Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
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António Ramalho<br />
Gestor<br />
Do empréstimo ao imposto<br />
De repente, como que de forma inesperada, a descoberta de<br />
um deficite de 8% (e não 5,9% como anunciado), um inevitável<br />
orçamento ratificativo a aprovar já sem maioria garantida e<br />
está criada uma nova consciência colectiva “esmiuçando”<br />
a gravidade das finanças públicas, antecipando cenários antes<br />
esquecidos e, até quem sabe, temendo pelo futuro do país.<br />
Não percebo como o deficite de 2009, talvez o mais justificado<br />
dos deficites dos últimos dez anos, foi capaz de criar<br />
tal consciência. De facto, dezenas de comentadores nestas<br />
colunas entre os quais me incluo, e alguns até em livro para<br />
que a memória não apague (Vítor Bento, p.ex.) têm antecipado<br />
com inegável oportunidade, quer a reduzida consolidação<br />
das contas públicas verificada nos últimos anos, quer<br />
o crescente endividamento público e externo, quer, por<br />
último, a clara incapacidade de crescimento da nossa<br />
economia no quadro do seu actual modelo competitivo.<br />
Os nossos problemas económicos não são o resultado de<br />
um ano de crise, infelizmente são o resultado de uma crise<br />
de anos. Anos de investimento público pouco rentável, anos<br />
de endividamento privado demasiado consumido, e tudo<br />
junto, endividamento privado e público pouco orientado<br />
para aumentar drasticamente, como se impunha, o nosso<br />
potencial competitivo.<br />
O resultado é uma dívida pública directa superior a 80%<br />
do PIB. Acrescente-se a divida indirecta de empresas públicas,<br />
sobretudo na área dos transportes e some-se a dívida<br />
diferida de responsabilidades já assumidas nomeadamente<br />
PPP, e tudo ultrapassará certamente os 100% do PIB. Tudo<br />
financiado por empréstimos no exterior que terão que ser<br />
pagos, está bom de ver, quer pela redução da despesa, quer<br />
pelo aumento da receita.<br />
Os nossos problemas económicos<br />
não são o resultado de um ano de crise.<br />
Infelizmente, são o resultado<br />
de uma crise de anos.<br />
Como não parece possível consensualizar a redução da<br />
despesa, como temos uma economia estado-dependente, e<br />
como o exemplo irlandês de cortes nos salários dos funcionários<br />
públicos ainda não parece viável, então todos se irão<br />
virar para a receita.<br />
Equantoàreceita,tambéméfácildever,nãoexistirá<br />
crescimento potencial suficiente do PIB para garantir um<br />
acréscimo da receita entre 3% e 4%, que é quanto pagamos<br />
em juros (vamos, por simplicidade esquecer a amortização<br />
do capital) pelos empréstimos de dimensão idêntica ao PIB<br />
anual.<br />
É, por isso, que a questão do aumento de impostos parece<br />
inevitável. E até já vale a pena dedicar tempo de debate sobre<br />
que tipo de acréscimo na carga fiscal. Sobre os particulares<br />
ou sobre as empresas? Sobre as transacções ou sobre os<br />
rendimentos? Sobre os impostos “gerais” ou sobre impostos<br />
especiais?<br />
Porque lá dizia Eça, que eu já citei aqui, a seguir ao<br />
empréstimo lá virá o imposto. E o país do Fontismo parece<br />
não ter mudado. ■<br />
PUB<br />
EDITORIAL<br />
Queda do ‘rating’ da Grécia<br />
põe Portugal sob pressão<br />
A sensação de que a crise estava debelada e que os próximos<br />
tempos seriam de retoma económica ficaram abaladas pelo corte<br />
no ‘rating’ da Grécia, primeiro da Fitch e depois da Standard &<br />
Poor’s. A dívida pública grega já atinge 113% do Produto Interno<br />
Brutoeodéficeprevistoparaesteanoéde12,7%.Estecasofez<br />
com que todos olhassem de imediato para Portugal. Tal como a<br />
Grécia, também o nosso país corre o risco de estar a entrar num<br />
ciclo de baixo crescimento económico e dívida pública cada vez<br />
mais insustentável. A Moody’s, a outra das três agências de ‘rating’<br />
internacionais de referência, fez mesmo uma alusão conjunta a<br />
Portugal e à Grécia, dizendo que à medida que a dívida se tornar<br />
mais insustentável, os governos podem sentir a tentação de tomar<br />
decisões que sejam prejudiciais aos seus credores. O mais curioso<br />
é que os dois países atravessaram a crise financeira desencadeada<br />
pela falência do Lehman Brothers, a 15 de Setembro de 2008, sem<br />
grandes danos e podem agora vir a enfrentar dificuldades maiores<br />
que os restantes países da Zona Euro. A Moody’s referiu até que,<br />
apesar de o euro ter protegido estes dois países durante a crise de<br />
liquidez, não deverá agora ajudá-los a recuperar e aventou como<br />
credível a hipótese de vir a verificar-se uma lenta degradação da<br />
vitalidade económica com o consequente aumento inexorável da<br />
dívida pública, pressionada por taxas de juro cada vez maiores. O<br />
certo é que os ‘credit default swaps’ de Portugal, instrumentos que<br />
protegem os compradores dos títulos da República de eventuais<br />
incumprimentos, têm subido muito, tornando cada vez mais caro o<br />
dinheiro que o país pede emprestado ao estrangeiro. Afinal, os<br />
bancos nacionais estavam mais bem preparados para a crise que<br />
lhes bateu à porta que o país para a recuperação económica que<br />
agora se impunha. As agências de ‘rating’ têm Portugal sob<br />
observação negativa e estão à espera do Orçamento do Estado de<br />
2010 para saber se existem ou não sinais que permitam pensar<br />
que o Governo está preocupado e vai tomar as medidas<br />
necessárias para corrigir a trajectória descendente da economia<br />
do país. É caso para dizer que Portugal está à beira do abismo,<br />
mas ainda a tempo para tomar as medidas que os economistas e<br />
as agências de ‘rating’ recomendam e, com elas, recuperar<br />
a credibilidade internacional e baixar o défice.<br />
Causas... de Marrocos<br />
O Parlamento português aprovou, no dia 27 de Novembro, com as<br />
abstenções dos grupos parlamentares do PS, PSD e CDS-PP, um<br />
voto proposto pelo PCP de solidariedade para com a activista<br />
sarauí Aminatu Haidar, que se encontrava em greve de fome em<br />
Lanzarote, nas ilhas Canárias. O texto aprovado pela Assembleia<br />
da República explicitava que os representantes do povo português<br />
pugnavam “pelo cumprimento dos direitos humanos e das<br />
resoluções aprovadas pelas Nações Unidas”. Tal acto levou o<br />
governo de Marrocos a manifestar o seu “espanto” e “decepção”<br />
pela “moção inamistosa” aprovada pelo Parlamento português.<br />
Com efeito, ao tomar posição sobre este caso, a Assembleia da<br />
República intrometeu-se da pior forma num assunto interno de um<br />
EstadosoberanocomoqualPortugaltemumlongohistorialde<br />
relações amistosas e onde muitas empresas e profissionais<br />
nacionais exercem a sua actividade, dando corpo à intenção<br />
expressa de internacionalizar a economia portuguesa. Ao<br />
dispensar a diplomacia eahostilizar o país cuja capital é a mais<br />
próxima, em linha recta, de Lisboa, os parlamentares portugueses<br />
podem ter levantado barreiras ao estreitamento de relações<br />
económicas. O problema da activista sarauí está resolvido e<br />
ninguém mais, a não ser o governo de Marrocos, se vai lembrar<br />
do voto de solidariedade do Parlamento português e,<br />
especialmente, das palavras usadas. Em matéria de relações<br />
internacionais, há que saber medir as consequências da defesa<br />
de causas, muito nobres, e as suas repercussões na actividade<br />
económica do país e das empresas.<br />
Sábado 19 Dezembro 2009 <strong>Weekend</strong> — <strong>Económico</strong> 5<br />
Amelhor<br />
notícia<br />
da semana<br />
ANTÓNIO COSTA<br />
Director<br />
Tomás Correia venceu as<br />
eleições para a presidência<br />
do Montepio Geral com<br />
uma votação expressiva, de<br />
quase 70%, recebendo, assim,<br />
o voto de confiança<br />
dos mutualistas para continuar<br />
o projecto por si desenvolvido<br />
desde Março de<br />
2008. Porque é que esta é a<br />
melhor notícia da semana?<br />
Por várias razões, uma das<br />
quais, talvez mesmo a mais<br />
importante, porque existe a<br />
ideia de que em Portugal<br />
não há convicção nos projectos<br />
de longo prazo. Mas<br />
existe.<br />
Os mutualista do Montepio<br />
não se deixaram ‘seduzir’<br />
pelo discurso negativo<br />
de Alberto Regueira e deram<br />
a oportunidade a Tomás<br />
Correia para mostrar resultados<br />
de um plano agressivo<br />
de crescimento. Que, digase,<br />
tem tido sucesso.<br />
Se há um problema persistente<br />
na cultura portuguesa,<br />
especialmente na<br />
empresarial, é o de impaciência<br />
e ausência de definição<br />
de metas e objectivos<br />
de médio e longo prazo.<br />
Ora, neste caso, o caminho<br />
foi o oposto.<br />
Há outro motivo para escolher<br />
esta notícia: o mutualismo<br />
é cada vez mais<br />
relevante na sociedade, mas<br />
só será viável se as respectivas<br />
associações mutualistas<br />
gerarem receitas e resultados.<br />
E isso obriga a olhar<br />
para o mutalismo com um<br />
novo olhar, mais perto do<br />
mercadoesemmedoda<br />
concorrência da banca ‘tradicional’.<br />
É esta a aposta do<br />
Montepio quando não rejeita<br />
crescer e olha para as<br />
oportunidades, poucas, que<br />
o mercado vai gerando. ■