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Direito da Propriedade - Fundação Getulio Vargas

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DIREITO DE<br />

PROPRIEDADE<br />

AUTOR: GUSTAVO KLOH MULLER NEVES<br />

ROTEIRO DE CURSO<br />

2012.1


Sumário<br />

<strong>Direito</strong> de Proprie<strong>da</strong>de<br />

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3<br />

BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE ................................................................................................................. 4<br />

Aula 1: O que é ser dono ............................................................................................................... 5<br />

Aula 2: Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de: o dono pode fazer tudo? .................................................... 12<br />

Aula 3: A proprie<strong>da</strong>de e a posse: eu estou aqui ............................................................................. 18<br />

Aula 4: A função social <strong>da</strong> posse e o critério <strong>da</strong> melhor posse. ...................................................... 22<br />

Aula 5: Na Justiça: a tutela jurídica <strong>da</strong> posse. Tutela possessória e petitória ................................... 32<br />

Aula 6: Proprie<strong>da</strong>de e moradia ..................................................................................................... 36<br />

Aula 7: Só é dono quem registra ................................................................................................... 42<br />

Aulas 8, 9 e 10: Usucapião ........................................................................................................... 51<br />

Aula 11: Soluções para a ausência de registro. ............................................................................... 63<br />

Aula 12: Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.......................................................................................................... 69<br />

Aula 13: <strong>Direito</strong> de vizinhança ..................................................................................................... 79<br />

Aula 14: <strong>Direito</strong> de construir ....................................................................................................... 88<br />

BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS ..................................................................................... 94<br />

Aula 15: Incorporações imobiliárias ............................................................................................. 95<br />

Aulas 16 e 17: Condomínio ....................................................................................................... 104<br />

Aula 18: Demais direitos reais .................................................................................................... 107<br />

Aula 19: Financiamento imobiliário ........................................................................................... 112<br />

Aula 20: Alienação fi duciária ...................................................................................................... 114<br />

Aula 21: Hipoteca e penhor ....................................................................................................... 119<br />

Aula 22 e 23: Superfície ............................................................................................................. 125<br />

Aula 24: Usufruto e servidão ...................................................................................................... 131<br />

EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS ................................................................................................................... 135


INTRODUÇÃO<br />

APRESENTAÇÃO DOS OBJETIVOS DO CURSO<br />

Você mora em um imóvel. Estu<strong>da</strong> em um imóvel. Conversa, compra,<br />

an<strong>da</strong> e se diverte em um imóvel. E, justamente por essa razão, os imóveis<br />

sempre foram alvo de especial atenção na socie<strong>da</strong>de. Quem adquire direitos<br />

sobre eles, acessa necessariamente uma riqueza perene e de valor único.<br />

Como consequência, a determinação dos critérios sobre quem assume a titulari<strong>da</strong>de<br />

é crucial para que se enten<strong>da</strong> de que maneira o poder a as posições<br />

são distribuí<strong>da</strong>s em socie<strong>da</strong>de.<br />

A proprie<strong>da</strong>de, o direito que se impõe ao mesmo tempo sobre as coisas<br />

e sobre os outros direitos sobre as coisas, é o índice para que se determine<br />

o resultado dessa pergunta. Seu estudo, em várias facetas, será nosso objeto<br />

de estudo.<br />

Além de enfrentar as questões relativas aos imóveis, iremos tocar questões<br />

relevantes à compreensão <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> do homem nas ci<strong>da</strong>des. Porque,<br />

quanto maior o mundo, menor a capaci<strong>da</strong>de de reduzi-lo a uma dimensão<br />

puramente individual. O direito de um será, portanto cotejado, com o direito<br />

dos outros.<br />

Busca-se, desse modo, a compreensão do individual e do coletivo na proprie<strong>da</strong>de,<br />

e de que modo essa ligação intrínseca se dá.<br />

METODOLOGIA E AVALIAÇÃO<br />

A metodologia adota<strong>da</strong> é a ampara<strong>da</strong> em casos, como nas demais disciplinas<br />

do curso. Sobreleva o papel <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concreta na determinação<br />

do conteúdo dos casos, pois estão todos os alunos previamente vivenciados<br />

na experiência de convívio na reali<strong>da</strong>de urbana e imobiliária. Dessa sorte, as<br />

experiências dos alunos serão especialmente valoriza<strong>da</strong>s, com a condução do<br />

professor.<br />

A avaliação consistirá de dois exames escritos, a serem realizados no horário<br />

de aula. Na composição <strong>da</strong> nota do primeiro exame, será toma<strong>da</strong> em<br />

consideração desempenho em ativi<strong>da</strong>de de pesquisa, a ser realiza<strong>da</strong> sob orientação<br />

do professor.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 3


BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE<br />

OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS<br />

Nesse bloco de aulas, o objetivo <strong>da</strong> turma reside em compreender a relevância<br />

<strong>da</strong>s situações proprietárias, de que maneira essas situações se delineiam<br />

na reali<strong>da</strong>de contemporânea, as relações existentes entre posse e proprie<strong>da</strong>de<br />

e o papel <strong>da</strong> função social na análise do conteúdo e efeitos <strong>da</strong> relação proprietária.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 4


AULA 1: O QUE É SER DONO<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS:<br />

A tutela <strong>da</strong>s titulari<strong>da</strong>des. Conceito de Proprie<strong>da</strong>de: Proprie<strong>da</strong>de e proprie<strong>da</strong>des.<br />

Sentidos e objetivos <strong>da</strong> proteção proprietária. Titulari<strong>da</strong>de de direitos<br />

intelectuais e de ações.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

LORENZETTI, Ricardo, “Fun<strong>da</strong>mentos de <strong>Direito</strong> Privado”.São Paulo:Revista<br />

dos Tribunais, bens1998, pp. 85-115 (cap. 2: o direito privado como garantia<br />

de acesso a bens)<br />

LEITURA COMPLEMENTAR:<br />

LEAL, Rogério Gesta, “Função Social <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de”, Porto Alegre:<br />

Livraria do Advogado, 1998, pp. 29-60.<br />

PIPES, Richard Pipes. “Proprie<strong>da</strong>de e Liber<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro: Record,<br />

2001, pp. 331-342.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

A PROPRIEDADE EM SUA VISÃO TRADICIONAL<br />

Desde o direito romano, a questão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de se põe diante dos estudiosos<br />

do direito como <strong>da</strong>s mais tormentosas, sem que se possa desde logo<br />

defi nir lineamentos imutáveis ou axiomas quaisquer.<br />

Em primeiro lugar, vale referir que não apenas no <strong>Direito</strong>, como também<br />

na economia, na ciência política e na sociologia, as discussões em torno <strong>da</strong><br />

função e do conceito de proprie<strong>da</strong>de sempre tiveram maior vulto, havendo<br />

mesmo quem desejasse explicar a evolução histórico-econômica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

humana como se fora uma história <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de sobre os bens de capital.<br />

Ao largo desta circunstância passaremos, pois não é objetivo deste comentário<br />

descortinar maiores in<strong>da</strong>gações sobre questões desta profundi<strong>da</strong>de.<br />

Vamos nos deter sobre o que é exarado do dispositivo acima, portanto.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 5


Na consoli<strong>da</strong>ção de Teixeira de Freitas, já se lia no art. 884: “Consiste o dominio<br />

na livre facul<strong>da</strong>de de usar e dispor, <strong>da</strong>s cousas e de as deman<strong>da</strong>r por acções<br />

reaes”. Ou seja, a fórmula do artigo acima apenas consagra a conjugação de<br />

poderes já prevista nas Ordenações, e que se mantém até hoje. Ocorre que<br />

este desfi ar sintético de poderes, conquanto ver<strong>da</strong>de, não encerra a compreensão<br />

jurídica <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de nos dias atuais.<br />

Inicialmente, podemos afi rmar que a proprie<strong>da</strong>de consiste no mais extenso<br />

direito real que um determinado ordenamento jurídico confere a um titular. 1<br />

Gostamos desta defi nição não porque ela é em especial boa, mas porque reconhece<br />

como to<strong>da</strong> e qualquer uma há de ser ruim, ou seja, é impossível formular um<br />

conceito uno e a-histórico de proprie<strong>da</strong>de. De qualquer sorte, todo direito subjetivo<br />

que consistir, em uma <strong>da</strong><strong>da</strong> ordem, no direito mais amplo que se dá a um<br />

titular sobre uma coisa, será esta a proprie<strong>da</strong>de, pois é esta a função que ocupa, a<br />

de ser meio de exercício de poder econômico e de atribuição de titulari<strong>da</strong>des.<br />

Consideramos também importante referir um outro aspecto: o titular <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de possui, em relação à coisa, um poder interno e outro externo;<br />

interfere no destino <strong>da</strong> coisa, e impede que terceiros o façam, ou só o façam de<br />

acordo com seus desígnios. 2 Portanto, a distribuição <strong>da</strong>s titulari<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> riqueza<br />

efetivamente passam pela normativização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de na socie<strong>da</strong>de.<br />

PODERES PROPRIETÁRIOS<br />

O art. 1.228 do Código Civil encerra os chamados poderes proprietários:<br />

usar, gozar, dispor e reivindicar, que permanecem com estrutura semelhante<br />

desde as Institutas de Justiniano. É esse o primeiro artigo do capítulo de proprie<strong>da</strong>de<br />

do Código Civil de 2002, com a seguinte re<strong>da</strong>ção:<br />

“Art. 1.228. O proprietário tem a facul<strong>da</strong>de de usar, gozar e dispor <strong>da</strong> coisa, e o<br />

direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”<br />

Essas características, to<strong>da</strong>via, não devem se toma<strong>da</strong>s isola<strong>da</strong>mente, e sim<br />

considera<strong>da</strong>s dentro de um quadro no qual a proprie<strong>da</strong>de se comporta de<br />

modo diferenciado, de acordo com as respectivas situações. Deve-se destacar<br />

o papel ocupado pela proprie<strong>da</strong>de de direitos imateriais, como cotas, ações,<br />

marcas, patentes, etc., como pedra de toque dessa revisão.<br />

A PROPRIEDADE NA SOCIEDADE: RIQUEZA, ACÚMULO E ACESSO<br />

Mas se ser proprietário é ter esses poderes, e ser considerado o principal<br />

interessado em relação a uma coisa, a proprie<strong>da</strong>de é sempre uma situação<br />

“modelo”, a ser busca<strong>da</strong> e segui<strong>da</strong>, ou seria possível associar certas funções à<br />

proprie<strong>da</strong>de, e qualifi cá-la de acordo com essas funções?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

1 Martin Wolff , Derecho <strong>da</strong>s Cosas, vol.<br />

1°, 3ª ed, Barcelona, Bosch, 1971, p.<br />

326.<br />

2 Bevilacqua, Código Civil dos EUB, vol.<br />

III, 11ª ed, Rio de Janeiro, Francisco<br />

Alves, 1958, p. 45.<br />

FGV DIREITO RIO 6


TEXTO<br />

“Comprar ou alugar? Eis a questão (06.10.2004)<br />

Kênio de Souza Pereira (*)<br />

Decidir-se por pagar aluguel ou por adquirir um imóvel é uma <strong>da</strong>s maiores<br />

dúvi<strong>da</strong>s que enfrentamos quando passamos a ter independência fi nanceira.<br />

Quando possuímos recursos sufi cientes para comprar, à vista, o que desejamos<br />

não há problema, pois certamente ter casa própria é fator de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e<br />

segurança, especialmente para a família.<br />

Mas, geralmente a aquisição só é possível através de fi nanciamento ou<br />

de parcelamento em longo prazo. Nesse momento são cometidos erros que<br />

podem levar a prejuízos expressivos, especialmente se ignorarmos que to<strong>da</strong><br />

compra e ven<strong>da</strong> de imóvel é complexa, seja pelo mercado, pela negociação,<br />

pela elaboração do contrato ou <strong>da</strong> documentação.<br />

Cultuamos a idéia de que pagar aluguel é um péssimo negócio por ser dinheiro<br />

jogado fora. Tal afi rmação não é ver<strong>da</strong>deira. É preferível, às vezes, pagar<br />

aluguel, especialmente quando o inquilino trabalha por conta própria e precisa<br />

do dinheiro para capital de giro. Às vezes, descapitalizar a empresa pode<br />

comprometer a sua sobrevivência. O custo do aluguel mensal, em torno de<br />

0,7% em relação ao valor do imóvel, é muito baixo, especialmente se comparado<br />

com o custo para uma empresa buscar dinheiro fi nanciado nos bancos.<br />

Esquecemos, muitas vezes, que é saudável e necessário investirmos em nosso<br />

bem estar, em morar ou trabalharmos num local que aten<strong>da</strong> às nossas necessi<strong>da</strong>des<br />

ou expectativas para que possamos nos realizar como pessoas ou<br />

profi ssionais, e, em grande parte <strong>da</strong>s vezes, a única solução é alugar, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />

necessi<strong>da</strong>de imediata de morar ou trabalhar em determinado tipo de imóvel.<br />

Ao optar pela compra de um imóvel, o bem mais caro do mundo, é comum<br />

essa decisão vir acompanha<strong>da</strong> de grande carga emocional, o que atrapalha<br />

o raciocínio lógico. Primeiramente, devemos procurar constituir uma<br />

poupança prévia, num percentual mínimo de 50% do valor do imóvel que<br />

pretendemos adquirir. Para isso, é preciso pesquisar o que realmente desejamos<br />

e qual o valor <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> que poderemos assumir.<br />

É, ain<strong>da</strong>, aconselhável saber que quanto maior o valor <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>, menor<br />

será o risco de inadimplência, mas que o contrário também é ver<strong>da</strong>de, pois a<br />

idéia de fi nanciar de 70% a 100% do imóvel é arrisca<strong>da</strong>, já que são poucos<br />

os brasileiros certos de que manterão a capaci<strong>da</strong>de de pagamento <strong>da</strong>s parcelas<br />

por dez ou vinte anos. Vemos com certa frequência pessoas honestas<br />

tornando-se réus em ações de cobrança, execução ou até perdendo o imóvel<br />

em decorrência do leilão do imóvel fi nanciado. O sonho <strong>da</strong> casa própria é<br />

tão intenso que as pessoas insistem em ignorar que ninguém está isento de<br />

fi car doente, de perder o emprego ou passar por uma crise fi nanceira em seu<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 7


negócio, especialmente durante o longo prazo do fi nanciamento e num país<br />

em que a política econômica é instável e sujeita a planos e pacotes mirabolantes.<br />

A maioria não busca assessoria para entender os refl exos jurídicos <strong>da</strong>s<br />

cláusulas do contrato, consistindo ingenui<strong>da</strong>de e amadorismo a idéia de que<br />

a compra de um imóvel é simples.<br />

Para aqueles que têm a ilusão de que os agentes fi nanceiros vendem casa<br />

própria, é bom saberem que a coisa não é bem assim... Ocorre que o dinheiro<br />

no Brasil é uma mercadoria cara, que o custo fi nanceiro (TR mais juros de<br />

12% a 16%) faz a dívi<strong>da</strong> do fi nanciamento subir em torno de 18% ao ano,<br />

sem contar o custo mensal do seguro de vi<strong>da</strong> e os <strong>da</strong>nos físicos do imóvel.<br />

Portanto, o banco não vende imóvel e, sim, empresta dinheiro, sendo o imóvel<br />

mera garantia hipotecária ou fi duciária. Por isso os agentes fi nanceiros,<br />

dentre eles a Caixa Econômica Federal, não aceitam o imóvel como pagamento<br />

<strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> quando o mutuário não consegue quitar pontualmente as<br />

prestações. O comprador acaba sofrendo uma ação de execução, fi cando com<br />

o nome ‘sujo’ e perdendo crédito na praça e, fi nalmente, perde também o<br />

imóvel através do leilão decorrente <strong>da</strong> hipoteca.<br />

O pior é que o comprador geralmente se vê forçado a sair do imóvel, sem<br />

na<strong>da</strong> receber, perdendo ain<strong>da</strong> as benfeitorias (reformas, armários,etc.) instala<strong>da</strong>s,<br />

o sinal e tudo que pagou durante anos. Portanto, cabe à pessoa que<br />

deseja comprar um imóvel fi nanciado atentar para os riscos e compreender<br />

porque tantos mutuários reclamam e se surpreendem ao constatarem que<br />

continuam a dever R$ 100 mil, ou seja, quase o dobro do que vale o imóvel<br />

avaliado em R$ 50 mil, após ter pago a entra<strong>da</strong> e durante anos, as prestações.<br />

O fato é que o governo induziu milhares de mutuários a fi nanciarem imóveis<br />

sob a propagan<strong>da</strong> enganosa do PES (Plano de Equivalência Salarial) ou<br />

do PCR (Plano de Comprometimento de Ren<strong>da</strong>), que prometiam que os<br />

valores <strong>da</strong>s prestações acompanhariam a evolução salarial ou que a mesma<br />

não ultrapassaria o percentual de 25% ou 30% do rendimento do mutuário,<br />

levando-o a acreditar que quitaria to<strong>da</strong> a dívi<strong>da</strong> ao fi nal do prazo. Ocorre<br />

que, ninguém explicou para o mutuário que quanto menor a sua prestação,<br />

que fi cava sem aumentar, maior se tornava a sua dívi<strong>da</strong>, ou seja, o seu saldo<br />

devedor disparava em função do mesmo subir de forma capitaliza<strong>da</strong>, em torno<br />

de 18% ao ano, sem qualquer ligação com a evolução do seu salário ou<br />

com a variação do valor do imóvel.<br />

Portanto, para muitos seria melhor terem continuado a pagar aluguel, sem<br />

correr o risco do prejuízo <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> e dezenas de prestações de um fi nanciamento<br />

impagável, e ain<strong>da</strong> perder o crédito na praça e os valores investidos no<br />

imóvel com benfeitorias.<br />

Obtendo recursos para <strong>da</strong>r entra<strong>da</strong> num imóvel, caso opte pela compra<br />

diretamente com a construtora, o risco será menor, pois o Código de Defesa<br />

do Consumidor proíbe que o comprador perca to<strong>da</strong>s as parcelas que tiver<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 8


quitado, caso se torne inadimplente. Neste caso, o comprador não perde<br />

tudo como ocorre na rescisão do contrato com o agente fi nanceiro. Ocorrendo<br />

a rescisão na compra e ven<strong>da</strong> feita diretamente com a construtora, o<br />

comprador receberá de volta parte do que pagou, cabendo a ele fi car atento<br />

para as complexas condições do contrato de promessa de compra e ven<strong>da</strong>, de<br />

forma a lhe propiciar maior segurança.<br />

(*) O autor é Diretor <strong>da</strong> Caixa Imobiliária, Advogado Especializado em<br />

<strong>Direito</strong> Imobiliário — Tel. (31) 3225-5599, e-mail: keniopereira@caixa<br />

imobiliaria.com.br” 3<br />

CASO GERADOR.<br />

Leia o texto abaixo:<br />

Sistema de tempo compartilhado em meios de hospe<strong>da</strong>gem e turismo: o<br />

desenvolvimento do time sharing no Brasil<br />

HISTÓRIA<br />

O Time Sharing surgiu logo após a 2ª Grande Guerra Mundial, como uma<br />

solução para o turismo na Europa do pós-guerra, tanto para os proprietários<br />

de hotéis e agências de viagem, quanto para as famílias, que já não podiam<br />

comprar uma proprie<strong>da</strong>de de férias, reuniam-se então os grupos familiares e<br />

juntos adquiriam e compartilhavam um imóvel de férias; ao mesmo tempo<br />

em que os hotéis turísticos também promoviam o compartilhamento de seus<br />

apartamentos, dividindo os períodos de utilização em três a quatro meses,<br />

conforme o aporte de ca<strong>da</strong> família.<br />

Os norte-americanos adotaram e aprimoraram esta fi losofi a, estabelecendo a<br />

divisão dos períodos em semanas, mais fáceis de se comercializar e de se utilizar; o<br />

sistema foi se desenvolvendo até 1.976, com o surgimento <strong>da</strong> Interval International,<br />

que criou o serviço de intercâmbio, permitindo ao proprietário trocar a sua<br />

semana de férias em um determinado hotel, por outra semana em outro hotel<br />

em qualquer parte do mundo. Os hotéis afi liados passaram a ser sempre resorts<br />

estruturados para lazer, em destinos potencialmente turísticos e as novas regras<br />

abrangiam adequações de projetos, como apartamentos grandes com estrutura<br />

de cozinha, procedimentos específi cos quanto a reservas de intercâmbios, etc.<br />

Determinados destinos turísticos foram viabilizados, em grande parte, elas<br />

ven<strong>da</strong>s de Time Sharing, como Cancún — México, outros em que este sistema<br />

é intensamente desenvolvido, como em Miami, Orlando e Disney World, na<br />

Flóri<strong>da</strong> — EUA; além <strong>da</strong>s principais atrações turísticas em todos os continentes.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

3 http://74.125.93.132/search?q=cache:<br />

Fs1a-1V6QH0J:rep.creci-sc.gov.br/arquivos/materialsite/<br />

DOUTRINA _compraroualugar.doc+Decidir-se+por+pa<br />

gar+aluguel+ou+por+adquirir&cd=<br />

1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br<br />

FGV DIREITO RIO 9


Há no mundo duas grandes operadoras de intercâmbio de Time Sharing:<br />

a própria Interval International e a RCI, ambas com escritórios e cerca de 120<br />

resorts afi liados no Brasil.<br />

A RCI pertence a HFS — Hospitality Franchise Sistems, conglomerado<br />

americano que reúne 13 companhias, em sua maioria cadeias de hotéis<br />

como Days Inn e Howard Johnson e tem entre os resorts afi liados, redes<br />

como Rama<strong>da</strong>, Knights Inn, Wingate Inn, etc., totalizando 2,3 milhões de<br />

famílias associa<strong>da</strong>s.<br />

A Interval International pertence a uma holding composta por algumas<br />

redes de hotéis como Marriott, Hyatt, Disney e Carlson e conta com cerca<br />

de 1.600 empreendimentos em mais de 60 países, envolvendo as maiores<br />

cadeias hoteleiras mundiais, como Sheraton, Hilton, Holi<strong>da</strong>y Inn, Rama<strong>da</strong>,<br />

Meliá, além <strong>da</strong>s inicialmente cita<strong>da</strong>s e 1 milhão de famílias são proprietárias<br />

de semanas de Tempo Compartilhado, movimentando cerca de US$ 4,3 bilhões<br />

por ano.<br />

TIME SHARING PARA BRASILEIROS<br />

O Ministério <strong>da</strong> Indústria e Comércio, através <strong>da</strong> Embratur — Instituto<br />

Brasileiro de Turismo, na sua Deliberação Normativa nº 378 de 12/08/97 regulamentou<br />

o Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de Hospe<strong>da</strong>gem<br />

e Turismo, estabelecendo os direitos e obrigações aos agentes intervenientes<br />

do sistema: empreendedor, comercializador, operador, administrador do intercâmbio<br />

e consumidor.<br />

Esta regulamentação transmitiu a credibili<strong>da</strong>de necessária aos brasileiros,<br />

que não confi avam no sistema, devido a pouca clareza na cobrança de taxas<br />

extras ou à falta de vagas nos hotéis localizados nos destinos preferidos por<br />

brasileiros; hoje se comprova que 99% <strong>da</strong>s solicitações de reservas para intercâmbio<br />

são atendi<strong>da</strong>s.<br />

Há, na Flóri<strong>da</strong> uma deman<strong>da</strong> muito grande para ven<strong>da</strong> de semanas de<br />

Time Sharing para brasileiros, a ponto de alguns resorts em Orlando e Disney<br />

montarem estruturas de ven<strong>da</strong> específi cas para brasileiros, onde o idioma<br />

corrente é o português; estima-se que cerca de 50 brasileiros/ dia comprem<br />

semanas de Time Sharing nos EUA e México, pagando em média US$ 15.000<br />

por 20 anos de direito de uso de uma semana/ ano; os valores praticados pelos<br />

resorts brasileiros são inferiores e o comprador pode usufruir de todos os hotéis<br />

afi liados em sua rede de intercâmbio, pagando somente as taxas de afi liação<br />

(uma vez por ano) e de intercâmbio (a ca<strong>da</strong> troca de semana efetua<strong>da</strong>).<br />

As tabelas de ven<strong>da</strong>s pratica<strong>da</strong>s pelos resorts têm como parâmetros de diferenciação<br />

de preços o número de hospedes/ apartamento e o período do ano,<br />

dividido em 52 semanas. No litoral paulista, entre alguns empreendimentos,<br />

o Dana Inn Pousa<strong>da</strong> Tabatinga, no Condomínio Costa Verde, entre Caraguatatuba<br />

e Ubatuba, de frente ao mar em uma praia belíssima, está venden-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 10


do a R$ 4.000, o apartamento para quatro hóspedes em semanas de Média<br />

Tempora<strong>da</strong> — entre Março e Outubro; sua tabela dispõe de preços ain<strong>da</strong> de<br />

apartamentos para 6 e 8 pessoas e para Alta Tempora<strong>da</strong>. A grande vantagem<br />

de se comprar semanas no período de Média Tempora<strong>da</strong> é a de se conseguir<br />

um intercâmbio de Alta Tempora<strong>da</strong> na Europa e EUA, pagando um preço<br />

baixo, neste caso específi co.<br />

Alguns bancos brasileiros já anunciaram que estão estu<strong>da</strong>ndo alternativas<br />

de fi nanciamento tanto para construção e reforma de resorts afi liados ao<br />

Sistema de Tempo Compartilhado, como para o consumidor fi nal; o atual<br />

impeditivo são as altas taxas de juros, que tendem a cair.<br />

TENDÊNCIAS<br />

O Time Sharing é o segmento do turismo que mais cresce no mundo,<br />

oferecendo hospe<strong>da</strong>gens em resorts de 4 e 5 estrelas a valores baixos. Com a<br />

chega<strong>da</strong> de marcas internacionalmente reconheci<strong>da</strong>s, aliado à nova tendência,<br />

que é a adoção do sistema de pontos, substituindo a semana e permitindo<br />

maior fl exibili<strong>da</strong>de de escolha: ao invés de serem obrigados a usufruir <strong>da</strong>s<br />

mesmas férias nas mesmas semanas todos os anos, o comprador de Time Sharing<br />

será proprietário de um determinado número de pontos, que poderão<br />

ser usados em qualquer resort afi liado, <strong>da</strong> forma que entender e será benefi ciado<br />

com propostas de fi nais de semana mais baratos, vôos e pacotes executivos<br />

nos resorts afi liados.<br />

Este fato será o responsável pela criação de uma ampla e leal base de clientes:<br />

ao mesmo tempo em que a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> adoção do sistema de pontos, aliado<br />

à entra<strong>da</strong> de redes internacionais no sistema concede a credibili<strong>da</strong>de e permite<br />

a fl exibili<strong>da</strong>de de escolha ao comprador, eleva o padrão e a sofi sticação<br />

do Time Sharing fi cará por conta do ingresso de redes hoteleiras, principalmente<br />

européias, ofertando hotéis de luxo nos principais destinos turísticos<br />

do continente, vários servidos por campos de golfe e Spa. O proprietário de<br />

Time Sharing de um resort brasileiro poderá usufruir destes hotéis charmosos,<br />

onde as semanas são vendi<strong>da</strong>s até por US$ 28.000, pagando, somente, as<br />

taxas <strong>da</strong> Interval, o transporte e alimentação.<br />

A tendência <strong>da</strong> indústria hoteleira internacional passa obrigatoriamente<br />

pela evolução do sistema de Time Sharing, passando para os centros urbanos,<br />

criação de clubes de viagens, convênios, enfi m; esta será à base <strong>da</strong> estrutura<br />

turística dos novos tempos.” 4<br />

Você consideraria, em quais casos, a compra de um imóvel nas circunstâncias<br />

acima? Ou seria melhor alugar?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

4 http://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?idconteudo=160<br />

FGV DIREITO RIO 11


AULA 2: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE:<br />

O DONO PODE FAZER TUDO?<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Função social. Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

TEPPEDINO, Gustavo. “Contornos constitucionais <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>”,<br />

em “Temas de <strong>Direito</strong> Civil”, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp.<br />

267-293,<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

VARELA, Laura Beck. “Das Sesmarias à Proprie<strong>da</strong>de Moderna”, Rio de Janeiro,<br />

Renovar, 2005, p. 219-234.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

FUNÇÃO SOCIAL<br />

O que é <strong>da</strong>r função social? A proprie<strong>da</strong>de, como a estamos concebendo,<br />

é um direito. Entretanto, um direito tão importante não pode ser exercitado<br />

sem que sejam delineados limites internos ao seu exercício. Daí a transição<br />

dos poderes proprietários para deveres-poderes proprietários, 5 que deverão<br />

ser exercidos em consonância dos interesse sociais. Tal questão não escapou<br />

ao constituinte.<br />

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE<br />

Este viés não escapou ao constituinte que defi niu a priori um conteúdo<br />

constitucional para a proprie<strong>da</strong>de, que orienta todo o conjunto de normas atinentes<br />

ao referido direito. Trata-se <strong>da</strong> função social (art. 5°, XXIII, CRFB).<br />

Função porque a proprie<strong>da</strong>de passa, a partir deste momento, a não ser<br />

mais um direito vazio, mas uma situação patrimonial apenas passível de pro-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

5 Augusto Teizen, A Função Social no<br />

Código Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 132.<br />

FGV DIREITO RIO 12


teção na medi<strong>da</strong> em que exercer um <strong>da</strong>do papel no ordenamento. Este papel<br />

é tomando em conta não individualmente, mas socialmente, <strong>da</strong>í a menção ao<br />

termo social. A proprie<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um está em termos de titulari<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong><br />

a ca<strong>da</strong> um não por conta <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de que ca<strong>da</strong> um aufere <strong>da</strong> coisa (que<br />

não é relega<strong>da</strong> nem desimportante, mas que não serve de parâmetro central<br />

para esta regulação), mas tendo em vista a utili<strong>da</strong>de que a socie<strong>da</strong>de obtém de<br />

benefício a ca<strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong>. Estes conteúdos podem ganhar várias<br />

concreções, a saber:<br />

Qual seria a natureza <strong>da</strong> função social? Para alguns, é princípio <strong>da</strong> ordem<br />

econômica. 6 Gustavo Tepedino, to<strong>da</strong>via, entende que este princípio permeia<br />

todo o direito privado, porquanto diante <strong>da</strong>s colocações acima não se possa<br />

conceber proprie<strong>da</strong>de sem que haja atendimento a uma série de interesses<br />

não-proprietários, que em muitos casos não se ampararão na micro-constituição<br />

econômica, mas em outros paradigmas perfi lados pela Constituição <strong>da</strong><br />

República (em especial, situações subjetivas existenciais: intimi<strong>da</strong>de, liber<strong>da</strong>de,<br />

integri<strong>da</strong>de, digni<strong>da</strong>de...).<br />

Sendo princípio, ou seja, norma jurídica de re<strong>da</strong>ção sintética e de aplicação<br />

e cogência variáveis, poderá a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de admitir<br />

inúmeras concreções, ca<strong>da</strong> uma com sua característica distintiva. O próprio<br />

Código Civil, no art. 1228, §1°, traz-nos algumas ideias que especifi cam o<br />

conteúdo <strong>da</strong> função social: meio ambiente, proteção do patrimônio histórico,<br />

etc., além <strong>da</strong>s previstas no próprio texto constitucional (CRFB, art. 182,<br />

§2°, sobre o atendimento ao plano diretor, art.170, sobre os princípios <strong>da</strong><br />

ordem econômica, e art. 186 — sobre a proprie<strong>da</strong>de rural: aproveitamento<br />

racional e adequado; utilização adequa<strong>da</strong> dos recursos naturais disponíveis e<br />

preservação do meio ambiente; observância <strong>da</strong>s disposições que regulam as<br />

relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários<br />

e dos trabalhadores). A função social comporta-se, portanto, como conceito<br />

jurídico indeterminado, a ser preenchido pelo intérprete.<br />

Além disso, a própria jurisprudência se incumbe de delinear outras hipóteses<br />

nas quais se atenderá à função social. É ver o RESP 27039, DJ 7.02.94,<br />

julgado pelo STJ:<br />

“<strong>Direito</strong> de internar e assistir seus pacientes. Cod. de ética medica aprovado pela<br />

resolução CFM n. 1.246/88, art. 25. <strong>Direito</strong> de proprie<strong>da</strong>de. Cod. Civil, art. 524.<br />

Decisão que reconheceu o direito do médico, consubstanciado na resolução, de ‘internar<br />

e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter fi lantrópico,<br />

ain<strong>da</strong> que não faça parte do seu corpo clinico, respeitados as normas técnicas <strong>da</strong> instituição’,<br />

não ofendeu o direito de proprie<strong>da</strong>de, estabelecido o art. 524 do Cód. Civil.<br />

Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, ou direito do proprietário sujeito a limitações. Constituição,<br />

art. 5. —XXIII. 2. E livre o exercício de qual trabalho. A saúde é direito<br />

de todos. Constituição art. 5. —XXIII e 196. 3. Recurso especial não conhecido.”<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

6 José Diniz de Morais, A Função Social<br />

<strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de na Constituição Federal<br />

de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999,<br />

p. 64.<br />

FGV DIREITO RIO 13


Ou ain<strong>da</strong>, confi rmando o caráter de cláusula geral:<br />

TJ —RJ, 2006.001.44440 — APELACAO CIVEL<br />

DES. AZEVEDO PINTO — Julgamento: 13/12/2006<br />

Apelação. Ordinária. Concessão real de uso de bem público. Municipali<strong>da</strong>de<br />

que não deu função social à proprie<strong>da</strong>de dominical sua e pretende desalijar<br />

família de baixa ren<strong>da</strong>, que ocupou imóvel abandonado. Sentença de improcedência.<br />

Apelação do Município arguindo preliminares de apreciação de<br />

agravo retido e de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº2220/2001.<br />

No mérito, requer a reforma <strong>da</strong> sentença alegando que:1 — não cumpriu a<br />

apela<strong>da</strong> os pressupostos <strong>da</strong> MP2220/2001; 2 — inexiste direito de retenção<br />

por benfeitorias;3 — a recorri<strong>da</strong> é devedora de per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos, na quali<strong>da</strong>de<br />

de lucros cessantes, tendo em vista que habitou bem público por anos, sem<br />

qualquer pagamento. Desprovimento do agravo retido e do recurso principal.<br />

Correta a concessão de tutela antecipatória, uma vez que a decisão<br />

não é teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos, aplicação do verbete<br />

sumular nº 59 deste Tribunal. Não merece acolhi<strong>da</strong> a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória 2220/2001, tendo em vista que o Poder<br />

Executivo Federal na<strong>da</strong> mais fez do que disciplinar matéria constitucional e<br />

legalmente prevista, através do ato administrativo normativo. Vale observar<br />

que não seria necessária Medi<strong>da</strong> Provisória para se fazer respeitar o princípio<br />

constitucional <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de (art. 5º, XXIII e 170, III <strong>da</strong><br />

CRFB/88) que, na hipótese, se materializa pelo abandono do bem pela municipali<strong>da</strong>de<br />

e pela comprovação de sua utilização pela apela<strong>da</strong> e sua família,<br />

de acordo com o que se extrai do acervo probatório colacionado aos autos.<br />

No mérito, vê-se que há prova sufi ciente de que a apela<strong>da</strong> é possuidora do<br />

imóvel há mais de vinte anos, realizando, portanto, o comando insculpido no<br />

artigo 1º <strong>da</strong> MP nº2220/2001. Ausente a fi nali<strong>da</strong>de pública bem delimita<strong>da</strong>,<br />

é viável a permanência <strong>da</strong> apela<strong>da</strong> e sua família no imóvel, uma vez que,<br />

manti<strong>da</strong> a situação fática existente, estar-se-ia, sem dúvi<strong>da</strong>, cumprindo com<br />

a função social do imóvel. Como dito alhures, desnecessária a edição de medi<strong>da</strong><br />

de provisória com o fi to de disciplinar a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />

tendo em vista que esta goza de assento constitucional (arts. 5º, XXIII e 170,<br />

III, CRFB/88), e, repita-se, não <strong>da</strong>ndo a municipali<strong>da</strong>de função social ao<br />

bem, este caracterizado como dominical, faz-se mister a chama<strong>da</strong> concessão<br />

de uso especial. Observando-se, contudo, que não se está conferindo o domínio,<br />

mas sim a posse do imóvel para o fi m específi co de moradia, estando<br />

o possuidor, que deu função social ao imóvel, sujeito à cassação <strong>da</strong> concessão<br />

do benefício, na hipótese de descumprimento dos requisitos e fi ns determinados.<br />

Recurso conhecido e desprovido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 14


— As diferentes interpretações atribuí<strong>da</strong>s pela jurisprudência ao conceito<br />

de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de:<br />

TJRJ — Agravo de Instrumento nº 0034470-72.2011.8.19.0000<br />

DES. CARLOS EDUARDO PASSOS — Julgamento: 14/07/2011 —<br />

SEGUNDA CAMARA CIVEL<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. VERBE-<br />

TE N º 59 DA SÚMULA DESTE TRIBUNAL. Reforma de decisão agrava<strong>da</strong><br />

somente em casos de teratologia, ilegali<strong>da</strong>de ou não observância <strong>da</strong> prova<br />

dos autos. Pronunciamento não enquadrado em qualquer dessas hipóteses.<br />

Ação civil Pública. Contrato de depósito de veículos apreendidos. Descoberta<br />

de focos de mosquito transmissor <strong>da</strong> dengue no local. Dano iminente<br />

à incolumi<strong>da</strong>de pública demonstrado. Obrigação de conservação <strong>da</strong> coisa<br />

deposita<strong>da</strong>. Observância dos princípios <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e<br />

do contrato. Plausibili<strong>da</strong>de do direito invocado e risco de lesão grave à população.<br />

Determinação de paralisação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de negocial e cobertura do<br />

terreno, de modo a evitar a acumulação de água. Restrições razoáveis. Atendimento<br />

do interesse público. Recurso a que se nega seguimento.<br />

— O acórdão abaixo, ao fi m, traz o conceito de função social ecológica<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Além disso, no item 7, o acórdão desconstrói a tese de que a<br />

utili<strong>da</strong>de econômica do imóvel não se esgote num único uso, nem tampouco<br />

no melhor uso.<br />

STJ — REsp 1109778/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SE-<br />

GUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 04/05/2011<br />

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PRE-<br />

QUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. MATA ATLÂNTICA. DE-<br />

CRETO 750/1993. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO<br />

QÜINQÜENAL. ART. 1.228, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO<br />

CÓDIGO CIVIL DE 2002.<br />

1. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito <strong>da</strong><br />

oposição de Embargos Declaratórios, não foi aprecia<strong>da</strong> pelo Tribunal de origem.<br />

Incidência <strong>da</strong> Súmula 211/STJ.<br />

2. Ressalte-se, inicialmente, que a hipótese dos autos não se refere a pleito<br />

de indenização pela criação de Uni<strong>da</strong>des de Conservação (Parque Nacional<br />

ou Estadual, p.ex.), mas em decorrência <strong>da</strong> edição de ato normativo stricto<br />

sensu (Decreto Federal), de observância universal para todos os proprietários<br />

rurais inseridos no Bioma <strong>da</strong> Mata Atlântica.<br />

3. As restrições ao aproveitamento <strong>da</strong> vegetação <strong>da</strong> Mata Atlântica, trazi<strong>da</strong>s<br />

pelo Decreto 750/93, caracterizam, por conta de sua generali<strong>da</strong>de e apli-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 15


cabili<strong>da</strong>de a todos os imóveis incluídos no bioma, limitação administrativa,<br />

o que justifi ca o prazo prescricional de cinco anos, nos moldes do Decreto<br />

20.910/1932. Precedentes do STJ.<br />

4. Hipótese em que a Ação foi ajuiza<strong>da</strong> somente em 21.3.2007, decorridos<br />

mais de dez anos do ato do qual originou o suposto <strong>da</strong>no (Decreto<br />

750/1993), o que confi gura a prescrição do pleito do recorrente.<br />

5. Assegura<strong>da</strong> no Código Civil de 2002 (art. 1.228, caput), a facul<strong>da</strong>de de<br />

“usar, gozar e dispor <strong>da</strong> coisa”, núcleo econômico do direito de proprie<strong>da</strong>de,<br />

está condiciona<strong>da</strong> à estrita observância, pelo proprietário atual, <strong>da</strong> obrigação<br />

propter rem de proteger a fl ora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico<br />

e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar<br />

e <strong>da</strong>s águas (parágrafo único do referido artigo).<br />

6. Os recursos naturais do Bioma Mata Atlântica podem ser explorados,<br />

desde que respeita<strong>da</strong>s as prescrições <strong>da</strong> legislação, necessárias à salvaguar<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> vegetação nativa, na qual se encontram várias espécies <strong>da</strong> fl ora e fauna<br />

ameaça<strong>da</strong>s de extinção.<br />

7. Nos regimes jurídicos contemporâneos, os imóveis — rurais ou urbanos<br />

— transportam fi nali<strong>da</strong>des múltiplas (priva<strong>da</strong>s e públicas, inclusive<br />

ecológicas), o que faz com que sua utili<strong>da</strong>de econômica não se esgote em um<br />

único uso, no melhor uso e, muito menos, no mais lucrativo uso. A ordem<br />

constitucional-legal brasileira não garante ao proprietário e ao empresário o<br />

máximo retorno fi nanceiro possível dos bens privados e <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des exerci<strong>da</strong>s.<br />

8. Exigências de sustentabili<strong>da</strong>de ecológica na ocupação e utilização de<br />

bens econômicos privados não evidenciam apossamento, esvaziamento ou<br />

injustifi ca<strong>da</strong> intervenção pública. Prescrever que indivíduos cumpram certas<br />

cautelas ambientais na exploração de seus pertences não é atitude discriminatória,<br />

tampouco rompe com o princípio <strong>da</strong> isonomia, mormente porque<br />

ninguém é confi scado do que não lhe cabe no título ou senhorio.<br />

9. Se o proprietário ou possuidor sujeita-se à função social e à função ecológica<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, despropositado alegar per<strong>da</strong> indevi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quilo que, no<br />

regime constitucional e legal vigente, nunca deteve, isto é, a possibili<strong>da</strong>de de<br />

utilização completa, absoluta, ao estilo <strong>da</strong> terra arrasa<strong>da</strong>, <strong>da</strong> coisa e de suas<br />

virtudes naturais. Ao revés, quem assim proceder estará se apoderando ilicitamente<br />

(uso nocivo ou anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de) de atributos públicos do<br />

patrimônio privado (serviços e processos ecológicos essenciais), que são “bem<br />

de uso comum do povo”, nos termos do art.<br />

225, caput, <strong>da</strong> Constituição de 1988.<br />

10. Finalmente, observe-se que há notícia de decisão judicial transita<strong>da</strong><br />

em julgado, em Ação Civil Pública, que também impõe limites e condições<br />

à exploração de certas espécies <strong>da</strong> Mata Atlântica, considera<strong>da</strong>s ameaça<strong>da</strong>s de<br />

extinção.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 16


11. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido.<br />

CASO GERADOR<br />

MS 2046 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA<br />

Relator Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ 30.08.1993, p. 17258.<br />

“MANDADO DE SEGURANÇA — AREA INDÍGENA — DECLA-<br />

RAÇÃO DE POSSE E DEFINIÇÃO DE LIMITES PARA DEMARCA-<br />

ÇÃO ADMINISTRATIVA — PORTARIA MINISTERIAL DECOR-<br />

RENTE DE PROPOSIÇÃO DA FUNAI — INTERDIÇÃO DA ÁREA<br />

— TITULO DOMINIAL PRIVADO — CONSTITUIÇÃO FEDERAL,<br />

ART. 231 — ADCT, ART. 67 — LEI N. 6001/73 — DECRETO FEDE-<br />

RAL N. 11/91 — DECRETO FEDERAL N. 22/91.<br />

1. O direito privado de proprie<strong>da</strong>de, seguindo-se a dogmatica tradicional<br />

(código civil, arts. 524 e 527), a luz <strong>da</strong> constituição federal (art. 5., xxii, c. F),<br />

dentro <strong>da</strong>s modernas relações jurídicas, políticas, sociais e econômicas, com<br />

limitações de uso e gozo, deve ser reconhecido com sujeição a disciplina e<br />

exigência <strong>da</strong> sua função social (art. 170, ii e iii, 182, 183, 185 e 186, c. F.). É<br />

a passagem do estado — proprietário para o estado — solidário, transportando-se<br />

do “monossistema” para o “polissistema” do uso do solo (arts. 5., xxiv,<br />

22 ii, 24, vi, 30, viii, 182, parágrafos 3. E 4., 184 e 185, c. F.).<br />

2. Na “área indígena” estabeleci<strong>da</strong> o dominiali<strong>da</strong>de (art. 20, xi e 231, c.<br />

F.), a união é nua — proprietária e os índios, situam-se como usufrutuários,<br />

fi cando excepcionado o direito adquirido do particular (art. 231, parágrafos<br />

6. E 7., c. F.), porém, com a inafastável necessi<strong>da</strong>de de ser verifi ca<strong>da</strong> a habitação<br />

o ocupação tradicional dos índios, seguindo-se a demarcatória no prazo<br />

de cinco anos (art. 67, ADCT).<br />

(...).”<br />

Na situação acima, entendeu o STJ que se os não-indígenas cumprem a<br />

função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, devem ser deixados dentro de terra demarca<strong>da</strong><br />

como reserva indígena. Você concor<strong>da</strong> com a decisão?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 17


AULA 3: A PROPRIEDADE E A POSSE: EU ESTOU AQUI<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

A proprie<strong>da</strong>de e a posse: relação. Conceito de posse.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo, “Posse e Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />

Lumen Juris, 2006, p. 295-317.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

Rudolf von Ihering, “Posse e Interditos Possessórios”, Salvador, Progresso, 1959,<br />

pp. 155-172.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

O QUE É A POSSE?<br />

Como vimos, a proprie<strong>da</strong>de consiste, na visão civilista tradicional, no exercício<br />

de poderes signifi cativos em relação a uma coisa. E se esses poderes são<br />

exercidos de fato, independente de uma situação juridicamente consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

a ampará-los? Temos, nesse caso, a posse, que é a exteriorização do exercício<br />

desses poderes. Há, por exemplo, uma diferença evidente entre ter o direito<br />

de usar um carro, e efetivamente usá-lo. A exteriorização material constitui<br />

posse. O direito pode ser de qualquer natureza, inclusive a proprie<strong>da</strong>de.<br />

FUNDAMENTOS DA TUTELA POSSESSÓRIA NO DIREITO ROMANO.<br />

Origens possíveis <strong>da</strong> palavra posse em latim:<br />

Pedes ponere — por os pés.<br />

Sedibus — deter algo. Ex: cargo, patrimônio...<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 18


Origens <strong>da</strong> posse no <strong>Direito</strong> Romano: 7<br />

Savigny — campos comunais (ager publicus) e seus ocupantes, que necessitavam<br />

de tutela jurídica;<br />

Ihering — inicialmente, defesa dos ocupantes que não eram o pater, na<br />

ausência dele ou mesmo contra ele (rendeiro agricultor, que muitas vezes<br />

era o fi lho-família); depois, ocupante de proprie<strong>da</strong>de, que não tinha registro<br />

adequado, mas poderia se o dono; em terceiro lugar, a proteção <strong>da</strong> posse de<br />

bens móveis.<br />

Disso derivam muitas <strong>da</strong>s noções sobre posse, e as divergências entre ambos.<br />

A visão de Savigny, marca<strong>da</strong>mente mais social e volta<strong>da</strong> para aquele que<br />

almeja a condição de proprietário, e a de Ihering, mais preocupa<strong>da</strong> em justifi<br />

car a proteção jurídica do provável proprietário.<br />

REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE<br />

Os requisitos para a confi guração <strong>da</strong> situação possessória são descritos no<br />

art. 1996 do Código Civil:<br />

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno<br />

ou não, de algum dos poderes inerentes à proprie<strong>da</strong>de.”<br />

Esse dispositivo legal pode ser desmembrado, de maneira a que se extraiam<br />

os seguintes requisitos para a confi guração <strong>da</strong> situação possessória.<br />

POSSE = CORPUS + AFFECTIO TENENDI + ANIMUS<br />

No entanto, a determinação do conteúdo desses requisitos varia de acordo<br />

com a teoria adota<strong>da</strong>:<br />

TEORIAS QUANTO AOS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE:<br />

Savigny: o possuidor é aquele que se comporta como proprietário e deseja<br />

ser dono.<br />

Posse: corpus (poder sobre a coisa) + aff ectio tenendi (consciência do poder<br />

sobre a coisa) + animus domini (vontade de ser dono). O locatário, o<br />

depositário, e outras fi guras assemelha<strong>da</strong>s, portanto, não teriam posse.<br />

Ihering: Posse como proteção do possível proprietário, e não como proteção<br />

do aspirante a proprietário.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

7 Conforme Astolpho Rezende, A Posse e<br />

a Sua Proteção, 2ª Ed, São Paulo: Lejus,<br />

2000, p. 1-26.<br />

FGV DIREITO RIO 19


Posse: corpus (com animus; basta querer ter poder sobre a coisa) + aff ectio<br />

tenendi.<br />

Detenção<br />

O detentor é aquele que, embora exerça de fato os poderes inerentes ao<br />

domínio, não tem tutela jurídica que o ampare.<br />

Situações de detenção:<br />

1) Fâmulo <strong>da</strong> posse (art. 1.198, CC);<br />

2) Atos de mera tolerância (art. 1.208, CC);<br />

3) A situação de quem adquire a posse com violência ou clandestini<strong>da</strong>de,<br />

enquanto essas não cessam (art. 1.208) 8 .<br />

A RELAÇÃO DA POSSE COM A PROPRIEDADE<br />

A posse, como situação de fato correlaciona<strong>da</strong>, surge, então como a aparência<br />

dos poderes proprietários, ou se amparando na intenção de ser dono, ou na provável<br />

proprie<strong>da</strong>de. No entanto, tem se constatado ca<strong>da</strong> vez mais que a visão iheringuiana<br />

não foi capaz de antever atritos existentes entre o proprietário não-possuidor<br />

e o possuidor não proprietário, a quem Ihering imaginava falecer proteção<br />

jurídica. Na nossa socie<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>via, não é possível ignorar essa perspectiva.<br />

CASO GERADOR 1<br />

Um possuidor tem o seu imóvel desocupado à força, pois alega<strong>da</strong>mente estaria<br />

ocupando área de proprie<strong>da</strong>de do poder público. Processa o poder público,<br />

que alega ser legítimo possuidor do bem, buscando voltar a possuir o bem.<br />

Ao ser questionado pelo magistrado, o representante de Administração admite<br />

que, conquanto seja proprietário, não sabe ao certo qual área possui, nem de<br />

qual modo são exercidos os poderes sobre a coisa. A administração tem posse?<br />

CASO GERADOR 2<br />

Transitado em julgado o acórdão que determina o despejo de locatário, o<br />

mesmo não é efetivado pelo locador, que deixa o processo parado. O despejado<br />

tampouco reinicia o pagamento do aluguel. Tem posse o sucumbente<br />

<strong>da</strong> ação?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

8 Informativo no fi m dessa aula.<br />

FGV DIREITO RIO 20


DECISÃO(ÕES).<br />

*INFORMATIVO N° 0411<br />

Período: 12 a 16 de outubro de 2009<br />

Terceira Turma<br />

Reintegração, Posse e Terras Públicas.<br />

Noticiam os autos que foram adquiri<strong>da</strong>s terras públicas por instrumento<br />

de man<strong>da</strong>to outorgado por particular (mera detenção de posse); porém,<br />

durante o inventário decorrente <strong>da</strong> morte do adquirente, o imóvel sofreu<br />

apossamento, esbulho e grilagem por parte de terceiro. Então, houve o ajuizamento<br />

de cautelar de sequestro julga<strong>da</strong> procedente e, nos autos <strong>da</strong> cautelar,<br />

o autor (o espólio) pretendeu a expedição de man<strong>da</strong>do de desocupação, o<br />

qual foi indeferido ao argumento de que deveria ser ajuizado processo apropriado<br />

para tanto. Daí a ação de reintegração de posse interposta pelo espólio,<br />

em que a sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob o<br />

fun<strong>da</strong>mento de que não cabe ao Judiciário decidir lide entre particulares que<br />

envolvam questões possessórias de ocupação de imóvel público, entretanto o<br />

Tribunal a quo deu provimento à apelação do recorrido (espólio), afi rmando<br />

ser possível o ajuizamento <strong>da</strong> ação possessória. Isso posto, o REsp do MPDF<br />

tem por objetivo saber se é possível ao particular que ocupa terra pública<br />

utilizar-se de ação de reintegração de posse para reaver a coisa esbulha<strong>da</strong> por<br />

outro particular. Ressaltou a Min. Relatora que o tema ain<strong>da</strong> não foi apreciado<br />

neste Superior Tribunal, que só enfrentou discussões relativas à proteção<br />

possessória de particular perante o Poder Público — casos em que adotou o<br />

entendimento de que, em tais situações, a ocupação de bem público não passa<br />

de mera detenção, sendo, por isso, incabível invocar proteção possessória<br />

contra o órgão público. Observou que o espólio recorrido não demonstrou,<br />

na inicial, nenhum dos fun<strong>da</strong>mentos que autorizam o pedido de proteção<br />

possessória e, sendo público o imóvel, na<strong>da</strong> mais é que mero detentor. Nesse<br />

contexto, concluiu haver impossibili<strong>da</strong>de de caracterização <strong>da</strong> posse por se<br />

tratar de imóvel público, pois não há título que legitime o direito do particular<br />

sobre esse imóvel. Assim, a utilização do bem público pelo particular só<br />

se considera legítima mediante ato ou contrato administrativo constituído a<br />

partir de rigorosa observância dos man<strong>da</strong>mentos legais para essa fi nali<strong>da</strong>de.<br />

Ademais, explica que o rito <strong>da</strong>s possessórias previsto nos arts. 926 e seguintes<br />

do CPC exige que a posse seja prova<strong>da</strong> de plano para que a ação tenha<br />

seguimento. Por essa razão, a Turma extinguiu o processo sem resolução de<br />

mérito, pela inadequação <strong>da</strong> ação proposta com fun<strong>da</strong>mento no art. 267, IV,<br />

do CPC. Destacou-se, ain<strong>da</strong>, que o Judiciário poderá apreciar esse confl ito<br />

por meio de outro rito que não o especial e nobre <strong>da</strong>s possessórias. REsp<br />

998.409-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2009.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 21


AULA 4: A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE<br />

E O CRITÉRIO DA MELHOR POSSE.<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Melhor posse e tipologia <strong>da</strong> posse. Efeitos <strong>da</strong> posse. A função social <strong>da</strong><br />

posse. Confl itos entre critérios.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

ZAVASKI, Teori, “Tutela <strong>da</strong> posse na CRFB e no Novo Código Civil”,<br />

PDF.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

CASTRO, Tupinambá, “Posse e Proprie<strong>da</strong>de”, Porto Alegre, Livraria do Advogado,<br />

2003, p. 9-98.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

MELHOR POSSE E TIPOLOGIA DA POSSE.<br />

O Código Civil, em boa parte do título dedicado à posse, cui<strong>da</strong> de determinar<br />

quais são os diferentes tipos de posse. Em alguns casos, falo com o<br />

objetivo de imputar efeitos a determinados tipos de posse, como por exemplo,<br />

nos art. 1.214 e seguintes. Em muitos casos, contudo, a delineação <strong>da</strong><br />

tipologia <strong>da</strong> posse é feita sem que se determine consequências específi cas para<br />

a adoção desse ou <strong>da</strong>quele regime jurídico.<br />

A justifi cativa <strong>da</strong> ausência desses efeitos encontra-se no art. 507 do Código<br />

Civil de 1916, que assim dispunha:<br />

“Art. 507. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será mantido, ou<br />

reintegrado judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse.<br />

Parágrafo único. Entende-se melhor a posse que se fun<strong>da</strong>r em justo título; na falta<br />

de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se <strong>da</strong> mesma <strong>da</strong>ta, a posse atual.<br />

Mas, se to<strong>da</strong>s forem duvidosas, será sequestra<strong>da</strong> a coisa, enquanto se não apurar a<br />

quem toque.”<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 22


Do dispositivo acima extraiu-se a interpretação de que aquele que, de<br />

acordo com os critérios de classifi cação <strong>da</strong> posse, tiver a melhor posse, deverá<br />

ter a sua posse juridicamente tutela<strong>da</strong>. Dá-se a essa situação o nome de critério<br />

<strong>da</strong> melhor posse.<br />

Para que se determine qual a melhor posse, é necessário que sejam conhecidos<br />

os critérios de classifi cação <strong>da</strong> posse, bem como de que maneira ela é<br />

adquiri<strong>da</strong> ou perdi<strong>da</strong>.<br />

Classificação <strong>da</strong> posse<br />

Posse deriva<strong>da</strong><br />

Transmiti<strong>da</strong> por outrem, com ou sem mediação — e ninguém transmite<br />

mais direitos do que possui.<br />

Posse originária<br />

Cria<strong>da</strong> pelo surgimento espontâneo de uma relação com a coisa.<br />

Posse Direta ou Imediata<br />

Inferência sobre a coisa exerci<strong>da</strong> pelo não proprietário;<br />

Posse indireta ou mediata<br />

Poder ain<strong>da</strong> resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo proprietário, que não perde de todo o controle<br />

sobre a coisa.<br />

Requisito<br />

A existência de uma relação jurídica que justifi que a mediação na posse.<br />

Opõe-se a mediação <strong>da</strong> posse à ideia de posse plena, a única ad usucapionem.<br />

Posse justa e injusta<br />

Art. 1200. nec vi, nec clam, nec precário. A posse é justa to<strong>da</strong> vez que não<br />

é injusta.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 23


Posse injusta — violenta<br />

Toma<strong>da</strong> por um ato de força.<br />

Posse injusta — clandestina<br />

Ato de ocultamento.<br />

Posse injusta — precária<br />

Daquela que, recebendo a coisa com a obrigação de restituir, não a devolve,<br />

arrogando-se a quali<strong>da</strong>de de possuidor.<br />

A posse injusta não se converte em justa por ato unilateral do possuidor.<br />

Mas circunstâncias outras podem legitimar a posse (como por exemplo, uma<br />

aquisição do bem). Vejamos as decisões abaixo:<br />

STJ REsp 154733 / DF, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA<br />

DJ 19.03.2001 p. 111<br />

“CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-<br />

QUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁ-<br />

RIA. POSSIBILIDADE.<br />

O usucapião extraordinário — art. 55, CC — reclama, tão-somente: a) posse<br />

mansa e pacífi ca, ininterrupta, exerci<strong>da</strong> com animus domini; b) o decurso do prazo<br />

de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, “que não só dispensa<br />

a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência”.<br />

E, segundo o ensinamento <strong>da</strong> melhor doutrina, “na<strong>da</strong> impede que o caráter<br />

originário <strong>da</strong> posse se modifi que”, motivo pelo qual o fato de ter havido no início <strong>da</strong><br />

posse <strong>da</strong> autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a<br />

partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a<br />

feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo,<br />

com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso<br />

especial conhecido, com base na letra “c” do permissivo constitucional, e provido.”<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 24


— Acórdão permitindo a alteração do caráter originário <strong>da</strong> posse:<br />

TJRJ — 0063848-46.2006.8.19.0001 — APELACAO<br />

DES. RICARDO COUTO — Julgamento: 16/12/2010 — SETIMA CA-<br />

MARA CIVEL<br />

APELAÇÃO CÍVEL — USUCAPIÃO —LOCAÇÃO— INVERSÃO DO<br />

CARÁTER DA POSSE — POSSIBILIDADE. O falecimento do proprietário<br />

do imóvel e dos herdeiros conhecidos encerra a relação locatícia e permite que<br />

haja a modifi cação do caráter <strong>da</strong> posse originária, a autorizar o pleito de usucapião,<br />

desde que presentes os demais requisitos. Assim, a improcedência do pedido<br />

sem que haja dilação probatória, com a adequa<strong>da</strong> citação do Espólio, importa<br />

em afronta ao direito de ação ou acesso à justiça. Recurso conhecido e provido,<br />

na forma do artigo 557, § 1º-a, do Código de Processo Civil.<br />

— Alteração do caráter originário <strong>da</strong> posse, à luz, dentre outros motivos,<br />

<strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse.<br />

TJRJ — APELAÇÃO 0091824-33.2003.8.19.0001 — j. 26/10/2010<br />

Apelação Cível. Ação de usucapião. Pretensão deduzi<strong>da</strong> por possuidores de mais<br />

de 20 anos, que afi rmam ter ingressado no imóvel como locatários, mas logo passado a<br />

exercer a posse com animus domini. Proprietários cujo paradeiro se desconhece. Citação<br />

por edital. Posse comprova<strong>da</strong>mente exerci<strong>da</strong> de forma mansa e pacífi ca. Inversão do caráter<br />

<strong>da</strong> posse. Existência de atos que, de forma inequívoca, indicam a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> posse, originalmente precária, como a cessação do pagamento de 4 aluguéis, a<br />

realização de obras de conservação no bem e a quitação de débitos tributários de períodos<br />

pretéritos. Função social <strong>da</strong> posse. Desídia dos proprietários registrais exterioriza<strong>da</strong><br />

pela ausência prolonga<strong>da</strong>, que se extrai do insucesso <strong>da</strong>s diligências realiza<strong>da</strong>s pelo Juízo<br />

no intuito de localizá-los. Recurso ao qual se dá provimento para declarar os apelantes<br />

proprietários do imóvel descrito na inicial, consoante o artigo 1.238 do Código Civil.<br />

— Em contrarie<strong>da</strong>de aos julgados colacionados acima, o acórdão abaixo<br />

explicita o entendimento segundo o qual não é possível modifi car o caráter<br />

<strong>da</strong> posse por mera vontade <strong>da</strong> parte:<br />

TJRJ — 0004255-56.2008.8.19.0053 — APELACAO<br />

DES. MARIO DOS SANTOS PAULO — Julgamento: 30/08/2010 —<br />

QUARTA CAMARA CIVEL<br />

1. Usucapião. Bem móvel. 2. Veículo deixado em ofi cina mecânica com intuito<br />

de proceder a reparos. 3. Mera detenção, ausente o animus domini. 4.<br />

Impossibili<strong>da</strong>de de modifi cação do caráter <strong>da</strong> posse por mera vontade <strong>da</strong> parte.<br />

5. Recurso provido, na forma do Art. 557, § 1º — A do C.P.C.<br />

— O acórdão abaixo explicita a impossibili<strong>da</strong>de de contratos de locação e<br />

arren<strong>da</strong>mentos obstarem a consumação <strong>da</strong> usucapião extraordinária.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 25


(REsp 1194694/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA<br />

TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 19/04/2011)<br />

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓ-<br />

RIA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO REJEITADA. AUSÊNCIA DE FUNDA-<br />

MENTAÇÃO. ANULAÇÃO.<br />

1. A existência de decisão transita<strong>da</strong> formalmente em julgado, determinando a<br />

anulação de sentença para ingresso na fase de instrução, não vincula, pelas regras inerentes<br />

à disciplina <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, a nova decisão a ser proferi<strong>da</strong>. Contudo, as provas<br />

cuja realização foi determina<strong>da</strong> no primeiro acórdão devem ser leva<strong>da</strong>s em consideração<br />

pelo segundo, sob pena de nuli<strong>da</strong>de deste por ausência de fun<strong>da</strong>mentação.<br />

2. Se o possuidor propõe uma ação de usucapião discutindo determina<strong>da</strong> área,<br />

a sua posse deve ser analisa<strong>da</strong> até a <strong>da</strong>ta do ajuizamento <strong>da</strong> ação. É possível, entretanto,<br />

em princípio, que, ain<strong>da</strong> que o pedido de usucapião venha a ser julgado<br />

improcedente, o possuidor volte a discutir em ação futura sua posse computando,<br />

agora, também o prazo em que tramitou a primeira ação, caso não se verifi que<br />

depois dela um ato inequívoco do proprietário visando à retoma<strong>da</strong> do bem.<br />

3. Há precedente, no STJ, considerando que a mera contestação a uma ação<br />

de usucapião não representa efetiva oposição à posse, interrompendo o prazo de<br />

prescrição aquisitiva. Para que o debate <strong>da</strong> questão volte a ser travado nesta sede,<br />

no entanto, é necessário a sua análise pelo acórdão recorrido.<br />

4. Tendo sido precisamente esses temas que justifi caram a anulação <strong>da</strong> primeira<br />

sentença no processo, determinando-se o ingresso na fase de instrução, o<br />

novo julgamento deve enfrentá-las, sob pena de nuli<strong>da</strong>de.<br />

5. Para reconhecer a inexistência de usucapião em favor de pessoa que habita há<br />

mais de 20 anos em um imóvel, é necessário que o Tribunal identifi que precisamente os<br />

atos que tornam injusta sua posse ou, quando a alegação é de usucapião extraordinária,<br />

os atos que inequivocamente manifestam a intenção do proprietário de o reaver o bem.<br />

6. A existência de atos de permissão, contratos de locação ou contratos de<br />

arren<strong>da</strong>mento, celebrados 30 anos antes <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação reivindicatória,<br />

pelo proprietário, não têm relevância para a decisão do processo, <strong>da</strong>do o prazo de<br />

20 anos para a usucapião extraordinária, fi xado pelo art. 550 do CC/16.<br />

7. Recurso especial conhecido e provido para o fi m de anular o acórdão recorrido.<br />

As decisões do TJ-RJ e do STJ são contraditórias?<br />

Posse de boa fé e de má fé (art. 1.201)<br />

Quem tem ma fé é aquele que tem consciência <strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>de de seu ato.<br />

Pode haver posse justa de má-fé: exemplo: alguém se apresenta como outra<br />

pessoa, e recebe um bem. Tem posse justa, de má fé.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 26


Pode haver posse injusta de boa fé: alguém pode não ter consciência do<br />

vício que inquina a sua posse. Ex: o possuidor precário que entende não ter<br />

de devolver um bem, por motivo de justiça pessoal.<br />

Justo título<br />

Causa em tese hábil para justifi car a transferência <strong>da</strong> POSSE, e não <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de. Presunção iuris tantum de que quem possui justo título possui<br />

de boa fé. (CC, art. 1201, parágrafo único).<br />

Objetivando a mu<strong>da</strong>nça desse paradigma, o enunciado <strong>da</strong>s Primeiras Jorna<strong>da</strong>s<br />

do Conselho de Justiça Federal:<br />

“86 — Art. 1.242: A expressão “justo título”, conti<strong>da</strong> nos arts. 1.242 e 1.260 do<br />

CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a proprie<strong>da</strong>de,<br />

independentemente de registro.”<br />

Há alguma diferença entre os critérios justiça e injustiça <strong>da</strong> posse, e a fé na posse?<br />

Art. 1.203: preservação do caráter <strong>da</strong> posse.<br />

Art. 1.199: com posse — é exercita<strong>da</strong> na totali<strong>da</strong>de por todos os co-possuidores.<br />

Aquisição e per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse<br />

Artigo 1.205: a aquisição — acontece através de um ato jurídico. To<strong>da</strong> vez<br />

que houver conduta e objeto, corpus e animus, haverá a aquisição <strong>da</strong> posse.<br />

Lembrar a tolerância e o fâmulo <strong>da</strong> posse.<br />

Art.1.206: sujeitos <strong>da</strong> aquisição.<br />

A aquisição deriva<strong>da</strong> e originária:<br />

Originária: a apreensão <strong>da</strong> coisa e exercício do direito.<br />

Deriva<strong>da</strong>: plena: tradição, sucessão na posse;media<strong>da</strong>: — sucessão.<br />

Tradição fi cta genérica (entrega de chaves: transmite a posse direta sobre<br />

o bem).<br />

Tradição longa manu: proprietário transmite a posse para o novo proprietário,<br />

sem que este toque e ocupe a coisa (que pode estar com o locatário).<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 27


Tradição brevi manu: alguém que é possuidor direto o consoli<strong>da</strong> em suas<br />

mãos todos os poderes do possuidor, adquirindo a proprie<strong>da</strong>de. Ex: locatário<br />

que compra.<br />

Constituto possessório: aliena se a proprie<strong>da</strong>de, mas constitui-se a posse a<br />

non domine, de através <strong>da</strong> mediação. Ex: do dono que vende de conserva-se<br />

no imóvel por mais de 30 dias, ou como o usufrutuário ou como o locatário.<br />

É forma deriva<strong>da</strong> de aquisição <strong>da</strong> posse, porque a posse e é to<strong>da</strong> a aliena<strong>da</strong> ao<br />

novo dono, que empossa o alienante em possuidor imediato.<br />

Sucessão na posse: a título universal; a título singular: e cessão <strong>da</strong> posse.<br />

Acessão na posse: a possibili<strong>da</strong>de de unir uma posse a outra. A acessão é<br />

uma facul<strong>da</strong>de, já que a boa fé do adquirente <strong>da</strong> posse não retroage para limpar<br />

a má fé do alienante. O adquirente de má-fé, por outro lado, não pode<br />

invocar a boa fé de seu antecessor.<br />

Extensão <strong>da</strong> posse: presunção relativa. Exemplo: se os bens do vizinho se<br />

encontram caídos no meu quintal, e eu não pratico ato algum, não adquiro<br />

a posse.<br />

Efeitos <strong>da</strong> posse<br />

a) Usucapião.<br />

b) Presunção de proprie<strong>da</strong>de.<br />

c) <strong>Direito</strong> aos frutos percebidos.<br />

d) Indenização de benfeitorias: Ler art. 1.219 a 1.122 (necessárias:<br />

indeniza-se sempre; úteis: só ao de boa fé; voluptuárias: jus tolendi<br />

apenas aos possuidores de boa-fé).<br />

e) Desforço possessório: art. 1.210, parágrafo único.<br />

f) Indenização dos <strong>da</strong>nos causados.<br />

A função social <strong>da</strong> posse<br />

A função social <strong>da</strong> posse pode ser doutrinariamente identifi ca<strong>da</strong> com a<br />

obra de Hernandez Gil 9 , que pela primeira vez aventou <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de<br />

a posse desempenhar uma função social. Na doutrina brasileira, é facilmente<br />

identifi cável uma visão <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse como sendo a materialização<br />

do interesse não-proprietário, ou seja, do interesse juridicamente qualifi -<br />

cado como sendo atendedor <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Assim, temos<br />

a fi gura <strong>da</strong> posse qualifi ca<strong>da</strong>, que é a posse que atende a função social <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

9 La Funcion Social de la Possessión.<br />

FGV DIREITO RIO 28


Conflitos entre critérios<br />

Não se pode ignorar que o Código Civil de 2002 não reproduz o art. 507.<br />

Qual critério utilizar?<br />

CASO GERADOR<br />

Vejamos as imagens abaixo, retira<strong>da</strong>s do site do Movimento dos Sem-Teto<br />

do Centro (www.mstc.org.br).<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 29


E ain<strong>da</strong> o texto a página seguinte:<br />

“Manifesto dos Movimentos de Moradia<br />

AUTORIDADES!<br />

Federal, Estadual e Municipal<br />

Executivo, Legislativo e Judiciário<br />

Não aguentamos esperar!<br />

Se pagar o aluguel, não come. Se comer, não paga o aluguel. É este o<br />

nosso dilema.<br />

Somos trabalhadores sem-teto desta magnífi ca ci<strong>da</strong>de. Somos empurrados<br />

para as favelas, cortiços, pensões e para o relento <strong>da</strong>s ruas. Sofremos com o<br />

despejo do senhorio. Nossas crianças, devido às nossas condições precárias<br />

de vi<strong>da</strong>, penam para se conservarem crianças. Somos tocados de um lado<br />

para outro. Não encontramos espaço, para nossas famílias, em nosso próprio<br />

território. Nossa ci<strong>da</strong>de, que construímos e mantemos com nosso trabalho,<br />

afugenta-nos para fora, para o na<strong>da</strong>.<br />

Dizem que os trabalhadores são a peça mais importante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Entretanto,<br />

estamos sendo triturados por esta engrenagem econômica perversa<br />

— mecanismo que destrói os trabalhadores em vi<strong>da</strong> e conserva no luxo uns<br />

poucos privilegiados. Uma minoria que mantém centenas de imóveis vazios,<br />

abandonados, por vários anos. Imóveis que não cumprem sua função social.<br />

Enquanto somos empurrados para as periferias sem infra-estrutura urbana,<br />

em favelas, áreas de risco ou de mananciais.<br />

Não podemos aceitar esta situação. Não podemos esperar. Nossas famílias<br />

e nossas vi<strong>da</strong>s estão em perigo. Queremos que a Lei entre em vigor: dê função<br />

social a esses imóveis vazios e abandonados. Vamos eliminar esse desperdício<br />

criminoso.<br />

Para tanto, pleiteamos:<br />

1. O atendimento de 2.000 famílias de sem-teto no centro expandido <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de, até o fi nal do ano;<br />

2. Atendimento de emergência de 500 famílias de sem-teto. Este atendimento<br />

pode vir por meio de carta de crédito, locação social e outras formas<br />

de fi nanciamento;<br />

3. Declarar de interesse social todos os prédios vazios que estão abandonados<br />

por mais de 2 (dois) anos. E disponibilizá-los para moradia popular;<br />

4. Disponibilizar to<strong>da</strong>s as terras, prédios do governo Federal, de autarquias<br />

ou imóveis penhorados pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para<br />

moradia popular, em São Paulo;<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 30


5. Enquanto não houver atendimento defi nitivo, queremos morar nos<br />

imóveis que ocupamos.<br />

São Paulo, 20 de julho de 2003<br />

Associação Comunitária <strong>Direito</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia Bem Viver<br />

Associação de Moradores Jardim São Ju<strong>da</strong>s Tadeu<br />

Associação dos Trabalhadores Sem Terra de Francisco Morato<br />

Associação Morar e Preservar Chácara do Conde<br />

Associação Oeste de Moradia Diadema<br />

Movimento de Luta por Moradia Campo Forte<br />

M. L. M. P — Movimento de Luta por Moradia Própria<br />

M. S. T. C. — Movimento Sem Teto do Centro<br />

M. S. T. R. C. — Movimento Sem Teto <strong>da</strong> Região Central<br />

Movimento Sem Teto de Heliópolis — Unas<br />

Movimento Moradia Jardim Nova Vitória<br />

Projeto Casarão Celso Garcia” 10<br />

Considerando-se o que foi aprendido sobre os critérios de qualifi cação <strong>da</strong><br />

posse, a invasão é juridicamente aceitável?<br />

DECISÃO(ÕES).<br />

Informativo n. 0081<br />

Período: 4 a 8 de dezembro de 2000<br />

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-<br />

QUISITOS<br />

No início <strong>da</strong> posse houve um vínculo locatício, mas a recorrente nunca<br />

pagou o aluguel nem foi insta<strong>da</strong> a fazê-lo — quer no decorrer do processo<br />

falimentar a que se submeteu a empresa proprietária ou após este ter encerrado,<br />

ou, ain<strong>da</strong>, quando <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong>s obrigações (1990). Por mais de 20<br />

anos o proprietário nunca procurou reaver a posse. A Turma proveu o recurso,<br />

restabelecendo a sentença, por entender que na<strong>da</strong> impede que o vínculo<br />

locatício inicial, em decorrência de fatores circunstanciais, como abandono<br />

por parte do proprietário, modifi que-se assumindo feição de posse com força<br />

ad usucapionem. REsp 154.733-DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado<br />

em 5/12/2000.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

10 Manifesto divulgado pelos movimentos<br />

de moradia por ocasião <strong>da</strong> ocupação<br />

de vários prédios em São Paulo, capital,<br />

em 20 de julho de 2003, retirado de<br />

http://www.midiaindependente.org/<br />

pt/blue/2003/07/259208.shtml<br />

FGV DIREITO RIO 31


AULA 5: NA JUSTIÇA: A TUTELA JURÍDICA DA POSSE.<br />

TUTELA POSSESSÓRIA E PETITÓRIA<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Jus possessionis e jus possidendi. Reintegração, manutenção e interdito<br />

proibitório. Imissão na posse. Separação dos juízos possessório e petitório.<br />

Cumulação de ações. Procedimento <strong>da</strong> ação possessória. Liminar. Posse nova<br />

e posse velha.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />

Lumen Juris, 2006, p. 404-430.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, Rio de Janeiro, Forense, 2003,<br />

p.103-120.<br />

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />

Lumen Juris, 2006, p. 345-403.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

JUS POSSESSIONIS E JUS POSSIDENDI<br />

A posse, como situação de fato, origina distintos tipos de tutela. Dependendo<br />

<strong>da</strong> situação na qual se encontra o possuidor, o direito estende tutela<br />

mais ampla ou menos ampla, e leva a um procedimento ou a outro.<br />

Daí a diferenciação entre dois tipos de posse, de acordo com a tutela jurídica<br />

obti<strong>da</strong>: jus possessionis e jus possidendi.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 32


Natureza<br />

Tutelas obti<strong>da</strong>s<br />

Jus possessionis Jus possidendi<br />

<strong>Direito</strong> ao não esbulho e<br />

à não turbação<br />

Reintegração,<br />

manutenção, interdito<br />

Requisitos Estado fático <strong>da</strong> posse<br />

Ações possessórias<br />

São aquelas cuja causa de pedir é a posse.<br />

PRETENSÕES POSSESSÓRIAS CLÁSSICAS<br />

— Reintegração;<br />

— Manutenção;<br />

— Interdito proibitório.<br />

<strong>Direito</strong> à posse<br />

Reintegração,<br />

manutenção, interdito,<br />

imissão<br />

Estado fático <strong>da</strong> posse +<br />

título ou só título<br />

Na ação possessória só se discute posse: art. 921, Código de Processo Civil<br />

‘Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:<br />

I — condenação em per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos;<br />

II — cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho;<br />

III — desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.”<br />

To<strong>da</strong>via, previa o regime do CC1916: art. 505:<br />

“Art. 505: Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação<br />

de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a<br />

posse em favor <strong>da</strong>quele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”<br />

O dispositivo veiculava uma visão <strong>da</strong> posse como aparência de proprie<strong>da</strong>de,<br />

e não com a autonomia necessária que passou a se impor após o reconhecimento<br />

dos confl itos entre situações titula<strong>da</strong>s e não titula<strong>da</strong>s. Logo, na<br />

possessória não se discutiria apenas posse, e ela seria decidi<strong>da</strong> com base na<br />

proprie<strong>da</strong>de, se fosse por alguma <strong>da</strong>s parte alega<strong>da</strong>. 11<br />

A re<strong>da</strong>ção do dispositivo foi altera<strong>da</strong>, no art. 1210, §2º, CC2002:<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

11 Súmula 487, Supremo Tribunal Federal.<br />

FGV DIREITO RIO 33


“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,<br />

restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo<br />

receio de ser molestado.<br />

§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se<br />

por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,<br />

não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição <strong>da</strong> posse.<br />

§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de proprie<strong>da</strong>de,<br />

ou de outro direito sobre a coisa.”<br />

Desse modo, três conclusões se impuseram, muito bem resumi<strong>da</strong>s pelos<br />

enunciados <strong>da</strong>s primeiras Jorna<strong>da</strong>s de <strong>Direito</strong> Civil do Conselho de Justiça<br />

Federal:<br />

78 — Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil<br />

<strong>da</strong> exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova sufi ciente<br />

para embasar decisão liminar ou sentença fi nal ancora<strong>da</strong> exclusivamente no ius<br />

possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante<br />

eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.<br />

79 — Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias<br />

típicas, foi aboli<strong>da</strong> pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta<br />

separação entre os juízos possessório e petitório.<br />

80 — Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de deman<strong>da</strong> possessória<br />

ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima<br />

diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de<br />

boa-fé, cabe tão-somente a propositura de deman<strong>da</strong> de natureza real.<br />

Se na ação possessória só se discute posse, quais os critérios possíveis para<br />

a sua decisão? O <strong>da</strong> melhor posse e o <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse.<br />

Para os que contam com título válido, a tutela dominial, em ação no<br />

procedimento comum ordinário, é a melhor opção. Mas o que ocorreria se<br />

ajuizassem ação possessória? Poderia ajuizar a petitória depois, e se arrependerem?<br />

Na constância <strong>da</strong> possessória, não é possível ajuizar ação de imissão (CPC,<br />

art. 923), resultando seu ajuizamento em extinção sem apreciação do mérito.<br />

O contrário, no entanto, é possível.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 34


Características do procedimento especial <strong>da</strong>s ações possessórias<br />

— Conteúdo man<strong>da</strong>mental.<br />

— Fungibili<strong>da</strong>de: art. 920, CPC.<br />

— Caráter dúplice: art. 922, CPC.<br />

— Liminar: art. 928, CPC. Critérios: apenas fumus e periculum.<br />

— Natureza <strong>da</strong> liminar: satisfativa.<br />

Ain<strong>da</strong> reside interesse na distinção entre posse nova e posse velha. A posse<br />

velha é aquela obti<strong>da</strong> ou perdi<strong>da</strong> há mais de um ano e um dia. A nova, a menos<br />

de um ano e um dia. O CC 1916 estabelecia que se a posse fosse velha,<br />

na ação possessória não poderia haver concessão de liminar. 12 Entretanto, o<br />

art. 924 do Código de Processo Civil ain<strong>da</strong> diferencia posse nova de posse<br />

velha.<br />

CASO GERADOR<br />

Se um imóvel de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prefeitura de São Paulo, nas condições<br />

precárias vistas nas fotos do caso <strong>da</strong> aula 4, fosse invadido pelo MSTC, e se<br />

instaurasse um confl ito entre eles e a municipali<strong>da</strong>de, qual ou quais as ações<br />

a serem ajuiza<strong>da</strong>s pelo Município para reaver o imóvel? E pelo MSTC para<br />

se manter lá? Como obter tutela jurídica, em um caso ou em outro, o mais<br />

rápido possível?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

12 Art. 508: “Se a posse for de mais de<br />

ano e dia, o possuidor será mantido<br />

sumariamente, até ser convencido pelos<br />

meios ordinários.”<br />

FGV DIREITO RIO 35


AULA 6: PROPRIEDADE E MORADIA<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS:<br />

Insufi ciência <strong>da</strong> proteção possessória. Titulação. Moradia e digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa humana.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA:<br />

SOTO, Hernando de. “O Mistério do Capital”, Rio de Janeiro, Record, p.<br />

187-218.<br />

LEITURA RECOMENDADA:<br />

FACHIN, Luis Edson. “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo”, Rio de Janeiro,<br />

Renovar, 2001, p. 33-65.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

Posse e proteção <strong>da</strong> moradia<br />

Os anseios de ampliação <strong>da</strong> proteção possessória se correlacionam, sem<br />

sombra de dúvi<strong>da</strong>, com as necessi<strong>da</strong>des de moradia. Alça<strong>da</strong> a direito social no<br />

art. 6º <strong>da</strong> Constituição Federal, não se pode imaginar a possibili<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong><br />

digna sem que haja acesso à moradia. Por outro lado, outros interesses sociais<br />

podem e serão postos em cotejo com a necessi<strong>da</strong>de de prover moradia, como<br />

se pode ver <strong>da</strong>s decisões a seguir.<br />

2006.002.17927 — AGRAVO DE INSTRUMENTO<br />

DES. JOSE DE SAMUEL MARQUES — Julgamento: 08/11/2006<br />

“Agravo de Instrumento. — Ação de Despejo por Falta de Pagamento. — Recurso de<br />

Apelação recebido em duplo efeito. — Decisão contrária ao disposto no art. 58, V <strong>da</strong> Lei<br />

8.245/91. — Embora seja notório o grave problema de moradia existente em nosso país,<br />

não cabe ao Judiciário, em interpretação contrária à lei, suprir a defi ciência do Poder<br />

Público, fazendo cortesia com o patrimônio do particular, que já é por demais onerado<br />

por tributos que, infelizmente, não são destinados aos seus fi ns. RECURSO PROVIDO.”<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 36


— O direito à moradia não pode garantir que se more em imóvel em prejuízo<br />

do seu proprietário<br />

0020743-80.2010.8.19.0000 — AGRAVO DE INSTRUMENTO<br />

1ª Ementa<br />

DES. FERNANDO FOCH LEMOS — Julgamento: 30/09/2010 — TER-<br />

CEIRA CAMARA CIVEL DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Agravo de instrumento<br />

de decisão que, nos autos de ação de despejo cumula<strong>da</strong> com cobrança,<br />

deferiu a antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela com fulcro no art. 273 do CPC, pelo<br />

que determinou a desocupação do imóvel em 15 dias sob pena de expedição<br />

de man<strong>da</strong>do de despejo.1. Não há falar em violação aos princípios constitucionais<br />

<strong>da</strong> segurança jurídica, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa se a decisão que<br />

determinou o desalijo foi proferi<strong>da</strong> após a contestação e depois de insta<strong>da</strong>s as<br />

partes a se manifestarem em provas.2. É admissível a concessão <strong>da</strong> antecipação<br />

dos efeitos <strong>da</strong> tutela com fulcro no art. 273 do CPC nas hipóteses abrangi<strong>da</strong>s<br />

pela Lei 8.245/91, pelo que as decisões proferi<strong>da</strong>s com base naquele dispositivo<br />

legal independem de caução.3. Embora o direito à moradia seja de índole constitucional,<br />

não se pode pretender que seja ele protegido ao ponto de se garantir<br />

que se more em prejuízo do dono <strong>da</strong> mora<strong>da</strong> aluga<strong>da</strong>. 4. “Somente se reforma<br />

a decisão concessiva ou não <strong>da</strong> antecipação de tutela, se teratológica, contrária à<br />

Lei ou à evidente prova dos autos”. Súmula 59 do TJERJ.5. Recurso ao qual se<br />

nega seguimento, na forma do art. 557, caput, do CPC.<br />

Como resultado, o direito à moradia será ponderado com outros direitos,<br />

de modo a que se determine qual o interesse prevalente.<br />

Posse e titulação<br />

Há, contudo, uma insufi ciência estrutural na concepção de um direito<br />

não titulado, que não permite o exercício pleno de suas facul<strong>da</strong>des por parte<br />

do titular. O texto a seguir ilustra bem essa problemática.<br />

“¿Qué sucede si no puede demostrar que tenía una casa?<br />

Por Hernando de Soto<br />

La importancia de un adecuado sistema de propie<strong>da</strong>d legal<br />

Dos desastres naturales recientes nos han conmovido: el peor tsunami de la<br />

historia, que asoló 11 países en las costas del Océano Indico, y el huracán llamado<br />

Katrina, que inundó la ciu<strong>da</strong>d de Nueva Orleans. Las imágenes llega<strong>da</strong>s<br />

de ambas regiones fueron trágicamente similares: edifi cios derruidos, cadáveres<br />

fl otando, sobrevivientes estupefactos, y agua, agua por to<strong>da</strong>s partes.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 37


Había una profun<strong>da</strong> diferencia. En Nueva Orleans, lo primero que hicieron<br />

las autori<strong>da</strong>des para garantizar la paz y asegurar la reconstrucción fue salvar los<br />

registros de propie<strong>da</strong>d legal de la ciu<strong>da</strong>d, los cuales rápido determinaron quién<br />

es dueño de qué y dónde, quién debe qué y cuánto, quién puede ser reubicado<br />

rápido, quién es sujeto de crédito para fi nanciar una reconstrucción, qué propie<strong>da</strong>d<br />

está tan <strong>da</strong>ña<strong>da</strong> que va a necesitar ayu<strong>da</strong>, y cómo <strong>da</strong>r energía y agua limpia<br />

a los pobres.<br />

En el sudeste asiático no había esos registros legales disponibles que encontrar,<br />

pues la mayoría de las víctimas del tsunami había vivido y trabajado por<br />

fuera de la ley.<br />

Con las aguas de la inun<strong>da</strong>ción aún altas Stephen Bruno, el custodio de los<br />

registros notariales de Nueva Orleans, corrió hacia el sótano del juzgado donde<br />

se almacenaban los registros de propie<strong>da</strong>d de la ciu<strong>da</strong>d, los sacó a rastras del<br />

agua, los acomodó en camiones refrigerantes que los transportaron a Chicago,<br />

donde fueron secados por expertos.<br />

Los documentos restaurados fueron rápi<strong>da</strong>mente devueltos a Nueva Orleans:<br />

60.000 volúmenes ahora archivados bajo guardia arma<strong>da</strong>, en el recientemente<br />

despejado centro de convenciones. ‘Abstractores’ moviéndose entre cajas hasta<br />

la altura del muslo revisan meticulosamente documentos que producirán las<br />

herramientas legales para diseñar y fi nanciar la recuperación de la ciu<strong>da</strong>d, permitiendo<br />

que banqueros, aseguradores y corredores de inmuebles identifi quen propietarios,<br />

activen garantías colaterales, consigan fi nanciamiento, acce<strong>da</strong>n a mercados<br />

secun<strong>da</strong>rios, realicen acuerdos, cierren contratos, y a la vez hagan rentable<br />

que las empresas de servicios bombeen energía y agua a los vecin<strong>da</strong>rios. To<strong>da</strong> la<br />

infraestructura legal de cuya necesaria existencia para mantener una economía<br />

moderna en movimiento gran parte de los estadounidenses no es consciente.<br />

Una escena así fue imposible luego de que el tsunami de diciembre del 2004<br />

lanzó a gran veloci<strong>da</strong>d agua y olas del tamaño de edifi cios sobre las propie<strong>da</strong>des<br />

que <strong>da</strong>ban a la playa, desde Indonesia y Tailandia hasta Sri Lanka y las Maldivas,<br />

matando a más de 270.000 personas (168.000 solo en Indonesia).<br />

En Ban<strong>da</strong>h Aceh, Indonesia, el agua se llevó 200.000 casas; la mayoría de<br />

ellas sin títulos de propie<strong>da</strong>d.<br />

Cuando el agua se retiró de Nam Khem, Tailandia, un magnate bien conectado<br />

se lanzó a apropiarse de la valiosa primera fi la de terrenos frente de playa.<br />

Los sobrevivientes de las 50 familias que durante una déca<strong>da</strong> habían ocupado la<br />

orilla protestaron, pero no tenían derechos de propie<strong>da</strong>d legalmente documentados<br />

que respal<strong>da</strong>ran sus reclamos.<br />

Ese es el caso de la mayoría de la gente en los países en desarrollo y en los que<br />

formaban parte del mundo soviético, donde los sistemas legales son inaccesibles a<br />

la mayoría de los pobres. La vi<strong>da</strong> en el mundo ‘extralegal’ está en constante riesgo.<br />

Un terremoto sacudió Pakistán el mes pasado, dejando un estimado de<br />

73.000 muertos. Cuando un sismo de similar intensi<strong>da</strong>d remeció Los Ángeles en<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 38


1994, murieron 60 personas. ¿Por qué la diferencia? Como les gusta decir a los<br />

sismólogos: “Los terremotos no matan a la gente, las casas sí”. Vivien<strong>da</strong>s construi<strong>da</strong>s<br />

inadecua<strong>da</strong>mente, fuera de la ley, ignorando los códigos de construcción.<br />

¿Pero qué propietario pobre —-para no hablar del promotor, del banco, de la<br />

ofi cina de crédito o del organismo gubernamental-— tiene algún incentivo para<br />

invertir en vivien<strong>da</strong> más segura y en concreto reforzado sin la evidencia de una<br />

propie<strong>da</strong>d garantiza<strong>da</strong> y legal y la posibili<strong>da</strong>d de conseguir crédito?<br />

Los gobiernos no tienen cómo hacer cumplir los códigos legales cuando la<br />

mayoría de las personas opera al margen de ellos.<br />

En los países en desarrollo los desastres naturales no solo dejan a las ciu<strong>da</strong>des<br />

en ruinas, sino que arrasan con economías enteras. El tsunami del 2004 liquidó<br />

el 62% del PBI de Las Maldivas; mientras que el costo del Katrina, según la Ofi -<br />

cina de Presupuesto del Congreso, será entre 0,5% y 1% del PBI de EE.UU.<br />

Por lo general los gobiernos promueven el valor de la propie<strong>da</strong>d priva<strong>da</strong> para<br />

incrementar los impuestos sobre ella. En la economía extralegal, las personas<br />

pueden pagar sobornos, pero nadie paga impuestos. ¿De dónde vendrá el dinero<br />

para la reconstrucción?<br />

La propie<strong>da</strong>d priva<strong>da</strong> en EE.UU. suele estar cubierta por seguros. Valorados<br />

en unos US$30.000 millones para el Katrina. En Sri Lanka, sin embargo, solo el<br />

1% de las 93.000 víctimas del tsunami estaba cubierto.<br />

En el mundo en desarrollo pocas personas tienen un documento de identi<strong>da</strong>d<br />

legal ligado a un domicilio ofi cial, no importa el tipo de título legal de sus<br />

activos exigido por los aseguradores.<br />

Sin una prueba de identi<strong>da</strong>d o domicilio legal a partir del cual crear una lista<br />

de suscripción, ninguna compañía de servicios públicos va a suministrar electrici<strong>da</strong>d<br />

o cualquier otro servicio.<br />

Ni siquiera los gobiernos están seguros de quiénes son los que han muerto,<br />

puesto que la mayor parte de las víctimas nunca tuvo identi<strong>da</strong>d legal.<br />

En Perú, el debate sobre si los muertos dejados por la guerra que inició el<br />

terrorismo de Sendero Luminoso fueron 25.000 o 75.000, aún continúa.<br />

Las autori<strong>da</strong>des de Nueva Orleans estudian la posibili<strong>da</strong>d de recurrir a leyes<br />

de usufructo. Cuando los pobres no pueden afrontar los gastos de reparación,<br />

estas leyes permiten al municipio reconstruir las vivien<strong>da</strong>s, alquilarlas a los albañiles,<br />

aportando el necesario alojamiento, y ahorrar el escaso pequeño capital<br />

de los pobres, quienes eventualmente recuperan sus casas o tienen la posibili<strong>da</strong>d<br />

de venderlas al municipio a precio de mercado.<br />

En el mundo en desarrollo ni el capital ni el crédito se aventuran allí donde<br />

los derechos de propie<strong>da</strong>d no son claros.<br />

La diferencia entre un tsunami y un huracán termina siendo mucho más<br />

que el oleaje. Por eso es que en los países en desarrollo, que no cuentan con<br />

un sistema adecuado de legislación sobre propie<strong>da</strong>d, hasta la paz está en juego;<br />

como era el caso en Estados Unidos antes de que una buena —-y ampliamente<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 39


accesible-— legislación sobre el derecho a la propie<strong>da</strong>d convirtiera a los violentos<br />

invasores en nobles pioneros.<br />

Antes de aquello, los invasores habían amenazado con quemar las fi ncas del<br />

presidente George Washington si no se les entregaba títulos. Y Abraham Lincoln<br />

recordó cierta vez en un discurso que no haber podido ver la puesta del sol por<br />

la canti<strong>da</strong>d de cadáveres colgados de los árboles, víctimas de linchamientos a raíz<br />

de crímenes contra la propie<strong>da</strong>d. Así están hoy los países en desarrollo. Se puede<br />

detener el derramamiento de sangre.<br />

Los medios de vi<strong>da</strong> y los negocios podrían regenerarse en el mundo en desarrollo,<br />

pero primero los pobres tienen que ser legalmente empoderados. Damos a<br />

la ley por sentado; pero sin documentación legal la gente no existe en el mercado.<br />

Si la propie<strong>da</strong>d, los negocios y las transacciones no se documentan legalmente,<br />

están destinados a ser obviados. La socie<strong>da</strong>d no podrá funcionar como un todo.<br />

Los huracanes no pueden destruir la infraestructura oculta del dominio de la<br />

ley, que mantiene la paz y empodera al pobre. Los títulos avalados por la ley y los<br />

certifi cados de acciones generan inversión; los títulos de propie<strong>da</strong>d al día garantizan<br />

el crédito; los documentos permiten a la gente identifi carse y recibir ayu<strong>da</strong>,<br />

los estatutos de una compañía pueden acopiar fondos para la reconstrucción; las<br />

hipotecas reúnen dinero, los contratos afi rman los compromisos.<br />

Cuatro mil millones de personas de los seis mil millones que hay en todo<br />

el mundo carecen de la habili<strong>da</strong>d de generar prosperi<strong>da</strong>d y recuperarse de los<br />

desastres; su constante tragedia es vivir sin el benefi cio de alguna ley. Ninguna<br />

suma de ayu<strong>da</strong> internacional o cari<strong>da</strong>d puede compensar eso.<br />

Solo si los pobres son empoderados legalmente van a poder ellos mismos estar<br />

en situación de convertir el siguiente tsunami en una simple tormenta más.” 13<br />

Desse modo, o dilema se propõe: a tutela judicial <strong>da</strong> moradia já é assaz<br />

tênue, e em muitas decisões judiciais, outros interesses são atendidos em prejuízo<br />

<strong>da</strong> moradia; e, além disso, mesmo que em to<strong>da</strong>s as decisões judiciais<br />

fosse ampara<strong>da</strong> a posse do habitante, mesmo assim isso seria insufi ciente.<br />

A moradia é valor imprescindível para a promoção imediata <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<br />

humana, mas a longo prazo a titulação é estritamente necessária.<br />

CASO GERADOR<br />

RE 407688 / SP — SÃO PAULO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO<br />

Relator (a): Min. CEZAR PELUSO<br />

Julgamento: 08/02/2006<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

13 Em http://www.elcomercioperu.<br />

com.pe/edicionimpresa/html/2006-<br />

01-22/imppolitica0442713.html<br />

FGV DIREITO RIO 40


“EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência.<br />

Execução. Responsabili<strong>da</strong>de solidária pelos débitos do afi ançado. Penhora<br />

de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibili<strong>da</strong>de. Inexistência de<br />

afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º <strong>da</strong> CF. Constitucionali<strong>da</strong>de<br />

do art.3º, inc. VII, <strong>da</strong> Lei nº 8.009/90, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.245/91. Recurso<br />

extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabili<strong>da</strong>de do bem<br />

de família do fi ador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, <strong>da</strong> Lei<br />

nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.245, de 15 de<br />

outubro de 1991, não ofende o art. 6º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.”<br />

Voto do Min. Gilmar Mendes, no RE 407.688:<br />

08/02/2006 TRIBUNAL PLENO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.688-8 SÃO PAULO<br />

VOTO DO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — Senhor<br />

Presidente, ouvi com atenção os votos proferidos pelos Ministros Cezar Peluso,<br />

Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. De fato, o texto constitucional<br />

consagra expressamente o direito de moradia. Do que depreendi do<br />

debate, não me parece que qualquer dos contendores tenha defendido aqui<br />

a ideia de norma de caráter programático. Cui<strong>da</strong>-se, sim, de se in<strong>da</strong>gar sobre<br />

o modus faciendi, a forma de execução desse chamado direito de moradia.<br />

E estamos diante de uma garantia que assume contornos de uma garantia<br />

de perfi l institucional, admitindo, por isso, múltiplas possibili<strong>da</strong>des de execução.<br />

Sem negar que eventuais execuções que venham a ser realiza<strong>da</strong>s pelo<br />

legislador possam traduzir eventuais contrarie<strong>da</strong>des ao texto constitucional,<br />

no caso não parece, tal como já apontado pelo Ministro Cezar Peluso, que<br />

isso se verifi que. Não me parece que do sistema desenhado pelo texto constitucional<br />

decorra a obrigatorie<strong>da</strong>de de levar-se a impenhorabili<strong>da</strong>de a tal<br />

ponto. Já o Ministro Joaquim Barbosa destacou que aqui se enfrentam princípios<br />

eventualmente em linha de colisão. E não Supremo Tribunal Federal<br />

podemos deixar de destacar e de ressaltar um princípio que, de tão elementar,<br />

nem aparece no texto constitucional: o princípio <strong>da</strong> autonomia priva<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />

autodeterminação <strong>da</strong>s pessoas — é um princípio que integra a própria ideia<br />

ou direito de personali<strong>da</strong>de. Portanto, embora reconheça, no art. 6º, o direito<br />

de moradia, a criação ou a possibili<strong>da</strong>de de imposição de deveres estatais<br />

na Constituição de modos de proteção a essa facul<strong>da</strong>de desenha<strong>da</strong> no texto<br />

constitucional, não consigo vislumbrar, na concretização que lhe deu a Lei,<br />

a violação aponta<strong>da</strong>. Nesses termos, acompanho o voto do Ministro Cezar<br />

Peluso, desprovendo o recurso extraordinário.<br />

Como se delineia a ponderação feita pelo Supremo Tribunal Federal? A<br />

moradia é valor meramente programático, ou pode gerar efi cácia direta?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 41


AULA 7: SÓ É DONO QUEM REGISTRA<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

O dogma do modo de aquisição. Princípios registrais. A situação registral<br />

brasileira.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, p. 303-318.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

A AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DO TÍTULO<br />

A forma mais comum de aquisição deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de ocorre em<br />

razão do registro do título translatício. O registro de imóveis é, in fi ne, o meio<br />

mais adequado para suprir as deman<strong>da</strong>s de segurança jurídica envolvendo os<br />

negócios imobiliários. No entanto, o sistema de registro de imóveis no Brasil,<br />

que consiste em ativi<strong>da</strong>de administrativa autoriza<strong>da</strong>, 14 encontra-se imerso em<br />

grave crise, e necessita de urgente intervenção.<br />

Se tudo der certo, o registro de imóveis opera produzindo efeitos reais<br />

sobre bens imóveis sempre que houver a anotação do fato.<br />

Serpa Lopes defi ne registro público como “a menção de certos atos ou<br />

fatos exara<strong>da</strong> em registros especiais, por um ofi cial público, quer à vista <strong>da</strong><br />

apresentação de títulos comuns que lhe são apresentados, quer em face de<br />

declarações escritas ou verbais <strong>da</strong>s partes interessa<strong>da</strong>s”. 15 Os registro públicos<br />

são regulados atualmente pelas Leis n° 6015-73 (registro civil) e n° 8934-94<br />

(registro de comércio). Sua serventia vem anuncia<strong>da</strong> no próprio caput do art.<br />

1° <strong>da</strong> Lei 6015-73: os registros promovem a “a autentici<strong>da</strong>de, segurança e<br />

efi cácia dos atos jurídicos.”<br />

O registro público existe em nosso direito em quatro mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des (art. 1°,<br />

Lei 6015-73), <strong>da</strong>s quais nos interessará no momento apenas uma: o registro<br />

de imóveis, que tem o objetivo legal de permitir que, mediante negócio jurídico,<br />

seja transferi<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de de algum bem imóvel.<br />

Em via de regra, no direito brasileiro, vige aquilo que se chama de princípio<br />

<strong>da</strong> abstração, que determina que não haja a produção de efeitos reais<br />

decorrentes <strong>da</strong> prática de negócio jurídico. Para a produção destes referidos,<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

14 A ativi<strong>da</strong>de registral no Brasil é delega<strong>da</strong><br />

pelo poder público a particulares<br />

(CRFB, art. 236), com base nos critérios<br />

fi xados na Lei n° 8935-94 (Lei dos Cartórios).<br />

15 Tratado de Registros Públicos, vol. I,<br />

3ª ed, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,<br />

1955, p.2.<br />

FGV DIREITO RIO 42


é necessário uma ato jurídico strictu sensu, No caso de imóveis, este ato é precipuamente<br />

o registro. Vejamos o art. 1245 do Código Civil:<br />

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a proprie<strong>da</strong>de mediante o registro do<br />

título translativo no Registro de Imóveis.<br />

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser<br />

havido como dono do imóvel.<br />

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de<br />

invali<strong>da</strong>de do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser<br />

havido como dono do imóvel.<br />

O §1º consagra o princípio <strong>da</strong> presunção de veraci<strong>da</strong>de do registro; segundo<br />

o informado, será determinado o titular. No §2º, temos a presunção de<br />

legali<strong>da</strong>de. Assim, até que algo diferente resulte, o registro de qualquer imóvel<br />

atribui ao titular matriculado o direito real correspondente, só podendo<br />

ser modifi cado por outro ato registral ou por decisão judicial.<br />

Em outro turno, se o registro não exprimir a ver<strong>da</strong>de, deverá ser corrigido:<br />

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a ver<strong>da</strong>de, poderá o interessado<br />

reclamar que se retifi que ou anule.<br />

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o<br />

imóvel, independentemente <strong>da</strong> boa-fé ou do título do terceiro adquirente.<br />

O interessante no dispositivo é o que dispõe o parágrafo único. Conquanto<br />

a proprie<strong>da</strong>de seja fi rma<strong>da</strong> pelo registro, é possível que este não exprima a<br />

ver<strong>da</strong>de, em especial diante <strong>da</strong> ocorrência de usucapião. Nesse caso, mesmo<br />

sem o documento do registro (que não é, portanto, documento essencial à<br />

propositura <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> — v. art. 183, CPC), será possível ajuizar ação e<br />

provar a proprie<strong>da</strong>de por outros meios. No caso de desconstituição do registro,<br />

para que seja fi rmado outro este pedido pode ser combinado (cumulação<br />

sucessiva) com a reivindicação do bem. A vindicatio, contudo, não tem como<br />

exigência o acertamento registral.<br />

O parágrafo único dispõe que o registro será corrigido, independente <strong>da</strong><br />

boa-fé do terceiro adquirente. Num código que prima pelo respeito à boa-fé<br />

objetiva e que textualmente afi rma a proteção ao adquirente em caso de pagamento<br />

indevido, não se pode <strong>da</strong>r, em primeira vista, interpretação tão paralisante<br />

ao art. 1247. Na ver<strong>da</strong>de, o dispositivo não prevê que o registro seja<br />

sempre cancelado, mas que se for cancelado pela via judicial, haverá extensão<br />

dos efeitos <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> para com o terceiro de boa-fé, que terá ressalvado<br />

apenas os direitos de possuidor. Mas isso é um posterius, não sendo impossível<br />

ao magistrado reconhecer o direito de terceiro adquirente de boa-fé.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 43


Por conseguinte, o registro cria segurança a todo custo, desconsiderando<br />

valores caros ao texto constitucional. Ou não? Ou seria mais adequado um<br />

sistema de registro de imóveis rígido, que gerasse segurança?<br />

O sistema brasileiro pressupõe a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transcrição para que haja<br />

a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de (e para que se operem as formas negociais de criação,<br />

transferência e extinção de direitos reais). “Só é dono quem registra”, é o<br />

mote dos ofi ciais registradores. O negócio jurídico não tem efi cácia translativa,<br />

gerando apenas efeitos obrigacionais. Para que se obtenha o efeito desejado,<br />

deve-se atender ao requisito formal de publici<strong>da</strong>de, qual seja o registro. É<br />

o que determina o art. 676 do Código Civil.<br />

PROPRIEDADE = ESCRITURA + REGISTRO<br />

No sistema alemão, o negócio de índole contratual (negócio causal) também<br />

não origina a transferência de proprie<strong>da</strong>de. É necessário que se celebre<br />

um negócio registral, abstrato, no qual se emite declaração receptícia de vontade,<br />

a ser completa<strong>da</strong> pelo onerado, e declara que deseja realizar o registro<br />

em benefício do adquirente. 16 Uma vez efetuado o negócio registral, se houver<br />

direitos de terceiros em jogo, só este poderá ser atacado caso haja nuli<strong>da</strong>de<br />

nele próprio (e não no negócio causal). 17 Trata-se <strong>da</strong> abstração registral,<br />

presente no direito alemão. No sistema francês, o registro não é translativo de<br />

proprie<strong>da</strong>de, tendo efeitos meramente declaratórios entre as partes. Entretanto,<br />

para que terceiros estejam vinculados, é necessário que haja o registro. Por<br />

conseguinte, o registro é declaratório, mas a oponibili<strong>da</strong>de perante terceiros<br />

(que só pode ser exigi<strong>da</strong> se houver publici<strong>da</strong>de) depende do acertamento do<br />

imóvel.<br />

Seriam melhores esses sistemas?<br />

O que não está no registro<br />

Conquanto seja válido e interessante polemizar sobre o que não está no<br />

registro, mais relevante é lembrar-se de tudo aquilo que deveria estar lá certifi<br />

cado e não está. Vejamos no texto abaixo algumas <strong>da</strong>s graves conseqüências<br />

<strong>da</strong> desordem fundiária.<br />

“EXCLUSÃO SOCIAL, HABITAT E VIOLÊNCIA18 Por ERMINIA MARICATO19 Se na déca<strong>da</strong> de 40, quando 31% <strong>da</strong> população brasileira era urbana, as<br />

ci<strong>da</strong>des eram vistas como avanço e moderni<strong>da</strong>de em relação ao campo que<br />

representava o Brasil atrasado ou arcaico, no início de 2001, quando 80% <strong>da</strong><br />

população é urbana, sua imagem passa a ser associa<strong>da</strong> à violência, poluição,<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

16 Martin Wolff , pp. 187 e ss.<br />

17 Isabel Mendes, O Registro Predial e a<br />

Segurança Jurídica nos Negócios Imobiliários,<br />

Coimbra, Almeidina, 1992, p. 29.<br />

18 Em http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/maricato_bombarelogio.pdf<br />

19 Arquiteta, e urbanista, Coordenadora<br />

do Curso de Pós Graduação <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de<br />

de Arquitetura e Urbanismo <strong>da</strong><br />

USP, Coordenadora do Laboratório de<br />

Habitação e Assentamentos Humanos,<br />

ex- Secretária de Habitação e Desenvolvimento<br />

Urbano <strong>da</strong> prefeitura de São<br />

Paulo (1989-1992).<br />

FGV DIREITO RIO 44


favela, criança desampara<strong>da</strong>, epidemias, tráfego caótico, entre outros inúmeros<br />

males.<br />

O processo de industrialização / urbanização, parecia representar um caminho<br />

para a independência de séculos de dominação <strong>da</strong> produção agrária e<br />

de mando coronelista, ligado diretamente à relação colonial. A evolução dos<br />

acontecimentos mostrou que ao lado de intenso crescimento econômico (7%<br />

em media entre 1940 e 1980), o processo de urbanização com crescimento<br />

<strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de resultou numa gigantesca concentração espacial <strong>da</strong> pobreza.<br />

Nem to<strong>da</strong>s as consequências do processo de urbanização são negativas<br />

como mostram a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de infantil, <strong>da</strong> taxa de natali<strong>da</strong>de e o<br />

aumento <strong>da</strong> esperança de vi<strong>da</strong> ao nascer, nos últimos 50 anos. A déca<strong>da</strong> de<br />

80 foi portadora de algumas novi<strong>da</strong>des, confi rma<strong>da</strong>s pelo Censo do IBGE<br />

de 2000, como a diminuição <strong>da</strong> taxa geométrica de crescimento anual <strong>da</strong>s<br />

metrópoles (cujo crescimento se concentra agora apenas nos municípios periféricos)<br />

e a aceleração do crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des de porte médio. As doze<br />

metrópoles brasileiras, entretanto, que concentram perto de 33% de to<strong>da</strong> a<br />

população revelam de modo mais evidente as consequências dramáticas desse<br />

processo de crescimento com exclusão social.<br />

Durante os anos 80 e 90, sob as novas relações internacionais a desigual<strong>da</strong>de<br />

se aprofun<strong>da</strong>: aumenta a informali<strong>da</strong>de nas relações de trabalho, aumenta<br />

o crescimento <strong>da</strong>s favelas, aumenta o número de crianças abandona<strong>da</strong>s. Levantamentos<br />

científi cos comprovam o que nossos olhos constatam cotidianamente.<br />

Entre essas características que são históricas em uma socie<strong>da</strong>de na<br />

qual o desemprego e a desigual<strong>da</strong>de são estruturais, talvez a maior novi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s duas últimas déca<strong>da</strong>s esteja na explosão <strong>da</strong> violência urbana.<br />

Falar de violência no Brasil, último país escravista do hemisfério ocidental<br />

e que ain<strong>da</strong> hoje mantém resquícios de trabalho escravo, requer alguma<br />

precisão. A violência urbana que cresce fortemente nas ci<strong>da</strong>des brasileiras se<br />

diferencia <strong>da</strong> tradicional violência que sempre marcou a relação de trabalho.<br />

Trata-se <strong>da</strong>quela que é expressa pelo número de homicídios e que como a<br />

primeira, faz <strong>da</strong> população pobre sua principal vítima. O que nos interessa<br />

explorar aqui é a relação entre habitat e violência.<br />

A segregação urbana é uma <strong>da</strong>s faces mais importantes <strong>da</strong> exclusão social.<br />

Ela não é um simples refl exo, mas também motor indutor <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de. À<br />

difi cul<strong>da</strong>de de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (transporte precário,<br />

saneamento defi ciente, drenagem inexistente, difi cul<strong>da</strong>de de abastecimento,<br />

difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição<br />

à ocorrência de enchentes e desmoronamentos, etc.) somam-se menores<br />

oportuni<strong>da</strong>des de emprego (particularmente do emprego formal), menores<br />

oportuni<strong>da</strong>des de profi ssionalização, maior exposição à violência (marginal<br />

ou policial), discriminação racial, discriminação de gênero e i<strong>da</strong>de, difícil<br />

acesso à justiça ofi cial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 45


Ilegali<strong>da</strong>de na Ocupação do Solo e Segregação Urbana<br />

A ilegali<strong>da</strong>de em relação à proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra, entretanto, tem sido o<br />

principal agente <strong>da</strong> segregação ambiental, no campo ou na ci<strong>da</strong>de. A ilegali<strong>da</strong>de<br />

fundiária participa de uma situação de ilegali<strong>da</strong>de generaliza<strong>da</strong>: na<br />

relação de trabalho, na resolução de confl itos, na ação <strong>da</strong> polícia...<br />

No meio urbano, a relação — legislação/mercado fundiário/exclusão —<br />

está no centro <strong>da</strong> segregação territorial. É nas áreas despreza<strong>da</strong>s pelo mercado<br />

imobiliário privado e nas áreas públicas situa<strong>da</strong>s em regiões desvaloriza<strong>da</strong>s,<br />

que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encostas<br />

dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões<br />

poluí<strong>da</strong>s, ou [...] áreas de proteção ambiental (onde a vigência de legislação<br />

de proteção e ausência de controle do uso do solo defi nem a desvalorização e<br />

o desinteresse do mercado imobiliário).<br />

Apenas para <strong>da</strong>r alguns exemplos, em São Paulo, uma ci<strong>da</strong>de que tem o<br />

PIB maior que o do Chile, aproxima<strong>da</strong>mente 20% de seus 10 milhões de<br />

habitantes mora em favelas. Destas, 49,3 % tem alguma parte localiza<strong>da</strong> em<br />

beira de córrego, 32,2% estão sujeitas a enchentes, 29,3% localizam-se em<br />

terrenos com declivi<strong>da</strong>de acentua<strong>da</strong>, 24,2 % estão em terrenos que apresentam<br />

erosão acentua<strong>da</strong> e 0,9 % estão em terrenos de depósitos de lixo ou<br />

aterro sanitário.<br />

Na periferia sem urbanização, a precarie<strong>da</strong>de dos transportes e o alto preço<br />

são fatores que infl uem na baixa mobili<strong>da</strong>de dos moradores, frequentemente<br />

exilados em seus bairros precários. (Santos 1990). “Não é de se estranhar que<br />

em tais situações de segregação territorial pode ocorrer o desenvolvimento de<br />

normas, comportamentos, mecanismos e procedimentos extralegais que são<br />

impostos à comuni<strong>da</strong>de pela violência ou que são aceitos espontaneamente<br />

e até desejados.”<br />

CASO GERADOR<br />

Vejamos a notícia do Correio Braziliense:<br />

“Multiplicação de lotes no Lago<br />

Ana D’Angelo<br />

Correio Braziliense<br />

1/4/2005<br />

Compradores do Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas travam batalha contra empreendedora<br />

acusa<strong>da</strong> de vender terrenos irregularmente. Grupo chegou a formar<br />

associação de interessados que teriam sido lesados<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 46


O cobiçado Condomínio Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas, na QI 31 do Lago<br />

Sul, não foi regularizado, mas já está deixando um rastro de prejuízos, de<br />

denúncias de estelionato na polícia e de processos criminais. No centro <strong>da</strong><br />

polêmica está a empreendedora do local, Rosa Lia Fenelon Assis, de 67<br />

anos. Enquanto a regularização não vem, ela e a fi lha — Angela Beatriz de<br />

Assis, de 39 anos — são acusa<strong>da</strong>s por dezenas de pessoas de se benefi ciar<br />

com o comércio de terrenos que alegam lhes pertencer, vendendo o mesmo<br />

lote para mais de uma pessoa. O total de prejudicados já é superior a 400<br />

compradores, de acordo com Enock Goulart de Carvalho, síndico do condomínio<br />

desde março de 2004.<br />

O grupo de compradores é tão grande que eles se juntaram e criaram,<br />

em dezembro passado, a Associação dos Lesados pela Empreendedora do<br />

Condomínio Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas (Alecpa). Já tem 126 associados. Eles<br />

pretendem representar contra a empreendedora por estelionato. Funcionária<br />

pública aposenta<strong>da</strong>, Rosa Lia Assis tem uma procuração passa<strong>da</strong> em 1989<br />

pela fi lha Angela Beatriz, <strong>da</strong>ndo-lhe plenos poderes para negociar 60,5 hectares<br />

em nome <strong>da</strong> fi lha. Desde então, já teriam sido vendidos cerca de 1.700<br />

lotes. O problema é que só existem 1.002. Ou seja, tem gente comprando<br />

terreno que já pertenceria, em tese, a outro.<br />

Ao Correio, Rosa Lia Assis admitiu que pode ter vendido o mesmo lote<br />

para mais de uma pessoa, mas alegou “desorganização” dos <strong>da</strong>dos e não máfé.<br />

Embora os 60,5 hectares negociados estejam em seu nome, Angela Beatriz<br />

se eximiu de responsabili<strong>da</strong>de. “Estão usando o meu nome para criar tumulto.<br />

Nunca assinei documentos, nem vendi terra nenhuma. A minha mãe que<br />

é a dona legítima <strong>da</strong> terra”, alegou Angela Beatriz.<br />

Em local privilegiado, à beira do asfalto e próximo à Ponte JK, o Condomínio<br />

Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas está dentro <strong>da</strong> antiga fazen<strong>da</strong> Paranoá, de<br />

527 hectares, originalmente pertencente ao espólio de Balbino de Souza Vasconcelos.<br />

Reparti<strong>da</strong> entre herdeiros foi vendi<strong>da</strong> em pe<strong>da</strong>ços a várias pessoas.<br />

Angela Beatriz de Assis teria comprado 60,5 hectares. Mas somente 24 hectares<br />

estão registrados no 2º Ofício de Registro de Imóveis. Os outros 36,5<br />

hectares são garantidos apenas por três escrituras.<br />

Para completar o imbrólio, a Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília)<br />

também reivindica a posse de parte <strong>da</strong> área do condomínio. Há liminar<br />

<strong>da</strong> Justiça suspendendo qualquer alteração na matrícula dos 20 hectares que<br />

estão registrados em nome de Angela Beatriz de Assis no cartório de imóveis.<br />

Também está proibi<strong>da</strong> qualquer edifi cação no local até que a situação seja<br />

regulariza<strong>da</strong>. No local, existe uma portaria indicando a existência do “futuro”<br />

condomínio.<br />

Auditoria feita pela atual administração constatou a existência de 1.746 lotes<br />

vendidos até outubro de 2004, dos quais 1.295 teriam sido adquiridos diretamente<br />

de Rosa Lia Assis, conforme declararam os compradores. Outros 373<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 47


lotes foram comprados por meio de três pessoas, sendo 181 em duplici<strong>da</strong>de.<br />

Duas delas — Paulo Goulart e Hélio Ribeiro — foram autoriza<strong>da</strong>s a transferir<br />

determinados lotes por procuração recebi<strong>da</strong> de Rosa Lia Assis, que substabeleceu<br />

o man<strong>da</strong>to <strong>da</strong> fi lha. A terceira, Eliane Pereira <strong>da</strong> Mota, alega ter contrato<br />

com a empreendedora para vender parte deles. Rosa Lia Assis negou conhecêla.<br />

Há ain<strong>da</strong> 78 uni<strong>da</strong>des vendi<strong>da</strong>s sem documentos no condomínio.<br />

De acordo com a auditoria, 567 lotes foram negociados em duplici<strong>da</strong>de.<br />

A maioria, 386, seriam de responsabili<strong>da</strong>de direta <strong>da</strong> empreendedora. Os<br />

preços de ven<strong>da</strong> variaram entre R$ 1,5 mil e R$ 40 mil. De acordo com o<br />

síndico, somente de 2001 para cá, Rosa Lia teria embolsado mais de R$ 6 milhões.<br />

Mas os compradores têm difi cul<strong>da</strong>des de localizar bens em seu nome e<br />

<strong>da</strong> fi lha. As duas moram em casa aluga<strong>da</strong> no Lago Sul.<br />

Rosa Lia Assis afi rmou ao Correio que, <strong>da</strong>s 1.002 uni<strong>da</strong>des, vendeu em<br />

torno de 600 e que ain<strong>da</strong> tem cerca de 380 disponíveis — 165 estariam em<br />

nome <strong>da</strong> cozinheira e <strong>da</strong> babá e de uma ex-faxineira. O síndico Enoch de<br />

Carvalho contesta. Diz que ela tem apenas sete, em nome de empregados,<br />

porque os compradores dos demais já se apresentaram.<br />

O processo para regularização do condomínio Parque <strong>da</strong>s Andorinhas está<br />

na Terracap desde agosto de 2004. Mas existem três ações judiciais em tramitação<br />

na Vara de Registros Públicos do DF questionando a titulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área e a<br />

escritura de constituição do condomínio. A empreendedora apresentou o projeto<br />

urbanístico e topográfi co, mas ain<strong>da</strong> não foram aprovados pela Terracap.<br />

A empreendedora Rosa Lia Assis admitiu ao Correio a ven<strong>da</strong> do mesmo lote<br />

a mais de uma pessoa “por desorganização” dos seus ca<strong>da</strong>stros, mas promete<br />

devolver o dinheiro corrigido, conforme está no contrato, a todos os compradores<br />

que quiserem desfazer o negócio. “Estou disposta a devolver o dinheiro<br />

para todo mundo que queira desistir dos lotes”, garante. Ela alega que não<br />

pode tomar nenhuma atitude ou prestar esclarecimentos sem conhecer a listagem<br />

de lotes vendidos em duplici<strong>da</strong>de que a atual administração dispõe.<br />

Rosa Lia conta que pediu essa lista ao atual síndico, mas que ele exigiu<br />

o pagamento de R$ 6.609,40 para fornecer os documentos, o que achou<br />

abusivo. “Como posso tomar qualquer atitude, sem saber a listagem que o<br />

condomínio tem e quem emitiu os documentos?” A empreendedora questionou<br />

também a auditoria, por não ter havido a participação de integrantes <strong>da</strong>s<br />

administrações anteriores.<br />

O síndico Enock de Carvalho afi rma que o preço cobrado, que poderia ser<br />

pago em duas parcelas, é para cobrir os custos <strong>da</strong>s fotocópias (13.968 folhas)<br />

e de serviço de terceiros (R$ 2.500). Exigiu ain<strong>da</strong> que a empreendedora explicasse<br />

a fi nali<strong>da</strong>de que pretende <strong>da</strong>r aos documentos. Segundo Carvalho, o<br />

condomínio teve custos para fazer a auditoria e catalogar todos os contratos<br />

dos compradores.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 48


Rosa Lia Assis nega o uso de “laranjas”. Diz que foi “obriga<strong>da</strong>” a colocar os<br />

lotes em nome de emprega<strong>da</strong>s para facilitar a aprovação do condomínio junto<br />

aos órgãos públicos, porque não podem estar em nome do empreendedor.<br />

Segundo ela, para regularizar a área, é preciso ter o parcelamento efetuado e<br />

to<strong>da</strong>s as frações vendi<strong>da</strong>s. Afi rma que deu um lote para ca<strong>da</strong> uma para colocar<br />

os terrenos em nome delas.<br />

Sobre as procurações em nome de Paulo Goulart e Hélio Ribeiro, explica<br />

que apenas deu lotes a eles como forma de pagamento de parte <strong>da</strong>s terras que<br />

comprou e que pertenciam aos dois. “Nunca mandei vender em meu nome.<br />

Eles são donos dos lotes”, garante. A empreendedora nega conhecer Eliana<br />

Pereira, que apresentou à administração do condomínio contrato com Rosa<br />

Lia para vender os terrenos. “Nunca dei lote para corretor vender”, assegura.<br />

A empreendedora afi rma que os projetos urbanístico e topográfi co apresentados<br />

por ela não foram aprovados pela Terracap porque o condomínio<br />

não cumpriu suas obrigações, como apresentação dos projetos de infra-estrutura<br />

básicos (água, esgoto, luz). A empreendedora acusa ain<strong>da</strong> o síndico de<br />

tentar comprar lotes já vendidos por valor baixo, dizendo que o condomínio<br />

não será regularizado. Enock de Carvalho retruca que tem interesse em<br />

comprar lotes, mas em nome do condomínio. Segundo ele, não há espaço<br />

sufi ciente para acomo<strong>da</strong>r o projeto <strong>da</strong> empreendedora, cujas projeções comerciais<br />

invadiram até área pública. Afi rma que existem apenas 10% de área<br />

livre. Por isso, em assembléia no sábado passado, os condôminos autorizaram<br />

as aquisições, em nome do condomínio.<br />

Rosa Lia Assis acusa ain<strong>da</strong> a atual administração de ter gastos excessivos<br />

para manutenção do condomínio. O síndico rebate dizendo que ela não é<br />

condômina e que os lotes que alega ter estão em nome de terceiros, inadimplentes.<br />

Segundo ele, a convenção prevê acesso dos condôminos aos balancetes<br />

e que as contas do ano passado foram aprova<strong>da</strong>s em assembléia realiza<strong>da</strong><br />

em março com a presença de 136 condôminos.<br />

Carvalho afi rmou que os gastos são de R$ 189 mil por mês com a segurança<br />

do condomínio. “Ela mantém um segurança num dos acessos do condomínio<br />

para permitir que ela entre e mostre o terreno para clientes. Vamos<br />

fechar todos os acessos para impedir sua entra<strong>da</strong>”, avisa.<br />

A confusão no Parque <strong>da</strong>s Andorinhas vem desde o fi nal dos anos 80,<br />

quando a empreendedora Rosa Lia Fenelon Assis dividiu os 60,5 hectares que<br />

teriam sido comprados pela fi lha em módulos, com cerca de 500 lotes de 800<br />

metros quadrados aproximados. Foi cria<strong>da</strong> então a associação dos condôminos,<br />

tendo ela como empreendedora. Segundo o atual síndico, nessa época,<br />

já teriam sido vendidos mais lotes do que havia de fato. Em 1991, a empreendedora<br />

reformulou o projeto dos 60,5 hectares e transformou os módulos<br />

em conjuntos, reduzindo o tamanho dos lotes — viraram 1.002 com 501<br />

metros quadrados. Ela negou a ven<strong>da</strong> de lotes a mais. Segundo ela, o projeto<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 49


foi redimensionado porque o original não contemplava os 35% de área livre<br />

exigidos pela legislação.<br />

Novamente, apareceram no condomínio compradores de lotes que já tinham<br />

dono. Em julho de 2002, a nova administração do condomínio chegou<br />

a acordo com a empreendedora e foi assinado um contrato particular<br />

em que ela se comprometia a relacionar os reais titulares dos 1.002 terrenos.<br />

Para surpresa dos condôminos, foram listados como donos de pouco mais de<br />

cem lotes três emprega<strong>da</strong>s <strong>da</strong> empreendedora — a cozinheira, a faxineira e a<br />

babá <strong>da</strong> neta <strong>da</strong> empreendedora. Logo depois, começaram a aparecer vários<br />

compradores de lotes já vendidos com certifi cados de imissão de posse, que<br />

teriam sido emitidos pela empreendedora.<br />

O fato fez com que a atual administração do condomínio representasse<br />

contra Rosa Lia Assis junto ao Ministério Público do Distrito Federal,<br />

denunciando-a por estelionato e falsifi cação de certifi cados. Ela nega a acusação.<br />

Afi rmou ao Correio que a assinatura abrevia<strong>da</strong> do seu nome nos certifi<br />

cados, com carimbo de reconhecimento de fi rma do cartório Maurício de<br />

Lemos, não é dela. O cartório informou ao Correio que ela tem duas assinaturas<br />

(fi rmas) registra<strong>da</strong>s no ofício, incluindo a forma abrevia<strong>da</strong>.<br />

Alguns compradores descobriram também que fi caram com menos lotes<br />

do que tinham adquirido inicialmente. É o que aconteceu com a advoga<strong>da</strong><br />

Lin<strong>da</strong> Jacinto Xavier. Ela afi rma ter adquirido dois lotes terrenos diretamente<br />

de Rosa Lia de Assis no dia 31 de agosto de 2000 por R$ 9 mil ca<strong>da</strong> um. No<br />

contrato de cessão de direitos, no entanto, a <strong>da</strong>ta é de 10 de dezembro de<br />

1997, por imposição <strong>da</strong> vendedora.<br />

Mas a advoga<strong>da</strong> recebeu apenas o certifi cado de imissão de posse de apenas<br />

um deles “depois de muita insistência” junto à empreendedora. “Ela não<br />

quis mais me receber”, afi rma Lin<strong>da</strong> Xavier, que chegou a ter nas mãos quatro<br />

mapas do condomínio. “Já não sabia mais quais eram os meus lotes.”<br />

Como proteger os adquirentes de boa-fé, se é que eles devem ser protegidos?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 50


AULAS 8, 9 E 10: USUCAPIÃO<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Usucapião: fun<strong>da</strong>mentos e funcionamento. Justifi cativa constitucional.<br />

Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des.Usucapião tabular. Aquisição por interesse social (art. 1228,<br />

§§4º e 5º, Código Civil).<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA (PARA AS DUAS AULAS)<br />

RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, p. 247-303.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

SALLES, José Carlos de Moraes. “Usucapião de Bens Imóveis e Móveis”, 6ª ed,<br />

São Paulo, RT, p. 47-144.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

NATUREZA DA USUCAPIÃO 20<br />

A usucapião é uma forma de aquisição de direito real decorrente <strong>da</strong> conjugação<br />

de dois fatores: posse e tempo. A usucapião serve de forma de atribuição<br />

de um direito real, assim como forma de extinção de um outro direito<br />

real. Por isso durante muito tempo o tratamento <strong>da</strong>do ao instituto do usucapião<br />

foi o mesmo tratamento <strong>da</strong>do ao instituto <strong>da</strong> prescrição extintiva. Hoje<br />

se entende praticamente de modo unânime no <strong>Direito</strong> Brasileiro que existe<br />

uma distinção de fun<strong>da</strong>mento que impossibilita o tratamento conjunto <strong>da</strong><br />

prescrição aquisitiva e do usucapião, ampara<strong>da</strong> no fun<strong>da</strong>mento dos referidos<br />

institutos. Existem, no Código Civil, e durante muito tempo existiram normas<br />

separa<strong>da</strong>s para disciplinar a usucapião e a prescrição extintiva, mas havia<br />

quem entendesse que o fun<strong>da</strong>mento era igual nesses dois institutos (e ain<strong>da</strong><br />

assim é hoje, por exemplo, no <strong>Direito</strong> espanhol). Sabe-se, atualmente, que<br />

o fun<strong>da</strong>mento é distinto, por uma questão bastante simples: o usucapião se<br />

fun<strong>da</strong> na concreção <strong>da</strong> ideia de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, e a prescrição<br />

extintiva na segurança jurídica. Isso não quer dizer que o usucapião também<br />

não tenha por objetivo criar segurança. É claro que se alguém possui um<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

20 Os dicionaristas registram as duas<br />

formas como corretas: o usucapião e a<br />

usucapião. O CC2002 utiliza a palavra<br />

no feminino.<br />

FGV DIREITO RIO 51


em durante muitos e muitos anos, cria-se na socie<strong>da</strong>de uma expectativa<br />

que aquele bem tenha a titulari<strong>da</strong>de altera<strong>da</strong>, mesmo que isto não seja regra<br />

imutável, já que para que haja a contagem de tempo para o usucapião é fun<strong>da</strong>mental<br />

que a posse seja plena. Então não é apenas a mera segurança que<br />

justifi ca a usucapião.<br />

No âmbito <strong>da</strong> ordenação urbana e dentro e rural, para que haja uma melhor<br />

utilização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, deve existir a fi gura do usucapião como meio<br />

de permitir a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de nas mãos <strong>da</strong>quele que trabalha<br />

e dá ao bem a sua destinação constitucional, atendendo a função social. O<br />

instituto, portanto, foi elevado à normativi<strong>da</strong>de constitucional, que a ele se<br />

refere expressamente em dois momentos: nos art.183 e 191.<br />

O primeiro requisito para que haja aquisição do direito real através <strong>da</strong><br />

fi gura do usucapião é a existência <strong>da</strong> posse. A posse ad usucapionem tem que<br />

ser plena, ou seja, não deriva<strong>da</strong> de uma outra posse através de um processo<br />

conhecido como mediação na posse (v. art. 1197). Aquele que possui plenamente<br />

possui o bem como se ele fora seu, independentemente <strong>da</strong> posse de<br />

outrem (que restará extinta). Como exemplo de possuidor pleno que não é<br />

proprietário, temos aquele que adquiriu um bem a non domino, ou ain<strong>da</strong> o<br />

próprio sujeito ativo do esbulho possessório.<br />

Além de ter a posse plena do bem, existe um outro requisito que é fun<strong>da</strong>mental<br />

para to<strong>da</strong>s as formas de usucapião, que é o decurso do tempo, que pode<br />

variar de três até vinte anos, dependendo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de usucapião. O termo<br />

inicial desse prazo de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de é o momento em que se passa a<br />

ser exerci<strong>da</strong> a posse plena do bem. O termo fi nal coincide com o momento no<br />

qual se esgota a previsão legal e tem-se por consuma<strong>da</strong> a usucapião. Durante o<br />

decurso desse prazo pode haver tanto suspensão quanto interrupção.<br />

A aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por usucapião é originária, e esse entendimento<br />

é quase unânime na doutrina brasileira. A voz dissonante é a voz do professor<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira que entende que a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por<br />

usucapião é uma aquisição deriva<strong>da</strong>. 21 Esposamos a tese majoritária, porque<br />

em relação àquele bem todo e qualquer gravame que havia sido anteriormente<br />

constituído é destruído, e a proprie<strong>da</strong>de é recria<strong>da</strong>. Caio Mário entende<br />

que essa aquisição é deriva<strong>da</strong>, por conta de <strong>da</strong> distinção existente no <strong>Direito</strong><br />

alemão que diz respeito às formas de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, que não prescindem<br />

<strong>da</strong> prática de um negócio jurídico registral. O registro, no <strong>Direito</strong><br />

brasileiro, não tem na sua realização a preponderância <strong>da</strong> vontade, trata-se de<br />

um ato jurídico strictu sensu. E por conta disso, aqui são consagra<strong>da</strong>s formas<br />

de usucapião que não estão presentes no <strong>Direito</strong> alemão. Por conta desta<br />

distinção, no direito alemão não existe usucapião extraordinário, ou seja, é<br />

obrigatório que a posse seja de boa-fé e haja justo título (Wolff , op. cit, p.).<br />

Esta distinção desde logo impossibilita a comparação dos regimes legais e <strong>da</strong>s<br />

conclusões doutrinárias de ambos os países.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

21 Caio Mário, vol. IV, p. 138.<br />

FGV DIREITO RIO 52


Não é possível, no direito pátrio, a usucapião de bem público (CC, art.<br />

102, e CRFB, art. 181, §3º e art. 191, parágrafo único), nem a usucapião<br />

de bens de incapaz (art.1244). Por causa dessas duas ressalvas <strong>da</strong> lei brasileira<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira entende que não é possível considerar o usucapião<br />

como forma originária de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de porque leva em<br />

conta efetivamente quem era o proprietário anterior. Também nesse particular,<br />

vejamos o REsp 13663, julgado em 22/09/92 e relatado pelo ministro<br />

Gusmão Carneiro:<br />

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ALEGAÇÃO EM DEFESA DE USUCAPIÃO<br />

EXTRAORDINÁRIO. IMÓVEL COM CLÁUSULA DE FIDEICOMISSO E<br />

DE INALIENABILIDADE. A aquisição por usucapião é aquisição originária com<br />

relação ao usucapiente importa a posse pelo prazo de 20 anos, pacífi ca e ininterrupta<br />

com ânimo de dono. Nenhuma relação ou sucessão existe entre o perdente do direito<br />

de proprie<strong>da</strong>de e o que a adquire pelo usucapião Com o usucapião simplesmente<br />

extingue-se o domínio do anterior proprietário bem como os direitos reais que tiverem<br />

constituído e sem embargos de quaisquer limitações a seu dispor. Ou seja, com essa<br />

ementa afi rma-se de forma cabal que qualquer gravame de ordem priva<strong>da</strong> é desconstituído<br />

pelo decurso do tempo e pela confi guração do usucapião. No caso dessa ementa<br />

o gravame era o fi deicomisso.”<br />

— Usucapião como forma originária de aquisição de proprie<strong>da</strong>de, motivo<br />

pelo qual as relações pretéritas não interferem na relação estabeleci<strong>da</strong> ente o<br />

bem e o usucapiente:<br />

STJ — REsp 118.360/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA<br />

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,<br />

julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011<br />

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA.<br />

INOCORRÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE PROPRIE-<br />

DADE. SENTENÇA DE USUCAPIÃO. NATUREZA JURÍDICA (DECLA-<br />

RATÓRIA). FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. FINALIDADE DO<br />

REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PUBLICIDADE E DIREITO<br />

DE DISPOR DO USUCAPIENTE. RECURSO DESPROVIDO.<br />

1. Não há falar em julgamento extra petita, pois “cabe exclusivamente ao julgador<br />

a aplicação do direito à espécie, fi xando as conseqüências jurídicas diante<br />

dos fatos narrados pelas partes consoante os brocardos <strong>da</strong> mihi factum <strong>da</strong>bo tibi<br />

ius e jura novit curia” (EDcl no REsp 472.533/MS, Rel. Min. FERNANDO<br />

GONÇALVES, DJ 26.09.2005).<br />

2. A usucapião é modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de; ou seja, não<br />

há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 53


3. A sentença proferi<strong>da</strong> no processo de usucapião (art. 941 do CPC) possui<br />

natureza meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece,<br />

com oponibili<strong>da</strong>de erga omnes, um direito já existente com a posse ad usucapionem,<br />

exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito retroativo <strong>da</strong> sentença<br />

se dá desde a consumação <strong>da</strong> prescrição aquisitiva.<br />

4. O registro <strong>da</strong> sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essencial<br />

para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de imobiliária, porquanto, ao contrário do<br />

que ocorre com as aquisições deriva<strong>da</strong>s de imóveis, o ato registral, em tais casos,<br />

não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriun<strong>da</strong> do processo de usucapião<br />

é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916;<br />

1.241, parágrafo único, do CC/2002) — e não título constitutivo do direito<br />

do usucapiente, buscando este, com a deman<strong>da</strong>, atribuir segurança jurídica e<br />

efeitos de coisa julga<strong>da</strong> com a declaração formal de sua condição.<br />

5. O registro <strong>da</strong> usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir,<br />

mas para <strong>da</strong>r publici<strong>da</strong>de à aquisição originária (alertando terceiros), bem como<br />

para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regularizar<br />

o próprio registro cartorial.<br />

6. Recurso especial a que se nega provimento.<br />

— Acórdão no sentido de que a usucapião, por se tratar de forma originária<br />

de aquisição de proprie<strong>da</strong>de, prevalece sobre o registro imobiliário, muito<br />

embora este detenha o caráter de obrigatorie<strong>da</strong>de e perpetui<strong>da</strong>de.<br />

REsp 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TUR-<br />

MA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011<br />

PROCESSO CIVIL — PRESCRIÇÃO AQUISITIVA — CONFIGURA-<br />

ÇÃO — REQUISITOS DO ART. 942 DO CPC PREENCHIDOS — JUN-<br />

TADA DA CERTIDÃO DO CARTÓRIO DE IMÓVEIS DE CADA UM<br />

DOS CONFRONTANTES DESNECESSÁRIA — RECURSO ESPECIAL<br />

PROVIDO.<br />

1.— A usucapião, forma de aquisição originária <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, caracteriza<strong>da</strong>,<br />

entre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto <strong>da</strong> posse,<br />

prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de obrigatorie<strong>da</strong>de<br />

e perpetui<strong>da</strong>de deste, em razão <strong>da</strong> inércia prolonga<strong>da</strong> do proprietário em<br />

exercer os poderes decorrentes do domínio.<br />

2.— A determinação do art. 942 do CPC, diz respeito à citação <strong>da</strong>quele em<br />

cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confi nantes,<br />

não se exigindo a junta<strong>da</strong> de certidão do Cartório de Registros de Imóveis relativamente<br />

a ca<strong>da</strong> um dos confrontantes, até porque as confrontações, como parte<br />

<strong>da</strong> descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo.<br />

3.— Provido o recurso especial, com o afastamento do requisito <strong>da</strong> junta<strong>da</strong><br />

de certidões imobiliárias atinentes aos confrontantes, não há como passar ao<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 54


julgamento do mérito, pois a apelação devolveu ao conhecimento do Tribunal<br />

de origem matéria fática, envolvendo, inclusive, ação reinvidicatória conexa e<br />

apensa<strong>da</strong>, relativa à origem e quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> posse alega<strong>da</strong> pela prescribente, matéria<br />

essa que não foi aprecia<strong>da</strong> pelo Acórdão recorrido, de modo que não pode,<br />

agora, ser enfrenta<strong>da</strong> neste julgamento, visto que isso somente seria possível em<br />

se tratando de matéria exclusivamente de direito (CPC, art. 515, § 3º).<br />

4.— Recurso Especial provido, com anulação do Acórdão e determinação de<br />

novo julgamento.<br />

RECURSO ESPECIAL PROVIDO<br />

A posse ad usucapionem tem que ser plena. Isso não quer dizer que uma<br />

posse que comece mediata não possa se tornar plena. Isso é chamado de fenômeno<br />

<strong>da</strong> interversão <strong>da</strong> posse, e é a partir <strong>da</strong> interversão que começa a contar<br />

o prazo para a usucapião.<br />

O curso do prazo tem que ser ininterrupto, excetuando-se as hipóteses de suspensão<br />

(v. art. 1.244). Também poderá ocorrer na usucapião a acessão na posse.<br />

Ela é possível por conta do art. 1243 CC. Este dispositivo faz referência à norma<br />

genérica de acessão na posse prevista no art.1.207 CC, que estabelece que para<br />

aquele que sucede a título universal, ou seja, para aquele que é herdeiro, a soma<br />

é obrigatória, não se podendo deixar de contar prazo (e posse) anteriormente<br />

transcorridos. Agora, aquele que sucede a título singular, ou seja, aquele que não<br />

recebe um patrimônio e sim um bem pode escolher valer desta prerrogativa.<br />

Ve<strong>da</strong>ções à usucapião<br />

— bens de incapazes;<br />

— bens públicos (CF, art. 183, par. 3°, e art. 191, par. único), ao contrário<br />

do disposto no art. 4° <strong>da</strong> Lei 6969-80. 22 Não se pode, contudo, ignorar que<br />

até que se declare a vacância (e não jacência) de um bem, é possível que se dê<br />

a sua aquisição por usucapião. 23<br />

Qualquer ato inequívoco, mesmo que extrajudicial, do proprietário que<br />

indique reivindicação pode ser invocado como motivo para a interrupção<br />

(STJ, Resp. 21222-BA). Não há mais distinção na contagem de prazo entre<br />

presentes e ausentes, como ocorre também na prescrição.<br />

Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des: Imóveis<br />

Extraordinário: art. 1.238: presume-se, absolutamente, a boa fé e o justo<br />

título. E quanto à injustiça? Deve cessar na forma do art.1.208. Critério<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

22 Ver Sùm 340, STF.<br />

23 STJ, Resp 36959-SP.<br />

FGV DIREITO RIO 55


objetivo para a redução do prazo: parágrafo único do art. 1238. Natureza <strong>da</strong><br />

sentença: declaratória. Ação de usucapião: sentença capaz de ser transcrita.<br />

Usucapião. Alegado em defesa: é reconhecido como questão prejudicial (STF<br />

Súmula 237), mas não pode originar a transcrição. Exceção: Lei 6969/81,<br />

art. 7°, e Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, art. 13.<br />

Ordinário: art. 1242: com boa fé e justo título. O conceito de justo título<br />

deve ser sempre o mesmo?<br />

Quadro comparativo:<br />

Requisitos Posse + Tempo<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

U. extraordinária U. Ordinária U. Especial<br />

Posse + Tempo + Justo<br />

Título<br />

Posse + Tempo + Destinação<br />

Prazo 15 anos 10 anos 5 anos<br />

Alteração pela<br />

destinação específi ca<br />

(vira especial)<br />

Para 10, se houver<br />

atendimento <strong>da</strong> função<br />

social do bem<br />

Para 5, se houver<br />

atendimento <strong>da</strong> função<br />

social do bem<br />

Especial: Lei 6969 e CF 88; NCC, 1239, 1240.<br />

Usucapião especial constitucional urbana: art. 183, CF, 1240, CC. Requisitos<br />

específi cos: cumprir metragem, não ser proprietário, utilização específi -<br />

ca para moradia, e não descumprimento do §2° do art. 183, CF.<br />

Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (lei 10.257/01): art. 9 e seguintes: regulação <strong>da</strong> usucapião<br />

constitucional urbana. Art. 10: usucapião coletiva.<br />

Usucapião especial constitucional rural: art. 191, CF, art. 1239, CC. req.:<br />

utilização específi ca (produção rural como cultivador direto), metragem, e<br />

não ser proprietário. Integração com o regime <strong>da</strong> Lei 6969.<br />

Usucapião de bens móveis<br />

Ordinária: (Art. 1.260): Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua<br />

e incontesta<strong>da</strong>mente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á<br />

a proprie<strong>da</strong>de.<br />

Extraordinária: (Art. 1.261): Se a posse <strong>da</strong> coisa móvel se prolongar por<br />

cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.<br />

—<br />

FGV DIREITO RIO 56


Usucapião tabular<br />

Art. 214, §5º, <strong>da</strong> Lei 6015/73: ver<strong>da</strong>deira mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de usucapião?<br />

Efeitos retroativos do usucapião tabular.<br />

CASO GERADOR 1<br />

Extrato de reportagem do “Jornal do Brasil”, de 14.01.2001.<br />

“Brasileiro disputa terras <strong>da</strong> Barra com libanês e chinês.<br />

Área de 10 milhões de metros quadrados, na Barra <strong>da</strong> Tijuca, tem um<br />

terceiro pretendente, Wilson Figueiredo, 64 anos, munido de certidão <strong>da</strong> 11ª<br />

Vara de Órfãos e Sucessões, disputa com o chinês Tjong Hiong Oei e com<br />

o libanês Mohamad Ismail El Samad terras equivalentes a 1.000 campos do<br />

Maracanã.”<br />

Além desse processo, o Sr. Tjong é autor de mais de vinte ações questionando<br />

a titulari<strong>da</strong>de de extensas áreas na Barra <strong>da</strong> Tijuca — RJ. Se ele tiver<br />

razão, poderiam os moradores dessas áreas se socorrer de alguma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />

de usucapião?<br />

CASO GERADOR 2<br />

“COMARCA DE OLINDA, VARA DA FAZENDA PÚBLICA<br />

Processo nº 2003.008384-4<br />

*S E N T E N Ç A*<br />

A ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA MANCHETE, pessoa<br />

jurídica de direito privado, conforme Certidão de Personali<strong>da</strong>de Jurídica de fl s.<br />

14, instituição civil sem fi ns lucrativos, nesta Comarca sedia<strong>da</strong>, por seu Presidente<br />

(Ata de Fun<strong>da</strong>ção, Eleição e Posse de fl s. 16 a 21), no exercício de suas<br />

atribuições estatutárias e através dos Advogados bastante constituídos, com fulcro<br />

no Art. 10 c/c o Art. 12, III, <strong>da</strong> Lei nº 10.257/2001, ingressou neste juízo com a<br />

presente Ação de Usucapião Especial Coletivo de uma Gleba Urbana com área de<br />

92.738,00 m² (noventa e dois mil, setecentos e trinta e oito metros quadrados),<br />

localiza<strong>da</strong> no Bairro de Ouro Preto, Olin<strong>da</strong>/PE, inscrita no Registro de Imóveis<br />

em nome <strong>da</strong> empresa Novolin<strong>da</strong>/Construtora e Incorporadora SA, CGC/MF nº<br />

11.223.781/0001-08, e de uma área de 15.574 m² (quinze mil, quinhentos e<br />

setenta e quatro metros quadrados), localiza<strong>da</strong> no Bairro de Jardim Brasil II, de<br />

proprie<strong>da</strong>de desconheci<strong>da</strong>, conforme os limites e confrontações que especifi ca às fl s.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 57


04 a 08, na totali<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong> de um assentamento subnormal com construções<br />

residenciais edifi ca<strong>da</strong>s sem planejamento, se prestando, especifi ca<strong>da</strong>mente, a<br />

moradias para pessoas de baixa ren<strong>da</strong>.<br />

Aduz que a Vila Manchete, como é conheci<strong>da</strong> a área há muito edifi ca<strong>da</strong>, não<br />

se distingue por qualquer obra de infra-estrutura e não é dota<strong>da</strong> de qualquer<br />

equipamento urbano, linhas regulares de coletivos, postos de concessionárias do<br />

serviço público, correios, delegacias ou postos de segurança comunitária. Assevera<br />

que a população <strong>da</strong> Vila Manchete, a qual representa, ocupa as irregulares artérias<br />

há mais de quinze anos, inicia<strong>da</strong> que foi — a ocupação — nos idos dos anos<br />

80, de forma pacífi ca e sem oposição de ninguém, não possuindo os moradores ora<br />

REPRESENTADOS — CONFORME Relação Ca<strong>da</strong>stro de Moradores Associados<br />

de fl s. 36 a 64 qualquer outro bem imóvel, preenchendo, assim, os requisitos<br />

do Usucapião Especial. Diz <strong>da</strong> existência do Programa Habitar-Brasil-BID, que<br />

contempla comuni<strong>da</strong>des carentes, e dos esforços dos Poderes Executivos Federal, do<br />

Estado de Pernambuco e do Município de Olin<strong>da</strong> no sentido de aquinhoar a comuni<strong>da</strong>de<br />

com instrumentos de infra-estrutura para proporcionar aos moradores<br />

condições dignas de vi<strong>da</strong>, o que reclama, para a obtenção dos benefícios dos recursos<br />

fi nanceiros, a titulari<strong>da</strong>de dos imóveis pelos ocupantes <strong>da</strong> área contempla<strong>da</strong>,<br />

razão <strong>da</strong> presente deman<strong>da</strong> judicial.<br />

Juntando os documentos e plantas de fl s. 14 e 66, nota<strong>da</strong>mente o Ca<strong>da</strong>stro de<br />

Moradores de fl s. 36 a 64, pugnou pela criação <strong>da</strong> empresa requeri<strong>da</strong> e dos interessados<br />

incertos e desconhecidos, pela notifi cação <strong>da</strong>s Fazen<strong>da</strong>s Federal, Estadual<br />

e Municipal, pela intervenção do Ministério público, pela produção <strong>da</strong>s provas e,<br />

a fi nal, pela procedência do pedido, determinando-se, por Carta de Sentença, ao<br />

Ofício do Regimento de Imóveis que proce<strong>da</strong> ao assentamento, em áreas iguais de<br />

80.00 m² (oitenta metros quadrados), a favor dos seus associados nominados no<br />

Ca<strong>da</strong>stro referido.<br />

Como sabemos a popular Vila Manchete, ver<strong>da</strong>deiro aglomerado ao derredor<br />

<strong>da</strong> torre de transmissão <strong>da</strong> Rede Manchete de Televisão lá instala<strong>da</strong>, é constituí<strong>da</strong><br />

quase que absolutamente de construções disformes, irregulares e às vezes sobrepostas,<br />

servi<strong>da</strong>s por estreitas ruelas becos muito estreitos, que se entrelaçam em seus<br />

fugidios e sinuosos traçados, sendo extremamente difícil descrever-se em memorial<br />

o casebre e suas limitações e vinculá-lo ao seu possuidor, tudo a reclamar intervenção<br />

do poder público para que se dê aos seus moradores, todos de baixíssima ren<strong>da</strong>,<br />

condições mais dignas de vivência, nota<strong>da</strong>mente o remanejamento dos paupérrimos<br />

para residências novas e a disponibilização de creche e centro comunitário<br />

e desportivo, tudo sob comando <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de condominial que se instalará e sob<br />

os auspícios do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Os nomes <strong>da</strong>s ruelas<br />

e a numeração <strong>da</strong>s moradias — quase inúteis, pois não há serviços dos correios<br />

— foram escolhidos ao alvedrio dos ocupantes, sem ostentar nem mesmo uma ordenação<br />

lógica, embora haja fornecimento de energia elétrica e extensões de bicos<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 58


de fornecimento de água, além de uma escola, no bairro vizinho, conheci<strong>da</strong> como<br />

“Centro Embrião”.<br />

Os imóveis não se acham gravados de hipoteca nem sob fi nanciamento público,<br />

conforme deixou claro a Caixa Econômica Federal, que encampou o Sistema<br />

Financeiro de Habitação, o que faz desmoronar a tese <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de<br />

deferimento pela ocorrência de crime de esbulho possessório nos termos do Art. 9º<br />

<strong>da</strong> Lei nº 5.741 71.<br />

Os associados nominados às fl s. 36 a 64 e que constam <strong>da</strong> Certidão de fl s.<br />

161 a 170, demonstram quantum satis, quer pela prova documental quer pela<br />

testemunhal, que exerceram e exercem a posse sobre a gleba e área individualiza<strong>da</strong>s<br />

na inicial, nelas residindo com suas famílias, de forma contínua e pacífi ca,<br />

por todos aqueles anos, não bastassem os precários títulos que alguns exibem, e<br />

que não são proprietários de um imóvel, positivando o atendimento de todos os<br />

requisitos <strong>da</strong> usucapião especial constitucional. De outro lado, a alegação <strong>da</strong> ré de<br />

que a posse dos moradores <strong>da</strong> Vila Manchete é ilegítima, ou que provém de atos<br />

de raposia, não encontra qualquer respaldo nos autos, sendo pública e notória a<br />

existência <strong>da</strong>quela comuni<strong>da</strong>de naquelas terras desde o ano de 1980, consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

a Vila, com a precária infra-estrutura que exibe, pela inércia ou aquiescência dos<br />

proprietários <strong>da</strong>s glebas.<br />

A inexistência de contrarie<strong>da</strong>de de eventuais interessados, dita contumácia,<br />

tem efeitos reforçados no vigente sistema do Código Adjetivo Civil, pois “se o réu<br />

não contestar a ação, reputar-se-ão ver<strong>da</strong>deiros os fatos afi rmados pelo autor”. A<br />

Fazen<strong>da</strong> Pública Municipal, devi<strong>da</strong>mente alerta<strong>da</strong>, demonstrou seu interesse no<br />

feito, na quali<strong>da</strong>de de senhorio direto <strong>da</strong>s terras, não pondo óbice à aquisição do<br />

domínio útil, invocando a Carta Foral de 1.537 — o texto faz parte do acervo<br />

histórico do nosso município — aquela que o então Governador Duarte Coelho,<br />

donatário <strong>da</strong> Capitania de Pernambuco ou Nova Lusitânia, deu e doou a esta<br />

sua Vila de Olin<strong>da</strong>, para o seu serviço e de todo o seu povo, moradores e povoadores”,<br />

”as cousas” que elenca — os montes e seus assentos, a ribeira do mar, to<strong>da</strong>s<br />

as fontes, todos os mangues, os varadouros — e vai por ele assina<strong>da</strong> em 12 de<br />

março de 1.537, devi<strong>da</strong>mente ”confi rma<strong>da</strong> por Provisão Régia de sua Majestade<br />

de 14 de julho de 1678”, cujo registro consta no Cartório de Imóveis de Olin<strong>da</strong>,<br />

no Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento e à fl s. 161 a 169 do Cartório do<br />

Primeiro Registro Geral de Imóveis de Olin<strong>da</strong> PE, <strong>da</strong>tado de 27 de outubro de<br />

1919. Questiona<strong>da</strong>, obteve a Carta Foral referi<strong>da</strong> incontáveis decisões favoráveis<br />

à sua pertinência e legali<strong>da</strong>de, já que o direito real que consubstancia foi ”originário<br />

de uma doação váli<strong>da</strong> do nobre Duarte Coelho, chancela<strong>da</strong> pelo Rei — de<br />

quem emanava, à época, a lei” (Dr. Artur Barbosa Maciel-Juiz Federal <strong>da</strong> 1ª<br />

Vara Pernambuco Processo Tombo 167 70). Em suma como asseverou a ilustre<br />

Promotoria de Justiça em seu judicioso Parecer: ”Consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> esta a compreensão<br />

de que a proprie<strong>da</strong>de sem função social não tem o status que antes lhe atribuía,<br />

criando o Estado meios de retirar-lhe do meio social quando não cumpra o seu<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 59


essencial caráter, destinando-a a um fi m de utili<strong>da</strong>de social, criando mecanismos<br />

que permitam a inserção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de como utili<strong>da</strong>de à comuni<strong>da</strong>de. Dentro<br />

destes meios é que vem se inserir a presente ação de usucapião coletivo”.<br />

Foram as Fazen<strong>da</strong> Públicas notifi ca<strong>da</strong>s (fl s. 74 a 76, 81, 82 e 85). A Fazen<strong>da</strong><br />

Federal manifestou seu desinteresse no feito (fl s. 95/96). A Fazen<strong>da</strong> Estadual<br />

manteve-se silente (fl s. 176). A Fazen<strong>da</strong> Municipal asseverou ser a área a usucapir<br />

grava<strong>da</strong> de enfi teuse ao Município de Olin<strong>da</strong>/PE, em razão <strong>da</strong> Carta Foral do<br />

ano de 1.537, na<strong>da</strong> opondo ao deferimento parcial do pedido, conferindo-se aos<br />

associados <strong>da</strong> autora apenas o usucapião do domínio útil (fl s. 90/91).<br />

Citados, os interessados incertos e desconhecidos não ofereceram resposta (fl s. 78<br />

e 176). Cita<strong>da</strong>, a empresa Novolin<strong>da</strong> Construtora e Incorporadora SA ofereceu<br />

Contestação (fl s. 100 a 102 e 104 a 110), arguindo, em preliminar, a nuli<strong>da</strong>de<br />

de citação, que foi devi<strong>da</strong>mente rechaça<strong>da</strong> (fl s. 113). No mérito, asseverou ser<br />

impossível o pedido, por estar à área grava<strong>da</strong> de hipoteca “em favor de instituição<br />

vincula<strong>da</strong> ao Sistema Financeiro de Habitação”, caracterizando-se crime o seu<br />

esbulho possessório; que o dispositivo legal invocado no exórdio só pode ser aplicado<br />

quando impossível identifi car os terrenos ocupados por ca<strong>da</strong> possuidor; que os<br />

“invasores” não fi zeram prova de não possuírem outro imóvel; e que a posse dos<br />

“invasores” nunca foi de boa-fé. Por tal, pugnou pela improcedência do pedido.<br />

(...)<br />

Relatados, decido.<br />

Somente as pessoas capazes de alienar e adquirir podem usucapir a proprie<strong>da</strong>de<br />

ou outro direito real, sejam elas físicas ou jurídicas. A pessoa jurídica associativa<br />

regularmente cria<strong>da</strong> reside em juízo, em representação de todos os seus afi liados,<br />

por quem o respectivo estatuto designar ou por seus diretores (Art. 17, do Código<br />

Civil), cujos atos dizem respeito ao agrupamento de associados, primando-se pela<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que os une em busca de um objetivo comum, desde que /”determinado,<br />

lícito e possível”/. Neste sentido, nos termos do Art. 12, III, <strong>da</strong> Lei nº<br />

10.257/01, é que vem a Associação dos Moradores <strong>da</strong> Vila Manchete, na quali<strong>da</strong>de<br />

de substituto processual, por seu presidente, perseguir em juízo o usucapião<br />

coletivo <strong>da</strong>s áreas descritas na exordial e delimita<strong>da</strong>s nas Plantas de fl s. 34 e 35.<br />

O usucapião é forma originária de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, ou de direitos<br />

reais susceptíveis de apropriação material, através <strong>da</strong> posse continua<strong>da</strong>, durante<br />

certo espaço de tempo, com a observância dos requisitos em lei estabelecidos. Em<br />

razão do decurso do prazo, que gera um direito em favor <strong>da</strong>quele que tem a posse<br />

<strong>da</strong> coisa e extingue o direito de ação do até então titular para reavê-la, é que se<br />

diz ter ocorrido, em relação àquele, a prescrição aquisitiva e, em relação a este,<br />

a prescrição extintiva. Os demais direitos reais susceptíveis de ser adquiridos por<br />

usucapião são o usufruto, o uso, a habitação, as servidões e a enfi teuse, este último<br />

— ain<strong>da</strong> no regime do revogado Código Civil de 1.916 — quando, por ato entre<br />

vivo ou disposição de última vontade, o proprietário atribuía a outrem o domínio<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 60


útil do imóvel, pagando o enfi teuta, a partir de então, uma pensão anual, dito<br />

foro, ao titular do domínio direto, o senhorio. A propósito, cito:<br />

/”Usucapião. Imóvel foreiro. Possibili<strong>da</strong>de de se usucapir o domínio útil. A<br />

existência <strong>da</strong> enfi teuse ou do aforamento não constituiria obstáculo ao usucapião,<br />

como bem sustentou a douta Procuradoria Geral de Justiça, desde que o domínio<br />

útil, sendo alienável, também poderia ser objeto de usucapião em razão de posse<br />

contínua e incontesta<strong>da</strong> pelo prazo fi xado na lei substantiva/”. (TJSP — 1ª CC,<br />

Ac. Unân. Ap. 87.598-1, Rel. Des. Moretzsohn de Castro).<br />

Atualmente, com a vigência <strong>da</strong> atual Constituição Republicana, tem-se destacado<br />

mais o cunho social do instituto do usucapião, através do qual — como se<br />

lhe colhe em inúmeras decisões judiciais — pode-se atingir o bem comum, pois à<br />

coletivi<strong>da</strong>de interessa que se dê à coisa usucapien<strong>da</strong> o uso a ela mais adequado,<br />

seja mediante o cultivo <strong>da</strong> terra ou sua utilização como mora<strong>da</strong>, cumprindo a<br />

proprie<strong>da</strong>de imóvel, assim, aquela função social a que se reporta o texto constitucional<br />

(Art. 170, III, e 5º, XXIII).<br />

Neste diapasão, visando fi xar o pequeno lavrador no campo, bem como atenuar<br />

os graves problemas habitacionais enfrentados pelas pessoas de poucos recursos<br />

dentro dos grandes centros urbanos, instituiu o legislador constitucional (Art.<br />

183, /caput/)/, literes: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos<br />

e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,<br />

utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,<br />

desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. /Tal dispositivo<br />

foi regulamentado pelo Art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.257/2001, que estabeleceu diretrizes<br />

de política urbana, repetindo aquele dispositivo <strong>da</strong> lei maior.<br />

Portanto são requisitos indispensáveis à consumação do usucapião nestes autos<br />

postulado, além <strong>da</strong> posse mansa e pacífi ca, exerci<strong>da</strong> após simples ocupação, por<br />

mais de cinco anos, que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel rural<br />

ou urbano, que to<strong>da</strong> a área usucapien<strong>da</strong> ultrapasse os 250m2 (duzentos e cinquenta<br />

metros quadrados) e que os ocupantes e/ou sua famílias, todos de baixa<br />

ren<strong>da</strong>, tenham no imóvel fi xado residência.<br />

Da exegese dos textos regulamentadores exsurge clara a intenção do legislador<br />

de estabelecer, na hipótese do Art. 10 e seus parágrafos, um condomínio especial<br />

indivisível, administrado pela maioria dos votos dos condôminos aquinhoados,<br />

pela decisão judicial, com uma fração ideal de todo o terreno usucapido, uma vez<br />

impossível a identifi cação e particularização dos espaços ocupados por ca<strong>da</strong> possuidor,<br />

como acontece nas aglomerações de casebres e comuni<strong>da</strong>des carentes outras,<br />

que crescem desordena<strong>da</strong>mente tanto no sentido horizontal como no vertical.<br />

Com estes fun<strong>da</strong>mentos de fato e de direito, julgo procedente em parte o pedido<br />

nestes autos formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA<br />

MANCHETE, para declarar apenas o domínio útil dos seus associados, aqueles<br />

elencados no Ca<strong>da</strong>stro de fl s. 36 a 64 e concomitantemente na Certidão de fl s.<br />

161 a 170v, sobre a gleba e área descritas na exordial e delimita<strong>da</strong> conforme as<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 61


plantas de fl s. 34 e 35, atribuindo a ca<strong>da</strong> um deles, como requerido, a fração ideal<br />

de 80,00m² (oitenta metros quadrados), destinando o remanescente <strong>da</strong>s áreas<br />

aos logradouros públicos, praças, postos de saúde e de segurança, escola, creche,<br />

centro comunitário e desportivo e demais obras de infra-estrutura, servindo esta<br />

Sentença de título hábil para a transcrição no Registro Geral de Imóveis e para a<br />

constituição do Condomínio Especial, acompanha<strong>da</strong> dos competentes Man<strong>da</strong>dos,<br />

como também para se fi rmar Termo de Aforamento perante a Prefeitura Municipal<br />

de Olin<strong>da</strong>/PE.<br />

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.<br />

Transita<strong>da</strong> em julgado e expedidos os man<strong>da</strong>dos, vão ao arquivo, com anotações<br />

de praxe baixa na distribuição.<br />

Olin<strong>da</strong>, PE, 31 de maio de 2005<br />

Elson Zopollaro Machado<br />

Juiz de <strong>Direito</strong>”<br />

Há inconvenientes e vantagens no regime <strong>da</strong> usucapião coletiva do Estatuto<br />

<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de?<br />

DECISÃO(ÕES).<br />

INFORMATIVO:N°0385<br />

PERÍODO: 2 A 6 DE MARÇO DE 2009<br />

USUCAPIÃO. IMÓVEL. REDE FERROVIÁRIA.<br />

Cinge-se a matéria à viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> propositura de ação de usucapião de<br />

bem imóvel pertencente à rede ferroviária. O Min. Relator entendia que,<br />

uma vez desativa<strong>da</strong> a via férrea e, consequentemente, afastado o bem de sua<br />

destinação de interesse público, o imóvel perdeu o caráter especial, motivo<br />

pelo qual passou a ter natureza de bem particular pertencente à socie<strong>da</strong>de de<br />

economia mista, portanto passível de usucapião. Mas o Min. Carlos Fernando<br />

Mathias (Juiz convocado do TRF <strong>da</strong> 1ª Região), discor<strong>da</strong>ndo do Min.<br />

Relator, entendeu tratar-se de bem incluído entre os <strong>da</strong> União, conforme<br />

o art. 1º do DL n. 9.760/1946. Além de também mencionar as Leis ns.<br />

3.115/1957 e 6.428/1977, ressaltou que a recente Lei n. 11.483/2007, com<br />

a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> ao inciso II do art. 2º pela Lei n. 11.772/2008, dispôs que<br />

os bens imóveis <strong>da</strong> extinta RFFSA fi cam transferidos para a União. Diante<br />

disso, a Turma, por maioria, conheceu do recurso <strong>da</strong> União e lhe deu provimento.<br />

REsp 242.073-SC, Rel. originário Luis Felipe Salomão, Rel. para<br />

acórdão Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF <strong>da</strong> 1ª Região),<br />

julgado em 5/3/2009.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 62


AULA 11: SOLUÇÕES PARA A AUSÊNCIA DE REGISTRO.<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Regularização fundiária. Moradia, proprie<strong>da</strong>de e ordenação urbana. Acesso<br />

à moradia e direito à ci<strong>da</strong>de.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

SAULE JR., Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Cap.<br />

2. Ed. Sérgio Antônio Fabris.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

RAMOS, Maria Helena de (Org.). Metamorfoses sociais e políticas urbanas.<br />

Textos 6, 7 e 8.<br />

LEAL, Rogério Gesta. Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Cap. 2.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

MORADIA E DIREITO À CIDADE<br />

A proteção constitucional do direito à moradia, incorpora<strong>da</strong> no art. 6º <strong>da</strong><br />

Constituição em razão <strong>da</strong> EC nº 26/2000, tem ain<strong>da</strong> os efeitos, do ponto de<br />

vista <strong>da</strong> efi cácia direta, altamente discutíveis. Uma questão já vista diz respeito<br />

ao julgamento, pelo STF, <strong>da</strong> proteção do bem de família do fi ador. Outra<br />

questão, mais candente e de constatação mais simples, refere-se à utilização<br />

<strong>da</strong> proteção constitucional à moradia como fun<strong>da</strong>mento para a implementação<br />

de políticas urbanas, em especial a regularização fundiária.<br />

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA<br />

Cientes dos problemas registrais enfrentados no Brasil e a par <strong>da</strong> proposição<br />

de novos modelos, é necessário conhecer os programas de regularização<br />

já implantados, de modo que se compreen<strong>da</strong>m as possibili<strong>da</strong>des imediatas de<br />

solução de problemas já tenta<strong>da</strong>s.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 63


MODALIDADES DE SOLUÇÕES<br />

— Concessão de direito real de uso (o estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e seus instrumentos,<br />

MP 2.220, MP 2.92).<br />

— Concessão especial para fi ns de moradia<br />

— Superfície<br />

— Usucapião coletivo<br />

— Cessão de aforamento gratuito<br />

PROCEDIMENTOS JUDICIAIS<br />

— Ações possessórias<br />

— Ações dominiais<br />

— Ação de usucapião<br />

— Ação publiciana<br />

CASO GERADOR<br />

“ESTADO DE SANTA CATARINA. PODER JUDICIÁRIO<br />

Autos n°<br />

“A decadência de uma socie<strong>da</strong>de começa quando o homem pergunta a si<br />

próprio: ‘o que irá acontecer?’ em vez de inquirir: ‘o que posso fazer?’” (Denis<br />

de Rougemont, escritor suíço — arguto defensor <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de européia e<br />

estudioso <strong>da</strong> ocidentali<strong>da</strong>de).<br />

VISTOS, ETC.<br />

Trata-se de pedido de declaração de domínio com fulcro no art. 5º, XXII<br />

e XXIII <strong>da</strong> Constituição Federal, e artigo 10 do Provimento 37/99 <strong>da</strong> Corregedoria<br />

Geral <strong>da</strong> Justiça, formulado por MAIS DE 60 OCUPANTES, domiciliados<br />

no Bairro Vila Rica, ci<strong>da</strong>de de Chapecó-SC. Em síntese, esclarecem<br />

que são possuidores de uma área de terras com 146.209,57 m 2 há mais de<br />

20 anos sem interrupção nem oposição, sita no Bairro Vila Rica, com as<br />

confrontações noticia<strong>da</strong>s à fl . 06. Que dita área não se encontra transcrita no<br />

Ofício Imobiliário, porém é certo que tem origem em uma área de cerca de<br />

224.520 m 2 que pertencia ao casal Adelina Correia de Jesus e Estevão Machado<br />

de Jesus e registra<strong>da</strong> sob nº 1809, sendo que com o falecimento de Adelina<br />

ocorrido em 16/09/1930 realizou-se inventário julgado em 22/10/1931,<br />

com o que o viúvo meeiro Estevão passou a deter 50% <strong>da</strong> área (122.260) que<br />

foi registra<strong>da</strong> no Ofício Imobiliário sob nº 4.837, e os outros 50% couberam<br />

aos fi lhos do casal que, porém, não registraram e sequer a ca<strong>da</strong>straram no<br />

INCRA, sendo que não se têm mais notícias de seus paradeiros. Que ca<strong>da</strong><br />

herdeiro passou a vender seu quinhão hereditário de forma desordena<strong>da</strong> atra-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 64


vés de contratos particulares, com o que se originou o Loteamento Vila Rica,<br />

onde atualmente residem cerca de 140 famílias em condição irregular há déca<strong>da</strong>s,<br />

com posse de mais de 20 anos, em situação consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> e irreversível.<br />

Que desde a povoação do Vila Rica o poder público municipal vem desenvolvendo<br />

programas sócio-educativos e no ano de 1997 iniciou o programa de<br />

regularização fundiária (posto que sequer no mapa <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era localiza<strong>da</strong> a<br />

Vila Rica, não haviam ruas, nem infra-estrutura básica nem registro <strong>da</strong> área),<br />

com o que foi contratado serviço de agrimensura, abertas ruas, implementa<strong>da</strong><br />

a infra-estrutura necessária e aprovado o projeto de Loteamento pela Câmara<br />

de Vereadores. Faltou, porém, a declaração de domínio. O Município de<br />

Chapecó ingressou perante este Juízo com pedido de registro de Loteamento,<br />

julgado nos autos 018.00.003393-3, no qual determinou-se o registro junto<br />

ao CRI sob nº 59.593. O que se busca, aqui, é a declaração de domínio a<br />

ca<strong>da</strong> um dos proprietários de ca<strong>da</strong> lote do Vila Rica, ou seja, a titulação para<br />

o pleno e adequado exercício <strong>da</strong> posse.<br />

Pedem a gratui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Justiça.<br />

Juntam documentos às fl s. 22/992.<br />

Recebi<strong>da</strong> a inicial (fl . 994), sobreveio a manifestação do<br />

Ministério Público às fl s. 995/996.<br />

DECIDO.<br />

Merece imediata apreciação o pedido, vez que a matéria ventila<strong>da</strong> nos<br />

autos (seu objeto) é estritamente de direito, descabendo dilação probatória.<br />

Muito embora a manifestação contrária do digno e diligente Promotor de<br />

Justiça, Dr. Rafael de Moraes Lima, exara<strong>da</strong> às fl s. 995/996, tenho mereça<br />

deferimento o pedido. Convém destacar que o “Loteamento Vila Rica” somente<br />

surgiu “de direito” após aprova<strong>da</strong> pela Câmara Municipal de Vereadores<br />

de Chapecó a Lei nº 4.026/99 e Lei Complementar nº 86/99, com base<br />

na qual (e considerando todo o histórico <strong>da</strong>quela comuni<strong>da</strong>de) este Juízo<br />

houve por bem deferir o pedido de registro do dito Loteamento, pedido<br />

formulado pelo próprio Município de Chapecó nos autos 018.00.003393-3.<br />

Eis que assim nasceu o “Vila Rica” (muito embora, de fato, exista há várias<br />

déca<strong>da</strong>s). Importa ressaltar também que no processo antes referido o Município<br />

de Chapecó esclarece que o Loteamento constituiu-se pelos próprios<br />

ci<strong>da</strong>dãos que ocupam a área há mais de 30 anos, e que tão-somente investiu<br />

na melhoria <strong>da</strong>s condições sanitárias e ambientais gerais <strong>da</strong> população que<br />

lá reside em condições precaríssimas e onde se registrava o maior índice se<br />

mortali<strong>da</strong>de infantil do município. Lá esclareceu o Município que para tanto<br />

“foram gastos com serviços de agrimensura, implantação de infra-estrutura<br />

básica, construção de 78 kits sanitários, estação de tratamento de efl uentes<br />

e construção de 14 casas para relocar famílias de áreas de risco, cerca de<br />

R$ 170.000,00 provenientes de recursos próprios e do Orçamento Geral<br />

<strong>da</strong> União, sendo que os projetos passaram pela aprovação e fi scalização dos<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 65


órgãos municipais, estaduais e federais competentes”. Que a questão ambiental<br />

tem sido trata<strong>da</strong> com serie<strong>da</strong>de pela equipe de regularização fundiária,<br />

inclusive abrangendo educação ambiental em projetos articulados entre o<br />

Município, escola e comuni<strong>da</strong>de. O direito à proprie<strong>da</strong>de é garantia constitucional,<br />

consoante dita o artigo 5º, XXII com a ressalva do inciso XXIII: “A<br />

proprie<strong>da</strong>de atenderá a sua função social”. Nesta perspectiva, nosso Tribunal<br />

de Justiça, através <strong>da</strong> Corregedoria-Geral, em visão humanista extraordinária<br />

editou o Provimento nº 37/99 que “Institui o Projeto ‘Lar Legal’, objetivando<br />

a regularização do parcelamento (loteamento e desmembramento) do solo<br />

urbano”, que, em seus vários e irrespondíveis considerandos, dispõe: a inviolabili<strong>da</strong>de<br />

do direito à proprie<strong>da</strong>de merece ser dimensiona<strong>da</strong> em harmonia<br />

com o princípio de sua função social; a função do <strong>Direito</strong> não se restringe à<br />

solução de confl itos de interesse e busca de segurança jurídica, mas em criar<br />

condições para a valorização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e promover a justiça social; as leis<br />

visam a proteção dos adquirentes de imóveis; a Constituição Federal não<br />

garante apenas o acesso à posse, mas a decorrente e imprescindível titulação;<br />

que os fracionamentos, mesmo quando não planejados ou autorizados administrativamente,<br />

geram em muitas hipóteses fatos consoli<strong>da</strong>dos e irreversíveis;<br />

o art. 18, § 4º, <strong>da</strong> Lei 6.766/79 dispensa o título de proprie<strong>da</strong>de para<br />

efeito de registro do parcelamento, que pode inclusive ser posteriormente<br />

justifi cado em juízo; que eventual irregulari<strong>da</strong>de no registro pode ser alvo de<br />

ação própria para fi ns de anulação, em processo contencioso (art. 216 <strong>da</strong> Lei<br />

6.015/73); que os municípios necessitam regularizar a ocupação <strong>da</strong>s áreas<br />

situa<strong>da</strong>s em seu perímetro urbano ou periferia, preservando o meio ambiente,<br />

e permitindo a realização de obras de infra-estrutura compatíveis com as<br />

exigências <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana. Este provimento regulou o procedimento<br />

a ser adotado, de forma simplifi ca<strong>da</strong>, permitindo o registro, especialmente<br />

em situações consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, estas que defi ne como “aquelas em que o prazo<br />

de ocupação <strong>da</strong> área, a natureza <strong>da</strong>s edifi cações existentes, a localização <strong>da</strong>s<br />

vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis,<br />

urbanos ou comunitárias, dentre outras situações peculiares, indique a irreversibili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> posse titula<strong>da</strong> que induza ao domínio” (§ 1º do art. 3º, do<br />

Provimento). Para estabelecer no § 2º que “Na aferição <strong>da</strong> situação jurídica<br />

consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>, valorizar-se-ão quaisquer documentos provenientes do Poder<br />

Público, em especial o Município”. Encontra-se nos autos a prova do registro<br />

do Loteamento, com suas descrições e características (fl s. 39/47; matrícula<br />

59.593), onde se constata inclusive a reserva de área de ruas (27.944,55) e de<br />

área institucional (6.546,01). Vide, a propósito, fl . 39. [...] Neste momento,<br />

o Judiciário não pode abrir mão do dever que emana de seu poder, atuando<br />

com desassombro, em intervenção consciente (como menciona Mario Sérgio<br />

Cortella, fi lósofo, professor PUC/SP) sem o sorrateiro entorpecimento que<br />

acomete a muitos e que aniquila pouco a pouco a capaci<strong>da</strong>de de reagir e<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 66


apontar como fora de lugar muitas coisas que parecem encaixar-se, sem arestas,<br />

na vi<strong>da</strong> cotidiana e que precisam ser fortemente rejeita<strong>da</strong>s, de modo que<br />

esta não dê lugar ao abatimento que apenas aguar<strong>da</strong>, em vez de buscar provocar<br />

resultados. Lembro aqui de Fernando Pessoa, para o qual “na véspera de<br />

não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas”. Tratemos o <strong>Direito</strong><br />

com esperança, porém como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode<br />

confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar.<br />

Aliás, uma <strong>da</strong>s coisas mais perniciosas que temos neste momento é o apodrecimento<br />

<strong>da</strong> esperança; em várias situações, as pessoas acham que não há mais<br />

jeito, que não há alternativa, que a vi<strong>da</strong> é assim mesmo... violência? O que<br />

posso fazer? Espero que termine... Desemprego? O que posso fazer? Espero<br />

que resolvam... Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam... Corrupção?<br />

O que posso fazer? Espero que liquidem... Isso não é esperança, é espera.<br />

Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar<br />

é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com<br />

outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo<br />

todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças. A propósito: “A simples<br />

consciência do alcance <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de jurisdicional como que habilita o magistrado<br />

a promover mu<strong>da</strong>nças, de modo a ensejar o avanço social necessário a<br />

que o País mude de fi sionomia. O juiz há de ser um ver<strong>da</strong>deiro alquimista,<br />

atualizando, ao aplicar a lei, os textos normativos, sem no entanto, colocá-los<br />

em segundo plano. Costumo ressaltar que, sendo as leis elabora<strong>da</strong>s para proporcionar<br />

o bem comum, o magistrado, diante de um confl ito de interesses,<br />

deve idealizar, em primeiro lugar, a solução mais justa e somente após ir à<br />

dogmática para buscar o respaldo indispensável a torná-la prevalecente. Ao<br />

adotar essa postura, realiza a almeja<strong>da</strong> justiça e, aí, atende aos anseios sociais”<br />

(Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, Presidente do Supremo Tribunal<br />

Federal — in “Jornal do Magistrado”, Julho/Agosto/2001, nº 65, p. 10).<br />

Dito isto, e fulcrado na lição de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia trazi<strong>da</strong> ao mundo jurídico pelo<br />

Provimento 37/99 e nos incisos XXII e XXIII do artigo 5º <strong>da</strong> Constituição<br />

<strong>da</strong> República Federativa do Brasil, DEFIRO O PEDIDO INICIAL, para<br />

que se extraia em favor dos requerentes Carta de Sentença que lhes permita<br />

a transcrição imobiliária nos exatos termos de fl s. 08/17, devendo o Ofício<br />

Imobiliário promover a abertura de matrícula individualiza<strong>da</strong> para ca<strong>da</strong> um<br />

dos lotes em questão, evitando assim condomínio indesejado. A teor do que<br />

dispõe o artigo 14 do Provimento 37/99, ressalvo que o máximo dos emolumentos<br />

a ser cobrado pela abertura <strong>da</strong> matrícula e o primeiro registro será de<br />

R$ 20,00 (vinte reais), e que na forma do artigo 15 do mesmo Provimento<br />

fi ca dispensado o recolhimento de valor ao Fundo de Reaparelhamento <strong>da</strong><br />

Justiça.<br />

Sem custas, porquanto defi ro a gratui<strong>da</strong>de.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 67


Ofi cie-se, para conhecimento, à secretaria de habitação do município, inclusive<br />

para que promova as anotações necessárias junto ao setor de ca<strong>da</strong>stro<br />

de imóveis do município (com o ofício, cópia desta sentença e de fl s. 08/17).<br />

P.R.I.<br />

Chapecó, 15 de Novembro de 2001.<br />

Selso de Oliveira<br />

Juiz de <strong>Direito</strong>”<br />

Pode ser reconhecido judicialmente o pedido de regularização sem que haja<br />

suporte legislativo para tanto? E as normas aplicáveis à usucapião coletiva?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 68


AULA 12: ESTATUTO DA CIDADE<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Instrumentos de intervenção urbanística. Limitações<br />

à proprie<strong>da</strong>de e à ordenação urbana. Questões <strong>da</strong> ordenação urbana do Rio<br />

de Janeiro. LUPOS. Plano Diretor.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

CARDOSO, A<strong>da</strong>lto Lúcio. Reforma Urbana e planos diretores: avaliação <strong>da</strong><br />

experiência recente.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

SAULE, N. Efi cácia dos planos diretores. In: SILVA, Cátia Antônia <strong>da</strong> (Org).<br />

Metropole: governo, socie<strong>da</strong>de e território. Cap 7.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

ESTATUTO DA CIDADE<br />

O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, Lei nº 10.257/2001, traça políticas gerais para a<br />

ordenação do espaço urbano, <strong>da</strong>ndo cumprimento ao man<strong>da</strong>mento contido<br />

no art. 182 <strong>da</strong> Constituição. To<strong>da</strong>via, a aplicação dos instrumentos de<br />

intervenção urbanística 24 vem se mostrando pouco subsistente, por razões<br />

políticas e jurídicas.<br />

Texto: “Competências constitucionais dos entes federativos sobre a política urbana”<br />

O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de dispõe, no seu artigo 3°, as competências <strong>da</strong> União<br />

sobre a política urbana com base na repartição <strong>da</strong>s competências constitucionais<br />

sobre essa política atribuí<strong>da</strong> aos entes federativos. A Federação Brasileira<br />

tem como característica fun<strong>da</strong>mental a defi nição <strong>da</strong>s funções e dos deveres<br />

<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des federa<strong>da</strong>s, direcionados para assegurar os direitos e garantias<br />

fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s pessoas, por meio <strong>da</strong> implementação de políticas públicas<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

24 Art. 4º do Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de.<br />

FGV DIREITO RIO 69


que aten<strong>da</strong>m os objetivos fun<strong>da</strong>mentais de promover a justiça social, erradicar<br />

a pobreza e reduzir as desigual<strong>da</strong>des sociais, tornar plena a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a<br />

digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana. A Constituição tornou exigência a formação<br />

do sistema de normas de direito urbanístico, que deve ser composto pelas<br />

normas constitucionais referentes à política urbana, lei federal de desenvolvimento<br />

urbano, o conjunto de normas sobre a política urbana estabeleci<strong>da</strong>s<br />

nas Constituições dos Estados, lei estadual de política urbana e a legislação<br />

estadual urbanística, e o conjunto de normas municipais referentes à política<br />

urbana estabeleci<strong>da</strong>s nas Leis Orgânicas dos Municípios, no Plano Diretor<br />

e na legislação municipal urbanística. A União, de acordo com o artigo 21,<br />

inciso XX, tem a competência para estabelecer as diretrizes para a habitação,<br />

saneamento básico e transportes urbanos. Com base no artigo 24, inciso I, a<br />

União, no âmbito <strong>da</strong> competência concorrente sobre direito urbanístico, tem<br />

como atribuição estabelecer as normas gerais de direito urbanístico por meio<br />

<strong>da</strong> lei federal de desenvolvimento urbano. Essa lei deve conter as diretrizes de<br />

desenvolvimento urbano, os objetivos <strong>da</strong> política urbana nacional, a regulamentação<br />

dos artigos 182 e 183 <strong>da</strong> Constituição e instituir os instrumentos<br />

urbanísticos e o sistema de gestão desta política. A União tem ain<strong>da</strong> a competência<br />

privativa de acordo com o artigo 21, inciso IX <strong>da</strong> Constituição, para<br />

elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e<br />

de desenvolvimento econômico e social. De acordo com o § 4° do art. 182, a<br />

lei federal de desenvolvimento urbano é necessária para a regulamentação dos<br />

instrumentos urbanísticos do parcelamento ou edifi cação compulsórios, do<br />

imposto sobre a proprie<strong>da</strong>de predial e territorial urbanos progressivo no tempo,<br />

e a desapropriação para fi ns de reforma urbana; que devem ser aplicados<br />

pelo Município para garantir o cumprimento <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

urbana com base no Plano Diretor. O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de é a lei federal de<br />

desenvolvimento urbano exigi<strong>da</strong> constitucionalmente, que regulamenta os<br />

instrumentos de política urbana que devem ser aplicados pela União, Estados<br />

e especialmente pelos Municípios. Os Estados, com base na competência<br />

concorrente com a União, podem editar uma lei estadual de política urbana<br />

na ausência de lei federal. O Estado pode editar normas gerais de direito urbanístico,<br />

na ausência <strong>da</strong> lei federal visando a capacitar os Municípios para<br />

a execução <strong>da</strong> política urbana municipal. Essas normas gerais terão sua efi -<br />

cácia suspensa se fi carem em desacordo com as normas gerais estabeleci<strong>da</strong>s<br />

pela União por meio <strong>da</strong> lei federal de desenvolvimento urbano, com base no<br />

artigo 24, parágrafo 4º <strong>da</strong> Constituição. Os Estados podem editar uma lei<br />

estadual de política urbana, de modo a aplicar essas políticas de forma integra<strong>da</strong><br />

com seus Municípios. Aos Estados cabe instituir um sistema de política<br />

urbana metropolitana com organismos e instrumentos próprios, cuja política<br />

deve ser destina<strong>da</strong> em especial para as áreas metropolitanas. Com relação ao<br />

Município, a Constituição atribui a competência privativa para legislar sobre<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 70


assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no<br />

que couber, e de promover, no que couber adequado ordenamento territorial,<br />

mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e <strong>da</strong> ocupação do<br />

solo urbano, de acordo com o artigo 30, incisos I, II, e VIII. O Município,<br />

com base no artigo 182 e no princípio <strong>da</strong> preponderância do interesse, é o<br />

principal ente federativo responsável em promover a política urbana de modo<br />

a ordenar o pleno desenvolvimento <strong>da</strong>s funções sociais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, de garantir<br />

o bem-estar de seus habitantes e de garantir que a proprie<strong>da</strong>de urbana cumpra<br />

sua função social, de acordo com os critérios e instrumentos estabelecidos<br />

no Plano Diretor, defi nido constitucionalmente como o instrumento básico<br />

<strong>da</strong> política urbana. 25<br />

Como se pode imaginar há uma série de confl itos administrativos decorrentes<br />

dessa superposição de competências.<br />

Possíveis instrumentos de intervenção urbanística<br />

“Art. 4º. Para os fi ns desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:<br />

I — planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de<br />

desenvolvimento econômico e social;<br />

II — planejamento <strong>da</strong>s regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;<br />

III — planejamento municipal, em especial:<br />

a) plano diretor;<br />

b) disciplina do parcelamento, do uso e <strong>da</strong> ocupação do solo;<br />

c) zoneamento ambiental;<br />

d) plano plurianual;<br />

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;<br />

f) gestão orçamentária participativa;<br />

g) planos, programas e projetos setoriais;<br />

h) planos de desenvolvimento econômico e social;<br />

IV — institutos tributários e fi nanceiros:<br />

a) imposto sobre a proprie<strong>da</strong>de predial e territorial urbana — IPTU;<br />

b) contribuição de melhoria;<br />

c) incentivos e benefícios fi scais e fi nanceiros;<br />

V — institutos jurídicos e políticos:<br />

a) desapropriação;<br />

b) servidão administrativa;<br />

c) limitações administrativas;<br />

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;<br />

e) instituição de uni<strong>da</strong>des de conservação;<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

25 Retirado do Guia do Estatuto <strong>da</strong><br />

Ci<strong>da</strong>de, em http://www.ci<strong>da</strong>des.gov.<br />

br//index.php?option=content&task<br />

=category&id=590.<br />

FGV DIREITO RIO 71


f) instituição de zonas especiais de interesse social;<br />

g) concessão de direito real de uso;<br />

h) concessão de uso especial para fi ns de moradia;<br />

i) parcelamento, edifi cação ou utilização compulsórios;<br />

j) usucapião especial de imóvel urbano;<br />

l) direito de superfície;<br />

m) direito de preempção;<br />

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;<br />

o) transferência do direito de construir;<br />

p) operações urbanas consorcia<strong>da</strong>s;<br />

q) regularização fundiária;<br />

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comuni<strong>da</strong>des e grupos sociais<br />

menos favorecidos;<br />

s) referendo popular e plebiscito;<br />

t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela<br />

Medi<strong>da</strong> Provisória nº 459, de 2009)<br />

u) legitimação de posse. (Incluído pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 459, de 2009)<br />

t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela<br />

Lei nº 11.977, de 2009)<br />

u) legitimação de posse. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)<br />

VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto<br />

de vizinhança (EIV).<br />

§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que<br />

lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.<br />

§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,<br />

desenvolvidos por órgãos ou enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Administração Pública com atuação<br />

específi ca nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá<br />

ser contrata<strong>da</strong> coletivamente.<br />

§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que deman<strong>da</strong>m dispêndio de<br />

recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle<br />

social, garanti<strong>da</strong> a participação de comuni<strong>da</strong>des, movimentos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de civil.<br />

VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto<br />

de vizinhança (EIV).”<br />

Os instrumentos acima, determina<strong>da</strong>s a conveniência e a oportuni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> atuação <strong>da</strong> administração pública, podem ser utilizados separa<strong>da</strong>mente ou<br />

combinados.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 72


O plano diretor dos municípios<br />

A política urbana deverá seguir as diretrizes determina<strong>da</strong>s pelo Plano Diretor,<br />

o qual é obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes e<br />

tem natureza de Lei. Ele traçará os objetivos gerais para o desenvolvimento<br />

municipal em médio prazo, geralmente dez anos, estando sujeito a reavaliações<br />

periódicas.<br />

No Rio de Janeiro, o Plano Diretor consiste na Lei nº 11/2011.<br />

A Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano (LUPOS)<br />

A LUPOS existe, em geral, nas ci<strong>da</strong>des que não possuem plano diretor,<br />

ou por ausência de obrigatorie<strong>da</strong>de ou por descumprimento do man<strong>da</strong>mus<br />

constitucional.<br />

As áreas de proteção ambiental e do ambiente cultural (APAs E APACs)<br />

As APAs são áreas com restrições urbanísticas especiais, para fi ns de preservação<br />

ambiental, instituí<strong>da</strong>s por Lei. Nas APACs, o que se busca é a proteção<br />

de um entorno cultural. Não é exclusivi<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro, mas é este o<br />

município que tem se notabilizado pela sua implementação.<br />

Texto: “Memória e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>”<br />

A Prefeitura do Rio vem trabalhando para aperfeiçoar as Áreas de Proteção<br />

do Ambiente Cultural (APACs) como forma de contribuir para a formação<br />

<strong>da</strong> memória de uma ci<strong>da</strong>de moderna.<br />

A sigla APAC — que o uso constante em discussões e notícias na mídia<br />

já transformou, na prática, em substantivo — signifi ca que o olhar do<br />

Patrimônio Cultural não está focado apenas nos prédios e monumentos<br />

notáveis de nossa história (ver bens tombados), mas também na preservação<br />

de conjuntos urbanos representativos <strong>da</strong>s diversas fases de ocupação<br />

de nossa ci<strong>da</strong>de.<br />

Na formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural urbana entra uma complexa série de<br />

ingredientes que tornam ca<strong>da</strong> bairro único e familiar aos seus moradores e<br />

frequentadores Preservar esse ambiente, sua paisagem e fi sionomia aproximam<br />

o Patrimônio do cotidiano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de seus habitantes. E<br />

representa a parceria do poder público com a comuni<strong>da</strong>de — que em diversas<br />

ocasiões inicia o processo de discussão e reivindica proteção <strong>da</strong> memória<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 73


edifi ca<strong>da</strong> de seu bairro — para a manutenção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e à participação<br />

no planejamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />

APAC, a preservação ganha valor em conjunto<br />

Numa APAC, independente do valor individual deste ou <strong>da</strong>quele imóvel,<br />

o que importa é o valor de conjunto. A proposta de proteção de uma área é<br />

precedi<strong>da</strong> de um estudo <strong>da</strong> evolução urbana do lugar, mapeando sua forma<br />

de ocupação e seu patrimônio edifi cado, bem como as relações que os imóveis,<br />

logradouros e ativi<strong>da</strong>des ali desenvolvi<strong>da</strong>s estabelecem entre si.<br />

A partir <strong>da</strong>í, os elementos de composição são inventariados, ca<strong>da</strong>strados<br />

e classifi cados como tombados, preservados ou tutelados. Os bens de valor<br />

excepcional são tombados; os que são caracterizadores do conjunto são preservados;<br />

e os demais são tutelados.<br />

A APAC protege conjuntos arquitetônicos que, por suas características,<br />

conferem quali<strong>da</strong>des urbanas à região, sem, contudo, impedir o seu desenvolvimento.<br />

As APACs podem variar em tamanho, desde a preservação de um conjunto<br />

de imóveis situados em uma única rua, até áreas que compreendem um<br />

ou mais bairros. Atualmente, o DGPC detém a tutela de 36 áreas urbanas<br />

protegi<strong>da</strong>s, entre APACs e áreas de proteção de entorno de bens tombados,<br />

localiza<strong>da</strong>s nas Zonas Norte, Sul, Oeste e Central <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de e que incluem<br />

cerca de 30 mil imóveis, entre bens tombados, preservados e tutelados. 27<br />

Pólos gastronômicos<br />

São áreas de utilização especial, nas quais se fomenta o terceiro setor, facilitando-se<br />

estacionamento, ampliando-se a possibili<strong>da</strong>de de funcionamento<br />

de estabelecimento dessa natureza, etc.<br />

CASO GERADOR 1<br />

Por que a APAC do Leblon?<br />

Nireu Oliveira Cavalcanti<br />

“À cerimônia de posse do novo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio<br />

Cultural do Rio de Janeiro, além dos 16 membros titulares e suplentes,<br />

estiveram presentes seu presidente, o jurista Marcelo Cerqueira, o<br />

Secretário <strong>da</strong>s Culturas, senador Arthur <strong>da</strong> Távola (responsável pela cons-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

27 http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/<br />

apac.shtm<br />

FGV DIREITO RIO 74


tituição do Conselho) e o diretor do Departamento Geral do Patrimônio<br />

Cultural, Cláudio Murilo. Dirigindo-se aos conselheiros, o Prefeito César<br />

Maia solicitou um Conselho dinâmico, operativo, responsável e, sobretudo,<br />

propositivo, voltado à ci<strong>da</strong>de como um todo.<br />

Por sua vez, o senador Arthur <strong>da</strong> Távola expressou sua visão reconhecedora<br />

<strong>da</strong> riqueza <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de cultural existente na ci<strong>da</strong>de do Rio, rebati<strong>da</strong> na<br />

singulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um de seus bairros, característica a ser impressa, com<br />

ênfase, no trabalho produzido pelo Conselho.<br />

As balizas conceituais para atuação estavam sugeri<strong>da</strong>s, assim como a disposição<br />

do Secretário e do Prefeito de reforçar os quadros técnicos dos núcleos<br />

de apoio ao trabalho do Conselho. A necessi<strong>da</strong>de de novas instalações e<br />

de equipamentos também foi reconheci<strong>da</strong>. A i<strong>da</strong> para a Casa Afonso Arinos<br />

constitui o primeiro sinal desse investimento.<br />

Motivados, os conselheiros viram-se, logo de início, frente a uma imensa<br />

pilha de processos lega<strong>da</strong> pelo Conselho anterior. Chamou a atenção de todos<br />

os mais de 20 processos referentes a pedidos de demolição de prédios no<br />

Leblon, evidenciando a ação especulativa imobiliária que estava por se instalar<br />

naquele tradicional bairro <strong>da</strong> Zona Sul <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A análise detalha<strong>da</strong> de<br />

ca<strong>da</strong> um deles sedimentou a proposta de intervenção imediata do Conselho<br />

no sentido de elaboração de uma APAC para a área, por ser o instrumento<br />

mais ágil e efi caz de que se dispunha.<br />

Não só o Leblon estava sob a ameaça de per<strong>da</strong> de parte signifi cativa de seu<br />

patrimônio ambiental e cultural. A presença <strong>da</strong> hidra destruidora movia-se,<br />

insaciável, na direção de outros bairros, de modo a exigir <strong>da</strong> administração<br />

pública urgente adoção de políticas de preservação <strong>da</strong> urbe carioca; de políticas<br />

culturais coaduna<strong>da</strong>s com as recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Declaração de Amsterdã<br />

(Congresso do patrimônio arquitetônico europeu, 1975) que aconselha<br />

ao planejamento <strong>da</strong>s áreas urbanas e ao planejamento físico-territorial<br />

acolherem as exigências <strong>da</strong> conservação do patrimônio arquitetônico e não<br />

considerá-las de uma maneira parcial, ou como um “elemento secundário”,<br />

atitude bastante comum que estampa a ausência total de diálogo entre “os<br />

conservadores e os planejadores”.<br />

Trata-se de uma visão nova que busca afi nar as ações <strong>da</strong> administração<br />

pública, no sentido de tomar os espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de não como equivalentes,<br />

mas como coisas peculiares que encerram características que lhes são próprias.<br />

Com esse olhar o Conselho debruçou-se sobre o Leblon com o fi to de<br />

aí identifi car, conforme recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Conferência Geral <strong>da</strong> UNESCO<br />

(Nairóbi, 26.11.1976) que considera como conjunto histórico ou tradicional<br />

digno de ser protegido “todo grupamento de construções e de espaços,<br />

inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um assentamento<br />

humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e<br />

valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 75


histórico, histórico, estético ou sócio-cultural”, imóveis ou trechos do bairro<br />

a serem preservados.<br />

Estão de acordo os mesmos conselheiros com as “medi<strong>da</strong>s de salvaguar<strong>da</strong>”<br />

propostas por essa mesma Conferência <strong>da</strong> UNESCO de que convém “revisar<br />

as leis relativas ao planejamento físico-territorial, ao urbanismo e à política<br />

habitacional, de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com as <strong>da</strong>s<br />

leis relativas à salvaguar<strong>da</strong> do patrimônio arquitetônico” dos diversos bairros<br />

do Rio de Janeiro.<br />

É público que muitas ci<strong>da</strong>des vêm sofrendo a pressão de grupos econômicos<br />

voltados à construção imobiliária que, sob pretexto “de expansão ou<br />

de modernização”, ignoram os valores culturais dos conjuntos arquitetônicos<br />

históricos ou tradicionais, os destroem, acarretando per<strong>da</strong>s imensas à quali<strong>da</strong>de<br />

de vi<strong>da</strong> e à identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des que neles residem.<br />

Com a APAC do Leblon, a Prefeitura do Rio deu um basta a gana demolidora<br />

que iria se instalar no bairro. Agiu o Conselho estribado nos princípios<br />

estabelecidos no “Documento do MERCOSUL” (Mar Del Plata, junho de<br />

1997), segundo o qual a plurali<strong>da</strong>de de culturas de ca<strong>da</strong> região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é<br />

fator “positivo e enriquecedor <strong>da</strong> nossa visão de mundo e do próprio desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de humana”. 28<br />

Existem razões ambientais e culturais que justifi quem a preservação sociocultural<br />

do imobiliário urbano do bairro do Leblon?<br />

AXEXO<br />

D.O. nº 93 — Segun<strong>da</strong>-feira. 30 de julho de 2001<br />

DECRETO N.º 20300 DE 27 DE JULHO DE 2001<br />

CRIA A ÁREA DE PROTEÇÃO DO AMBIENTE CULTURAL DO<br />

BAIRRO DO LEBLON VI RA. E ESTABELECE CRITÉRIOS PARA<br />

SUA PROTEÇÃO. DETERMINA O TOMBAMENTO DOS BENS QUE<br />

MENCIONA, LOCALIZADOS NO BAIRRO DO LEBLON<br />

— O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas<br />

atribuições e;<br />

CONSIDERANDO o desenho urbano, o tipo de ocupação e a quali<strong>da</strong>de<br />

de vi<strong>da</strong> que compõem a tradicional paisagem do bairro do Leblon; CONSI-<br />

DERANDO o valor dos bens aqui mencionados e sua relevância histórica e<br />

cultural; CONSIDERANDO que o Decreto nº 6. 115, de 11 de setembro<br />

de 1986, que instituiu o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) do Leblon<br />

e estabeleceu condições de uso e ocupação do solo, não é sufi ciente para<br />

salvaguar<strong>da</strong>r o bairro de ações que prejudiquem sua identi<strong>da</strong>de e ambiência;<br />

CONSIDERANDO o aperfeiçoamento dos estudos elaborados pelo Depar-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

28 http://www.armazemde<strong>da</strong>dos.rio.<br />

rj.gov.br/arquivos/100_fun<strong>da</strong>mentos%20<strong>da</strong>%20apac%20leblon.PDF.<br />

FGV DIREITO RIO 76


tamento Geral de Patrimônio Cultural <strong>da</strong> Secretaria Municipal <strong>da</strong>s Culturas,<br />

que indicaram a necessi<strong>da</strong>de de adoção de forma mais efetiva, de proteção do<br />

patrimônio cultural do bairro; CONSIDERANDO o que consta no processo<br />

nº 12/002.378/2001; CONSIDERANDO o pronunciamento favorável<br />

do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro;<br />

DECRETA<br />

Art. 1º — Fica cria<strong>da</strong> a Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC)<br />

do bairro do Leblon, conforme a delimitação constante no Anexo I, fi cando<br />

sob a tutela do órgão executivo de proteção do patrimônio cultural do Município.<br />

Art. 2º — Para efeito de proteção fi cam preservados os bens de relevante<br />

interesse para o patrimônio cultural do Rio de Janeiro, localizados na Área<br />

de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, listados no<br />

Anexo II, e tutelados os demais, em obediência ao artigo 131 <strong>da</strong> Lei Complementar<br />

nº 16, de 04 de junho de 1992 (Plano Diretor Decenal <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />

do Rio de Janeiro).<br />

Art. 3º — Ficam tombados defi nitivamente, nos termos do artigo 4º <strong>da</strong><br />

Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do<br />

Leblon — VI RA.: — Esca<strong>da</strong>ria no fi nal <strong>da</strong> Rua General Urquiza que dá<br />

acesso para a Rua Capitão César de Andrade; — Jardim de Alah, inclusive<br />

as praças Almirante Sal<strong>da</strong>nha <strong>da</strong> Gama, Grécia e Poeta Gibran; — Praça<br />

Atahualpa e as pontes sobre o canal <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Visconde de Albuquerque.<br />

Art. 4º — Ficam tombados provisoriamente, nos termos do artigo 5º <strong>da</strong><br />

Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do<br />

Leblon — VI RA.: — Aveni<strong>da</strong> Ataulfo de Paiva, 391/397 e Rua Carlos Góes,<br />

64 (Cinema Leblon); — Aveni<strong>da</strong> Borges de Medeiros, 701 (Clube Monte<br />

Líbano); — Aveni<strong>da</strong> Niemeyer, 2 (facha<strong>da</strong> do Hotel Leblon); — Praça Belfort<br />

Vieira, 6; — Praça Baden Powell, 862; — Rua Almirante Guilhem, 421<br />

(Prédio <strong>da</strong> CEG).<br />

Art. 5º — Quaisquer obras ou intervenções a serem executa<strong>da</strong>s nos referidos<br />

bens devem ser previamente aprova<strong>da</strong>s pelo Conselho Municipal de<br />

Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro.<br />

Art. 6º — Ficam incluídos no tombamento dos referidos bens: a volumetria,<br />

a cobertura, os elementos arquitetônicos e decorativos originais <strong>da</strong><br />

tipologia estilística <strong>da</strong>(s) facha<strong>da</strong>(s), os materiais de acabamento, os vãos, as<br />

esquadrias, além dos demais aspectos físicos relevantes para sua integri<strong>da</strong>de.<br />

Art. 7º — Os bens preservados não podem ser demolidos, podendo sofrer<br />

pequenas intervenções para a<strong>da</strong>ptação ou reciclagem, respeitando a volumetria<br />

básica, a linguagem estilística e os elementos construtivos originais, sempre<br />

com orientação do órgão de tutela.<br />

Parágrafo único — É permitido modifi car o interior <strong>da</strong>s edifi cações preserva<strong>da</strong>s,<br />

desde que seja garanti<strong>da</strong> a integri<strong>da</strong>de físico-funcional <strong>da</strong>(s) facha<strong>da</strong>(s).<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 77


Art. 8º — Quaisquer obras ou intervenções a serem realiza<strong>da</strong>s nos limites<br />

<strong>da</strong> Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon,<br />

inclusive nos espaços públicos, devem ser previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão<br />

de tutela.<br />

Parágrafo Único — Para o licenciamento de pintura ou quaisquer outros<br />

reparos em bens tombados ou preservados para os quais não é exigi<strong>da</strong> a apresentação<br />

de projeto, é obrigatória a apresentação de fotografi a do imóvel no<br />

tamanho mínimo de 9 cm (nove centímetros) por 12 cm (doze centímetros)<br />

e o esquema com as intervenções a serem feitas.<br />

Art. 9º — Os bens tutelados podem ser modifi cados ou demolidos, desde<br />

que as alterações ou as novas construções sejam compatíveis com o conjunto<br />

urbanístico preservado e previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão de tutela.<br />

Art. 10 — Em caso de sinistro, demolição não autoriza<strong>da</strong> ou obras que<br />

resultem em descaracterizações do bem tombado ou preservado, o órgão de<br />

tutela pode estabelecer a obrigatorie<strong>da</strong>de de reconstrução ou recomposição<br />

do bem, reproduzindo suas características originais, conforme o previsto no<br />

artigo 133 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 16 de 4 de junho de 1992 (Plano Diretor<br />

<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro).<br />

Parágrafo Único — As novas construções e os acréscimos em edifi cações<br />

tutela<strong>da</strong>s situa<strong>da</strong>s dentro dos limites <strong>da</strong> Área de Proteção do Ambiente Cultural<br />

(APAC) do bairro do Leblon terão altura máxima compatível com as<br />

edifi cações tomba<strong>da</strong>s e preserva<strong>da</strong>s e em nenhuma hipótese ultrapassarão as<br />

alturas previstas no Decreto nº 6. 115/86.<br />

Art. 11 — A colocação de letreiros, anúncios, engenhos de publici<strong>da</strong>de ou<br />

toldos, nos bens situados na Área de proteção do Ambiente Cultural (APAC)<br />

do bairro do Leblon, assim como qualquer intervenção urbanística, colocação<br />

de mobiliário urbano ou monumentos nos limites <strong>da</strong> mesma deverão ser<br />

previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão de tutela.<br />

Art. 12 — Para obtenção dos benefícios previstos no Decreto nº 6.403/86<br />

para bens tombados e preservados, será considera<strong>da</strong> a edifi cação inteira, inclusive<br />

quando for constituí<strong>da</strong> por mais de uma uni<strong>da</strong>de com numerações<br />

diferentes.<br />

Art. 13 — Observa<strong>da</strong> a legislação reguladora <strong>da</strong> espécie, poderá ser admissível<br />

a transferência do direito correspondente ao complemento não utilizado<br />

<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de construtiva prevista no Decreto nº 6.115, de 11 de setembro<br />

de 1986, vincula<strong>da</strong> aos bens tombados e preservados por este decreto, a ser<br />

exercido nos limites do bairro do Leblon.<br />

Art. 14 — Este Decreto entra em vigor na <strong>da</strong>ta de sua publicação.”<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 78


AULA 13: DIREITO DE VIZINHANÇA<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

<strong>Direito</strong> de vizinhança. Cláusula geral de proteção <strong>da</strong> vizinhança. Situações<br />

tipicamente lista<strong>da</strong>s no Código Civil. Ações para a proteção <strong>da</strong> incolumi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> vizinhança.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

DANTAS JR., Aldemiro Rezende. O direito de vizinhança, p. 52-80. Ed.<br />

Forense.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

DANTAS, Aldemiro Rezende, cap. 7.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

DIREITO DE VIZINHANÇA<br />

São as regras relativas às proprie<strong>da</strong>des imóveis contíguas, que buscam a<br />

composição de interesses entre o exercício de poderes proprietários e a preservação<br />

do conteúdo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de vizinha. Fun<strong>da</strong>m-se na ve<strong>da</strong>ção ao abuso<br />

de direito e na função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />

Uso nocivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de: cláusula geral<br />

Arts. 1.277 a 1.281 do Código Civil<br />

Critérios de aplicação <strong>da</strong>s normas dos artigos citados: anteriori<strong>da</strong>de, utilização<br />

do bem e confi guração do abuso de direito.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 79


REGULAÇÃO IN CONCRETU<br />

— Árvores limítrofes<br />

— Passagem força<strong>da</strong><br />

— Limites<br />

— <strong>Direito</strong> de construir<br />

— Tapagem<br />

SITUAÇÕES NÃO REGULADAS PELAS NORMAS TÍPICAS<br />

— Poluição visual<br />

— Poluição sonora<br />

— Animais<br />

— Odores<br />

— Etc.<br />

AÇÕES ENVOLVENDO DIREITO DE VIZINHANÇA<br />

— Ação de <strong>da</strong>no infecto<br />

— Ação de nunciação de obra nova<br />

— Tutela específi ca <strong>da</strong>s obrigações de não fazer e tutela inibitória<br />

Texto: “Problemas de vizinhos”<br />

<strong>Direito</strong> de proprie<strong>da</strong>de vigora sob ótica <strong>da</strong> função social<br />

Por Gisele Leite<br />

Os direitos de vizinhança são previsões legais que têm por objeto regulamentar<br />

a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real<br />

sobre imóveis, tendo em vista a proximi<strong>da</strong>de geográfi ca entre os prédios ou<br />

entre apartamentos num condomínio de edifícios.<br />

Os prédios não precisam necessariamente ser contíguos ou vicinais, porém<br />

a ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> possa de alguma forma repercutir em outro prédio. Para<br />

efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva será reputado vizinho, independentemente<br />

de confrontar com o prédio ou não.<br />

Os direitos de vizinhança são criados por lei e não visam aumentar a utili<strong>da</strong>de<br />

do prédio, mas sim reputados necessários para a coexistência pacífi ca<br />

entre os vizinhos. Estas duas características distinguem o direito de vizinhança<br />

do direito real sobre coisa alheia denominado de servidão predial, cuja regulamentação<br />

se encontra nos artigos 1.378 até 1.389 do Código Civil de 2002.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 80


O direito de preservação <strong>da</strong> pessoa contra a utilização <strong>da</strong> posse ou <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

alheia de modo a não causar <strong>da</strong>no à segurança ou sossego ou a saúde<br />

é exercido ain<strong>da</strong> em caráter de reciproci<strong>da</strong>de.<br />

É sabido que o uso regular de um direito reconhecido não constitui ato<br />

ilícito, conforme se verifi ca <strong>da</strong> análise do artigo 188, I do C.C.<br />

Desta forma, o exercício irregular de um direito enseja o ato ilícito denominado<br />

tecnicamente de abuso de direito. Alguns doutrinadores apontam<br />

que o abuso de direito, a priori não se revela como ilícito, mas com o tempo<br />

e, por infringir a esfera jurídica de outrem, passa a se confi gurara como ato<br />

ilícito.<br />

Abusa do direito de proprie<strong>da</strong>de de imóvel quem a utiliza nocivamente,<br />

pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos donos dos<br />

prédios vizinhos. Portanto, defi ne-se o uso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de conforme prevê<br />

o artigo 1.228 do CC privilegiando sua função social com efetivo interesse<br />

do proprietário ou a sua comodi<strong>da</strong>de e, nunca sendo utiliza<strong>da</strong> como instrumento<br />

de vingança, capricho ou com o fi to de perturbar ou causar <strong>da</strong>no a<br />

outrem.<br />

É abuso de direito, por exemplo, construir muro altíssimo apenas para<br />

fazer sombra sobre o prédio vizinho ou para atrapalhar a navegação aérea; ou<br />

construir um poço profundo para suprimir as águas dos demais adquirentes<br />

do lote, ou não permitir a passagem força<strong>da</strong> para o proprietário que necessite<br />

escoar sua produção agrícola, encontrando-se a estra<strong>da</strong> pública em péssimas<br />

condições, entre outros comportamentos igualmente reprováveis.<br />

To<strong>da</strong>via, há casos que se tem que tolerar as interferências à proprie<strong>da</strong>de<br />

em razão do interesse público (artigo 1.1278 CC) podendo requerer a qualquer<br />

tempo a redução ou a própria cessação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de considera<strong>da</strong> como<br />

nociva, basta que se prove que tal fato não traria prejuízo à ativi<strong>da</strong>de em prol<br />

do interesse público.<br />

O direito de vizinhança é uma restrição ou limitação ao direito de proprie<strong>da</strong>de<br />

em benefício do direito privado. San Tiago Dantas preleciona: “para<br />

que haja confl ito de vizinhança é sempre necessário que um ato praticado<br />

pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer<br />

seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel<br />

ou incômodos ao seu morador”.<br />

O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de nessa seara não se esteia na culpa e assenta-se<br />

efetivamente na responsabili<strong>da</strong>de objetiva. Assim, se o ato praticado<br />

no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e <strong>da</strong>noso ao outro, impõese<br />

o dever de remover o mal causado ou indenizar o <strong>da</strong>no experimentado, a<br />

exemplo <strong>da</strong> construção de um imóvel em terreno contíguo, cujo sistema de<br />

estaqueamento cause trincas, fi ssuras, rachaduras no imóvel vizinho.<br />

Atenção. Imóveis vizinhos não são apenas os confi nantes, mas também<br />

os que se localizam nas proximi<strong>da</strong>des desde que o ato praticado por alguém<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 81


em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando<br />

incômodo ou prejuízo ao seu ocupante.<br />

Compreende o direito de vizinhança: o uso anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de; as<br />

árvores limítrofes; a passagem de cabos e tubulações, as águas, os limites entre<br />

prédios, o direito de tapagem e o direito de construir (artigos 1.277 ao 1.313<br />

do CC de 2002).<br />

Procura a lei coibir o uso anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de lançando mão por vezes<br />

<strong>da</strong> chama<strong>da</strong> tutela inibitória que impõe ao réu (proprietário-infrator) condenado<br />

uma obrigação de não-fazer, ou ain<strong>da</strong>, uma multa cominatória (astreinte).<br />

Aponta a doutrina alguns critérios seguros para efeito de composição dos<br />

confl itos. São eles: a pré-ocupação, a natureza <strong>da</strong> utilização, a localização do<br />

prédio, as normas relativas às edifi cações e os limites de tolerância dos moradores<br />

vizinhos. É óbvio que entre um mero detentor e um proprietário, esse<br />

último goza de maiores prerrogativas legais para impor o respeito ao direito<br />

de vizinhança.<br />

A pré-ocupação ou precedência signifi ca que ao analisar o confl ito, o juiz<br />

verifi cando qual dos vizinhos se instalou antes no local. Analisará, ipso facto,<br />

se houve inclusive a intenção <strong>da</strong>nosa.<br />

Com isso, se alguém fi xa residência nas imediações de uma fábrica em<br />

zona industrial, e sabi<strong>da</strong>mente reconhece de antemão tais condições, não<br />

lídimo reclamar <strong>da</strong>s condições ambientais do local. Assim, havendo confl ito<br />

de vizinhança, o juiz não se limitará a analisar apenas a pré-ocupação, mas<br />

igualmente outros elementos para melhor formar seu convencimento.<br />

O barulho é sem dúvi<strong>da</strong> um dos motivos corriqueiros de atritos entre<br />

vizinhos e há até engenheiros e ambientalistas que fornecem uma tabela<br />

contendo os níveis de ruídos em decibéis, e só a guisa de curiosi<strong>da</strong>de, uma<br />

ban<strong>da</strong> de rock em geral produz 110 dB enquanto que a decolagem de um<br />

jato a 100 metros de distância produz 125 dB; (nesse sentido o TJ-RS, 18ª<br />

Câmara Cível, relator André Luiz Planella Villarinho, decidiu no processo<br />

70.003.573.029 que os ensaios <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> de rock estão proibidos em uma<br />

residência de Pelotas, por incomo<strong>da</strong>r os vizinhos).<br />

O critério basilar a ser adotado para a composição do confl ito é o de uso<br />

normal em confronto com o uso anormal. Mas a questão é complexa e subjetiva,<br />

pois não há marco divisório nítido entre a normali<strong>da</strong>de e anormali<strong>da</strong>de.<br />

E devem ser levados a termo, o fator objetivo que é o ato causador do confl ito<br />

e, o outro fato subjetivo, concernente à pessoa que se vê prejudica<strong>da</strong>.<br />

É certo que, para se viver em socie<strong>da</strong>de, é mesmo preciso reconhecer limites<br />

e tolerar e o ponto de equilíbrio nem sempre é fácil de alcançar. A<br />

jurisprudência tem procurado fi xar remos capazes de aferir a normali<strong>da</strong>de no<br />

uso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de:<br />

“A utilização indevi<strong>da</strong> de apartamento em edifício estritamente residencial<br />

como escritório de empresa ou mesmo de ativi<strong>da</strong>de profi ssional pelo locatá-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 82


io importa em uso nocivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por prejudicar a segurança e, sobretudo,<br />

o sossego de moradores dos demais apartamentos” (RT 708:159).<br />

“A responsabili<strong>da</strong>de civil pelos <strong>da</strong>nos de vizinhança é objetiva, conduzindo<br />

a obrigação de indenizar independentemente <strong>da</strong> existência de culpa, se <strong>da</strong><br />

atuação nociva do agente resultar <strong>da</strong>no efetivo. É necessária a comprovação<br />

de nexo causal entre a ação do vizinho e o <strong>da</strong>no sofrido pelo outro como pressuposto<br />

essencial para caracterização do dever de indenizar recaindo o ônus<br />

<strong>da</strong> prova, tratando-se se de ação de indenização ao autor” (TA/MG, Ap. Civ.<br />

259 054-3, relatora Desa. Jurema Brasil, DJ 1.7.98).<br />

Recentemente, a cantora Simone recebeu do STJ a confi rmação <strong>da</strong>s decisões<br />

de primeira e segun<strong>da</strong> instâncias que obrigaram sua vizinha, a ambientalista<br />

Fernan<strong>da</strong> Colagrossi, a retirar de seu apartamento os 25 cães que lá<br />

mantinha. Pela mesma decisão, Fernan<strong>da</strong> poderia manter apenas três cães no<br />

imóvel, é a decisão toma<strong>da</strong> unanimemente pela 3ª Turma do STJ e põe fi m a<br />

lide que vinha sido debati<strong>da</strong> na Justiça desde 1998.<br />

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo acima, afi rmou que a<br />

ambientalista, apesar de não ser proprietária do imóvel, é parte legítima, uma<br />

vez que a obrigação de não causar interferência prejudiciais à segurança, ao<br />

sossego e à saúde surge <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vizinho e, não de proprietário”. (Resp<br />

622.303).<br />

Vamos mormente defi nir mais amiúde alguns relevantes conceitos para<br />

o tema, como por exemplo, segurança que tem haver com solidez, estabili<strong>da</strong>de<br />

material do prédio e a incolumi<strong>da</strong>de pessoal de seus moradores. Deve<br />

ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial, como a instalação de<br />

indústria de infl amáveis e explosivos, ou uma de produtos químicos nocivos<br />

à saúde.<br />

Sossego é bem jurídico inestimável, componente dos direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de,<br />

intrinsecamente ligado ao direito à privaci<strong>da</strong>de. Não é a ausência<br />

completa de ruídos, mas a possibili<strong>da</strong>de de afastar ruídos excessivos que comprometam<br />

a incolumi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa.<br />

É direito dos moradores a uma relativa tranquili<strong>da</strong>de na qual bailes, festas,<br />

algazarras, animais e vibrações intensas provenientes de vizinhos acarretem<br />

enormes desgastes a paz do ser humano.<br />

A violação do sossego agride o equipamento psíquico do homem e deve<br />

ser encarado como ofensa ao direito à integri<strong>da</strong>de moral do homem, conceito<br />

muito próximo ao direito à intimi<strong>da</strong>de, à imagem e a incolumi<strong>da</strong>de mental.<br />

Afora os <strong>da</strong>nos extrapatrimoniais, os ruídos impedem o repouso, acabando<br />

por comprometer a saúde e a própria segurança do indivíduo.<br />

O artigo 1.277 do Código Civil possui rol taxativo (numerus clausus) e não<br />

admite interpretação extensiva. Desta forma, se as interferências prejudiciais<br />

causa<strong>da</strong>s não repercutirem sob o trinômio (saúde — segurança — sossego) a<br />

questão extrapolará do confl ito de vizinhança.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 83


Ressalte-se que a segurança, sossego e saúde são direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de<br />

inerentes a qualquer ser humano e não apenas aos vizinhos. E o mau uso <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos (não<br />

raros classifi cados na esfera criminal como contravenções ou crimes, o mais<br />

comum o crime de <strong>da</strong>no).<br />

Atos excessivos são aqueles praticados com fi nali<strong>da</strong>des legítimas, porém,<br />

ain<strong>da</strong> assim gerando <strong>da</strong>nos anormais e injustos passíveis de indenização em<br />

sede de responsabili<strong>da</strong>de objetiva.<br />

Assim é sábia a popular parêmia: “é ve<strong>da</strong>do exercer nossos direitos com<br />

sacrifícios dos direitos alheios” ou ain<strong>da</strong> “o direito de um acaba quando começa<br />

o direito do outro”.<br />

O limite do uso normal ou anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de não pode ser teorizado,<br />

o artigo 1.277 do CC disciplina a questão justamente pelas exceções.<br />

Temos também como uso anormal, o não-uso ou a subutilização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

de forma a causar confl itos de vizinhança. É o caso de imóvel usado<br />

com desídia ou legado ao abandono. Onde os vizinhos podem sofrer, dentre<br />

outras coisas, ameaças de ruína do prédio.<br />

Da mesma maneira, a postura passiva ou permissiva do titular do prédio<br />

acarreta o seu uso por terceiros para ativi<strong>da</strong>des prejudiciais a todos e mesmo<br />

ilícitas (como drogas, prostituição, depósito de entulhos, lixo tóxico, matagal,<br />

etc.) gerando insegurança e <strong>da</strong>nos à saúde e tranquili<strong>da</strong>de de todos os<br />

vizinhos.<br />

O não-uso também fere o direito urbanístico (artigo 182, parágrafo 4º,<br />

<strong>da</strong> CF) por ser ofensivo à função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de no município. Tem<br />

também a questão relativa à proteção aos prédios tombados.<br />

Destarte, a tutela a saúde e <strong>da</strong> segurança é resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos artigos 30 e<br />

38 do Decreto-Lei 3.668/41 que cui<strong>da</strong> do perigo de desabamento e <strong>da</strong> emissão<br />

de fumaça, vapores ou gases.<br />

Há um julgado (JTACSP-RT 117:43) que teve a oportuni<strong>da</strong>de de apreciar<br />

a poluição sonora produzi<strong>da</strong> por uma araponga (ave canora) cujo canto é<br />

anormal, excessivamente alto, irritante, estridente e ensurdecedor, e o fato de<br />

seu dono suportar não faz com que os demais vizinhos devam ter o mesmo<br />

comportamento compassivo.<br />

Abre exceção em prol do interesse público o artigo 1.278 do CC. Porém,<br />

não isenta ao causador dos <strong>da</strong>nos de responder por sua respectiva indenização.<br />

A questão quanto à ruína de prédio vizinho é disciplina<strong>da</strong> pelo artigo<br />

1.280 CC, e dá direito tanto ao proprietário como ao possuidor de exigir do<br />

dono do imóvel vizinho a demolição ou a reparação do prédio que ameace a<br />

ruir, bem como exigir que se preste caução por <strong>da</strong>no iminente.<br />

Admite que se exija caução por meio <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> ação por <strong>da</strong>no infecto<br />

pela qual se constitui uma garantia para indenização do <strong>da</strong>no futuro e even-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 84


tual. Porém, se o <strong>da</strong>no já ocorreu, sendo consumado, o ressarcimento deverá<br />

ser requerido por meio de uma ação indenizatória.<br />

Caberá, por outro lado, se a obra estiver em an<strong>da</strong>mento, à ação de nunciação<br />

de obra nova. O artigo 1.281 CC prevê a possibili<strong>da</strong>de de se exigir garantia<br />

contra eventual <strong>da</strong>no, que se perfaz na forma do artigo 827 do CPC.<br />

Sobre as árvores limítrofes há a previsão nos artigos 1.282 a 1.284 do CC<br />

e envolve aquelas que se localizam na linha divisória ou bem próxima a esta.<br />

Quando a árvore tiver seu tronco na linha divisória, há a presunção iuris<br />

tantum de pertencer em partes iguais, aos dois vizinhos, em condomínio<br />

necessário.<br />

Sendo que nenhum dos proprietários poderá cortá-la sem anuência do outro<br />

(artigo 1.282 CC). A proprie<strong>da</strong>de comum prevalecerá mesmo se a maior<br />

parte <strong>da</strong> árvore se encontrar no terreno de um dos confi antes, pois avulta<br />

apenas saber se esta está na linha divisória.<br />

Quando os frutos naturalmente caírem sobre o terreno vizinho, em local<br />

próximo a linha divisória, pertencerão estes, ao dono do local <strong>da</strong> que<strong>da</strong>,<br />

evitando-se assim as invasões em terrenos alheios e, posterior, conten<strong>da</strong> entre<br />

vizinhos (artigo 1.284 CC).<br />

Pontes de Miran<strong>da</strong> ensina que essa inspiração é de origem germânica e se<br />

prende à ideia de que quem arca com ônus deve desfrutar o bônus. O fun<strong>da</strong>mento<br />

defl ui do brocardo “wer den bosen tropfen geniesst, geniesse auch den<br />

guten” — quem traga as gotas más que traga as boas.<br />

Revista Consultor Jurídico, 29 de janeiro de 2007. ” 29<br />

CASOS GERADORES<br />

1)Uma pessoa gosta de aparecer nua na janela. Outra se mostra incomo<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

com o fato, pois mora em apartamento de mesmo an<strong>da</strong>r, só que de frente,<br />

do outro lado <strong>da</strong> rua. É possível a caracterização de algum tipo de proteção,<br />

ampara<strong>da</strong> no direito de vizinhança?<br />

2)A convenção de condomínio permite a presença de animais no prédio,<br />

nomea<strong>da</strong>mente cães. Seria possível criar um mastim napolitano, nomea<strong>da</strong>mente<br />

a raça com maior relação peso x altura, ou seja, o maior cão? E um<br />

casal de mastins? ABUSO.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

29 http://www.conjur.com.br/2007jan-29/direito_proprie<strong>da</strong>de_vigora_otica_funcao_social<br />

FGV DIREITO RIO 85


DECISÃO(ÕES).<br />

INFORMATIVO N°0364<br />

PERÍODO: 18 A 22 DE AGOSTO DE 2008.<br />

DIREITO. OBSTRUÇÃO. VISTA PANORÂMICA.<br />

Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que, sob o<br />

prisma do direito de vizinhança, realmente é uma situação difícil a do proprietário<br />

que teve a vista panorâmica de seu imóvel comprometido. No caso,<br />

cabível coibir os abusos, pois, pelo acordo fi rmado entre as partes, fi cou estabelecido<br />

que o muro entre os dois imóveis não poderia ultrapassar dois metros<br />

e cinqüenta de altura. Outrossim, considerou-se violado o acordo com<br />

o plantio de árvores junto ao muro, obstruindo totalmente a vista do recorrente.<br />

Diversamente, o Min. Relator originário (vencido) entendia que, pelo<br />

direito de vizinhança, o proprietário poderia plantar o que bem entendesse<br />

dentro de seu terreno, não importando a altura ou espessura <strong>da</strong>s plantas, até<br />

porque, na hipótese, não fi cou demonstrado cabalmente o alegado prejuízo<br />

para o imóvel do recorrente no que se referia à ensolação. REsp 935.474-RJ,<br />

Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi,<br />

julgado em 19/8/2008.<br />

— Abuso de direito caracterizado pela obstrução de vista panorâmica do<br />

imóvel vizinho.<br />

(REsp 935.474/RJ, Rel. MIN. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão<br />

MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008,<br />

DJe 16/09/2008)<br />

DIREITO CIVIL. SERVIDÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. DIS-<br />

TINÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO.<br />

— Há de se distinguir as servidões prediais legais <strong>da</strong>s convencionais. As primeiras<br />

correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria<br />

lei, incidindo independentemente <strong>da</strong> vontade <strong>da</strong>s partes. Nascem em função<br />

<strong>da</strong> localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel<br />

dominante ou evitar o surgimento de confl itos entre os respectivos proprietários.<br />

As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo<br />

do consentimento <strong>da</strong>s partes.<br />

— Na espécie, é incontroverso que, após o surgimento de confl ito sobre a<br />

construção de muro lindeiro, as partes celebraram acordo, homologado judicialmente,<br />

por meio do qual foram fi xa<strong>da</strong>s condições a serem respeita<strong>da</strong>s pelos<br />

recorridos para preservação <strong>da</strong> vista <strong>da</strong> paisagem a partir do terreno dos recorrentes.<br />

Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro <strong>da</strong> transação<br />

na matrícula do imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencio-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 86


nal, representando, no mínimo, obrigação a ser respeita<strong>da</strong> pelos signatários do<br />

acordo e seus herdeiros.<br />

— Nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exercício<br />

do direito, de modo a causar <strong>da</strong>no a outrem, nos termos do art. 187 do<br />

CC/02. Assim, considerando a obrigação assumi<strong>da</strong>, de preservação <strong>da</strong> vista <strong>da</strong><br />

paisagem a partir do terreno dos recorrentes, verifi ca-se que os recorridos exerceram<br />

de forma abusiva o seu direito ao plantio de árvores, descumprindo, ain<strong>da</strong><br />

que indiretamente, o acordo fi rmado, na medi<strong>da</strong> em que, por via transversa,<br />

sujeitaram os recorrentes aos mesmos transtornos causados pelo antigo muro de<br />

alvenaria, o qual foi substituído por ver<strong>da</strong>deiro “muro verde”, que, como antes,<br />

impede a vista panorâmica.<br />

Recurso especial conhecido e provido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 87


AULA: 14 DIREITO DE CONSTRUIR<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Acessões. <strong>Direito</strong> de construir. Limitações priva<strong>da</strong>s ao direito de construir.<br />

Limitações públicas ao direito de construir.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

FIGUEIREDO, Lucia Valle Figueiredo. Disciplina urbanística <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />

p.114-144.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

CARLOS, Ana Alessandra (Org.). Dilemas urbanos. p. 167-180: Acessões e<br />

regularização fundiária. Outras mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de acessão.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

DIREITO DE CONSTRUIR<br />

O direito de construir representa uma <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des essenciais do proprietário.<br />

Contudo, não pode, à evidência, ser exercido sem que se respeite<br />

uma série de limitações previstas na legislação. Algumas já são conheci<strong>da</strong>s,<br />

como a vizinhança e as limitações urbanísticas. Cumpre entender o que ocorre<br />

quando se constrói e de que modo atuam as limitações.<br />

Acessão<br />

Acessão é a união de um bem a um imóvel.<br />

Acessões naturais: aluvião; avulsão; formação de ilhas; formação de álveo.<br />

Acessões artifi ciais: construções; plantações.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 88


Princípio <strong>da</strong> acessão<br />

Determina o princípio <strong>da</strong> acessão que tudo aquilo que se incorpora a um<br />

terreno é de proprie<strong>da</strong>de do dono do terreno.<br />

Exceções: acessão inverti<strong>da</strong> (fi gura dos art. 1.258 e 1.259 do Código Civil).<br />

LIMITES ENTRE PRÉDIOS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL<br />

Limite para abertura de janela: 1,5 m e 0,75 m, não se distinguindo a visão<br />

direta <strong>da</strong> oblíqua 30 , como determina o art. 1.301 do Código Civil, desde<br />

que não se trate de parede de tijolos translúcidos, não caracteriza<strong>da</strong> como<br />

janela. 31<br />

Limites para a colocação de fornos e chaminés.<br />

Limites para a utilização de parede-meia.<br />

Fun<strong>da</strong>mentos para os direitos de luz e vista<br />

Limitações públicas ao direito de construir: zoneamento, gabarito, recuo, etc.<br />

Podem as limitações frear a especulação imobiliária?<br />

CASO GERADOR<br />

Espaço urbano e Estado<br />

Como o Estado se comporta diante dessas transformações territoriais coman<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

pela classe dominante e pelo seu sistema de mercado imobiliário?<br />

O Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram as cama<strong>da</strong>s<br />

de mais alta ren<strong>da</strong> enormes investimentos em infra-estrutura urbana,<br />

especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo em que abre frentes pioneiras<br />

para o capital imobiliário, como o Centro Administrativo de Salvador,<br />

a Aveni<strong>da</strong> Rio Branco ou a esplana<strong>da</strong> do Castelo, no Rio, ou a Aveni<strong>da</strong> Faria<br />

Lima, em São Paulo. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor<br />

que no restante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, não só para atender ao maior número de automóveis,<br />

mas também para abrir frentes de expansão para o capital imobiliário.<br />

São inúmeras as obras públicas para melhorar a região central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />

onde se instala a burguesia, inclusive na face do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para ela volta<strong>da</strong>.<br />

A abertura <strong>da</strong>s Aveni<strong>da</strong>s Central e Beira-Mar no Rio de Janeiro foi uma<br />

obra custosíssima proporcionalmente aos recursos e ao tamanho <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de na<br />

época. Obras igualmente enormes e custosas foram os desmontes dos morros.<br />

É signifi cativo que os morros arrasados tenham sido exatamente aqueles<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

30 Súmula 414, STF.<br />

31 Súmula 120, STF.<br />

FGV DIREITO RIO 89


que se encontravam na extremi<strong>da</strong>de sul do centro. Para abrir espaço para a<br />

renovação e modernização do centro do Rio foram removidos os morros do<br />

Castelo, do Senado e de Santo Antônio, enquanto os morros <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de<br />

norte — o morro de São Bento e o <strong>da</strong> Conceição — permanecem lá até hoje.<br />

A sequência de obras gigantescas no eixo sul do Rio de Janeiro é impressionante.<br />

As Aveni<strong>da</strong>s Mem de Sá, Henrique Vala<strong>da</strong>res e outras ocuparam a<br />

área do morro do Senado. Vastas áreas, to<strong>da</strong>s na extremi<strong>da</strong>de sul do centro,<br />

foram ofereci<strong>da</strong>s ao capital imobiliário para as maiores obras de remodelação<br />

urbana já realiza<strong>da</strong>s no País: as valorizadíssimas terras centrais obti<strong>da</strong>s com o<br />

desmonte dos morros do Castelo e, depois, o de Santo Antônio. A essas obras<br />

deve ser acrescenta<strong>da</strong> uma grande quanti<strong>da</strong>de de aterros <strong>da</strong> orla marítima, do<br />

aeroporto Santos Dumont a Botafogo, os gigantescos aterros do Flamengo<br />

e de Copacabana, e ain<strong>da</strong> o elevado do Joá e inúmeros túneis. Note-se que<br />

tais obras atendem exclusivamente à Zona Sul, ou seja, são obras que nem<br />

parcialmente atendem aos interesses de outras regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O contrário<br />

se deu na Zona Norte. As obras de vulto <strong>da</strong> região, como a Aveni<strong>da</strong> Presidente<br />

<strong>Vargas</strong>, a Aveni<strong>da</strong> Brasil ou os elevados associados à Ponte Rio-Niterói,<br />

destinam-se também a atender o escoamento do tráfego rodoviário extraurbano<br />

e, portanto, não são obras destina<strong>da</strong>s a atender exclusivamente aos<br />

interesses <strong>da</strong> Zona Norte. O mesmo deu-se com as ferrovias e rodovias. Essas<br />

obras foram construí<strong>da</strong>s para atender a interesses regionais extra-urbanos, e a<br />

população <strong>da</strong> Zona Norte apenas tirou partido delas. Mesmo assim, as ferrovias<br />

sofreram um violento processo de deterioração, <strong>da</strong>do o abandono a que<br />

foram relegados os seus serviços suburbanos de passageiros.<br />

O que fez o governo baiano ao construir o Centro Administrativo de Salvador<br />

numa região quase virgem, porém estrategicamente localiza<strong>da</strong> na direção<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para onde a média e alta burguesia vêm se deslocando há déca<strong>da</strong>s?<br />

Não só colocou o aparelho do Estado bem mais acessível a essas classes<br />

(e mais longe <strong>da</strong>s classes subalternas) e melhorou o acesso a elas através de<br />

novas e rápi<strong>da</strong>s aveni<strong>da</strong>s expressas, mas também desbravou inúmeras novas<br />

fronteiras e oportuni<strong>da</strong>des fabulosas para a especulação imobiliária. Além<br />

disso — em que pese alegar o contrário —, colocou o aparelho do Estado<br />

muito afastado (em termos de distância, mas especialmente em termos de<br />

tempo e oportuni<strong>da</strong>des de viagem) <strong>da</strong>s classes subalternas.<br />

Em São Paulo não foi menor a ação do Estado para preparar a expansão<br />

<strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s “zonas nobres” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e ain<strong>da</strong> abrir novas fronteiras para a<br />

especulação imobiliária. Através de um de seus mais conhecidos prefeitos,<br />

Prestes Maia, renovou to<strong>da</strong> a região do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de volta<strong>da</strong> para o quadrante<br />

sudoeste e sobre a qual incidia o interesse <strong>da</strong> burguesia. A maioria <strong>da</strong>s<br />

grandes aveni<strong>da</strong>s que abriu localiza-se nessa região. Não só a mais famosa e<br />

importante delas, a Aveni<strong>da</strong> Ipiranga, mas também a Aveni<strong>da</strong> Vieira de Carvalho<br />

e o novo Largo do Arouche, a Aveni<strong>da</strong> Duque de Caxias, a Aveni<strong>da</strong><br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 90


Rio Branco, Rua São Luís e a nova Rua <strong>da</strong> Consolação. Porém, bem antes<br />

disso, o Estado já vinha preparando a ci<strong>da</strong>de para os interesses <strong>da</strong> burguesia.<br />

A construção do Viaduto do Chá, obra arroja<strong>da</strong> e <strong>da</strong> mais avança<strong>da</strong> tecnologia<br />

<strong>da</strong> época (estrutura de ferro), custosíssima para uma pequenina ci<strong>da</strong>de<br />

de algumas dezenas de milhares de habitantes, não representava outra coisa<br />

senão a oferta de acesso mais direto entre o centro e a região que as elites<br />

queriam ocupar, ou seja, as encostas de Santa Cecília, Vila Buarque, Aveni<strong>da</strong><br />

Paulista e depois seu próprio espigão. Antes, a ligação entre o centro e essa<br />

região era pelo Acú, atual ponto de onde a Aveni<strong>da</strong> São João cruza o Vale do<br />

Anhangabaú e representava um percurso longo. O Viaduto do Chá veio representar<br />

uma signifi cativa melhoria <strong>da</strong>quela ligação. O alargamento <strong>da</strong> Rua<br />

Libero Ba<strong>da</strong>ró e <strong>da</strong> Rua São João e a urbanização do Vale do Anhangabaú<br />

(to<strong>da</strong>s no quadrante sudoeste) são outros exemplos de melhoramentos que<br />

benefi ciaram a faceta sudoeste do centro.<br />

Em segundo lugar, o Estado transfere suas próprias instalações para a mesma<br />

direção de crescimento <strong>da</strong> classe dominante, mostrando claramente, através<br />

do espaço urbano, seu grau de captura por essa classe. O já citado exemplo<br />

de Salvador não é único. O Palácio do Governo do Estado de São Paulo<br />

era inicialmente no Pátio do Colégio, no coração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Transferindo-se<br />

para o Palácio dos Campos Elíseos e, depois, para o Morumbi. A Assembléia<br />

Legislativa saiu do Parque D. Pedro I e foi para o Ibirapuera. O Gabinete do<br />

Prefeito saiu do Anhangabaú e foi para o Ibirapuera, e a absoluta maioria <strong>da</strong>s<br />

repartições e empresas públicas transferiu-se para a região <strong>da</strong> Paulista e Faria<br />

Lima.<br />

No Rio, tanto o Senado como a Câmara Municipal eram no Campo de<br />

Santana e transferiram-se para a nova “zona nobre” do centro, que passou a<br />

ser sua extremi<strong>da</strong>de sul, a Praça Floriano Peixoto. Também o Executivo, assim<br />

que foi proclama<strong>da</strong> a República, instalou-se na direção norte, no Palácio<br />

do ltamarati, e depois se transferiu para o Catete. Processos idênticos ocorreram<br />

em maior ou menor escala em muitas ci<strong>da</strong>des brasileiras até mesmo<br />

entre as pequenas. 32<br />

Você concor<strong>da</strong> com o afi rmado no texto? As alterações de zoneamento<br />

podem estimular a especulação imobiliária? Ou é melhor abrir a trilha do<br />

“progresso”?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

32 VILLAÇA, Flávio. O que todo ci<strong>da</strong>dão<br />

precisa saber sobre habitação. São Paulo:<br />

Global, 1986. p. 98-101.<br />

FGV DIREITO RIO 91


DECISÃO(ÕES).<br />

Informativo n. 0370<br />

Período: 29 de setembro a 3 de outubro de 2008.<br />

Os recorridos adquiriram de boa-fé o terreno em questão. Nele construíram<br />

sua residência. No entanto, o recorrente ajuizou contra eles ação reivindicatória,<br />

resolvi<strong>da</strong> pela celebração de transação (homologa<strong>da</strong> por sentença),<br />

a qual regulava o direito de retenção: os recorridos obrigavam-se a entregar<br />

o imóvel após serem indenizados pelas benfeitorias construí<strong>da</strong>s (art. 516 do<br />

CC/1916). Não se estipulou, na oportuni<strong>da</strong>de, qualquer valor a título de<br />

aluguel pelo tempo que durasse a retenção. Arbitrado judicialmente o valor<br />

<strong>da</strong>s benfeitorias (R$ 31.000,00), o recorrente alegou não ter como ressarcilas<br />

por falta de condições econômicas para tanto. Permaneceram os recorridos<br />

na posse e uso do imóvel. Contudo, a doutrina admite que, apesar de não<br />

ser obrigado a devolver a coisa até que se satisfaça seu crédito, o retentor não<br />

pode utilizar-se dela. Assim, é justo que o recorrente deva pagar pelas acessões<br />

introduzi<strong>da</strong>s de boa-fé, mas também que os recorridos sejam obrigados<br />

a indenizá-lo pelo uso do imóvel (valor mensal a ser arbitrado em liqui<strong>da</strong>ção,<br />

devido desde a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> citação). A jurisprudência deste Superior Tribunal já<br />

admite semelhante solução na hipótese relaciona<strong>da</strong> com a separação ou o divórcio,<br />

enquanto um cônjuge permanece residindo no imóvel do outro. Por<br />

fi m, os créditos recíprocos deverão ser compensados de forma que o direito de<br />

retenção seja exercido no limite do proveito que os recorridos têm com o uso<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de alheia. Anote-se que a retenção não é um direito absoluto ou<br />

ilimitado sobre a coisa, mas mera retentio temporalis: os princípios <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção<br />

ao enriquecimento sem causa e <strong>da</strong> boa-fé objetiva, ao mesmo tempo em que<br />

impõem ao retentor o dever de não usar a coisa, determinam que a retenção<br />

não se esten<strong>da</strong> por prazo interminável. Com esse entendimento, a Turma,<br />

por maioria, deu provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 673.118-<br />

RS, DJ 6/12/2004, e REsp 23.028-SP, DJ 17/12/1992. REsp 613.387-MG,<br />

Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/10/2008.<br />

<strong>Direito</strong> de construir — artigo 1313 do CC:<br />

0003111-06.2004.8.19.0209 (2005.001.38787) — APELACAO<br />

JDS. DES. LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO — Julgamento:<br />

15/02/2006 — DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL<br />

OBRIGAÇÃO DE FAZER. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO A<br />

EMPREENDIMENTO. Tem o proprietário de terreno o dever de tolerar que<br />

o vizinho ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de para dela temporariamente usar, quando<br />

for indispensável à construção, se for este o único meio para conclusão <strong>da</strong><br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 92


obra. Inteligência do art.1.313 do Código Civil. Alegação de risco à estrutura<br />

do imóvel não demonstra<strong>da</strong>. Laudo produzido em feito que tramitou pelo Juízo<br />

<strong>da</strong> 17ª Vara Cível que afi rma ter cessado o perigo para estabili<strong>da</strong>de do imóvel,<br />

com relação a sua estrutura. Impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> apelante condicionar o término<br />

<strong>da</strong> obra ao pagamento de indenização já reconheci<strong>da</strong> em sentença proferi<strong>da</strong> pelo<br />

Juízo supra mencionado, atualmente em grau de apelação. Recurso desprovido.<br />

0019342-82.2006.8.19.0001 (2007.001.10931) — APELACAO<br />

DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA — Julgamento: 22/08/2007<br />

— SEXTA CAMARA CIVEL<br />

OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRÉDIO LIMÍTROFE. REALIZAÇÃO DE<br />

OBRA. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO. PROCEDÊNCIA DO PE-<br />

DIDO. SENTENÇA MANTIDA.Tem o proprietário de prédio limítrofe o<br />

dever de tolerar que o vizinho ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de para dela temporariamente<br />

usar, quando for indispensável à construção.RECURSO DESPRO-<br />

VIDO.<br />

— <strong>Direito</strong> de retenção que se torna irregular com o uso <strong>da</strong> coisa:<br />

REsp 613.387/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TUR-<br />

MA, julgado em 02/10/2008, DJe 10/12/2008<br />

DIREITO CIVIL. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE DE BOA-<br />

FÉ. DIREITO DE RETENÇÃO QUE SE TORNAR IRREGULAR COM<br />

O USO DA COISA. DEVER DO RETENTOR DE INDENIZAR O PRO-<br />

PRIETÁRIO COMO SE ALUGUEL HOUVESSE.<br />

— O direito de retenção assegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto.<br />

Pode ele ser limitado pelos princípios <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção ao enriquecimento sem causa<br />

e <strong>da</strong> boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se esten<strong>da</strong> por prazo indeterminado<br />

e interminável.<br />

— O possuidor de boa-fé tem o direito de detenção sobre a coisa, não sendo<br />

obrigado a devolvê-la até que seu crédito seja satisfeito, mas não pode se utilizar<br />

dela ou perceber seus frutos. Reter uma coisa, não equivale a servir-se dela. O<br />

uso <strong>da</strong> coisa reti<strong>da</strong> constitui abuso, gerando o dever de indenizar os prejuízos<br />

como se aluguel houvesse.<br />

— Afi gura-se justo que o proprietário deva pagar pelas acessões introduzi<strong>da</strong>s,<br />

de boa-fé, no terreno e que, por outro lado, os possuidores sejam obrigados a pagar<br />

um valor, a ser arbitrado, a título de aluguel, pelo uso do imóvel. Os créditos<br />

recíprocos haverão de ser compensados de forma que o direito de retenção será<br />

exercido no limite do proveito que os retentores tenham <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de alheia.<br />

Recurso Especial provido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 93


BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS<br />

OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS<br />

Obtido o conhecimento básico dos institutos <strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

e <strong>da</strong>s questões envolvendo a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e a ordenação urbana,<br />

passamos agora a conhecer questões mais atrela<strong>da</strong>s à reali<strong>da</strong>de dos negócios<br />

imobiliários e, também, utilizações dos demais direitos reais em uma<br />

perspectiva negocial.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 94


AULA 15: INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Incorporações imobiliárias. Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de contratação. Patrimônio de<br />

afetação nas incorporações imobiliárias.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, p. 9-34. Ed. Renovar.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, cap. 3.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS<br />

— Natureza <strong>da</strong>s incorporações imobiliárias<br />

— Negócios de incorporação imobiliária<br />

— Escritura de incorporação imobiliária<br />

Patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias<br />

— Legislação: Lei 10.931/04<br />

— Instituição do patrimônio de afetação<br />

— Problemas práticos e tributários<br />

Texto: “O que mu<strong>da</strong> com o patrimônio de afetação”<br />

O patrimônio <strong>da</strong> afetação é um instrumento sistematizado no início do<br />

mês de agosto de 2004, quando o Presidente <strong>da</strong> República sancionou um<br />

conjunto de medi<strong>da</strong>s intitula<strong>da</strong>s “pacote <strong>da</strong> construção”, cujo objetivo é o<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 95


incentivo ao mercado imobiliário, sendo estimado um crescimento <strong>da</strong> ordem<br />

de 4% a 8% no próximo ano.<br />

Dentre as medi<strong>da</strong>s anuncia<strong>da</strong>s, destacam-se aquelas que sinalizam boas<br />

perspectivas às empresas, através de linhas de créditos mais acessíveis e redução<br />

<strong>da</strong> carga tributária, e ao adquirente <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des, que passará a contar<br />

com maiores garantias de recebimento de seu imóvel.<br />

Dentre estas garantias está o patrimônio de afetação, que consiste na adoção<br />

de um patrimônio próprio para ca<strong>da</strong> empreendimento, que passará a ter<br />

a sua própria contabili<strong>da</strong>de, separa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s operações <strong>da</strong> incorpora<strong>da</strong>/construtora,<br />

o que confere segurança aos adquirentes quanto à destinação dos<br />

recursos aplicados na obra.<br />

Esta medi<strong>da</strong> se torna relevante para evitar o que o mercado apelidou de<br />

“efeito bicicleta” ou “pe<strong>da</strong>la<strong>da</strong>”, que signifi ca a situação <strong>da</strong>s empresas em difi -<br />

cul<strong>da</strong>de econômica que desviam recursos de um novo empreendimento para<br />

um anterior e assim sucessivamente, formando um ciclo vicioso que tantos<br />

prejuízos já causou no passado, ain<strong>da</strong> vivos na memória recente do país.<br />

Com a nova regra, to<strong>da</strong>s as dívi<strong>da</strong>s, de natureza tributária, trabalhista e<br />

junto a instituições fi nanceiras, fi cam restritas ao empreendimento em construção,<br />

não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívi<strong>da</strong>s assumi<strong>da</strong>s<br />

pela empresa.<br />

Dessa forma, na hipótese de ocorrer falência <strong>da</strong> empresa construtora/incorporadora,<br />

os compradores poderão <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de à obra, contratando<br />

outra empresa no lugar <strong>da</strong> fali<strong>da</strong>, confi gurando o objetivo de garantir ao<br />

consumidor a entrega de imóvel comprado na planta.<br />

Em decorrência dos casos notórios que macularam o mercado no passado,<br />

cogitou-se na criação de empresas específi cas para alguns empreendimentos, denomina<strong>da</strong>s<br />

SPE, ou Socie<strong>da</strong>de de Propósito Específi co, o que não se constitui na<br />

melhor opção, uma vez não haver garantir de um possível desvio de recursos.<br />

No caso <strong>da</strong> fi gura do patrimônio de afetação, que é de uso facultativo,<br />

existem maiores garantias aos mutuários, pois prevê a existência de uma comissão<br />

de representantes desde o início <strong>da</strong> obra, o que difi cultará a ocorrência<br />

de desvios, mesmo porque o patrimônio do incorporador irá responder pelo<br />

empreendimento objeto <strong>da</strong> afetação.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, o que a Lei 10.931/94 fez não foi instituir o patrimônio de<br />

afetação, mas regulamentá-lo, pois sua previsão veio com a Medi<strong>da</strong> Provisória<br />

2.221, de setembro de 2004, embora de forma imprecisa, que não surtiu<br />

os efeitos desejados.<br />

O que se espera, de mais importante como efeito prático, e que virá a repercutir<br />

positivamente na economia, é que este instrumento, ao gerar maior<br />

segurança aos contratos, resultará na diminuição dos juros, pois estes são<br />

diretamente ligados ao risco <strong>da</strong> transação, que irá reduzir.” 33<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

33 http://www.precisao.eng.br/fmnresp/afeta.htm.<br />

FGV DIREITO RIO 96


CASO GERADOR<br />

Histórico do processo xxxx, movido pelo escritório yyy contra a Encol<br />

Incorporadora:<br />

HISTÓRICO DO PROCESSO ENCOL<br />

O TERRENO<br />

Na <strong>da</strong>ta de 07 de junho de 1993, CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-<br />

TORA LTDA. e a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-<br />

TRIA celebraram três escrituras públicas de promessa de compra e ven<strong>da</strong> dos<br />

imóveis constituídos por 3 frações de 1/7 do lote 04 do PA 27.233, na Barra<br />

<strong>da</strong> Tijuca, Rio de Janeiro, onde, construir-se-iam os projetos arquitetônicos<br />

previamente aprovados de prédios residenciais multifamiliares, cabendo à<br />

empresa permutante dos terrenos 68 (sessenta e oito) do total <strong>da</strong>s 264 uni<strong>da</strong>des<br />

previstas para ca<strong>da</strong> um dos prédios, num total de 204 apartamentos,<br />

dos 792 (setecentos e noventa e dois) que integram os três prédios a serem<br />

construídos — SAN FILIPO e VILLA BORGHESE (BLOCO I Ed. SAN<br />

MARCO e BLOCO II Ed. SAN MICHEL).<br />

PROMESSAS DE VENDA NÃO REGISTRADAS<br />

Como praxe <strong>da</strong> empresa, em todos os seus empreendimentos, a ENCOL<br />

não registrava memoriais de incorporação embora protocolasse no cartório<br />

pedido a ele referente, isso fazendo no intuito de conseguir prometer diferentes<br />

<strong>da</strong>tas de entrega e até prometer vender mais apartamentos do que efetivamente<br />

existentes, esquema denunciado pelos jornais, que funcionava como<br />

overbooking para desistências e retoma<strong>da</strong>s de uni<strong>da</strong>des no curso <strong>da</strong> obra, podendo<br />

assim operar sucessivas transferências de titulari<strong>da</strong>de em prejuízo dos<br />

cofres públicos.<br />

SONHO DESFEITO<br />

Com a paralisação <strong>da</strong>s obras, contados os cobres e feitas as contas, os compradores<br />

tinham entregue à Encol 27 milhões e os engenheiros <strong>da</strong> própria<br />

diziam que a construção continha pouco mais do que a metade desse valor.<br />

CAUTELA DOS ADQUIRENTES<br />

Mais de uma centena de adquirentes lesados requereram a averbação do<br />

contrato particular de promessa de compra e ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua uni<strong>da</strong>de perante<br />

o cartório do Registro de Imóveis, com o intuito de conferir direito real oponível<br />

a terceiros, nos termos do Art. 35, § 4º <strong>da</strong> Lei de Condomínio e Incor-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 97


porações nº 4591/64. O prazo avançado com o permutante do terreno para<br />

que a ENCOL — promissária compradora — alcançasse o adimplemento de<br />

sua obrigação de fazer foi o de 50 (cinquenta) meses, contados <strong>da</strong>quela <strong>da</strong>ta<br />

(07/06/93), ou seja, até 07 de agosto de 1997, quando já estavam há muito<br />

abandona<strong>da</strong>s as obras.<br />

PERMUTANTE RETOMA POSSE<br />

Vencido o prazo sem que a ENCOL lograsse cumprir com a sua obrigação<br />

de fazer, entregando para a permutante, prontas e acaba<strong>da</strong>s com seus respectivos<br />

“habite-se”, as uni<strong>da</strong>des representativas do preço, e em meio ao notório<br />

quadro de insolvência <strong>da</strong> empresa, estando às construções totalmente paralisa<strong>da</strong>s,<br />

inclusive com o abandono dos canteiros de obras, cuidou a permutante<br />

de obter o socorro <strong>da</strong> tutela jurisdicional, ingressando na via judiciária com<br />

ação de procedimento ordinário pleiteando a rescisão dos negócios jurídicos<br />

celebrados com a ENCOL e reintegração na posse dos imóveis, além <strong>da</strong>s<br />

per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos decorrentes do descumprimento <strong>da</strong>s obrigações assumi<strong>da</strong>s<br />

pela ENCOL.<br />

JUIZ RESGUARDA OS ADQUIRENTES<br />

A menciona<strong>da</strong> ação de procedimento ordinário foi distribuí<strong>da</strong> para a 34ª<br />

Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de Janeiro, processo registrado sob o número<br />

97.001.116940-8, tendo a sua autora CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-<br />

TORA LTDA, na <strong>da</strong>ta de 17 de outubro de 1997, obtido <strong>da</strong>quele MM.<br />

Juízo Tutela Antecipa<strong>da</strong>, no sentido de ver-se reintegra<strong>da</strong> na posse do imóvel<br />

compromissado a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-<br />

TRIA, além de rescisão provisória do contratado.<br />

ENCOL EVITA CITAÇÃO E PEDE CONCORDATA<br />

A partir de então, respeitando o teor <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> decisão de Tutela Antecipa<strong>da</strong><br />

que ressalvou expressamente o respeito aos direitos dos adquirentes <strong>da</strong>s<br />

demais uni<strong>da</strong>des comercializa<strong>da</strong>s pela ENCOL, foram estabeleci<strong>da</strong>s diversas,<br />

longas e exaustivas tratativas entre todos os envolvidos, com o objetivo de<br />

virem a encontrar uma solução para o impasse que fosse conveniente aos<br />

interesses em confl ito.<br />

Das tão extensas tratativas, restou a impossibili<strong>da</strong>de de virem os adquirentes<br />

e a permutante conciliar as suas respectivas vontades e interesses com a<br />

ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚSTRIA, entendendo<br />

aqueles serem completamente descabi<strong>da</strong>s as exigências desta, feitas por quem<br />

recusava receber citação.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 98


JUIZ CONDENA MÁ-FÉ<br />

Aconteceu então, que o MM Juízo <strong>da</strong> 34ª Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de<br />

Janeiro, na <strong>da</strong>ta de 14 de maio de 1998, proferiu sentença de mérito, publica<strong>da</strong><br />

na imprensa ofi cial do dia 19 de maio de 1998, <strong>da</strong>ndo por rescindi<strong>da</strong>s as<br />

três promessas de compra e ven<strong>da</strong> celebra<strong>da</strong>s, consoli<strong>da</strong>ndo a reintegração de<br />

posse antecipa<strong>da</strong> à permutante e condenando a ré a compor em favor <strong>da</strong>quela<br />

as per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos decorrentes <strong>da</strong> sua inadimplência.<br />

TRIBUNAL CONFIRMA SENTENÇA<br />

A ENCOL apresentou apelação (nº 98.001.07409), vendo então confi<br />

rma<strong>da</strong> a sentença pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão<br />

que teve como Relatora a Des. Maria Henriqueta Lobo, <strong>da</strong> Décima Quarta<br />

Câmara Cível.<br />

ENCOL INSISTE COM RECURSO ESPECIAL<br />

Não satisfeita, a Encol, concor<strong>da</strong>tária e na iminência do pagamento <strong>da</strong> 1ª<br />

parcela, apresentou recurso especial, no único e exclusivo intuito de evitar o<br />

trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão e amarrar a si o negócio já desfeito, e que não<br />

mais a legitima a fi gurar como incorporadora dos terrenos em que se assentam<br />

os prédios que não completou.<br />

ADQUIRENTES ORGANIZAM COMISSÃO, CONTRATAM RE-<br />

CUPERAÇÃO E CONTINUAÇÃO DA CONSTRUÇÃO<br />

Levando em consideração que, com o passar do tempo, maior será o<br />

agravamento dos prejuízos impostos pela ENCOL a permutante do terreno<br />

e ao conjunto dos adquirentes <strong>da</strong>s diversas uni<strong>da</strong>des de apartamentos a<br />

serem construídos, nota<strong>da</strong>mente face aos fatos, entre outros, de haverem<br />

sido as incorporações promovi<strong>da</strong>s de forma ilícita, sem observância <strong>da</strong>s<br />

imperativas disposições <strong>da</strong> Lei específi ca, sem a prévia averbação do Memorial<br />

de Incorporação nem a outorga dos competentes contratos relativos às<br />

comercializa<strong>da</strong>s frações de terreno, sem se falar que os impostos incidentes<br />

sobre os imóveis não foram pagos, tampouco as contas de água e luz foram<br />

honra<strong>da</strong>s, fato que determinou cortes e desligamentos, e considerando que<br />

as benfeitorias realiza<strong>da</strong>s estão relega<strong>da</strong>s ao abandono e sujeitas às intempéries,<br />

resolveram adquirentes e a permutante do terreno, no objetivo de<br />

melhor ajustar os seus recíprocos direitos e interesses, além dos <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de,<br />

em razão do intenso interesse social em jogo, primeiro transacionar,<br />

para, na forma do artigo 1.025 e seguintes do Código Civil Brasileiro,<br />

prevenir qualquer litígio que entre eles pudesse se estabelecer e contratar<br />

promessa de compra e ven<strong>da</strong>, onde a permutante dos terrenos respeita e<br />

mantém o objeto e a posição que ca<strong>da</strong> um dos adquirentes deteria para com<br />

a ENCOL, caso esta houvesse concluído os prédios e entregue, prontas e<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 99


acaba<strong>da</strong>s com os respectivos “habite-se”, as uni<strong>da</strong>des habitacionais que com<br />

ca<strong>da</strong> um deles foi compromissa<strong>da</strong>.<br />

Tal ajuste, entretanto, só se aperfeiçoará com o trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão<br />

que restitui a permutante a titulari<strong>da</strong>de dos imóveis, condição suspensiva,<br />

posto que a efi cácia do negócio subordina-se à defi nitiva confi rmação<br />

pelas instâncias superiores, <strong>da</strong> sentença proferi<strong>da</strong> em primeira instância pelo<br />

MM. Juízo <strong>da</strong> 34ª Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de Janeiro, na já menciona<strong>da</strong><br />

lide de rescisão do contrato de permuta.<br />

ADQUIRENTES CONSEGUEM ASSISTÊNCIA<br />

Exibindo as escrituras, o 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, deferiu<br />

assistência litisconsorcial para ingresso dos adquirentes no processo movido<br />

pela permutante para rescisão dos contratos com a Encol, aceitando-se nos<br />

autos as suas razões, que ressaltaram a inutili<strong>da</strong>de do recurso apresentado pela<br />

concor<strong>da</strong>tária, cuja má-fé fora proclama<strong>da</strong> pela sentença e confi rma<strong>da</strong> pelo<br />

Tribunal.<br />

ENCOL VAI À FALÊNCIA<br />

Ocorrendo a decretação <strong>da</strong> falência antes de decidi<strong>da</strong> a admissibili<strong>da</strong>de<br />

do recurso pelo 3º Vice-Presidente do Tribunal, expediu-se carta precatória<br />

à comarca de Goiânia-GO, para que o síndico seja intimado à regularização<br />

<strong>da</strong> representação <strong>da</strong> massa fali<strong>da</strong> nos autos, a fi m de que seja <strong>da</strong>do prosseguimento<br />

ao feito, como de direito.<br />

CONTAGEM REGRESSIVA<br />

Com o fi m do recesso do Tribunal de Justiça, começa a contagem regressiva<br />

para a solução fi nal do processo que libertará os três prédios <strong>da</strong>s garras<br />

<strong>da</strong> ENCOL. Lembro a todos que, no momento, o processo está aos cui<strong>da</strong>dos<br />

do Dr. Samy Glanz, 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, a quem<br />

caberá dizer se o recurso <strong>da</strong> ENCOL tem ou não condições de prosseguir a<br />

exame do Superior Tribunal de Justiça — STJ, em Brasília. Por óbvio, não<br />

trabalhamos única e exclusivamente com uma decisão favorável, que acabe<br />

logo com esse absurdo protelar do desfecho, mas é bom esclarecer que, se o<br />

Sr. Desembargador concluir pelo preenchimento de to<strong>da</strong>s as formali<strong>da</strong>des<br />

legais, NÃO HÁ AGRAVO CONTRA O DESPACHO QUE ADMITIR O<br />

RECURSO ESPECIAL DA ENCOL! Em outras palavras, se o recurso tiver<br />

seu seguimento negado, a ENCOL pode ain<strong>da</strong> levar o caso ao STJ, mas, se<br />

o recurso for admitido, não há como impedir que siga seu curso, passando a<br />

questão diretamente ao Relator sorteado no STJ. Pensando nisso, resolvemos<br />

estu<strong>da</strong>r a possibili<strong>da</strong>de de mais uma vez denunciar os abusos cometidos pelos<br />

comissários <strong>da</strong> concor<strong>da</strong>ta e síndicos na administração <strong>da</strong> massa fali<strong>da</strong>, pois<br />

é evidente a manha de quem sabe que não vai construir na<strong>da</strong>, mas insiste<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 100


em se amarrar ao negócio frustrado por sua própria culpa, na tentativa de<br />

auferir lucros, quando deve amargar indenização pelos <strong>da</strong>nos causados às<br />

suas dezenas de milhares de vítimas em todo o país. O derrame é tão grande<br />

e envolve tantas e tão altas esferas de governo que a questão balança a soberania<br />

nacional, não se podendo admitir que os assaltantes fujam pela porta dos<br />

fundos de Brasília. Não importa quantos anos o Sr. Pedro Paulo vai fi car na<br />

cadeia, mas onde é que foi parar tanto dinheiro, em um mundo inteiramente<br />

informatizado em transações fi nanceiras desse porte. Se for possível rastrear o<br />

PC, por que não o do Pedro Paulo? Reconheçam-se as difi cul<strong>da</strong>des que o MP<br />

Federal teve para reunir informações necessárias ao recente ajuizamento, em<br />

Brasília, <strong>da</strong> ação criminal que fi nalmente quebrará o sigilo bancário de todos<br />

os envolvidos no escân<strong>da</strong>lo. Também no começo de agosto, com o fi m do<br />

recesso parlamentar, está marcado para acontecer uma série de depoimentos<br />

sobre o caso ENCOL, ain<strong>da</strong> não confi rmados, mas que incluem juiz, síndico,<br />

comissário, advogados, ANCE, etc. Aguardem!<br />

De que modo podem os dispositivos <strong>da</strong> Lei 10.931/04 auxiliar os adquirentes?<br />

Para as instituições fi nanceiras, o novo regime legal é vantajoso?<br />

DECISÃO(ÕES).<br />

INFORMATIVO N°0194<br />

PERÍODO: 1° A 5 DE DEZEMBRO DE 2003.<br />

CONDOMÍNIO DE CONSTRUÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL<br />

O art 63, § 1º, <strong>da</strong> Lei n. 5.491/1964, que rege os condomínios e incorporações<br />

imobiliárias, facultou às partes — construtor, incorporador e<br />

adquirentes — adotar sistema de penalização ao adquirente inadimplente,<br />

com a possibili<strong>da</strong>de de promoção, pela Comissão de Representantes, de leilão<br />

extrajudicial <strong>da</strong> sua fração ideal do terreno e <strong>da</strong> parte construí<strong>da</strong>, a fi m<br />

de evitar interrupção na obra. Protegem-se, assim, os interesses dos demais<br />

adquirentes, que têm que arcar com todos os custos <strong>da</strong> construção. Entretanto<br />

tal procedimento instituído pela cita<strong>da</strong> lei requer convenção expressa.<br />

O cui<strong>da</strong>do do legislador justifi ca-se ante a extrema restrição de direitos que<br />

sofrerá a parte inadimplente. Isso posto, a Turma deu provimento ao REsp, a<br />

fi m de declarar a impossibili<strong>da</strong>de de realização de leilão extrajudicial <strong>da</strong> quota<br />

parte do condômino inadimplente ante a ausência de previsão contratual e<br />

inverteu os ônus <strong>da</strong> sucumbência. REsp 345.677-SP, Rel. Min. Antônio de<br />

Pádua Ribeiro, julgado em 2/12/2003<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 101


(AgRg nos EDcl no REsp 1107117/SC, Rel. MIN. VASCO DELLA<br />

GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEI-<br />

RA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011)<br />

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CI-<br />

VIL. RESCISÃO DE CONTRATO. ART. 40 DA LEI 4.591/64 — LEI DE<br />

CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES E INCORPORAÇÕES IMOBILIÁ-<br />

RIAS. PERMUTA DE TERRENO URBANO POR ÁREA CONSTRUÍDA.<br />

INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. RETORNO DO IMÓ-<br />

VEL AOS ALIENANTES EM RAZÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL.<br />

TRANSAÇÃO QUE EXIME A RESPONSABILIDADE DOS ALIENAN-<br />

TES EM RELAÇÃO A EVENTUAIS ADQUIRENTES. CLÁUSULA INE-<br />

FICAZ. INDENIZAÇÃO AOS EX-TITULARES.<br />

1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infi rmar os fun<strong>da</strong>mentos<br />

que alicerçaram a decisão agrava<strong>da</strong>, razão que enseja a negativa de<br />

provimento ao agravo regimental.<br />

2. Nos termos do art. 257 do RISTJ e <strong>da</strong> Súmula 456 do STF, é possível<br />

a este Tribunal Superior julgar a causa, aplicando o direito à espécie, quando<br />

conhecido o recurso especial.<br />

3. Se a matéria objeto de insurgência no recurso especial foi devi<strong>da</strong>mente<br />

prequestiona<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que implicitamente, não há falar em aplicação <strong>da</strong> Súmula<br />

211 do STJ.<br />

4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de que “o proprietário<br />

de terreno que o aliena a terceiro, dele recebendo em pagamento futuros apartamentos<br />

decorrentes de edifi cação a ser erigi<strong>da</strong> no local, cujo contrato de compra<br />

e ven<strong>da</strong> foi rescindido por transação, é responsável pelo ressarcimento de tudo<br />

quanto foi pago pelos compradores de outros apartamentos vendidos por aquele<br />

terceiro quando o primitivo negócio ain<strong>da</strong> estava vigente”, sendo inefi caz com<br />

relação aos adquirentes <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des imobiliárias qualquer cláusula exoneratória<br />

de responsabili<strong>da</strong>de dos alienantes do terreno, haja vista que a mesma “vincularia<br />

apenas as partes que a tivessem estabelecido” (REsp 282.740/SP, Rel. Min.<br />

CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).<br />

5. O descumprimento, pela incorporadora, <strong>da</strong> obrigação constante no art.<br />

32 <strong>da</strong> Lei 4.591/64, consistente no registro do memorial de incorporação no<br />

Cartório de Imóveis, não implica a nuli<strong>da</strong>de ou anulabili<strong>da</strong>de (nuli<strong>da</strong>de relativa)<br />

do contrato de promessa de compra e ven<strong>da</strong> de uni<strong>da</strong>de condominial, tampouco<br />

impede, ao ex-titular de direito à aquisição de uni<strong>da</strong>de autônoma, a reparação a<br />

que alude o art. 40 <strong>da</strong> Lei 4.591/64. Precedentes.<br />

6. É certo que “em contrato de permuta, no qual uma <strong>da</strong>s partes entra com o<br />

imóvel e outra com a construção, não tendo os proprietários do terreno exercido<br />

atos de incorporação — uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumiram<br />

a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> incorporação, não havendo contratado a construção<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 102


do edifício — não cumpri<strong>da</strong> pela construtora sua parte, deve ser deferi<strong>da</strong> aos<br />

proprietários do imóvel a reintegração na posse”. To<strong>da</strong>via, “o deferimento fi ca<br />

condicionado às exigências do § 2º do art. 40 <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Incorporações, Lei nº<br />

4.591/64, para inclusive resguar<strong>da</strong>r os interesses de eventuais terceiros interessados”,<br />

que “deverão ser comunicados do decidido, podendo essa comunicação<br />

ser feita extrajudicialmente, em cartório” (REsp 489.281/SP, Rel. para acórdão<br />

Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 15.03.2003).<br />

7. “O valor <strong>da</strong> indenização, de que trata o 2 do art. 40 <strong>da</strong> Lei 4.591/64,<br />

a ser paga pelo primitivo proprietário do terreno ao ex-titular <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de anteriormente<br />

adquiri<strong>da</strong> deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que<br />

efetivamente valer referi<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de no momento do pagamento <strong>da</strong> indenização,<br />

proporcional ao estágio <strong>da</strong> construção quando foi paralisa<strong>da</strong>, por ter sido desconstituído<br />

o primitivo negócio, incluído aí o valor <strong>da</strong> fração ideal do terreno”<br />

(REsp 282.740/SP, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).<br />

8. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

— Restituição ao condômino inadimplente <strong>da</strong>s parcelas pagas quando do<br />

leilão de seu imóvel.<br />

(REsp 472.533/MS, Rel. MIN. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA<br />

TURMA, julgado em 12/08/2003, DJ 25/08/2003, p. 318)<br />

CONTRATO DE INCORPORAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. AD-<br />

JUDICAÇÃO DO IMÓVEL DO ADQUIRENTE PELO CONDOMÍNIO.<br />

SALDO DEVEDOR. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. IMPOSSIBILI-<br />

DADE. RESTITUIÇÃO AO CONDÔMINO INADIMPLENTE DAS PAR-<br />

CELAS EFETIVAMENTE PAGAS. INCIDÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA<br />

DO CONSUMIDOR. LEI 4.591/64.<br />

1. Afronta os princípios gerais de direito e a justiça contratual almeja<strong>da</strong> pelo<br />

Código de Defesa do Consumidor a não restituição, ao condômino inadimplente,<br />

<strong>da</strong>s parcelas efetivamente sal<strong>da</strong><strong>da</strong>s para a construção de empreendimento<br />

mediante contrato de incorporação.<br />

2. Cabível a restituição <strong>da</strong>s parcelas adimpli<strong>da</strong>s devi<strong>da</strong>mente corrigi<strong>da</strong>s, autoriza<strong>da</strong><br />

a retenção, pelo condomínio, de 15% do valor referente à comissão e<br />

multa remuneratória, a que se refere o § 4º do artigo 63 <strong>da</strong> Lei 4.951/64.<br />

3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 103


AULAS 16 E 17: CONDOMÍNIO<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Condomínio edilício. Administração dos confl itos condominiais. Órgãos<br />

condominiais.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Instituições de direito civil, vol. 4, cap. 53.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

AVVAD, Pedro. Condomínio e incorporações no Novo Código Civil: conclusões<br />

e questões polêmicas (em anexo, ao fi nal do livro).<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

CONDOMÍNIO COMUM OU VOLUNTÁRIO<br />

Conceito: Exercício, por mais de uma pessoa, em frações inicialmente<br />

ideais, dos direitos inerentes à proprie<strong>da</strong>de.<br />

Origem: pode ser incidente ou convencional, ordinário ou forçado.<br />

DIREITOS DOS CONDÔMINOS<br />

— Ca<strong>da</strong> um pode usar a coisa, de modo a não incompatibilizar a indivisão.<br />

— Ca<strong>da</strong> um pode alhear a sua parte, ou gravá-la, respeita<strong>da</strong> a preferência.<br />

— Reivindicar a coisa de terceiro.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 104


DEVERES DOS CONDÔMINOS<br />

— Responder pelos frutos auferidos.<br />

— Não modifi car a coisa.<br />

— Não poder <strong>da</strong>r uso e gozo <strong>da</strong> coisa para estranho sem o consentimento<br />

dos demais.<br />

— Responder pelos custos e dívi<strong>da</strong>s comuns, presumivelmente de acordo<br />

com sua cota parte.<br />

— Pode-se optar por escolha de administrador para o condomínio.<br />

Condomínio decorrente <strong>da</strong> separação dos bens: art. 1.327: há condomínio<br />

quanto aos muros, cercas...<br />

EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO COMUM<br />

— Art. 1.320. O destino natural de qualquer bem é a divisão.<br />

— Art. 1.322. Extinção pela alheação.<br />

CONDOMÍNIO EDILÍCIO<br />

Condomínio do CC e <strong>da</strong> Lei nº 4.591/64 (edilício, art. 1). Revogação<br />

desta lei pelo CC?<br />

— Áreas de uso exclusivo e áreas de uso comum.<br />

— Síndico e convenção condominial.<br />

— Cota condominial.<br />

— Deveres dos condôminos.<br />

Aplicação imediata dos dispositivos do Código Civil, a despeito do disposto<br />

na convenção de condomínio.<br />

ADMINISTRAÇÃO DE GARAGEM E COBERTURA.<br />

Cobertura: área comum ou exclusiva?<br />

Regimes jurídicos para a garagem:<br />

a) área comum indivisa;<br />

b) área comum indivisa com ocupação determina<strong>da</strong> na convenção;<br />

c) vaga na escritura, acessória <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de;<br />

d) vaga autônoma.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 105


CASO GERADOR<br />

Vejamos o exemplo <strong>da</strong>do por Américo Isidoro Angélico: 34<br />

“Imaginemos a hipótese de um condômino <strong>da</strong>do ao exacerbado alcoolismo,<br />

frequentemente é encontrado nas esca<strong>da</strong>s do condomínio em desalinho,<br />

bem como desfalecido nos elevadores, expelindo vômito e dejetos. Ante tal<br />

fato, o condomínio, através de seu síndico, convoca uma Assembléia Geral<br />

Extraordinária (artigo 1.354, do NCC), em cuja pauta convocativa destina<br />

a aplicação do constrangimento de até dez vezes a taxa condominial ao<br />

proprietário <strong>da</strong> ‘uni<strong>da</strong>de 150’, ante reiterado comportamento anti-social,<br />

gerando incompatibili<strong>da</strong>de de convivência com a socie<strong>da</strong>de condominial já<br />

desgasta<strong>da</strong> em decorrência de tal comportamento.<br />

A assembléia por 3/4 (três quartos) de seus condôminos restantes (artigo<br />

1.337 do NCC), excluindo assim o condômino do ‘apartamento 150’, que<br />

convocado e presente à assembléia defendeu-se alegando que haveria de mu<strong>da</strong>r<br />

o seu comportamento, aplicou no ato assemblear a multa com fun<strong>da</strong>mento<br />

no artigo 1.337, parágrafo único, de dez vezes o quantum <strong>da</strong> contribuição<br />

condominial (smj, o quorum exigido na Nova Lei Civil, nas hipóteses: reitera<strong>da</strong>mente<br />

inadimplente, infrator e anti-social é simples, restando entender<br />

pela aplicação <strong>da</strong>s multas com muita facili<strong>da</strong>de pelo condomínio).<br />

Posteriormente, foi paga a multa, contudo, o condômino prosseguiu em<br />

seu exacerbado alcoolismo, e até mesmo agudou este comportamento antisocial<br />

(codifi cação — direito de vizinhança, artigos 1.277 e 1.279, do NCC).<br />

O condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipa<strong>da</strong>, colimando<br />

a exclusão do condômino do condomínio, trazendo inequívoca prova<br />

dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança <strong>da</strong>s alegações e preenchendo<br />

todos os demais pressupostos legais exigidos (artigo 273, do CPC),<br />

requerendo a exclusão do condômino <strong>da</strong>quele condomínio.”<br />

Art. 1.337: a punição após ulterior deliberação <strong>da</strong> assembléia: possibili<strong>da</strong>de<br />

de expulsão do condômino? Como interpretar o dispositivo? É mesmo<br />

possível expulsar condômino anti-social?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

34 http://www.lexinform.com.br/artigos1.asp?Codigo=12.<br />

FGV DIREITO RIO 106


AULA 18: DEMAIS DIREITOS REAIS<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Demais direitos reais. Teoria do fracionamento e crítica. Tipici<strong>da</strong>de dos<br />

<strong>Direito</strong>s Reais. Multiproprie<strong>da</strong>de. <strong>Direito</strong>s reais extintos: enfi teuse e ren<strong>da</strong>. A<br />

profusão <strong>da</strong>s enfi teuses na vi<strong>da</strong> prática e a regra de transição do art. 2.038.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo:<br />

O princípio <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de dos direitos reais, por Gustavo Kloh Muller<br />

Neves. Ed. Renovar.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS<br />

Polêmica Realismo vs. Personalismo:<br />

<strong>Direito</strong> real — caráter externo — signifi ca um poder exercido sobre uma<br />

coisa. Esta conclusão é identifi ca<strong>da</strong> com o trabalho dos glosadores medievais.<br />

Crítica personalista — burguesia européia — o direito real não pode ser<br />

uma relação entre pessoa e coisa, pois só existem relações entre pessoas. Principal<br />

fi gura: Planiol.<br />

O personalismo e a ideia de obrigação passiva universal justifi cam a apropriação<br />

dos direitos reais pelos burgueses. A relação entre a pessoa e a coisa<br />

pode trazer inferências religiosas; se a proprie<strong>da</strong>de e demais direitos reais forem<br />

como o crédito, o burguês poderá ter acesso a estes direitos. Lembrar que<br />

privilégios reais (talha, corvéia, etc.) eram direitos reais.<br />

Crítica ao realismo: impossibili<strong>da</strong>de de relação entre pessoa e coisa; há<br />

direitos reais onde a interfencia <strong>da</strong> pessoa sobre a coisa é mínima, como no<br />

caso <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s.<br />

Crítica ao personalismo: a obrigação passiva universal na<strong>da</strong> mais é que o<br />

neminem laedere e vale também para qualquer tipo de direito. Carvalho de<br />

Mendonça diz que a obrigação passiva universal não é obrigação, pois não é<br />

patrimonial, não podendo ser lança<strong>da</strong> no passivo.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 107


DIFERENÇA PARA OS DIREITOS OBRIGACIONAIS:<br />

MÉTODOS DE EXPLICAÇÃO<br />

M. I. Carvalho de Mendonça: poder sobre a coisa x poder sobre a pessoa.<br />

Oliveira Ascensão: o direito real é absoluto, por prescindir de uma relação<br />

jurídica prévia; ele prevalece por si só.<br />

Relevância econômica <strong>da</strong>s coisas e dos negócios (art. 170, CF).<br />

Figuras intermédias: Ônus reais: ren<strong>da</strong>s...<br />

Obrigação propter rem: lembrar polêmica Santiago Dantas e C. Mário sobre<br />

a natureza <strong>da</strong> obrigação.<br />

Execução específi ca e tutela específi ca <strong>da</strong> obrigação: ius ad rem, segundo<br />

Venosa, como a adjudicação compulsória e a imissão na posse.<br />

Proteção erga omnes de obrigações: preferência na Lei 8.245.<br />

Penhor de créditos: art. 789 e seguintes do CC.<br />

Olympio Costa Jr. e Diez-Picazo: Proprie<strong>da</strong>de como situação jurídica, capaz<br />

de gerar outras relações reais.<br />

Proprie<strong>da</strong>de como uni<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental dos direitos reais: avançar noção<br />

de proprie<strong>da</strong>de como somatório de poderes sobre uma coisa — CC, art. 524,<br />

e art. 1229, Projeto.<br />

— Oponibili<strong>da</strong>de perante terceiros.<br />

— Sequela ou ambulatorie<strong>da</strong>de: o direito real “persegue” a coisa onde<br />

quer que ela esteja. Exemplo: furto, hipoteca, ven<strong>da</strong> de imóvel sobre o qual<br />

pesa um usufruto.<br />

— Preferência: falar dos direitos reais de garantia. S. Lopes: a preferência<br />

também diz respeito à predominância de um direito real constituído anteriormente,<br />

sobre um constituído posteriormente.<br />

— Abandono: o titular de um direito real pode dele abrir mão, em geral,<br />

sem prestar contas a ninguém (lembrar regime de proteção do patrimônio<br />

mínimo: pródigo, doação universal e inofi ciosa).<br />

— Perpetui<strong>da</strong>de: emborca com exceções, os direitos reais não são consumíveis<br />

pelo exercício, protraindo-se no tempo.<br />

— Titulari<strong>da</strong>de: para ca<strong>da</strong> direito real, deve haver apenas um titular (ou<br />

núcleo de titulari<strong>da</strong>de), que deve ser o tempo todo determinado. A estrutura<br />

<strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de representa como, em uma socie<strong>da</strong>de, é reparti<strong>da</strong> a riqueza.<br />

Falar de exceção: multiproprie<strong>da</strong>de (time sharing).<br />

— Tipici<strong>da</strong>de ou numerus clausus: os direitos reais não podem ser criados<br />

por via negocial, devendo estar previstos em lei. Falar do direito romano, <strong>da</strong><br />

gewere, dos códigos. Empecilho, no caso de direitos reais sobre imóveis (S.<br />

Rodrigues): o registro. Leis extravagantes prevêem direitos reais diferentes:<br />

Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (superfície), Lei 6.766 (direito real de preferência, no<br />

compromisso de compra e ven<strong>da</strong>), por exemplo. Falar do sistema espanhol.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 108


CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS<br />

<strong>Direito</strong>s reais sobre coisa própria: Proprie<strong>da</strong>de.<br />

<strong>Direito</strong>s reais sobre coisa alheia:de uso, gozo e fruição: usufruto; uso; habitação;<br />

ren<strong>da</strong> constituí<strong>da</strong> sobre imóvel; servidão; superfície.<br />

De garantia: penhor; hipoteca; anticrese.<br />

De aquisição: <strong>Direito</strong> de preferência na promessa de compra e ven<strong>da</strong>.<br />

São todos desmembramentos do direito de proprie<strong>da</strong>de (ou melhor, dos<br />

seus poderes).<br />

Alienação fi duciária: não cria “novo” direito real, mas sim um novo contrato<br />

legitimador de posse imediata.<br />

ENFITEUSE E RENDA<br />

— Defi nição legal.<br />

— Ultrativi<strong>da</strong>de.<br />

— Art. 2.038: aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> regra de transição e direito intertemporal.<br />

CASO GERADOR<br />

O instituto <strong>da</strong> enfi teuse e a atual administração<br />

Prof. Marcos Coimbra<br />

Artigo publicado em set./2003 no jornal Ombro a Ombro<br />

O líder do governo <strong>da</strong> atual administração Lula no Senado, Aloizio Merca<strong>da</strong>nte,<br />

acaba de pronunciar-se contrário ao fi m do instituto <strong>da</strong> enfi teuse no<br />

Brasil, em nome do “interesse econômico <strong>da</strong> União” e <strong>da</strong> “necessi<strong>da</strong>de de se<br />

manter elevados superávits primários para garantir a confi ança na capaci<strong>da</strong>de<br />

de o governo honrar os seus compromissos impede que a União abra mão,<br />

neste momento, dos recursos arreca<strong>da</strong>dos com as receitas patrimoniais”. Na<br />

melhor tradição monetarista, S. Exª subordina fi ns a meios. De início, a atual<br />

administração Lula está cumprindo seus compromissos, engaja<strong>da</strong>mente, com<br />

os banqueiros e as multinacionais, mas não com os trabalhadores, a exemplo<br />

<strong>da</strong> Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco Brasil (PREVI), onde os<br />

benefi ciários, que teriam direito ao reajuste de 30,05%, em junho do corrente<br />

ano, obtiveram apenas 18%, a pretexto de se evitar défi cit pelo terceiro ano<br />

consecutivo. S. Exª conhece muito bem os prejuízos ocasionados à PREVI<br />

em função de sua utilização no processo de privatização selvagem de estatais<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 109


asileiras, como no crime de lesa pátria <strong>da</strong> “doação” <strong>da</strong> Companhia Vale do<br />

Rio Doce, por infl uência de políticos com poder na administração anterior,<br />

mesmo sendo de “oposição”. Para diminuir o défi cit nominal do Tesouro não<br />

é preciso a utilização <strong>da</strong>s receitas oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> enfi teuse, mas sim diminuir o<br />

extorsivo pagamento de juros exorbitantes <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública, <strong>da</strong> corrupção<br />

desenfrea<strong>da</strong> e do empreguismo utilizado pela toma<strong>da</strong> de assalto pelas políticas<br />

clientelistas <strong>da</strong> nova administração, atingindo até o INCA. As “reformas<br />

previdenciária e tributária” são outras demonstrações de “ajustes fi scais”, que<br />

provocarão per<strong>da</strong>s irreparáveis à classe trabalhadora, em especial à classe média,<br />

para alegria dos rentistas e do FMI.<br />

A outra linha de argumentação exposta por S. Exª, quanto à proprie<strong>da</strong>de<br />

de terras brasileiras, leva ao raciocínio absurdo de que então não existe mais<br />

proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> no Brasil. Na reali<strong>da</strong>de, tudo deveria pertencer à União.<br />

Tal, contudo, não ocorre. Por que só as chama<strong>da</strong>s “terras <strong>da</strong> Marinha”? De<br />

fato, quem recolhe o foro e o laudêmio é o Serviço de Patrimônio <strong>da</strong> União,<br />

subordinado ao Ministério do Planejamento, atualmente com suas direções<br />

regionais entregues, no loteamento de cargos para garantir a maioria no Congresso,<br />

a um partido político, com grande infl uência religiosa, sempre presente<br />

em todos os governos, cabendo à Marinha, caso receba, irrisória fatia<br />

<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção. Sob o ponto de vista <strong>da</strong> justiça e sob o aspecto ético, não há<br />

razão para a manutenção no anacrônico instituto, de origem medieval, capaz<br />

de permitir até à família imperial brasileira, em Petrópolis, arreca<strong>da</strong>ção permanente,<br />

bem como a outras instituições priva<strong>da</strong>s e religiosas.<br />

Não conseguimos descobrir a importância estratégica na segurança e soberania<br />

nacionais, em pleno século XXI, na era dos mísseis intercontinentais,<br />

de áreas costeiras. Não há porque serem de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União, por esta<br />

razão. É um argumento sem fun<strong>da</strong>mento. Quanto à preservação ecológica e<br />

do meio ambiente, as condições atuais <strong>da</strong>s cita<strong>da</strong>s regiões como, por exemplo,<br />

a triste situação <strong>da</strong> baía de Guanabara mostra, à sacie<strong>da</strong>de, o abandono<br />

a que estão submeti<strong>da</strong>s, “sob a proteção <strong>da</strong> União”. A hipótese, então, destes<br />

“terrenos para instalação de uni<strong>da</strong>des militares” está fora <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, sabendo-se<br />

que a priori<strong>da</strong>de um <strong>da</strong> estratégia nacional é a de ocupar a Amazônia,<br />

não havendo sentido na manutenção de organizações militares na costa, pois<br />

as existentes, por falta de utili<strong>da</strong>de, estão sendo transforma<strong>da</strong>s em museus,<br />

centros culturais e outras.<br />

Os títulos fraudulentos e os aterros criminosos existem, apesar de serem<br />

de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União, e vão continuar existir, sejam ou não de sua proprie<strong>da</strong>de.<br />

A solução está no cumprimento <strong>da</strong> legislação vigente para qualquer<br />

parte do território nacional. Portanto, não há justifi cativa racional para a<br />

manutenção do instituto <strong>da</strong> enfi teuse no Brasil.<br />

Professor Titular de Economia junto à Universi<strong>da</strong>de Cândido Mendes,<br />

Professor na UERJ e Conselheiro <strong>da</strong> ESG.” 35<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

35 http://www.brasilsoberano.com.br/<br />

artigos/Anteriores/oinstituto<strong>da</strong>enfiteuse.htm.<br />

FGV DIREITO RIO 110


Levando-se em consideração que os sucessores <strong>da</strong> Família Real já recebem<br />

foro há mais de um século, seria possível a extinção do domínio direto, por<br />

alegação de não cumprir a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 111


AULA 19: FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Financiamento imobiliário. SFH e SFI. Histórico e formas de fi nanciamento.<br />

Securitização do mercado imobiliário. Consórcio de imóveis para fi ns<br />

residenciais.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

CHALHOUB, Melhim. Incorporação imobiliária, cap. 7.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

CARNEIRO, Dionísio Dias. Financiamento à habitação e instabili<strong>da</strong>de econômica:<br />

experiências passa<strong>da</strong>s, desafi os e propostas para a ação futura.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

QUADRO COMPARATIVO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO<br />

Aumento do preço do imóvel<br />

PROGRAMA DE<br />

ARRENDAMENTO RESIDENCIAL<br />

LEASING<br />

Lei 10.188/01<br />

SISTEMA FINANCEIRO<br />

DE HABITAÇÃO<br />

MÚTUO C/ HIPOTECA<br />

Lei 4.380/64 e outras<br />

VICISSITUDES DAS MODALIDADES DE FINANCIAMENTO<br />

— Critérios de correção <strong>da</strong>s prestações.<br />

— Correção do saldo devedor.<br />

— Execução no Dec. 70/66.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

SISTEMA FINANCEIRO<br />

DE IMÓVEIS<br />

MÚTUO C/<br />

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA<br />

Lei 9.514/97<br />

FGV DIREITO RIO 112


CASO GERADOR<br />

SIMULAÇÕES DE COMPRA DE APARTAMENTOS (Roleplay).<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 113


AULA 20: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Alienação fi duciária de móveis e imóveis. Compreensão do instituto.<br />

Comparação com hipoteca e penhor. Aspectos polêmicos <strong>da</strong> alienação fi duciária<br />

na aquisição de bens. Proteção do alienante.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

RIZZARDO, Arnaldo. <strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s coisas, cap. 20.<br />

LEITURA COMPLEMENTAR<br />

COMPARATO, F.K. Função social dos bens de produção. Revista de <strong>Direito</strong><br />

Mercantil, n. 63.<br />

ROTEIRO DE AULAS<br />

ORIGENS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO<br />

— Dec. 911/69.<br />

— A proprie<strong>da</strong>de fi duciária.<br />

— A lei 9.514/97.<br />

ASPECTOS PROCESSUAIS<br />

— Liminar.<br />

— Purga <strong>da</strong> mora.<br />

— Busca e apreensão.<br />

— Sentença.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 114


CASO GERADOR.<br />

A função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de dos bens de produção<br />

e a alienação fi duciária.<br />

“RECURSO ESPECIAL N° 128.048— lis (1997/0026362-2) RELA-<br />

TOR: MINISTRO ALUIR PASSARINHO JUNIOR — EMENTA: PRO-<br />

CESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.<br />

BUSCA E APREENSÀO MAQUNÁRIO AGRÍCOLK MEDIDA LIMI-<br />

NAR INDEFERIDA BEM NECESSÁRIO AO SUSTENTO DO DEVE-<br />

DOR. DL N.91 1/69, ART. 30 1..... II. Merece tempero a concessão <strong>da</strong><br />

medi<strong>da</strong> liminar prevista no art. 3° do Decreto-Lei n. 922/69, quando se<br />

trate de bem necessário ao sustento do réu, caso do maquinário agrícola<br />

fi duciariamente alienado. III. Recurso especial não conhecido. ACÓRDÃO<br />

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s, Decide a<br />

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, rejeita<strong>da</strong> a preliminar, à unanimi<strong>da</strong>de,<br />

não conhecer do recurso, na forma o relatório e notas taquigráfi cas<br />

constantes dos autos, que fi cam fazendo parte integrante 46 presente julgado.<br />

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira,<br />

Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.”<br />

O que deve prevalecer: a necessi<strong>da</strong>de de sustento do réu ou a proteção à<br />

proprie<strong>da</strong>de e ao crédito?<br />

DECISÃO(ÕES).<br />

INFORMATIVO n° n. 0413<br />

Período: 26 a 30 de outubro de 2009.<br />

FINANCIAMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.<br />

ARREPENDIMENTO<br />

Trata-se de Resp. em que se discute, em síntese, o direito de arrependimento,<br />

previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC),<br />

como cláusula de resolução de contrato de fi nanciamento com alienação<br />

fi duciária em garantia. Na hipótese em questão, o recorrente assinou dois<br />

contratos, um de compra e ven<strong>da</strong> com a concessionária de veículos e outro<br />

de fi nanciamento com o banco recorrido. Após a assinatura do contrato de<br />

fi nanciamento, ocorrido em lugar diverso do estabelecimento comercial do<br />

recorrido, o recorrente arrependeu-se e enviou notifi cação a este no sexto<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 115


dia seguinte à celebração do negócio. Diante disso, a Turma entendeu que é<br />

facultado ao consumidor desistir do contrato no prazo de sete dias a contar<br />

<strong>da</strong> assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial,<br />

nos termos do referido dispositivo legal. Assim, notifi cado o vendedor,<br />

a cláusula de arrependimento, implícita no contrato de fi nanciamento realizado<br />

em local diverso do estabelecimento comercial <strong>da</strong> instituição fi nanceira,<br />

deve ser interpreta<strong>da</strong> como causa de resolução tácita do contrato, cuja consequência<br />

é restabelecer as partes ao status quo ante. Ademais, não prospera<br />

a argumentação do recorrido de que não é possível o exercício do direito<br />

de arrependimento, porque o valor referente ao contrato de empréstimo foi<br />

repassado para a concessionária de veículos antes <strong>da</strong> manifestação do recorrente.<br />

Pois, como visto este, ao exercer o direito de arrependimento, agiu em<br />

exercício regular de direito amparado pelo referido art. 49 do CDC. Outrossim,<br />

o eventual arrogo na posse do valor referente ao contrato de empréstimo<br />

pela concessionária de veículos não pode ser imputado ao recorrente nem<br />

dele ser exigido, uma vez que o contrato de compra e ven<strong>da</strong> celebrado entre<br />

ele e a concessionária não se perfectibilizou; na ver<strong>da</strong>de, sequer houve imissão<br />

na posse do bem. Ressalte-se que, nos termos do art. 2º do DL n. 911/1969,<br />

a ação de busca e apreensão é fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> com o inadimplemento ou mora<br />

nas obrigações contratuais. To<strong>da</strong>via, no caso, ocorreu a resolução do contrato<br />

pelo exercício do direito de arrependimento e não houve formação nem ajuste<br />

de obrigações contratuais. Nesse contexto, deu-se provimento ao recurso.<br />

REsp 930.351-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2009.<br />

— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua<br />

ativi<strong>da</strong>de.<br />

AgRg no REsp 1193791/MG, Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO,<br />

QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011<br />

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL<br />

EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDU-<br />

CIÁRIA. BENS INDISPENSÁVEIS. SÚMULA 7/STJ.<br />

1. Admite-se a manutenção dos bens garantidores <strong>da</strong> alienação fi duciária<br />

na posse do devedor se demonstra<strong>da</strong> a indispensabili<strong>da</strong>de de tais bens para o<br />

exercício <strong>da</strong> empresa.<br />

2. No presente caso, ante a ausência de manifestação pelo Tribunal de origem<br />

acerca <strong>da</strong> indispensabili<strong>da</strong>de, ou não, dos bens alienados fi duciariamente e objetos<br />

<strong>da</strong> garantia, o acolhimento <strong>da</strong> argumentação dos ora recorrentes deman<strong>da</strong>ria<br />

necessário revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é ve<strong>da</strong>do em sede<br />

de recurso especial.<br />

Incidência <strong>da</strong> Súmula 7/STJ.<br />

3. Agravo regimental não provido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 116


— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua ativi<strong>da</strong>de,<br />

mesmo quando este se encontrar em recuperação judicial.<br />

CC 110.392/SP, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado<br />

em 24/11/2010, DJe 22/03/2011<br />

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO<br />

CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPE-<br />

RAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE<br />

PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRIN-<br />

CÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA PRESERVA-<br />

ÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO.<br />

1. Em regra, o credor titular <strong>da</strong> posição de proprietário fi duciário de bem<br />

imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos <strong>da</strong> recuperação judicial,<br />

consoante disciplina o art. 49, § 3º, <strong>da</strong> Lei 11.101/05.<br />

2. Na hipótese, porém, há peculiari<strong>da</strong>de que recomen<strong>da</strong> excepcionar a regra.<br />

É que o imóvel alienado fi duciariamente, objeto <strong>da</strong> ação de imissão de posse<br />

movi<strong>da</strong> pelo credor ou proprietário fi duciário, é aquele em que situa<strong>da</strong> a própria<br />

planta industrial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de empresária sob recuperação judicial, mostrandose<br />

indispensável à preservação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong> devedora, sob pena de<br />

inviabilização <strong>da</strong> empresa e dos empregos ali gerados.<br />

3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreensão<br />

de bem móvel referente à alienação fi duciária, a jurisprudência desta Corte<br />

admite fl exibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fi duciante<br />

“ bem necessário à ativi<strong>da</strong>de produtiva do réu” (v. REsp 250.190-SP, Rel.<br />

Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002).<br />

4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo<br />

empregado em benefício <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, cumprindo sua função social (CF, arts.<br />

5º, XXIV, e 170, III), não signifi ca, porém, que o imóvel não possa ser entregue<br />

oportunamente ao credor fi duciário, mas sim que, em atendimento ao princípio<br />

<strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> empresa (art. 47 <strong>da</strong> Lei 11.101/05), caberá ao Juízo <strong>da</strong> Recuperação<br />

Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente<br />

avaliação própria dessa instância ordinária.<br />

5. Em exame de confl ito de competência pode este Superior Tribunal de<br />

Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante<br />

e o suscitado. Precedentes.<br />

6. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo <strong>da</strong> 2ª Vara Cível<br />

de Itaquaquecetuba — SP, onde é processa<strong>da</strong> a recuperação judicial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

empresária.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 117


— Discussão acerca <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de do recebimento <strong>da</strong> notifi cação extrajudicial,<br />

requisito necessário à execução extrajudicial de bens alienados fi duciariamente.<br />

AgRg no Ag 1315109/RS, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, QUARTA TUR-<br />

MA, julgado em 01/03/2011, DJe 21/03/2011<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUS-<br />

CA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MORA. COMPROVA-<br />

ÇÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PROVA DO RECEBIMENTO.<br />

NECESSIDADE.<br />

1. A jurisprudência desta Corte fi rmou-se no sentido de que, em caso de<br />

alienação fi duciária, a mora deve ser comprova<strong>da</strong> por meio de notifi cação extrajudicial<br />

realiza<strong>da</strong> por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser<br />

entregue no domicílio do devedor, sendo dispensa<strong>da</strong> a notifi cação pessoal.<br />

2. Na hipótese, o Eg. Tribunal de origem consigna que não há comprovação<br />

de que a notifi cação, embora remeti<strong>da</strong> para o endereço constante do instrumento<br />

contratual, foi efetivamente recebi<strong>da</strong> no endereço do domicílio do devedor,<br />

não restando, portanto, comprovado o atendimento do requisito <strong>da</strong> constituição<br />

deste em mora para prosseguimento <strong>da</strong> ação de busca e apreensão.<br />

3. Embora desnecessário o recebimento <strong>da</strong> notifi cação pelo próprio devedor,<br />

exige-se, pelo menos, a comprovação de que efetivamente houve o recebimento<br />

no endereço do seu domicílio.<br />

4. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 118


AULA 21: HIPOTECA E PENHOR<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Princípios dos direitos reais de garantia. Hipoteca, penhor e alienação como<br />

meios de fi nanciamento de projetos. Corporate fi nance e project fi nance.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

COUTO E SILVA, Clóvis do. Hipoteca no direito comparado. In: FRA-<br />

DERA, Vera Jacob (Org.). O direito privado no pensamento de Clóvis do<br />

Couto e Silva. Ed. Livraria do Advogado.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

PRINCÍPIOS DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA<br />

Indivisibili<strong>da</strong>de (art. 1.421);<br />

Especifi ci<strong>da</strong>de (art. 1.424);<br />

Ve<strong>da</strong>ção ao pacto comissório (art. 1.428).<br />

PENHOR<br />

Concepção tradicional.<br />

Registro do penhor.<br />

Deveres de credor e de devedor.<br />

HIPOTECA<br />

Hipóteses do art. 1.473 do Código Civil.<br />

Hipoteca no direito comparado: cédula de crédito hipotecário.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 119


CORPORATE FINANCE E PROJECT FINANCE<br />

Distinções.<br />

Papel do penhor e hipoteca no project fi nance.<br />

Penhor de futuros.<br />

CASO GERADOR<br />

É calculado erroneamente o valor de um imóvel fi nanciado para fi ns de hipoteca.<br />

O mesmo é sub-avaliado e, em vez de ser cotado em 500.000, é cotado<br />

em 250.000. Pago o valor de 250.000, o adquirente pede o levantamento <strong>da</strong><br />

hipoteca; o Banco X S.A. recusa, alegando que os custos de construção foram<br />

revistos e, na reali<strong>da</strong>de, há ain<strong>da</strong> metade do valor a pagar. Quem tem razão?<br />

DECISÃO(ÕES).<br />

INFORMATIVO N. 0399<br />

PERÍODO: 15 A 19 DE JUNHO DE 2009<br />

SFH. FCVS. EQUÍVOCO. CEF. QUITAÇÃO. IMÓVEL<br />

Na espécie, a mutuária adquiriu um imóvel <strong>da</strong> CEF e pagou, juntamente<br />

com as prestações, as parcelas referentes ao Fundo de Compensação e Variação<br />

Salarial (FCVS). Ao término do pagamento, exigiu a quitação do imóvel<br />

e a respectiva baixa <strong>da</strong> hipoteca incidente sobre ele. A CEF, então, recusou-se<br />

à quitação, dizendo que o contrato não era submetido ao FCVS, que estava<br />

fora <strong>da</strong>quele limite. O máximo que a mutuária poderia fazer era receber o<br />

seu dinheiro de volta, não a quitação. Inicialmente, o Min. Relator destacou<br />

que o recurso interposto pela alínea c permite a adoção de soluções análogas<br />

aos casos semelhantes. A existência de erro inescusável, em razão do preparo<br />

técnico dos agentes <strong>da</strong> CEF que atuam na área de fi nanciamento, impõe<br />

ao agente fi nanceiro arcar com as conseqüências econômicas advin<strong>da</strong>s de<br />

eventual equívoco quando <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong>s cláusulas contratuais. In casu, o<br />

erro quanto à previsão de cobertura pelo FCVS, mercê de o valor fi nanciado<br />

exceder o limite regulamentar encartado na Circular n. 1.214/1987, item<br />

15; Resolução n. 1.361/1987 do Bacen, bem como a indevi<strong>da</strong> cobrança <strong>da</strong>s<br />

parcelas relativas ao FCVS juntamente com a prestação e o seguro, decorreu<br />

de equívoco dos agentes <strong>da</strong> CEF, que, evidentemente, não pode se valer <strong>da</strong><br />

própria torpeza para afastar o benefício de cobertura do saldo devedor pelo<br />

FCVS, em razão <strong>da</strong> presunção de boa fé dos mutuários, reafi rma<strong>da</strong>, no caso<br />

concreto, pelo adimplemento <strong>da</strong>s prestações do contrato de mútuo habita-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 120


cional. Diante disso, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para<br />

aplicar à hipótese o entendimento adotado por este Superior Tribunal em<br />

casos análogos, a fi m de reconhecer o direito dos recorrentes à quitação do<br />

imóvel nos moldes <strong>da</strong> Lei n. 10.150/2000, bem como à respectiva baixa <strong>da</strong><br />

hipoteca incidente sobre o imóvel. Precedentes citados: REsp 684.970-GO,<br />

DJ 20/2/2006, e REsp 562.729-SP, DJ 6/2/2007. REsp 972.890-DF, Rel.<br />

Min. Luiz Fux, julgado em 16/6/2009.<br />

(REsp 757.598/MG, Rel. MIN. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado<br />

em 17/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 340)<br />

PROCESSUAL CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO<br />

EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. HIPOTECA. ALIE-<br />

NAÇÃO. DISTINÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS.<br />

1. Embargos de terceiros opostos para impugnar arresto de bens indisponíveis<br />

em razão <strong>da</strong> declaração de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de instituição bancária,<br />

ao argumento de que gravados com hipoteca, por ser “forma indireta de alienação”.<br />

2. Essa indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial — que não implica per<strong>da</strong> de titulari<strong>da</strong>de<br />

dominial sobre os bens — reveste-se de importante função instrumental,<br />

pois visa a impedir que o ex-administrador <strong>da</strong> instituição fi nanceira venha a<br />

desfazer-se desses mesmos bens, difi cultando ou impossibilitando, com atos de<br />

ilícito desvio de seu patrimônio, a própria liqui<strong>da</strong>ção de sua responsabili<strong>da</strong>de<br />

civil, gerando, com esse injusto comportamento, prejuízos gravíssimos a uma<br />

vasta coletivi<strong>da</strong>de de credores <strong>da</strong> instituição sob intervenção ou em regime de<br />

liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial (lei n° 6.024/74, art. 49 e respectivo parágrafo 1°). (...)<br />

Na reali<strong>da</strong>de, a indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial, que apenas afeta os jus abutendi<br />

vel disponendi do proprietário, qualifi ca-se como legítima restrição jurídica que<br />

incide sobre o direito de livre disposição dos bens pertencentes ao dominus.<br />

Precedente: Petição 1.343-9/DF, Relator Ministro Celso de Mello, à época Presidente<br />

do STF, DJ:21.08.97 (In “Jurisprudência em Matéria de Intervenção e<br />

Liqui<strong>da</strong>ção Extrajudicial — Volume 2 — FGC — Organizadores: Jairo Saddi e<br />

Rodrigo Ferraz <strong>da</strong> Camargo — páginas 290/298).<br />

3. Mercê <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial constituir efeito necessário que<br />

decorre do ato que decreta a intervenção ou a liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de qualquer<br />

instituição fi nanceira o art. 36, § 4º, <strong>da</strong> Lei 6.024/74, exclui expressamente<br />

<strong>da</strong> referi<strong>da</strong> restrição contratos específi cos, desde que registrados em <strong>da</strong>ta anterior<br />

à sua decretação, dentre os quais não se extrai a hipoteca 4. O art. 36, § 4º,<br />

<strong>da</strong> Lei 6.024/74 dispõe que: “§ 4º Não são igualmente atingidos pela indisponibili<strong>da</strong>de<br />

os bens objeto de contrato de alienação, de promessa de compra<br />

e ven<strong>da</strong>, de cessão de direito, desde que os respectivos instrumentos tenham<br />

sido levados ao competente registro público, anteriormente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> decretação<br />

<strong>da</strong> intervenção, <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial ou <strong>da</strong> falência. “ 5. A exclusão <strong>da</strong><br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 121


indisponibili<strong>da</strong>de de bens por força <strong>da</strong> decretação de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial é<br />

taxativamente prevista no rol do artigo 36, § 4º <strong>da</strong> Lei 6.024/74, no qual não se<br />

incluiu a hipoteca, motivo pelo qual, há que se reconhecer a indisponibili<strong>da</strong>de<br />

do bem por ela gravado.<br />

6. Merece prestígio o entendimento adotado pelo acórdão recorrido no sentido<br />

de que: “A hipoteca não consubstancia contrato de alienação, para efeito do<br />

disposto no art. 36, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 6.024/74 antes transcrito, e a sua existência<br />

não é sufi ciente para que se declarem disponíveis os bens adquiridos pelo recorrente,<br />

em 03.06.1996 (f. 79/80-TJ), ou seja, após a decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção<br />

extrajudicial do Banco Hércules, que se deu em 28.07.1994. A manutenção<br />

<strong>da</strong> declaração <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de dos bens, no presente caso, é adequa<strong>da</strong> para<br />

evitar lesão aos interesses de pessoas de boa-fé.” 7. Deveras, em situação análoga,<br />

este Tribunal já se manifestou no sentido de que o art. 36 <strong>da</strong> Lei nº 6.024, de<br />

13.03.74 impede a alienação ou oneração dos bens, por iniciativa do próprio<br />

administrador <strong>da</strong> instituição fi nanceira, mas não a penhora por interesse e a<br />

requerimento do credor. Precedentes: REsp 204668/MG DJ 29.04.2002; REsp<br />

113039/MG DJ 28.02.2000.<br />

8. Recurso Especial desprovido.<br />

RECURSO ESPECIAL Nº 433.688 — DF (2002/0052153-4)<br />

RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR— 23 de setembro<br />

de 2003 (Data do Julgamento)<br />

CIVIL E PROCESSUAL. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. HI-<br />

POTECA INCIDENTE SOBRE A TOTALIDADE DO IMÓVEL. VENDA<br />

ANTERIOR DE UNIDADES AUTÔNOMAS. CONSTRUTORA QUE<br />

NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O BANCO FINAN-<br />

CIADOR. EXCLUSÃO DO GRAVAME REAL.<br />

I. O adquirente de uni<strong>da</strong>de autônoma somente é responsável pelo pagamento<br />

integral <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição<br />

patrimonial em razão do inadimplemento <strong>da</strong> empresa construtora perante<br />

o banco fi nanciador do empreendimento, posto que, em face <strong>da</strong> celebração <strong>da</strong><br />

promessa de compra e ven<strong>da</strong>, aqui, inclusive, em <strong>da</strong>ta anterior à constituição <strong>da</strong><br />

hipoteca, a garantia passa a incidir apenas sobre os direitos decorrentes do contrato<br />

individualizado, nos termos do art. 22 <strong>da</strong> Lei n. 4.864/65, não podendo<br />

subsistir se o débito já foi quitado pelo comprador junto à vendedora.<br />

II. Precedentes do STJ.<br />

III. Recurso especial não conhecido.<br />

Hipoteca — Efi cácia real erga omnes x súmula 308 STJ<br />

0084675-78.2006.8.19.0001 (2008.001.22202) — APELACAO<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 122


DES. MIGUEL ANGELO BARROS — Julgamento: 10/06/2008 — DE-<br />

CIMA SEXTA CAMARA CIVEL<br />

AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO — TERCEIRO QUE PROME-<br />

TE COMPRAR IMÓVEL SABIDAMENTE HIPOTECADO A AGENTE<br />

DO SFH E QUITA O PREÇO SEM EXIGIR DO PROMITENTE VENDE-<br />

DOR PROVA DE QUE ELE QUITOU A HIPOTECA E DEPOIS TENTA<br />

SE OPOR À PENHORA DO IMÓVEL EM EXECUÇÃO DA HIPOTECA<br />

NÃO PAGA PELOS PROMITENTES VENDEDORES — SENTENÇA DE<br />

PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS APELAÇÃO DO CREDOR HIPO-<br />

TECÁRIO — ATO DO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO LIMINAR<br />

AO RECURSO — AGRAVO INOMINADO DO § 1° DO ART. 557 DO<br />

CPC MANEJADO PELA EMBARGANTE.1. Se a ação é de embargos de terceiro<br />

e a embargante é a promitente compradora do apartamento penhorado,<br />

negócio que celebrou o negócio sabendo que o imóvel estava hipotecado a um<br />

agente do SFH (tanto que no instrumento de promessa de ven<strong>da</strong> e compra há<br />

cláusula versando sobre a dita hipoteca), afi gura-se absolutamente correto o despacho<br />

do relator que no Tribunal deu provimento liminar à Apelação do agente<br />

fi nanceiro embargado, porque defi nitivamente a embargante apela<strong>da</strong>, que já<br />

contratou sabendo que o imóvel estava hipotecado, não pode se dizer terceira<br />

de boa-fé somente no momento em que o credor executa a hipoteca e penhora<br />

o imóvel hipotecado e a ela prometido vender, não tendo ela direito nenhum de<br />

pretender que seja declara<strong>da</strong> a inefi cácia <strong>da</strong> hipoteca em relação a ela e muito<br />

menos pretender a revogação <strong>da</strong> penhora do imóvel, pois a hipoteca é direito<br />

real oponível a terceiros, já tendo a Egrégia 2ª Câmara Cível deste Tribunal em<br />

1/4/2003 na Apelação nº 2002.001.16596 (D. Of. 27/11/2003, pg. 415), decidido<br />

que a compra e ven<strong>da</strong> de imóvel hipotecado é ato jurídico possível, mas<br />

que nesse caso a hipoteca continua onerando o imóvel e se não for paga o credor<br />

pode executá-la e penhorar o imóvel, mesmo que já vendido pelo devedor hipotecário<br />

a terceiro.2. Agravo Inominado a que se nega provimento.<br />

(REsp 314.122/PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA<br />

TURMA, julgado em 27/06/2002, DJ 05/08/2002, p. 329)<br />

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTE-<br />

RIOR. Se, à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> promessa de compra e ven<strong>da</strong>, o imóvel já estava gravado<br />

por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata<br />

de direito real oponível erga omnes; o cumprimento <strong>da</strong> obrigação de escriturar a<br />

compra e ven<strong>da</strong> do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigi<strong>da</strong> de quem a<br />

assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial conhecido, mas não provido.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 123


(REsp 593.474/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,<br />

TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 01/12/2010)<br />

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL HI-<br />

POTECADO. GRAVAME FIRMADO ENTRE A CONSTRUTORA E O<br />

AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO ADQUIREN-<br />

TE. SÚMULA 308/STJ.<br />

1. “A hipoteca fi rma<strong>da</strong> entre a construtora e o agente fi nanceiro, anterior ou<br />

posterior à celebração <strong>da</strong> promessa de compra e ven<strong>da</strong>, não tem efi cácia perante<br />

os adquirentes do imóvel” (súmula 308/STJ).<br />

2. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 124


AULA 22 E 23: SUPERFÍCIE<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Perspectivas de utilização urbanística. A superfície como modelo para uma<br />

revisão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

LIMA, Ricardo C. Pereira. O regime de superfície no Novo Código Civil. em<br />

Aspectos Polêmicos do Novo Código Civil, Ed. RT.<br />

LIMA, Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de ordenação<br />

urbanística, conclusões. Ed. Renovar.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

Superfície<br />

Tudo isso por um “três quartos”? A frase, de uso cotidiano, encerra com<br />

precisão um dos graves problemas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de contemporânea urbana: o<br />

custo dos terrenos. As famílias em geral passam muitos anos <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> pensando<br />

em adquirir um imóvel, e já vimos a série de difi cul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s,<br />

tanto do ponto de vista dos direitos reais quanto do ponto de vista contratual.<br />

Há também evidente infl uência do custo dos terrenos na especulação<br />

imobiliária, na desordem urbana e no refreio ao crescimento econômico. É<br />

necessário desatar o nó, que é muito maior do que pensamos, pois nem sempre<br />

consideramos o custo ínsito à desordem e à especulação imobiliária, que<br />

impulsiona sem direção o crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e aumenta o custo de vi<strong>da</strong><br />

e os custos nos empreendimentos. Uma mercadoria não é mais cara no shopping<br />

do que na loja de rua? Pense nisso em escala global. Mas como baratear?<br />

Racionalizando o uso do solo. Quem pode fazê-lo? A resposta, nesse caso,<br />

não é tão evidente.<br />

Mas a introdução do direito de superfície no direito brasileiro deve ser<br />

considera<strong>da</strong> um caminho possível. É possível baratear a construção de imóveis<br />

por meio <strong>da</strong> superfície? Ela consiste num desdobramento <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />

sendo que o dono do terreno passa a ser uma pessoa, e o dono <strong>da</strong> construção<br />

ou plantação, outra.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 125


A estrutura do direito de superfície<br />

Em se tratando de direito de construir ou plantar sobre solo alheio, fi ca<br />

claro que o direito de superfície representa exceção ao chamado princípio <strong>da</strong><br />

acessão. O direito de superfície pode então ser desmembrado em duas reali<strong>da</strong>des:<br />

consistirá no direito de utilizar o domínio útil do solo alheio, excluído<br />

o subsolo, e também resultará na criação de uma proprie<strong>da</strong>de superfi ciária,<br />

que terá por objeto a construção ou plantação lança<strong>da</strong> ao solo alheio. 36 O direito<br />

de superfície é, portanto, o direito real sobre coisa alheia e também uma<br />

forma de criação de proprie<strong>da</strong>de resolúvel (art. 1.375). Portanto, para que<br />

se constituam os efeitos por ele criados, é vital a sua consignação no Registro<br />

de Imóveis.<br />

SUPERFÍCIE = REGISTRO DE PROPRIEDADE + ESCRITURA DE<br />

SUPERFÍCIE + REGISTRO DE SUPERFÍCIE<br />

MAS EU PERCO O QUE É MEU?<br />

Proprie<strong>da</strong>de resolúvel? Trata-se de uma lógica básica do direito de superfície.<br />

Terminado o prazo, a construção passa a ser de proprie<strong>da</strong>de do dono do<br />

terreno, que, salvo haja previsão em sentido contrário, nem mesmo é obrigado<br />

a indenizar a per<strong>da</strong> do bem. 37 Parece não ser vantajoso, mas a prática<br />

oriun<strong>da</strong> de países nos quais a superfície é difundi<strong>da</strong> mostra bem o contrário.<br />

Na reali<strong>da</strong>de, a superfície é mais barata por isso. O preço de um bem nãoperecível<br />

como o solo varia de acordo com o tempo que se será dono dele.<br />

Assim, se alguém for comprar um apartamento por 100 anos, pagará mais<br />

barato do que se fosse comprar a fração ideal do terreno para sempre.<br />

Mas por que só a fração é para sempre? Porque, de acordo com as modernas<br />

técnicas de construção, os prédios têm vi<strong>da</strong> útil limita<strong>da</strong>. Além disso, se o<br />

prazo for longo, por exemplo, 100 anos, não faria muita diferença?<br />

DUPLICIDADE DE REGIMES<br />

O instituto não foi introduzido no direito brasileiro pelo Código de 2002.<br />

A previsão inicial do direito de superfície deu-se no chamado Estatuto <strong>da</strong><br />

Ci<strong>da</strong>de, Lei nº 10.257/01. O direito de superfície encontra-se regulado dos<br />

artigos 21 e seguintes deste diploma legal, que tem por objetivo servir de instrumento<br />

para a criação de políticas urbanas nas ci<strong>da</strong>des brasileiras.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

36 “Art. 1.369. O proprietário pode conceder<br />

a outrem o direito de construir ou<br />

de plantar em seu terreno, por tempo<br />

determinado, mediante escritura pública<br />

devi<strong>da</strong>mente registra<strong>da</strong> no Cartório<br />

de Registro de Imóveis.<br />

Parágrafo único. O direito de superfície<br />

não autoriza obra no subsolo, salvo se<br />

for inerente ao objeto <strong>da</strong> concessão.”<br />

37 CC, art. 1375.<br />

FGV DIREITO RIO 126


Ocorre que esta superposição de regimes legais é problemática. Alguns,<br />

por exemplo, poderiam afi rmar que a entra<strong>da</strong> em vigor do Código serve de<br />

meio de revogação dos dispositivos do Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de atinentes ao direito<br />

de superfície. Os comentadores do Estatuto fazem entender que a superfície<br />

urbana será regra<strong>da</strong> pela Lei especial, enquanto a rural será normatiza<strong>da</strong><br />

pelo Código Civil. Por exemplo, vejamos a opinião de Maria Sylvia di Pietro:<br />

“Uma primeira conclusão, portanto, é no sentido de que o direito de superfície,<br />

tal como disciplinado nessa lei, não abrange imóveis rurais. Já no projeto de<br />

CC a extensão do instituto é maior, por que não distingue proprie<strong>da</strong>de urbana<br />

ou rural. O artigo 1.368 estabelece que o proprietário pode conceder a outrem<br />

o direito de construir ou de plantar em seu terreno por tempo determinado,<br />

mediante escritura pública devi<strong>da</strong>mente inscrita no registro de imóveis. Uma vez<br />

promulgado o novo CC, e entrando em vigor, o direito de superfície poderá ser<br />

indistintamente utilizado pelo proprietário rural ou urbano”. 38<br />

Já Ricardo Lira, no texto obrigatório, defende visão distinta, corrobora<strong>da</strong><br />

pelo enunciado 93 <strong>da</strong> 1ª Jorna<strong>da</strong>s de <strong>Direito</strong> Civil, do CJF. 39<br />

EFETIVIDADE COMO MEIO DE ORDENAÇÃO URBANA: CRÍTICA<br />

Do ponto de vista dos formuladores, o direito de superfície surge no estatuto<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, de modo à “democratizar o acesso à terra urbana e dinamizar<br />

o mercado imobiliário, permitindo a separação do direito de construir do<br />

direito de proprie<strong>da</strong>de, barateando o processo de construção civil e fomentando<br />

a produção habitacional”. 40 A superfície, com efeito, facilita o adequado<br />

cumprimento <strong>da</strong> ideia de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, porque elemento<br />

dinamizador <strong>da</strong> ocupação do solo urbano, evitando, em muitos casos, o ônus<br />

excessivo decorrente <strong>da</strong> compra do terreno e possibilitando a renovação urbanística,<br />

posto que sempre temporária (art. 1.374, CC; Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de,<br />

art. 21). Mas será que tem sido assim?<br />

SUPERFÍCIE POR CISÃO: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS<br />

Será possível a constituição de superfície por cisão, uma vez que o art.<br />

1.369 menciona o terreno como objeto <strong>da</strong> superfície, o que poderia ser interpretado<br />

como a possibili<strong>da</strong>de de constituição somente sobre terra nua? 41<br />

Ricardo Lira entende possível a superfície constituí<strong>da</strong> por cisão, de modo que<br />

o proprietário anterior torna-se superfi ciário, alienando-se a proprie<strong>da</strong>de do<br />

terreno para terceiro, ou mesmo a operação ocorrendo inversamente. 42<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

38 <strong>Direito</strong> de superfície. In: DALLARI,<br />

Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio<br />

Ferraz (Orgs.). Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. São<br />

Paulo: Malheiros, 2002. p. 181<br />

39 “93 – Art. 1.369: As normas previstas<br />

no Código Civil sobre direito de superfície<br />

não revogam as relativas a direito<br />

de superfície constantes do Estatuto<br />

<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (Lei n. 10.257/2001) por ser<br />

instrumento de política de desenvolvimento<br />

urbano.”<br />

40 OSÓRIO, Letícia Marques. <strong>Direito</strong> de<br />

superfície. In: ______. (Org.). Estatuto<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e reforma urbana. Porto<br />

Alegre: Sérgio Fabris.<br />

41 LIMA, Viegas de. Op. cit., p. 379.<br />

42 O direito de superfície..., p. 543.<br />

FGV DIREITO RIO 127


CASO GERADOR<br />

Vítimas <strong>da</strong> Encol esperam 12 anos<br />

Invadido pelo matagal e eventualmente por ratazanas, o esqueleto de cimento<br />

aparente na rua Corinto é a face exposta de um trauma que há mais<br />

de uma déca<strong>da</strong> atinge pelo menos 2.500 famílias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo: a<br />

falência <strong>da</strong> construtora Encol.<br />

As ruínas são do Village Park, um prédio que seria erguido ao lado de um<br />

dos portões <strong>da</strong> USP (Universi<strong>da</strong>de de São Paulo), no Butantã, na zona oeste.<br />

Fazem parte de uma história de decepção e esperança, conta<strong>da</strong> por Suhaila<br />

Shibli, professora de física <strong>da</strong> USP que tem um sonho: ir a pé de casa para o<br />

trabalho.<br />

Ela comprou um apartamento no edifício Village Park ain<strong>da</strong> na planta,<br />

em 1994. Uniu esforços com os familiares e em apenas dois anos quitou as<br />

prestações, que totalizavam cerca de R$ 100 mil. Quando já se preparava<br />

para a mu<strong>da</strong>nça, a obra parou. “Inicialmente, achei que era um problema<br />

menor e mal dei atenção. Mas, no ano seguinte [em 1997], a Encol conseguiu<br />

a concor<strong>da</strong>ta na Justiça. E então eu percebi que poderia me <strong>da</strong>r mal”.<br />

Foi o que aconteceu com Suhaila e outros 59 condôminos do Village Park.<br />

Em 1999, a Encol faliu. E, desde então, os dez an<strong>da</strong>res erguidos dos 15 previstos<br />

começaram a ser invadidos pelo mato.<br />

Quem tinha apostado o seu futuro nesses apartamentos teve de ir morar<br />

de aluguel ou com familiares. Alguns, sem dinheiro, tiveram o imóvel leiloado.<br />

Suhaila e outros 29 ain<strong>da</strong> mantêm a esperança de viver ao lado <strong>da</strong> fl oresta<br />

<strong>da</strong> USP. Após ganharem na Justiça o direito pelo prédio e de formarem<br />

uma associação de moradores, buscam construtoras interessa<strong>da</strong>s em retomar<br />

a obra. “Já gastei mais que o dobro do valor inicial. Não vou desistir nunca”,<br />

afi rma a professora. 43<br />

O direito de superfície poderia ser utilizado para resolver o problema dos<br />

prédios em ruína, permitindo a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s construções?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

43 Em: http://www.cbic.org.br/mostra-<br />

Pagina.asp?codServico=486&codPag<br />

ina=1689<br />

FGV DIREITO RIO 128


SUPERFÍCIE: COMPARAÇÃO DOS REGIMES<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

Código Civil Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />

Cessão do subsolo não Sim<br />

Sempre prazo determinado<br />

Estipulação de valor a ser<br />

pago ao concedente em caso<br />

de transferência<br />

Texto: “Locação built to suit”<br />

sim Não<br />

não Sim<br />

Convergente com os avanços regulatórios e o esforço conjunto dos players<br />

<strong>da</strong> indústria em dinamizar o mercado imobiliário, apresentamos mais uma<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de investimento: Locações Built to Suit. Esta, apresenta-se como<br />

uma alternativa à locações de imóveis urbanos, hoje legisla<strong>da</strong> pela Lei <strong>da</strong>s Locações<br />

(Lei 8.1245/91). Trata-se de uma estrutura designa<strong>da</strong> a um específi co<br />

locatário onde o locador recebe algumas garantias de que seu investimento<br />

terá o retorno pretendido. Tal mecanismo possibilita que empresas não precisem<br />

adquirir imóveis próprios e imobilizarem alto volume de seu capital,<br />

além de usufruírem de instalações desenvolvi<strong>da</strong>s de acordo com suas necessi<strong>da</strong>des.<br />

Basicamente, a empresa interessa<strong>da</strong> (“Locatária”) contrata os serviços<br />

de um terceiro (“Locador”) para que este último: (i) adquira um determinado<br />

terreno; (II) defi na um projeto que aten<strong>da</strong> às necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> primeira; (III)<br />

desenvolva e construa, caso seja uma empresa de construção civil, ou contrate<br />

um terceiro para tanto; e (iv) loque o empreendimento pronto por valor<br />

pré-defi nido. No desenvolvimento de projetos sob a forma contratual built to<br />

suit, a Locatária pode também fi scalizar a obra, garantindo que o projeto, sob<br />

o qual ela tem um comprometimento contratual de locação, seja desenvolvido<br />

de acordo com o projeto aprovado. O empreendimento em questão, diferentemente<br />

do convencional, é entregue à locatária completamente pronto<br />

para ser ocupado (turn key contract), não sendo necessário altos investimentos<br />

de readequação interna. Os contratos built to suit têm um prazo entre 10 a<br />

20 anos, dependendo <strong>da</strong> remuneração negocia<strong>da</strong>, uma vez que os investimentos<br />

realizados pelo Locador devem ser amortizados e rentabilizados. A<br />

efi cácia contratual tem início na <strong>da</strong>ta de assinatura do contrato, fi cando os<br />

fl uxos de recebimentos atrelados à entrega <strong>da</strong> obra. Em suma, a formatação<br />

contratual built to suit tem por objetivo garantir ao Locador: (i) o retorno<br />

dos investimentos realizados no projeto; e (II) a remuneração pelo uso do<br />

imóvel. Neste sentido, esta relação preza pela exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> permanência<br />

FGV DIREITO RIO 129


do Locatário bem como as previsibili<strong>da</strong>des e seguranças dos fl uxos futuros.<br />

Em função dessas<br />

características, este tipo de contrato é passível de securitização, permitindo<br />

que o investidor antecipe sua saí<strong>da</strong> do negócio. O processo de securitização<br />

de recebíveis imobiliários foi consoli<strong>da</strong>do pela criação dos CRI’s — Certifi cados<br />

de Recebíveis Imobiliários pela Lei 9.514/97. Com esta regulamentação,<br />

socie<strong>da</strong>des por ações podem adquirir os créditos e, através de uma securitizadora,<br />

emitir os CRI’s. Estes títulos são distribuídos à investidores e tem como<br />

lastro o pagamento dos aluguéis. Os riscos quanto à previsibili<strong>da</strong>de dos fl uxos<br />

de receita são minimizados, uma vez que o contrato built to suit não busca<br />

apenas remunerar o uso do imóvel, como a Lei <strong>da</strong>s Locações, mas também<br />

amortizar os investimentos efetuados na concretização do negócio. Frente a<br />

um cenário de rompimento de contrato por parte <strong>da</strong> Locatária, a esta cabe<br />

uma multa que, no mínimo, refl etirá a somatória dos valores restantes do<br />

contrato, garantindo assim o instrumento fi rmado e os fl uxos esperados. O<br />

parágrafo único do art. 473 do Código Civil (Lei 10.406/02) vali<strong>da</strong> o conceito<br />

de que uma locação no formato built to suit só poderá ser rescindi<strong>da</strong><br />

antes do prazo, pela Locatária, quando transcorrido o período equivalente à<br />

natureza e ao vulto dos investimentos realizados pelo Locador. 44<br />

Pode haver, ou não, associação <strong>da</strong> locação built to suit à superfície. O que<br />

é mais interessante?<br />

SUPERFÍCIE ASSOCIADA AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO<br />

Discussão do art. 1.371 do Código Civil.<br />

CASO GERADOR<br />

É possível garantir um empréstimo em dinheiro com a constituição de<br />

uma superfície?<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

44 CORDEIRO, Thiago Augusto Cordeiro.<br />

Disponível em: http://www.<br />

superobra.com/admin/news.asp?ID_<br />

New=1978&Pag=all_news.asp&ID_<br />

Sessao_New=2&ID_ANew=10<br />

FGV DIREITO RIO 130


AULA 24: USUFRUTO E SERVIDÃO<br />

EMENTÁRIO DE TEMAS<br />

Usufruto. Perspectivas tradicionais e utilização contemporânea. Usufrutos de<br />

cotas e de ações. Servidão. Características e utilização. Usucapião de servidão.<br />

LEITURA OBRIGATÓRIA<br />

GOMES, Orlando. <strong>Direito</strong>s reais, cap. 26 e 27. Ed. Forense.<br />

ROTEIRO DE AULA<br />

USUFRUTO<br />

O aproveitamento <strong>da</strong>s utili<strong>da</strong>des de uma coisa por quem não é dono pode<br />

ser exercido por efeito de relação contratual, como no arren<strong>da</strong>mento e no<br />

como<strong>da</strong>to, em que o titular exerce o seu direito em nome do proprietário ou<br />

pode ser de direito próprio de ser exercido em nome do titular não-proprietário.<br />

45 Este direito que se exerce em nome próprio sobre coisa alheia, e que<br />

resulta na facul<strong>da</strong>de de usá-la e de gozá-la, recebe o nome de usufruto.<br />

Diferentemente do Código Civil de 1916 (art. 713), o Código Civil de<br />

2002 prescindiu de uma conceituação legal do usufruto. A lei anterior dispunha<br />

que “constitui usufruto o direito real de fruir as utili<strong>da</strong>des de frutos de<br />

uma coisa, enquanto temporariamente destacado <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de”.<br />

A principal característica do usufruto consiste no fato de ele ser sempre<br />

temporário. A razão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fi xação de prazo para esse direito real<br />

reside no fato de que facul<strong>da</strong>des elementares que ele encerra — o uso <strong>da</strong> coisa<br />

e a percepção dos frutos — são quase tão extensas quanto os do titular <strong>da</strong><br />

coisa. 46 Considerando-se que o jus in re aliena no qual se constitui o usufruto<br />

não deve servir de meio para a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, o que ocorreria na prática<br />

se este durasse para sempre (<strong>da</strong>í o fi m <strong>da</strong> previsão legal <strong>da</strong> enfi teuse), o<br />

artigo 1.410 do Código Civil prevê a duração temporária do usufruto.<br />

Além destas características, verifi ca-se que usufruto é direito limitado e<br />

não exclusivo. 47 Real e limitado porque abrange apenas os frutos e as utili<strong>da</strong>des<br />

de um determinado bem ou patrimônio, nos limites do artigo 1.394<br />

do Código Civil. E ele não é exclusivo porque a exclusivi<strong>da</strong>de é um atributo<br />

específi co <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Melhor: o usufruto é o direito referido a uma coisa<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

45 ALMEIDA, Lacer<strong>da</strong> de. <strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s cousas,<br />

vol. I, p. 347.<br />

46 MENDONÇA, M. I. Carvalho de. Do<br />

usufruto, do uso e <strong>da</strong> habitação, p. 29.<br />

47 CORDEIRO, Menezes. <strong>Direito</strong>s reais,<br />

p. 649.<br />

FGV DIREITO RIO 131


que implica sempre a existência de um outro direito real sobre a mesma coisa,<br />

o qual se usufrui.<br />

Como afi rma Darcy Bessone 48 , historicamente o usufruto tem função alimentar.<br />

Quase sempre é instituído para proporcionar meios de subsistência<br />

ao usufrutuário, muito embora a gratui<strong>da</strong>de não seja <strong>da</strong> sua essência. To<strong>da</strong>via,<br />

alguns autores, como Orlando Gomes 49 e o próprio Darcy Bessone 50 ,<br />

são especialmente radicais ao analisar tal caráter do direito, negando mesmo<br />

qualquer utili<strong>da</strong>de maior do usufruto na contemporanei<strong>da</strong>de.<br />

Por outro lado, alguns autores, como Manuel Inácio Carvalho de Mendonça<br />

51 e Marco Aurélio Viana 52 , entendem que é perfeitamente admissível<br />

a fi gura do usufruto instituído a título oneroso. Não lhes parece em na<strong>da</strong><br />

estranho o instituto, bem como não parece a nós, por algumas razões que<br />

passamos a expender.<br />

Em primeiro lugar, se o Código Civil admite a cessão onerosa do usufruto, 53<br />

no qual terceiro é legitimado no exercício dos direitos dele decorrentes, quem<br />

dirá a constituição onerosa do usufruto. Em segundo lugar, comparando-se a<br />

re<strong>da</strong>ção dos art. 1.412 e 1.414 do Código Civil, que tratam dos direitos reais<br />

de uso e de habitação, verifi camos que os referidos têm, efetivamente, caráter<br />

intuitu familiae. O art. 1.412 exige, para o adequado exercício do direito de<br />

uso, que este seja feito em atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do “usuário e <strong>da</strong> sua<br />

família”. No art. 1414, o titular do direito real de habitação pode simplesmente<br />

residir em uma casa “com sua família”. Na<strong>da</strong> semelhante é encontrado<br />

no capítulo de usufruto no Código Civil.<br />

SERVIDÃO<br />

Defi ne-se servidão como o direito real constituído de um prédio em relação<br />

ao outro, no qual se estabelece, em proveito deste, um serviço ou utili<strong>da</strong>de.<br />

Ao primeiro se denomina prédio dominante, ao segundo, prédio serviente.<br />

Trata-se de um direito de uso e gozo, ou fruição sobre coisa alheia, portanto,<br />

estabelecido de um prédio em relação a outro<br />

Tradicionalmente, são elencados alguns requisitos para que se tenha a<br />

constituição de uma servidão: devem existir dois prédios, ou seja, dois bens<br />

imóveis, para que se tenha o surgimento de uma servidão. Não se nega, to<strong>da</strong>via,<br />

a possibili<strong>da</strong>de do desmembramento de um bem imóvel em dois ser<br />

realizado concomitantemente com a criação deste direito real: cui<strong>da</strong>-se <strong>da</strong><br />

hipótese classicamente referi<strong>da</strong> <strong>da</strong> servidão cria<strong>da</strong> pelo pai de família que, ao<br />

dividir seu patrimônio, procede à criação de servidões em favor de um e outro<br />

proprietário. Além disto, tradicionalmente se afi rma que os proprietários<br />

dos prédios devem ser distintos, excetua<strong>da</strong> a exceção acima demonstra<strong>da</strong>. Se<br />

isto ocorrer, enquanto não for alienado um dos prédios, a servidão permane-<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

48 <strong>Direito</strong>s reais, p. 288.<br />

49 <strong>Direito</strong>s reais, p. 334.<br />

50 Op. loc. cit.<br />

51 Op. cit, p. 91.<br />

52 Comentários ao Código Civil, vol. XVI,<br />

p. 622.<br />

53 Art. 1.393<br />

FGV DIREITO RIO 132


cerá sem efeitos. Ocorre que a alienação necessária para que isto ocorra não é<br />

a <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, e sim a <strong>da</strong> posse. Se um proprietário de prédios contíguos<br />

cria servidão de passagem de um para com outro, e loca dos dois, aquele que<br />

alugou o prédio dominante poderá passar pelo interior do serviente. De qualquer<br />

modo, vale aguar<strong>da</strong>r pela interpretação larga do dispositivo legal, que se<br />

refere expressamente a dois proprietários.<br />

Além disto, deve haver relação de serviço ou utili<strong>da</strong>de — não se pode falar<br />

em servidões inúteis, na medi<strong>da</strong> que sua constituição é negocial e as circunstâncias<br />

negociais para a sua formação exigem serie<strong>da</strong>de dos contratantes.<br />

Como características <strong>da</strong>s servidões, temos a sua criação voluntária, oriun<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> celebração de um negócio unilateral ou bilateral, do que resulta o fato de<br />

que as chama<strong>da</strong>s servidões administrativas não são propriamente servidões,<br />

e sim limitações específi cas impostas aos particulares pela Administração Pública.<br />

Também as chama<strong>da</strong>s servidões legais são apenas limitações ao uso <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de, oriun<strong>da</strong>s do direito de vizinhança, bem como a passagem força<strong>da</strong><br />

(art. 1285), também imposta por Lei.<br />

Outra característica <strong>da</strong>s servidões é a sua dupla ambulatorie<strong>da</strong>de: se algumas<br />

servidões pessoais, como o direito real de habitação, são intuitu personae, as servidões<br />

impõem-se a qualquer proprietário (ou possuidor derivado) do prédio<br />

dominante e do serviente. E, por ser real, como prevê o dispositivo acima, e<br />

relativa à imóvel, é obrigatório o registro do negócio (contrato ou testamento)<br />

no RGI para que a servidão tenha efeitos reais. Não é impossível a hipótese de<br />

servidão meramente contratual, cujo descumprimento acarrete a condenação<br />

em per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos; ocorre que este expediente teria pouca utili<strong>da</strong>de — justamente<br />

por isto, desde o direito romano, as servidões têm caráter real.<br />

As servidões são sempre acessórias: perdi<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de, sucumbirão<br />

junto, já que incorpóreas; além disto, tendem a ter prazo indeterminado, se<br />

na<strong>da</strong> se dispuser em sentido contrário (art. 1387).<br />

Classifi cam-se, com efi cácia prática, em positivas (que importam em um<br />

agir do ocupante do prédio serviente) e negativas (que importam em abstenção<br />

do mesmo); contínuas (cujo exercício não depende de ação específi ca de<br />

quem quer que seja, e independem de exercício, portanto) e descontínuas<br />

(que são exerci<strong>da</strong>s vez por vez, como tirar argila, v.g.); e aparentes (que se revela<br />

por obras exteriores) e não-aparentes (que escapam ao exame ocular). Sobre<br />

esta última classifi cação, dispõe a súmula 415 do STF que “servidão de transito<br />

não titula<strong>da</strong>, mas torna<strong>da</strong> permanente, sobretudo pela natureza <strong>da</strong>s obras<br />

realiza<strong>da</strong>s, considera-se aparente, conferindo direito a proteção possessória”.<br />

Como estabelecia o art. 696 do CC, a servidão não se presume, devendo<br />

existir prova inequívoca de sua constituição. Na dúvi<strong>da</strong>, é sabido, o domínio<br />

se presume desembaraçado (art. 1231).<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 133


USUCAPIÃO DE SERVIDÃO: REQUISITOS (ART. 1.379)<br />

CASO GERADOR<br />

Muro que divide<br />

o condomínio do clube<br />

Terreno do<br />

condomínio<br />

MAR<br />

Pergunta-se: é possível a usucapião <strong>da</strong> servidão?<br />

Portão<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 134


EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS<br />

PARTE GERAL<br />

1. (161) (Questão 21 — 129º Exame OAB — SP) Sobre as pertenças, é<br />

correto afi rmar que<br />

(A) são bens acessórios e por isso seguem a sorte do principal.<br />

(B) constituem parte integrante do bem principal e destinam-se ao seu<br />

aformoseamento.<br />

(C) são benfeitorias úteis.<br />

(D) apesar de considera<strong>da</strong>s bens acessórios, não seguem a sorte do principal.<br />

2. (162) (Questão 21 —122º Exame OAB — SP) Assinale a alternativa<br />

falsa;<br />

(A) A posse — trabalho, para atender ao princípio <strong>da</strong> função social <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de, reduz o prazo <strong>da</strong> usucapião extraordinária de 15 para 10 anos e<br />

o <strong>da</strong> ordinária, de 10 para 5 anos, em se tratando de bem imóvel.<br />

(B) O man<strong>da</strong>tário, ao aceitar o encargo, passará a ter o direito de pedir ao<br />

man<strong>da</strong>nte que adiante a importância <strong>da</strong>s despesas necessárias à execução do<br />

man<strong>da</strong>to.<br />

(C) Se a mistura de coisas pertencentes a pessoas diversas for involuntária,<br />

sendo uma delas a principal, ca<strong>da</strong> proprietário continuará a ter o domínio<br />

sobre o mesmo bem que lhe pertencia antes <strong>da</strong> mistura.<br />

(D) O portador de demência arteriosclerótica é considerado, havendo<br />

interdição, como absolutamente incapaz, devendo ser representado por um<br />

curador.<br />

3. (163) (Questão 8 — 13º Exame OAB — RJ) Arnóbio, hospedeiro de<br />

Creso, negou-se a entregar a este seus pertences sob sua guar<strong>da</strong>, em razão de<br />

despesas efetua<strong>da</strong>s pelo mesmo em seu estabelecimento. O agir de Arnóbio<br />

confi gura:<br />

(A) Abuso de direito sujeito às penas <strong>da</strong> lei;<br />

(B) Antiga prática atualmente abandona<strong>da</strong> pelo direito;<br />

(C) Prática relaciona <strong>da</strong> ao penhor legal;<br />

(D) Praxe vetusta revoga<strong>da</strong> pelo CDC<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 135


4. (164) (Questão 3 — 8º Exame OAB — RJ) São direitos reais de fruição<br />

sobre coisas alheias:<br />

(A) A enfi teuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação e a promessa<br />

irretratável de ven<strong>da</strong>;<br />

(B) O penhor, a hipoteca, a anticrese, a enfi teuse e as servidões;<br />

(C) O uso, o usufruto, a habitação, o penhor, a hipoteca e a anticrese;<br />

(D) A hipoteca, a habitação, o uso, o usufruto, o empréstimo, o penhor e<br />

a cessão de uso.<br />

5. (165) (Questão 26 —128º Exame OAB — SP) Sobre os direitos reais,<br />

é correto afi rmar:<br />

(A) o bem móvel não pode ser adquirido mediante usucapião.<br />

(B) aluvião, avulsão e álveo abandonado são formas de aquisição de proprie<strong>da</strong>de<br />

móvel.<br />

(C) o prazo mínimo para usucapião de bem imóvel é de 15 anos.<br />

(D) o devedor hipotecário pode alienar o imóvel hipotecado sem consentimento<br />

do seu credor.<br />

6. (166) (Questão 5 — 7º Exame OAB — RJ) Para que se faça a ven<strong>da</strong><br />

de um bem imóvel de proprie<strong>da</strong>de de um adolescente sob tutela, é necessário<br />

haver comprovação de manifesta vantagem e:<br />

(A) Alvará judicial;<br />

(B) De que o adolescente tem mais de 16 anos;<br />

(C) Que haja autorização judicial, devendo a ven<strong>da</strong> ser feita em hasta<br />

pública;<br />

(D) Anuência do tutor judicial em todos os casos.<br />

7. (167) (Questão 13 — 32º Exame OAB — RJ) Em relação aos direitos<br />

reais, no direito brasileiro, assinale a opção correta.<br />

(A) Estão previstos na lei em caráter exaustivo.<br />

(B) Podem ser criados livremente pela vontade <strong>da</strong>s partes.<br />

(C) Sua constituição nunca depende de registro do título.<br />

(D) Têm efi cácia idêntica aos direitos de crédito.<br />

8. (168) (Questão 23 — 31º Exame OAB — RJ) Podem ser objeto de<br />

hipoteca:<br />

(A) Os monumentos arqueológicos;<br />

(B) Os terrenos de marinha;<br />

(C) Ações, debêntures e títulos de crédito ao portador;<br />

(D) O domínio útil sobre determinado bem.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 136


9. (169) (Questão 21 — 30º Exame OAB — RJ) São <strong>Direito</strong>s Reais:<br />

(A) A enfi teuse; as servidões; o usufruto; a habitação; as ren<strong>da</strong>s constituí<strong>da</strong>s<br />

sobre imóveis; o penhor; a hipoteca; e, a anticrese;<br />

(B) A tradição; a confusão; a enfi teuse; a compensação; a proprie<strong>da</strong>de; e, a<br />

transcrição do título imobiliário;<br />

(C) A proprie<strong>da</strong>de; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habitação;<br />

o direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; e,<br />

a anticrese;<br />

(D) A proprie<strong>da</strong>de; a tradição; a compensação; o usufruto; a locação; o<br />

usucapião; a descoberta; a posse direta; a disposição; o espaço aéreo; o subsolo<br />

e, a acessão.<br />

10. (170) (Questão 25 — 129º Exame OAB — SP) Sobre os direitos<br />

reais, é errado afi rmar<br />

(A) mesmo que convenciona<strong>da</strong> a indivisibili<strong>da</strong>de de um bem em condomínio,<br />

por prazo certo, o juiz poderá dividir a coisa comum dentro desse<br />

prazo.<br />

(B) confusão e adjunção são modos de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de móvel.<br />

(C) o menor prazo de usucapião previsto pelo Código é de 5 anos.<br />

(D) penhor é um direito real sobre coisa alheia de garantia.<br />

BEM DE FAMÍLIA<br />

11. (171) (Questão 29 — 124º Exame OAB — SP) O bem de família<br />

regulado pelo Código Civil de 2002:<br />

(A) revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90 (residencial).<br />

(B) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />

o bem de família independentemente <strong>da</strong> vontade (involuntário).<br />

(C) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />

o bem de família voluntário móvel.<br />

(D) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />

o bem de família voluntário imóvel.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 137


TRANSMISSÃO DE BENS<br />

12. (172) (Questão 29 — 122º Exame OAB — SP) Se o transmitente de<br />

bem móvel, que o possui em nome próprio, passar a possuí-lo em nome do<br />

adquirente, ter-se-á aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de mobiliária por<br />

(A) tradição real.<br />

(B) tradição simbólica.<br />

(C) traditio breve manu.<br />

(D) constituto possessório ou tradição fi cta.<br />

13. (173) (Questão 4 — 5º Exame OAB —RJ) Considerando-se o instituto<br />

<strong>da</strong> tradição no direto civil, podemos afi rmar que:<br />

(A) Executam-se as obrigações assumi<strong>da</strong>s verbalmente;<br />

(B) Não se transfere o domínio dos bens móveis;<br />

(C) Transfere-se o domínio de qualquer bem imóvel;<br />

(D) Transfere-se o domínio dos bens móveis.<br />

POSSE<br />

14. (174) (Questão 26 — 123º Exame OAB — SP) “A”, domiciliado em<br />

Curitiba, é proprietário de um sítio em Londrina, onde mantém o caseiro<br />

“B”. “A” arrendou parte desse sítio a “C”, que plantou, nesse local arren<strong>da</strong>do,<br />

um alqueire de cana.<br />

(A) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é possuidor direto;<br />

“C” é possuidor ilegítimo, mas de boa-fé, com direito de retenção sobre a<br />

benfeitoria feita.<br />

(B) “A” é possuidor direto, com ius possidendi; “B” é possuidor indireto;<br />

“C” é possuidor de boa-fé, mas sem direito de retenção pela acessão realiza<strong>da</strong>.<br />

(C) “A” é possuidor indireto, com ius possidendi; “B” é detentor; “C” é<br />

possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção sobre a acessão feita.<br />

(D) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é detentor; “C” é<br />

possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção pela benfeitoria realiza<strong>da</strong>.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 138


15. (175) (Questão 26 — Caderno A — 34º Exame OAB — RJ) A respeito<br />

<strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proteção possessória, assinale a opção correta.<br />

(A) A posse natural é um direito real de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de bens<br />

móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes<br />

de fato sobre a coisa.<br />

(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condiciona<strong>da</strong><br />

à efetiva comprovação <strong>da</strong> posse, do esbulho praticado pelo réu e <strong>da</strong><br />

per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse. Exige-se, ain<strong>da</strong>, a demonstração <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do esbulho, para que<br />

seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.<br />

(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não demande,<br />

na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeitorias<br />

erigi<strong>da</strong>s na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória<br />

em outra, ou, ain<strong>da</strong>, em petitória.<br />

(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção <strong>da</strong> coisa alheia até ser indenizado<br />

pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementa<strong>da</strong>s, tais como<br />

plantações ou construções.<br />

16. (176) (Questão 13 — 28º Exame OAB — RJ) 13. Em matéria de<br />

posse, é correto afi rmar que:<br />

(A) O justo título gera presunção juris et de jure, de boa fé;<br />

(B) O direito de retenção tem seu fulcro na cláusula geral de boa fé, subjacente<br />

a todos os contratos;<br />

(C) Pelo constituto possessório ocorre a aquisição <strong>da</strong> posse, sem a entrega<br />

material do bem;<br />

(D) A composse somente é admiti<strong>da</strong> em relação aos bens indivisíveis.<br />

17. (177) (Questão 21 — 117º Exame OAB — SP) “A” vende a “B” a<br />

casa de que é proprietário e onde reside, fi cando convencionado que “A”<br />

permanecerá no referido imóvel, não mais como dono, mas como locatário,<br />

de modo que o possuidor antigo, que tinha posse plena e unifi ca<strong>da</strong>, passará<br />

a ser possuidor direto, ao passo que o novo proprietário se investirá na posse<br />

indireta. Operou-se, no caso, o modo aquisitivo derivado <strong>da</strong> posse, que é<br />

(A) a traditio brevi manu.<br />

(B) a traditio longa manu.<br />

(C) a acessão.<br />

(D) o constituto possessório.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 139


18. (178) (Questão 14 — 28º Exame OAB — RJ) Dá-se a traditio breve<br />

manu quando:<br />

(A) O possuidor de um imóvel em nome próprio passa a possuí-lo em<br />

nome alheio;<br />

(B) Se substitui a entrega material por ato indicativo do propósito de<br />

transmitir a posse;<br />

(C) A posse pode ser continua<strong>da</strong> com a soma do tempo do atual possuidor<br />

com a posse dos seus antecessores;<br />

(D) O possuidor de uma coisa em nome alheio passa a possuí-la como própria.<br />

19. (179) (Questão 46 — 25º Exame OAB — RJ) Sobre os vícios <strong>da</strong><br />

posse, diga qual a opção correta:<br />

(A) A violência, precarie<strong>da</strong>de e clandestini<strong>da</strong>de são vícios sanáveis;<br />

(B) Só a precarie<strong>da</strong>de é insanável, enquanto a clandestini<strong>da</strong>de e a violência<br />

são sanáveis;<br />

(C) A violência e a precarie<strong>da</strong>de são vícios insanáveis ;<br />

(D) A violência, precarie<strong>da</strong>de e clandestini<strong>da</strong>de são vícios insanáveis.<br />

20. (180) (Questão 1 — 15º Exame OAB — RJ) No que diz respeito à<br />

posse é correto afi rmar:<br />

(A) A companheira tem justo título na posse de bens comuns do casal,<br />

quando do falecimento do companheiro;<br />

(B) Para que haja composse é necessário que todos os compossuidores<br />

tenham ciência <strong>da</strong> posse dos demais;<br />

(C) O possuidor direto pode exercitar a repulsa legítima à invasão de sua<br />

esfera possessória por parte do possuidor indireto, ain<strong>da</strong> que não mais vigente<br />

o título jurígeno autorizador do desdobramento <strong>da</strong> posse;<br />

(D) Não se caracteriza a posse violenta quando alguém se apossa de proprie<strong>da</strong>de<br />

onde não encontrou ninguém e depois tão-somente impede o dono<br />

de nela reentrar.<br />

21. (181) (Questão 2 — 14º Exame OAB — RJ) Assinale a alternativa<br />

incorreta:<br />

(A) O possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação<br />

e reintegrado em caso de esbulho;<br />

(B) Considera-se possuidor aquele que, achando-se em relação de dependência<br />

para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento<br />

de ordens ou instruções;<br />

(C) O Código Civil reconhece como justas a posse que não for violenta,<br />

clandestina ou precária;<br />

(D) A posse de terras públicas não autoriza a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

através de usucapião.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 140


22. (182) (Questão 85 — 118º Exame OAB — SP) Com relação aos efeitos<br />

jurídicos, a posse de boa-fé distingue-se <strong>da</strong> posse de má-fé porque confere<br />

ao possuidor o direito<br />

(A) a usucapião.<br />

(B) de retenção por benfeitorias necessárias e úteis.<br />

(C) de indenização por benfeitorias necessárias.<br />

(D) de defender a posse contra turbação.<br />

23. (183) (Questão 26 — 129º Exame OAB — SP) Devedor transfere<br />

a posse de seu imóvel ao credor, a fi m de que este possa se pagar do crédito<br />

do qual é titular, utilizando para tanto os frutos e rendimentos do imóvel.<br />

Verifi ca-se, neste caso,<br />

(A) enfi teuse.<br />

(B) anticrese.<br />

(C) penhor.<br />

(D) hipoteca.<br />

ACESSÃO E BENFEITORIAS<br />

24. (184) (Questão 5 — 13º Exame OAB — RJ) João, tendo locado um<br />

imóvel em ruínas, obteve do proprietário autorização para demolí-lo, construindo<br />

um prédio de dois an<strong>da</strong>res no local do antigo. Vencido o contrato,<br />

o proprietário entrou com pedido de retoma<strong>da</strong> na justiça, fun<strong>da</strong>mentando a<br />

desnecessi<strong>da</strong>de de indenizar o réu uma vez que o contrato de locação ve<strong>da</strong>va<br />

o direito de retenção por benfeitorias. João não se conformando o procura<br />

como advogado, recebendo de sua parte a seguinte orientação:<br />

(A) Diante do que estabelece o contrato e o princípio de pacta sunt servan<strong>da</strong><br />

João não terá direito a indenização;<br />

(B) João terá direito a indenização, vez que não se trata de simples benfeitoria<br />

e sim de ver<strong>da</strong>deira acessão, edifi ca<strong>da</strong> com autorização do proprietário;<br />

(C) João está agindo de má-fé, pois tinha ciência que as benfeitorias não<br />

seriam indenizáveis;<br />

(D) João terá direito de permanecer no imóvel compensando-se em aluguéis<br />

os gastos que efetuou com o imóvel.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 141


AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE<br />

25. (185) (Questão 22 — 30º Exame OAB — RJ) Quais são os meios<br />

aquisitivos <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de sobre bens imóveis:<br />

(a) Usucapião; registro do título aquisitivo; acessão;<br />

(b) Usucapião; aluvião; avulsão; abandono de álveo; plantações ou construções;<br />

(c) Usucapião; escritura de promessa de compra e ven<strong>da</strong>; escritura de compra<br />

e ven<strong>da</strong>; posse de área resultante de formação de ilhas em correntes comuns<br />

ou particulares;<br />

(d) Usucapião; escritura de compra e ven<strong>da</strong> de bens imóveis; Transcrição<br />

do Título de Transferência no Registro de Imóveis; acessão; construção de<br />

obras ou plantações; e, cessão de direitos hereditários.<br />

26. (186) (Questão 30 — 119º Exame OAB — SP) Quando houver<br />

acréscimo de terras às margens de um rio mediante desvio de águas ou afastamento<br />

destas, que descobrem parte do álveo, importando em aquisição <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de, por parte do dono do terreno marginal, do solo descoberto pela<br />

retração <strong>da</strong>quelas águas, confi gura-se a<br />

(A) aluvião imprópria.<br />

(B) avulsão.<br />

(C) aluvião própria.<br />

(D) acessão por abandono de álveo.<br />

27. (187) (Questão 42 — 26º Exame OAB — RJ) Tício esbulhou um<br />

imóvel urbano de 1.000m² de proprie<strong>da</strong>de de Semprônio, fi cando na posse<br />

por 08(oito) anos, quando foi esbulhado por Caio, que permaneceu no imóvel<br />

por 1(um) ano. Sabendo que Caio não estabeleceu no imóvel esbulhado<br />

sua moradia habitual e nem, tampouco, realizou qualquer tipo de obra ou<br />

serviço, diga, dentre as opções abaixo, qual representa o lapso temporal ain<strong>da</strong><br />

necessário para que Caio venha a usucapir o imóvel:<br />

(A) 1 (um) ano<br />

(B) 6 (Seis) anos<br />

(C) 14 (Quatorze) anos<br />

(D) Caio nunca irá usucapir o imóvel<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 142


28. (188) (Questão 30 — 126º Exame OAB — SP) A aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

imobiliária pela avulsão dá-se<br />

(A) com o acréscimo paulatino de terras, às margens de um rio, por meio<br />

de lentos e imperceptíveis depósitos ou aterros naturais ou de desvio de águas.<br />

(B) pela formação de ilhas em rios não navegáveis em virtude de movimentos<br />

sísmicos.<br />

(C) pelo repentino deslocamento de uma porção de terra por força natural<br />

violenta, desprendendo-se de um terreno para juntar-se a outro.<br />

(D) pelo rebaixamento de águas, deixando a descoberto e a seco uma parte<br />

do fundo ou do leito do rio.<br />

29. (189) (Questão 1 — 5º Exame OAB — RJ) Considerando-se os modos<br />

de aquisição dos direitos, podemos afi rmar que:<br />

(A) A aquisição por usucapião é modo originário de aquisição de direito<br />

de proprie<strong>da</strong>de, face a inexistência de vínculo jurídico com o antecessor;<br />

(B) A aquisição por usucapião é modo derivado de aquisição de direito de<br />

proprie<strong>da</strong>de, desde que o imóvel se ache registrado no cartório de registro de<br />

imóveis;<br />

(C) A aquisição originária somente ocorre com as terras devolutas;<br />

(D) A aquisição originária será sempre onerosa e a título universal.<br />

SERVIDÃO<br />

30 (190) (Questão 25 — 128º Exame OAB — SP) Sobre a servidão é<br />

INCORRETO afi rmar:<br />

(A) extingue-se pela reunião do prédio serviente e do prédio dominante<br />

no domínio <strong>da</strong> mesma pessoa.<br />

(B) pode ser constituí<strong>da</strong> mediante testamento.<br />

(C) pode surgir mediante usucapião.<br />

(D) a servidão de trânsito é obrigatória quando favorecer prédio encravado<br />

que não tenha saí<strong>da</strong> para a via pública.<br />

31. (191) (Questão 18 — 29º Exame OAB — RJ) Em se tratando de<br />

servidões:<br />

I. A servidão de não construir é negativa e aparente;<br />

II. A servidão de não abrir janela é contínua e não aparente;<br />

III. As servidões legais são restrições impostas pelo direito de vizinhança;<br />

IV. As servidões urbanas dizem respeito à localização em zona urbana.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 143


Das proposições acima:<br />

(A) To<strong>da</strong>s as respostas estão corretas;<br />

(B) I e IV estão corretas;<br />

(C) II e III estão corretas;<br />

(D) II e IV estão corretas.<br />

32. (192) (Questão 4 — 17º Exame OAB — RJ) Extingue-se a servidão<br />

predial:<br />

(A) Pelo falecimento do dono do prédio dominante ou do prédio serviente;<br />

(B) Apenas pelo óbito do dono do prédio dominante, pois a obrigação, no<br />

caso de morte do dono do prédio serviente, transmite-se aos herdeiros;<br />

(C) Pela confusão;<br />

(D) Pela constituição de hipoteca sobre o prédio serviente.<br />

DESAPROPRIAÇÃO<br />

33. (193) (Questão 25 — 120º Exame OAB-SP) A desapropriação judicial<br />

de imóvel, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na posse-trabalho, dá-se quando houver posse por<br />

(A) 5 anos, sem oposição, de área rural não superior a 50 hectares, por<br />

quem não for proprietário de imóvel rural ou urbano.<br />

(B) mais de 5 anos, de uma extensa área, reivindica<strong>da</strong> pelo proprietário e<br />

traduzi<strong>da</strong> em trabalho criador de um número considerável de pessoas, concretizado<br />

em construção de moradia ou em investimentos de caráter produtivo<br />

ou cultural, mediante pagamento de justo preço ao titular <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />

valendo a sentença como título para o registro <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de imobiliária em<br />

nome dos possuidores.<br />

(C) 5 anos, de área urbana de até 250 m² por quem, não sendo proprietário<br />

de imóvel urbano ou rural, a utilizar para sua moradia.<br />

(D) 10 anos, independentemente de título e boa fé, de imóvel, por quem<br />

nele estabelecer mora<strong>da</strong> habitual e realizar obras produtivas.<br />

34. (194) (Questão 2 — 4º Exame OAB — RJ) A desapropriação, considera<strong>da</strong><br />

em relação ao direito de proprie<strong>da</strong>de, supõe:<br />

(A) Restrição ou limitação ao direito de proprie<strong>da</strong>de em razão de interesse<br />

público ou social;<br />

(B) Restrição voluntária de per<strong>da</strong> do direito de proprie<strong>da</strong>de, mediante<br />

prévia e justa indenização em dinheiro;<br />

(C) Ato unilateral de direito privado por meio do qual o proprietário é obrigado<br />

a entregar aquilo que lhe pertence, mediante justa indenização em dinheiro;<br />

(D) Só ocorre face o notório abandono <strong>da</strong> coisa pelo dono, passando o<br />

bem ao poder público em razão <strong>da</strong> lei.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 144


USUFRUTO<br />

35. (195) (Questão 17 — 28º Exame OAB—RJ) O usufruto estabelecido<br />

para benefi ciar duas ou mais pessoas, quando se extingue gra<strong>da</strong>tivamente em<br />

relação a ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s que falecerem, denomina-se:<br />

(A) Usufruto simultâneo;<br />

(B) Usufruto temporário;<br />

(C) Usufruto sucessivo;<br />

(D) Usufruto universal.<br />

36. (196) (Questão 25 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é<br />

errado afi rmar que<br />

(A) constituído em favor de dois usufrutuários, extingue-se o usufruto na<br />

parte <strong>da</strong>quele que falecer.<br />

(B) constituído em favor de dois usufrutuários, o direito de usufruto do<br />

que vier a falecer acresce à parte do sobrevivente.<br />

(C) pode recair sobre títulos de crédito.<br />

(D) se extingue o usufruto pelo não uso, ou não fruição, <strong>da</strong> coisa em que<br />

o usufruto recai.<br />

37. (197) (Questão 27 — 131º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é<br />

ERRADO afi rmar que<br />

(A) a lei considera que o direito de usufruto sobre um terreno é um bem<br />

imóvel.<br />

(B) falecendo o usufrutuário, o direito de usufruto transmite— se aos seus<br />

herdeiros.<br />

(C) falecendo o nu-proprietário, seu direito transmite-se aos seus herdeiros.<br />

(D) o direito de usufruto não pode ser alienado.<br />

PENHOR<br />

38. (198) (Questão 4 — 4º Exame OAB-RJ) A notifi cação ao devedor<br />

pelo credor pignoratício tem o condão:<br />

(A) De <strong>da</strong>r ciência ao mesmo <strong>da</strong> cessão do título de crédito;<br />

(B) De tomar o devedor ciente que poderá pagar o título tanto a um<br />

quanto ao outro;<br />

(C) Obrigar o devedor involuntariamente ao negócio jurídico em razão <strong>da</strong><br />

caução do título feita pelo credor originário;<br />

(D) Consiste na ciência do devedor que o título de crédito foi alienado.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 145


39. (199) (Questão 26 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o penhor, é errado<br />

afi rmar que<br />

(A) implica sempre na transferência <strong>da</strong> posse ao credor, <strong>da</strong> coisa <strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />

garantia.<br />

(B) se extingue com o perecimento <strong>da</strong> coisa <strong>da</strong><strong>da</strong> em garantia.<br />

(C) o pagamento de uma <strong>da</strong>s prestações não implica exoneração correspondente<br />

<strong>da</strong> garantia, ain<strong>da</strong> que esta compreen<strong>da</strong> vários bens.<br />

(D) o condômino pode <strong>da</strong>r em garantia sua parte ideal <strong>da</strong> coisa, independentemente<br />

<strong>da</strong> autorização dos demais.<br />

40. (200) (Questão 29 — 119º Exame OAB-SP) É direito do credor<br />

pignoratício<br />

(A) impedir o uso <strong>da</strong> coisa grava<strong>da</strong>.<br />

(B) receber o remanescente do preço na ven<strong>da</strong> judicial.<br />

(C) exigir o reforço <strong>da</strong> garantia se a coisa empenha<strong>da</strong> se deteriorar ou<br />

perecer.<br />

(D) conservar a posse indireta do bem empenhado.<br />

CONDOMÍNIO EDILÍCIO<br />

41. (201) (Questão 26 — 127º Exame OAB-SP) Se o condômino, no<br />

condomínio edilício, for julgado nocivo, por seu reiterado comportamento<br />

anti-social, e expulso por deliberação <strong>da</strong> assembléia, reitera<strong>da</strong> por decisão<br />

judicial,<br />

(A) perderá a proprie<strong>da</strong>de de sua uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />

(B) perderá a proprie<strong>da</strong>de e a posse direta de utilização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />

(C) perderá a posse direta de utilização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />

(D) não poderá ceder o uso <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma a terceiros.<br />

42. (202) (Questão 21 — 119º Exame OAB-SP) Por deliberação de 2/3<br />

em assembléia condominial de prédio residencial, o síndico ajuizou ação contra<br />

condômino, por perturbação do sossego, visando interditar-lhe o acesso<br />

ao edifício. A medi<strong>da</strong> intenta<strong>da</strong> é<br />

(A) legal, por constituir contravenção penal.<br />

(B) ilegal, porque as transgressões a deveres dos condôminos são passíveis<br />

apenas de sanções pecuniárias.<br />

(C) legal, pois que a decisão <strong>da</strong> Assembléia é soberana no regime <strong>da</strong>s relações<br />

de condomínio.<br />

(D) ilegal, por falta de decisão unânime dos condôminos.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 146


36. (OAB — FGV — 2011.2) Durante assembleia realiza<strong>da</strong> em condomínio<br />

edilício residencial, que conta com um apartamento por an<strong>da</strong>r, Giovana, nova<br />

proprietária do apartamento situado no an<strong>da</strong>r térreo, solicitou explicações sobre<br />

a cobrança condominial, por ter verifi cado que o valor dela cobrado era superior<br />

àquele exigido dos demais condôminos. O síndico prontamente esclareceu que<br />

a cobrança a ela dirigi<strong>da</strong> é realmente superior à cobrança <strong>da</strong>s demais uni<strong>da</strong>des,<br />

tendo em vista que o apartamento de Giovana tem acesso exclusivo, por meio<br />

de uma porta situa<strong>da</strong> em sua área de serviço, a um pequeno pátio localizado nos<br />

fundos do condomínio, conforme consta nas confi gurações originais do edifício<br />

devi<strong>da</strong>mente registra<strong>da</strong>s. Desse modo, segundo afi rmado pelo síndico, podendo<br />

Giovana usar o pátio com exclusivi<strong>da</strong>de, apesar de constituir área comum do<br />

condomínio, caberia a ela arcar com as respectivas despesas de manutenção.<br />

Em relação à situação apresenta<strong>da</strong>, assinale a alternativa correta.<br />

(A) Não poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />

do pátio, tendo em vista que este consiste em área comum do condomínio,<br />

e a porta de acesso exclusivo não fora instala<strong>da</strong> por iniciativa <strong>da</strong> referi<strong>da</strong><br />

condômina.<br />

(B) Poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />

do pátio, tendo em vista que ela dispõe de seu uso exclusivo, independentemente<br />

<strong>da</strong> frequência com que seja efetivamente exercido. (X)<br />

(C) Somente poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />

do pátio caso seja demonstrado que o uso por ela exercido impõe<br />

deterioração excessiva do local.<br />

(D) Poderá ser cobra<strong>da</strong> de Giovana metade <strong>da</strong>s despesas relativas à manutenção<br />

do pátio, devendo a outra metade ser reparti<strong>da</strong> entre os demais condôminos,<br />

tendo em vista que a instalação <strong>da</strong> porta na área de serviço não foi de<br />

iniciativa <strong>da</strong> condômina, tampouco <strong>da</strong> atual administração do condomínio.<br />

CONDOMÍNIO — CO-PROPRIEDADE<br />

43. (203) (Questão 45 — 25º Exame OAB-RJ) Com base na atuais concepções<br />

normativas acerca dos direitos reais, estabeleci<strong>da</strong>s pelo Código Civil<br />

de 2002, marque a assertiva correta:<br />

(A) A convenção de condomínio é oponível contra terceiros, independentemente<br />

do fato de não estar registra<strong>da</strong> no cartório de Registros de Imóveis;<br />

(B) O possuidor de má-fé não tem direito à indenização por quaisquer<br />

benfeitorias realiza<strong>da</strong>s;<br />

(C) Os direitos reais sobre imóveis transmitidos causa mortis só se adquirem<br />

com o registro no Cartório de Registro de Imóveis;<br />

(D) Na hipótese de alienação de uni<strong>da</strong>de de condomínio, a responsabili<strong>da</strong>de<br />

por débitos do imóvel relativamente ao condomínio está a cargo do adquirente.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 147


44. (204) (Questão 22 — 117º Exame OAB-RJ) Se o condômino de coisa<br />

indivisível vender sua fração ideal sem <strong>da</strong>r preferência aos demais consortes,<br />

(A) a ven<strong>da</strong>, como ato jurídico, é nula de pleno direito, pois não obedeci<strong>da</strong><br />

a forma prescrita em lei.<br />

(B) o condômino preterido, respeitado o prazo legal, pode depositar o<br />

preço pelo qual a fração foi vendi<strong>da</strong> a terceiro e havê-la para si.<br />

(C) não há direito de prelação na com proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coisa indivisível,<br />

uma vez que todos os condôminos devem assinar o ato de alienação.<br />

(D) o condômino preterido pode apenas pleitear per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos, provando<br />

que tinha condições fi nanceiras para adquirir a parte ideal vendi<strong>da</strong> ou que<br />

o imóvel remanescente perde parte de seu valor em função <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong><br />

possibili<strong>da</strong>de de seu aproveitamento.<br />

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — OUTUBRO)<br />

45. (40) Numa ação de reintegração de posse em que o esbulho ocorreu<br />

há menos de 1 ano e 1 dia, ao examinar o pedido de liminar constante <strong>da</strong><br />

petição inicial, o juiz<br />

(A) deve sempre realizar a inspeção judicial no local, sendo tal diligência<br />

requisito para a concessão <strong>da</strong> liminar.<br />

(B) deve deferir de plano, sem ouvir o réu, se a petição inicial estiver devi<strong>da</strong>mente<br />

instruí<strong>da</strong> e sendo a ação entre particulares.<br />

(C) deve sempre designar audiência prévia ou de justifi cação, citando o<br />

réu, para, então, avaliar o pedido liminar.<br />

(D) pode deferir a liminar de plano, sem ouvir o réu, desde que haja parecer<br />

favorável do Ministério Público.<br />

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — JULHO)<br />

46. (33) Noêmia, proprietária de uma casa litorânea, regularmente constituiu<br />

usufruto sobre o aludido imóvel em favor de Luísa, mantendo, contudo,<br />

a sua proprie<strong>da</strong>de. Inespera<strong>da</strong>mente, sobreveio uma severa ressaca marítima,<br />

que destruiu por completo o imóvel. Ciente do ocorrido, Noêmia decidiu reconstruir<br />

integralmente a casa às suas expensas, tendo em vista que o imóvel<br />

não se encontrava segurado.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 148


A respeito <strong>da</strong> situação narra<strong>da</strong>, assinale a alternativa correta.<br />

(A) O usufruto será mantido em favor de Luísa, tendo em vista que o<br />

imóvel não fora destruído por culpa sua.<br />

(B) O usufruto será extinto, consoli<strong>da</strong>ndo-se a proprie<strong>da</strong>de em favor de<br />

Noêmia, independentemente do pagamento de indenização a Luísa, tendo<br />

em vista que Noêmia arcou com as despesas de reconstrução do imóvel.<br />

(C) O usufruto será extinto, consoli<strong>da</strong>ndo-se a proprie<strong>da</strong>de em favor de<br />

Noêmia, desde que esta indenize Luísa em valor equivalente a um ano de<br />

aluguel do imóvel.<br />

(D) O usufruto será mantido em favor de Luísa, independentemente do<br />

pagamento de qualquer quantia por ela, tendo em vista que Noêmia somente<br />

poderia ter reconstruído o imóvel mediante autorização expressa de Luísa,<br />

por escritura pública ou instrumento particular.<br />

47. (38) Acerca <strong>da</strong> servidão de aqueduto, assinale a alternativa correta.<br />

(A) Não se aplicam à servidão de aqueduto as regras pertinentes à passagem<br />

de cabos e tubulações.<br />

(B) O aqueduto deverá ser construído de maneira que cause o menor prejuízo<br />

aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, mas a<br />

quem não incumbem as despesas de conservação.<br />

(C) Se o uso <strong>da</strong>s águas não se destinar à satisfação <strong>da</strong>s exigências primárias,<br />

o proprietário do aqueduto não deverá ser indenizado pela retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s águas<br />

supérfl uas aos seus interesses de consumo.<br />

(D) O proprietário do prédio serviente, ain<strong>da</strong> que devi<strong>da</strong>mente indenizado<br />

pela passagem <strong>da</strong> servidão do aqueduto, poderá exigir que seja subterrânea<br />

a canalização que atravessa áreas edifi ca<strong>da</strong>s, pátios, jardins ou quintais.<br />

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.3)<br />

48. (15) Félix e Joaquim são proprietários de casas vizinhas há cinco anos<br />

e, de comum acordo, haviam regularmente delimitado as suas proprie<strong>da</strong>des<br />

pela instalação de uma singela cerca viva. Recentemente, Félix adquiriu um<br />

cachorro e, por essa razão, o seu vizinho, Joaquim, solicitou-lhe que substituísse<br />

a cerca viva por um tapume que impedisse a entra<strong>da</strong> do cachorro em sua<br />

proprie<strong>da</strong>de. Surpreso, Félix negou-se a atender ao pedido do vizinho, argumentando<br />

que o seu cachorro era adestrado e inofensivo e, por isso, jamais<br />

lhe causaria qualquer <strong>da</strong>no.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 149


Com base na situação narra<strong>da</strong>, é correto afi rmar que Joaquim<br />

(A) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />

ingresse na sua proprie<strong>da</strong>de, contanto que arque com metade <strong>da</strong>s despesas<br />

de instalação, cabendo a Félix arcar com a outra parte <strong>da</strong>s despesas.<br />

(B) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />

ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de, cabendo a Félix arcar integralmente com as<br />

despesas de instalação.<br />

(C) não poderá exigir que Félix instale o tapume, uma vez que a cerca viva<br />

fora instala<strong>da</strong> de comum acordo e demarca corretamente os limites de ambas<br />

as proprie<strong>da</strong>des, cumprindo, pois, com a sua função, bem como não há indícios<br />

de que o cachorro possa vir a lhe causar <strong>da</strong>nos.<br />

(D) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />

ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de, cabendo a Félix arcar com as despesas de instalação,<br />

deduzindo-se desse montante metade do valor, devi<strong>da</strong>mente corrigido,<br />

correspondente à cerca viva inicialmente instala<strong>da</strong> por ambos os vizinhos.<br />

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.2)<br />

49. (25) Sobre o constituto possessório, assinale a alternativa correta.<br />

(A) Trata-se de modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />

(B) Trata-se de modo originário de aquisição <strong>da</strong> posse.<br />

(C) Representa uma tradição fi cta.<br />

(D) É imprescindível para que se opere a transferência <strong>da</strong> posse aos herdeiros<br />

na sucessão universal.<br />

50. (26) Passando por difi cul<strong>da</strong>des fi nanceiras, Alexandre instituiu uma<br />

hipoteca sobre imóvel de sua proprie<strong>da</strong>de, onde reside com sua família. Posteriormente,<br />

foi procurado por Aman<strong>da</strong>, que estaria disposta a adquirir o<br />

referido imóvel por um valor bem acima do mercado. Consultando seu advogado,<br />

Alexandre ouviu dele que não poderia alienar o imóvel, já que havia<br />

uma cláusula na escritura de instituição <strong>da</strong> hipoteca que o proibia de alienar<br />

o bem hipotecado. A opinião do advogado de Alexandre<br />

(A) está incorreta, porque a hipoteca instituí<strong>da</strong> não produz efeitos, pois,<br />

na hipótese, o direito real em garantia a ser instituído deveria ser o penhor.<br />

(B) está incorreta, porque Alexandre está livre para alienar o imóvel, pois a<br />

cláusula que proíbe o proprietário de alienar o bem hipotecado é nula.<br />

(C) está incorreta, uma vez que a hipoteca é nula, pois não é possível instituir<br />

hipoteca sobre bem de família do devedor hipotecário.<br />

(D) está correta, porque em virtude <strong>da</strong> proibição contratual, Alexandre não<br />

poderia alienar o imóvel enquanto recaísse sobre ele a garanti a hipotecária.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 150


51. (28) Por meio de uma promessa de compra e ven<strong>da</strong>, celebra<strong>da</strong> por<br />

instrumento particular registra<strong>da</strong> no cartório de Registro de Imóveis e na<br />

qual não se pactuou arrependimento, Juvenal foi residir no imóvel objeto do<br />

contrato e, quando quitou o pagamento, deparou-se com a recusa do promitente-vendedor<br />

em outorgar-lhe a escritura defi nitiva do imóvel.Diante do<br />

impasse, Juvenal poderá<br />

(A) requerer ao juiz a adjudicação do imóvel, a despeito de a promessa de<br />

compra e ven<strong>da</strong> ter sido celebra<strong>da</strong> por instrumento particular.<br />

(B) usucapir o imóvel, já que não faria jus à adjudicação compulsória na<br />

hipótese.<br />

(C) desisti r do negócio e pedir o dinheiro de volta.<br />

(D) exigir a substituição do imóvel prometido à ven<strong>da</strong> por outro, muito<br />

embora inexistisse previsão expressa a esse respeito no contrato preliminar.<br />

PROVA A — 1ª FASE — 2006.2<br />

52. (36) Acerca <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fi duciária em garantia, assinale a opção<br />

correta.<br />

(A) Na proprie<strong>da</strong>de fi duciária, o credor pode apropriar-se <strong>da</strong> coisa garanti<strong>da</strong><br />

quando o fi duciante voluntariamente deixar de pagar o débito garantido,<br />

transformando, assim, a proprie<strong>da</strong>de resolúvel em proprie<strong>da</strong>de defi nitiva do<br />

fi duciário. No entanto, havendo saldo a favor do devedor, após o desconto<br />

<strong>da</strong>s taxas de administração e dos demais encargos decorrentes <strong>da</strong> mora, este<br />

deve ser entregue ao fi duciante.<br />

(B) Capitalizar juros signifi ca somar o valor dos juros vencidos ao capital<br />

mutuado, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado<br />

dessa soma, e assim sucessivamente, procedimento também conhecido como<br />

juros compostos. Nos contratos de mútuo com alienação fi duciária em garantia,<br />

desde que expressamente pactua<strong>da</strong>, é admiti<strong>da</strong> a capitalização dos juros.<br />

(C) O bem <strong>da</strong>do em proprie<strong>da</strong>de fi duciária não faz parte dos ativos do<br />

devedor, pois trata-se de patrimônio separado, imune à ação de terceiros e<br />

que não pode ser penhorado, e a falta de devolução do bem alienado fi duciariamente<br />

autoriza a prisão civil do devedor.<br />

(D) O objetivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fi duciária é garantir um empréstimo feito<br />

pelo credor fi duciário ao fi duciante, para que este pague o preço <strong>da</strong> aquisição.<br />

Para garantir o reembolso <strong>da</strong> quantia mutua<strong>da</strong>, o adquirente transfere<br />

ao fi nanciador o domínio <strong>da</strong> coisa compra<strong>da</strong>, que a conserva até o preço ser<br />

pago. O devedor fi ca com a posse direta e o fi nanciador, titular <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

resolúvel, conserva a posse indireta, enquanto o domínio não se resolver.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 151


PROVA A — 1ª FASE — 2006.3<br />

53. (33) Quanto à usucapião, assinale a opção correta.<br />

(A) Caso uma pessoa exerça com ânimo de dono a posse mansa, pacífi ca e<br />

ininterrupta do imóvel há 11 anos, adquirirá a sua proprie<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong><br />

usucapião extraordinária.<br />

(B) Usucapião é modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e ocorre<br />

quando uma pessoa mantém a posse mansa e pacífi ca, por determinado espaço<br />

de tempo, de um bem, gerando, assim, a chama<strong>da</strong> prescrição aquisitiva,<br />

que lhe permite buscar, por meio de uma ação judicial, a declaração de seu<br />

domínio sobre aquele bem.<br />

(C) A usucapião especial de imóvel localizado em área urbana possui<br />

como um dos requisitos o justo título, assim considerado o documento hábil<br />

à aquisição do domínio e a boa-fé, isto é, o desconhecimento do vício que lhe<br />

impede a aquisição do bem.<br />

(D) Na usucapião rural, o possuidor deve ser pessoa física ou jurídica que<br />

houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras<br />

ou serviços de caráter produtivo, ou seja, que retire <strong>da</strong> terra a sua subsistência<br />

ou que torne a terra produtiva com ativi<strong>da</strong>de agrícola, extrativa ou agroindustrial.<br />

54. (35) Quanto à posse e à proprie<strong>da</strong>de, assinale a opção correta.<br />

(A) Ao possuidor de má-fé são assegurados os interditos possessórios, bem<br />

como o direito de retenção do bem possuído até a completa indenização pelo<br />

proprietário <strong>da</strong>s benfeitorias necessárias e <strong>da</strong>s úteis feitas na coisa possuí<strong>da</strong>.<br />

(B) Adquire-se a proprie<strong>da</strong>de de bem móvel ou imóvel pela tradição <strong>da</strong><br />

coisa negocia<strong>da</strong> pelas partes, exigindo-se para a vali<strong>da</strong>de dessa aquisição que<br />

a coisa seja de proprie<strong>da</strong>de do vendedor ou de terceiro por ele representado.<br />

(C) Acessão natural é o direito em razão do qual o proprietário de um bem<br />

passa a adquirir a proprie<strong>da</strong>de de tudo aquilo que nele adere. Por se tratar de<br />

modo originário de aquisição, não há transmissão e, para todos os efeitos, o<br />

histórico <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de inicia-se com o adquirente; portanto, esse fato jurídico<br />

não é gerador do imposto de transmissão.<br />

(D) Na aquisição deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por causa mortis, seja bem móvel<br />

ou imóvel, a título singular ou universal, ocorre a transferência <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de<br />

do patrimônio que pertencia à pessoa faleci<strong>da</strong>, assumindo o sucessor<br />

to<strong>da</strong>s as obrigações e as dívi<strong>da</strong>s pessoais do de cujus.<br />

— assunto: posse e proprie<strong>da</strong>de (aula 3)<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 152


55. (39) Com relação aos direitos reais sobre coisas alheias, assinale a opção<br />

correta.<br />

(A) O penhor comum ou convencional só pode ser instituído por escrito<br />

e completa-se com a entrega <strong>da</strong> coisa móvel de proprie<strong>da</strong>de do devedor ou<br />

de terceiro garantidor ao credor pignoratício, com a fi nali<strong>da</strong>de de garantir o<br />

pagamento de um débito.<br />

(B) O mesmo imóvel pode ser <strong>da</strong>do em garantia hipotecária a mais de<br />

uma dívi<strong>da</strong> até o limite do valor venal do imóvel e exigindo-se para tanto que<br />

o credor originário e o <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> hipoteca sejam a mesma pessoa e que haja<br />

sua concordância expressa com a divisibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> garantia.<br />

(C) Extingue-se a hipoteca com a alienação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, transformando-se<br />

a obrigação real em obrigação pessoal do devedor originário que assumiu<br />

a dívi<strong>da</strong> perante o credor hipotecário.<br />

(D) A anticrese é um direito real de garantia com efi cácia erga omnes em<br />

que o devedor ou um terceiro garantidor transmite a posse direta e indireta<br />

de bem móvel ao credor como garantia de uma dívi<strong>da</strong>. Em hipótese de<br />

inadimplemento do débito garantido, poderá o credor promover a ven<strong>da</strong><br />

amigável do bem para o pagamento.<br />

— assunto: hipoteca e penhor (aula 21)<br />

PROVA ROXA — 1ª FASE — 2007.2<br />

56. (25) Acerca <strong>da</strong> desapropriação, assinale a opção correta.<br />

(A) Desapropriação indireta é o fato administrativo por meio do qual o<br />

Estado se apropria de bem particular, sem a observância dos requisitos <strong>da</strong><br />

declaração e <strong>da</strong> indenização prévia.<br />

(B) Na desapropriação por interesse social para fi ns de reforma agrária,<br />

serão indeniza<strong>da</strong>s por título <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública não apenas a terra nua, mas<br />

também as benfeitorias úteis e necessárias, sendo que as voluptuosas não serão<br />

indeniza<strong>da</strong>s.<br />

(C) Os bens públicos não podem ser desapropriados.<br />

(D) Na desapropriação por zona, devem ser incluídos os imóveis contíguos<br />

ao imóvel desapropriado, necessários ao desenvolvimento <strong>da</strong> obra a que<br />

se destina.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 153


PROVA A — 1ª FASE — 2007.3<br />

57. (26) A respeito <strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proteção possessória, assinale a opção<br />

correta.<br />

(A) A posse natural é um direito real de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de bens<br />

móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes<br />

de fato sobre a coisa.<br />

(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condiciona<strong>da</strong><br />

à efetiva comprovação <strong>da</strong> posse, do esbulho praticado pelo réu e <strong>da</strong><br />

per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse. Exige-se, ain<strong>da</strong>, a demonstração <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do esbulho, para que<br />

seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.<br />

(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não demande,<br />

na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeitorias<br />

erigi<strong>da</strong>s na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória<br />

em outra, ou, ain<strong>da</strong>, em petitória.<br />

(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção <strong>da</strong> coisa alheia até ser indenizado<br />

pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementa<strong>da</strong>s, tais como<br />

plantações ou construções.<br />

PROVA DISCURSIVA — 2ª FASE — 2010.3<br />

1) Tarsila adquiriu determinado lote íngreme. A entra<strong>da</strong> se dá pela parte<br />

alta do imóvel, por onde chegam a luz e a água. Inicia<strong>da</strong>s as obras de construção<br />

<strong>da</strong> casa, verifi ca-se que, para realizar adequa<strong>da</strong>mente o escoamento do<br />

esgoto, as tubulações deverão, necessariamente, transpassar subterraneamente<br />

o imóvel vizinho limítrofe, de proprie<strong>da</strong>de de Charles. Não há outro caminho<br />

a ser utilizado, pois se trata de região rochosa, impedindo construções<br />

subterrâneas ou qualquer outra medi<strong>da</strong> que não seja excessivamente onerosa.<br />

De posse de parecer técnico, Tarsila procura por Charles a fi m de obter autorização<br />

para a obra. Sem justo motivo, Charles não consente, mesmo ciente<br />

de que tal negativa inviabilizará a construção do sistema de saneamento do<br />

imóvel vizinho. Buscando um acordo amigável, Tarsila propõe o pagamento<br />

de valor de indenização pela área utiliza<strong>da</strong>, permanecendo a recusa de Charles.<br />

Considere que você é o(a) advogado(a) de Tarsila. Respon<strong>da</strong> aos itens a<br />

seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fun<strong>da</strong>mentação<br />

legal pertinente ao caso.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 154


a) Há alguma medi<strong>da</strong> judicial que possa ser toma<strong>da</strong> em vista de obter autorização<br />

para construir a passagem de tubulação de esgoto?<br />

R: José descobriu, após o casamento, que Tânia praticou crime que, por<br />

sua natureza, tornará insuportável a relação do casal. Cui<strong>da</strong>-se de erro essencial<br />

sobre o cônjuge, podendo José propor ação judicial a fi m de que o<br />

casamento seja anulado. Cabe, portanto, Ação Anulatória de Casamento,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no art. 1.557, II, c/c art. 1.556 do CC.<br />

b) Considere que houve paralisação <strong>da</strong> obra em razão do desacordo entre<br />

Tarsila e Charles. Há alguma medi<strong>da</strong> emergencial que possa ser busca<strong>da</strong> objetivando<br />

viabilizar a construção do sistema de saneamento?<br />

R: A medi<strong>da</strong> cabível será a Ação Cautelar de Sequestro, nos termos do art.<br />

822, III, do CPC, a fi m de proteger os bens do casal, enquanto tramita a ação<br />

principal. O examinando deverá mencionar que há presença de fumus boni<br />

iuris e do periculum in mora, elementos essenciais à concessão de medi<strong>da</strong>s<br />

de urgência.<br />

GABARITO —<br />

CESPE OAB<br />

1. D<br />

2. C<br />

3. C<br />

4. A<br />

5. D<br />

6. C<br />

7. A<br />

8. D<br />

9. C<br />

10. C<br />

11. D<br />

12. D<br />

13. D<br />

14. C<br />

15. B<br />

16. C<br />

17. D<br />

18. D<br />

19. B<br />

20. A<br />

21. B<br />

22. B<br />

23. B<br />

24. B<br />

25. A<br />

26. A<br />

27. C<br />

28. C<br />

29. A<br />

30. C<br />

31. C<br />

32. C<br />

33. B<br />

34. A<br />

35. A<br />

36. B<br />

37. B<br />

38. C<br />

39. A<br />

40. C<br />

41. C<br />

42. B<br />

43. D<br />

44. B<br />

GABARITO —<br />

PROVA OAB FGV<br />

45. B<br />

46. B<br />

47. D<br />

48. B<br />

49. C<br />

50. B<br />

51. A<br />

52. D<br />

53. D<br />

54. B<br />

55. A<br />

56. A<br />

57. B<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 155


GUSTAVO KLOH MULLER NEVES<br />

Mestre e Doutor em <strong>Direito</strong> Civil pela UERJ.<br />

Professor <strong>da</strong> FGV <strong>Direito</strong> Rio. Advogado.<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 156


FICHA TÉCNICA<br />

Fun<strong>da</strong>ção <strong>Getulio</strong> <strong>Vargas</strong><br />

Carlos Ivan Simonsen Leal<br />

PRESIDENTE<br />

FGV DIREITO RIO<br />

Joaquim Falcão<br />

DIRETOR<br />

Sérgio Guerra<br />

VICE-DIRETOR ACADÊMICO<br />

Rodrigo Vianna<br />

VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO<br />

Thiago Bottino do Amaral<br />

COORDENADOR DA GRADUAÇÃO<br />

Rogério Barcelos Alves<br />

COORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO<br />

Paula Spieler<br />

COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS<br />

Andre Pacheco Mendes<br />

COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA<br />

Thais Maria L. S. Azevedo<br />

COORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO<br />

Márcia Barroso<br />

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – PLACEMENT<br />

Diogo Pinheiro<br />

COORDENADOR DE FINANÇAS<br />

Milena Brant<br />

COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO<br />

DIREITO DE PROPRIEDADE<br />

FGV DIREITO RIO 157

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