Cristãos pretos no mundo colonial: irmandades de escravos e 77
Cristãos pretos no mundo colonial: irmandades de escravos e 77
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primeiras décadas dos setecentos 40 . Assim, a mestiçagem era vista como um dos principais<br />
elementos causadores dos <strong>de</strong>feitos da população mineira. Esse elevado número <strong>de</strong> negros e<br />
mestiços justifica o alto índice <strong>de</strong> violência envolvendo <strong>escravos</strong> e forros, tanto como vítimas ou<br />
agressores.<br />
Segundo Marcos Aguiar, embora ocorresse em me<strong>no</strong>r número que os crimes individuais, a<br />
incidência <strong>de</strong> crimes coletivos em Mariana era mais elevada que em Vila Rica. Tal averiguação<br />
situa Mariana próximo aos parâmetros estabelecidos para o termo <strong>de</strong> Sabará <strong>de</strong>vido,<br />
principalmente, à configuração socio-econômica e cultural complexa do seu extenso termo, on<strong>de</strong><br />
algumas freguesias estavam associadas à realida<strong>de</strong> dos sertões 41 .<br />
Alguns autos <strong>de</strong> <strong>de</strong>vassas foram abertos para apurar <strong>de</strong>litos coletivos como assuadas e<br />
motins. A agressivida<strong>de</strong> dos ataques ficou <strong>de</strong>monstrada em relatos <strong>de</strong> testemunhas e em autos <strong>de</strong><br />
corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, como os que se seguem:<br />
[...] achamos a um crioulo escravo do capitão José da Mota Araújo, morto, por <strong>no</strong>me Manuel <strong>de</strong><br />
Souza com uma ferida <strong>no</strong> peito da parte do coração, penetrante, da qual botou gran<strong>de</strong> cópia <strong>de</strong><br />
sangue e com uma orelha cortada, e também mais outro comprimento <strong>de</strong> três <strong>de</strong>dos e meio [...] e<br />
mais um negro por <strong>no</strong>me Caeta<strong>no</strong>, escravo <strong>de</strong> Francisco Luiz <strong>de</strong> Souza, com um braço passado <strong>de</strong><br />
uma zagaia <strong>de</strong> que dizem ficara aleijado e outra zagaia nas costas e um filho <strong>de</strong> [...] Silvério Diniz<br />
também ferido na cabeça com três feridas [...] e mais a mulher <strong>de</strong> Manuel Diniz que vinha para a<br />
missa, também lhe <strong>de</strong>ra uma porretada na cabeça e a roubaram <strong>de</strong> todos os seus vestidos que<br />
trazia vestida e <strong>de</strong> toda a família que trazia consigo, tudo <strong>de</strong>spiram até as próprias crianças e lhe<br />
meteram freios na boca, até as crianças e as amarraram [...] 42<br />
Em Cachoeira do Campo dois homens "rebuçados" apareceram na porta da casa <strong>de</strong> Maria<br />
Tereza com a <strong>de</strong>sculpa <strong>de</strong> lhe pedir informações e a agrediram com várias facadas. O juiz<br />
Joaquim Gonçalves Simões e seu escrivão Ma<strong>no</strong>el da Silva Pereira foram chamados para<br />
lavrarem o auto <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito que assim <strong>de</strong>screve o fato:<br />
[...] logo acudiram os povos <strong>de</strong>ste arraial com os soldados pagos, para evitarem o gran<strong>de</strong> distúrbio<br />
que houve com os mais que po<strong>de</strong>ria chegar e logo os ditos rebuçados partiram a resistir com uma<br />
pistola carregada quase até a boca e a bater a pedra umas e muitas vezes que fora Deus se servido<br />
não pegou fogo e outro com uma espada e a faca com que fizeram o <strong>de</strong>lito achou-se quebrada que<br />
julga-se ser quebrada <strong>no</strong> osso da cara da ofendida do que partindo o povo em seguimento <strong>de</strong>les<br />
junto com os mesmos soldados, em distância <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> légua pouco mais ou me<strong>no</strong>s<br />
pren<strong>de</strong>u-se um com or<strong>de</strong>m do Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor General do que o tenente Ma<strong>no</strong>el<br />
José Dias comandante do quartel tomou-os conta <strong>de</strong>les para os remeter a presença do mesmo<br />
senhor e logo pôs os soldados a estrada que vai <strong>de</strong>ste arraial a Vila Rica atrás <strong>de</strong> um dos vultos que<br />
tinha fugido em que o pren<strong>de</strong>ram a certa altura do dito caminho, a or<strong>de</strong>m do mesmo senhor em que<br />
ambos são remetidos a sala <strong>de</strong>ste gover<strong>no</strong>, on<strong>de</strong> um dos vultos dizem ser soldado pago, que dizem<br />
ser um fula<strong>no</strong>, o Pimentel, e o outro um homem bastardo que dizem vive <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r toucinho nessa<br />
vila do que vão remetidos com os cavalos em que vieram e as mais que trouxeram e tudo vai a<br />
presença <strong>de</strong> sua Excelentíssima do que <strong>de</strong> tudo portamos por fé dos <strong>no</strong>ssos ofícios e logo o dito juiz<br />
40 Cf. SOUZA. Os Desclassificados do Ouro, p. 141.<br />
41 AGUIAR. Op. Cit. Esse autor teve como objeto <strong>de</strong> estudos os <strong>de</strong>litos julgados pela ouvidoria da comarca, mas<br />
pesquisou também a primeira instância, ou seja, a justiça ordinária, representada <strong>no</strong>s processos crimes e <strong>de</strong>vassas.<br />
42 AHMI - Cód. 1<strong>77</strong>, auto 3178, 2 o of., 1796, fl.2.<br />
Revista Eletrônica <strong>de</strong> História do Brasil, v. 7 n. 2, jul.-<strong>de</strong>z., 2005<br />
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