Morde-me, mas pouco - Fonoteca Municipal de Lisboa
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aconteceu a Bella, não há razão<br />
para que não possa acontecer ao<br />
leitor.”<br />
Jana Riess, a ex-crítica literária<br />
especialista em assuntos<br />
religiosos da “Publishers Weekly”<br />
e editora na Westminster John<br />
Knox Press, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que os<br />
romances <strong>de</strong> Meyer estão cheios<br />
<strong>de</strong> referências à teologia e<br />
simbologia do Livro <strong>de</strong> Mórmon.<br />
A fi cção <strong>de</strong> Meyer provoca-lhe<br />
senti<strong>me</strong>ntos ambivalentes:<br />
preocupa-a “o regresso aos<br />
estereótipos <strong>de</strong> género”. Quando<br />
pedimos a Meyer que co<strong>me</strong>nte<br />
algu<strong>mas</strong> das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>fendidas<br />
por Riess, ou a síntese da<br />
revista “Ti<strong>me</strong>” que rotulou o seu<br />
trabalho como “o erotismo da<br />
abstinência”, ela recusa; não quer<br />
pronunciar-se também sobre se<br />
os “<strong>me</strong>dia” estão ou não a dar uma<br />
imagem errada <strong>de</strong>la, rotulandoa<br />
como dona <strong>de</strong> casa mórmon<br />
e ignorando a sua preparação<br />
académica em literatura inglesa.<br />
Lançado em 2005 em<br />
Portugal, pela Gailivro, o livro<br />
“Crepúsculo” foi re-editado com<br />
nova capa ao <strong>me</strong>smo tempo que<br />
o fi l<strong>me</strong> realizado por Catherine<br />
Hardwicke chegava às salas<br />
portuguesas em 2008 (acaba <strong>de</strong><br />
sair o DVD com vários extras). O<br />
pri<strong>me</strong>iro livro da saga ven<strong>de</strong>u<br />
mais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se co<strong>me</strong>çou a<br />
falar no fi l<strong>me</strong> do que nos quatro<br />
Jana Riess,<br />
especialista em<br />
assuntos religiosos,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que os<br />
romances <strong>de</strong> Meyer<br />
estão cheios <strong>de</strong><br />
referências à<br />
teologia e simbologia<br />
do Livro <strong>de</strong> Mórmon<br />
anos anteriores. Entrou nos<br />
“tops” dos mais vendidos e levou<br />
atrás <strong>de</strong>le o segundo volu<strong>me</strong>,<br />
“Lua Nova”, que também já foi<br />
adaptado ao cinema. “Eclipse”<br />
vai ser adaptado por David Sla<strong>de</strong><br />
e “Amanhecer”, o quarto da série,<br />
po<strong>de</strong>rá vir a dar dois fi l<strong>me</strong>s.<br />
Em Portugal, Meyer já<br />
ven<strong>de</strong>u 200 mil exemplares<br />
das suas obras, “sobretudo a<br />
jovens e sobretudo a raparigas”.<br />
Embora “Amanhecer” só vá<br />
para as livrarias em Junho,<br />
há um mês foi publicado em<br />
Portugal “Nómada”, o romance<br />
que escreveu para adultos e do<br />
qual já tem i<strong>de</strong>ias para duas<br />
sequelas. Mas ainda não sabe<br />
quando as publicará. “Tenho<br />
tantas histórias que quero<br />
contar. A atenção que está a ser<br />
dada aos <strong>me</strong>us livros, para mim,<br />
não é questão; quando escrevo,<br />
esqueço-<strong>me</strong> da minha vida e<br />
entro <strong>de</strong>ntro da vida <strong>de</strong> outra<br />
pessoa. Tudo o que preciso para<br />
isso é <strong>de</strong> tempo, <strong>mas</strong> o tempo é<br />
aquilo que <strong>me</strong> falta.”<br />
Entrevista na íntegra na edição<br />
“online”<br />
Os vampiros<br />
são nossos amigos?<br />
No cinema, a transgressão do vampiro foi dar a uma simples “aceitação da diferença”.<br />
Será isto o futuro do fil<strong>me</strong> <strong>de</strong> vampiros? Jorge Mourinha<br />
1992 “Drácula <strong>de</strong> Bram Stoker”<br />
A saison 2008/2009 foi cruel<br />
para os apreciadores <strong>de</strong> uma<br />
boa mordi<strong>de</strong>la no pescoço.<br />
Alan Ball, o criador <strong>de</strong> “Beleza<br />
A<strong>me</strong>ricana” e <strong>de</strong> “Sete Palmos<br />
<strong>de</strong> Terra”, transformou os<br />
romances <strong>de</strong> Charlaine Harris<br />
sobre vampiros que “saem<br />
do armário” e revelam a sua<br />
existência quotidiana na série<br />
da HBO “Sangue Fresco” . O<br />
cineasta sueco To<strong>mas</strong> Alfredson<br />
criou uma sensação global<br />
com o seu fi l<strong>me</strong> <strong>de</strong> vampiros<br />
“Deixa-<strong>me</strong> Entrar” (estreia em<br />
Portugal em Maio), sobre um<br />
miúdo solitário e maltratado<br />
que se trava <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com<br />
a vizinha adolescente que é<br />
uma vampira. E a adaptação do<br />
pri<strong>me</strong>iro dos quatro romances<br />
<strong>de</strong> Stephenie Meyer sobre a<br />
paixão transcen<strong>de</strong>nte entre uma<br />
adolescente e o vampiro que se<br />
recusa a mordê-la por a amar<br />
<strong>de</strong>mais, “Crepúsculo”, foi um<br />
enor<strong>me</strong> êxito em todo o mundo.<br />
Des<strong>de</strong> que Bram Stoker fi xou<br />
a imagem do vampiro no século<br />
XIX com o seu “Drácula”, o<br />
morto-vivo que se ali<strong>me</strong>nta <strong>de</strong><br />
sangue humano tornou-se numa<br />
fi gura recorrente do cinema<br />
<strong>de</strong> terror, funcionando como<br />
<strong>me</strong>táfora da luxúria e do sexo,<br />
da atracção do abismo, do prazer<br />
do proibido, e como retrato <strong>de</strong><br />
um Don Juan vilão e misógino.<br />
O vampiro pô<strong>de</strong> ser lido como<br />
sedutor canalha que <strong>de</strong>svia<br />
as donzelas castas do bom<br />
caminho, interessado apenas no<br />
prazer efé<strong>me</strong>ro da consumação,<br />
com a mordi<strong>de</strong>la luxuriante<br />
e a partilha do sangue como<br />
<strong>me</strong>táfora da penetração<br />
sexual.<br />
Mas, com o tempo, os<br />
vampiros foram ganhando uma<br />
complexida<strong>de</strong> que transcendia<br />
o estereótipo da criatura<br />
sobrenatural se<strong>de</strong>nta. As<br />
“Crónicas do Vampiro” <strong>de</strong> Anne<br />
Rice, a adaptação <strong>de</strong> “Drácula”<br />
por Coppola ou os “Viciosos” <strong>de</strong><br />
Abel Ferrara transformaram<br />
o vampiro <strong>de</strong> vilão lascivo em<br />
criatura complexa, prisioneira<br />
<strong>de</strong> um limbo entre o humano,<br />
o animal e o sobrenatural,<br />
capaz <strong>de</strong> emoções e remorsos,<br />
e abriram as portas a uma<br />
componente existencialista e<br />
hiper-romântica. Sem negar a<br />
<strong>me</strong>táfora sexual (os livros <strong>de</strong><br />
Rice incorporavam inclusive<br />
ele<strong>me</strong>ntos homoeróticos), <strong>mas</strong><br />
tornando-a em parte integrante<br />
<strong>de</strong> uma mitologia mais humana<br />
- o Drácula <strong>de</strong> Coppola é tanto<br />
carrasco como vítima da sua<br />
paixão transcen<strong>de</strong>nte. Os<br />
vampiros passavam <strong>de</strong> “papões”<br />
a “marginais”, no sentido <strong>de</strong><br />
gente que vive “à margem” da<br />
socieda<strong>de</strong>.<br />
A ambiguida<strong>de</strong><br />
existencialista<br />
é dividida entre<br />
os “bons vampiros”<br />
que não hesitam em<br />
assumir um papel <strong>de</strong><br />
paladinos do Bem e<br />
os “maus vampiros”<br />
que continuam a<br />
mor<strong>de</strong>r gente - como<br />
se a “espécie” tivesse<br />
evoluído para um<br />
patamar superior,<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
uma inteligência e<br />
uma socieda<strong>de</strong><br />
1995 “Os Viciosos”<br />
O que, então, tanto<br />
“Crepúsculo” como “Sangue<br />
Fresco” fazem é dar o passo<br />
seguinte na mitologia do<br />
vampiro, transformando-os<br />
<strong>de</strong> “marginais” em “minoria”<br />
que apenas quer viver em paz<br />
integrada na socieda<strong>de</strong>: no<br />
mundo <strong>de</strong> Charlaine Harris e<br />
Alan Ball, os vampiros revelaram<br />
a sua existência, ali<strong>me</strong>ntam-se<br />
<strong>de</strong> plasma sintético vendido<br />
ao balcão e co<strong>me</strong>çam a pugnar<br />
pela sua aceitação na socieda<strong>de</strong><br />
normal; o vampiro Edward <strong>de</strong><br />
Stephenie Meyer pertence a<br />
uma família “vegetariana” que<br />
recusa o sangue humano. As<br />
mordi<strong>de</strong>las são agora limitadas<br />
aos “vampiros maus” que não<br />
controlam o animal que há em si,<br />
2008 “Sangue Fresco”<br />
a ambiguida<strong>de</strong> existencialista<br />
é dividida entre os “bons<br />
vampiros” que não hesitam em<br />
assumir um papel <strong>de</strong> paladinos<br />
do Bem e os “maus vampiros”<br />
que continuam a mor<strong>de</strong>r gente<br />
- como se a “espécie” tivesse<br />
evoluído para um patamar<br />
superior, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
uma inteligência e uma<br />
socieda<strong>de</strong>. Mas essa evolução<br />
retira-lhes também parte da sua<br />
carga transgressora, reduzindo<br />
a estranheza do vampiro a<br />
uma simples “aceitação da<br />
diferença” que torna corpóreo a<br />
coexistência em cada um <strong>de</strong> nós<br />
da luz e da escuridão, do bem e<br />
do mal, do humano e do animal.<br />
Será isto o futuro do fi l<strong>me</strong> <strong>de</strong><br />
vampiros?<br />
Ípsilon • Sexta-feira 1 Maio 2009 • 11