderosos governos regionais.<br />
E, à semelhança do que acontece no concurso Miss<br />
America, todos têm resposta pronta e uma<br />
proposta para salvar o mundo.<br />
Um dos primeiros concorrentes que me despertou<br />
a atenção durante o voo de regresso de Tóquio foi<br />
uma empresa de bebidas a esforçar-se por<br />
transmitir aos seus pares e accionistas a forma<br />
como estava a repensar toda a sua cadeia de<br />
fornecimento global e a lutar por um futuro<br />
sustentável. Tudo parecia muito bem e muito<br />
bonito mas, no fundo, mais não era do que uma<br />
desculpa esfarrapada para convencer os presentes<br />
a matarem a sede bebendo ou misturando os<br />
refrigerantes da empresa com vodka nas reuniões<br />
de estratégia da COP15, reuniões estas que<br />
decorriam normalmente ao fim do dia.<br />
Depois do almoço, e sobrevoando Vladivostok,<br />
reparei de um anúncio colocado na pá<strong>gina</strong> ímpar<br />
de um semanário muito respeitado. Era de uma<br />
marca de automóveis que afirmava que a sua nova<br />
linha de veículos ajudaria os condutores<br />
a percorrerem maiores distâncias com uma pegada<br />
de carbono menor. O anúncio teria funcionado<br />
se a empresa tivesse mantido a sua mensagem<br />
de sempre, de certo modo gasta, mas<br />
não tivesse enchido a pá<strong>gina</strong> com fotografias<br />
de veículos que mais pareciam cadeiras de<br />
dentistas ou aparelhos de Raio X.<br />
Quando estávamos a chegar a Heathrow, reparei<br />
num anúncio de uma empresa na área da geração e<br />
comercialização de energia que operava numa<br />
cidade muito grande. Com um mote simples,<br />
lembrava os leitores estava a fazer tudo para<br />
reduzir as emissões de CO2. Não deveria isto ser<br />
um dado garantido numa cidade do primeiro<br />
mundo? Porquê um anúncio de 30 mil libras para<br />
nos lembrar desta mensagem?<br />
A cimeira COP15 não podia ter vindo em melhor<br />
altura, sobretudo para as empresas de<br />
comunicação social, cujas receitas de publicidade<br />
têm vindo a cair, uma vez que as multinacionais<br />
estão cortar nos seus orçamentos pan-regionais de<br />
publicidade e a centrarem-se antes em iniciativas<br />
tácticas para levarem os consumidores a consumir.<br />
Nas últimas semanas de 2009 – e nas primeiras de<br />
2010 – vamos assistir a uma verdadeira leva de<br />
marcas globais a relembrarem-nos quanto às suas<br />
boas intenções e as empresas de comunicação<br />
social a congeminarem novas formas de tentarem<br />
agarrar esses dólares de publicidade.<br />
Apesar de não haver nada de errado com a criação<br />
de campanhas elaboradas para conquistar os<br />
corações dos consumidores, interrogo-me se os<br />
leitores do Financial Times, da The Economist e<br />
dos vários diários económicos em espanhol,<br />
francês, japonês e alemão precisarão mesmo de<br />
levar com tantas “mensagens” deste tipo?” Muitos<br />
destes anúncios parecem de tal modo<br />
desesperados e são, francamente, tão pouco<br />
convincentes que quase se tornam ofensivos.<br />
Acredita mesmos nesses anúncios televisivos de<br />
grandes projectos no Golfo que defendem a sua<br />
sustentabilidade em voz ‘off’? Podem estar a<br />
construir uma cidade energeticamente eficiente do<br />
futuro, mas a que preço? Qual o consumo de todos<br />
esses voos ‘charter’ cheios de trabalhadores<br />
esgotados nos voos de ida e volta para Peshawar,<br />
Dhaka e Karachi? E o que dizer da felicidade da<br />
fauna marinha, esmagada pelas mandíbulas das<br />
escavadoras e dragas? Qual o impacto da comprar<br />
e transporte das ferramentas e maquinaria usadas<br />
nessas mesmas infra-estruturas e compradas na<br />
distante China?<br />
Mas também existem boas histórias. Eoquenão<br />
falta são exemplos notáveis. Mas sinto que existe<br />
um crescente sentimento de preocupação e de<br />
suspeita junto dos consumidores quanto a todos<br />
esses prefixos e sufixos “eco” usados nos anúncios,<br />
nas embalagens e no material de marketing.<br />
Se algum desse material publicitário ajudar os<br />
jornais em dificuldades a melhorarem os seus<br />
resultados, então gastar alguns dólares em<br />
marketing não terá nada de mal – mas se<br />
contribuir antes para aumentar as suspeitas dos<br />
consumidores e se a mensagem não nos remeter<br />
para o seu ‘core business’, então de nada serve aos<br />
accionistas e aos consumidores. Se o ‘core<br />
business’ for construir viaturas, é lícito esperarmos<br />
anúncios que remetam para programas<br />
abrangentes de redução de emissões e para a<br />
construção de viaturas facilmente recicláveis.<br />
Mas se há algo que devemos reter é que estamos<br />
também no negócio de concepção de veículos,<br />
veículos estes que os consumidores certamente<br />
vão querer ver, testar e comprar. E assim como os<br />
hotéis que se vendem como estabelecimentos de<br />
“design” tendem a ser tudo menos edifícios bem<br />
planeados e bem concebidos, demasiados rótulos<br />
“eco” e demasiados slogans excessivamente bem<br />
intencionados mais não fazem do que poluir o<br />
mercado.<br />
Tyler Brûlé é director da Monocle<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Carlos Tomé Sousa<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 39<br />
Nuno Artur Silva<br />
E pode-se assobiar<br />
“O optimista pensa que vivemos no melhor<br />
de todos os mundos possíveis. O pessimista receia<br />
que isso seja verdade”. A frase é de Robert<br />
Oppenheimer, considerado “o pai da bomba<br />
atómica”. Seria ele um optimista ou um<br />
pessimista? A verdade é que inventou uma bomba<br />
que pode acabar com qualquer mundo, o melhor<br />
e o pior. A realidade muda. Às vezes<br />
estrondosamente.<br />
Nesta época natalícia ocorre-me falar dessa<br />
antítese de Pai Natal que é o Profeta da Desgraça.<br />
Tal como os Pais Natal nos centros comerciais, com<br />
a crise, têm-se multiplicado os Profetas da<br />
Desgraça nos canais informativos. Há-os em<br />
versão light , mas os que se destacam são os do<br />
género apocalíptico. De entre estes, Vasco Pulido<br />
Valente e, sobretudo, Medina Carreira.<br />
Para Pulido Valente a explicação de tudo em<br />
Portugal está no século XIX e no início do século<br />
XX. Tudo o que acontece hoje, cem anos depois,<br />
explica-se à luz dessa época e de acordo com a<br />
evidência de que os portugueses são muito<br />
estúpidos. É verdade que o Eça e o Camilo são mais<br />
actuais do que gostaríamos, mas é divertido<br />
verificar a quantidade de vezes que Pulido Valente<br />
se enganou nas suas previsões. Medina Carreira<br />
reduz tudo à questão financeira e ao facto de<br />
estarmos a perder não sei quantos milhões por dia<br />
e caminharmos irreversivelmente para a banca<br />
muito rota por causa da total incompetência do<br />
pessoal político. E, tal como Pulido Valente, não só<br />
não deixa de ter uma certa razão como, pela certa,<br />
lhe está a faltar uma outra razão essencial.<br />
No âmbito da Física, a experiência do gato de<br />
Schrodinger mostrava, não só como a realidade é<br />
complexa como, simplificando, que é impossível<br />
observá-la sem nela interferir.<br />
O que se vê depende sempre de quem vê e donde<br />
se vê. E da fé. É a velha questão do copo meio<br />
cheio ou meio vazio. E de quem o feio ama bonito<br />
lhe parece. Ou na versão pessimista: quem<br />
o bonito detesta, feio lhe parece.<br />
Nas comédias televisivas utilizavam-se risos<br />
gravados para condicionar a recepção do<br />
espectador. Experimentem ver um programa de<br />
humor com uma plateia predisposta a gostar do<br />
comediante e depois ver o mesmo programa num<br />
grupo que à partida não acha graça nenhuma<br />
ao mesmo comediante. É como ver dois programas<br />
diferentes. A expressão “estado de graça”<br />
aplica-se aqui na perfeição.<br />
No palco do nosso Portugal bipolar têm<br />
contracenado Cândidos e Velhos do Restelo<br />
para todos os gostos, com melhores ou piores<br />
audiências. O que têm faltado são fazedores.<br />
Daqueles que fazem realmente a diferença.<br />
Um dos que fizeram realmente a diferença, talvez<br />
o que fez mais a diferença em Portugal, nos<br />
últimos cem anos, Mário Soares, editou agora um<br />
ensaio dedicado aos jovens intitulado “Elogio<br />
da Política” onde lembra que a política é uma<br />
actividade nobre. Éomomentocertoparao<br />
lembrar e Soares tem a autoridade para o fazer.<br />
É um optimista com 85 anos. Sempre foi. Eoseu<br />
optimismo fez mudar o país.<br />
O meu filme favorito sobre a vida de Cristo<br />
chama-se “A Vida de Brian”, dos Monty Python. O<br />
filme termina com os crucificados a cantarem<br />
“Always look on the bright side of life”.<br />
Parecendo que não, é um belo e sábio<br />
mandamento. E pode-se assobiar.
40 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
VIDA<br />
Guta Moura<br />
Guedes<br />
“Os objectos<br />
cansam-me”<br />
Há 12 anos criou um bienal de design a que<br />
chamou Experimenta. Foi o ponto de partida<br />
para chegar onde está hoje: comissária da<br />
programação de um novo equipamento cultural<br />
de Paris. Aos 44 anos, esta mulher diz estar numa<br />
fase divertida da vida. Fomos encontrá-la<br />
na que será a sua nova casa, um lugar<br />
que pretende ser despojado e simples<br />
no centro da sua cidade: Torres Vedras.<br />
É de lá que vai programar Paris.<br />
Entrevista de Isabel Lucas. Fotografia<br />
de Augusto Brázio
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 41
42 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
VIDA<br />
Os pés pisam um vidro grosso. Dá para a rua<br />
e ilumina o interior. Nele uma frase de Herberto<br />
Helder transformada em objecto de design e que fala<br />
de um absoluto, uma casa, uma leitura pouco óbvia<br />
como Guta gosta que seja a arte: desafiadora<br />
GGuta Moura Guedes, designer.<br />
É assim?<br />
A maior parte das vezes, é.<br />
E quando não é?<br />
(Risos).<br />
Quando preenche um formulário o que<br />
coloca no espaço onde diz ‘profissão’?<br />
Varia.<br />
Em função de quê?<br />
Mesmo nunca tendo estudado design –<br />
estudei dois anos design, sou uma ‘self-<br />
-made de designer’ – colocaria designer,<br />
sem dúvida. É isso que habitualmente<br />
coloco. Mas tenho desempenhado funções<br />
e trabalhos muito distintos que continuo a<br />
encaixar nessa categoria de design porque<br />
faço design estratégico, design de serviços,<br />
design de conceitos.<br />
Há uma frase de Herberto Helder<br />
gravada na casa que está a recuperar.<br />
“A casa - como direi?, – absoluta”.<br />
Aquela casa é um absoluto?<br />
Gosto muito da escrita do Herberto Helder.<br />
Uma das coisas que me fascina nele e nos<br />
temas que escolhe é a ligação forte à<br />
arquitectura. Ando sempre a ler a poesia<br />
dele a tirar frases que vou apontado.<br />
Essas frases são o quê? Inspirações?<br />
São mais identificações do que<br />
inspirações. São frases em que me<br />
identifico. Tenho os livros sempre todos<br />
sublinhados… Mas são sempre<br />
identificações ou choques abruptos, coisas<br />
que não nos pertencem mas que mexem<br />
muito connosco. Neste caso não. “Uma<br />
casa absoluta” porque estou a construir<br />
aquela casa, a minha primeira casa<br />
sozinha. Minha e dos meus filhos. Achei<br />
perfeito, sabendo que uma casa absoluta<br />
nunca existe. O absoluto não existe<br />
também. Fazer uma casa é uma coisa<br />
muito exigente. Não digo que gosto muito<br />
de fazer muitas casas. Gosto imenso de<br />
olhar para as casas e para os espaços<br />
construídos, mas custa-me fazer uma<br />
casa. É muito exigente. Puxa muito por<br />
mim. Estou a gostar. Não sei dizer se é a<br />
minha casa para o resto da vida. Acho que<br />
não é. Nunca é… Há uma espécie de<br />
vertigem.<br />
E tornou a frase do Herberto num<br />
objecto de design.<br />
(Risos) Queria que a frase do Herberto<br />
passasse pelas mãos de um designer de<br />
comunicação e que ele brincasse com as<br />
palavras. Passei ao Nuno Luz, designer da<br />
Experimenta, e ele fez aquela brincadeira<br />
que nem sempre permite uma leitura óbvia<br />
de uma frase que já não é óbvia por si.<br />
Andámos ali de roda de uma série de ideias<br />
dele e chegámos aquela forma que<br />
funciona. Gosto imenso dessa ideia. Gosto<br />
disso em tudo o que faço. A maior parte<br />
das vezes acho que construímos coisas que<br />
são muito passivas, pouco exigentes. As<br />
pessoas devem ser solicitadas a “perder<br />
tempo” com as coisas.<br />
Que lugar ocupam as peças de design<br />
na sua casa?<br />
As minhas casas são muito vazias, têm<br />
pouquissímos objectos. Os objectos<br />
cansam-me. Não gosto de ‘gadgets’, não<br />
gosto de coisinhas. Nada. Nada. Por<br />
natureza não procuro isso. Procuro música,<br />
discos, livros, isso sim são coisas que gosto<br />
de ter. Mas não sou uma coleccionadora,<br />
nunca coleccionaria, não tenho obsessão<br />
de ter peças assinadas; de ter ícones do<br />
design na minha casa. Não tenho. Tenho<br />
coisas simplicíssimas. Não tenho nada<br />
vontade de uma casa cheia de objectos<br />
desenhados por autores conhecidos ou que<br />
sejam referências no mundo do design.<br />
Tenho obsessão por objectos que<br />
funcionem bem. Adoro uma mesa assim<br />
comoesta[agarranamesadocaféàfrente<br />
da qual está sentada], uma cadeira<br />
confortável, uma cama como deve de ser.<br />
Isso sim, gosto muito.<br />
A palavra ‘design’ banalizou-se?<br />
Sim. Deixámos que tivesse um sentido…<br />
Ouve-se dizer “isto é um objecto de<br />
design”, ou “isto é muito design”. É uma<br />
coisa extraordinária. Tudo o que vemos em<br />
nosso redor, seja um porta-chaves um<br />
clip, ou um copo, foi desenhado. Portanto,<br />
tudo é design em certa medida. Pode é ser<br />
bom ou mau. E isso é visto comparando o<br />
objectivo que se quer quando se desenha<br />
uma peça e a performance dessa peça, a<br />
sua eficácia. Quando faço uma casa ou<br />
quando faço um escritório, é claro que o<br />
design está presente. Mesmo que a casa<br />
estivesse toda vazia, mesmo que a casa só<br />
tenha três ou quatro coisas. O desenho do<br />
vazio é também uma opção, é um acto de<br />
design. Depois há peças mais icónicas de<br />
design de autores de que gosto imenso e<br />
que gostava de ter, por exemplo.<br />
Está numa fase de mudança de vida e<br />
não só de mudança de casa…<br />
É engraçado porque às vezes leio isso e não<br />
é bem assim. Há 12 anos que faço<br />
consistentemente uma coisa: a<br />
ExperimentaDesign. Essa é a base. Depois<br />
faço muitas coisas diferentes – não só<br />
“<br />
Em termos<br />
profissionais<br />
as coisas não<br />
acontecem<br />
por acaso. Olho<br />
sempre para<br />
o que fiz<br />
até agora<br />
e a ligação<br />
entre as peças<br />
é perfeita.<br />
São sempre<br />
consequência<br />
do que fiz antes<br />
diferentes, porque são trabalhos distintos,<br />
mas também geograficamente diferentes e<br />
em condições diferentes. Faz parte da<br />
minha natureza. Gosto de fazer muitas<br />
coisas distintas e tenho uma linha de<br />
trabalho que vai unindo aquilo que faço<br />
enquanto plataforma. Essaéafontede<br />
alimento para tudo o resto. Tenho o<br />
cuidado de manter sempre esse tipo de<br />
bases em várias vertentes da minha vida;<br />
na familiar também.<br />
Há pouco, numa conversa informal, dizia<br />
que as pessoas a acham arrogante. Qual<br />
a razão dessa imagem que criou?<br />
Quando sabemos muito bem aquilo que<br />
queremos fazer e por onde queremos ir e<br />
em que direcção, às vezes isso pode ser<br />
visto como uma forma de arrogância. Sou<br />
muito afirmativa na forma de ser, embora<br />
depois seja muito afectiva e ligada às<br />
pessoas. Verdadeiramente afectiva. Mas sei<br />
muito bem o que quero e por onde quero<br />
ir. E às vezes isso é algo intimidante.<br />
E onde quer ir?<br />
Em termos profissionais? As coisas não<br />
acontecem por acaso. Olho sempre para o<br />
que fiz até agora e a ligação entre as peças é<br />
perfeita, são sempre consequência do que<br />
fiz antes, ou onde estive antes e de pessoas<br />
com quem me cruzei e da forma como faço<br />
a gestão desses contactos e desses<br />
entusiasmos. No fundo sou muito selectiva<br />
em relação a esse ‘network’, de pessoas e<br />
de influências. É um ecossistema muito<br />
rico e que vai criando uma série de<br />
oportunidades. E depois, ou se está lá ou<br />
não está, ou se quer ou não aceitá-las. Mas<br />
as coisas não acontecem por acaso. São<br />
sempre fruto de um percurso e de uma<br />
linha de trabalho.Eaformacomome<br />
posiciono funciona como uma espécie de<br />
íman que vai atraindo pessoas, projectos,<br />
convites, desafios. Sou uma provocadora<br />
desses convites.<br />
Foi esse íman que atraiu os<br />
responsáveis pelo novo equipamento<br />
cultural de Paris, o La Gaité, que a<br />
convidaram para comissariar o primeiro<br />
núcleo de programação?<br />
O Jerome Delormas (director-geral do La<br />
Gaité) veio cá em Setembro de 2009 ter um<br />
primeiro encontro comigo. Conhecia o<br />
meu trabalho e queria falar comigo sobre<br />
uma possível ligação entre a Experimenta<br />
e Paris. Tão abstracto quanto isso. Depois,<br />
estivemos em contacto mais duas ou três<br />
vezes e ele esteve a assistir a toda a semana<br />
inaugural da Experimenta Design.<br />
Voltámos a falar sobre o que podíamos<br />
fazer em conjunto com o La Gaité, com a<br />
Experimenta, com Paris, com Lisboa.<br />
Porque à Experimenta e a mim interessa<br />
muito essa ligação com as cidades que<br />
ultrapassa um trabalho às vezes mais<br />
pontual com outros países ou outros<br />
espaços e o Jerome insistia sempre: “tens<br />
que vir a Paris e tens que ver La Gaité”. E<br />
depois convidou-me para ir. Acho que ele<br />
sabia que eu tinha que ver o espaço e
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 43
44 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
VIDA<br />
perceber o que era aquilo para me seduzir “convites que implicavam que me fosse<br />
por completo, para algo mexer comigo.<br />
embora ou que estivesse seis ou sete meses<br />
Quando fui a Paris, ele disse-me que além<br />
fora. Isso, para mim, não faz sentido de<br />
da parceria com a Experimenta gostava<br />
todo. É mais uma condicionante nas<br />
muito de me convidar para comissariar a<br />
minhas escolhas. Aceito coisas que possa<br />
programação do La Gaité. Não foi muito<br />
fazer neste misto de estar cá e ir lá. É muito<br />
surpreendente. Foi muito um desafio<br />
importante ir lá, mas amanhã tenho duas<br />
porque o La Gaité não se posiciona muito<br />
horas de skipe agendadas com o Michel<br />
na área do design, mas na área cultural e<br />
Reilhac (director de cinema do canal de<br />
não havia necessariamente uma ligação ao<br />
televisão ARTE) e como o Jerome e estou<br />
design se o Jerome não a quisesse fazer. E<br />
em Torres Vedras e eles estão em Paris e<br />
ele definitivamente quer fazê-la.<br />
estamos a trabalhar em conjunto. Não<br />
implica eu ir. Cada vez mais as novas<br />
tecnologias permitem estar num sítio e<br />
trabalhar em rede com o mundo inteiro.<br />
Já sabe o que vai fazer em Paris?<br />
Ainda não sei. É tudo muito novo. Sei qual<br />
é o desafio, sei que é um projecto que vai<br />
falar sobre o futuro e celebrar o facto de em<br />
2062 o La Gaité fazer 200 anos. Vamos<br />
trabalhar como ‘layer’ do passado, olhando<br />
para o presente. É uma visão antecipatória<br />
desse ano de 2062. Não vamos estar a criar<br />
um projecto para 2062. Vamos apresentar<br />
em 2011 uma visão de 2062.<br />
Parece um pouco ficção científica.<br />
(Risos) Li imensa ficção científica quando<br />
era miúda. Essa capacidade de antecipar e<br />
de criar cenários é das coisas mais<br />
extraordinárias. Se há área onde isso tem<br />
um poder extraordinário é cultura, na<br />
criação artística, porque praticamente não<br />
há fronteiras, limites. Pode-se criar o<br />
inexistente. Vamos ter actores na área da<br />
cultura, sejam músicos, cantores,<br />
performers, designers ou arquitectos e<br />
puxar por essa liberdade criativa, tentando<br />
com eles criar uma visão de 2062. Estamos<br />
a identificar coisas muito específicas em<br />
relação ao presenteeéumpresente<br />
ancorado numa cidade como Paris – que<br />
nos interessam agora. Já chegámos a<br />
algumas conclusões, o que é que nos<br />
interessa trabalhar. Partiremos de alguns<br />
olhares muito concretos sobre o presente<br />
para fazer essa visão do futuro. É aí que<br />
entram todos os criadores que vamos<br />
convidar. Portanto, a coisa está muito,<br />
muito em aberto.<br />
Isso implica conhecer o cenário. Qual é<br />
a sua relação com Paris?<br />
Tive um grande enamoramento com Paris<br />
há muitos anos e depois um grande<br />
afastamento. Paris deixou de me<br />
interessar. Mas identifico-me muito com a<br />
cultura francesa e posso dizer que sinto-<br />
-me em casa em Paris. É uma cidade que<br />
me é muito próxima, de pele e<br />
emocionalmente. Paris está em<br />
transformação e é muito interessante<br />
observar isso. Vai ser muito interessante<br />
perceber que, por exemplo, no Marais há<br />
uma comunidade chinesa fortíssima, há<br />
uma comunidade gay também muito forte,<br />
toda uma dimensão de situações sociais<br />
que vão mudar o olhar que vamos ter<br />
sobre aquele espaço. E essa é uma das<br />
áreas que me interessa: perceber em que<br />
medida estas camadas sociais e culturais<br />
que Paris tem que não batem certo com<br />
essa memória que existe, escrita e em<br />
cinema, como é que isso já mudou na<br />
cidadeeoqueéqueissovaimudar,<br />
inevitavelmente, naquela cidade.<br />
Geograficamente, vai manter-se em<br />
Torres Vedras?<br />
Vou. Aliás, continuo na Experimenta.<br />
Estamos a preparar muitas coisas em<br />
Portugal. Interessa-me muito trabalhar em<br />
Portugal. A próxima edição da Bienal é em<br />
2011; já estamos a trabalhar nela. Tive um<br />
convite para o Brasil, São Paulo, ainda não<br />
é público, mas vou muito em breve ao<br />
Brasil começar novos trabalhos. É apenas<br />
mais uma peça do tal ‘puzzle’. Não posso,<br />
nem quero deixar Portugal. Já tive vários<br />
Não gosto<br />
de ‘gadgets’,<br />
não gosto de<br />
coisinhas.<br />
Nada. Nada.<br />
Não sou uma<br />
coleccionadora<br />
e não tenho<br />
obsessão<br />
de ter peças<br />
assinadas;<br />
de ter ícones<br />
do design<br />
na minha casa<br />
Não lhe passa pela cabeça viver fora<br />
de Torres Vedras, a sua cidade?<br />
Quando fui estudar, vivi em Lisboa<br />
durante quatro anos. Depois casei, vivi um<br />
ano em Lisboa e quando fiquei grávida<br />
lembro-me de estar no autocarro e pensar<br />
que não queria que o meu filho nascesse<br />
ali. Tenho uma raiz. É engraçado, mas<br />
quando uma pessoa não nasce numa<br />
grande cidade e faz essa deslocação de ir<br />
para a grande cidade, há sempre uma terra<br />
que a chama. Sou muito ligada a isto. À<br />
estrutura familiar que tenho aqui, ao<br />
apoio. O que não quer dizer que não vá<br />
viver para outro sítio. Para ser sincera,<br />
50% do meu ano não vivo aqui. Tenho<br />
uma relação de seis meses com esta<br />
cidade, quotidiana, e depois tenho seis<br />
meses em que não estou cá. E acho que<br />
neste momento não conseguiria viver fora.<br />
É uma cidade com personalidade e que<br />
conheço desde pequenina. Passo muito<br />
tempo fora de Portugal, quase sempre<br />
numa realidade ilusória, em bienais, vive-<br />
-se num mundo irreal e aprecio imenso<br />
este exercício da relatividade de viver num<br />
espaço que é uma cidade portuguesa de<br />
província que obriga a relativizar as coisas.<br />
Relativiza a importância do que faço<br />
noutros sítios e chama-me para coisas<br />
muito básicas, muito simples, muito<br />
estruturantes. Continuam a ser as mais<br />
importantes da vida. E, às vezes,<br />
frequentando outros caminhos, outros<br />
passos, corre-se o risco de esquecer isso.<br />
Gosto de não me esquecer, de ter isso<br />
sempre presente.<br />
A edição de 2007 da Experimenta<br />
foi cancelada por causa de um litígio,<br />
chamemos-lhe assim, com o então<br />
presidente da Câmara de Lisboa,<br />
Carmona Rodrigues. Pouco antes<br />
de ser convidada a desempenhar<br />
cargos políticos, primeiro enquanto<br />
administradora do CCB e depois<br />
como programadora da Casa<br />
da Música. Qual a sua relação<br />
com a política?<br />
Opero em relação à sociedade de uma<br />
forma política, mas a política partidária<br />
não me interessa. Não tenho nenhuma<br />
ligação nem com esquerda, nem com a<br />
direita. Neste momento não consigo dizer<br />
que me identifique com nenhum partido.<br />
Sei que não me interessam os extremos.<br />
Nem a extrema-esquerda, nem a<br />
extrema-direita.
Mas é forçada a lidar com quem está no<br />
poder.<br />
Sim. Tal como tenho de lidar com todos os<br />
empresários. Tenho de saber lidar com<br />
todas as pessoas. Agora, sempre me liguei e<br />
sempre me relacionei com as pessoas que<br />
estão à frente das coisas e não com as<br />
pessoas que estão atrás dessas pessoas. Não<br />
me interessam os partidos, mas as pessoas.<br />
Mesmo não votando em Lisboa, apoiei o<br />
António Costa porque acreditei nele em<br />
2007, quando se candidatou pela primeira<br />
vez, e porque, depois destes dois anos em<br />
Lisboa, merecia não só continuar o<br />
trabalho iniciado como ter mais tempo<br />
para levar projectos de fundo, essenciais<br />
para a capital portuguesa, a bom porto. É<br />
um homem rigoroso e consistente que<br />
defende, tal como eu, o papel da cultura e<br />
do design como prioritários para<br />
desenvolver a cidades do século XXI.<br />
O design seria uma disciplina obrigatória<br />
para a classe política?<br />
Não só para a classe política. É daquelas<br />
disciplinas que todos deveríamos aprender<br />
a utilizar desde muito cedo porque é<br />
utilíssima. Permite olhar para o contexto e<br />
ver onde está o problema e saber que há<br />
que chegar àquele ponto e desenhar a<br />
estrutura que leva a ele. Imensa gente faz<br />
isso de forma altamente intuitiva. Agora,<br />
pode-se aprender como fazer isso de<br />
forma muito mais técnica e muito mais<br />
aperfeiçoada.Eéissoqueodesignfaz.Eé<br />
muito interessante porque o design é<br />
muito abrangente. É talvez a disciplina<br />
Não me<br />
interessam<br />
os partidos,<br />
mas as pessoas<br />
(...) António<br />
Costa é um<br />
homem<br />
rigoroso<br />
e consistente<br />
que defende<br />
a cultura<br />
e o design<br />
como<br />
prioritários<br />
para<br />
desenvolver<br />
as cidades<br />
do século XXI<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 45<br />
mais abrangente. Tem condicionantes de “A sua saída do CCB esteve envolta em<br />
carácter económico, de sustentabilidade<br />
polémica. Houve algum momento em<br />
ambiental ou social, condicionantes de<br />
que sentiu que não devia ter aceite o<br />
carácter estético e ético. Há toda uma série<br />
convite?<br />
de áreas que um designer é obrigado a<br />
Não. O CCB estava uma altura muito<br />
pensar se quiser produzir uma resposta<br />
crítica quando entrei lá.<br />
boa, consistente e eficaz. Nem a<br />
arquitectura nem a engenharia são tão<br />
abrangentes. Acho uma ferramenta<br />
utilissíma quer para políticos, quer para<br />
gestores nos hospitais.<br />
Sentiu-se bem em estruturas como a<br />
Casa da Música ou o CCB?<br />
Acho que sou mais útil fora de uma<br />
estrutura tão rígida e tão formal. Não me<br />
revejo em estruturas muito rígidas onde<br />
exista um ambiente de formalismo, onde<br />
exista uma grande incapacidade de<br />
resposta a tempo e onde se perca<br />
demasiado tempo em coisas que considero<br />
pouco importantes.<br />
Está a referir-se a estas duas<br />
instituições?<br />
Não. Estou a referir-me à maior parte das<br />
instituições que nós, sociedade,<br />
desenhamos ao longo dos tempos. Não é só<br />
na área da cultura. No ponto de vista das<br />
pessoas políticas, das instituições sociais.<br />
Penso que deviam ser redesenhadas.<br />
Conheço a experiência de estar em<br />
estruturas que não têm essa rigidez e esse<br />
formalismo. Foi útil, foi interessante, foi<br />
muito estimulante e gostei de as ter mas<br />
acho que sou mais útil se estiver a operar<br />
num território muito mais flexível.<br />
Tinha consciência disso?<br />
Sim. Mas tinha para mim um desafio<br />
importantíssimo que era o museu do<br />
design. E eu sabia perfeitamente o que<br />
deveria fazer para transformar o museu do<br />
design naquilo que ele deveria ser. Para o<br />
colocar no circuito internacional tal como<br />
nós fizemos com a Experimenta. Portanto,<br />
esse desafio com uma instituição que<br />
tinha uma peça importantíssima neste<br />
jogo foi o suficiente para eu dizer que sim.<br />
Eu sabia onde estava a entrar. Ao pensar<br />
também sei que um bocadinho antes de<br />
mim. Posso é ter saído frustrada por não<br />
ter conseguido fazer aquilo que queria.<br />
Há pouco falava das oportunidades e<br />
convites para trabalhar fazer fora do<br />
país. Declinou sempre esses convites.<br />
Sente que isso a prejudicou?<br />
Claro que sim. Mas sou mãe, tenho dois<br />
filhos, e acho que das coisas mais<br />
importantes que se pode ter na vida é ser<br />
mãe e ter filhos. E é uma coisa que ainda<br />
por cima tem um ‘timming’ relativamente<br />
curto. Porque eles são pequeninos durante<br />
muito pouco tempo. Depois são como nós,<br />
são adultos. Continuo a ser mãe deles,<br />
obviamente mas já é outra coisa.<br />
Entretanto eles já ficam nossos irmãos,<br />
pessoas como nós. Esse tempo de<br />
crescimento, esse tempo de formação é<br />
muito importante, é determinante. Acho<br />
que é um privilégio poder acompanhar<br />
isso muito bem. Portanto, nunca, durante<br />
este período, faria algo que me levasse<br />
para longe deles. E também, por natureza,<br />
não me via a levá-los para outro sítio<br />
porque preciso de uns sítios, as tais<br />
referências, para ter o meu equilíbrio.<br />
Portanto, a opção foi dizer sempre que<br />
não, com muita pena muitas vezes, mas<br />
não tenho nada de arrependida. Pelo<br />
contrário, acho que fiz sempre certíssimo,<br />
e agora eles estão tão grandes, um tem 19,<br />
outro 15 e começa a ser tempo de eu poder<br />
aceitar coisas mais fora de Portugal e que<br />
me levem para fora de Portugal. Mas eu<br />
não quero, não gostaria de sair de<br />
Portugal.<br />
Li em algum lado que se acha uma<br />
anti-social.<br />
Sou muito solitária. Saio muito, muito<br />
pouco. Não individualista, mas solitária.<br />
Se estou em trabalho, sou sociável e faço<br />
isso muito bem. Mas por natureza sou<br />
muito reservada e sou de muito poucas<br />
pessoas. Acho que isso depois não bate<br />
certo, às vezes, com aquilo que as pessoas<br />
vêem. Não há disposição.<br />
Mas aparece muito na comunicação<br />
social. Como lida com isso?<br />
Acho importante comunicar o que faço e<br />
não me importo nada de o fazer. Coisas<br />
muito pessoais não gosto. Digo muitas<br />
vezes que não. Mas também faço uma<br />
gestão muito instintiva dessa área. Sou<br />
daquelas pessoas que entra numa<br />
inauguração e dá duas voltas, fala com três<br />
pessoas e vai-se embora a seguir. É mais<br />
do que suficiente. Depois no dia a seguir<br />
vou lá, sozinha. Mas vou se é alguém que<br />
eu admire, alguém que eu respeite,<br />
alguém de que goste particularmente,<br />
dizer ‘estou aqui, vim cá para ver o teu<br />
trabalho, estou aqui porque acredito<br />
naquilo que fazes ou quero que me<br />
surpreendas e quero aprender’.
46 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />
VIDA<br />
Há um lado de gestora ligado à sua<br />
profissão.<br />
Estudei gestão hoteleira… Foi muito útil.<br />
Tive muitas cadeiras de gestão, de<br />
economia.<br />
Alguma vez lhe passou pela cabeça<br />
gerir um hotel?<br />
Não. Nunca. Soube que não queria nada<br />
disso quando ainda estava a estudar.<br />
A Experimenta é a sua grande causa?<br />
É. Não tenho dúvida. Eu quero muito,<br />
gostaria muito de poder contribuir para<br />
que, progressivamente, algumas coisas<br />
que eu acho que estão altamente<br />
desproporcionais em Portugal se fossem<br />
alterando.<br />
Mas está muito dependente de ajuda<br />
externa.<br />
Dependo. Defendi que fazer a bienal<br />
Experimenta em Portugal é importante<br />
para o nosso país, é importante para a<br />
cidade, colocou Lisboa num certo sítio,<br />
colocou Portugal num certo sítio, coloca<br />
os nossos criadores num certo sítio<br />
também. Nós formamos milhares de<br />
pessoas a cada edição, o nosso papel cá é<br />
muito importante para o nosso país e para<br />
a cidade onde operamos. Acho que deve<br />
haver uma comparticipação do Estado e<br />
da cidade em relação a este projecto. Do<br />
Estado é uma comparticipação mínima<br />
comparada com a das realidades que<br />
conheço como em Itália ou França. Aqui<br />
nós temos uma comparticipação de 38%<br />
em relação ao orçamento total da bienal.<br />
Estou confortável com 38% mas não é<br />
muito. Se me coloca na dependência? Só<br />
me coloca se eu quiser. Por isso uma vez<br />
cancelei a bienal. Foi uma decisão muito<br />
mais política do que económica. Eu podia<br />
ter feito a bienal mais pequenina só que,<br />
politicamente, seria, para mim,<br />
completamente em vão estar a fazer uma<br />
bienal numa cidade quando o Presidente<br />
da Câmara dessa cidade não a queria. Se<br />
não quer, eu não faço. As coisas devem ser<br />
feitas de forma sinérgica, em colaboração.<br />
É assim que gosto de trabalhar.<br />
Vais sair na próxima edição da “Vogue”<br />
italiana.<br />
É um artigo todo sobre o meu trabalho. A<br />
“Vogue” italiana é conhecida no mundo<br />
das revistas de moda por trazer temas que<br />
MAKING-OF<br />
Estamos numa rua pedonal no centro de<br />
Torres Vedras, a cidade onde Guta Moura<br />
Guedesnasceuhá44anoseondevive<br />
apesar das solicitações do exterior.<br />
É ali que a directora da<br />
ExperimentaDesign está a recuperar uma<br />
casa antiga. É ali que quer ser<br />
fotografada, num espaço que não quer<br />
encher de objectos, mas onde está<br />
presente a marca da designer.<br />
É uma casa de todas as cores, divertida,<br />
como o actual momento que diz estar a<br />
viver.<br />
normalmente não saem nas revistas de<br />
moda.<br />
Qual a sua relação com a moda?<br />
Interessa-me só enquanto forma de<br />
comunicação. Só me interessa a roupa<br />
como veículo de comunicação. E do ponto<br />
de vista criativo, ou seja, interessam-me<br />
certos criadores. Cada vez mais está no<br />
campo artístico e portanto já é difícil dizer<br />
que se é um designer de moda. Mas<br />
interessa-me enquanto pólo de<br />
criatividade, enquanto expressão artística<br />
e criativa. E depois a minha relação com a<br />
moda é rigorosamente zero a não ser no<br />
sentido em que me visto e que escolho<br />
aquilo que visto com uma intenção<br />
deliberada. Não me visto de uma forma<br />
neutra, nem me visto como se não me<br />
estivesse a vestir.<br />
Como é que se vestiu para esta<br />
entrevista?<br />
Pensei que o critério era sempre<br />
fotogénico. Essencialmente isso. A roupa é<br />
uma forma de comunicação, como a<br />
palavra, como a escrita, como a música,<br />
Escreve?<br />
Escrevo. Escrevo um bocadinho.<br />
Mas não publica.<br />
Não.<br />
Porquê?<br />
Porque sou muito, muito, muito crítica.<br />
Procuro fazer as coisas muito bem feitas e<br />
acho que devo investir naquilo que faço já<br />
muito bem e devo-me divertir com aquilo<br />
que me interessa porque preciso,<br />
eventualmente, de escrever e preciso<br />
tocar a música ou alguma coisa assim (já<br />
não toco piano há muitos anos), mas gosto<br />
demasiadamente de ler para poder<br />
publicar.<br />
O que gosta de ler? Falou de Herberto.<br />
Gosto de ler uma imensidão, mas tem que<br />
ser muito bom, dentro dessa imensidão.<br />
Não consigo ler maus livros.<br />
O que é um mau livro?<br />
É um livro mal escrito. Não consigo ler<br />
uma boa história mal escrita. Fico doente.<br />
Tenho uma enorme paixão pela palavra e<br />
pela construção de um texto, pela<br />
estrutura de um texto, pela história<br />
“também, obviamente. As histórias são<br />
extraordinárias mas não me chega a<br />
existência de uma história. Tem que<br />
existir uma estrutura de texto, uma<br />
palavra, um hino da palavra, um hino de<br />
Sou muito<br />
solitária. Não<br />
individualista,<br />
mas solitária.<br />
Se estou em<br />
trabalho, sou<br />
sociável e faço<br />
isso muito<br />
bem. Mas por<br />
natureza sou<br />
muito<br />
reservada<br />
ritmo, que por detrás daquela história me<br />
faça ler. Gosto tanto dos clássicos, gosto de<br />
alguns contemporâneos, mas poucos.<br />
Gosto do Philip Roth, acho extraordinário,<br />
nãosópelotemacomopelaformacomo<br />
ele escreve. Mas estou constantemente<br />
‘back to the classics’ porque não consigo<br />
resistir. Quer dizer, como é que a pessoa<br />
resiste a Eça de Queirós, Stendhal,<br />
Faulkner, Proust, todos esses, como é que<br />
se resiste? Depois o tempo é muito curto.<br />
É que não se pode ler tudo, não é? E então<br />
prefiro só ler os melhores. O que escrevo<br />
deve ser muito ridículo. Ridículo<br />
comparado com isso.<br />
Como define a actual fase da sua vida?<br />
Muito divertida! Muito difícil… muito<br />
entusiasmante. Ter 44, quase 45 anos,<br />
estar mais ou menos a meio da vida. Estar<br />
com energia, estar com o que sinto que já<br />
sei. É um momento da vida muito<br />
interessante. Estou com alguma<br />
dificuldade de gestão de prioridades.<br />
Tenho muitas solicitações, muitas coisas<br />
para fazer. Como disse, não gosto de fazer<br />
nada mal, gosto de fazer coisas bem feitas<br />
e isso implica fazer escolhas e aplicar as<br />
forças e o foco em poucas coisas. Estou<br />
muito entusiasmada com o redesenho da<br />
Experimenta.<br />
Vai ser diferente?<br />
A bienal vai mudar um pouco mas a<br />
própria Experimenta vai ter áreas que me<br />
interessam, ligadas ao design e às questões<br />
sociais, ao design e o envelhecimento, o<br />
design e a sustentabilidade. Interessa-me<br />
muito trabalhar nesta área do design<br />
estratégico, portanto, do ponto de vista de<br />
design urbano, de design de cidades. E<br />
interessa-me muito, também em<br />
Portugal, a ligação entre o design e a<br />
indústria, a ligação entre o design e as<br />
empresas.<br />
E os empresários portugueses têm essa<br />
noção?<br />
Começam a ter noção agora e é preciso<br />
fazer isso agora. O design é uma mais-<br />
-valia competitiva extraordinária. Nós não<br />
fazemos isso. Temos de fazer isso.
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