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Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico

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34 | Outlook | Sábado, 19.12.2009<br />

ALDEIA GLOBAL<br />

Eriko Sugita / Reuters<br />

Os contrastes andam nas ruas de Quioto, uma cidade<br />

onde o tradicional convive como pode com as<br />

exigências dos novos tempos. Dos templos às<br />

manifestações em defesa do ambiente. Das filas de<br />

trânsito ao desperdício associado à arte de bem servir<br />

onde esse compromisso esteve até ontem<br />

a ser revisto. Mas em Quioto, nas ruas da<br />

cidade milenar, não se ouvia falar de Copenhaga,<br />

nem se viram manifestações da<br />

sede local da Greenpeace por desrespeito<br />

ao protocolo. Aí, havia um grande silêncio.<br />

O ruído fora transferido para a capital<br />

da Dinamarca deixando a cidade imperial<br />

entregue ao seu próprio som ambiente,<br />

feito de sirenes, buzinas de carros, campainhas<br />

de bicicletas, pregões nos bairros<br />

Gion e Shiju, barulho de máquinas de jogos<br />

em que vale quase tudo por um Kit-<br />

-Kat ou uma Kitty de peluche. Se Quioto<br />

não se cumpriu que se cumpra então Copenhaga,<br />

lê-se na imprensa internacional<br />

que por ali é escassa e concentrada<br />

numa única livraria no centro da cidade,<br />

bem perto daquele balcão em Gion, um<br />

dos mais antigos e melhor preservados<br />

bairros de Quioto, com uma elevada concentração<br />

de restaurantes distinguidos<br />

pelo Guia Michelin, onde a vendedora parece<br />

alheada de todas estas negociações<br />

de cúpula e se limita a cumprir a a tradição<br />

ancestral de bem servir.<br />

TRADIÇÃO VERSUS AMBIENTE<br />

Até que ponto essa tradição é ou não compatível<br />

com os preceitos dessa outra Quioto<br />

que o mundo se habituou a nomear, é<br />

coisa que dificilmente lhe irá ocorrer. Ela<br />

sabe que está ali para servir e serve o melhor<br />

que sabe. Ela e os milhões de japoneses<br />

que trabalham no sector dos serviços; os<br />

mesmos que sabem que é proibido ou, na<br />

melhor das hipóteses, há que refrear o impulso<br />

de acender um cigarro na rua para<br />

não sujar o piso; que sabe ainda da dificuldade<br />

de encontrar um caixote de lixo a<br />

cada esquina; que talvez seja um dos muitos<br />

cidadãos de Quioto que se deslocam de<br />

bicicleta para o trabalho, conhecendo o<br />

caos que pode ser o trânsito local, e que<br />

muito provavelmente não saberá que o seu<br />

país, um dos que ratificaram o tratado, é o<br />

quarto maior emissor mundial de dióxido<br />

de carbono, com 13,4 milhões de toneladas/ano,<br />

atrás dos Estados Unidos, da China<br />

e da Rússia, e que produz qualquer coisa<br />

como 53 milhões de toneladas por ano de<br />

lixo doméstico, 80% do qual é incinerado.<br />

Isso: incinerado. É que o espaço é pouco,<br />

a matéria-prima quase toda importada<br />

e reciclar é um verbo que os japoneses<br />

aprendem a conjugar desde muito cedo. E<br />

incinerar implica controlar o número de<br />

aterros numa terra sobrepovoada, onde<br />

cada pedaço de chão é sagrado, aproveitado<br />

até não sobrar nada. Mas antes, muito<br />

antes, a grande aventura após encontrar o<br />

tal caixote do lixo é perceber que esse caixote<br />

se reparte em vários; cada um com<br />

instruções sobre que tipo de lixo deve receber,<br />

algo que pode levar o mais paciente<br />

ocidental a ter um acesso de nervos e a<br />

deitar tudo no mesmo saco por saber que<br />

dificilmente irá acertar no alvo. Isto se<br />

houver instruções em inglês. Tal não é exclusivo<br />

de Quioto, mas ali tudo se agrava.<br />

Culpa do esmero do serviço levado a extremos<br />

pouco compatíveis com os princípios<br />

do protocolo ali assinado. A arte de<br />

bem separar o lixo é comum a todas as cidades<br />

do Japão. Reciclar é obrigatório e<br />

cabe a cada município decidir sobre as categorias<br />

a que deve obedecer a triagem do<br />

lixo. No mínimo cinco: incinerável, não<br />

incinerável, garrafas PET, latas de metal e<br />

ainda alumínio e vidros. Confuso? Sim.<br />

Mas pode ser de loucos se pensarmos que<br />

em Yokohama, a segunda cidade do Japão,<br />

existem dez tipos de lixo.<br />

SE QUIOTO NÃO SABE DE COPENHAGA,<br />

COPENHAGA SABERÁ DE QUIOTO?<br />

Mas a cidade dos templos, ex-capital, ex-<br />

-morada dos imperadores, terra de jardins<br />

zen, gueixas e bonsais, sítio que o mundo<br />

passou a conhecer e a invocar sempre que<br />

se fala de ambiente, está longe de ser<br />

exemplo nessa matéria. Ali, ao contrário<br />

do que acontece na gigante capital, os<br />

transportes públicos estão a milhas de ser<br />

um exemplo. O metro não cobre todo o<br />

território de Quiotoeétudomenosprático<br />

e eficaz. Basta pensar que para trocar de<br />

linha muitas vezes é preciso atravessar<br />

uma avenida. A alternativa é uma rede de<br />

autocarros que vai a todo o lado mas se revela<br />

incapaz de fazer frente às filas provocadas<br />

pelos milhares de carros que enchem<br />

as principais vias da cidade em hora<br />

de ponta. Uma pescada de rabo na boca<br />

O actual primeiro<br />

ministro, Yukio<br />

Hatoyama,<br />

prometeu baixar<br />

em 25 por cento<br />

as emissões de gases<br />

do Japão até 2020.<br />

Uma promessa para<br />

levar a Copenhaga<br />

enquanto o trânsito<br />

não pára em Quioto<br />

Toru Hanai / Reuters<br />

que tem como resultado o facto dos cerca<br />

de 1,5 milhões de habitantes de Quioto<br />

preferirem o carro próprio para se deslocar<br />

internamente. Isso ou as bicicletas,<br />

verdadeira praga nos passeios para quem<br />

escolheu simplesmente andar a pé.<br />

Caos. Por vezes é assim. Tropeça-se<br />

nele, como se tropeça na loja mais requintada.<br />

A cidade é baixa. Estende-se ao<br />

longo de um vale protegido por montanhas<br />

e pintado em tons de castanho, a cor<br />

das folhas que ainda persistem nas árvores<br />

em volta. É quase Inverno e as cerejeiras<br />

do Passeio dos Filósofos há muito que<br />

deixaram de ter flor. Hordas de turistas<br />

percorrem o caminho que foi feito para a<br />

pensar. Mas onde anda agora a tranquilidade<br />

de outros tempos? Nem nos templos,<br />

muitos distinguidos pela UNESCO<br />

como património da Humanidade, envoltos<br />

em bonsais, à espreita em esquinas<br />

ou entre avenidas povoadas de anúncios<br />

de karaoke, com o incenso a misturar-se<br />

aos aromas das bancas de comida de rua.<br />

Quioto, a Quioto do Protocolo que Copenhaga<br />

agora veio prolongar, é uma cidade<br />

de contrastes. La Palisse não diria melhor,<br />

é certo. Mas é inevitável não pensar na<br />

Quioto do Protocolo ao percorrer a Quioto<br />

de casas de madeira escura, estores de<br />

bambu, pórticos laranja, ruas empedradas,<br />

avenidas apinhadas. Uma Quioto que<br />

já foi capital e agora é a sétima cidade do<br />

Japão com uma população que quase triplica<br />

a de Lisboa, num país agora governado<br />

por democratas que prometeram<br />

um melhor ambiente também para a cidade<br />

do Protocolo.<br />

Antes de tomar posse, o actual primeiro-ministro,<br />

Yukio Hatoyama, prometeu<br />

baixar em 25% as emissões de gases no Japão<br />

até 2020. Uma promessa para levar a<br />

Copenhaga enquanto o trânsito não pára<br />

em Quioto e, atrás dos milhares de balcões<br />

dos milhares de casas de comida e acessórios<br />

de todo o tipo, outros tantos milhares<br />

de vendedores continuam a fazer embrulhos<br />

segundo as técnicas de outros tempos.<br />

Copenhaga sabe da Quioto do Protocolo,<br />

mas saberá desta? É certo que esta<br />

também ainda não sabe nada de Copenhaga.<br />

Pelo menos a tal vendedora...

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