Morde-me, mas pouco - Fonoteca Municipal de Lisboa
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O tango negro<br />
<strong>de</strong> Melingo<br />
Nasceu do tango, experi<strong>me</strong>ntou o rock, agitou a movida madrilena e é editado pelo selo<br />
dos Gotan Project. Daniel Melingo apresenta “Maldito Tango” dia 4 em <strong>Lisboa</strong>, no São Jorge,<br />
e dia 5 no Auditório <strong>de</strong> Espinho. A <strong>me</strong>tamorfose do tango passa por ele. Nuno Pacheco<br />
18 • Ípsilon • Sexta-feira 1 Maio 2009<br />
Já há quem o trate quase como uma<br />
lenda, apesar <strong>de</strong> Daniel Melingo ter<br />
ainda <strong>pouco</strong>s discos e a sua presença<br />
no tango (associada, <strong>mas</strong> não similar,<br />
à dos Gotan Project) ser recente.<br />
A música marca a sua história há<br />
muitas décadas, quando os avós paternos<br />
resolveram passar a lua-<strong>de</strong>-<strong>me</strong>l<br />
em Buenos Aires. O avô, músico, vinha<br />
<strong>de</strong> Tessalónica, na Grécia, e a avó, cantora<br />
lírica (soprano), vinha <strong>de</strong> Trieste.<br />
O pai <strong>de</strong> Melingo, com tal ascendência,<br />
também se <strong>de</strong>ixou apaixonar pela<br />
música, embora profissional<strong>me</strong>nte<br />
fosse “<strong>de</strong>senhador <strong>de</strong> roupa”. “Era um<br />
amador do tango, cantava muito bem<br />
e era também um co<strong>me</strong>diante”, lembra<br />
Melingo, em <strong>Lisboa</strong>. Do lado da<br />
mãe, Melingo também recebeu forte<br />
herança musical. “Ela era <strong>de</strong> uma<br />
família antiga do Parque <strong>de</strong> Los Patricios,<br />
um bairro <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram gran<strong>de</strong>s<br />
artistas nos anos 40, Osvaldo<br />
Pugliese, Aníbal Troilo...”<br />
Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno, Daniel<br />
co<strong>me</strong>çou a experi<strong>me</strong>ntar o bandonéon.<br />
Deram-lhe um, aos 12 anos,<br />
<strong>mas</strong> ele acabou por trocá-lo, numa<br />
loja, por um clarinete. Aos 18 anos<br />
já estava na escola, a estudá-lo, e também<br />
a estudar composição e musicologia.<br />
“Na semana do golpe militar,<br />
em Março <strong>de</strong> 1976, estava na universida<strong>de</strong><br />
a estudar música, em Buenos<br />
Aires. Continuei a estudar até 1978<br />
<strong>mas</strong> nesse ano, quando a Argentina<br />
recebeu o Mundial <strong>de</strong> Futebol, o<br />
clima da ditadura tornou-se muito<br />
sufocante e, como músico inquieto,<br />
fui até ao Brasil, on<strong>de</strong> estive entre três<br />
a quatro anos.”<br />
Seria um simples percurso, <strong>mas</strong> foi<br />
mais do que isso. No Brasil, Melingo<br />
conheceu muitos músicos e tocou no<br />
grupo Água com Milton Nasci<strong>me</strong>nto,<br />
que conheceu em São Luiz do Mara-<br />
“Em cada disco<br />
exploro caminhos<br />
diferentes, <strong>mas</strong><br />
sempre com o tango<br />
como ele<strong>me</strong>nto<br />
principal”<br />
nhão. Quando voltou à Argentina<br />
tinha 23 anos e a ditadura estava<br />
quase no fim (acabaria em 1983).<br />
Embrenhou-se no teatro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
e não tardou a fundar um<br />
grupo musical, Los Twist (on<strong>de</strong> compôs<br />
coisas como “Cleópatra” ou<br />
“Hulla Hulla”), participando também,<br />
como músico, no grupo <strong>de</strong> rock<br />
Abuelos <strong>de</strong> la Nada.<br />
Do teatro guardou a expressivida<strong>de</strong><br />
cénica, que aplicaria mais tar<strong>de</strong> ao<br />
canto, já nos anos 90. Até lá, porém,<br />
Melingo voltaria a sair da Argentina.<br />
Desta vez para Espanha, on<strong>de</strong> acabou<br />
por participar na movida madrilena<br />
e on<strong>de</strong> fundou o grupo Lions in Love,<br />
com o qual gravou dois discos. Por<br />
essa altura, era o rock que o movia,<br />
não o tango. Rock que ele já misturava<br />
com “influências orientais,<br />
argentinas, africanas”. De volta à<br />
Argentina, resolveu aplicar a <strong>me</strong>sma<br />
experi<strong>me</strong>ntação ao tango. Como<br />
ficou sem voz num espectáculo, resolveu<br />
estudar canto, quando já compunha<br />
as suas próprias canções.<br />
O pri<strong>me</strong>iro disco a solo, “H20”,<br />
ainda foi marcado por influências<br />
funk e reggae. Mas o segundo, “Tangos<br />
Bajos”, já o <strong>de</strong>dicou integral<strong>me</strong>nte<br />
ao tango. Foi gravado em<br />
1997, ano em que Melingo manteve<br />
um programa televisivo chamado<br />
Mala Yunta, on<strong>de</strong> os convidados, na<br />
sua maioria músicos <strong>de</strong> rock, eram<br />
chamados a tocar e cantar tango.<br />
Vibrações emocionais<br />
No novo milénio, Melingo já virara <strong>de</strong><br />
vez o rumo para o tango. “Ufa”, <strong>de</strong><br />
2003, dá novos passos no sentido <strong>de</strong><br />
experi<strong>me</strong>ntação no género, enquanto<br />
“Santa milonga”, <strong>de</strong> 2004, ao compilar<br />
te<strong>mas</strong> anteriores do seu reportório,<br />
é como que um virar <strong>de</strong><br />
página.<br />
“Maldito Tango”, lançado em<br />
2008, fixa em <strong>de</strong>finitivo o “som<br />
Melingo”. Que é uma <strong>me</strong>scla <strong>de</strong> tradição<br />
e novida<strong>de</strong>, um tango negro,<br />
nocturno, i<strong>me</strong>rso em fumos <strong>de</strong><br />
cabaré, <strong>de</strong>nso, irónico e visceral.<br />
“Neste disco, tirei partido da tímbrica<br />
<strong>de</strong> instru<strong>me</strong>ntos que historica<strong>me</strong>nte<br />
estavam no tango, como o trombone<br />
ou o clarinete. No próximo disco, em<br />
que já estou a trabalhar, terei bouzoukis,<br />
alaú<strong>de</strong>s, instru<strong>me</strong>ntos da Ásia<br />
Menor. Em cada disco exploro caminhos<br />
diferentes (rock, electrónica,<br />
fla<strong>me</strong>nco), <strong>mas</strong> sempre com o tango<br />
como ele<strong>me</strong>nto principal.”<br />
Melingo acha que há uma recuperação<br />
do tango-canção, tal como Gar<strong>de</strong>l<br />
o popularizou, <strong>mas</strong> com ele<strong>me</strong>ntos<br />
renovados. Como os da atmosfera<br />
híbrida dos Gotan Project. Não por<br />
acaso, lançou os últimos dois discos<br />
na editora Mañana, <strong>de</strong> Eduardo<br />
Makarof, <strong>me</strong>mbro dos Gotan, que<br />
também é responsável pela produção<br />
executiva <strong>de</strong> “Maldito Tango”, on<strong>de</strong><br />
Melingo assina todas as canções, a<br />
solo ou em parceria. “É uma ponte<br />
entre a poesia maldita ‘lunfarda’<br />
[gíria portenha criada na segunda<br />
<strong>me</strong>ta<strong>de</strong> do século XIX] e o tango que<br />
nasce da vida.”<br />
Além da sua voz, “Maldito Tango”<br />
conta com as <strong>de</strong> Juan Carlos Cáceres<br />
(em “En un bondi color humo”), Cristóbal<br />
Repetto (em “A lo Magdalena”),<br />
Horacio Fontova, “El Negro” (em “Cha<br />
digo!”) e Gabriel Fernan<strong>de</strong>z Capello,<br />
“Vicentico” (em “Pequeño paria”).<br />
A propósito da apresentação em<br />
palco <strong>de</strong>ste disco, a revista “Rolling<br />
Stone” escreveu em Abril <strong>de</strong> 2008,<br />
citando jornais britânicos: “Imaginem<br />
um híbrido <strong>de</strong> Paolo Conte e Ian<br />
Dury, com os maneirismos faciais <strong>de</strong><br />
um fil<strong>me</strong> mudo (...). O material que<br />
apresenta é extravagante (...) <strong>mas</strong> é<br />
a teatralida<strong>de</strong> dos seus concertos que<br />
fará dos seus trabalhos um êxito mundial.”<br />
Portugal, on<strong>de</strong> o disco já se encontra<br />
à venda, faz parte da rota <strong>de</strong> concertos<br />
programados para Maio.<br />
Segunda-feira dia 4 estará em <strong>Lisboa</strong>,<br />
no Cinema São Jorge (às 22h) e dia 5<br />
rumará ao norte, ao Auditório <strong>de</strong><br />
Espinho (21h30). Até final <strong>de</strong> Maio,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> actuar em Portugal, esperam-no<br />
palcos <strong>de</strong> vários países:<br />
França, Grécia, Alemanha, Áustria,<br />
Marrocos, Suécia, Noruega e Itália.<br />
Nascido em Buenos Aires, a 22 <strong>de</strong><br />
Outubro <strong>de</strong> 1957, <strong>mas</strong> com vivências<br />
acumuladas noutras cida<strong>de</strong>s e continentes<br />
on<strong>de</strong> viveu (Brasil, França,<br />
Espanha, Inglaterra), Daniel Melingo<br />
concentra pela pri<strong>me</strong>ira vez as atenções<br />
do mundo. Parte da <strong>me</strong>tamorfose<br />
actual do tango passa já por ele e tudo<br />
indica que o futuro beneficie ainda<br />
mais a sua música. “São as vibrações<br />
emocionais que <strong>me</strong> conduzem, <strong>de</strong>ixo<strong>me</strong><br />
levar muito pelo senti<strong>me</strong>nto”, diz<br />
ele. No palco, o seu território preferencial,<br />
pro<strong>me</strong>te surpreen<strong>de</strong>r-nos.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos pág. 35 e<br />
segs.<br />
Música