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VISÃO JUDAICA • outubro 20<strong>06</strong> • Tishrei / Chesvan • 5767<br />
Democracia<br />
disfuncional<br />
Nahum Sirotsky*<br />
a tela do meu computador tenho<br />
longa lista de veículos de todos<br />
os países. É obrigação de ter uma<br />
idéia do que vai pelo mundo. Com<br />
um clique navego para o que se diz<br />
e se escreve sobre o tema que escolho. É assim<br />
que sempre confirmo como é difícil estar<br />
informado. Um mesmo fato nunca deixa de ter<br />
versões diversificadas, representando diferentes<br />
pontos de vista. Se assim é em contextos<br />
nacionais imagine-se no internacional. Ser bem<br />
informado implica em se compreender um fato<br />
em todas as suas dimensões, praticamente impossível,<br />
pois que são incontáveis... Por exemplo,<br />
o monoteísmo significa que existe um só<br />
D-us, mas são em centenas, ou mais, o entendimento<br />
de tal conceito. Quantas são as seitas<br />
de uma mesma fé? Tento o melhor, mas é inevitável<br />
a infiltração inconsciente do que já está<br />
no meu subconsciente. Há sempre um ponto<br />
de referência que se fixa.<br />
Em tese sei por que se massacram sunitas e<br />
xiitas, seitas muçulmanas, no Iraque. As diferenças<br />
entre eles na compreensão da fé são<br />
mínimas. Não justificam que a convivência seja<br />
aparentemente impossível a não ser imposta<br />
pela mão dura do ditador.<br />
Percorro a história de todas as expressões<br />
do monoteísmo e encontro sempre guerras civis.<br />
Aconteceu com as tribos hebraicas quando<br />
saíram do deserto e entraram na Terra Prometida.<br />
Sob formas diferentes desentendimentos<br />
persistem até hoje. O cristianismo tem uma<br />
longa história de sangrentos conflitos. O passado<br />
do Islã também é sangrento. Mas atravessa<br />
nova fase de lutas intestinas e confrontos<br />
com não muçulmanos.<br />
A Faixa de Gaza cobre cerca de 360 quilômetros<br />
quadrados dentro dos quais se apertam<br />
um milhão e 500 mil palestinos.Tem algumas<br />
das mais belas praias naturais do mar Mediterrâneo<br />
e não tem água para beber. É área de<br />
gente pobre e miserável com uma pequena de<br />
minoria abastada.<br />
E parte da região da chamada Autoridade<br />
Palestina da qual está separada uma seção de<br />
outra uns tantos quilômetros de território israelense.<br />
Os palestinos estão em conflito com<br />
Israel há uns cem anos.<br />
A Autoridade Palestina resultou de acordos<br />
entre Israel e a liderança do Movimento<br />
Nacional Palestino, o Fatah, liderado por Yasser<br />
Arafat. A idéia era de que viria a surgir um<br />
estado palestino independente. Parte do território<br />
palestino havia estado sob o domínio<br />
da Jordânia que preferira não incorporá-la o<br />
que, provavelmente, seria aceito pela Comunidade<br />
Internacional. Dois terços da população<br />
da Jordânia, país sob uma monarquia de árabes<br />
beduínos, tribos vindas da Arábia, era e é<br />
de palestinos. A incorporação da Cisjordânia<br />
transformaria os palestinos em maioria. Mas a<br />
monarquia temia o que aconteceria se houvesse<br />
mais milhões de palestinos...<br />
Arafat dominava com braço forte. Morreu.<br />
Ele foi substituído por Abu Mazen, também do<br />
Fatah, em eleições. A disciplina imposta pelo<br />
regime autoritário de Arafat se desmanchou<br />
ao assumir um sistema de poderes compartilhados.<br />
No seio do sistema de Arafat, que se pode<br />
qualificar de secular, cresceu o Hamas (Movimento<br />
Islâmico de Resistência) que implantou,<br />
principalmente na faixa de Gaza, um eficiente<br />
sistema de assistência social que incluía clínicas,<br />
ajuda econômica, escolas. De islâmico puritanismo<br />
a liderança do Hamas ganhou o povo.<br />
E a maioria no Parlamento palestino o que lhe<br />
deu o direito de assumir as funções de Primeiro<br />
Ministro e outros ministérios.<br />
Abu Mazen, o presidente eleito em pleito<br />
anterior, manteve os poderes que eram de sua<br />
função, apoiado nas forças de segurança e policiais.<br />
O conflito tornou-se inevitável. Os 160<br />
mil funcionários públicos, incluindo a tropa,<br />
eram de nomeados pelo Fatah, mas o Hamas<br />
passou a programar a tomada do comando do<br />
Estado com gente de sua escolha. Começou<br />
nomeando para cargos de confiança. O entendimento<br />
se tornou cada dia menos provável.<br />
Quem era funcionário não queria perder o lugar.<br />
Abu Mazen preferia negociar a criação do<br />
estado palestino e aceitara o mapa do caminho,<br />
o ”roadmap” traçado pelo Quarteto-Estados<br />
Unidos, Rússia, Nações Unidas, Europa. O<br />
Hamas, representando a crescente tendência<br />
da massa árabe e segmentos de intelectuais<br />
por sistemas teocráticos, como o do Irã, inspirados<br />
e orientados pela sharia, a lei islâmica,<br />
deixou claro que iria impor tal sistema na<br />
área palestina e jamais reconheceria o direito<br />
de Israel a existir.<br />
O desentendimento entre o Fatah e o Hamas<br />
aprofundou-se quando as potências concordaram<br />
em impor sanções ao governo palestino<br />
que sofreu suspensão da ajuda internacional.<br />
Abu Mazen pressiona o Hamas para que<br />
mude sua promessa de se empenhar na extinção<br />
do estado judeu. Chegam perto e se distanciam<br />
do entendimento. Falta de tudo em<br />
Gaza. Não há ordem pública. Brigam os que<br />
aceitam a orientação de Abu Mazen com aqueles<br />
que optam pela do Hamas. Os palestinos<br />
estão a milímetros de uma sangrenta guerra<br />
civil. E assim afastam a hipótese de retomada<br />
de negociações com Israel para chegarem ao<br />
seu sonhado estado independente. E de voltarem<br />
a ter o que comer...<br />
A questão palestina só tem solução possível<br />
por meios políticos. Mas pode se repetir o<br />
que acontece no Iraque onde os muçulmanos<br />
se matam uns aos outros e afastam o dia em<br />
que os americanos poderão sair do país. As<br />
soluções democráticas, por eleições, não parecem<br />
viáveis. Não se trata de diferenças de<br />
ambições entre partidos entre os quais os derrotados<br />
sempre têm a alternativa de sustentarem<br />
a luta como oposição. Entre os palestinos,<br />
como no Iraque, é guerra religiosa, de<br />
incompatibilidades aparentemente intransponíveis.<br />
De se tentar ganhar para se ficar com o<br />
poder absoluto submetendo a ele as minorias.<br />
* Nahum Sirotsky é jornalista, correspondente da RBS e do Último Segundo/IG em Israel. A<br />
publicação desta coluna tem a autorização do autor.<br />
Chargistas brasileiros<br />
participam da mostra iraniana<br />
que nega o Holocausto<br />
Vinte e um chargistas brasileiros participaram da mostra polêmica<br />
— o festival iraniano de charges sobre o Holocausto, em Teerã.<br />
Chama a atenção o fato do Brasil ter sido o país com o terceiro maior<br />
número de inscritos, perdendo apenas para o próprio Irã e para a<br />
Turquia, ambos com população de maioria muçulmana.<br />
Em exibição no Museu Palestina de Teerã até o dia 13 de setembro,<br />
o evento foi proposto durante a onda de protestos mundiais<br />
contra as caricaturas do profeta Maomé publicadas pelo jornal dinamarquês<br />
Jyllands-Posten no ano passado. A polêmica provocou a<br />
reação do jornal iraniano Hamshahri, controlado pelo governo de<br />
Teerã, que estimulou a realização do festival. A iniciativa, claro, teve<br />
amplo apoio do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad - que<br />
não hesita em pôr em dúvida a ocorrência do Holocausto e defende<br />
a destruição do Estado de Israel.<br />
Para o presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil, o chargista<br />
José Alberto Lovetro, o Jal, parte da explicação está no grande<br />
número de desenhistas brasileiros e na falta de canais para esses artistas<br />
se expressarem. Assim, segundo ele, quando há festivais internacionais,<br />
o Brasil é sempre um dos países com maior número de inscritos.<br />
Mas Jal explica que é grande o intercâmbio entre artistas iranianos<br />
e brasileiros. Em constante contato com a organização de festivais<br />
de humor, ele explica que muitos artistas de países de maioria<br />
muçulmana costumam participar dos eventos no Brasil. “Pode parecer<br />
estranho, mas o Irã é um dos países com maior número de humoristas<br />
por metro quadrado”, diz.<br />
Explicação semelhante também foi dada por Eloar Guazzelli, que<br />
participa do festival. Com várias premiações no currículo - como o<br />
Excellence Prise do jornal japonês Yomiury Shimbum e o 1º lugar na<br />
edição de 2002 do Salão Internacional de Humor de Piracicaba -, o<br />
quadrinista acredita que o fenômeno deva-se principalmente à grande<br />
atuação brasileira em competições internacionais. Segundo o autor,<br />
é no mercado exterior que os conterrâneos encontraram espaço<br />
para divulgar seus trabalhos. “Somos mais reconhecidos lá fora do<br />
que aqui dentro”, lamenta.<br />
Críticas a Israel<br />
Os dois desenhistas reconhecem, no entanto, que outra parte da<br />
explicação deve-se também a um forte componente de crítica à atuação<br />
de Israel no Oriente Médio. Mas, enquanto Jal afirma que não<br />
participaria do concurso por considerar tanto os desenhos de Maomé<br />
quanto a resposta iraniana inadequadas, Guazzelli diz ter aderido<br />
ao concurso por sentir-se indignado diante do que está ocorrendo<br />
“na Palestina”.<br />
Ainda assim, ele afirma que, no início, temia que a exposição<br />
tivesse uma vertente anti-semita. “Porém, ao acessar o site (do evento)<br />
e ver que um dos seus temas era por que os palestinos têm de pagar<br />
o preço pelo Holocausto, vi que não era esse o propósito”, afirmou.<br />
Embora também critique a atuação do Estado judeu, Jal, por sua<br />
vez, diz preferir não endossar “nada que leve ao radicalismo”. Isso,<br />
no entanto, não o impede de criticar a forma como a crise das charges<br />
de Maomé foi explorada pela mídia ocidental. Segundo ele, o<br />
humor - “uma forma de expressão anarquista” - deve ser livre, mas<br />
não desrespeitoso.<br />
Para ilustrar a opinião, ele lembra a história do cartunista Otávio,<br />
que nos anos 60 perdeu o emprego no jornal Última Hora por publicar,<br />
às vésperas de um clássico entre Corinthians e Santos, uma charge<br />
de Nossa Senhora com a cara de Pelé. “Uma multidão de religiosos<br />
cercou a porta do jornal, que teve de encerrar o expediente por um<br />
bom tempo. Otávio foi demitido e teve de pedir proteção policial.”