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Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico

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10 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

A MINHA JANELA<br />

Omovimento Dada - os seus<br />

fundadores recusam o termo<br />

Dadaísmo já que o “ismo”<br />

aponta para um movimento<br />

organizado que<br />

nãoéoseu–chegouàs<br />

empresas. Surgido durante e como reacção<br />

à I Guerra Mundial, ridicularizou o<br />

vazio e a decadência da vida moderna.<br />

Mas não perdeu a actualidade, por isso,<br />

assenta como uma luva à vida laboral de<br />

hoje. A pompa, a presunçãoeaimbecilidade<br />

gritante no trabalho pedem um tratamento<br />

dadaísta.<br />

O mestre actual do “Dada laboral”, o<br />

humorista e bloguista australiano David<br />

Thorne, tem por hábito citar os seus interesses<br />

máximos ao mesmo tempo que recita<br />

números primos por ordem decrescente.<br />

Tornou-se famoso há cerca de um<br />

ano quando, depois de tentar pagar uma<br />

sessão de quiropráctica com um desenho<br />

de uma aranha, divulgou no seu ‘site’<br />

(www.27bslash6.com) os ‘emails’ trocados<br />

com o dito quiroprático. Se o leitor<br />

ainda não teve oportunidade de visitar o<br />

‘site’, recomendo vivamente que o faça.<br />

A graça da coisa reside na diferença entre<br />

a imbecilidade normal da comunicação<br />

empresarialeaimbecilidade anormal da<br />

aranha. Thorne teve o mérito de protagonizar<br />

uma brincadeira particularmente<br />

divertida, saudável e inocente.<br />

A mais recente troca de emails de<br />

Thorne, que apanhou os ‘bloggers’ de<br />

surpresa e tem feito as delícias da comunidade<br />

nas últimas semanas, é igualmente<br />

divertida, no entanto, nada tem<br />

de saudável nem de inocente. Tudo começou<br />

quando um ‘web designer’ convidou<br />

Thorne a desenhar gratuitamente<br />

um logótipo e um gráfico de queijo para<br />

um projecto sobre ‘business-to-business<br />

(B2B) networking’. Thorne respondeu<br />

ao convite enviando um gráfico intitulado<br />

“O entusiasmo de David em trabalhar<br />

de borla para ‘S’”, composto pelos<br />

seguintes segmentos: “Nenhum”;<br />

“Muito pouco” e “Praticamente nulo”.<br />

Eis uma resposta sarcástica que Thorne<br />

fez acompanhar de um logótipo “que<br />

além de representar o projecto de ‘B2B<br />

networking’ no qual o Sr. trabalha actualmente,<br />

pretende também ilustrar<br />

o que é trabalhar consigo no geral”.<br />

À primeira vista, o logótipo parece uma<br />

águia, mas quando olhamos mais atentamente<br />

para o desenho vemos que<br />

se trata de um acto libidinoso entre<br />

dois homens.<br />

“S” enfurece-se e escreve: “Dispenso<br />

receber mais emails seus”. A resposta de<br />

Thorne é demolidora: “Ok. Boa sorte<br />

para o seu projecto. Se precisar de alguma<br />

coisa é só dizer”. Uma resposta imprópria<br />

para publicação.<br />

Aprendi três coisas com esta troca de<br />

emails: a) os artistas gostam de ser pagos<br />

pelo seu trabalho; b) os gráficos de queijo<br />

são uma parvoíce; c) ser incrivelmente<br />

rude com uma pessoa que achamos<br />

Lucy Kellaway<br />

Atitude dadaísta<br />

A pompa,<br />

a presunção<br />

e a imbecilidade<br />

gritante no<br />

trabalho pedem<br />

um tratamento<br />

dadaísta<br />

“Roue de<br />

Bicyclette”<br />

(1913) Marcel<br />

Duchamp<br />

que merece esse tratamento é tão revigorante<br />

como rebolar na neve.<br />

Esta história encerra em si outro aspecto<br />

dadaísta: situa-se numa zona nebulosa<br />

da Internet algures entre a realidade<br />

e a ficção. No Twitter há um homem<br />

real com o mesmo nome que finge<br />

ter percebido a piada, que nega tudo e<br />

que critica Thorne mordazmente. Se<br />

este homem é real, se existe de facto, estaremos<br />

perante um fenómeno de<br />

‘cyber-bulling’? Deveremos preocupar-nos<br />

com a situação? Ou será que foi<br />

Thorne quem inventou tudo isto? O seu<br />

currículo é invejável nesta matéria.<br />

Exemplos? A McDonalds enviou aos<br />

seus colaboradores dos ‘drive-ins’ na<br />

Austrália uma carta onde pedia que excluíssem<br />

alguns dos produtos pagos pelos<br />

clientes. A carta era assinada por<br />

“Robert Trugabe” e suscitou polémica.<br />

Recentemente veio a saber-se que este é<br />

mais um exemplo do extraordinário talento<br />

de Thorne. Não me interessa se é<br />

verdade ou pura ficção. Mas interessa-<br />

-me e valorizo a resposta de Thorne à<br />

proposta de criação de um logótipo e<br />

correspondente gráfico. Para mim, essa<br />

é uma verdadeira obra de arte e um curiosíssimo<br />

exercício de gestão.<br />

Os gestores passam a vida a tentar<br />

neutralizar a sua irritação, no entanto,<br />

acabam muitas vezes por alimentá-la,<br />

ainda que inadvertidamente. A resposta<br />

de Thorne choca por fazer exactamente<br />

o oposto: mete-se com uma pessoa que<br />

está irritada e consegue, paulatinamente,<br />

irritá-la ainda mais.<br />

A minha vida profissional faz com que<br />

me cruze com muitas pessoas que vivem<br />

num estado de irritação permanente.<br />

Muitas delas lêem o “Financial Times” e<br />

encaram as minhas crónicas como um<br />

lenitivo. Na semana passada, um tal Joseph<br />

Waring de Hong Kong escreveu-me<br />

a dizer que a minha última crónica era<br />

um chorrilho de imbecilidades e rotulou-me<br />

de patética. No final dizia: “A<br />

propósito, toda a gente aqui no trabalho<br />

acha o seu corte de cabelo ridículo e demasiado<br />

jovial”.<br />

Estava eu a engendrar uma resposta à<br />

altura da provocação quando abri o<br />

email de um advogado na reforma,<br />

Stephen Gold de seu nome. “Pagam-lhe<br />

para ser inútil e condescendente?”, perguntava<br />

numa mensagem escrita num<br />

tom irritado e mordaz que lhe deve ter<br />

ocupado, a ver pelo tamanho, uma tarde<br />

inteira a “teclar” no BlackBerry.<br />

Em nome da Arte – sim, com maiúscula<br />

-, roí por instantes a tampa da caneta<br />

e comecei a escrever a resposta mais<br />

repugnante e complacente que consegui<br />

arquitectar, e terminei com uma frase<br />

especialmente incendiária: “Espero que<br />

isto ajude”. Carreguei no ‘enter’, recostei-me<br />

na cadeira e aguardei. A resposta<br />

chegou uma hora depois. Curiosamente,<br />

o tom não era exaltado. Era mais cordial<br />

do que na missiva anterior. “Agradeço o<br />

tempo que despendeu a responder-me”,<br />

dizia respeitosamente.<br />

Como obra de arte, o meu esforço foi<br />

um rotundo fracasso. Mas aprendi mais<br />

três coisas. 1. A maior parte das pessoas<br />

não se dá ao trabalho de responder aos<br />

‘emails’. 2. É um erro recorrer à ironia<br />

numa mensagem electrónica. 3. É difícil<br />

ter graça, mas é ainda mais difícil ser um<br />

dadaísta bem sucedido.<br />

Exclusivo Financial Times<br />

Tradução de Ana Pina

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