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Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico

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36 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 19 Dezembro 2009<br />

DESTAQUE LIVRO DE MARK MAZOWER<br />

Aorigem<br />

das Nações Unidas<br />

JOÃO MARQUES<br />

DE ALMEIDA<br />

Colunista do <strong>Económico</strong><br />

Mark Mazower, professor de história internacional<br />

na Universidade de Columbia, escreveu<br />

um livro magnífico. O tempo e a escassa<br />

curiosidade histórica resultaram<br />

numa ignorância relativamente generalizada<br />

sobre as origens das Nações Unidas. A<br />

organização é muito discutida, mas a história<br />

da sua criação é pouco conhecida. Como<br />

diz o autor na introdução, a versão oficial<br />

conta que “as Nações Unidas emergiram<br />

depois da Segunda Guerra Mundial puras e<br />

descontaminadas em relação ao passado da<br />

política mundial”. Marcariam uma espécie<br />

de ‘novo começo’ da história do mundo. O<br />

autor argumenta que, ao contrário das teses<br />

da ruptura, a origem das Nações Unidas<br />

deve ser colocada no contexto dos debates<br />

sobre os impérios europeus, nomeadamente<br />

o Império Britânico, e a experiência da<br />

Sociedade das Nações. Para Mazower, há<br />

duas dimensões centrais, paralelas e opostas,<br />

nas Nações Unidas. Para uns, a organização<br />

deveria promover a “missão civilizadora”<br />

dos impérios europeus. Para outros,<br />

deveria legitimar as lutas anti-coloniais de<br />

libertação nacional. Essas duas tendências,<br />

ainda hoje, explicam muitas das contradições<br />

da organização.<br />

As Nações Unidas<br />

e o ‘internacionalismo imperial’<br />

Os dois primeiros capítulos discutem as contribuições<br />

de um político, o sul-africano Jan<br />

Smuts, e de um académico, o inglês Alfred<br />

Zimmern, para a criação das Nações Unidas.<br />

Embora representassem visões distintas, foram<br />

ambos educados pela ideologia imperial<br />

britânica. Smuts defendeu a ‘superioridade<br />

racial branca’ na África do Sul. Zimmern<br />

pertencia a meios mais cosmopolitas e progressistas<br />

dos sectores liberais britânicos.<br />

Mas ambos olhavam para a tradição imperial<br />

britânica como uma forma de progresso histórico<br />

(”the white man’s burden”).<br />

Jan Smuts, primeiro-ministro sul-africano,<br />

era um dos delegados mais experientes na<br />

Conferência de São Francisco, após ter participado<br />

na Conferência de Paris que estabeleceu<br />

a SDN, em 1919. Tendo em conta o papel<br />

das Nações Unidas na luta contra o regime<br />

sul-africano do ‘apartheid’, quem diria que<br />

um antigo primeiro-ministro da África do<br />

Sul teria um papel de relevo na criação da or-<br />

ganização em 1945. Smuts via na ONU a garantia<br />

da preservação do Império Britânico<br />

em África, atribuindo ao governo sul-africano<br />

a papel de agente civilizador entre as populações<br />

locais. Ironicamente, na cabeça de<br />

um dos Pais Fundadores da organização, “as<br />

Nações Unidas começaram a sua vida não<br />

como um instrumento para acabar com o colonialismo,<br />

mas como um meio para o preservar”.<br />

E Smuts, de certo modo, não estava<br />

enganado. A Carta da ONU é de uma neutralidade<br />

absoluta em relação aos impérios coloniais<br />

e, mais tarde, foi devido aos interesses<br />

de Washington e de Moscovo e através de Resoluções<br />

da Assembleia Geral que a organização<br />

combateu o colonialismo.<br />

Não se julgue que a ligação entre as organizações<br />

universais e os Impérios era um exclusivo<br />

dos políticos mais conservadores. Intelectuais<br />

radicais, como J.A. Hobson, um<br />

crítico feroz do “imperialismo”, defendia a<br />

construção de uma “federação de Estados civilizados”<br />

com o objectivo de promover a<br />

missão civilizadora dos Impérios europeus.<br />

Nos meios intelectuais e académicos, o principal<br />

defensor do “internacionalismo imperial”<br />

foi Alfred Zimmern. Professor de Relações<br />

Internacionais na Universidade de<br />

Oxford e, mais tarde, na Universidade de<br />

Cornell, nos Estados Unidos.<br />

Zimmern, uma das figuras mais respeitadas<br />

e influentes no mundo anglo-saxónico<br />

no período entre as Guerras, herdou duas<br />

ideias centrais do pensamento liberal do século<br />

XIX. Em primeiro lugar, a Grécia clássica<br />

e Roma representavam os modelos dos<br />

Impérios civilizadores, cujos exemplos deveriam<br />

ser seguidos pelos europeus no século<br />

XX. Em segundo lugar, recuperou a<br />

distinção, desenvolvida nos séculos XVII e<br />

XVIII, entre os ‘bons’ e os ‘maus’ impérios.<br />

De um lado estavam os ‘impérios comerciais’<br />

e do outro os ‘impérios de conquista’<br />

(na linguagem usada por Montesquieu, Hume<br />

e Adam Smith). A partir do século XIX, a<br />

oposição passou a ser entre ‘impérios liberais’<br />

(defendidos por Tocqueville e Stuart<br />

Mill) e ‘impérios militaristas’. A Alemanha<br />

nazi constituía o exemplo mais recente (e<br />

mais terrível) dos últimos; e o Império Britânico<br />

representava o último sobrevivente<br />

dos primeiros.<br />

Zimmern viu mais longe que Smuts e percebeu<br />

que o Império britânico estava condenado<br />

como resultado das relações de poder<br />

provocadas pela Segunda Guerra Mundial. À<br />

semelhança do governo britânico trabalhista<br />

do pós-Guerra, Zimmern olhava para os norte-americanos<br />

como os herdeiros da missão<br />

civilizadora liberal. Já a viver nos Estados<br />

Unidos, Zimmer tentou convencer o Departamento<br />

de Estado a apresentar um “progra-<br />

“ Na cabeça de<br />

um dos Pais<br />

Fundadores da<br />

organização, “as<br />

Nações Unidas<br />

começaram a sua<br />

vida não como<br />

um instrumento<br />

para acabar com<br />

o colonialismo,<br />

mas como um meio<br />

para o preservar”.<br />

As últimas décadas<br />

constituem a<br />

história da<br />

emergência da<br />

ONU global e o fim<br />

dos impérios.No<br />

entanto, o desfecho<br />

da história não nos<br />

deve levar a ignorar<br />

o seu início.<br />

O livro ‘No Enchanted Palace: The End<br />

of Empire and the Ideological Origins<br />

of the United Nations’ está à venda<br />

‘online’ na Amazon por 16,47 dólares.<br />

A origem das Nações Unidas deve ser colocada<br />

no contexto dos debates sobre os impérios<br />

europeus, nomeadamente o Império Britânico.<br />

ma americano para consolidar a civilização<br />

ocidental” através das Nações Unidas. Acaboudesapontadopelofactodo<strong>Plano</strong>Marshall<br />

e da Doutrina Truman ignorarem a ONU<br />

e limitarem-se à Europa.<br />

A ligação entre imperialismo e internacionalismo<br />

aponta, ao contrário do que dizem as<br />

teses dominantes, para a continuidade entre<br />

a Sociedade das Nações e as Nações Unidas.<br />

Tanto em Washington como em Londres, os<br />

grupos de trabalho que, ainda durante a<br />

Guerra, pensaram as Nações Unidas eram<br />

compostos por figuras que tinham desempenhado<br />

um papel importante na construção<br />

da Sociedade das Nações (Keynes é talvez o<br />

exemplo mais conhecido). Nas palavras de<br />

Mazower, “o exemplo da Sociedade das Nações<br />

dominou as discussões sobre a Carta das<br />

Nações Unidas”. A SDN fora uma “instituição<br />

Vitoriana” empenhada numa “missão civilizadora<br />

global”, herdeira das ideologias imperiais<br />

europeias. Para Smuts e Zimmern, a

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