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VJ OUT 06 - Visão Judaica

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24<br />

VISÃO JUDAICA • outubro 20<strong>06</strong> • Tishrei / Chesvan • 5767<br />

Celso Lafer,<br />

professor titular da<br />

Faculdade de<br />

Direito da USP, foi<br />

ministro das<br />

Relações Exteriores<br />

no governo FHC.<br />

O Oriente Médio<br />

e o discurso de ódio<br />

Celso Lafer *<br />

ão indizíveis, adverte a Carta<br />

da ONU, os sofrimentos da<br />

guerra. Atingem os que padecem<br />

uma pena sem culpa, vitimados<br />

pela violência empregada<br />

nos conflitos bélicos. A intervenção<br />

de Israel no Líbano, induzida por<br />

uma provocação militar do Hezbolá,<br />

trouxe à tona a sensibilidade em relação<br />

a estes sofrimentos que incidem<br />

no contexto dos conflitos no<br />

Oriente Médio.<br />

O contencioso Israel-palestinos é<br />

um dos epicentros destes conflitos.<br />

Ele não tem a clareza jurídica de uma<br />

controvérsia, qual seja a das condições<br />

de criação de um Estado palestino<br />

política e economicamente viável<br />

e o reconhecimento do direito<br />

de Israel de viver em paz dentro de<br />

fronteiras reconhecidas. Não tem esta<br />

clareza, pois o problema se insere num<br />

ambiente de tensões. As tensões, em<br />

contraste com as controvérsias, são<br />

difusas. Manifestam-se por posturas<br />

que escapam à razoabilidade da lógica<br />

diplomática.<br />

O Oriente Médio está permeado de<br />

múltiplas tensões. Entre elas a tensão<br />

da hegemonia provocada pelo unilateralismo<br />

da intervenção norte-americana<br />

no Iraque e seus efeitos; a tensão<br />

do solipsismo da razão terrorista;<br />

a tensão estratégica, induzida pelas<br />

aspirações de poder do Irã; a tensão<br />

da sublevação dos particularismos<br />

religiosos e nacionais.<br />

Um entorno regional com estas<br />

características é centrífugo<br />

e heterogêneo. Carece de uma<br />

vontade comum de estabilidade.<br />

Por isso os esforços de persua-<br />

são diplomática se vêem atropelados<br />

pela violência. Esta é a razão pela<br />

qual a política na região está mais<br />

vinculada à busca dos meios para sobreviver<br />

e vencer, ficando em segundo<br />

plano a aspiração kantiana de<br />

construir a paz e evitar os sofrimentos<br />

da guerra, reconhecendo o direito<br />

à hospitalidade universal.<br />

Esta contextualização de complexidades<br />

é necessária para o tema<br />

deste artigo, que diz respeito ao<br />

impacto, no Brasil, da importação das<br />

tensões no Oriente Médio.<br />

Uma das características da globalização<br />

é a internalização, nos<br />

países, das tensões do mundo. É o<br />

que vem ocorrendo com a situação<br />

do Oriente Médio, no qual um dos<br />

elementos de irradiação é a tensão<br />

de hegemonia trazida pela ação<br />

norte-americana no Iraque. Esta<br />

leva ao antiamericanismo e afeta<br />

Israel, que tem nos Estados Unidos<br />

um decidido aliado.<br />

No caso do Brasil, para a equação<br />

da internalização contribui o fato<br />

de existir um expressivo número de<br />

cidadãos brasileiros de origem libanesa<br />

com laços de família e de memória<br />

afetiva em relação ao Líbano,<br />

com compreensível sensibilidade ao<br />

que se passa num país que se estava<br />

reconstruindo em meio a suas dificuldades.<br />

Também é um dado desta<br />

equação a existência de um número<br />

relevante de cidadãos brasileiros de<br />

origem judaica, muitos dos quais<br />

também têm laços de família e de<br />

afeto com o Estado de Israel e que,<br />

por isso mesmo, olham para a segurança<br />

deste país com atenção. Neste<br />

olhar existe a memória de guerras do<br />

passado e dos insucessos das nego-<br />

ciações, permeado por uma sensibilidade<br />

própria em relação aos atentados<br />

terroristas em Israel e ao fato<br />

de o Hezbolá operar a partir do Líbano,<br />

respaldado pela Síria com o declarado<br />

apoio logístico-militar do Irã<br />

- cujo presidente denega o Holocausto<br />

e propõe o desaparecimento de<br />

Israel do mapa do Oriente Médio.<br />

Feitos estes registros, observo<br />

que o preâmbulo da Constituição<br />

considera como valores supremos do<br />

nosso país a concepção de uma sociedade<br />

fraterna, pluralista e sem<br />

preconceitos, comprometida, na ordem<br />

interna e internacional, com a<br />

solução pacífica de controvérsias.<br />

Esta diretriz tem sido bem-sucedida<br />

na construção histórica do<br />

amálgama do povo brasileiro na diversidade<br />

das suas origens.<br />

Daí o tranqüilo entendimento<br />

entre brasileiros de origem árabe e<br />

de origem judaica. Este é um adquirido<br />

da convivência nacional a ser<br />

preservado. Não pode ser corroído<br />

pelo discurso de ódio que, lamentavelmente,<br />

tem aparecido como parte<br />

das internalizações das tensões do<br />

Oriente Médio. É o caso, por exemplo,<br />

de certas virulentas manifestações<br />

antiisraelenses mescladas de<br />

inequívoco anti-semitismo do tipo<br />

das relatadas pela revista Carta Capital<br />

de 6/9 em matéria apropriadamente<br />

intitulada O Líbano é aqui.<br />

A contenção do discurso de ódio<br />

tem sido objeto das normas internacionais<br />

dos Direitos Humanos às<br />

quais o Brasil aderiu. É o que estipula<br />

a Convenção para a Eliminação de<br />

Todas as Formas de Discriminação<br />

Racial, o Pacto de Direitos Civis e<br />

Políticos e o Pacto de São José. Este,<br />

no seu artigo 13, 5, reza: ‘A lei deve<br />

proibir toda propaganda a favor da<br />

guerra, bem como toda apologia ao<br />

ódio nacional, racial ou religioso que<br />

constitua incitamento à discriminação,<br />

à hostilidade, ao crime ou à violência.’<br />

É nesta moldura que o Direito<br />

brasileiro, no âmbito do artigo<br />

5º, XLII, da Constituição, que prevê<br />

o crime da prática de racismo, capitula<br />

como prática de racismo o discurso<br />

de ódio (artigo 20 da Lei<br />

7.716/89, com a redação dada pela<br />

Lei 8.081/90).<br />

Foi esse o entendimento que o<br />

Supremo Tribunal Federal consagrou<br />

ao decidir, em 2003, o caso Ellwanger,<br />

observando que a liberdade de<br />

expressão não consagra o ‘direito à<br />

incitação ao racismo’.<br />

Daniel Sarmento, escrevendo sobre<br />

o hate speech, explica, neste contexto,<br />

por que ele compromete a dinâmica<br />

da democracia. Observa que o<br />

discurso de ódio está mais próximo<br />

de um ataque que de uma participação<br />

no debate de opiniões; não se<br />

baseia no recíproco reconhecimento<br />

da igualdade da dignidade humana,<br />

que é a garantia da integridade da<br />

discussão na esfera pública, e, ao estigmatizar<br />

grupos, a eles causa dano,<br />

propiciando preconceitos.<br />

Em síntese, a importação das tensões<br />

do Oriente Médio na forma de<br />

discurso de ódio precisa ser afastada.<br />

É inaceitável, pois fere a dignidade<br />

humana e compromete um dos<br />

objetivos constitucionais do Brasil,<br />

que é o de ‘promover o bem de todos,<br />

sem preconceitos de origem,<br />

raça, sexo, cor, idade e quaisquer<br />

outras formas de discriminação’<br />

(Constituição federal, artigo 3º, IV).

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