Direito da Propriedade - Fundação Getulio Vargas
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DIREITO DE<br />
PROPRIEDADE<br />
AUTOR: GUSTAVO KLOH MULLER NEVES<br />
ROTEIRO DE CURSO<br />
2012.1
Sumário<br />
<strong>Direito</strong> de Proprie<strong>da</strong>de<br />
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3<br />
BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE ................................................................................................................. 4<br />
Aula 1: O que é ser dono ............................................................................................................... 5<br />
Aula 2: Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de: o dono pode fazer tudo? .................................................... 12<br />
Aula 3: A proprie<strong>da</strong>de e a posse: eu estou aqui ............................................................................. 18<br />
Aula 4: A função social <strong>da</strong> posse e o critério <strong>da</strong> melhor posse. ...................................................... 22<br />
Aula 5: Na Justiça: a tutela jurídica <strong>da</strong> posse. Tutela possessória e petitória ................................... 32<br />
Aula 6: Proprie<strong>da</strong>de e moradia ..................................................................................................... 36<br />
Aula 7: Só é dono quem registra ................................................................................................... 42<br />
Aulas 8, 9 e 10: Usucapião ........................................................................................................... 51<br />
Aula 11: Soluções para a ausência de registro. ............................................................................... 63<br />
Aula 12: Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.......................................................................................................... 69<br />
Aula 13: <strong>Direito</strong> de vizinhança ..................................................................................................... 79<br />
Aula 14: <strong>Direito</strong> de construir ....................................................................................................... 88<br />
BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS ..................................................................................... 94<br />
Aula 15: Incorporações imobiliárias ............................................................................................. 95<br />
Aulas 16 e 17: Condomínio ....................................................................................................... 104<br />
Aula 18: Demais direitos reais .................................................................................................... 107<br />
Aula 19: Financiamento imobiliário ........................................................................................... 112<br />
Aula 20: Alienação fi duciária ...................................................................................................... 114<br />
Aula 21: Hipoteca e penhor ....................................................................................................... 119<br />
Aula 22 e 23: Superfície ............................................................................................................. 125<br />
Aula 24: Usufruto e servidão ...................................................................................................... 131<br />
EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS ................................................................................................................... 135
INTRODUÇÃO<br />
APRESENTAÇÃO DOS OBJETIVOS DO CURSO<br />
Você mora em um imóvel. Estu<strong>da</strong> em um imóvel. Conversa, compra,<br />
an<strong>da</strong> e se diverte em um imóvel. E, justamente por essa razão, os imóveis<br />
sempre foram alvo de especial atenção na socie<strong>da</strong>de. Quem adquire direitos<br />
sobre eles, acessa necessariamente uma riqueza perene e de valor único.<br />
Como consequência, a determinação dos critérios sobre quem assume a titulari<strong>da</strong>de<br />
é crucial para que se enten<strong>da</strong> de que maneira o poder a as posições<br />
são distribuí<strong>da</strong>s em socie<strong>da</strong>de.<br />
A proprie<strong>da</strong>de, o direito que se impõe ao mesmo tempo sobre as coisas<br />
e sobre os outros direitos sobre as coisas, é o índice para que se determine<br />
o resultado dessa pergunta. Seu estudo, em várias facetas, será nosso objeto<br />
de estudo.<br />
Além de enfrentar as questões relativas aos imóveis, iremos tocar questões<br />
relevantes à compreensão <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> do homem nas ci<strong>da</strong>des. Porque,<br />
quanto maior o mundo, menor a capaci<strong>da</strong>de de reduzi-lo a uma dimensão<br />
puramente individual. O direito de um será, portanto cotejado, com o direito<br />
dos outros.<br />
Busca-se, desse modo, a compreensão do individual e do coletivo na proprie<strong>da</strong>de,<br />
e de que modo essa ligação intrínseca se dá.<br />
METODOLOGIA E AVALIAÇÃO<br />
A metodologia adota<strong>da</strong> é a ampara<strong>da</strong> em casos, como nas demais disciplinas<br />
do curso. Sobreleva o papel <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concreta na determinação<br />
do conteúdo dos casos, pois estão todos os alunos previamente vivenciados<br />
na experiência de convívio na reali<strong>da</strong>de urbana e imobiliária. Dessa sorte, as<br />
experiências dos alunos serão especialmente valoriza<strong>da</strong>s, com a condução do<br />
professor.<br />
A avaliação consistirá de dois exames escritos, a serem realizados no horário<br />
de aula. Na composição <strong>da</strong> nota do primeiro exame, será toma<strong>da</strong> em<br />
consideração desempenho em ativi<strong>da</strong>de de pesquisa, a ser realiza<strong>da</strong> sob orientação<br />
do professor.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 3
BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE<br />
OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS<br />
Nesse bloco de aulas, o objetivo <strong>da</strong> turma reside em compreender a relevância<br />
<strong>da</strong>s situações proprietárias, de que maneira essas situações se delineiam<br />
na reali<strong>da</strong>de contemporânea, as relações existentes entre posse e proprie<strong>da</strong>de<br />
e o papel <strong>da</strong> função social na análise do conteúdo e efeitos <strong>da</strong> relação proprietária.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 4
AULA 1: O QUE É SER DONO<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS:<br />
A tutela <strong>da</strong>s titulari<strong>da</strong>des. Conceito de Proprie<strong>da</strong>de: Proprie<strong>da</strong>de e proprie<strong>da</strong>des.<br />
Sentidos e objetivos <strong>da</strong> proteção proprietária. Titulari<strong>da</strong>de de direitos<br />
intelectuais e de ações.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
LORENZETTI, Ricardo, “Fun<strong>da</strong>mentos de <strong>Direito</strong> Privado”.São Paulo:Revista<br />
dos Tribunais, bens1998, pp. 85-115 (cap. 2: o direito privado como garantia<br />
de acesso a bens)<br />
LEITURA COMPLEMENTAR:<br />
LEAL, Rogério Gesta, “Função Social <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de”, Porto Alegre:<br />
Livraria do Advogado, 1998, pp. 29-60.<br />
PIPES, Richard Pipes. “Proprie<strong>da</strong>de e Liber<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro: Record,<br />
2001, pp. 331-342.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
A PROPRIEDADE EM SUA VISÃO TRADICIONAL<br />
Desde o direito romano, a questão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de se põe diante dos estudiosos<br />
do direito como <strong>da</strong>s mais tormentosas, sem que se possa desde logo<br />
defi nir lineamentos imutáveis ou axiomas quaisquer.<br />
Em primeiro lugar, vale referir que não apenas no <strong>Direito</strong>, como também<br />
na economia, na ciência política e na sociologia, as discussões em torno <strong>da</strong><br />
função e do conceito de proprie<strong>da</strong>de sempre tiveram maior vulto, havendo<br />
mesmo quem desejasse explicar a evolução histórico-econômica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
humana como se fora uma história <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de sobre os bens de capital.<br />
Ao largo desta circunstância passaremos, pois não é objetivo deste comentário<br />
descortinar maiores in<strong>da</strong>gações sobre questões desta profundi<strong>da</strong>de.<br />
Vamos nos deter sobre o que é exarado do dispositivo acima, portanto.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 5
Na consoli<strong>da</strong>ção de Teixeira de Freitas, já se lia no art. 884: “Consiste o dominio<br />
na livre facul<strong>da</strong>de de usar e dispor, <strong>da</strong>s cousas e de as deman<strong>da</strong>r por acções<br />
reaes”. Ou seja, a fórmula do artigo acima apenas consagra a conjugação de<br />
poderes já prevista nas Ordenações, e que se mantém até hoje. Ocorre que<br />
este desfi ar sintético de poderes, conquanto ver<strong>da</strong>de, não encerra a compreensão<br />
jurídica <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de nos dias atuais.<br />
Inicialmente, podemos afi rmar que a proprie<strong>da</strong>de consiste no mais extenso<br />
direito real que um determinado ordenamento jurídico confere a um titular. 1<br />
Gostamos desta defi nição não porque ela é em especial boa, mas porque reconhece<br />
como to<strong>da</strong> e qualquer uma há de ser ruim, ou seja, é impossível formular um<br />
conceito uno e a-histórico de proprie<strong>da</strong>de. De qualquer sorte, todo direito subjetivo<br />
que consistir, em uma <strong>da</strong><strong>da</strong> ordem, no direito mais amplo que se dá a um<br />
titular sobre uma coisa, será esta a proprie<strong>da</strong>de, pois é esta a função que ocupa, a<br />
de ser meio de exercício de poder econômico e de atribuição de titulari<strong>da</strong>des.<br />
Consideramos também importante referir um outro aspecto: o titular <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de possui, em relação à coisa, um poder interno e outro externo;<br />
interfere no destino <strong>da</strong> coisa, e impede que terceiros o façam, ou só o façam de<br />
acordo com seus desígnios. 2 Portanto, a distribuição <strong>da</strong>s titulari<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> riqueza<br />
efetivamente passam pela normativização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de na socie<strong>da</strong>de.<br />
PODERES PROPRIETÁRIOS<br />
O art. 1.228 do Código Civil encerra os chamados poderes proprietários:<br />
usar, gozar, dispor e reivindicar, que permanecem com estrutura semelhante<br />
desde as Institutas de Justiniano. É esse o primeiro artigo do capítulo de proprie<strong>da</strong>de<br />
do Código Civil de 2002, com a seguinte re<strong>da</strong>ção:<br />
“Art. 1.228. O proprietário tem a facul<strong>da</strong>de de usar, gozar e dispor <strong>da</strong> coisa, e o<br />
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”<br />
Essas características, to<strong>da</strong>via, não devem se toma<strong>da</strong>s isola<strong>da</strong>mente, e sim<br />
considera<strong>da</strong>s dentro de um quadro no qual a proprie<strong>da</strong>de se comporta de<br />
modo diferenciado, de acordo com as respectivas situações. Deve-se destacar<br />
o papel ocupado pela proprie<strong>da</strong>de de direitos imateriais, como cotas, ações,<br />
marcas, patentes, etc., como pedra de toque dessa revisão.<br />
A PROPRIEDADE NA SOCIEDADE: RIQUEZA, ACÚMULO E ACESSO<br />
Mas se ser proprietário é ter esses poderes, e ser considerado o principal<br />
interessado em relação a uma coisa, a proprie<strong>da</strong>de é sempre uma situação<br />
“modelo”, a ser busca<strong>da</strong> e segui<strong>da</strong>, ou seria possível associar certas funções à<br />
proprie<strong>da</strong>de, e qualifi cá-la de acordo com essas funções?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
1 Martin Wolff , Derecho <strong>da</strong>s Cosas, vol.<br />
1°, 3ª ed, Barcelona, Bosch, 1971, p.<br />
326.<br />
2 Bevilacqua, Código Civil dos EUB, vol.<br />
III, 11ª ed, Rio de Janeiro, Francisco<br />
Alves, 1958, p. 45.<br />
FGV DIREITO RIO 6
TEXTO<br />
“Comprar ou alugar? Eis a questão (06.10.2004)<br />
Kênio de Souza Pereira (*)<br />
Decidir-se por pagar aluguel ou por adquirir um imóvel é uma <strong>da</strong>s maiores<br />
dúvi<strong>da</strong>s que enfrentamos quando passamos a ter independência fi nanceira.<br />
Quando possuímos recursos sufi cientes para comprar, à vista, o que desejamos<br />
não há problema, pois certamente ter casa própria é fator de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e<br />
segurança, especialmente para a família.<br />
Mas, geralmente a aquisição só é possível através de fi nanciamento ou<br />
de parcelamento em longo prazo. Nesse momento são cometidos erros que<br />
podem levar a prejuízos expressivos, especialmente se ignorarmos que to<strong>da</strong><br />
compra e ven<strong>da</strong> de imóvel é complexa, seja pelo mercado, pela negociação,<br />
pela elaboração do contrato ou <strong>da</strong> documentação.<br />
Cultuamos a idéia de que pagar aluguel é um péssimo negócio por ser dinheiro<br />
jogado fora. Tal afi rmação não é ver<strong>da</strong>deira. É preferível, às vezes, pagar<br />
aluguel, especialmente quando o inquilino trabalha por conta própria e precisa<br />
do dinheiro para capital de giro. Às vezes, descapitalizar a empresa pode<br />
comprometer a sua sobrevivência. O custo do aluguel mensal, em torno de<br />
0,7% em relação ao valor do imóvel, é muito baixo, especialmente se comparado<br />
com o custo para uma empresa buscar dinheiro fi nanciado nos bancos.<br />
Esquecemos, muitas vezes, que é saudável e necessário investirmos em nosso<br />
bem estar, em morar ou trabalharmos num local que aten<strong>da</strong> às nossas necessi<strong>da</strong>des<br />
ou expectativas para que possamos nos realizar como pessoas ou<br />
profi ssionais, e, em grande parte <strong>da</strong>s vezes, a única solução é alugar, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />
necessi<strong>da</strong>de imediata de morar ou trabalhar em determinado tipo de imóvel.<br />
Ao optar pela compra de um imóvel, o bem mais caro do mundo, é comum<br />
essa decisão vir acompanha<strong>da</strong> de grande carga emocional, o que atrapalha<br />
o raciocínio lógico. Primeiramente, devemos procurar constituir uma<br />
poupança prévia, num percentual mínimo de 50% do valor do imóvel que<br />
pretendemos adquirir. Para isso, é preciso pesquisar o que realmente desejamos<br />
e qual o valor <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> que poderemos assumir.<br />
É, ain<strong>da</strong>, aconselhável saber que quanto maior o valor <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>, menor<br />
será o risco de inadimplência, mas que o contrário também é ver<strong>da</strong>de, pois a<br />
idéia de fi nanciar de 70% a 100% do imóvel é arrisca<strong>da</strong>, já que são poucos<br />
os brasileiros certos de que manterão a capaci<strong>da</strong>de de pagamento <strong>da</strong>s parcelas<br />
por dez ou vinte anos. Vemos com certa frequência pessoas honestas<br />
tornando-se réus em ações de cobrança, execução ou até perdendo o imóvel<br />
em decorrência do leilão do imóvel fi nanciado. O sonho <strong>da</strong> casa própria é<br />
tão intenso que as pessoas insistem em ignorar que ninguém está isento de<br />
fi car doente, de perder o emprego ou passar por uma crise fi nanceira em seu<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 7
negócio, especialmente durante o longo prazo do fi nanciamento e num país<br />
em que a política econômica é instável e sujeita a planos e pacotes mirabolantes.<br />
A maioria não busca assessoria para entender os refl exos jurídicos <strong>da</strong>s<br />
cláusulas do contrato, consistindo ingenui<strong>da</strong>de e amadorismo a idéia de que<br />
a compra de um imóvel é simples.<br />
Para aqueles que têm a ilusão de que os agentes fi nanceiros vendem casa<br />
própria, é bom saberem que a coisa não é bem assim... Ocorre que o dinheiro<br />
no Brasil é uma mercadoria cara, que o custo fi nanceiro (TR mais juros de<br />
12% a 16%) faz a dívi<strong>da</strong> do fi nanciamento subir em torno de 18% ao ano,<br />
sem contar o custo mensal do seguro de vi<strong>da</strong> e os <strong>da</strong>nos físicos do imóvel.<br />
Portanto, o banco não vende imóvel e, sim, empresta dinheiro, sendo o imóvel<br />
mera garantia hipotecária ou fi duciária. Por isso os agentes fi nanceiros,<br />
dentre eles a Caixa Econômica Federal, não aceitam o imóvel como pagamento<br />
<strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> quando o mutuário não consegue quitar pontualmente as<br />
prestações. O comprador acaba sofrendo uma ação de execução, fi cando com<br />
o nome ‘sujo’ e perdendo crédito na praça e, fi nalmente, perde também o<br />
imóvel através do leilão decorrente <strong>da</strong> hipoteca.<br />
O pior é que o comprador geralmente se vê forçado a sair do imóvel, sem<br />
na<strong>da</strong> receber, perdendo ain<strong>da</strong> as benfeitorias (reformas, armários,etc.) instala<strong>da</strong>s,<br />
o sinal e tudo que pagou durante anos. Portanto, cabe à pessoa que<br />
deseja comprar um imóvel fi nanciado atentar para os riscos e compreender<br />
porque tantos mutuários reclamam e se surpreendem ao constatarem que<br />
continuam a dever R$ 100 mil, ou seja, quase o dobro do que vale o imóvel<br />
avaliado em R$ 50 mil, após ter pago a entra<strong>da</strong> e durante anos, as prestações.<br />
O fato é que o governo induziu milhares de mutuários a fi nanciarem imóveis<br />
sob a propagan<strong>da</strong> enganosa do PES (Plano de Equivalência Salarial) ou<br />
do PCR (Plano de Comprometimento de Ren<strong>da</strong>), que prometiam que os<br />
valores <strong>da</strong>s prestações acompanhariam a evolução salarial ou que a mesma<br />
não ultrapassaria o percentual de 25% ou 30% do rendimento do mutuário,<br />
levando-o a acreditar que quitaria to<strong>da</strong> a dívi<strong>da</strong> ao fi nal do prazo. Ocorre<br />
que, ninguém explicou para o mutuário que quanto menor a sua prestação,<br />
que fi cava sem aumentar, maior se tornava a sua dívi<strong>da</strong>, ou seja, o seu saldo<br />
devedor disparava em função do mesmo subir de forma capitaliza<strong>da</strong>, em torno<br />
de 18% ao ano, sem qualquer ligação com a evolução do seu salário ou<br />
com a variação do valor do imóvel.<br />
Portanto, para muitos seria melhor terem continuado a pagar aluguel, sem<br />
correr o risco do prejuízo <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> e dezenas de prestações de um fi nanciamento<br />
impagável, e ain<strong>da</strong> perder o crédito na praça e os valores investidos no<br />
imóvel com benfeitorias.<br />
Obtendo recursos para <strong>da</strong>r entra<strong>da</strong> num imóvel, caso opte pela compra<br />
diretamente com a construtora, o risco será menor, pois o Código de Defesa<br />
do Consumidor proíbe que o comprador perca to<strong>da</strong>s as parcelas que tiver<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 8
quitado, caso se torne inadimplente. Neste caso, o comprador não perde<br />
tudo como ocorre na rescisão do contrato com o agente fi nanceiro. Ocorrendo<br />
a rescisão na compra e ven<strong>da</strong> feita diretamente com a construtora, o<br />
comprador receberá de volta parte do que pagou, cabendo a ele fi car atento<br />
para as complexas condições do contrato de promessa de compra e ven<strong>da</strong>, de<br />
forma a lhe propiciar maior segurança.<br />
(*) O autor é Diretor <strong>da</strong> Caixa Imobiliária, Advogado Especializado em<br />
<strong>Direito</strong> Imobiliário — Tel. (31) 3225-5599, e-mail: keniopereira@caixa<br />
imobiliaria.com.br” 3<br />
CASO GERADOR.<br />
Leia o texto abaixo:<br />
Sistema de tempo compartilhado em meios de hospe<strong>da</strong>gem e turismo: o<br />
desenvolvimento do time sharing no Brasil<br />
HISTÓRIA<br />
O Time Sharing surgiu logo após a 2ª Grande Guerra Mundial, como uma<br />
solução para o turismo na Europa do pós-guerra, tanto para os proprietários<br />
de hotéis e agências de viagem, quanto para as famílias, que já não podiam<br />
comprar uma proprie<strong>da</strong>de de férias, reuniam-se então os grupos familiares e<br />
juntos adquiriam e compartilhavam um imóvel de férias; ao mesmo tempo<br />
em que os hotéis turísticos também promoviam o compartilhamento de seus<br />
apartamentos, dividindo os períodos de utilização em três a quatro meses,<br />
conforme o aporte de ca<strong>da</strong> família.<br />
Os norte-americanos adotaram e aprimoraram esta fi losofi a, estabelecendo a<br />
divisão dos períodos em semanas, mais fáceis de se comercializar e de se utilizar; o<br />
sistema foi se desenvolvendo até 1.976, com o surgimento <strong>da</strong> Interval International,<br />
que criou o serviço de intercâmbio, permitindo ao proprietário trocar a sua<br />
semana de férias em um determinado hotel, por outra semana em outro hotel<br />
em qualquer parte do mundo. Os hotéis afi liados passaram a ser sempre resorts<br />
estruturados para lazer, em destinos potencialmente turísticos e as novas regras<br />
abrangiam adequações de projetos, como apartamentos grandes com estrutura<br />
de cozinha, procedimentos específi cos quanto a reservas de intercâmbios, etc.<br />
Determinados destinos turísticos foram viabilizados, em grande parte, elas<br />
ven<strong>da</strong>s de Time Sharing, como Cancún — México, outros em que este sistema<br />
é intensamente desenvolvido, como em Miami, Orlando e Disney World, na<br />
Flóri<strong>da</strong> — EUA; além <strong>da</strong>s principais atrações turísticas em todos os continentes.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
3 http://74.125.93.132/search?q=cache:<br />
Fs1a-1V6QH0J:rep.creci-sc.gov.br/arquivos/materialsite/<br />
DOUTRINA _compraroualugar.doc+Decidir-se+por+pa<br />
gar+aluguel+ou+por+adquirir&cd=<br />
1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br<br />
FGV DIREITO RIO 9
Há no mundo duas grandes operadoras de intercâmbio de Time Sharing:<br />
a própria Interval International e a RCI, ambas com escritórios e cerca de 120<br />
resorts afi liados no Brasil.<br />
A RCI pertence a HFS — Hospitality Franchise Sistems, conglomerado<br />
americano que reúne 13 companhias, em sua maioria cadeias de hotéis<br />
como Days Inn e Howard Johnson e tem entre os resorts afi liados, redes<br />
como Rama<strong>da</strong>, Knights Inn, Wingate Inn, etc., totalizando 2,3 milhões de<br />
famílias associa<strong>da</strong>s.<br />
A Interval International pertence a uma holding composta por algumas<br />
redes de hotéis como Marriott, Hyatt, Disney e Carlson e conta com cerca<br />
de 1.600 empreendimentos em mais de 60 países, envolvendo as maiores<br />
cadeias hoteleiras mundiais, como Sheraton, Hilton, Holi<strong>da</strong>y Inn, Rama<strong>da</strong>,<br />
Meliá, além <strong>da</strong>s inicialmente cita<strong>da</strong>s e 1 milhão de famílias são proprietárias<br />
de semanas de Tempo Compartilhado, movimentando cerca de US$ 4,3 bilhões<br />
por ano.<br />
TIME SHARING PARA BRASILEIROS<br />
O Ministério <strong>da</strong> Indústria e Comércio, através <strong>da</strong> Embratur — Instituto<br />
Brasileiro de Turismo, na sua Deliberação Normativa nº 378 de 12/08/97 regulamentou<br />
o Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de Hospe<strong>da</strong>gem<br />
e Turismo, estabelecendo os direitos e obrigações aos agentes intervenientes<br />
do sistema: empreendedor, comercializador, operador, administrador do intercâmbio<br />
e consumidor.<br />
Esta regulamentação transmitiu a credibili<strong>da</strong>de necessária aos brasileiros,<br />
que não confi avam no sistema, devido a pouca clareza na cobrança de taxas<br />
extras ou à falta de vagas nos hotéis localizados nos destinos preferidos por<br />
brasileiros; hoje se comprova que 99% <strong>da</strong>s solicitações de reservas para intercâmbio<br />
são atendi<strong>da</strong>s.<br />
Há, na Flóri<strong>da</strong> uma deman<strong>da</strong> muito grande para ven<strong>da</strong> de semanas de<br />
Time Sharing para brasileiros, a ponto de alguns resorts em Orlando e Disney<br />
montarem estruturas de ven<strong>da</strong> específi cas para brasileiros, onde o idioma<br />
corrente é o português; estima-se que cerca de 50 brasileiros/ dia comprem<br />
semanas de Time Sharing nos EUA e México, pagando em média US$ 15.000<br />
por 20 anos de direito de uso de uma semana/ ano; os valores praticados pelos<br />
resorts brasileiros são inferiores e o comprador pode usufruir de todos os hotéis<br />
afi liados em sua rede de intercâmbio, pagando somente as taxas de afi liação<br />
(uma vez por ano) e de intercâmbio (a ca<strong>da</strong> troca de semana efetua<strong>da</strong>).<br />
As tabelas de ven<strong>da</strong>s pratica<strong>da</strong>s pelos resorts têm como parâmetros de diferenciação<br />
de preços o número de hospedes/ apartamento e o período do ano,<br />
dividido em 52 semanas. No litoral paulista, entre alguns empreendimentos,<br />
o Dana Inn Pousa<strong>da</strong> Tabatinga, no Condomínio Costa Verde, entre Caraguatatuba<br />
e Ubatuba, de frente ao mar em uma praia belíssima, está venden-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 10
do a R$ 4.000, o apartamento para quatro hóspedes em semanas de Média<br />
Tempora<strong>da</strong> — entre Março e Outubro; sua tabela dispõe de preços ain<strong>da</strong> de<br />
apartamentos para 6 e 8 pessoas e para Alta Tempora<strong>da</strong>. A grande vantagem<br />
de se comprar semanas no período de Média Tempora<strong>da</strong> é a de se conseguir<br />
um intercâmbio de Alta Tempora<strong>da</strong> na Europa e EUA, pagando um preço<br />
baixo, neste caso específi co.<br />
Alguns bancos brasileiros já anunciaram que estão estu<strong>da</strong>ndo alternativas<br />
de fi nanciamento tanto para construção e reforma de resorts afi liados ao<br />
Sistema de Tempo Compartilhado, como para o consumidor fi nal; o atual<br />
impeditivo são as altas taxas de juros, que tendem a cair.<br />
TENDÊNCIAS<br />
O Time Sharing é o segmento do turismo que mais cresce no mundo,<br />
oferecendo hospe<strong>da</strong>gens em resorts de 4 e 5 estrelas a valores baixos. Com a<br />
chega<strong>da</strong> de marcas internacionalmente reconheci<strong>da</strong>s, aliado à nova tendência,<br />
que é a adoção do sistema de pontos, substituindo a semana e permitindo<br />
maior fl exibili<strong>da</strong>de de escolha: ao invés de serem obrigados a usufruir <strong>da</strong>s<br />
mesmas férias nas mesmas semanas todos os anos, o comprador de Time Sharing<br />
será proprietário de um determinado número de pontos, que poderão<br />
ser usados em qualquer resort afi liado, <strong>da</strong> forma que entender e será benefi ciado<br />
com propostas de fi nais de semana mais baratos, vôos e pacotes executivos<br />
nos resorts afi liados.<br />
Este fato será o responsável pela criação de uma ampla e leal base de clientes:<br />
ao mesmo tempo em que a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> adoção do sistema de pontos, aliado<br />
à entra<strong>da</strong> de redes internacionais no sistema concede a credibili<strong>da</strong>de e permite<br />
a fl exibili<strong>da</strong>de de escolha ao comprador, eleva o padrão e a sofi sticação<br />
do Time Sharing fi cará por conta do ingresso de redes hoteleiras, principalmente<br />
européias, ofertando hotéis de luxo nos principais destinos turísticos<br />
do continente, vários servidos por campos de golfe e Spa. O proprietário de<br />
Time Sharing de um resort brasileiro poderá usufruir destes hotéis charmosos,<br />
onde as semanas são vendi<strong>da</strong>s até por US$ 28.000, pagando, somente, as<br />
taxas <strong>da</strong> Interval, o transporte e alimentação.<br />
A tendência <strong>da</strong> indústria hoteleira internacional passa obrigatoriamente<br />
pela evolução do sistema de Time Sharing, passando para os centros urbanos,<br />
criação de clubes de viagens, convênios, enfi m; esta será à base <strong>da</strong> estrutura<br />
turística dos novos tempos.” 4<br />
Você consideraria, em quais casos, a compra de um imóvel nas circunstâncias<br />
acima? Ou seria melhor alugar?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
4 http://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?idconteudo=160<br />
FGV DIREITO RIO 11
AULA 2: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE:<br />
O DONO PODE FAZER TUDO?<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Função social. Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
TEPPEDINO, Gustavo. “Contornos constitucionais <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>”,<br />
em “Temas de <strong>Direito</strong> Civil”, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp.<br />
267-293,<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
VARELA, Laura Beck. “Das Sesmarias à Proprie<strong>da</strong>de Moderna”, Rio de Janeiro,<br />
Renovar, 2005, p. 219-234.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
FUNÇÃO SOCIAL<br />
O que é <strong>da</strong>r função social? A proprie<strong>da</strong>de, como a estamos concebendo,<br />
é um direito. Entretanto, um direito tão importante não pode ser exercitado<br />
sem que sejam delineados limites internos ao seu exercício. Daí a transição<br />
dos poderes proprietários para deveres-poderes proprietários, 5 que deverão<br />
ser exercidos em consonância dos interesse sociais. Tal questão não escapou<br />
ao constituinte.<br />
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE<br />
Este viés não escapou ao constituinte que defi niu a priori um conteúdo<br />
constitucional para a proprie<strong>da</strong>de, que orienta todo o conjunto de normas atinentes<br />
ao referido direito. Trata-se <strong>da</strong> função social (art. 5°, XXIII, CRFB).<br />
Função porque a proprie<strong>da</strong>de passa, a partir deste momento, a não ser<br />
mais um direito vazio, mas uma situação patrimonial apenas passível de pro-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
5 Augusto Teizen, A Função Social no<br />
Código Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 132.<br />
FGV DIREITO RIO 12
teção na medi<strong>da</strong> em que exercer um <strong>da</strong>do papel no ordenamento. Este papel<br />
é tomando em conta não individualmente, mas socialmente, <strong>da</strong>í a menção ao<br />
termo social. A proprie<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um está em termos de titulari<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong><br />
a ca<strong>da</strong> um não por conta <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de que ca<strong>da</strong> um aufere <strong>da</strong> coisa (que<br />
não é relega<strong>da</strong> nem desimportante, mas que não serve de parâmetro central<br />
para esta regulação), mas tendo em vista a utili<strong>da</strong>de que a socie<strong>da</strong>de obtém de<br />
benefício a ca<strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong>. Estes conteúdos podem ganhar várias<br />
concreções, a saber:<br />
Qual seria a natureza <strong>da</strong> função social? Para alguns, é princípio <strong>da</strong> ordem<br />
econômica. 6 Gustavo Tepedino, to<strong>da</strong>via, entende que este princípio permeia<br />
todo o direito privado, porquanto diante <strong>da</strong>s colocações acima não se possa<br />
conceber proprie<strong>da</strong>de sem que haja atendimento a uma série de interesses<br />
não-proprietários, que em muitos casos não se ampararão na micro-constituição<br />
econômica, mas em outros paradigmas perfi lados pela Constituição <strong>da</strong><br />
República (em especial, situações subjetivas existenciais: intimi<strong>da</strong>de, liber<strong>da</strong>de,<br />
integri<strong>da</strong>de, digni<strong>da</strong>de...).<br />
Sendo princípio, ou seja, norma jurídica de re<strong>da</strong>ção sintética e de aplicação<br />
e cogência variáveis, poderá a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de admitir<br />
inúmeras concreções, ca<strong>da</strong> uma com sua característica distintiva. O próprio<br />
Código Civil, no art. 1228, §1°, traz-nos algumas ideias que especifi cam o<br />
conteúdo <strong>da</strong> função social: meio ambiente, proteção do patrimônio histórico,<br />
etc., além <strong>da</strong>s previstas no próprio texto constitucional (CRFB, art. 182,<br />
§2°, sobre o atendimento ao plano diretor, art.170, sobre os princípios <strong>da</strong><br />
ordem econômica, e art. 186 — sobre a proprie<strong>da</strong>de rural: aproveitamento<br />
racional e adequado; utilização adequa<strong>da</strong> dos recursos naturais disponíveis e<br />
preservação do meio ambiente; observância <strong>da</strong>s disposições que regulam as<br />
relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários<br />
e dos trabalhadores). A função social comporta-se, portanto, como conceito<br />
jurídico indeterminado, a ser preenchido pelo intérprete.<br />
Além disso, a própria jurisprudência se incumbe de delinear outras hipóteses<br />
nas quais se atenderá à função social. É ver o RESP 27039, DJ 7.02.94,<br />
julgado pelo STJ:<br />
“<strong>Direito</strong> de internar e assistir seus pacientes. Cod. de ética medica aprovado pela<br />
resolução CFM n. 1.246/88, art. 25. <strong>Direito</strong> de proprie<strong>da</strong>de. Cod. Civil, art. 524.<br />
Decisão que reconheceu o direito do médico, consubstanciado na resolução, de ‘internar<br />
e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter fi lantrópico,<br />
ain<strong>da</strong> que não faça parte do seu corpo clinico, respeitados as normas técnicas <strong>da</strong> instituição’,<br />
não ofendeu o direito de proprie<strong>da</strong>de, estabelecido o art. 524 do Cód. Civil.<br />
Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, ou direito do proprietário sujeito a limitações. Constituição,<br />
art. 5. —XXIII. 2. E livre o exercício de qual trabalho. A saúde é direito<br />
de todos. Constituição art. 5. —XXIII e 196. 3. Recurso especial não conhecido.”<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
6 José Diniz de Morais, A Função Social<br />
<strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de na Constituição Federal<br />
de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999,<br />
p. 64.<br />
FGV DIREITO RIO 13
Ou ain<strong>da</strong>, confi rmando o caráter de cláusula geral:<br />
TJ —RJ, 2006.001.44440 — APELACAO CIVEL<br />
DES. AZEVEDO PINTO — Julgamento: 13/12/2006<br />
Apelação. Ordinária. Concessão real de uso de bem público. Municipali<strong>da</strong>de<br />
que não deu função social à proprie<strong>da</strong>de dominical sua e pretende desalijar<br />
família de baixa ren<strong>da</strong>, que ocupou imóvel abandonado. Sentença de improcedência.<br />
Apelação do Município arguindo preliminares de apreciação de<br />
agravo retido e de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº2220/2001.<br />
No mérito, requer a reforma <strong>da</strong> sentença alegando que:1 — não cumpriu a<br />
apela<strong>da</strong> os pressupostos <strong>da</strong> MP2220/2001; 2 — inexiste direito de retenção<br />
por benfeitorias;3 — a recorri<strong>da</strong> é devedora de per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos, na quali<strong>da</strong>de<br />
de lucros cessantes, tendo em vista que habitou bem público por anos, sem<br />
qualquer pagamento. Desprovimento do agravo retido e do recurso principal.<br />
Correta a concessão de tutela antecipatória, uma vez que a decisão<br />
não é teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos, aplicação do verbete<br />
sumular nº 59 deste Tribunal. Não merece acolhi<strong>da</strong> a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória 2220/2001, tendo em vista que o Poder<br />
Executivo Federal na<strong>da</strong> mais fez do que disciplinar matéria constitucional e<br />
legalmente prevista, através do ato administrativo normativo. Vale observar<br />
que não seria necessária Medi<strong>da</strong> Provisória para se fazer respeitar o princípio<br />
constitucional <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de (art. 5º, XXIII e 170, III <strong>da</strong><br />
CRFB/88) que, na hipótese, se materializa pelo abandono do bem pela municipali<strong>da</strong>de<br />
e pela comprovação de sua utilização pela apela<strong>da</strong> e sua família,<br />
de acordo com o que se extrai do acervo probatório colacionado aos autos.<br />
No mérito, vê-se que há prova sufi ciente de que a apela<strong>da</strong> é possuidora do<br />
imóvel há mais de vinte anos, realizando, portanto, o comando insculpido no<br />
artigo 1º <strong>da</strong> MP nº2220/2001. Ausente a fi nali<strong>da</strong>de pública bem delimita<strong>da</strong>,<br />
é viável a permanência <strong>da</strong> apela<strong>da</strong> e sua família no imóvel, uma vez que,<br />
manti<strong>da</strong> a situação fática existente, estar-se-ia, sem dúvi<strong>da</strong>, cumprindo com<br />
a função social do imóvel. Como dito alhures, desnecessária a edição de medi<strong>da</strong><br />
de provisória com o fi to de disciplinar a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />
tendo em vista que esta goza de assento constitucional (arts. 5º, XXIII e 170,<br />
III, CRFB/88), e, repita-se, não <strong>da</strong>ndo a municipali<strong>da</strong>de função social ao<br />
bem, este caracterizado como dominical, faz-se mister a chama<strong>da</strong> concessão<br />
de uso especial. Observando-se, contudo, que não se está conferindo o domínio,<br />
mas sim a posse do imóvel para o fi m específi co de moradia, estando<br />
o possuidor, que deu função social ao imóvel, sujeito à cassação <strong>da</strong> concessão<br />
do benefício, na hipótese de descumprimento dos requisitos e fi ns determinados.<br />
Recurso conhecido e desprovido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 14
— As diferentes interpretações atribuí<strong>da</strong>s pela jurisprudência ao conceito<br />
de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de:<br />
TJRJ — Agravo de Instrumento nº 0034470-72.2011.8.19.0000<br />
DES. CARLOS EDUARDO PASSOS — Julgamento: 14/07/2011 —<br />
SEGUNDA CAMARA CIVEL<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. VERBE-<br />
TE N º 59 DA SÚMULA DESTE TRIBUNAL. Reforma de decisão agrava<strong>da</strong><br />
somente em casos de teratologia, ilegali<strong>da</strong>de ou não observância <strong>da</strong> prova<br />
dos autos. Pronunciamento não enquadrado em qualquer dessas hipóteses.<br />
Ação civil Pública. Contrato de depósito de veículos apreendidos. Descoberta<br />
de focos de mosquito transmissor <strong>da</strong> dengue no local. Dano iminente<br />
à incolumi<strong>da</strong>de pública demonstrado. Obrigação de conservação <strong>da</strong> coisa<br />
deposita<strong>da</strong>. Observância dos princípios <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e<br />
do contrato. Plausibili<strong>da</strong>de do direito invocado e risco de lesão grave à população.<br />
Determinação de paralisação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de negocial e cobertura do<br />
terreno, de modo a evitar a acumulação de água. Restrições razoáveis. Atendimento<br />
do interesse público. Recurso a que se nega seguimento.<br />
— O acórdão abaixo, ao fi m, traz o conceito de função social ecológica<br />
<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Além disso, no item 7, o acórdão desconstrói a tese de que a<br />
utili<strong>da</strong>de econômica do imóvel não se esgote num único uso, nem tampouco<br />
no melhor uso.<br />
STJ — REsp 1109778/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SE-<br />
GUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 04/05/2011<br />
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PRE-<br />
QUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. MATA ATLÂNTICA. DE-<br />
CRETO 750/1993. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO<br />
QÜINQÜENAL. ART. 1.228, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO<br />
CÓDIGO CIVIL DE 2002.<br />
1. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito <strong>da</strong><br />
oposição de Embargos Declaratórios, não foi aprecia<strong>da</strong> pelo Tribunal de origem.<br />
Incidência <strong>da</strong> Súmula 211/STJ.<br />
2. Ressalte-se, inicialmente, que a hipótese dos autos não se refere a pleito<br />
de indenização pela criação de Uni<strong>da</strong>des de Conservação (Parque Nacional<br />
ou Estadual, p.ex.), mas em decorrência <strong>da</strong> edição de ato normativo stricto<br />
sensu (Decreto Federal), de observância universal para todos os proprietários<br />
rurais inseridos no Bioma <strong>da</strong> Mata Atlântica.<br />
3. As restrições ao aproveitamento <strong>da</strong> vegetação <strong>da</strong> Mata Atlântica, trazi<strong>da</strong>s<br />
pelo Decreto 750/93, caracterizam, por conta de sua generali<strong>da</strong>de e apli-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 15
cabili<strong>da</strong>de a todos os imóveis incluídos no bioma, limitação administrativa,<br />
o que justifi ca o prazo prescricional de cinco anos, nos moldes do Decreto<br />
20.910/1932. Precedentes do STJ.<br />
4. Hipótese em que a Ação foi ajuiza<strong>da</strong> somente em 21.3.2007, decorridos<br />
mais de dez anos do ato do qual originou o suposto <strong>da</strong>no (Decreto<br />
750/1993), o que confi gura a prescrição do pleito do recorrente.<br />
5. Assegura<strong>da</strong> no Código Civil de 2002 (art. 1.228, caput), a facul<strong>da</strong>de de<br />
“usar, gozar e dispor <strong>da</strong> coisa”, núcleo econômico do direito de proprie<strong>da</strong>de,<br />
está condiciona<strong>da</strong> à estrita observância, pelo proprietário atual, <strong>da</strong> obrigação<br />
propter rem de proteger a fl ora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico<br />
e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar<br />
e <strong>da</strong>s águas (parágrafo único do referido artigo).<br />
6. Os recursos naturais do Bioma Mata Atlântica podem ser explorados,<br />
desde que respeita<strong>da</strong>s as prescrições <strong>da</strong> legislação, necessárias à salvaguar<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> vegetação nativa, na qual se encontram várias espécies <strong>da</strong> fl ora e fauna<br />
ameaça<strong>da</strong>s de extinção.<br />
7. Nos regimes jurídicos contemporâneos, os imóveis — rurais ou urbanos<br />
— transportam fi nali<strong>da</strong>des múltiplas (priva<strong>da</strong>s e públicas, inclusive<br />
ecológicas), o que faz com que sua utili<strong>da</strong>de econômica não se esgote em um<br />
único uso, no melhor uso e, muito menos, no mais lucrativo uso. A ordem<br />
constitucional-legal brasileira não garante ao proprietário e ao empresário o<br />
máximo retorno fi nanceiro possível dos bens privados e <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des exerci<strong>da</strong>s.<br />
8. Exigências de sustentabili<strong>da</strong>de ecológica na ocupação e utilização de<br />
bens econômicos privados não evidenciam apossamento, esvaziamento ou<br />
injustifi ca<strong>da</strong> intervenção pública. Prescrever que indivíduos cumpram certas<br />
cautelas ambientais na exploração de seus pertences não é atitude discriminatória,<br />
tampouco rompe com o princípio <strong>da</strong> isonomia, mormente porque<br />
ninguém é confi scado do que não lhe cabe no título ou senhorio.<br />
9. Se o proprietário ou possuidor sujeita-se à função social e à função ecológica<br />
<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, despropositado alegar per<strong>da</strong> indevi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quilo que, no<br />
regime constitucional e legal vigente, nunca deteve, isto é, a possibili<strong>da</strong>de de<br />
utilização completa, absoluta, ao estilo <strong>da</strong> terra arrasa<strong>da</strong>, <strong>da</strong> coisa e de suas<br />
virtudes naturais. Ao revés, quem assim proceder estará se apoderando ilicitamente<br />
(uso nocivo ou anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de) de atributos públicos do<br />
patrimônio privado (serviços e processos ecológicos essenciais), que são “bem<br />
de uso comum do povo”, nos termos do art.<br />
225, caput, <strong>da</strong> Constituição de 1988.<br />
10. Finalmente, observe-se que há notícia de decisão judicial transita<strong>da</strong><br />
em julgado, em Ação Civil Pública, que também impõe limites e condições<br />
à exploração de certas espécies <strong>da</strong> Mata Atlântica, considera<strong>da</strong>s ameaça<strong>da</strong>s de<br />
extinção.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 16
11. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido.<br />
CASO GERADOR<br />
MS 2046 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA<br />
Relator Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ 30.08.1993, p. 17258.<br />
“MANDADO DE SEGURANÇA — AREA INDÍGENA — DECLA-<br />
RAÇÃO DE POSSE E DEFINIÇÃO DE LIMITES PARA DEMARCA-<br />
ÇÃO ADMINISTRATIVA — PORTARIA MINISTERIAL DECOR-<br />
RENTE DE PROPOSIÇÃO DA FUNAI — INTERDIÇÃO DA ÁREA<br />
— TITULO DOMINIAL PRIVADO — CONSTITUIÇÃO FEDERAL,<br />
ART. 231 — ADCT, ART. 67 — LEI N. 6001/73 — DECRETO FEDE-<br />
RAL N. 11/91 — DECRETO FEDERAL N. 22/91.<br />
1. O direito privado de proprie<strong>da</strong>de, seguindo-se a dogmatica tradicional<br />
(código civil, arts. 524 e 527), a luz <strong>da</strong> constituição federal (art. 5., xxii, c. F),<br />
dentro <strong>da</strong>s modernas relações jurídicas, políticas, sociais e econômicas, com<br />
limitações de uso e gozo, deve ser reconhecido com sujeição a disciplina e<br />
exigência <strong>da</strong> sua função social (art. 170, ii e iii, 182, 183, 185 e 186, c. F.). É<br />
a passagem do estado — proprietário para o estado — solidário, transportando-se<br />
do “monossistema” para o “polissistema” do uso do solo (arts. 5., xxiv,<br />
22 ii, 24, vi, 30, viii, 182, parágrafos 3. E 4., 184 e 185, c. F.).<br />
2. Na “área indígena” estabeleci<strong>da</strong> o dominiali<strong>da</strong>de (art. 20, xi e 231, c.<br />
F.), a união é nua — proprietária e os índios, situam-se como usufrutuários,<br />
fi cando excepcionado o direito adquirido do particular (art. 231, parágrafos<br />
6. E 7., c. F.), porém, com a inafastável necessi<strong>da</strong>de de ser verifi ca<strong>da</strong> a habitação<br />
o ocupação tradicional dos índios, seguindo-se a demarcatória no prazo<br />
de cinco anos (art. 67, ADCT).<br />
(...).”<br />
Na situação acima, entendeu o STJ que se os não-indígenas cumprem a<br />
função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, devem ser deixados dentro de terra demarca<strong>da</strong><br />
como reserva indígena. Você concor<strong>da</strong> com a decisão?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 17
AULA 3: A PROPRIEDADE E A POSSE: EU ESTOU AQUI<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
A proprie<strong>da</strong>de e a posse: relação. Conceito de posse.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo, “Posse e Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />
Lumen Juris, 2006, p. 295-317.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
Rudolf von Ihering, “Posse e Interditos Possessórios”, Salvador, Progresso, 1959,<br />
pp. 155-172.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
O QUE É A POSSE?<br />
Como vimos, a proprie<strong>da</strong>de consiste, na visão civilista tradicional, no exercício<br />
de poderes signifi cativos em relação a uma coisa. E se esses poderes são<br />
exercidos de fato, independente de uma situação juridicamente consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
a ampará-los? Temos, nesse caso, a posse, que é a exteriorização do exercício<br />
desses poderes. Há, por exemplo, uma diferença evidente entre ter o direito<br />
de usar um carro, e efetivamente usá-lo. A exteriorização material constitui<br />
posse. O direito pode ser de qualquer natureza, inclusive a proprie<strong>da</strong>de.<br />
FUNDAMENTOS DA TUTELA POSSESSÓRIA NO DIREITO ROMANO.<br />
Origens possíveis <strong>da</strong> palavra posse em latim:<br />
Pedes ponere — por os pés.<br />
Sedibus — deter algo. Ex: cargo, patrimônio...<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 18
Origens <strong>da</strong> posse no <strong>Direito</strong> Romano: 7<br />
Savigny — campos comunais (ager publicus) e seus ocupantes, que necessitavam<br />
de tutela jurídica;<br />
Ihering — inicialmente, defesa dos ocupantes que não eram o pater, na<br />
ausência dele ou mesmo contra ele (rendeiro agricultor, que muitas vezes<br />
era o fi lho-família); depois, ocupante de proprie<strong>da</strong>de, que não tinha registro<br />
adequado, mas poderia se o dono; em terceiro lugar, a proteção <strong>da</strong> posse de<br />
bens móveis.<br />
Disso derivam muitas <strong>da</strong>s noções sobre posse, e as divergências entre ambos.<br />
A visão de Savigny, marca<strong>da</strong>mente mais social e volta<strong>da</strong> para aquele que<br />
almeja a condição de proprietário, e a de Ihering, mais preocupa<strong>da</strong> em justifi<br />
car a proteção jurídica do provável proprietário.<br />
REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE<br />
Os requisitos para a confi guração <strong>da</strong> situação possessória são descritos no<br />
art. 1996 do Código Civil:<br />
“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno<br />
ou não, de algum dos poderes inerentes à proprie<strong>da</strong>de.”<br />
Esse dispositivo legal pode ser desmembrado, de maneira a que se extraiam<br />
os seguintes requisitos para a confi guração <strong>da</strong> situação possessória.<br />
POSSE = CORPUS + AFFECTIO TENENDI + ANIMUS<br />
No entanto, a determinação do conteúdo desses requisitos varia de acordo<br />
com a teoria adota<strong>da</strong>:<br />
TEORIAS QUANTO AOS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE:<br />
Savigny: o possuidor é aquele que se comporta como proprietário e deseja<br />
ser dono.<br />
Posse: corpus (poder sobre a coisa) + aff ectio tenendi (consciência do poder<br />
sobre a coisa) + animus domini (vontade de ser dono). O locatário, o<br />
depositário, e outras fi guras assemelha<strong>da</strong>s, portanto, não teriam posse.<br />
Ihering: Posse como proteção do possível proprietário, e não como proteção<br />
do aspirante a proprietário.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
7 Conforme Astolpho Rezende, A Posse e<br />
a Sua Proteção, 2ª Ed, São Paulo: Lejus,<br />
2000, p. 1-26.<br />
FGV DIREITO RIO 19
Posse: corpus (com animus; basta querer ter poder sobre a coisa) + aff ectio<br />
tenendi.<br />
Detenção<br />
O detentor é aquele que, embora exerça de fato os poderes inerentes ao<br />
domínio, não tem tutela jurídica que o ampare.<br />
Situações de detenção:<br />
1) Fâmulo <strong>da</strong> posse (art. 1.198, CC);<br />
2) Atos de mera tolerância (art. 1.208, CC);<br />
3) A situação de quem adquire a posse com violência ou clandestini<strong>da</strong>de,<br />
enquanto essas não cessam (art. 1.208) 8 .<br />
A RELAÇÃO DA POSSE COM A PROPRIEDADE<br />
A posse, como situação de fato correlaciona<strong>da</strong>, surge, então como a aparência<br />
dos poderes proprietários, ou se amparando na intenção de ser dono, ou na provável<br />
proprie<strong>da</strong>de. No entanto, tem se constatado ca<strong>da</strong> vez mais que a visão iheringuiana<br />
não foi capaz de antever atritos existentes entre o proprietário não-possuidor<br />
e o possuidor não proprietário, a quem Ihering imaginava falecer proteção<br />
jurídica. Na nossa socie<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>via, não é possível ignorar essa perspectiva.<br />
CASO GERADOR 1<br />
Um possuidor tem o seu imóvel desocupado à força, pois alega<strong>da</strong>mente estaria<br />
ocupando área de proprie<strong>da</strong>de do poder público. Processa o poder público,<br />
que alega ser legítimo possuidor do bem, buscando voltar a possuir o bem.<br />
Ao ser questionado pelo magistrado, o representante de Administração admite<br />
que, conquanto seja proprietário, não sabe ao certo qual área possui, nem de<br />
qual modo são exercidos os poderes sobre a coisa. A administração tem posse?<br />
CASO GERADOR 2<br />
Transitado em julgado o acórdão que determina o despejo de locatário, o<br />
mesmo não é efetivado pelo locador, que deixa o processo parado. O despejado<br />
tampouco reinicia o pagamento do aluguel. Tem posse o sucumbente<br />
<strong>da</strong> ação?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
8 Informativo no fi m dessa aula.<br />
FGV DIREITO RIO 20
DECISÃO(ÕES).<br />
*INFORMATIVO N° 0411<br />
Período: 12 a 16 de outubro de 2009<br />
Terceira Turma<br />
Reintegração, Posse e Terras Públicas.<br />
Noticiam os autos que foram adquiri<strong>da</strong>s terras públicas por instrumento<br />
de man<strong>da</strong>to outorgado por particular (mera detenção de posse); porém,<br />
durante o inventário decorrente <strong>da</strong> morte do adquirente, o imóvel sofreu<br />
apossamento, esbulho e grilagem por parte de terceiro. Então, houve o ajuizamento<br />
de cautelar de sequestro julga<strong>da</strong> procedente e, nos autos <strong>da</strong> cautelar,<br />
o autor (o espólio) pretendeu a expedição de man<strong>da</strong>do de desocupação, o<br />
qual foi indeferido ao argumento de que deveria ser ajuizado processo apropriado<br />
para tanto. Daí a ação de reintegração de posse interposta pelo espólio,<br />
em que a sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob o<br />
fun<strong>da</strong>mento de que não cabe ao Judiciário decidir lide entre particulares que<br />
envolvam questões possessórias de ocupação de imóvel público, entretanto o<br />
Tribunal a quo deu provimento à apelação do recorrido (espólio), afi rmando<br />
ser possível o ajuizamento <strong>da</strong> ação possessória. Isso posto, o REsp do MPDF<br />
tem por objetivo saber se é possível ao particular que ocupa terra pública<br />
utilizar-se de ação de reintegração de posse para reaver a coisa esbulha<strong>da</strong> por<br />
outro particular. Ressaltou a Min. Relatora que o tema ain<strong>da</strong> não foi apreciado<br />
neste Superior Tribunal, que só enfrentou discussões relativas à proteção<br />
possessória de particular perante o Poder Público — casos em que adotou o<br />
entendimento de que, em tais situações, a ocupação de bem público não passa<br />
de mera detenção, sendo, por isso, incabível invocar proteção possessória<br />
contra o órgão público. Observou que o espólio recorrido não demonstrou,<br />
na inicial, nenhum dos fun<strong>da</strong>mentos que autorizam o pedido de proteção<br />
possessória e, sendo público o imóvel, na<strong>da</strong> mais é que mero detentor. Nesse<br />
contexto, concluiu haver impossibili<strong>da</strong>de de caracterização <strong>da</strong> posse por se<br />
tratar de imóvel público, pois não há título que legitime o direito do particular<br />
sobre esse imóvel. Assim, a utilização do bem público pelo particular só<br />
se considera legítima mediante ato ou contrato administrativo constituído a<br />
partir de rigorosa observância dos man<strong>da</strong>mentos legais para essa fi nali<strong>da</strong>de.<br />
Ademais, explica que o rito <strong>da</strong>s possessórias previsto nos arts. 926 e seguintes<br />
do CPC exige que a posse seja prova<strong>da</strong> de plano para que a ação tenha<br />
seguimento. Por essa razão, a Turma extinguiu o processo sem resolução de<br />
mérito, pela inadequação <strong>da</strong> ação proposta com fun<strong>da</strong>mento no art. 267, IV,<br />
do CPC. Destacou-se, ain<strong>da</strong>, que o Judiciário poderá apreciar esse confl ito<br />
por meio de outro rito que não o especial e nobre <strong>da</strong>s possessórias. REsp<br />
998.409-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2009.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 21
AULA 4: A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE<br />
E O CRITÉRIO DA MELHOR POSSE.<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Melhor posse e tipologia <strong>da</strong> posse. Efeitos <strong>da</strong> posse. A função social <strong>da</strong><br />
posse. Confl itos entre critérios.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
ZAVASKI, Teori, “Tutela <strong>da</strong> posse na CRFB e no Novo Código Civil”,<br />
PDF.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
CASTRO, Tupinambá, “Posse e Proprie<strong>da</strong>de”, Porto Alegre, Livraria do Advogado,<br />
2003, p. 9-98.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
MELHOR POSSE E TIPOLOGIA DA POSSE.<br />
O Código Civil, em boa parte do título dedicado à posse, cui<strong>da</strong> de determinar<br />
quais são os diferentes tipos de posse. Em alguns casos, falo com o<br />
objetivo de imputar efeitos a determinados tipos de posse, como por exemplo,<br />
nos art. 1.214 e seguintes. Em muitos casos, contudo, a delineação <strong>da</strong><br />
tipologia <strong>da</strong> posse é feita sem que se determine consequências específi cas para<br />
a adoção desse ou <strong>da</strong>quele regime jurídico.<br />
A justifi cativa <strong>da</strong> ausência desses efeitos encontra-se no art. 507 do Código<br />
Civil de 1916, que assim dispunha:<br />
“Art. 507. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será mantido, ou<br />
reintegrado judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse.<br />
Parágrafo único. Entende-se melhor a posse que se fun<strong>da</strong>r em justo título; na falta<br />
de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se <strong>da</strong> mesma <strong>da</strong>ta, a posse atual.<br />
Mas, se to<strong>da</strong>s forem duvidosas, será sequestra<strong>da</strong> a coisa, enquanto se não apurar a<br />
quem toque.”<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 22
Do dispositivo acima extraiu-se a interpretação de que aquele que, de<br />
acordo com os critérios de classifi cação <strong>da</strong> posse, tiver a melhor posse, deverá<br />
ter a sua posse juridicamente tutela<strong>da</strong>. Dá-se a essa situação o nome de critério<br />
<strong>da</strong> melhor posse.<br />
Para que se determine qual a melhor posse, é necessário que sejam conhecidos<br />
os critérios de classifi cação <strong>da</strong> posse, bem como de que maneira ela é<br />
adquiri<strong>da</strong> ou perdi<strong>da</strong>.<br />
Classificação <strong>da</strong> posse<br />
Posse deriva<strong>da</strong><br />
Transmiti<strong>da</strong> por outrem, com ou sem mediação — e ninguém transmite<br />
mais direitos do que possui.<br />
Posse originária<br />
Cria<strong>da</strong> pelo surgimento espontâneo de uma relação com a coisa.<br />
Posse Direta ou Imediata<br />
Inferência sobre a coisa exerci<strong>da</strong> pelo não proprietário;<br />
Posse indireta ou mediata<br />
Poder ain<strong>da</strong> resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo proprietário, que não perde de todo o controle<br />
sobre a coisa.<br />
Requisito<br />
A existência de uma relação jurídica que justifi que a mediação na posse.<br />
Opõe-se a mediação <strong>da</strong> posse à ideia de posse plena, a única ad usucapionem.<br />
Posse justa e injusta<br />
Art. 1200. nec vi, nec clam, nec precário. A posse é justa to<strong>da</strong> vez que não<br />
é injusta.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 23
Posse injusta — violenta<br />
Toma<strong>da</strong> por um ato de força.<br />
Posse injusta — clandestina<br />
Ato de ocultamento.<br />
Posse injusta — precária<br />
Daquela que, recebendo a coisa com a obrigação de restituir, não a devolve,<br />
arrogando-se a quali<strong>da</strong>de de possuidor.<br />
A posse injusta não se converte em justa por ato unilateral do possuidor.<br />
Mas circunstâncias outras podem legitimar a posse (como por exemplo, uma<br />
aquisição do bem). Vejamos as decisões abaixo:<br />
STJ REsp 154733 / DF, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA<br />
DJ 19.03.2001 p. 111<br />
“CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-<br />
QUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁ-<br />
RIA. POSSIBILIDADE.<br />
O usucapião extraordinário — art. 55, CC — reclama, tão-somente: a) posse<br />
mansa e pacífi ca, ininterrupta, exerci<strong>da</strong> com animus domini; b) o decurso do prazo<br />
de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, “que não só dispensa<br />
a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência”.<br />
E, segundo o ensinamento <strong>da</strong> melhor doutrina, “na<strong>da</strong> impede que o caráter<br />
originário <strong>da</strong> posse se modifi que”, motivo pelo qual o fato de ter havido no início <strong>da</strong><br />
posse <strong>da</strong> autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a<br />
partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a<br />
feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo,<br />
com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso<br />
especial conhecido, com base na letra “c” do permissivo constitucional, e provido.”<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 24
— Acórdão permitindo a alteração do caráter originário <strong>da</strong> posse:<br />
TJRJ — 0063848-46.2006.8.19.0001 — APELACAO<br />
DES. RICARDO COUTO — Julgamento: 16/12/2010 — SETIMA CA-<br />
MARA CIVEL<br />
APELAÇÃO CÍVEL — USUCAPIÃO —LOCAÇÃO— INVERSÃO DO<br />
CARÁTER DA POSSE — POSSIBILIDADE. O falecimento do proprietário<br />
do imóvel e dos herdeiros conhecidos encerra a relação locatícia e permite que<br />
haja a modifi cação do caráter <strong>da</strong> posse originária, a autorizar o pleito de usucapião,<br />
desde que presentes os demais requisitos. Assim, a improcedência do pedido<br />
sem que haja dilação probatória, com a adequa<strong>da</strong> citação do Espólio, importa<br />
em afronta ao direito de ação ou acesso à justiça. Recurso conhecido e provido,<br />
na forma do artigo 557, § 1º-a, do Código de Processo Civil.<br />
— Alteração do caráter originário <strong>da</strong> posse, à luz, dentre outros motivos,<br />
<strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse.<br />
TJRJ — APELAÇÃO 0091824-33.2003.8.19.0001 — j. 26/10/2010<br />
Apelação Cível. Ação de usucapião. Pretensão deduzi<strong>da</strong> por possuidores de mais<br />
de 20 anos, que afi rmam ter ingressado no imóvel como locatários, mas logo passado a<br />
exercer a posse com animus domini. Proprietários cujo paradeiro se desconhece. Citação<br />
por edital. Posse comprova<strong>da</strong>mente exerci<strong>da</strong> de forma mansa e pacífi ca. Inversão do caráter<br />
<strong>da</strong> posse. Existência de atos que, de forma inequívoca, indicam a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> posse, originalmente precária, como a cessação do pagamento de 4 aluguéis, a<br />
realização de obras de conservação no bem e a quitação de débitos tributários de períodos<br />
pretéritos. Função social <strong>da</strong> posse. Desídia dos proprietários registrais exterioriza<strong>da</strong><br />
pela ausência prolonga<strong>da</strong>, que se extrai do insucesso <strong>da</strong>s diligências realiza<strong>da</strong>s pelo Juízo<br />
no intuito de localizá-los. Recurso ao qual se dá provimento para declarar os apelantes<br />
proprietários do imóvel descrito na inicial, consoante o artigo 1.238 do Código Civil.<br />
— Em contrarie<strong>da</strong>de aos julgados colacionados acima, o acórdão abaixo<br />
explicita o entendimento segundo o qual não é possível modifi car o caráter<br />
<strong>da</strong> posse por mera vontade <strong>da</strong> parte:<br />
TJRJ — 0004255-56.2008.8.19.0053 — APELACAO<br />
DES. MARIO DOS SANTOS PAULO — Julgamento: 30/08/2010 —<br />
QUARTA CAMARA CIVEL<br />
1. Usucapião. Bem móvel. 2. Veículo deixado em ofi cina mecânica com intuito<br />
de proceder a reparos. 3. Mera detenção, ausente o animus domini. 4.<br />
Impossibili<strong>da</strong>de de modifi cação do caráter <strong>da</strong> posse por mera vontade <strong>da</strong> parte.<br />
5. Recurso provido, na forma do Art. 557, § 1º — A do C.P.C.<br />
— O acórdão abaixo explicita a impossibili<strong>da</strong>de de contratos de locação e<br />
arren<strong>da</strong>mentos obstarem a consumação <strong>da</strong> usucapião extraordinária.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 25
(REsp 1194694/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA<br />
TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 19/04/2011)<br />
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓ-<br />
RIA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO REJEITADA. AUSÊNCIA DE FUNDA-<br />
MENTAÇÃO. ANULAÇÃO.<br />
1. A existência de decisão transita<strong>da</strong> formalmente em julgado, determinando a<br />
anulação de sentença para ingresso na fase de instrução, não vincula, pelas regras inerentes<br />
à disciplina <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, a nova decisão a ser proferi<strong>da</strong>. Contudo, as provas<br />
cuja realização foi determina<strong>da</strong> no primeiro acórdão devem ser leva<strong>da</strong>s em consideração<br />
pelo segundo, sob pena de nuli<strong>da</strong>de deste por ausência de fun<strong>da</strong>mentação.<br />
2. Se o possuidor propõe uma ação de usucapião discutindo determina<strong>da</strong> área,<br />
a sua posse deve ser analisa<strong>da</strong> até a <strong>da</strong>ta do ajuizamento <strong>da</strong> ação. É possível, entretanto,<br />
em princípio, que, ain<strong>da</strong> que o pedido de usucapião venha a ser julgado<br />
improcedente, o possuidor volte a discutir em ação futura sua posse computando,<br />
agora, também o prazo em que tramitou a primeira ação, caso não se verifi que<br />
depois dela um ato inequívoco do proprietário visando à retoma<strong>da</strong> do bem.<br />
3. Há precedente, no STJ, considerando que a mera contestação a uma ação<br />
de usucapião não representa efetiva oposição à posse, interrompendo o prazo de<br />
prescrição aquisitiva. Para que o debate <strong>da</strong> questão volte a ser travado nesta sede,<br />
no entanto, é necessário a sua análise pelo acórdão recorrido.<br />
4. Tendo sido precisamente esses temas que justifi caram a anulação <strong>da</strong> primeira<br />
sentença no processo, determinando-se o ingresso na fase de instrução, o<br />
novo julgamento deve enfrentá-las, sob pena de nuli<strong>da</strong>de.<br />
5. Para reconhecer a inexistência de usucapião em favor de pessoa que habita há<br />
mais de 20 anos em um imóvel, é necessário que o Tribunal identifi que precisamente os<br />
atos que tornam injusta sua posse ou, quando a alegação é de usucapião extraordinária,<br />
os atos que inequivocamente manifestam a intenção do proprietário de o reaver o bem.<br />
6. A existência de atos de permissão, contratos de locação ou contratos de<br />
arren<strong>da</strong>mento, celebrados 30 anos antes <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação reivindicatória,<br />
pelo proprietário, não têm relevância para a decisão do processo, <strong>da</strong>do o prazo de<br />
20 anos para a usucapião extraordinária, fi xado pelo art. 550 do CC/16.<br />
7. Recurso especial conhecido e provido para o fi m de anular o acórdão recorrido.<br />
As decisões do TJ-RJ e do STJ são contraditórias?<br />
Posse de boa fé e de má fé (art. 1.201)<br />
Quem tem ma fé é aquele que tem consciência <strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>de de seu ato.<br />
Pode haver posse justa de má-fé: exemplo: alguém se apresenta como outra<br />
pessoa, e recebe um bem. Tem posse justa, de má fé.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 26
Pode haver posse injusta de boa fé: alguém pode não ter consciência do<br />
vício que inquina a sua posse. Ex: o possuidor precário que entende não ter<br />
de devolver um bem, por motivo de justiça pessoal.<br />
Justo título<br />
Causa em tese hábil para justifi car a transferência <strong>da</strong> POSSE, e não <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de. Presunção iuris tantum de que quem possui justo título possui<br />
de boa fé. (CC, art. 1201, parágrafo único).<br />
Objetivando a mu<strong>da</strong>nça desse paradigma, o enunciado <strong>da</strong>s Primeiras Jorna<strong>da</strong>s<br />
do Conselho de Justiça Federal:<br />
“86 — Art. 1.242: A expressão “justo título”, conti<strong>da</strong> nos arts. 1.242 e 1.260 do<br />
CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a proprie<strong>da</strong>de,<br />
independentemente de registro.”<br />
Há alguma diferença entre os critérios justiça e injustiça <strong>da</strong> posse, e a fé na posse?<br />
Art. 1.203: preservação do caráter <strong>da</strong> posse.<br />
Art. 1.199: com posse — é exercita<strong>da</strong> na totali<strong>da</strong>de por todos os co-possuidores.<br />
Aquisição e per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse<br />
Artigo 1.205: a aquisição — acontece através de um ato jurídico. To<strong>da</strong> vez<br />
que houver conduta e objeto, corpus e animus, haverá a aquisição <strong>da</strong> posse.<br />
Lembrar a tolerância e o fâmulo <strong>da</strong> posse.<br />
Art.1.206: sujeitos <strong>da</strong> aquisição.<br />
A aquisição deriva<strong>da</strong> e originária:<br />
Originária: a apreensão <strong>da</strong> coisa e exercício do direito.<br />
Deriva<strong>da</strong>: plena: tradição, sucessão na posse;media<strong>da</strong>: — sucessão.<br />
Tradição fi cta genérica (entrega de chaves: transmite a posse direta sobre<br />
o bem).<br />
Tradição longa manu: proprietário transmite a posse para o novo proprietário,<br />
sem que este toque e ocupe a coisa (que pode estar com o locatário).<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 27
Tradição brevi manu: alguém que é possuidor direto o consoli<strong>da</strong> em suas<br />
mãos todos os poderes do possuidor, adquirindo a proprie<strong>da</strong>de. Ex: locatário<br />
que compra.<br />
Constituto possessório: aliena se a proprie<strong>da</strong>de, mas constitui-se a posse a<br />
non domine, de através <strong>da</strong> mediação. Ex: do dono que vende de conserva-se<br />
no imóvel por mais de 30 dias, ou como o usufrutuário ou como o locatário.<br />
É forma deriva<strong>da</strong> de aquisição <strong>da</strong> posse, porque a posse e é to<strong>da</strong> a aliena<strong>da</strong> ao<br />
novo dono, que empossa o alienante em possuidor imediato.<br />
Sucessão na posse: a título universal; a título singular: e cessão <strong>da</strong> posse.<br />
Acessão na posse: a possibili<strong>da</strong>de de unir uma posse a outra. A acessão é<br />
uma facul<strong>da</strong>de, já que a boa fé do adquirente <strong>da</strong> posse não retroage para limpar<br />
a má fé do alienante. O adquirente de má-fé, por outro lado, não pode<br />
invocar a boa fé de seu antecessor.<br />
Extensão <strong>da</strong> posse: presunção relativa. Exemplo: se os bens do vizinho se<br />
encontram caídos no meu quintal, e eu não pratico ato algum, não adquiro<br />
a posse.<br />
Efeitos <strong>da</strong> posse<br />
a) Usucapião.<br />
b) Presunção de proprie<strong>da</strong>de.<br />
c) <strong>Direito</strong> aos frutos percebidos.<br />
d) Indenização de benfeitorias: Ler art. 1.219 a 1.122 (necessárias:<br />
indeniza-se sempre; úteis: só ao de boa fé; voluptuárias: jus tolendi<br />
apenas aos possuidores de boa-fé).<br />
e) Desforço possessório: art. 1.210, parágrafo único.<br />
f) Indenização dos <strong>da</strong>nos causados.<br />
A função social <strong>da</strong> posse<br />
A função social <strong>da</strong> posse pode ser doutrinariamente identifi ca<strong>da</strong> com a<br />
obra de Hernandez Gil 9 , que pela primeira vez aventou <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de<br />
a posse desempenhar uma função social. Na doutrina brasileira, é facilmente<br />
identifi cável uma visão <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse como sendo a materialização<br />
do interesse não-proprietário, ou seja, do interesse juridicamente qualifi -<br />
cado como sendo atendedor <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Assim, temos<br />
a fi gura <strong>da</strong> posse qualifi ca<strong>da</strong>, que é a posse que atende a função social <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
9 La Funcion Social de la Possessión.<br />
FGV DIREITO RIO 28
Conflitos entre critérios<br />
Não se pode ignorar que o Código Civil de 2002 não reproduz o art. 507.<br />
Qual critério utilizar?<br />
CASO GERADOR<br />
Vejamos as imagens abaixo, retira<strong>da</strong>s do site do Movimento dos Sem-Teto<br />
do Centro (www.mstc.org.br).<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 29
E ain<strong>da</strong> o texto a página seguinte:<br />
“Manifesto dos Movimentos de Moradia<br />
AUTORIDADES!<br />
Federal, Estadual e Municipal<br />
Executivo, Legislativo e Judiciário<br />
Não aguentamos esperar!<br />
Se pagar o aluguel, não come. Se comer, não paga o aluguel. É este o<br />
nosso dilema.<br />
Somos trabalhadores sem-teto desta magnífi ca ci<strong>da</strong>de. Somos empurrados<br />
para as favelas, cortiços, pensões e para o relento <strong>da</strong>s ruas. Sofremos com o<br />
despejo do senhorio. Nossas crianças, devido às nossas condições precárias<br />
de vi<strong>da</strong>, penam para se conservarem crianças. Somos tocados de um lado<br />
para outro. Não encontramos espaço, para nossas famílias, em nosso próprio<br />
território. Nossa ci<strong>da</strong>de, que construímos e mantemos com nosso trabalho,<br />
afugenta-nos para fora, para o na<strong>da</strong>.<br />
Dizem que os trabalhadores são a peça mais importante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Entretanto,<br />
estamos sendo triturados por esta engrenagem econômica perversa<br />
— mecanismo que destrói os trabalhadores em vi<strong>da</strong> e conserva no luxo uns<br />
poucos privilegiados. Uma minoria que mantém centenas de imóveis vazios,<br />
abandonados, por vários anos. Imóveis que não cumprem sua função social.<br />
Enquanto somos empurrados para as periferias sem infra-estrutura urbana,<br />
em favelas, áreas de risco ou de mananciais.<br />
Não podemos aceitar esta situação. Não podemos esperar. Nossas famílias<br />
e nossas vi<strong>da</strong>s estão em perigo. Queremos que a Lei entre em vigor: dê função<br />
social a esses imóveis vazios e abandonados. Vamos eliminar esse desperdício<br />
criminoso.<br />
Para tanto, pleiteamos:<br />
1. O atendimento de 2.000 famílias de sem-teto no centro expandido <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de, até o fi nal do ano;<br />
2. Atendimento de emergência de 500 famílias de sem-teto. Este atendimento<br />
pode vir por meio de carta de crédito, locação social e outras formas<br />
de fi nanciamento;<br />
3. Declarar de interesse social todos os prédios vazios que estão abandonados<br />
por mais de 2 (dois) anos. E disponibilizá-los para moradia popular;<br />
4. Disponibilizar to<strong>da</strong>s as terras, prédios do governo Federal, de autarquias<br />
ou imóveis penhorados pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para<br />
moradia popular, em São Paulo;<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 30
5. Enquanto não houver atendimento defi nitivo, queremos morar nos<br />
imóveis que ocupamos.<br />
São Paulo, 20 de julho de 2003<br />
Associação Comunitária <strong>Direito</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia Bem Viver<br />
Associação de Moradores Jardim São Ju<strong>da</strong>s Tadeu<br />
Associação dos Trabalhadores Sem Terra de Francisco Morato<br />
Associação Morar e Preservar Chácara do Conde<br />
Associação Oeste de Moradia Diadema<br />
Movimento de Luta por Moradia Campo Forte<br />
M. L. M. P — Movimento de Luta por Moradia Própria<br />
M. S. T. C. — Movimento Sem Teto do Centro<br />
M. S. T. R. C. — Movimento Sem Teto <strong>da</strong> Região Central<br />
Movimento Sem Teto de Heliópolis — Unas<br />
Movimento Moradia Jardim Nova Vitória<br />
Projeto Casarão Celso Garcia” 10<br />
Considerando-se o que foi aprendido sobre os critérios de qualifi cação <strong>da</strong><br />
posse, a invasão é juridicamente aceitável?<br />
DECISÃO(ÕES).<br />
Informativo n. 0081<br />
Período: 4 a 8 de dezembro de 2000<br />
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-<br />
QUISITOS<br />
No início <strong>da</strong> posse houve um vínculo locatício, mas a recorrente nunca<br />
pagou o aluguel nem foi insta<strong>da</strong> a fazê-lo — quer no decorrer do processo<br />
falimentar a que se submeteu a empresa proprietária ou após este ter encerrado,<br />
ou, ain<strong>da</strong>, quando <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong>s obrigações (1990). Por mais de 20<br />
anos o proprietário nunca procurou reaver a posse. A Turma proveu o recurso,<br />
restabelecendo a sentença, por entender que na<strong>da</strong> impede que o vínculo<br />
locatício inicial, em decorrência de fatores circunstanciais, como abandono<br />
por parte do proprietário, modifi que-se assumindo feição de posse com força<br />
ad usucapionem. REsp 154.733-DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado<br />
em 5/12/2000.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
10 Manifesto divulgado pelos movimentos<br />
de moradia por ocasião <strong>da</strong> ocupação<br />
de vários prédios em São Paulo, capital,<br />
em 20 de julho de 2003, retirado de<br />
http://www.midiaindependente.org/<br />
pt/blue/2003/07/259208.shtml<br />
FGV DIREITO RIO 31
AULA 5: NA JUSTIÇA: A TUTELA JURÍDICA DA POSSE.<br />
TUTELA POSSESSÓRIA E PETITÓRIA<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Jus possessionis e jus possidendi. Reintegração, manutenção e interdito<br />
proibitório. Imissão na posse. Separação dos juízos possessório e petitório.<br />
Cumulação de ações. Procedimento <strong>da</strong> ação possessória. Liminar. Posse nova<br />
e posse velha.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />
Lumen Juris, 2006, p. 404-430.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, Rio de Janeiro, Forense, 2003,<br />
p.103-120.<br />
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Proprie<strong>da</strong>de”, Rio de Janeiro,<br />
Lumen Juris, 2006, p. 345-403.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
JUS POSSESSIONIS E JUS POSSIDENDI<br />
A posse, como situação de fato, origina distintos tipos de tutela. Dependendo<br />
<strong>da</strong> situação na qual se encontra o possuidor, o direito estende tutela<br />
mais ampla ou menos ampla, e leva a um procedimento ou a outro.<br />
Daí a diferenciação entre dois tipos de posse, de acordo com a tutela jurídica<br />
obti<strong>da</strong>: jus possessionis e jus possidendi.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 32
Natureza<br />
Tutelas obti<strong>da</strong>s<br />
Jus possessionis Jus possidendi<br />
<strong>Direito</strong> ao não esbulho e<br />
à não turbação<br />
Reintegração,<br />
manutenção, interdito<br />
Requisitos Estado fático <strong>da</strong> posse<br />
Ações possessórias<br />
São aquelas cuja causa de pedir é a posse.<br />
PRETENSÕES POSSESSÓRIAS CLÁSSICAS<br />
— Reintegração;<br />
— Manutenção;<br />
— Interdito proibitório.<br />
<strong>Direito</strong> à posse<br />
Reintegração,<br />
manutenção, interdito,<br />
imissão<br />
Estado fático <strong>da</strong> posse +<br />
título ou só título<br />
Na ação possessória só se discute posse: art. 921, Código de Processo Civil<br />
‘Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:<br />
I — condenação em per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos;<br />
II — cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho;<br />
III — desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.”<br />
To<strong>da</strong>via, previa o regime do CC1916: art. 505:<br />
“Art. 505: Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação<br />
de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a<br />
posse em favor <strong>da</strong>quele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”<br />
O dispositivo veiculava uma visão <strong>da</strong> posse como aparência de proprie<strong>da</strong>de,<br />
e não com a autonomia necessária que passou a se impor após o reconhecimento<br />
dos confl itos entre situações titula<strong>da</strong>s e não titula<strong>da</strong>s. Logo, na<br />
possessória não se discutiria apenas posse, e ela seria decidi<strong>da</strong> com base na<br />
proprie<strong>da</strong>de, se fosse por alguma <strong>da</strong>s parte alega<strong>da</strong>. 11<br />
A re<strong>da</strong>ção do dispositivo foi altera<strong>da</strong>, no art. 1210, §2º, CC2002:<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
11 Súmula 487, Supremo Tribunal Federal.<br />
FGV DIREITO RIO 33
“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,<br />
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo<br />
receio de ser molestado.<br />
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se<br />
por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,<br />
não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição <strong>da</strong> posse.<br />
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de proprie<strong>da</strong>de,<br />
ou de outro direito sobre a coisa.”<br />
Desse modo, três conclusões se impuseram, muito bem resumi<strong>da</strong>s pelos<br />
enunciados <strong>da</strong>s primeiras Jorna<strong>da</strong>s de <strong>Direito</strong> Civil do Conselho de Justiça<br />
Federal:<br />
78 — Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil<br />
<strong>da</strong> exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova sufi ciente<br />
para embasar decisão liminar ou sentença fi nal ancora<strong>da</strong> exclusivamente no ius<br />
possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante<br />
eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.<br />
79 — Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias<br />
típicas, foi aboli<strong>da</strong> pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta<br />
separação entre os juízos possessório e petitório.<br />
80 — Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de deman<strong>da</strong> possessória<br />
ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima<br />
diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de<br />
boa-fé, cabe tão-somente a propositura de deman<strong>da</strong> de natureza real.<br />
Se na ação possessória só se discute posse, quais os critérios possíveis para<br />
a sua decisão? O <strong>da</strong> melhor posse e o <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> posse.<br />
Para os que contam com título válido, a tutela dominial, em ação no<br />
procedimento comum ordinário, é a melhor opção. Mas o que ocorreria se<br />
ajuizassem ação possessória? Poderia ajuizar a petitória depois, e se arrependerem?<br />
Na constância <strong>da</strong> possessória, não é possível ajuizar ação de imissão (CPC,<br />
art. 923), resultando seu ajuizamento em extinção sem apreciação do mérito.<br />
O contrário, no entanto, é possível.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 34
Características do procedimento especial <strong>da</strong>s ações possessórias<br />
— Conteúdo man<strong>da</strong>mental.<br />
— Fungibili<strong>da</strong>de: art. 920, CPC.<br />
— Caráter dúplice: art. 922, CPC.<br />
— Liminar: art. 928, CPC. Critérios: apenas fumus e periculum.<br />
— Natureza <strong>da</strong> liminar: satisfativa.<br />
Ain<strong>da</strong> reside interesse na distinção entre posse nova e posse velha. A posse<br />
velha é aquela obti<strong>da</strong> ou perdi<strong>da</strong> há mais de um ano e um dia. A nova, a menos<br />
de um ano e um dia. O CC 1916 estabelecia que se a posse fosse velha,<br />
na ação possessória não poderia haver concessão de liminar. 12 Entretanto, o<br />
art. 924 do Código de Processo Civil ain<strong>da</strong> diferencia posse nova de posse<br />
velha.<br />
CASO GERADOR<br />
Se um imóvel de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prefeitura de São Paulo, nas condições<br />
precárias vistas nas fotos do caso <strong>da</strong> aula 4, fosse invadido pelo MSTC, e se<br />
instaurasse um confl ito entre eles e a municipali<strong>da</strong>de, qual ou quais as ações<br />
a serem ajuiza<strong>da</strong>s pelo Município para reaver o imóvel? E pelo MSTC para<br />
se manter lá? Como obter tutela jurídica, em um caso ou em outro, o mais<br />
rápido possível?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
12 Art. 508: “Se a posse for de mais de<br />
ano e dia, o possuidor será mantido<br />
sumariamente, até ser convencido pelos<br />
meios ordinários.”<br />
FGV DIREITO RIO 35
AULA 6: PROPRIEDADE E MORADIA<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS:<br />
Insufi ciência <strong>da</strong> proteção possessória. Titulação. Moradia e digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
pessoa humana.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA:<br />
SOTO, Hernando de. “O Mistério do Capital”, Rio de Janeiro, Record, p.<br />
187-218.<br />
LEITURA RECOMENDADA:<br />
FACHIN, Luis Edson. “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo”, Rio de Janeiro,<br />
Renovar, 2001, p. 33-65.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
Posse e proteção <strong>da</strong> moradia<br />
Os anseios de ampliação <strong>da</strong> proteção possessória se correlacionam, sem<br />
sombra de dúvi<strong>da</strong>, com as necessi<strong>da</strong>des de moradia. Alça<strong>da</strong> a direito social no<br />
art. 6º <strong>da</strong> Constituição Federal, não se pode imaginar a possibili<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong><br />
digna sem que haja acesso à moradia. Por outro lado, outros interesses sociais<br />
podem e serão postos em cotejo com a necessi<strong>da</strong>de de prover moradia, como<br />
se pode ver <strong>da</strong>s decisões a seguir.<br />
2006.002.17927 — AGRAVO DE INSTRUMENTO<br />
DES. JOSE DE SAMUEL MARQUES — Julgamento: 08/11/2006<br />
“Agravo de Instrumento. — Ação de Despejo por Falta de Pagamento. — Recurso de<br />
Apelação recebido em duplo efeito. — Decisão contrária ao disposto no art. 58, V <strong>da</strong> Lei<br />
8.245/91. — Embora seja notório o grave problema de moradia existente em nosso país,<br />
não cabe ao Judiciário, em interpretação contrária à lei, suprir a defi ciência do Poder<br />
Público, fazendo cortesia com o patrimônio do particular, que já é por demais onerado<br />
por tributos que, infelizmente, não são destinados aos seus fi ns. RECURSO PROVIDO.”<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 36
— O direito à moradia não pode garantir que se more em imóvel em prejuízo<br />
do seu proprietário<br />
0020743-80.2010.8.19.0000 — AGRAVO DE INSTRUMENTO<br />
1ª Ementa<br />
DES. FERNANDO FOCH LEMOS — Julgamento: 30/09/2010 — TER-<br />
CEIRA CAMARA CIVEL DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Agravo de instrumento<br />
de decisão que, nos autos de ação de despejo cumula<strong>da</strong> com cobrança,<br />
deferiu a antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela com fulcro no art. 273 do CPC, pelo<br />
que determinou a desocupação do imóvel em 15 dias sob pena de expedição<br />
de man<strong>da</strong>do de despejo.1. Não há falar em violação aos princípios constitucionais<br />
<strong>da</strong> segurança jurídica, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa se a decisão que<br />
determinou o desalijo foi proferi<strong>da</strong> após a contestação e depois de insta<strong>da</strong>s as<br />
partes a se manifestarem em provas.2. É admissível a concessão <strong>da</strong> antecipação<br />
dos efeitos <strong>da</strong> tutela com fulcro no art. 273 do CPC nas hipóteses abrangi<strong>da</strong>s<br />
pela Lei 8.245/91, pelo que as decisões proferi<strong>da</strong>s com base naquele dispositivo<br />
legal independem de caução.3. Embora o direito à moradia seja de índole constitucional,<br />
não se pode pretender que seja ele protegido ao ponto de se garantir<br />
que se more em prejuízo do dono <strong>da</strong> mora<strong>da</strong> aluga<strong>da</strong>. 4. “Somente se reforma<br />
a decisão concessiva ou não <strong>da</strong> antecipação de tutela, se teratológica, contrária à<br />
Lei ou à evidente prova dos autos”. Súmula 59 do TJERJ.5. Recurso ao qual se<br />
nega seguimento, na forma do art. 557, caput, do CPC.<br />
Como resultado, o direito à moradia será ponderado com outros direitos,<br />
de modo a que se determine qual o interesse prevalente.<br />
Posse e titulação<br />
Há, contudo, uma insufi ciência estrutural na concepção de um direito<br />
não titulado, que não permite o exercício pleno de suas facul<strong>da</strong>des por parte<br />
do titular. O texto a seguir ilustra bem essa problemática.<br />
“¿Qué sucede si no puede demostrar que tenía una casa?<br />
Por Hernando de Soto<br />
La importancia de un adecuado sistema de propie<strong>da</strong>d legal<br />
Dos desastres naturales recientes nos han conmovido: el peor tsunami de la<br />
historia, que asoló 11 países en las costas del Océano Indico, y el huracán llamado<br />
Katrina, que inundó la ciu<strong>da</strong>d de Nueva Orleans. Las imágenes llega<strong>da</strong>s<br />
de ambas regiones fueron trágicamente similares: edifi cios derruidos, cadáveres<br />
fl otando, sobrevivientes estupefactos, y agua, agua por to<strong>da</strong>s partes.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 37
Había una profun<strong>da</strong> diferencia. En Nueva Orleans, lo primero que hicieron<br />
las autori<strong>da</strong>des para garantizar la paz y asegurar la reconstrucción fue salvar los<br />
registros de propie<strong>da</strong>d legal de la ciu<strong>da</strong>d, los cuales rápido determinaron quién<br />
es dueño de qué y dónde, quién debe qué y cuánto, quién puede ser reubicado<br />
rápido, quién es sujeto de crédito para fi nanciar una reconstrucción, qué propie<strong>da</strong>d<br />
está tan <strong>da</strong>ña<strong>da</strong> que va a necesitar ayu<strong>da</strong>, y cómo <strong>da</strong>r energía y agua limpia<br />
a los pobres.<br />
En el sudeste asiático no había esos registros legales disponibles que encontrar,<br />
pues la mayoría de las víctimas del tsunami había vivido y trabajado por<br />
fuera de la ley.<br />
Con las aguas de la inun<strong>da</strong>ción aún altas Stephen Bruno, el custodio de los<br />
registros notariales de Nueva Orleans, corrió hacia el sótano del juzgado donde<br />
se almacenaban los registros de propie<strong>da</strong>d de la ciu<strong>da</strong>d, los sacó a rastras del<br />
agua, los acomodó en camiones refrigerantes que los transportaron a Chicago,<br />
donde fueron secados por expertos.<br />
Los documentos restaurados fueron rápi<strong>da</strong>mente devueltos a Nueva Orleans:<br />
60.000 volúmenes ahora archivados bajo guardia arma<strong>da</strong>, en el recientemente<br />
despejado centro de convenciones. ‘Abstractores’ moviéndose entre cajas hasta<br />
la altura del muslo revisan meticulosamente documentos que producirán las<br />
herramientas legales para diseñar y fi nanciar la recuperación de la ciu<strong>da</strong>d, permitiendo<br />
que banqueros, aseguradores y corredores de inmuebles identifi quen propietarios,<br />
activen garantías colaterales, consigan fi nanciamiento, acce<strong>da</strong>n a mercados<br />
secun<strong>da</strong>rios, realicen acuerdos, cierren contratos, y a la vez hagan rentable<br />
que las empresas de servicios bombeen energía y agua a los vecin<strong>da</strong>rios. To<strong>da</strong> la<br />
infraestructura legal de cuya necesaria existencia para mantener una economía<br />
moderna en movimiento gran parte de los estadounidenses no es consciente.<br />
Una escena así fue imposible luego de que el tsunami de diciembre del 2004<br />
lanzó a gran veloci<strong>da</strong>d agua y olas del tamaño de edifi cios sobre las propie<strong>da</strong>des<br />
que <strong>da</strong>ban a la playa, desde Indonesia y Tailandia hasta Sri Lanka y las Maldivas,<br />
matando a más de 270.000 personas (168.000 solo en Indonesia).<br />
En Ban<strong>da</strong>h Aceh, Indonesia, el agua se llevó 200.000 casas; la mayoría de<br />
ellas sin títulos de propie<strong>da</strong>d.<br />
Cuando el agua se retiró de Nam Khem, Tailandia, un magnate bien conectado<br />
se lanzó a apropiarse de la valiosa primera fi la de terrenos frente de playa.<br />
Los sobrevivientes de las 50 familias que durante una déca<strong>da</strong> habían ocupado la<br />
orilla protestaron, pero no tenían derechos de propie<strong>da</strong>d legalmente documentados<br />
que respal<strong>da</strong>ran sus reclamos.<br />
Ese es el caso de la mayoría de la gente en los países en desarrollo y en los que<br />
formaban parte del mundo soviético, donde los sistemas legales son inaccesibles a<br />
la mayoría de los pobres. La vi<strong>da</strong> en el mundo ‘extralegal’ está en constante riesgo.<br />
Un terremoto sacudió Pakistán el mes pasado, dejando un estimado de<br />
73.000 muertos. Cuando un sismo de similar intensi<strong>da</strong>d remeció Los Ángeles en<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 38
1994, murieron 60 personas. ¿Por qué la diferencia? Como les gusta decir a los<br />
sismólogos: “Los terremotos no matan a la gente, las casas sí”. Vivien<strong>da</strong>s construi<strong>da</strong>s<br />
inadecua<strong>da</strong>mente, fuera de la ley, ignorando los códigos de construcción.<br />
¿Pero qué propietario pobre —-para no hablar del promotor, del banco, de la<br />
ofi cina de crédito o del organismo gubernamental-— tiene algún incentivo para<br />
invertir en vivien<strong>da</strong> más segura y en concreto reforzado sin la evidencia de una<br />
propie<strong>da</strong>d garantiza<strong>da</strong> y legal y la posibili<strong>da</strong>d de conseguir crédito?<br />
Los gobiernos no tienen cómo hacer cumplir los códigos legales cuando la<br />
mayoría de las personas opera al margen de ellos.<br />
En los países en desarrollo los desastres naturales no solo dejan a las ciu<strong>da</strong>des<br />
en ruinas, sino que arrasan con economías enteras. El tsunami del 2004 liquidó<br />
el 62% del PBI de Las Maldivas; mientras que el costo del Katrina, según la Ofi -<br />
cina de Presupuesto del Congreso, será entre 0,5% y 1% del PBI de EE.UU.<br />
Por lo general los gobiernos promueven el valor de la propie<strong>da</strong>d priva<strong>da</strong> para<br />
incrementar los impuestos sobre ella. En la economía extralegal, las personas<br />
pueden pagar sobornos, pero nadie paga impuestos. ¿De dónde vendrá el dinero<br />
para la reconstrucción?<br />
La propie<strong>da</strong>d priva<strong>da</strong> en EE.UU. suele estar cubierta por seguros. Valorados<br />
en unos US$30.000 millones para el Katrina. En Sri Lanka, sin embargo, solo el<br />
1% de las 93.000 víctimas del tsunami estaba cubierto.<br />
En el mundo en desarrollo pocas personas tienen un documento de identi<strong>da</strong>d<br />
legal ligado a un domicilio ofi cial, no importa el tipo de título legal de sus<br />
activos exigido por los aseguradores.<br />
Sin una prueba de identi<strong>da</strong>d o domicilio legal a partir del cual crear una lista<br />
de suscripción, ninguna compañía de servicios públicos va a suministrar electrici<strong>da</strong>d<br />
o cualquier otro servicio.<br />
Ni siquiera los gobiernos están seguros de quiénes son los que han muerto,<br />
puesto que la mayor parte de las víctimas nunca tuvo identi<strong>da</strong>d legal.<br />
En Perú, el debate sobre si los muertos dejados por la guerra que inició el<br />
terrorismo de Sendero Luminoso fueron 25.000 o 75.000, aún continúa.<br />
Las autori<strong>da</strong>des de Nueva Orleans estudian la posibili<strong>da</strong>d de recurrir a leyes<br />
de usufructo. Cuando los pobres no pueden afrontar los gastos de reparación,<br />
estas leyes permiten al municipio reconstruir las vivien<strong>da</strong>s, alquilarlas a los albañiles,<br />
aportando el necesario alojamiento, y ahorrar el escaso pequeño capital<br />
de los pobres, quienes eventualmente recuperan sus casas o tienen la posibili<strong>da</strong>d<br />
de venderlas al municipio a precio de mercado.<br />
En el mundo en desarrollo ni el capital ni el crédito se aventuran allí donde<br />
los derechos de propie<strong>da</strong>d no son claros.<br />
La diferencia entre un tsunami y un huracán termina siendo mucho más<br />
que el oleaje. Por eso es que en los países en desarrollo, que no cuentan con<br />
un sistema adecuado de legislación sobre propie<strong>da</strong>d, hasta la paz está en juego;<br />
como era el caso en Estados Unidos antes de que una buena —-y ampliamente<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 39
accesible-— legislación sobre el derecho a la propie<strong>da</strong>d convirtiera a los violentos<br />
invasores en nobles pioneros.<br />
Antes de aquello, los invasores habían amenazado con quemar las fi ncas del<br />
presidente George Washington si no se les entregaba títulos. Y Abraham Lincoln<br />
recordó cierta vez en un discurso que no haber podido ver la puesta del sol por<br />
la canti<strong>da</strong>d de cadáveres colgados de los árboles, víctimas de linchamientos a raíz<br />
de crímenes contra la propie<strong>da</strong>d. Así están hoy los países en desarrollo. Se puede<br />
detener el derramamiento de sangre.<br />
Los medios de vi<strong>da</strong> y los negocios podrían regenerarse en el mundo en desarrollo,<br />
pero primero los pobres tienen que ser legalmente empoderados. Damos a<br />
la ley por sentado; pero sin documentación legal la gente no existe en el mercado.<br />
Si la propie<strong>da</strong>d, los negocios y las transacciones no se documentan legalmente,<br />
están destinados a ser obviados. La socie<strong>da</strong>d no podrá funcionar como un todo.<br />
Los huracanes no pueden destruir la infraestructura oculta del dominio de la<br />
ley, que mantiene la paz y empodera al pobre. Los títulos avalados por la ley y los<br />
certifi cados de acciones generan inversión; los títulos de propie<strong>da</strong>d al día garantizan<br />
el crédito; los documentos permiten a la gente identifi carse y recibir ayu<strong>da</strong>,<br />
los estatutos de una compañía pueden acopiar fondos para la reconstrucción; las<br />
hipotecas reúnen dinero, los contratos afi rman los compromisos.<br />
Cuatro mil millones de personas de los seis mil millones que hay en todo<br />
el mundo carecen de la habili<strong>da</strong>d de generar prosperi<strong>da</strong>d y recuperarse de los<br />
desastres; su constante tragedia es vivir sin el benefi cio de alguna ley. Ninguna<br />
suma de ayu<strong>da</strong> internacional o cari<strong>da</strong>d puede compensar eso.<br />
Solo si los pobres son empoderados legalmente van a poder ellos mismos estar<br />
en situación de convertir el siguiente tsunami en una simple tormenta más.” 13<br />
Desse modo, o dilema se propõe: a tutela judicial <strong>da</strong> moradia já é assaz<br />
tênue, e em muitas decisões judiciais, outros interesses são atendidos em prejuízo<br />
<strong>da</strong> moradia; e, além disso, mesmo que em to<strong>da</strong>s as decisões judiciais<br />
fosse ampara<strong>da</strong> a posse do habitante, mesmo assim isso seria insufi ciente.<br />
A moradia é valor imprescindível para a promoção imediata <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<br />
humana, mas a longo prazo a titulação é estritamente necessária.<br />
CASO GERADOR<br />
RE 407688 / SP — SÃO PAULO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO<br />
Relator (a): Min. CEZAR PELUSO<br />
Julgamento: 08/02/2006<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
13 Em http://www.elcomercioperu.<br />
com.pe/edicionimpresa/html/2006-<br />
01-22/imppolitica0442713.html<br />
FGV DIREITO RIO 40
“EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência.<br />
Execução. Responsabili<strong>da</strong>de solidária pelos débitos do afi ançado. Penhora<br />
de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibili<strong>da</strong>de. Inexistência de<br />
afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º <strong>da</strong> CF. Constitucionali<strong>da</strong>de<br />
do art.3º, inc. VII, <strong>da</strong> Lei nº 8.009/90, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.245/91. Recurso<br />
extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabili<strong>da</strong>de do bem<br />
de família do fi ador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, <strong>da</strong> Lei<br />
nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.245, de 15 de<br />
outubro de 1991, não ofende o art. 6º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.”<br />
Voto do Min. Gilmar Mendes, no RE 407.688:<br />
08/02/2006 TRIBUNAL PLENO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.688-8 SÃO PAULO<br />
VOTO DO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — Senhor<br />
Presidente, ouvi com atenção os votos proferidos pelos Ministros Cezar Peluso,<br />
Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. De fato, o texto constitucional<br />
consagra expressamente o direito de moradia. Do que depreendi do<br />
debate, não me parece que qualquer dos contendores tenha defendido aqui<br />
a ideia de norma de caráter programático. Cui<strong>da</strong>-se, sim, de se in<strong>da</strong>gar sobre<br />
o modus faciendi, a forma de execução desse chamado direito de moradia.<br />
E estamos diante de uma garantia que assume contornos de uma garantia<br />
de perfi l institucional, admitindo, por isso, múltiplas possibili<strong>da</strong>des de execução.<br />
Sem negar que eventuais execuções que venham a ser realiza<strong>da</strong>s pelo<br />
legislador possam traduzir eventuais contrarie<strong>da</strong>des ao texto constitucional,<br />
no caso não parece, tal como já apontado pelo Ministro Cezar Peluso, que<br />
isso se verifi que. Não me parece que do sistema desenhado pelo texto constitucional<br />
decorra a obrigatorie<strong>da</strong>de de levar-se a impenhorabili<strong>da</strong>de a tal<br />
ponto. Já o Ministro Joaquim Barbosa destacou que aqui se enfrentam princípios<br />
eventualmente em linha de colisão. E não Supremo Tribunal Federal<br />
podemos deixar de destacar e de ressaltar um princípio que, de tão elementar,<br />
nem aparece no texto constitucional: o princípio <strong>da</strong> autonomia priva<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />
autodeterminação <strong>da</strong>s pessoas — é um princípio que integra a própria ideia<br />
ou direito de personali<strong>da</strong>de. Portanto, embora reconheça, no art. 6º, o direito<br />
de moradia, a criação ou a possibili<strong>da</strong>de de imposição de deveres estatais<br />
na Constituição de modos de proteção a essa facul<strong>da</strong>de desenha<strong>da</strong> no texto<br />
constitucional, não consigo vislumbrar, na concretização que lhe deu a Lei,<br />
a violação aponta<strong>da</strong>. Nesses termos, acompanho o voto do Ministro Cezar<br />
Peluso, desprovendo o recurso extraordinário.<br />
Como se delineia a ponderação feita pelo Supremo Tribunal Federal? A<br />
moradia é valor meramente programático, ou pode gerar efi cácia direta?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 41
AULA 7: SÓ É DONO QUEM REGISTRA<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
O dogma do modo de aquisição. Princípios registrais. A situação registral<br />
brasileira.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, p. 303-318.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
A AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DO TÍTULO<br />
A forma mais comum de aquisição deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de ocorre em<br />
razão do registro do título translatício. O registro de imóveis é, in fi ne, o meio<br />
mais adequado para suprir as deman<strong>da</strong>s de segurança jurídica envolvendo os<br />
negócios imobiliários. No entanto, o sistema de registro de imóveis no Brasil,<br />
que consiste em ativi<strong>da</strong>de administrativa autoriza<strong>da</strong>, 14 encontra-se imerso em<br />
grave crise, e necessita de urgente intervenção.<br />
Se tudo der certo, o registro de imóveis opera produzindo efeitos reais<br />
sobre bens imóveis sempre que houver a anotação do fato.<br />
Serpa Lopes defi ne registro público como “a menção de certos atos ou<br />
fatos exara<strong>da</strong> em registros especiais, por um ofi cial público, quer à vista <strong>da</strong><br />
apresentação de títulos comuns que lhe são apresentados, quer em face de<br />
declarações escritas ou verbais <strong>da</strong>s partes interessa<strong>da</strong>s”. 15 Os registro públicos<br />
são regulados atualmente pelas Leis n° 6015-73 (registro civil) e n° 8934-94<br />
(registro de comércio). Sua serventia vem anuncia<strong>da</strong> no próprio caput do art.<br />
1° <strong>da</strong> Lei 6015-73: os registros promovem a “a autentici<strong>da</strong>de, segurança e<br />
efi cácia dos atos jurídicos.”<br />
O registro público existe em nosso direito em quatro mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des (art. 1°,<br />
Lei 6015-73), <strong>da</strong>s quais nos interessará no momento apenas uma: o registro<br />
de imóveis, que tem o objetivo legal de permitir que, mediante negócio jurídico,<br />
seja transferi<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de de algum bem imóvel.<br />
Em via de regra, no direito brasileiro, vige aquilo que se chama de princípio<br />
<strong>da</strong> abstração, que determina que não haja a produção de efeitos reais<br />
decorrentes <strong>da</strong> prática de negócio jurídico. Para a produção destes referidos,<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
14 A ativi<strong>da</strong>de registral no Brasil é delega<strong>da</strong><br />
pelo poder público a particulares<br />
(CRFB, art. 236), com base nos critérios<br />
fi xados na Lei n° 8935-94 (Lei dos Cartórios).<br />
15 Tratado de Registros Públicos, vol. I,<br />
3ª ed, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,<br />
1955, p.2.<br />
FGV DIREITO RIO 42
é necessário uma ato jurídico strictu sensu, No caso de imóveis, este ato é precipuamente<br />
o registro. Vejamos o art. 1245 do Código Civil:<br />
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a proprie<strong>da</strong>de mediante o registro do<br />
título translativo no Registro de Imóveis.<br />
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser<br />
havido como dono do imóvel.<br />
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de<br />
invali<strong>da</strong>de do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser<br />
havido como dono do imóvel.<br />
O §1º consagra o princípio <strong>da</strong> presunção de veraci<strong>da</strong>de do registro; segundo<br />
o informado, será determinado o titular. No §2º, temos a presunção de<br />
legali<strong>da</strong>de. Assim, até que algo diferente resulte, o registro de qualquer imóvel<br />
atribui ao titular matriculado o direito real correspondente, só podendo<br />
ser modifi cado por outro ato registral ou por decisão judicial.<br />
Em outro turno, se o registro não exprimir a ver<strong>da</strong>de, deverá ser corrigido:<br />
Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a ver<strong>da</strong>de, poderá o interessado<br />
reclamar que se retifi que ou anule.<br />
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o<br />
imóvel, independentemente <strong>da</strong> boa-fé ou do título do terceiro adquirente.<br />
O interessante no dispositivo é o que dispõe o parágrafo único. Conquanto<br />
a proprie<strong>da</strong>de seja fi rma<strong>da</strong> pelo registro, é possível que este não exprima a<br />
ver<strong>da</strong>de, em especial diante <strong>da</strong> ocorrência de usucapião. Nesse caso, mesmo<br />
sem o documento do registro (que não é, portanto, documento essencial à<br />
propositura <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> — v. art. 183, CPC), será possível ajuizar ação e<br />
provar a proprie<strong>da</strong>de por outros meios. No caso de desconstituição do registro,<br />
para que seja fi rmado outro este pedido pode ser combinado (cumulação<br />
sucessiva) com a reivindicação do bem. A vindicatio, contudo, não tem como<br />
exigência o acertamento registral.<br />
O parágrafo único dispõe que o registro será corrigido, independente <strong>da</strong><br />
boa-fé do terceiro adquirente. Num código que prima pelo respeito à boa-fé<br />
objetiva e que textualmente afi rma a proteção ao adquirente em caso de pagamento<br />
indevido, não se pode <strong>da</strong>r, em primeira vista, interpretação tão paralisante<br />
ao art. 1247. Na ver<strong>da</strong>de, o dispositivo não prevê que o registro seja<br />
sempre cancelado, mas que se for cancelado pela via judicial, haverá extensão<br />
dos efeitos <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> para com o terceiro de boa-fé, que terá ressalvado<br />
apenas os direitos de possuidor. Mas isso é um posterius, não sendo impossível<br />
ao magistrado reconhecer o direito de terceiro adquirente de boa-fé.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 43
Por conseguinte, o registro cria segurança a todo custo, desconsiderando<br />
valores caros ao texto constitucional. Ou não? Ou seria mais adequado um<br />
sistema de registro de imóveis rígido, que gerasse segurança?<br />
O sistema brasileiro pressupõe a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transcrição para que haja<br />
a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de (e para que se operem as formas negociais de criação,<br />
transferência e extinção de direitos reais). “Só é dono quem registra”, é o<br />
mote dos ofi ciais registradores. O negócio jurídico não tem efi cácia translativa,<br />
gerando apenas efeitos obrigacionais. Para que se obtenha o efeito desejado,<br />
deve-se atender ao requisito formal de publici<strong>da</strong>de, qual seja o registro. É<br />
o que determina o art. 676 do Código Civil.<br />
PROPRIEDADE = ESCRITURA + REGISTRO<br />
No sistema alemão, o negócio de índole contratual (negócio causal) também<br />
não origina a transferência de proprie<strong>da</strong>de. É necessário que se celebre<br />
um negócio registral, abstrato, no qual se emite declaração receptícia de vontade,<br />
a ser completa<strong>da</strong> pelo onerado, e declara que deseja realizar o registro<br />
em benefício do adquirente. 16 Uma vez efetuado o negócio registral, se houver<br />
direitos de terceiros em jogo, só este poderá ser atacado caso haja nuli<strong>da</strong>de<br />
nele próprio (e não no negócio causal). 17 Trata-se <strong>da</strong> abstração registral,<br />
presente no direito alemão. No sistema francês, o registro não é translativo de<br />
proprie<strong>da</strong>de, tendo efeitos meramente declaratórios entre as partes. Entretanto,<br />
para que terceiros estejam vinculados, é necessário que haja o registro. Por<br />
conseguinte, o registro é declaratório, mas a oponibili<strong>da</strong>de perante terceiros<br />
(que só pode ser exigi<strong>da</strong> se houver publici<strong>da</strong>de) depende do acertamento do<br />
imóvel.<br />
Seriam melhores esses sistemas?<br />
O que não está no registro<br />
Conquanto seja válido e interessante polemizar sobre o que não está no<br />
registro, mais relevante é lembrar-se de tudo aquilo que deveria estar lá certifi<br />
cado e não está. Vejamos no texto abaixo algumas <strong>da</strong>s graves conseqüências<br />
<strong>da</strong> desordem fundiária.<br />
“EXCLUSÃO SOCIAL, HABITAT E VIOLÊNCIA18 Por ERMINIA MARICATO19 Se na déca<strong>da</strong> de 40, quando 31% <strong>da</strong> população brasileira era urbana, as<br />
ci<strong>da</strong>des eram vistas como avanço e moderni<strong>da</strong>de em relação ao campo que<br />
representava o Brasil atrasado ou arcaico, no início de 2001, quando 80% <strong>da</strong><br />
população é urbana, sua imagem passa a ser associa<strong>da</strong> à violência, poluição,<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
16 Martin Wolff , pp. 187 e ss.<br />
17 Isabel Mendes, O Registro Predial e a<br />
Segurança Jurídica nos Negócios Imobiliários,<br />
Coimbra, Almeidina, 1992, p. 29.<br />
18 Em http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/maricato_bombarelogio.pdf<br />
19 Arquiteta, e urbanista, Coordenadora<br />
do Curso de Pós Graduação <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de<br />
de Arquitetura e Urbanismo <strong>da</strong><br />
USP, Coordenadora do Laboratório de<br />
Habitação e Assentamentos Humanos,<br />
ex- Secretária de Habitação e Desenvolvimento<br />
Urbano <strong>da</strong> prefeitura de São<br />
Paulo (1989-1992).<br />
FGV DIREITO RIO 44
favela, criança desampara<strong>da</strong>, epidemias, tráfego caótico, entre outros inúmeros<br />
males.<br />
O processo de industrialização / urbanização, parecia representar um caminho<br />
para a independência de séculos de dominação <strong>da</strong> produção agrária e<br />
de mando coronelista, ligado diretamente à relação colonial. A evolução dos<br />
acontecimentos mostrou que ao lado de intenso crescimento econômico (7%<br />
em media entre 1940 e 1980), o processo de urbanização com crescimento<br />
<strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de resultou numa gigantesca concentração espacial <strong>da</strong> pobreza.<br />
Nem to<strong>da</strong>s as consequências do processo de urbanização são negativas<br />
como mostram a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de infantil, <strong>da</strong> taxa de natali<strong>da</strong>de e o<br />
aumento <strong>da</strong> esperança de vi<strong>da</strong> ao nascer, nos últimos 50 anos. A déca<strong>da</strong> de<br />
80 foi portadora de algumas novi<strong>da</strong>des, confi rma<strong>da</strong>s pelo Censo do IBGE<br />
de 2000, como a diminuição <strong>da</strong> taxa geométrica de crescimento anual <strong>da</strong>s<br />
metrópoles (cujo crescimento se concentra agora apenas nos municípios periféricos)<br />
e a aceleração do crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des de porte médio. As doze<br />
metrópoles brasileiras, entretanto, que concentram perto de 33% de to<strong>da</strong> a<br />
população revelam de modo mais evidente as consequências dramáticas desse<br />
processo de crescimento com exclusão social.<br />
Durante os anos 80 e 90, sob as novas relações internacionais a desigual<strong>da</strong>de<br />
se aprofun<strong>da</strong>: aumenta a informali<strong>da</strong>de nas relações de trabalho, aumenta<br />
o crescimento <strong>da</strong>s favelas, aumenta o número de crianças abandona<strong>da</strong>s. Levantamentos<br />
científi cos comprovam o que nossos olhos constatam cotidianamente.<br />
Entre essas características que são históricas em uma socie<strong>da</strong>de na<br />
qual o desemprego e a desigual<strong>da</strong>de são estruturais, talvez a maior novi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s duas últimas déca<strong>da</strong>s esteja na explosão <strong>da</strong> violência urbana.<br />
Falar de violência no Brasil, último país escravista do hemisfério ocidental<br />
e que ain<strong>da</strong> hoje mantém resquícios de trabalho escravo, requer alguma<br />
precisão. A violência urbana que cresce fortemente nas ci<strong>da</strong>des brasileiras se<br />
diferencia <strong>da</strong> tradicional violência que sempre marcou a relação de trabalho.<br />
Trata-se <strong>da</strong>quela que é expressa pelo número de homicídios e que como a<br />
primeira, faz <strong>da</strong> população pobre sua principal vítima. O que nos interessa<br />
explorar aqui é a relação entre habitat e violência.<br />
A segregação urbana é uma <strong>da</strong>s faces mais importantes <strong>da</strong> exclusão social.<br />
Ela não é um simples refl exo, mas também motor indutor <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de. À<br />
difi cul<strong>da</strong>de de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (transporte precário,<br />
saneamento defi ciente, drenagem inexistente, difi cul<strong>da</strong>de de abastecimento,<br />
difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição<br />
à ocorrência de enchentes e desmoronamentos, etc.) somam-se menores<br />
oportuni<strong>da</strong>des de emprego (particularmente do emprego formal), menores<br />
oportuni<strong>da</strong>des de profi ssionalização, maior exposição à violência (marginal<br />
ou policial), discriminação racial, discriminação de gênero e i<strong>da</strong>de, difícil<br />
acesso à justiça ofi cial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 45
Ilegali<strong>da</strong>de na Ocupação do Solo e Segregação Urbana<br />
A ilegali<strong>da</strong>de em relação à proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra, entretanto, tem sido o<br />
principal agente <strong>da</strong> segregação ambiental, no campo ou na ci<strong>da</strong>de. A ilegali<strong>da</strong>de<br />
fundiária participa de uma situação de ilegali<strong>da</strong>de generaliza<strong>da</strong>: na<br />
relação de trabalho, na resolução de confl itos, na ação <strong>da</strong> polícia...<br />
No meio urbano, a relação — legislação/mercado fundiário/exclusão —<br />
está no centro <strong>da</strong> segregação territorial. É nas áreas despreza<strong>da</strong>s pelo mercado<br />
imobiliário privado e nas áreas públicas situa<strong>da</strong>s em regiões desvaloriza<strong>da</strong>s,<br />
que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encostas<br />
dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões<br />
poluí<strong>da</strong>s, ou [...] áreas de proteção ambiental (onde a vigência de legislação<br />
de proteção e ausência de controle do uso do solo defi nem a desvalorização e<br />
o desinteresse do mercado imobiliário).<br />
Apenas para <strong>da</strong>r alguns exemplos, em São Paulo, uma ci<strong>da</strong>de que tem o<br />
PIB maior que o do Chile, aproxima<strong>da</strong>mente 20% de seus 10 milhões de<br />
habitantes mora em favelas. Destas, 49,3 % tem alguma parte localiza<strong>da</strong> em<br />
beira de córrego, 32,2% estão sujeitas a enchentes, 29,3% localizam-se em<br />
terrenos com declivi<strong>da</strong>de acentua<strong>da</strong>, 24,2 % estão em terrenos que apresentam<br />
erosão acentua<strong>da</strong> e 0,9 % estão em terrenos de depósitos de lixo ou<br />
aterro sanitário.<br />
Na periferia sem urbanização, a precarie<strong>da</strong>de dos transportes e o alto preço<br />
são fatores que infl uem na baixa mobili<strong>da</strong>de dos moradores, frequentemente<br />
exilados em seus bairros precários. (Santos 1990). “Não é de se estranhar que<br />
em tais situações de segregação territorial pode ocorrer o desenvolvimento de<br />
normas, comportamentos, mecanismos e procedimentos extralegais que são<br />
impostos à comuni<strong>da</strong>de pela violência ou que são aceitos espontaneamente<br />
e até desejados.”<br />
CASO GERADOR<br />
Vejamos a notícia do Correio Braziliense:<br />
“Multiplicação de lotes no Lago<br />
Ana D’Angelo<br />
Correio Braziliense<br />
1/4/2005<br />
Compradores do Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas travam batalha contra empreendedora<br />
acusa<strong>da</strong> de vender terrenos irregularmente. Grupo chegou a formar<br />
associação de interessados que teriam sido lesados<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 46
O cobiçado Condomínio Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas, na QI 31 do Lago<br />
Sul, não foi regularizado, mas já está deixando um rastro de prejuízos, de<br />
denúncias de estelionato na polícia e de processos criminais. No centro <strong>da</strong><br />
polêmica está a empreendedora do local, Rosa Lia Fenelon Assis, de 67<br />
anos. Enquanto a regularização não vem, ela e a fi lha — Angela Beatriz de<br />
Assis, de 39 anos — são acusa<strong>da</strong>s por dezenas de pessoas de se benefi ciar<br />
com o comércio de terrenos que alegam lhes pertencer, vendendo o mesmo<br />
lote para mais de uma pessoa. O total de prejudicados já é superior a 400<br />
compradores, de acordo com Enock Goulart de Carvalho, síndico do condomínio<br />
desde março de 2004.<br />
O grupo de compradores é tão grande que eles se juntaram e criaram,<br />
em dezembro passado, a Associação dos Lesados pela Empreendedora do<br />
Condomínio Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas (Alecpa). Já tem 126 associados. Eles<br />
pretendem representar contra a empreendedora por estelionato. Funcionária<br />
pública aposenta<strong>da</strong>, Rosa Lia Assis tem uma procuração passa<strong>da</strong> em 1989<br />
pela fi lha Angela Beatriz, <strong>da</strong>ndo-lhe plenos poderes para negociar 60,5 hectares<br />
em nome <strong>da</strong> fi lha. Desde então, já teriam sido vendidos cerca de 1.700<br />
lotes. O problema é que só existem 1.002. Ou seja, tem gente comprando<br />
terreno que já pertenceria, em tese, a outro.<br />
Ao Correio, Rosa Lia Assis admitiu que pode ter vendido o mesmo lote<br />
para mais de uma pessoa, mas alegou “desorganização” dos <strong>da</strong>dos e não máfé.<br />
Embora os 60,5 hectares negociados estejam em seu nome, Angela Beatriz<br />
se eximiu de responsabili<strong>da</strong>de. “Estão usando o meu nome para criar tumulto.<br />
Nunca assinei documentos, nem vendi terra nenhuma. A minha mãe que<br />
é a dona legítima <strong>da</strong> terra”, alegou Angela Beatriz.<br />
Em local privilegiado, à beira do asfalto e próximo à Ponte JK, o Condomínio<br />
Pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Andorinhas está dentro <strong>da</strong> antiga fazen<strong>da</strong> Paranoá, de<br />
527 hectares, originalmente pertencente ao espólio de Balbino de Souza Vasconcelos.<br />
Reparti<strong>da</strong> entre herdeiros foi vendi<strong>da</strong> em pe<strong>da</strong>ços a várias pessoas.<br />
Angela Beatriz de Assis teria comprado 60,5 hectares. Mas somente 24 hectares<br />
estão registrados no 2º Ofício de Registro de Imóveis. Os outros 36,5<br />
hectares são garantidos apenas por três escrituras.<br />
Para completar o imbrólio, a Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília)<br />
também reivindica a posse de parte <strong>da</strong> área do condomínio. Há liminar<br />
<strong>da</strong> Justiça suspendendo qualquer alteração na matrícula dos 20 hectares que<br />
estão registrados em nome de Angela Beatriz de Assis no cartório de imóveis.<br />
Também está proibi<strong>da</strong> qualquer edifi cação no local até que a situação seja<br />
regulariza<strong>da</strong>. No local, existe uma portaria indicando a existência do “futuro”<br />
condomínio.<br />
Auditoria feita pela atual administração constatou a existência de 1.746 lotes<br />
vendidos até outubro de 2004, dos quais 1.295 teriam sido adquiridos diretamente<br />
de Rosa Lia Assis, conforme declararam os compradores. Outros 373<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 47
lotes foram comprados por meio de três pessoas, sendo 181 em duplici<strong>da</strong>de.<br />
Duas delas — Paulo Goulart e Hélio Ribeiro — foram autoriza<strong>da</strong>s a transferir<br />
determinados lotes por procuração recebi<strong>da</strong> de Rosa Lia Assis, que substabeleceu<br />
o man<strong>da</strong>to <strong>da</strong> fi lha. A terceira, Eliane Pereira <strong>da</strong> Mota, alega ter contrato<br />
com a empreendedora para vender parte deles. Rosa Lia Assis negou conhecêla.<br />
Há ain<strong>da</strong> 78 uni<strong>da</strong>des vendi<strong>da</strong>s sem documentos no condomínio.<br />
De acordo com a auditoria, 567 lotes foram negociados em duplici<strong>da</strong>de.<br />
A maioria, 386, seriam de responsabili<strong>da</strong>de direta <strong>da</strong> empreendedora. Os<br />
preços de ven<strong>da</strong> variaram entre R$ 1,5 mil e R$ 40 mil. De acordo com o<br />
síndico, somente de 2001 para cá, Rosa Lia teria embolsado mais de R$ 6 milhões.<br />
Mas os compradores têm difi cul<strong>da</strong>des de localizar bens em seu nome e<br />
<strong>da</strong> fi lha. As duas moram em casa aluga<strong>da</strong> no Lago Sul.<br />
Rosa Lia Assis afi rmou ao Correio que, <strong>da</strong>s 1.002 uni<strong>da</strong>des, vendeu em<br />
torno de 600 e que ain<strong>da</strong> tem cerca de 380 disponíveis — 165 estariam em<br />
nome <strong>da</strong> cozinheira e <strong>da</strong> babá e de uma ex-faxineira. O síndico Enoch de<br />
Carvalho contesta. Diz que ela tem apenas sete, em nome de empregados,<br />
porque os compradores dos demais já se apresentaram.<br />
O processo para regularização do condomínio Parque <strong>da</strong>s Andorinhas está<br />
na Terracap desde agosto de 2004. Mas existem três ações judiciais em tramitação<br />
na Vara de Registros Públicos do DF questionando a titulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área e a<br />
escritura de constituição do condomínio. A empreendedora apresentou o projeto<br />
urbanístico e topográfi co, mas ain<strong>da</strong> não foram aprovados pela Terracap.<br />
A empreendedora Rosa Lia Assis admitiu ao Correio a ven<strong>da</strong> do mesmo lote<br />
a mais de uma pessoa “por desorganização” dos seus ca<strong>da</strong>stros, mas promete<br />
devolver o dinheiro corrigido, conforme está no contrato, a todos os compradores<br />
que quiserem desfazer o negócio. “Estou disposta a devolver o dinheiro<br />
para todo mundo que queira desistir dos lotes”, garante. Ela alega que não<br />
pode tomar nenhuma atitude ou prestar esclarecimentos sem conhecer a listagem<br />
de lotes vendidos em duplici<strong>da</strong>de que a atual administração dispõe.<br />
Rosa Lia conta que pediu essa lista ao atual síndico, mas que ele exigiu<br />
o pagamento de R$ 6.609,40 para fornecer os documentos, o que achou<br />
abusivo. “Como posso tomar qualquer atitude, sem saber a listagem que o<br />
condomínio tem e quem emitiu os documentos?” A empreendedora questionou<br />
também a auditoria, por não ter havido a participação de integrantes <strong>da</strong>s<br />
administrações anteriores.<br />
O síndico Enock de Carvalho afi rma que o preço cobrado, que poderia ser<br />
pago em duas parcelas, é para cobrir os custos <strong>da</strong>s fotocópias (13.968 folhas)<br />
e de serviço de terceiros (R$ 2.500). Exigiu ain<strong>da</strong> que a empreendedora explicasse<br />
a fi nali<strong>da</strong>de que pretende <strong>da</strong>r aos documentos. Segundo Carvalho, o<br />
condomínio teve custos para fazer a auditoria e catalogar todos os contratos<br />
dos compradores.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 48
Rosa Lia Assis nega o uso de “laranjas”. Diz que foi “obriga<strong>da</strong>” a colocar os<br />
lotes em nome de emprega<strong>da</strong>s para facilitar a aprovação do condomínio junto<br />
aos órgãos públicos, porque não podem estar em nome do empreendedor.<br />
Segundo ela, para regularizar a área, é preciso ter o parcelamento efetuado e<br />
to<strong>da</strong>s as frações vendi<strong>da</strong>s. Afi rma que deu um lote para ca<strong>da</strong> uma para colocar<br />
os terrenos em nome delas.<br />
Sobre as procurações em nome de Paulo Goulart e Hélio Ribeiro, explica<br />
que apenas deu lotes a eles como forma de pagamento de parte <strong>da</strong>s terras que<br />
comprou e que pertenciam aos dois. “Nunca mandei vender em meu nome.<br />
Eles são donos dos lotes”, garante. A empreendedora nega conhecer Eliana<br />
Pereira, que apresentou à administração do condomínio contrato com Rosa<br />
Lia para vender os terrenos. “Nunca dei lote para corretor vender”, assegura.<br />
A empreendedora afi rma que os projetos urbanístico e topográfi co apresentados<br />
por ela não foram aprovados pela Terracap porque o condomínio<br />
não cumpriu suas obrigações, como apresentação dos projetos de infra-estrutura<br />
básicos (água, esgoto, luz). A empreendedora acusa ain<strong>da</strong> o síndico de<br />
tentar comprar lotes já vendidos por valor baixo, dizendo que o condomínio<br />
não será regularizado. Enock de Carvalho retruca que tem interesse em<br />
comprar lotes, mas em nome do condomínio. Segundo ele, não há espaço<br />
sufi ciente para acomo<strong>da</strong>r o projeto <strong>da</strong> empreendedora, cujas projeções comerciais<br />
invadiram até área pública. Afi rma que existem apenas 10% de área<br />
livre. Por isso, em assembléia no sábado passado, os condôminos autorizaram<br />
as aquisições, em nome do condomínio.<br />
Rosa Lia Assis acusa ain<strong>da</strong> a atual administração de ter gastos excessivos<br />
para manutenção do condomínio. O síndico rebate dizendo que ela não é<br />
condômina e que os lotes que alega ter estão em nome de terceiros, inadimplentes.<br />
Segundo ele, a convenção prevê acesso dos condôminos aos balancetes<br />
e que as contas do ano passado foram aprova<strong>da</strong>s em assembléia realiza<strong>da</strong><br />
em março com a presença de 136 condôminos.<br />
Carvalho afi rmou que os gastos são de R$ 189 mil por mês com a segurança<br />
do condomínio. “Ela mantém um segurança num dos acessos do condomínio<br />
para permitir que ela entre e mostre o terreno para clientes. Vamos<br />
fechar todos os acessos para impedir sua entra<strong>da</strong>”, avisa.<br />
A confusão no Parque <strong>da</strong>s Andorinhas vem desde o fi nal dos anos 80,<br />
quando a empreendedora Rosa Lia Fenelon Assis dividiu os 60,5 hectares que<br />
teriam sido comprados pela fi lha em módulos, com cerca de 500 lotes de 800<br />
metros quadrados aproximados. Foi cria<strong>da</strong> então a associação dos condôminos,<br />
tendo ela como empreendedora. Segundo o atual síndico, nessa época,<br />
já teriam sido vendidos mais lotes do que havia de fato. Em 1991, a empreendedora<br />
reformulou o projeto dos 60,5 hectares e transformou os módulos<br />
em conjuntos, reduzindo o tamanho dos lotes — viraram 1.002 com 501<br />
metros quadrados. Ela negou a ven<strong>da</strong> de lotes a mais. Segundo ela, o projeto<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 49
foi redimensionado porque o original não contemplava os 35% de área livre<br />
exigidos pela legislação.<br />
Novamente, apareceram no condomínio compradores de lotes que já tinham<br />
dono. Em julho de 2002, a nova administração do condomínio chegou<br />
a acordo com a empreendedora e foi assinado um contrato particular<br />
em que ela se comprometia a relacionar os reais titulares dos 1.002 terrenos.<br />
Para surpresa dos condôminos, foram listados como donos de pouco mais de<br />
cem lotes três emprega<strong>da</strong>s <strong>da</strong> empreendedora — a cozinheira, a faxineira e a<br />
babá <strong>da</strong> neta <strong>da</strong> empreendedora. Logo depois, começaram a aparecer vários<br />
compradores de lotes já vendidos com certifi cados de imissão de posse, que<br />
teriam sido emitidos pela empreendedora.<br />
O fato fez com que a atual administração do condomínio representasse<br />
contra Rosa Lia Assis junto ao Ministério Público do Distrito Federal,<br />
denunciando-a por estelionato e falsifi cação de certifi cados. Ela nega a acusação.<br />
Afi rmou ao Correio que a assinatura abrevia<strong>da</strong> do seu nome nos certifi<br />
cados, com carimbo de reconhecimento de fi rma do cartório Maurício de<br />
Lemos, não é dela. O cartório informou ao Correio que ela tem duas assinaturas<br />
(fi rmas) registra<strong>da</strong>s no ofício, incluindo a forma abrevia<strong>da</strong>.<br />
Alguns compradores descobriram também que fi caram com menos lotes<br />
do que tinham adquirido inicialmente. É o que aconteceu com a advoga<strong>da</strong><br />
Lin<strong>da</strong> Jacinto Xavier. Ela afi rma ter adquirido dois lotes terrenos diretamente<br />
de Rosa Lia de Assis no dia 31 de agosto de 2000 por R$ 9 mil ca<strong>da</strong> um. No<br />
contrato de cessão de direitos, no entanto, a <strong>da</strong>ta é de 10 de dezembro de<br />
1997, por imposição <strong>da</strong> vendedora.<br />
Mas a advoga<strong>da</strong> recebeu apenas o certifi cado de imissão de posse de apenas<br />
um deles “depois de muita insistência” junto à empreendedora. “Ela não<br />
quis mais me receber”, afi rma Lin<strong>da</strong> Xavier, que chegou a ter nas mãos quatro<br />
mapas do condomínio. “Já não sabia mais quais eram os meus lotes.”<br />
Como proteger os adquirentes de boa-fé, se é que eles devem ser protegidos?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 50
AULAS 8, 9 E 10: USUCAPIÃO<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Usucapião: fun<strong>da</strong>mentos e funcionamento. Justifi cativa constitucional.<br />
Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des.Usucapião tabular. Aquisição por interesse social (art. 1228,<br />
§§4º e 5º, Código Civil).<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA (PARA AS DUAS AULAS)<br />
RIZZARDO, Arnaldo. “<strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s Coisas”, p. 247-303.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
SALLES, José Carlos de Moraes. “Usucapião de Bens Imóveis e Móveis”, 6ª ed,<br />
São Paulo, RT, p. 47-144.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
NATUREZA DA USUCAPIÃO 20<br />
A usucapião é uma forma de aquisição de direito real decorrente <strong>da</strong> conjugação<br />
de dois fatores: posse e tempo. A usucapião serve de forma de atribuição<br />
de um direito real, assim como forma de extinção de um outro direito<br />
real. Por isso durante muito tempo o tratamento <strong>da</strong>do ao instituto do usucapião<br />
foi o mesmo tratamento <strong>da</strong>do ao instituto <strong>da</strong> prescrição extintiva. Hoje<br />
se entende praticamente de modo unânime no <strong>Direito</strong> Brasileiro que existe<br />
uma distinção de fun<strong>da</strong>mento que impossibilita o tratamento conjunto <strong>da</strong><br />
prescrição aquisitiva e do usucapião, ampara<strong>da</strong> no fun<strong>da</strong>mento dos referidos<br />
institutos. Existem, no Código Civil, e durante muito tempo existiram normas<br />
separa<strong>da</strong>s para disciplinar a usucapião e a prescrição extintiva, mas havia<br />
quem entendesse que o fun<strong>da</strong>mento era igual nesses dois institutos (e ain<strong>da</strong><br />
assim é hoje, por exemplo, no <strong>Direito</strong> espanhol). Sabe-se, atualmente, que<br />
o fun<strong>da</strong>mento é distinto, por uma questão bastante simples: o usucapião se<br />
fun<strong>da</strong> na concreção <strong>da</strong> ideia de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, e a prescrição<br />
extintiva na segurança jurídica. Isso não quer dizer que o usucapião também<br />
não tenha por objetivo criar segurança. É claro que se alguém possui um<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
20 Os dicionaristas registram as duas<br />
formas como corretas: o usucapião e a<br />
usucapião. O CC2002 utiliza a palavra<br />
no feminino.<br />
FGV DIREITO RIO 51
em durante muitos e muitos anos, cria-se na socie<strong>da</strong>de uma expectativa<br />
que aquele bem tenha a titulari<strong>da</strong>de altera<strong>da</strong>, mesmo que isto não seja regra<br />
imutável, já que para que haja a contagem de tempo para o usucapião é fun<strong>da</strong>mental<br />
que a posse seja plena. Então não é apenas a mera segurança que<br />
justifi ca a usucapião.<br />
No âmbito <strong>da</strong> ordenação urbana e dentro e rural, para que haja uma melhor<br />
utilização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, deve existir a fi gura do usucapião como meio<br />
de permitir a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de nas mãos <strong>da</strong>quele que trabalha<br />
e dá ao bem a sua destinação constitucional, atendendo a função social. O<br />
instituto, portanto, foi elevado à normativi<strong>da</strong>de constitucional, que a ele se<br />
refere expressamente em dois momentos: nos art.183 e 191.<br />
O primeiro requisito para que haja aquisição do direito real através <strong>da</strong><br />
fi gura do usucapião é a existência <strong>da</strong> posse. A posse ad usucapionem tem que<br />
ser plena, ou seja, não deriva<strong>da</strong> de uma outra posse através de um processo<br />
conhecido como mediação na posse (v. art. 1197). Aquele que possui plenamente<br />
possui o bem como se ele fora seu, independentemente <strong>da</strong> posse de<br />
outrem (que restará extinta). Como exemplo de possuidor pleno que não é<br />
proprietário, temos aquele que adquiriu um bem a non domino, ou ain<strong>da</strong> o<br />
próprio sujeito ativo do esbulho possessório.<br />
Além de ter a posse plena do bem, existe um outro requisito que é fun<strong>da</strong>mental<br />
para to<strong>da</strong>s as formas de usucapião, que é o decurso do tempo, que pode<br />
variar de três até vinte anos, dependendo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de usucapião. O termo<br />
inicial desse prazo de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de é o momento em que se passa a<br />
ser exerci<strong>da</strong> a posse plena do bem. O termo fi nal coincide com o momento no<br />
qual se esgota a previsão legal e tem-se por consuma<strong>da</strong> a usucapião. Durante o<br />
decurso desse prazo pode haver tanto suspensão quanto interrupção.<br />
A aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por usucapião é originária, e esse entendimento<br />
é quase unânime na doutrina brasileira. A voz dissonante é a voz do professor<br />
Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira que entende que a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por<br />
usucapião é uma aquisição deriva<strong>da</strong>. 21 Esposamos a tese majoritária, porque<br />
em relação àquele bem todo e qualquer gravame que havia sido anteriormente<br />
constituído é destruído, e a proprie<strong>da</strong>de é recria<strong>da</strong>. Caio Mário entende<br />
que essa aquisição é deriva<strong>da</strong>, por conta de <strong>da</strong> distinção existente no <strong>Direito</strong><br />
alemão que diz respeito às formas de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, que não prescindem<br />
<strong>da</strong> prática de um negócio jurídico registral. O registro, no <strong>Direito</strong><br />
brasileiro, não tem na sua realização a preponderância <strong>da</strong> vontade, trata-se de<br />
um ato jurídico strictu sensu. E por conta disso, aqui são consagra<strong>da</strong>s formas<br />
de usucapião que não estão presentes no <strong>Direito</strong> alemão. Por conta desta<br />
distinção, no direito alemão não existe usucapião extraordinário, ou seja, é<br />
obrigatório que a posse seja de boa-fé e haja justo título (Wolff , op. cit, p.).<br />
Esta distinção desde logo impossibilita a comparação dos regimes legais e <strong>da</strong>s<br />
conclusões doutrinárias de ambos os países.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
21 Caio Mário, vol. IV, p. 138.<br />
FGV DIREITO RIO 52
Não é possível, no direito pátrio, a usucapião de bem público (CC, art.<br />
102, e CRFB, art. 181, §3º e art. 191, parágrafo único), nem a usucapião<br />
de bens de incapaz (art.1244). Por causa dessas duas ressalvas <strong>da</strong> lei brasileira<br />
Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira entende que não é possível considerar o usucapião<br />
como forma originária de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de porque leva em<br />
conta efetivamente quem era o proprietário anterior. Também nesse particular,<br />
vejamos o REsp 13663, julgado em 22/09/92 e relatado pelo ministro<br />
Gusmão Carneiro:<br />
“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ALEGAÇÃO EM DEFESA DE USUCAPIÃO<br />
EXTRAORDINÁRIO. IMÓVEL COM CLÁUSULA DE FIDEICOMISSO E<br />
DE INALIENABILIDADE. A aquisição por usucapião é aquisição originária com<br />
relação ao usucapiente importa a posse pelo prazo de 20 anos, pacífi ca e ininterrupta<br />
com ânimo de dono. Nenhuma relação ou sucessão existe entre o perdente do direito<br />
de proprie<strong>da</strong>de e o que a adquire pelo usucapião Com o usucapião simplesmente<br />
extingue-se o domínio do anterior proprietário bem como os direitos reais que tiverem<br />
constituído e sem embargos de quaisquer limitações a seu dispor. Ou seja, com essa<br />
ementa afi rma-se de forma cabal que qualquer gravame de ordem priva<strong>da</strong> é desconstituído<br />
pelo decurso do tempo e pela confi guração do usucapião. No caso dessa ementa<br />
o gravame era o fi deicomisso.”<br />
— Usucapião como forma originária de aquisição de proprie<strong>da</strong>de, motivo<br />
pelo qual as relações pretéritas não interferem na relação estabeleci<strong>da</strong> ente o<br />
bem e o usucapiente:<br />
STJ — REsp 118.360/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA<br />
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,<br />
julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011<br />
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA.<br />
INOCORRÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE PROPRIE-<br />
DADE. SENTENÇA DE USUCAPIÃO. NATUREZA JURÍDICA (DECLA-<br />
RATÓRIA). FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. FINALIDADE DO<br />
REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PUBLICIDADE E DIREITO<br />
DE DISPOR DO USUCAPIENTE. RECURSO DESPROVIDO.<br />
1. Não há falar em julgamento extra petita, pois “cabe exclusivamente ao julgador<br />
a aplicação do direito à espécie, fi xando as conseqüências jurídicas diante<br />
dos fatos narrados pelas partes consoante os brocardos <strong>da</strong> mihi factum <strong>da</strong>bo tibi<br />
ius e jura novit curia” (EDcl no REsp 472.533/MS, Rel. Min. FERNANDO<br />
GONÇALVES, DJ 26.09.2005).<br />
2. A usucapião é modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de; ou seja, não<br />
há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 53
3. A sentença proferi<strong>da</strong> no processo de usucapião (art. 941 do CPC) possui<br />
natureza meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece,<br />
com oponibili<strong>da</strong>de erga omnes, um direito já existente com a posse ad usucapionem,<br />
exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito retroativo <strong>da</strong> sentença<br />
se dá desde a consumação <strong>da</strong> prescrição aquisitiva.<br />
4. O registro <strong>da</strong> sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essencial<br />
para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de imobiliária, porquanto, ao contrário do<br />
que ocorre com as aquisições deriva<strong>da</strong>s de imóveis, o ato registral, em tais casos,<br />
não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriun<strong>da</strong> do processo de usucapião<br />
é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916;<br />
1.241, parágrafo único, do CC/2002) — e não título constitutivo do direito<br />
do usucapiente, buscando este, com a deman<strong>da</strong>, atribuir segurança jurídica e<br />
efeitos de coisa julga<strong>da</strong> com a declaração formal de sua condição.<br />
5. O registro <strong>da</strong> usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir,<br />
mas para <strong>da</strong>r publici<strong>da</strong>de à aquisição originária (alertando terceiros), bem como<br />
para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regularizar<br />
o próprio registro cartorial.<br />
6. Recurso especial a que se nega provimento.<br />
— Acórdão no sentido de que a usucapião, por se tratar de forma originária<br />
de aquisição de proprie<strong>da</strong>de, prevalece sobre o registro imobiliário, muito<br />
embora este detenha o caráter de obrigatorie<strong>da</strong>de e perpetui<strong>da</strong>de.<br />
REsp 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TUR-<br />
MA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011<br />
PROCESSO CIVIL — PRESCRIÇÃO AQUISITIVA — CONFIGURA-<br />
ÇÃO — REQUISITOS DO ART. 942 DO CPC PREENCHIDOS — JUN-<br />
TADA DA CERTIDÃO DO CARTÓRIO DE IMÓVEIS DE CADA UM<br />
DOS CONFRONTANTES DESNECESSÁRIA — RECURSO ESPECIAL<br />
PROVIDO.<br />
1.— A usucapião, forma de aquisição originária <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, caracteriza<strong>da</strong>,<br />
entre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto <strong>da</strong> posse,<br />
prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de obrigatorie<strong>da</strong>de<br />
e perpetui<strong>da</strong>de deste, em razão <strong>da</strong> inércia prolonga<strong>da</strong> do proprietário em<br />
exercer os poderes decorrentes do domínio.<br />
2.— A determinação do art. 942 do CPC, diz respeito à citação <strong>da</strong>quele em<br />
cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confi nantes,<br />
não se exigindo a junta<strong>da</strong> de certidão do Cartório de Registros de Imóveis relativamente<br />
a ca<strong>da</strong> um dos confrontantes, até porque as confrontações, como parte<br />
<strong>da</strong> descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo.<br />
3.— Provido o recurso especial, com o afastamento do requisito <strong>da</strong> junta<strong>da</strong><br />
de certidões imobiliárias atinentes aos confrontantes, não há como passar ao<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 54
julgamento do mérito, pois a apelação devolveu ao conhecimento do Tribunal<br />
de origem matéria fática, envolvendo, inclusive, ação reinvidicatória conexa e<br />
apensa<strong>da</strong>, relativa à origem e quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> posse alega<strong>da</strong> pela prescribente, matéria<br />
essa que não foi aprecia<strong>da</strong> pelo Acórdão recorrido, de modo que não pode,<br />
agora, ser enfrenta<strong>da</strong> neste julgamento, visto que isso somente seria possível em<br />
se tratando de matéria exclusivamente de direito (CPC, art. 515, § 3º).<br />
4.— Recurso Especial provido, com anulação do Acórdão e determinação de<br />
novo julgamento.<br />
RECURSO ESPECIAL PROVIDO<br />
A posse ad usucapionem tem que ser plena. Isso não quer dizer que uma<br />
posse que comece mediata não possa se tornar plena. Isso é chamado de fenômeno<br />
<strong>da</strong> interversão <strong>da</strong> posse, e é a partir <strong>da</strong> interversão que começa a contar<br />
o prazo para a usucapião.<br />
O curso do prazo tem que ser ininterrupto, excetuando-se as hipóteses de suspensão<br />
(v. art. 1.244). Também poderá ocorrer na usucapião a acessão na posse.<br />
Ela é possível por conta do art. 1243 CC. Este dispositivo faz referência à norma<br />
genérica de acessão na posse prevista no art.1.207 CC, que estabelece que para<br />
aquele que sucede a título universal, ou seja, para aquele que é herdeiro, a soma<br />
é obrigatória, não se podendo deixar de contar prazo (e posse) anteriormente<br />
transcorridos. Agora, aquele que sucede a título singular, ou seja, aquele que não<br />
recebe um patrimônio e sim um bem pode escolher valer desta prerrogativa.<br />
Ve<strong>da</strong>ções à usucapião<br />
— bens de incapazes;<br />
— bens públicos (CF, art. 183, par. 3°, e art. 191, par. único), ao contrário<br />
do disposto no art. 4° <strong>da</strong> Lei 6969-80. 22 Não se pode, contudo, ignorar que<br />
até que se declare a vacância (e não jacência) de um bem, é possível que se dê<br />
a sua aquisição por usucapião. 23<br />
Qualquer ato inequívoco, mesmo que extrajudicial, do proprietário que<br />
indique reivindicação pode ser invocado como motivo para a interrupção<br />
(STJ, Resp. 21222-BA). Não há mais distinção na contagem de prazo entre<br />
presentes e ausentes, como ocorre também na prescrição.<br />
Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des: Imóveis<br />
Extraordinário: art. 1.238: presume-se, absolutamente, a boa fé e o justo<br />
título. E quanto à injustiça? Deve cessar na forma do art.1.208. Critério<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
22 Ver Sùm 340, STF.<br />
23 STJ, Resp 36959-SP.<br />
FGV DIREITO RIO 55
objetivo para a redução do prazo: parágrafo único do art. 1238. Natureza <strong>da</strong><br />
sentença: declaratória. Ação de usucapião: sentença capaz de ser transcrita.<br />
Usucapião. Alegado em defesa: é reconhecido como questão prejudicial (STF<br />
Súmula 237), mas não pode originar a transcrição. Exceção: Lei 6969/81,<br />
art. 7°, e Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, art. 13.<br />
Ordinário: art. 1242: com boa fé e justo título. O conceito de justo título<br />
deve ser sempre o mesmo?<br />
Quadro comparativo:<br />
Requisitos Posse + Tempo<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
U. extraordinária U. Ordinária U. Especial<br />
Posse + Tempo + Justo<br />
Título<br />
Posse + Tempo + Destinação<br />
Prazo 15 anos 10 anos 5 anos<br />
Alteração pela<br />
destinação específi ca<br />
(vira especial)<br />
Para 10, se houver<br />
atendimento <strong>da</strong> função<br />
social do bem<br />
Para 5, se houver<br />
atendimento <strong>da</strong> função<br />
social do bem<br />
Especial: Lei 6969 e CF 88; NCC, 1239, 1240.<br />
Usucapião especial constitucional urbana: art. 183, CF, 1240, CC. Requisitos<br />
específi cos: cumprir metragem, não ser proprietário, utilização específi -<br />
ca para moradia, e não descumprimento do §2° do art. 183, CF.<br />
Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (lei 10.257/01): art. 9 e seguintes: regulação <strong>da</strong> usucapião<br />
constitucional urbana. Art. 10: usucapião coletiva.<br />
Usucapião especial constitucional rural: art. 191, CF, art. 1239, CC. req.:<br />
utilização específi ca (produção rural como cultivador direto), metragem, e<br />
não ser proprietário. Integração com o regime <strong>da</strong> Lei 6969.<br />
Usucapião de bens móveis<br />
Ordinária: (Art. 1.260): Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua<br />
e incontesta<strong>da</strong>mente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á<br />
a proprie<strong>da</strong>de.<br />
Extraordinária: (Art. 1.261): Se a posse <strong>da</strong> coisa móvel se prolongar por<br />
cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.<br />
—<br />
FGV DIREITO RIO 56
Usucapião tabular<br />
Art. 214, §5º, <strong>da</strong> Lei 6015/73: ver<strong>da</strong>deira mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de usucapião?<br />
Efeitos retroativos do usucapião tabular.<br />
CASO GERADOR 1<br />
Extrato de reportagem do “Jornal do Brasil”, de 14.01.2001.<br />
“Brasileiro disputa terras <strong>da</strong> Barra com libanês e chinês.<br />
Área de 10 milhões de metros quadrados, na Barra <strong>da</strong> Tijuca, tem um<br />
terceiro pretendente, Wilson Figueiredo, 64 anos, munido de certidão <strong>da</strong> 11ª<br />
Vara de Órfãos e Sucessões, disputa com o chinês Tjong Hiong Oei e com<br />
o libanês Mohamad Ismail El Samad terras equivalentes a 1.000 campos do<br />
Maracanã.”<br />
Além desse processo, o Sr. Tjong é autor de mais de vinte ações questionando<br />
a titulari<strong>da</strong>de de extensas áreas na Barra <strong>da</strong> Tijuca — RJ. Se ele tiver<br />
razão, poderiam os moradores dessas áreas se socorrer de alguma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />
de usucapião?<br />
CASO GERADOR 2<br />
“COMARCA DE OLINDA, VARA DA FAZENDA PÚBLICA<br />
Processo nº 2003.008384-4<br />
*S E N T E N Ç A*<br />
A ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA MANCHETE, pessoa<br />
jurídica de direito privado, conforme Certidão de Personali<strong>da</strong>de Jurídica de fl s.<br />
14, instituição civil sem fi ns lucrativos, nesta Comarca sedia<strong>da</strong>, por seu Presidente<br />
(Ata de Fun<strong>da</strong>ção, Eleição e Posse de fl s. 16 a 21), no exercício de suas<br />
atribuições estatutárias e através dos Advogados bastante constituídos, com fulcro<br />
no Art. 10 c/c o Art. 12, III, <strong>da</strong> Lei nº 10.257/2001, ingressou neste juízo com a<br />
presente Ação de Usucapião Especial Coletivo de uma Gleba Urbana com área de<br />
92.738,00 m² (noventa e dois mil, setecentos e trinta e oito metros quadrados),<br />
localiza<strong>da</strong> no Bairro de Ouro Preto, Olin<strong>da</strong>/PE, inscrita no Registro de Imóveis<br />
em nome <strong>da</strong> empresa Novolin<strong>da</strong>/Construtora e Incorporadora SA, CGC/MF nº<br />
11.223.781/0001-08, e de uma área de 15.574 m² (quinze mil, quinhentos e<br />
setenta e quatro metros quadrados), localiza<strong>da</strong> no Bairro de Jardim Brasil II, de<br />
proprie<strong>da</strong>de desconheci<strong>da</strong>, conforme os limites e confrontações que especifi ca às fl s.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 57
04 a 08, na totali<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong> de um assentamento subnormal com construções<br />
residenciais edifi ca<strong>da</strong>s sem planejamento, se prestando, especifi ca<strong>da</strong>mente, a<br />
moradias para pessoas de baixa ren<strong>da</strong>.<br />
Aduz que a Vila Manchete, como é conheci<strong>da</strong> a área há muito edifi ca<strong>da</strong>, não<br />
se distingue por qualquer obra de infra-estrutura e não é dota<strong>da</strong> de qualquer<br />
equipamento urbano, linhas regulares de coletivos, postos de concessionárias do<br />
serviço público, correios, delegacias ou postos de segurança comunitária. Assevera<br />
que a população <strong>da</strong> Vila Manchete, a qual representa, ocupa as irregulares artérias<br />
há mais de quinze anos, inicia<strong>da</strong> que foi — a ocupação — nos idos dos anos<br />
80, de forma pacífi ca e sem oposição de ninguém, não possuindo os moradores ora<br />
REPRESENTADOS — CONFORME Relação Ca<strong>da</strong>stro de Moradores Associados<br />
de fl s. 36 a 64 qualquer outro bem imóvel, preenchendo, assim, os requisitos<br />
do Usucapião Especial. Diz <strong>da</strong> existência do Programa Habitar-Brasil-BID, que<br />
contempla comuni<strong>da</strong>des carentes, e dos esforços dos Poderes Executivos Federal, do<br />
Estado de Pernambuco e do Município de Olin<strong>da</strong> no sentido de aquinhoar a comuni<strong>da</strong>de<br />
com instrumentos de infra-estrutura para proporcionar aos moradores<br />
condições dignas de vi<strong>da</strong>, o que reclama, para a obtenção dos benefícios dos recursos<br />
fi nanceiros, a titulari<strong>da</strong>de dos imóveis pelos ocupantes <strong>da</strong> área contempla<strong>da</strong>,<br />
razão <strong>da</strong> presente deman<strong>da</strong> judicial.<br />
Juntando os documentos e plantas de fl s. 14 e 66, nota<strong>da</strong>mente o Ca<strong>da</strong>stro de<br />
Moradores de fl s. 36 a 64, pugnou pela criação <strong>da</strong> empresa requeri<strong>da</strong> e dos interessados<br />
incertos e desconhecidos, pela notifi cação <strong>da</strong>s Fazen<strong>da</strong>s Federal, Estadual<br />
e Municipal, pela intervenção do Ministério público, pela produção <strong>da</strong>s provas e,<br />
a fi nal, pela procedência do pedido, determinando-se, por Carta de Sentença, ao<br />
Ofício do Regimento de Imóveis que proce<strong>da</strong> ao assentamento, em áreas iguais de<br />
80.00 m² (oitenta metros quadrados), a favor dos seus associados nominados no<br />
Ca<strong>da</strong>stro referido.<br />
Como sabemos a popular Vila Manchete, ver<strong>da</strong>deiro aglomerado ao derredor<br />
<strong>da</strong> torre de transmissão <strong>da</strong> Rede Manchete de Televisão lá instala<strong>da</strong>, é constituí<strong>da</strong><br />
quase que absolutamente de construções disformes, irregulares e às vezes sobrepostas,<br />
servi<strong>da</strong>s por estreitas ruelas becos muito estreitos, que se entrelaçam em seus<br />
fugidios e sinuosos traçados, sendo extremamente difícil descrever-se em memorial<br />
o casebre e suas limitações e vinculá-lo ao seu possuidor, tudo a reclamar intervenção<br />
do poder público para que se dê aos seus moradores, todos de baixíssima ren<strong>da</strong>,<br />
condições mais dignas de vivência, nota<strong>da</strong>mente o remanejamento dos paupérrimos<br />
para residências novas e a disponibilização de creche e centro comunitário<br />
e desportivo, tudo sob comando <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de condominial que se instalará e sob<br />
os auspícios do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Os nomes <strong>da</strong>s ruelas<br />
e a numeração <strong>da</strong>s moradias — quase inúteis, pois não há serviços dos correios<br />
— foram escolhidos ao alvedrio dos ocupantes, sem ostentar nem mesmo uma ordenação<br />
lógica, embora haja fornecimento de energia elétrica e extensões de bicos<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 58
de fornecimento de água, além de uma escola, no bairro vizinho, conheci<strong>da</strong> como<br />
“Centro Embrião”.<br />
Os imóveis não se acham gravados de hipoteca nem sob fi nanciamento público,<br />
conforme deixou claro a Caixa Econômica Federal, que encampou o Sistema<br />
Financeiro de Habitação, o que faz desmoronar a tese <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de<br />
deferimento pela ocorrência de crime de esbulho possessório nos termos do Art. 9º<br />
<strong>da</strong> Lei nº 5.741 71.<br />
Os associados nominados às fl s. 36 a 64 e que constam <strong>da</strong> Certidão de fl s.<br />
161 a 170, demonstram quantum satis, quer pela prova documental quer pela<br />
testemunhal, que exerceram e exercem a posse sobre a gleba e área individualiza<strong>da</strong>s<br />
na inicial, nelas residindo com suas famílias, de forma contínua e pacífi ca,<br />
por todos aqueles anos, não bastassem os precários títulos que alguns exibem, e<br />
que não são proprietários de um imóvel, positivando o atendimento de todos os<br />
requisitos <strong>da</strong> usucapião especial constitucional. De outro lado, a alegação <strong>da</strong> ré de<br />
que a posse dos moradores <strong>da</strong> Vila Manchete é ilegítima, ou que provém de atos<br />
de raposia, não encontra qualquer respaldo nos autos, sendo pública e notória a<br />
existência <strong>da</strong>quela comuni<strong>da</strong>de naquelas terras desde o ano de 1980, consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
a Vila, com a precária infra-estrutura que exibe, pela inércia ou aquiescência dos<br />
proprietários <strong>da</strong>s glebas.<br />
A inexistência de contrarie<strong>da</strong>de de eventuais interessados, dita contumácia,<br />
tem efeitos reforçados no vigente sistema do Código Adjetivo Civil, pois “se o réu<br />
não contestar a ação, reputar-se-ão ver<strong>da</strong>deiros os fatos afi rmados pelo autor”. A<br />
Fazen<strong>da</strong> Pública Municipal, devi<strong>da</strong>mente alerta<strong>da</strong>, demonstrou seu interesse no<br />
feito, na quali<strong>da</strong>de de senhorio direto <strong>da</strong>s terras, não pondo óbice à aquisição do<br />
domínio útil, invocando a Carta Foral de 1.537 — o texto faz parte do acervo<br />
histórico do nosso município — aquela que o então Governador Duarte Coelho,<br />
donatário <strong>da</strong> Capitania de Pernambuco ou Nova Lusitânia, deu e doou a esta<br />
sua Vila de Olin<strong>da</strong>, para o seu serviço e de todo o seu povo, moradores e povoadores”,<br />
”as cousas” que elenca — os montes e seus assentos, a ribeira do mar, to<strong>da</strong>s<br />
as fontes, todos os mangues, os varadouros — e vai por ele assina<strong>da</strong> em 12 de<br />
março de 1.537, devi<strong>da</strong>mente ”confi rma<strong>da</strong> por Provisão Régia de sua Majestade<br />
de 14 de julho de 1678”, cujo registro consta no Cartório de Imóveis de Olin<strong>da</strong>,<br />
no Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento e à fl s. 161 a 169 do Cartório do<br />
Primeiro Registro Geral de Imóveis de Olin<strong>da</strong> PE, <strong>da</strong>tado de 27 de outubro de<br />
1919. Questiona<strong>da</strong>, obteve a Carta Foral referi<strong>da</strong> incontáveis decisões favoráveis<br />
à sua pertinência e legali<strong>da</strong>de, já que o direito real que consubstancia foi ”originário<br />
de uma doação váli<strong>da</strong> do nobre Duarte Coelho, chancela<strong>da</strong> pelo Rei — de<br />
quem emanava, à época, a lei” (Dr. Artur Barbosa Maciel-Juiz Federal <strong>da</strong> 1ª<br />
Vara Pernambuco Processo Tombo 167 70). Em suma como asseverou a ilustre<br />
Promotoria de Justiça em seu judicioso Parecer: ”Consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> esta a compreensão<br />
de que a proprie<strong>da</strong>de sem função social não tem o status que antes lhe atribuía,<br />
criando o Estado meios de retirar-lhe do meio social quando não cumpra o seu<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 59
essencial caráter, destinando-a a um fi m de utili<strong>da</strong>de social, criando mecanismos<br />
que permitam a inserção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de como utili<strong>da</strong>de à comuni<strong>da</strong>de. Dentro<br />
destes meios é que vem se inserir a presente ação de usucapião coletivo”.<br />
Foram as Fazen<strong>da</strong> Públicas notifi ca<strong>da</strong>s (fl s. 74 a 76, 81, 82 e 85). A Fazen<strong>da</strong><br />
Federal manifestou seu desinteresse no feito (fl s. 95/96). A Fazen<strong>da</strong> Estadual<br />
manteve-se silente (fl s. 176). A Fazen<strong>da</strong> Municipal asseverou ser a área a usucapir<br />
grava<strong>da</strong> de enfi teuse ao Município de Olin<strong>da</strong>/PE, em razão <strong>da</strong> Carta Foral do<br />
ano de 1.537, na<strong>da</strong> opondo ao deferimento parcial do pedido, conferindo-se aos<br />
associados <strong>da</strong> autora apenas o usucapião do domínio útil (fl s. 90/91).<br />
Citados, os interessados incertos e desconhecidos não ofereceram resposta (fl s. 78<br />
e 176). Cita<strong>da</strong>, a empresa Novolin<strong>da</strong> Construtora e Incorporadora SA ofereceu<br />
Contestação (fl s. 100 a 102 e 104 a 110), arguindo, em preliminar, a nuli<strong>da</strong>de<br />
de citação, que foi devi<strong>da</strong>mente rechaça<strong>da</strong> (fl s. 113). No mérito, asseverou ser<br />
impossível o pedido, por estar à área grava<strong>da</strong> de hipoteca “em favor de instituição<br />
vincula<strong>da</strong> ao Sistema Financeiro de Habitação”, caracterizando-se crime o seu<br />
esbulho possessório; que o dispositivo legal invocado no exórdio só pode ser aplicado<br />
quando impossível identifi car os terrenos ocupados por ca<strong>da</strong> possuidor; que os<br />
“invasores” não fi zeram prova de não possuírem outro imóvel; e que a posse dos<br />
“invasores” nunca foi de boa-fé. Por tal, pugnou pela improcedência do pedido.<br />
(...)<br />
Relatados, decido.<br />
Somente as pessoas capazes de alienar e adquirir podem usucapir a proprie<strong>da</strong>de<br />
ou outro direito real, sejam elas físicas ou jurídicas. A pessoa jurídica associativa<br />
regularmente cria<strong>da</strong> reside em juízo, em representação de todos os seus afi liados,<br />
por quem o respectivo estatuto designar ou por seus diretores (Art. 17, do Código<br />
Civil), cujos atos dizem respeito ao agrupamento de associados, primando-se pela<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que os une em busca de um objetivo comum, desde que /”determinado,<br />
lícito e possível”/. Neste sentido, nos termos do Art. 12, III, <strong>da</strong> Lei nº<br />
10.257/01, é que vem a Associação dos Moradores <strong>da</strong> Vila Manchete, na quali<strong>da</strong>de<br />
de substituto processual, por seu presidente, perseguir em juízo o usucapião<br />
coletivo <strong>da</strong>s áreas descritas na exordial e delimita<strong>da</strong>s nas Plantas de fl s. 34 e 35.<br />
O usucapião é forma originária de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, ou de direitos<br />
reais susceptíveis de apropriação material, através <strong>da</strong> posse continua<strong>da</strong>, durante<br />
certo espaço de tempo, com a observância dos requisitos em lei estabelecidos. Em<br />
razão do decurso do prazo, que gera um direito em favor <strong>da</strong>quele que tem a posse<br />
<strong>da</strong> coisa e extingue o direito de ação do até então titular para reavê-la, é que se<br />
diz ter ocorrido, em relação àquele, a prescrição aquisitiva e, em relação a este,<br />
a prescrição extintiva. Os demais direitos reais susceptíveis de ser adquiridos por<br />
usucapião são o usufruto, o uso, a habitação, as servidões e a enfi teuse, este último<br />
— ain<strong>da</strong> no regime do revogado Código Civil de 1.916 — quando, por ato entre<br />
vivo ou disposição de última vontade, o proprietário atribuía a outrem o domínio<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 60
útil do imóvel, pagando o enfi teuta, a partir de então, uma pensão anual, dito<br />
foro, ao titular do domínio direto, o senhorio. A propósito, cito:<br />
/”Usucapião. Imóvel foreiro. Possibili<strong>da</strong>de de se usucapir o domínio útil. A<br />
existência <strong>da</strong> enfi teuse ou do aforamento não constituiria obstáculo ao usucapião,<br />
como bem sustentou a douta Procuradoria Geral de Justiça, desde que o domínio<br />
útil, sendo alienável, também poderia ser objeto de usucapião em razão de posse<br />
contínua e incontesta<strong>da</strong> pelo prazo fi xado na lei substantiva/”. (TJSP — 1ª CC,<br />
Ac. Unân. Ap. 87.598-1, Rel. Des. Moretzsohn de Castro).<br />
Atualmente, com a vigência <strong>da</strong> atual Constituição Republicana, tem-se destacado<br />
mais o cunho social do instituto do usucapião, através do qual — como se<br />
lhe colhe em inúmeras decisões judiciais — pode-se atingir o bem comum, pois à<br />
coletivi<strong>da</strong>de interessa que se dê à coisa usucapien<strong>da</strong> o uso a ela mais adequado,<br />
seja mediante o cultivo <strong>da</strong> terra ou sua utilização como mora<strong>da</strong>, cumprindo a<br />
proprie<strong>da</strong>de imóvel, assim, aquela função social a que se reporta o texto constitucional<br />
(Art. 170, III, e 5º, XXIII).<br />
Neste diapasão, visando fi xar o pequeno lavrador no campo, bem como atenuar<br />
os graves problemas habitacionais enfrentados pelas pessoas de poucos recursos<br />
dentro dos grandes centros urbanos, instituiu o legislador constitucional (Art.<br />
183, /caput/)/, literes: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos<br />
e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,<br />
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,<br />
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. /Tal dispositivo<br />
foi regulamentado pelo Art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.257/2001, que estabeleceu diretrizes<br />
de política urbana, repetindo aquele dispositivo <strong>da</strong> lei maior.<br />
Portanto são requisitos indispensáveis à consumação do usucapião nestes autos<br />
postulado, além <strong>da</strong> posse mansa e pacífi ca, exerci<strong>da</strong> após simples ocupação, por<br />
mais de cinco anos, que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel rural<br />
ou urbano, que to<strong>da</strong> a área usucapien<strong>da</strong> ultrapasse os 250m2 (duzentos e cinquenta<br />
metros quadrados) e que os ocupantes e/ou sua famílias, todos de baixa<br />
ren<strong>da</strong>, tenham no imóvel fi xado residência.<br />
Da exegese dos textos regulamentadores exsurge clara a intenção do legislador<br />
de estabelecer, na hipótese do Art. 10 e seus parágrafos, um condomínio especial<br />
indivisível, administrado pela maioria dos votos dos condôminos aquinhoados,<br />
pela decisão judicial, com uma fração ideal de todo o terreno usucapido, uma vez<br />
impossível a identifi cação e particularização dos espaços ocupados por ca<strong>da</strong> possuidor,<br />
como acontece nas aglomerações de casebres e comuni<strong>da</strong>des carentes outras,<br />
que crescem desordena<strong>da</strong>mente tanto no sentido horizontal como no vertical.<br />
Com estes fun<strong>da</strong>mentos de fato e de direito, julgo procedente em parte o pedido<br />
nestes autos formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA<br />
MANCHETE, para declarar apenas o domínio útil dos seus associados, aqueles<br />
elencados no Ca<strong>da</strong>stro de fl s. 36 a 64 e concomitantemente na Certidão de fl s.<br />
161 a 170v, sobre a gleba e área descritas na exordial e delimita<strong>da</strong> conforme as<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 61
plantas de fl s. 34 e 35, atribuindo a ca<strong>da</strong> um deles, como requerido, a fração ideal<br />
de 80,00m² (oitenta metros quadrados), destinando o remanescente <strong>da</strong>s áreas<br />
aos logradouros públicos, praças, postos de saúde e de segurança, escola, creche,<br />
centro comunitário e desportivo e demais obras de infra-estrutura, servindo esta<br />
Sentença de título hábil para a transcrição no Registro Geral de Imóveis e para a<br />
constituição do Condomínio Especial, acompanha<strong>da</strong> dos competentes Man<strong>da</strong>dos,<br />
como também para se fi rmar Termo de Aforamento perante a Prefeitura Municipal<br />
de Olin<strong>da</strong>/PE.<br />
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.<br />
Transita<strong>da</strong> em julgado e expedidos os man<strong>da</strong>dos, vão ao arquivo, com anotações<br />
de praxe baixa na distribuição.<br />
Olin<strong>da</strong>, PE, 31 de maio de 2005<br />
Elson Zopollaro Machado<br />
Juiz de <strong>Direito</strong>”<br />
Há inconvenientes e vantagens no regime <strong>da</strong> usucapião coletiva do Estatuto<br />
<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de?<br />
DECISÃO(ÕES).<br />
INFORMATIVO:N°0385<br />
PERÍODO: 2 A 6 DE MARÇO DE 2009<br />
USUCAPIÃO. IMÓVEL. REDE FERROVIÁRIA.<br />
Cinge-se a matéria à viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> propositura de ação de usucapião de<br />
bem imóvel pertencente à rede ferroviária. O Min. Relator entendia que,<br />
uma vez desativa<strong>da</strong> a via férrea e, consequentemente, afastado o bem de sua<br />
destinação de interesse público, o imóvel perdeu o caráter especial, motivo<br />
pelo qual passou a ter natureza de bem particular pertencente à socie<strong>da</strong>de de<br />
economia mista, portanto passível de usucapião. Mas o Min. Carlos Fernando<br />
Mathias (Juiz convocado do TRF <strong>da</strong> 1ª Região), discor<strong>da</strong>ndo do Min.<br />
Relator, entendeu tratar-se de bem incluído entre os <strong>da</strong> União, conforme<br />
o art. 1º do DL n. 9.760/1946. Além de também mencionar as Leis ns.<br />
3.115/1957 e 6.428/1977, ressaltou que a recente Lei n. 11.483/2007, com<br />
a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> ao inciso II do art. 2º pela Lei n. 11.772/2008, dispôs que<br />
os bens imóveis <strong>da</strong> extinta RFFSA fi cam transferidos para a União. Diante<br />
disso, a Turma, por maioria, conheceu do recurso <strong>da</strong> União e lhe deu provimento.<br />
REsp 242.073-SC, Rel. originário Luis Felipe Salomão, Rel. para<br />
acórdão Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF <strong>da</strong> 1ª Região),<br />
julgado em 5/3/2009.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 62
AULA 11: SOLUÇÕES PARA A AUSÊNCIA DE REGISTRO.<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Regularização fundiária. Moradia, proprie<strong>da</strong>de e ordenação urbana. Acesso<br />
à moradia e direito à ci<strong>da</strong>de.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
SAULE JR., Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Cap.<br />
2. Ed. Sérgio Antônio Fabris.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
RAMOS, Maria Helena de (Org.). Metamorfoses sociais e políticas urbanas.<br />
Textos 6, 7 e 8.<br />
LEAL, Rogério Gesta. Função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Cap. 2.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
MORADIA E DIREITO À CIDADE<br />
A proteção constitucional do direito à moradia, incorpora<strong>da</strong> no art. 6º <strong>da</strong><br />
Constituição em razão <strong>da</strong> EC nº 26/2000, tem ain<strong>da</strong> os efeitos, do ponto de<br />
vista <strong>da</strong> efi cácia direta, altamente discutíveis. Uma questão já vista diz respeito<br />
ao julgamento, pelo STF, <strong>da</strong> proteção do bem de família do fi ador. Outra<br />
questão, mais candente e de constatação mais simples, refere-se à utilização<br />
<strong>da</strong> proteção constitucional à moradia como fun<strong>da</strong>mento para a implementação<br />
de políticas urbanas, em especial a regularização fundiária.<br />
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA<br />
Cientes dos problemas registrais enfrentados no Brasil e a par <strong>da</strong> proposição<br />
de novos modelos, é necessário conhecer os programas de regularização<br />
já implantados, de modo que se compreen<strong>da</strong>m as possibili<strong>da</strong>des imediatas de<br />
solução de problemas já tenta<strong>da</strong>s.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 63
MODALIDADES DE SOLUÇÕES<br />
— Concessão de direito real de uso (o estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e seus instrumentos,<br />
MP 2.220, MP 2.92).<br />
— Concessão especial para fi ns de moradia<br />
— Superfície<br />
— Usucapião coletivo<br />
— Cessão de aforamento gratuito<br />
PROCEDIMENTOS JUDICIAIS<br />
— Ações possessórias<br />
— Ações dominiais<br />
— Ação de usucapião<br />
— Ação publiciana<br />
CASO GERADOR<br />
“ESTADO DE SANTA CATARINA. PODER JUDICIÁRIO<br />
Autos n°<br />
“A decadência de uma socie<strong>da</strong>de começa quando o homem pergunta a si<br />
próprio: ‘o que irá acontecer?’ em vez de inquirir: ‘o que posso fazer?’” (Denis<br />
de Rougemont, escritor suíço — arguto defensor <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de européia e<br />
estudioso <strong>da</strong> ocidentali<strong>da</strong>de).<br />
VISTOS, ETC.<br />
Trata-se de pedido de declaração de domínio com fulcro no art. 5º, XXII<br />
e XXIII <strong>da</strong> Constituição Federal, e artigo 10 do Provimento 37/99 <strong>da</strong> Corregedoria<br />
Geral <strong>da</strong> Justiça, formulado por MAIS DE 60 OCUPANTES, domiciliados<br />
no Bairro Vila Rica, ci<strong>da</strong>de de Chapecó-SC. Em síntese, esclarecem<br />
que são possuidores de uma área de terras com 146.209,57 m 2 há mais de<br />
20 anos sem interrupção nem oposição, sita no Bairro Vila Rica, com as<br />
confrontações noticia<strong>da</strong>s à fl . 06. Que dita área não se encontra transcrita no<br />
Ofício Imobiliário, porém é certo que tem origem em uma área de cerca de<br />
224.520 m 2 que pertencia ao casal Adelina Correia de Jesus e Estevão Machado<br />
de Jesus e registra<strong>da</strong> sob nº 1809, sendo que com o falecimento de Adelina<br />
ocorrido em 16/09/1930 realizou-se inventário julgado em 22/10/1931,<br />
com o que o viúvo meeiro Estevão passou a deter 50% <strong>da</strong> área (122.260) que<br />
foi registra<strong>da</strong> no Ofício Imobiliário sob nº 4.837, e os outros 50% couberam<br />
aos fi lhos do casal que, porém, não registraram e sequer a ca<strong>da</strong>straram no<br />
INCRA, sendo que não se têm mais notícias de seus paradeiros. Que ca<strong>da</strong><br />
herdeiro passou a vender seu quinhão hereditário de forma desordena<strong>da</strong> atra-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 64
vés de contratos particulares, com o que se originou o Loteamento Vila Rica,<br />
onde atualmente residem cerca de 140 famílias em condição irregular há déca<strong>da</strong>s,<br />
com posse de mais de 20 anos, em situação consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> e irreversível.<br />
Que desde a povoação do Vila Rica o poder público municipal vem desenvolvendo<br />
programas sócio-educativos e no ano de 1997 iniciou o programa de<br />
regularização fundiária (posto que sequer no mapa <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era localiza<strong>da</strong> a<br />
Vila Rica, não haviam ruas, nem infra-estrutura básica nem registro <strong>da</strong> área),<br />
com o que foi contratado serviço de agrimensura, abertas ruas, implementa<strong>da</strong><br />
a infra-estrutura necessária e aprovado o projeto de Loteamento pela Câmara<br />
de Vereadores. Faltou, porém, a declaração de domínio. O Município de<br />
Chapecó ingressou perante este Juízo com pedido de registro de Loteamento,<br />
julgado nos autos 018.00.003393-3, no qual determinou-se o registro junto<br />
ao CRI sob nº 59.593. O que se busca, aqui, é a declaração de domínio a<br />
ca<strong>da</strong> um dos proprietários de ca<strong>da</strong> lote do Vila Rica, ou seja, a titulação para<br />
o pleno e adequado exercício <strong>da</strong> posse.<br />
Pedem a gratui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Justiça.<br />
Juntam documentos às fl s. 22/992.<br />
Recebi<strong>da</strong> a inicial (fl . 994), sobreveio a manifestação do<br />
Ministério Público às fl s. 995/996.<br />
DECIDO.<br />
Merece imediata apreciação o pedido, vez que a matéria ventila<strong>da</strong> nos<br />
autos (seu objeto) é estritamente de direito, descabendo dilação probatória.<br />
Muito embora a manifestação contrária do digno e diligente Promotor de<br />
Justiça, Dr. Rafael de Moraes Lima, exara<strong>da</strong> às fl s. 995/996, tenho mereça<br />
deferimento o pedido. Convém destacar que o “Loteamento Vila Rica” somente<br />
surgiu “de direito” após aprova<strong>da</strong> pela Câmara Municipal de Vereadores<br />
de Chapecó a Lei nº 4.026/99 e Lei Complementar nº 86/99, com base<br />
na qual (e considerando todo o histórico <strong>da</strong>quela comuni<strong>da</strong>de) este Juízo<br />
houve por bem deferir o pedido de registro do dito Loteamento, pedido<br />
formulado pelo próprio Município de Chapecó nos autos 018.00.003393-3.<br />
Eis que assim nasceu o “Vila Rica” (muito embora, de fato, exista há várias<br />
déca<strong>da</strong>s). Importa ressaltar também que no processo antes referido o Município<br />
de Chapecó esclarece que o Loteamento constituiu-se pelos próprios<br />
ci<strong>da</strong>dãos que ocupam a área há mais de 30 anos, e que tão-somente investiu<br />
na melhoria <strong>da</strong>s condições sanitárias e ambientais gerais <strong>da</strong> população que<br />
lá reside em condições precaríssimas e onde se registrava o maior índice se<br />
mortali<strong>da</strong>de infantil do município. Lá esclareceu o Município que para tanto<br />
“foram gastos com serviços de agrimensura, implantação de infra-estrutura<br />
básica, construção de 78 kits sanitários, estação de tratamento de efl uentes<br />
e construção de 14 casas para relocar famílias de áreas de risco, cerca de<br />
R$ 170.000,00 provenientes de recursos próprios e do Orçamento Geral<br />
<strong>da</strong> União, sendo que os projetos passaram pela aprovação e fi scalização dos<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 65
órgãos municipais, estaduais e federais competentes”. Que a questão ambiental<br />
tem sido trata<strong>da</strong> com serie<strong>da</strong>de pela equipe de regularização fundiária,<br />
inclusive abrangendo educação ambiental em projetos articulados entre o<br />
Município, escola e comuni<strong>da</strong>de. O direito à proprie<strong>da</strong>de é garantia constitucional,<br />
consoante dita o artigo 5º, XXII com a ressalva do inciso XXIII: “A<br />
proprie<strong>da</strong>de atenderá a sua função social”. Nesta perspectiva, nosso Tribunal<br />
de Justiça, através <strong>da</strong> Corregedoria-Geral, em visão humanista extraordinária<br />
editou o Provimento nº 37/99 que “Institui o Projeto ‘Lar Legal’, objetivando<br />
a regularização do parcelamento (loteamento e desmembramento) do solo<br />
urbano”, que, em seus vários e irrespondíveis considerandos, dispõe: a inviolabili<strong>da</strong>de<br />
do direito à proprie<strong>da</strong>de merece ser dimensiona<strong>da</strong> em harmonia<br />
com o princípio de sua função social; a função do <strong>Direito</strong> não se restringe à<br />
solução de confl itos de interesse e busca de segurança jurídica, mas em criar<br />
condições para a valorização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e promover a justiça social; as leis<br />
visam a proteção dos adquirentes de imóveis; a Constituição Federal não<br />
garante apenas o acesso à posse, mas a decorrente e imprescindível titulação;<br />
que os fracionamentos, mesmo quando não planejados ou autorizados administrativamente,<br />
geram em muitas hipóteses fatos consoli<strong>da</strong>dos e irreversíveis;<br />
o art. 18, § 4º, <strong>da</strong> Lei 6.766/79 dispensa o título de proprie<strong>da</strong>de para<br />
efeito de registro do parcelamento, que pode inclusive ser posteriormente<br />
justifi cado em juízo; que eventual irregulari<strong>da</strong>de no registro pode ser alvo de<br />
ação própria para fi ns de anulação, em processo contencioso (art. 216 <strong>da</strong> Lei<br />
6.015/73); que os municípios necessitam regularizar a ocupação <strong>da</strong>s áreas<br />
situa<strong>da</strong>s em seu perímetro urbano ou periferia, preservando o meio ambiente,<br />
e permitindo a realização de obras de infra-estrutura compatíveis com as<br />
exigências <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana. Este provimento regulou o procedimento<br />
a ser adotado, de forma simplifi ca<strong>da</strong>, permitindo o registro, especialmente<br />
em situações consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, estas que defi ne como “aquelas em que o prazo<br />
de ocupação <strong>da</strong> área, a natureza <strong>da</strong>s edifi cações existentes, a localização <strong>da</strong>s<br />
vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis,<br />
urbanos ou comunitárias, dentre outras situações peculiares, indique a irreversibili<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> posse titula<strong>da</strong> que induza ao domínio” (§ 1º do art. 3º, do<br />
Provimento). Para estabelecer no § 2º que “Na aferição <strong>da</strong> situação jurídica<br />
consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>, valorizar-se-ão quaisquer documentos provenientes do Poder<br />
Público, em especial o Município”. Encontra-se nos autos a prova do registro<br />
do Loteamento, com suas descrições e características (fl s. 39/47; matrícula<br />
59.593), onde se constata inclusive a reserva de área de ruas (27.944,55) e de<br />
área institucional (6.546,01). Vide, a propósito, fl . 39. [...] Neste momento,<br />
o Judiciário não pode abrir mão do dever que emana de seu poder, atuando<br />
com desassombro, em intervenção consciente (como menciona Mario Sérgio<br />
Cortella, fi lósofo, professor PUC/SP) sem o sorrateiro entorpecimento que<br />
acomete a muitos e que aniquila pouco a pouco a capaci<strong>da</strong>de de reagir e<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 66
apontar como fora de lugar muitas coisas que parecem encaixar-se, sem arestas,<br />
na vi<strong>da</strong> cotidiana e que precisam ser fortemente rejeita<strong>da</strong>s, de modo que<br />
esta não dê lugar ao abatimento que apenas aguar<strong>da</strong>, em vez de buscar provocar<br />
resultados. Lembro aqui de Fernando Pessoa, para o qual “na véspera de<br />
não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas”. Tratemos o <strong>Direito</strong><br />
com esperança, porém como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode<br />
confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar.<br />
Aliás, uma <strong>da</strong>s coisas mais perniciosas que temos neste momento é o apodrecimento<br />
<strong>da</strong> esperança; em várias situações, as pessoas acham que não há mais<br />
jeito, que não há alternativa, que a vi<strong>da</strong> é assim mesmo... violência? O que<br />
posso fazer? Espero que termine... Desemprego? O que posso fazer? Espero<br />
que resolvam... Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam... Corrupção?<br />
O que posso fazer? Espero que liquidem... Isso não é esperança, é espera.<br />
Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar<br />
é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com<br />
outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo<br />
todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças. A propósito: “A simples<br />
consciência do alcance <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de jurisdicional como que habilita o magistrado<br />
a promover mu<strong>da</strong>nças, de modo a ensejar o avanço social necessário a<br />
que o País mude de fi sionomia. O juiz há de ser um ver<strong>da</strong>deiro alquimista,<br />
atualizando, ao aplicar a lei, os textos normativos, sem no entanto, colocá-los<br />
em segundo plano. Costumo ressaltar que, sendo as leis elabora<strong>da</strong>s para proporcionar<br />
o bem comum, o magistrado, diante de um confl ito de interesses,<br />
deve idealizar, em primeiro lugar, a solução mais justa e somente após ir à<br />
dogmática para buscar o respaldo indispensável a torná-la prevalecente. Ao<br />
adotar essa postura, realiza a almeja<strong>da</strong> justiça e, aí, atende aos anseios sociais”<br />
(Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, Presidente do Supremo Tribunal<br />
Federal — in “Jornal do Magistrado”, Julho/Agosto/2001, nº 65, p. 10).<br />
Dito isto, e fulcrado na lição de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia trazi<strong>da</strong> ao mundo jurídico pelo<br />
Provimento 37/99 e nos incisos XXII e XXIII do artigo 5º <strong>da</strong> Constituição<br />
<strong>da</strong> República Federativa do Brasil, DEFIRO O PEDIDO INICIAL, para<br />
que se extraia em favor dos requerentes Carta de Sentença que lhes permita<br />
a transcrição imobiliária nos exatos termos de fl s. 08/17, devendo o Ofício<br />
Imobiliário promover a abertura de matrícula individualiza<strong>da</strong> para ca<strong>da</strong> um<br />
dos lotes em questão, evitando assim condomínio indesejado. A teor do que<br />
dispõe o artigo 14 do Provimento 37/99, ressalvo que o máximo dos emolumentos<br />
a ser cobrado pela abertura <strong>da</strong> matrícula e o primeiro registro será de<br />
R$ 20,00 (vinte reais), e que na forma do artigo 15 do mesmo Provimento<br />
fi ca dispensado o recolhimento de valor ao Fundo de Reaparelhamento <strong>da</strong><br />
Justiça.<br />
Sem custas, porquanto defi ro a gratui<strong>da</strong>de.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 67
Ofi cie-se, para conhecimento, à secretaria de habitação do município, inclusive<br />
para que promova as anotações necessárias junto ao setor de ca<strong>da</strong>stro<br />
de imóveis do município (com o ofício, cópia desta sentença e de fl s. 08/17).<br />
P.R.I.<br />
Chapecó, 15 de Novembro de 2001.<br />
Selso de Oliveira<br />
Juiz de <strong>Direito</strong>”<br />
Pode ser reconhecido judicialmente o pedido de regularização sem que haja<br />
suporte legislativo para tanto? E as normas aplicáveis à usucapião coletiva?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 68
AULA 12: ESTATUTO DA CIDADE<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Instrumentos de intervenção urbanística. Limitações<br />
à proprie<strong>da</strong>de e à ordenação urbana. Questões <strong>da</strong> ordenação urbana do Rio<br />
de Janeiro. LUPOS. Plano Diretor.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
CARDOSO, A<strong>da</strong>lto Lúcio. Reforma Urbana e planos diretores: avaliação <strong>da</strong><br />
experiência recente.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
SAULE, N. Efi cácia dos planos diretores. In: SILVA, Cátia Antônia <strong>da</strong> (Org).<br />
Metropole: governo, socie<strong>da</strong>de e território. Cap 7.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
ESTATUTO DA CIDADE<br />
O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, Lei nº 10.257/2001, traça políticas gerais para a<br />
ordenação do espaço urbano, <strong>da</strong>ndo cumprimento ao man<strong>da</strong>mento contido<br />
no art. 182 <strong>da</strong> Constituição. To<strong>da</strong>via, a aplicação dos instrumentos de<br />
intervenção urbanística 24 vem se mostrando pouco subsistente, por razões<br />
políticas e jurídicas.<br />
Texto: “Competências constitucionais dos entes federativos sobre a política urbana”<br />
O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de dispõe, no seu artigo 3°, as competências <strong>da</strong> União<br />
sobre a política urbana com base na repartição <strong>da</strong>s competências constitucionais<br />
sobre essa política atribuí<strong>da</strong> aos entes federativos. A Federação Brasileira<br />
tem como característica fun<strong>da</strong>mental a defi nição <strong>da</strong>s funções e dos deveres<br />
<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des federa<strong>da</strong>s, direcionados para assegurar os direitos e garantias<br />
fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s pessoas, por meio <strong>da</strong> implementação de políticas públicas<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
24 Art. 4º do Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de.<br />
FGV DIREITO RIO 69
que aten<strong>da</strong>m os objetivos fun<strong>da</strong>mentais de promover a justiça social, erradicar<br />
a pobreza e reduzir as desigual<strong>da</strong>des sociais, tornar plena a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a<br />
digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana. A Constituição tornou exigência a formação<br />
do sistema de normas de direito urbanístico, que deve ser composto pelas<br />
normas constitucionais referentes à política urbana, lei federal de desenvolvimento<br />
urbano, o conjunto de normas sobre a política urbana estabeleci<strong>da</strong>s<br />
nas Constituições dos Estados, lei estadual de política urbana e a legislação<br />
estadual urbanística, e o conjunto de normas municipais referentes à política<br />
urbana estabeleci<strong>da</strong>s nas Leis Orgânicas dos Municípios, no Plano Diretor<br />
e na legislação municipal urbanística. A União, de acordo com o artigo 21,<br />
inciso XX, tem a competência para estabelecer as diretrizes para a habitação,<br />
saneamento básico e transportes urbanos. Com base no artigo 24, inciso I, a<br />
União, no âmbito <strong>da</strong> competência concorrente sobre direito urbanístico, tem<br />
como atribuição estabelecer as normas gerais de direito urbanístico por meio<br />
<strong>da</strong> lei federal de desenvolvimento urbano. Essa lei deve conter as diretrizes de<br />
desenvolvimento urbano, os objetivos <strong>da</strong> política urbana nacional, a regulamentação<br />
dos artigos 182 e 183 <strong>da</strong> Constituição e instituir os instrumentos<br />
urbanísticos e o sistema de gestão desta política. A União tem ain<strong>da</strong> a competência<br />
privativa de acordo com o artigo 21, inciso IX <strong>da</strong> Constituição, para<br />
elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e<br />
de desenvolvimento econômico e social. De acordo com o § 4° do art. 182, a<br />
lei federal de desenvolvimento urbano é necessária para a regulamentação dos<br />
instrumentos urbanísticos do parcelamento ou edifi cação compulsórios, do<br />
imposto sobre a proprie<strong>da</strong>de predial e territorial urbanos progressivo no tempo,<br />
e a desapropriação para fi ns de reforma urbana; que devem ser aplicados<br />
pelo Município para garantir o cumprimento <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
urbana com base no Plano Diretor. O Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de é a lei federal de<br />
desenvolvimento urbano exigi<strong>da</strong> constitucionalmente, que regulamenta os<br />
instrumentos de política urbana que devem ser aplicados pela União, Estados<br />
e especialmente pelos Municípios. Os Estados, com base na competência<br />
concorrente com a União, podem editar uma lei estadual de política urbana<br />
na ausência de lei federal. O Estado pode editar normas gerais de direito urbanístico,<br />
na ausência <strong>da</strong> lei federal visando a capacitar os Municípios para<br />
a execução <strong>da</strong> política urbana municipal. Essas normas gerais terão sua efi -<br />
cácia suspensa se fi carem em desacordo com as normas gerais estabeleci<strong>da</strong>s<br />
pela União por meio <strong>da</strong> lei federal de desenvolvimento urbano, com base no<br />
artigo 24, parágrafo 4º <strong>da</strong> Constituição. Os Estados podem editar uma lei<br />
estadual de política urbana, de modo a aplicar essas políticas de forma integra<strong>da</strong><br />
com seus Municípios. Aos Estados cabe instituir um sistema de política<br />
urbana metropolitana com organismos e instrumentos próprios, cuja política<br />
deve ser destina<strong>da</strong> em especial para as áreas metropolitanas. Com relação ao<br />
Município, a Constituição atribui a competência privativa para legislar sobre<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 70
assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no<br />
que couber, e de promover, no que couber adequado ordenamento territorial,<br />
mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e <strong>da</strong> ocupação do<br />
solo urbano, de acordo com o artigo 30, incisos I, II, e VIII. O Município,<br />
com base no artigo 182 e no princípio <strong>da</strong> preponderância do interesse, é o<br />
principal ente federativo responsável em promover a política urbana de modo<br />
a ordenar o pleno desenvolvimento <strong>da</strong>s funções sociais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, de garantir<br />
o bem-estar de seus habitantes e de garantir que a proprie<strong>da</strong>de urbana cumpra<br />
sua função social, de acordo com os critérios e instrumentos estabelecidos<br />
no Plano Diretor, defi nido constitucionalmente como o instrumento básico<br />
<strong>da</strong> política urbana. 25<br />
Como se pode imaginar há uma série de confl itos administrativos decorrentes<br />
dessa superposição de competências.<br />
Possíveis instrumentos de intervenção urbanística<br />
“Art. 4º. Para os fi ns desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:<br />
I — planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de<br />
desenvolvimento econômico e social;<br />
II — planejamento <strong>da</strong>s regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;<br />
III — planejamento municipal, em especial:<br />
a) plano diretor;<br />
b) disciplina do parcelamento, do uso e <strong>da</strong> ocupação do solo;<br />
c) zoneamento ambiental;<br />
d) plano plurianual;<br />
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;<br />
f) gestão orçamentária participativa;<br />
g) planos, programas e projetos setoriais;<br />
h) planos de desenvolvimento econômico e social;<br />
IV — institutos tributários e fi nanceiros:<br />
a) imposto sobre a proprie<strong>da</strong>de predial e territorial urbana — IPTU;<br />
b) contribuição de melhoria;<br />
c) incentivos e benefícios fi scais e fi nanceiros;<br />
V — institutos jurídicos e políticos:<br />
a) desapropriação;<br />
b) servidão administrativa;<br />
c) limitações administrativas;<br />
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;<br />
e) instituição de uni<strong>da</strong>des de conservação;<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
25 Retirado do Guia do Estatuto <strong>da</strong><br />
Ci<strong>da</strong>de, em http://www.ci<strong>da</strong>des.gov.<br />
br//index.php?option=content&task<br />
=category&id=590.<br />
FGV DIREITO RIO 71
f) instituição de zonas especiais de interesse social;<br />
g) concessão de direito real de uso;<br />
h) concessão de uso especial para fi ns de moradia;<br />
i) parcelamento, edifi cação ou utilização compulsórios;<br />
j) usucapião especial de imóvel urbano;<br />
l) direito de superfície;<br />
m) direito de preempção;<br />
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;<br />
o) transferência do direito de construir;<br />
p) operações urbanas consorcia<strong>da</strong>s;<br />
q) regularização fundiária;<br />
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comuni<strong>da</strong>des e grupos sociais<br />
menos favorecidos;<br />
s) referendo popular e plebiscito;<br />
t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela<br />
Medi<strong>da</strong> Provisória nº 459, de 2009)<br />
u) legitimação de posse. (Incluído pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 459, de 2009)<br />
t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela<br />
Lei nº 11.977, de 2009)<br />
u) legitimação de posse. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)<br />
VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto<br />
de vizinhança (EIV).<br />
§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que<br />
lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.<br />
§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,<br />
desenvolvidos por órgãos ou enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Administração Pública com atuação<br />
específi ca nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá<br />
ser contrata<strong>da</strong> coletivamente.<br />
§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que deman<strong>da</strong>m dispêndio de<br />
recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle<br />
social, garanti<strong>da</strong> a participação de comuni<strong>da</strong>des, movimentos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de civil.<br />
VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto<br />
de vizinhança (EIV).”<br />
Os instrumentos acima, determina<strong>da</strong>s a conveniência e a oportuni<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> atuação <strong>da</strong> administração pública, podem ser utilizados separa<strong>da</strong>mente ou<br />
combinados.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 72
O plano diretor dos municípios<br />
A política urbana deverá seguir as diretrizes determina<strong>da</strong>s pelo Plano Diretor,<br />
o qual é obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes e<br />
tem natureza de Lei. Ele traçará os objetivos gerais para o desenvolvimento<br />
municipal em médio prazo, geralmente dez anos, estando sujeito a reavaliações<br />
periódicas.<br />
No Rio de Janeiro, o Plano Diretor consiste na Lei nº 11/2011.<br />
A Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano (LUPOS)<br />
A LUPOS existe, em geral, nas ci<strong>da</strong>des que não possuem plano diretor,<br />
ou por ausência de obrigatorie<strong>da</strong>de ou por descumprimento do man<strong>da</strong>mus<br />
constitucional.<br />
As áreas de proteção ambiental e do ambiente cultural (APAs E APACs)<br />
As APAs são áreas com restrições urbanísticas especiais, para fi ns de preservação<br />
ambiental, instituí<strong>da</strong>s por Lei. Nas APACs, o que se busca é a proteção<br />
de um entorno cultural. Não é exclusivi<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro, mas é este o<br />
município que tem se notabilizado pela sua implementação.<br />
Texto: “Memória e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>”<br />
A Prefeitura do Rio vem trabalhando para aperfeiçoar as Áreas de Proteção<br />
do Ambiente Cultural (APACs) como forma de contribuir para a formação<br />
<strong>da</strong> memória de uma ci<strong>da</strong>de moderna.<br />
A sigla APAC — que o uso constante em discussões e notícias na mídia<br />
já transformou, na prática, em substantivo — signifi ca que o olhar do<br />
Patrimônio Cultural não está focado apenas nos prédios e monumentos<br />
notáveis de nossa história (ver bens tombados), mas também na preservação<br />
de conjuntos urbanos representativos <strong>da</strong>s diversas fases de ocupação<br />
de nossa ci<strong>da</strong>de.<br />
Na formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural urbana entra uma complexa série de<br />
ingredientes que tornam ca<strong>da</strong> bairro único e familiar aos seus moradores e<br />
frequentadores Preservar esse ambiente, sua paisagem e fi sionomia aproximam<br />
o Patrimônio do cotidiano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de seus habitantes. E<br />
representa a parceria do poder público com a comuni<strong>da</strong>de — que em diversas<br />
ocasiões inicia o processo de discussão e reivindica proteção <strong>da</strong> memória<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 73
edifi ca<strong>da</strong> de seu bairro — para a manutenção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e à participação<br />
no planejamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />
APAC, a preservação ganha valor em conjunto<br />
Numa APAC, independente do valor individual deste ou <strong>da</strong>quele imóvel,<br />
o que importa é o valor de conjunto. A proposta de proteção de uma área é<br />
precedi<strong>da</strong> de um estudo <strong>da</strong> evolução urbana do lugar, mapeando sua forma<br />
de ocupação e seu patrimônio edifi cado, bem como as relações que os imóveis,<br />
logradouros e ativi<strong>da</strong>des ali desenvolvi<strong>da</strong>s estabelecem entre si.<br />
A partir <strong>da</strong>í, os elementos de composição são inventariados, ca<strong>da</strong>strados<br />
e classifi cados como tombados, preservados ou tutelados. Os bens de valor<br />
excepcional são tombados; os que são caracterizadores do conjunto são preservados;<br />
e os demais são tutelados.<br />
A APAC protege conjuntos arquitetônicos que, por suas características,<br />
conferem quali<strong>da</strong>des urbanas à região, sem, contudo, impedir o seu desenvolvimento.<br />
As APACs podem variar em tamanho, desde a preservação de um conjunto<br />
de imóveis situados em uma única rua, até áreas que compreendem um<br />
ou mais bairros. Atualmente, o DGPC detém a tutela de 36 áreas urbanas<br />
protegi<strong>da</strong>s, entre APACs e áreas de proteção de entorno de bens tombados,<br />
localiza<strong>da</strong>s nas Zonas Norte, Sul, Oeste e Central <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de e que incluem<br />
cerca de 30 mil imóveis, entre bens tombados, preservados e tutelados. 27<br />
Pólos gastronômicos<br />
São áreas de utilização especial, nas quais se fomenta o terceiro setor, facilitando-se<br />
estacionamento, ampliando-se a possibili<strong>da</strong>de de funcionamento<br />
de estabelecimento dessa natureza, etc.<br />
CASO GERADOR 1<br />
Por que a APAC do Leblon?<br />
Nireu Oliveira Cavalcanti<br />
“À cerimônia de posse do novo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio<br />
Cultural do Rio de Janeiro, além dos 16 membros titulares e suplentes,<br />
estiveram presentes seu presidente, o jurista Marcelo Cerqueira, o<br />
Secretário <strong>da</strong>s Culturas, senador Arthur <strong>da</strong> Távola (responsável pela cons-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
27 http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/<br />
apac.shtm<br />
FGV DIREITO RIO 74
tituição do Conselho) e o diretor do Departamento Geral do Patrimônio<br />
Cultural, Cláudio Murilo. Dirigindo-se aos conselheiros, o Prefeito César<br />
Maia solicitou um Conselho dinâmico, operativo, responsável e, sobretudo,<br />
propositivo, voltado à ci<strong>da</strong>de como um todo.<br />
Por sua vez, o senador Arthur <strong>da</strong> Távola expressou sua visão reconhecedora<br />
<strong>da</strong> riqueza <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de cultural existente na ci<strong>da</strong>de do Rio, rebati<strong>da</strong> na<br />
singulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um de seus bairros, característica a ser impressa, com<br />
ênfase, no trabalho produzido pelo Conselho.<br />
As balizas conceituais para atuação estavam sugeri<strong>da</strong>s, assim como a disposição<br />
do Secretário e do Prefeito de reforçar os quadros técnicos dos núcleos<br />
de apoio ao trabalho do Conselho. A necessi<strong>da</strong>de de novas instalações e<br />
de equipamentos também foi reconheci<strong>da</strong>. A i<strong>da</strong> para a Casa Afonso Arinos<br />
constitui o primeiro sinal desse investimento.<br />
Motivados, os conselheiros viram-se, logo de início, frente a uma imensa<br />
pilha de processos lega<strong>da</strong> pelo Conselho anterior. Chamou a atenção de todos<br />
os mais de 20 processos referentes a pedidos de demolição de prédios no<br />
Leblon, evidenciando a ação especulativa imobiliária que estava por se instalar<br />
naquele tradicional bairro <strong>da</strong> Zona Sul <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A análise detalha<strong>da</strong> de<br />
ca<strong>da</strong> um deles sedimentou a proposta de intervenção imediata do Conselho<br />
no sentido de elaboração de uma APAC para a área, por ser o instrumento<br />
mais ágil e efi caz de que se dispunha.<br />
Não só o Leblon estava sob a ameaça de per<strong>da</strong> de parte signifi cativa de seu<br />
patrimônio ambiental e cultural. A presença <strong>da</strong> hidra destruidora movia-se,<br />
insaciável, na direção de outros bairros, de modo a exigir <strong>da</strong> administração<br />
pública urgente adoção de políticas de preservação <strong>da</strong> urbe carioca; de políticas<br />
culturais coaduna<strong>da</strong>s com as recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Declaração de Amsterdã<br />
(Congresso do patrimônio arquitetônico europeu, 1975) que aconselha<br />
ao planejamento <strong>da</strong>s áreas urbanas e ao planejamento físico-territorial<br />
acolherem as exigências <strong>da</strong> conservação do patrimônio arquitetônico e não<br />
considerá-las de uma maneira parcial, ou como um “elemento secundário”,<br />
atitude bastante comum que estampa a ausência total de diálogo entre “os<br />
conservadores e os planejadores”.<br />
Trata-se de uma visão nova que busca afi nar as ações <strong>da</strong> administração<br />
pública, no sentido de tomar os espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de não como equivalentes,<br />
mas como coisas peculiares que encerram características que lhes são próprias.<br />
Com esse olhar o Conselho debruçou-se sobre o Leblon com o fi to de<br />
aí identifi car, conforme recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Conferência Geral <strong>da</strong> UNESCO<br />
(Nairóbi, 26.11.1976) que considera como conjunto histórico ou tradicional<br />
digno de ser protegido “todo grupamento de construções e de espaços,<br />
inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um assentamento<br />
humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e<br />
valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 75
histórico, histórico, estético ou sócio-cultural”, imóveis ou trechos do bairro<br />
a serem preservados.<br />
Estão de acordo os mesmos conselheiros com as “medi<strong>da</strong>s de salvaguar<strong>da</strong>”<br />
propostas por essa mesma Conferência <strong>da</strong> UNESCO de que convém “revisar<br />
as leis relativas ao planejamento físico-territorial, ao urbanismo e à política<br />
habitacional, de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com as <strong>da</strong>s<br />
leis relativas à salvaguar<strong>da</strong> do patrimônio arquitetônico” dos diversos bairros<br />
do Rio de Janeiro.<br />
É público que muitas ci<strong>da</strong>des vêm sofrendo a pressão de grupos econômicos<br />
voltados à construção imobiliária que, sob pretexto “de expansão ou<br />
de modernização”, ignoram os valores culturais dos conjuntos arquitetônicos<br />
históricos ou tradicionais, os destroem, acarretando per<strong>da</strong>s imensas à quali<strong>da</strong>de<br />
de vi<strong>da</strong> e à identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des que neles residem.<br />
Com a APAC do Leblon, a Prefeitura do Rio deu um basta a gana demolidora<br />
que iria se instalar no bairro. Agiu o Conselho estribado nos princípios<br />
estabelecidos no “Documento do MERCOSUL” (Mar Del Plata, junho de<br />
1997), segundo o qual a plurali<strong>da</strong>de de culturas de ca<strong>da</strong> região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é<br />
fator “positivo e enriquecedor <strong>da</strong> nossa visão de mundo e do próprio desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de humana”. 28<br />
Existem razões ambientais e culturais que justifi quem a preservação sociocultural<br />
do imobiliário urbano do bairro do Leblon?<br />
AXEXO<br />
D.O. nº 93 — Segun<strong>da</strong>-feira. 30 de julho de 2001<br />
DECRETO N.º 20300 DE 27 DE JULHO DE 2001<br />
CRIA A ÁREA DE PROTEÇÃO DO AMBIENTE CULTURAL DO<br />
BAIRRO DO LEBLON VI RA. E ESTABELECE CRITÉRIOS PARA<br />
SUA PROTEÇÃO. DETERMINA O TOMBAMENTO DOS BENS QUE<br />
MENCIONA, LOCALIZADOS NO BAIRRO DO LEBLON<br />
— O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas<br />
atribuições e;<br />
CONSIDERANDO o desenho urbano, o tipo de ocupação e a quali<strong>da</strong>de<br />
de vi<strong>da</strong> que compõem a tradicional paisagem do bairro do Leblon; CONSI-<br />
DERANDO o valor dos bens aqui mencionados e sua relevância histórica e<br />
cultural; CONSIDERANDO que o Decreto nº 6. 115, de 11 de setembro<br />
de 1986, que instituiu o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) do Leblon<br />
e estabeleceu condições de uso e ocupação do solo, não é sufi ciente para<br />
salvaguar<strong>da</strong>r o bairro de ações que prejudiquem sua identi<strong>da</strong>de e ambiência;<br />
CONSIDERANDO o aperfeiçoamento dos estudos elaborados pelo Depar-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
28 http://www.armazemde<strong>da</strong>dos.rio.<br />
rj.gov.br/arquivos/100_fun<strong>da</strong>mentos%20<strong>da</strong>%20apac%20leblon.PDF.<br />
FGV DIREITO RIO 76
tamento Geral de Patrimônio Cultural <strong>da</strong> Secretaria Municipal <strong>da</strong>s Culturas,<br />
que indicaram a necessi<strong>da</strong>de de adoção de forma mais efetiva, de proteção do<br />
patrimônio cultural do bairro; CONSIDERANDO o que consta no processo<br />
nº 12/002.378/2001; CONSIDERANDO o pronunciamento favorável<br />
do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro;<br />
DECRETA<br />
Art. 1º — Fica cria<strong>da</strong> a Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC)<br />
do bairro do Leblon, conforme a delimitação constante no Anexo I, fi cando<br />
sob a tutela do órgão executivo de proteção do patrimônio cultural do Município.<br />
Art. 2º — Para efeito de proteção fi cam preservados os bens de relevante<br />
interesse para o patrimônio cultural do Rio de Janeiro, localizados na Área<br />
de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, listados no<br />
Anexo II, e tutelados os demais, em obediência ao artigo 131 <strong>da</strong> Lei Complementar<br />
nº 16, de 04 de junho de 1992 (Plano Diretor Decenal <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />
do Rio de Janeiro).<br />
Art. 3º — Ficam tombados defi nitivamente, nos termos do artigo 4º <strong>da</strong><br />
Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do<br />
Leblon — VI RA.: — Esca<strong>da</strong>ria no fi nal <strong>da</strong> Rua General Urquiza que dá<br />
acesso para a Rua Capitão César de Andrade; — Jardim de Alah, inclusive<br />
as praças Almirante Sal<strong>da</strong>nha <strong>da</strong> Gama, Grécia e Poeta Gibran; — Praça<br />
Atahualpa e as pontes sobre o canal <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Visconde de Albuquerque.<br />
Art. 4º — Ficam tombados provisoriamente, nos termos do artigo 5º <strong>da</strong><br />
Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do<br />
Leblon — VI RA.: — Aveni<strong>da</strong> Ataulfo de Paiva, 391/397 e Rua Carlos Góes,<br />
64 (Cinema Leblon); — Aveni<strong>da</strong> Borges de Medeiros, 701 (Clube Monte<br />
Líbano); — Aveni<strong>da</strong> Niemeyer, 2 (facha<strong>da</strong> do Hotel Leblon); — Praça Belfort<br />
Vieira, 6; — Praça Baden Powell, 862; — Rua Almirante Guilhem, 421<br />
(Prédio <strong>da</strong> CEG).<br />
Art. 5º — Quaisquer obras ou intervenções a serem executa<strong>da</strong>s nos referidos<br />
bens devem ser previamente aprova<strong>da</strong>s pelo Conselho Municipal de<br />
Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro.<br />
Art. 6º — Ficam incluídos no tombamento dos referidos bens: a volumetria,<br />
a cobertura, os elementos arquitetônicos e decorativos originais <strong>da</strong><br />
tipologia estilística <strong>da</strong>(s) facha<strong>da</strong>(s), os materiais de acabamento, os vãos, as<br />
esquadrias, além dos demais aspectos físicos relevantes para sua integri<strong>da</strong>de.<br />
Art. 7º — Os bens preservados não podem ser demolidos, podendo sofrer<br />
pequenas intervenções para a<strong>da</strong>ptação ou reciclagem, respeitando a volumetria<br />
básica, a linguagem estilística e os elementos construtivos originais, sempre<br />
com orientação do órgão de tutela.<br />
Parágrafo único — É permitido modifi car o interior <strong>da</strong>s edifi cações preserva<strong>da</strong>s,<br />
desde que seja garanti<strong>da</strong> a integri<strong>da</strong>de físico-funcional <strong>da</strong>(s) facha<strong>da</strong>(s).<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 77
Art. 8º — Quaisquer obras ou intervenções a serem realiza<strong>da</strong>s nos limites<br />
<strong>da</strong> Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon,<br />
inclusive nos espaços públicos, devem ser previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão<br />
de tutela.<br />
Parágrafo Único — Para o licenciamento de pintura ou quaisquer outros<br />
reparos em bens tombados ou preservados para os quais não é exigi<strong>da</strong> a apresentação<br />
de projeto, é obrigatória a apresentação de fotografi a do imóvel no<br />
tamanho mínimo de 9 cm (nove centímetros) por 12 cm (doze centímetros)<br />
e o esquema com as intervenções a serem feitas.<br />
Art. 9º — Os bens tutelados podem ser modifi cados ou demolidos, desde<br />
que as alterações ou as novas construções sejam compatíveis com o conjunto<br />
urbanístico preservado e previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão de tutela.<br />
Art. 10 — Em caso de sinistro, demolição não autoriza<strong>da</strong> ou obras que<br />
resultem em descaracterizações do bem tombado ou preservado, o órgão de<br />
tutela pode estabelecer a obrigatorie<strong>da</strong>de de reconstrução ou recomposição<br />
do bem, reproduzindo suas características originais, conforme o previsto no<br />
artigo 133 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 16 de 4 de junho de 1992 (Plano Diretor<br />
<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro).<br />
Parágrafo Único — As novas construções e os acréscimos em edifi cações<br />
tutela<strong>da</strong>s situa<strong>da</strong>s dentro dos limites <strong>da</strong> Área de Proteção do Ambiente Cultural<br />
(APAC) do bairro do Leblon terão altura máxima compatível com as<br />
edifi cações tomba<strong>da</strong>s e preserva<strong>da</strong>s e em nenhuma hipótese ultrapassarão as<br />
alturas previstas no Decreto nº 6. 115/86.<br />
Art. 11 — A colocação de letreiros, anúncios, engenhos de publici<strong>da</strong>de ou<br />
toldos, nos bens situados na Área de proteção do Ambiente Cultural (APAC)<br />
do bairro do Leblon, assim como qualquer intervenção urbanística, colocação<br />
de mobiliário urbano ou monumentos nos limites <strong>da</strong> mesma deverão ser<br />
previamente aprova<strong>da</strong>s pelo órgão de tutela.<br />
Art. 12 — Para obtenção dos benefícios previstos no Decreto nº 6.403/86<br />
para bens tombados e preservados, será considera<strong>da</strong> a edifi cação inteira, inclusive<br />
quando for constituí<strong>da</strong> por mais de uma uni<strong>da</strong>de com numerações<br />
diferentes.<br />
Art. 13 — Observa<strong>da</strong> a legislação reguladora <strong>da</strong> espécie, poderá ser admissível<br />
a transferência do direito correspondente ao complemento não utilizado<br />
<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de construtiva prevista no Decreto nº 6.115, de 11 de setembro<br />
de 1986, vincula<strong>da</strong> aos bens tombados e preservados por este decreto, a ser<br />
exercido nos limites do bairro do Leblon.<br />
Art. 14 — Este Decreto entra em vigor na <strong>da</strong>ta de sua publicação.”<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 78
AULA 13: DIREITO DE VIZINHANÇA<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
<strong>Direito</strong> de vizinhança. Cláusula geral de proteção <strong>da</strong> vizinhança. Situações<br />
tipicamente lista<strong>da</strong>s no Código Civil. Ações para a proteção <strong>da</strong> incolumi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> vizinhança.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
DANTAS JR., Aldemiro Rezende. O direito de vizinhança, p. 52-80. Ed.<br />
Forense.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
DANTAS, Aldemiro Rezende, cap. 7.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
DIREITO DE VIZINHANÇA<br />
São as regras relativas às proprie<strong>da</strong>des imóveis contíguas, que buscam a<br />
composição de interesses entre o exercício de poderes proprietários e a preservação<br />
do conteúdo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de vizinha. Fun<strong>da</strong>m-se na ve<strong>da</strong>ção ao abuso<br />
de direito e na função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />
Uso nocivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de: cláusula geral<br />
Arts. 1.277 a 1.281 do Código Civil<br />
Critérios de aplicação <strong>da</strong>s normas dos artigos citados: anteriori<strong>da</strong>de, utilização<br />
do bem e confi guração do abuso de direito.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 79
REGULAÇÃO IN CONCRETU<br />
— Árvores limítrofes<br />
— Passagem força<strong>da</strong><br />
— Limites<br />
— <strong>Direito</strong> de construir<br />
— Tapagem<br />
SITUAÇÕES NÃO REGULADAS PELAS NORMAS TÍPICAS<br />
— Poluição visual<br />
— Poluição sonora<br />
— Animais<br />
— Odores<br />
— Etc.<br />
AÇÕES ENVOLVENDO DIREITO DE VIZINHANÇA<br />
— Ação de <strong>da</strong>no infecto<br />
— Ação de nunciação de obra nova<br />
— Tutela específi ca <strong>da</strong>s obrigações de não fazer e tutela inibitória<br />
Texto: “Problemas de vizinhos”<br />
<strong>Direito</strong> de proprie<strong>da</strong>de vigora sob ótica <strong>da</strong> função social<br />
Por Gisele Leite<br />
Os direitos de vizinhança são previsões legais que têm por objeto regulamentar<br />
a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real<br />
sobre imóveis, tendo em vista a proximi<strong>da</strong>de geográfi ca entre os prédios ou<br />
entre apartamentos num condomínio de edifícios.<br />
Os prédios não precisam necessariamente ser contíguos ou vicinais, porém<br />
a ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> possa de alguma forma repercutir em outro prédio. Para<br />
efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva será reputado vizinho, independentemente<br />
de confrontar com o prédio ou não.<br />
Os direitos de vizinhança são criados por lei e não visam aumentar a utili<strong>da</strong>de<br />
do prédio, mas sim reputados necessários para a coexistência pacífi ca<br />
entre os vizinhos. Estas duas características distinguem o direito de vizinhança<br />
do direito real sobre coisa alheia denominado de servidão predial, cuja regulamentação<br />
se encontra nos artigos 1.378 até 1.389 do Código Civil de 2002.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 80
O direito de preservação <strong>da</strong> pessoa contra a utilização <strong>da</strong> posse ou <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
alheia de modo a não causar <strong>da</strong>no à segurança ou sossego ou a saúde<br />
é exercido ain<strong>da</strong> em caráter de reciproci<strong>da</strong>de.<br />
É sabido que o uso regular de um direito reconhecido não constitui ato<br />
ilícito, conforme se verifi ca <strong>da</strong> análise do artigo 188, I do C.C.<br />
Desta forma, o exercício irregular de um direito enseja o ato ilícito denominado<br />
tecnicamente de abuso de direito. Alguns doutrinadores apontam<br />
que o abuso de direito, a priori não se revela como ilícito, mas com o tempo<br />
e, por infringir a esfera jurídica de outrem, passa a se confi gurara como ato<br />
ilícito.<br />
Abusa do direito de proprie<strong>da</strong>de de imóvel quem a utiliza nocivamente,<br />
pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos donos dos<br />
prédios vizinhos. Portanto, defi ne-se o uso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de conforme prevê<br />
o artigo 1.228 do CC privilegiando sua função social com efetivo interesse<br />
do proprietário ou a sua comodi<strong>da</strong>de e, nunca sendo utiliza<strong>da</strong> como instrumento<br />
de vingança, capricho ou com o fi to de perturbar ou causar <strong>da</strong>no a<br />
outrem.<br />
É abuso de direito, por exemplo, construir muro altíssimo apenas para<br />
fazer sombra sobre o prédio vizinho ou para atrapalhar a navegação aérea; ou<br />
construir um poço profundo para suprimir as águas dos demais adquirentes<br />
do lote, ou não permitir a passagem força<strong>da</strong> para o proprietário que necessite<br />
escoar sua produção agrícola, encontrando-se a estra<strong>da</strong> pública em péssimas<br />
condições, entre outros comportamentos igualmente reprováveis.<br />
To<strong>da</strong>via, há casos que se tem que tolerar as interferências à proprie<strong>da</strong>de<br />
em razão do interesse público (artigo 1.1278 CC) podendo requerer a qualquer<br />
tempo a redução ou a própria cessação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de considera<strong>da</strong> como<br />
nociva, basta que se prove que tal fato não traria prejuízo à ativi<strong>da</strong>de em prol<br />
do interesse público.<br />
O direito de vizinhança é uma restrição ou limitação ao direito de proprie<strong>da</strong>de<br />
em benefício do direito privado. San Tiago Dantas preleciona: “para<br />
que haja confl ito de vizinhança é sempre necessário que um ato praticado<br />
pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer<br />
seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel<br />
ou incômodos ao seu morador”.<br />
O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de nessa seara não se esteia na culpa e assenta-se<br />
efetivamente na responsabili<strong>da</strong>de objetiva. Assim, se o ato praticado<br />
no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e <strong>da</strong>noso ao outro, impõese<br />
o dever de remover o mal causado ou indenizar o <strong>da</strong>no experimentado, a<br />
exemplo <strong>da</strong> construção de um imóvel em terreno contíguo, cujo sistema de<br />
estaqueamento cause trincas, fi ssuras, rachaduras no imóvel vizinho.<br />
Atenção. Imóveis vizinhos não são apenas os confi nantes, mas também<br />
os que se localizam nas proximi<strong>da</strong>des desde que o ato praticado por alguém<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 81
em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando<br />
incômodo ou prejuízo ao seu ocupante.<br />
Compreende o direito de vizinhança: o uso anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de; as<br />
árvores limítrofes; a passagem de cabos e tubulações, as águas, os limites entre<br />
prédios, o direito de tapagem e o direito de construir (artigos 1.277 ao 1.313<br />
do CC de 2002).<br />
Procura a lei coibir o uso anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de lançando mão por vezes<br />
<strong>da</strong> chama<strong>da</strong> tutela inibitória que impõe ao réu (proprietário-infrator) condenado<br />
uma obrigação de não-fazer, ou ain<strong>da</strong>, uma multa cominatória (astreinte).<br />
Aponta a doutrina alguns critérios seguros para efeito de composição dos<br />
confl itos. São eles: a pré-ocupação, a natureza <strong>da</strong> utilização, a localização do<br />
prédio, as normas relativas às edifi cações e os limites de tolerância dos moradores<br />
vizinhos. É óbvio que entre um mero detentor e um proprietário, esse<br />
último goza de maiores prerrogativas legais para impor o respeito ao direito<br />
de vizinhança.<br />
A pré-ocupação ou precedência signifi ca que ao analisar o confl ito, o juiz<br />
verifi cando qual dos vizinhos se instalou antes no local. Analisará, ipso facto,<br />
se houve inclusive a intenção <strong>da</strong>nosa.<br />
Com isso, se alguém fi xa residência nas imediações de uma fábrica em<br />
zona industrial, e sabi<strong>da</strong>mente reconhece de antemão tais condições, não<br />
lídimo reclamar <strong>da</strong>s condições ambientais do local. Assim, havendo confl ito<br />
de vizinhança, o juiz não se limitará a analisar apenas a pré-ocupação, mas<br />
igualmente outros elementos para melhor formar seu convencimento.<br />
O barulho é sem dúvi<strong>da</strong> um dos motivos corriqueiros de atritos entre<br />
vizinhos e há até engenheiros e ambientalistas que fornecem uma tabela<br />
contendo os níveis de ruídos em decibéis, e só a guisa de curiosi<strong>da</strong>de, uma<br />
ban<strong>da</strong> de rock em geral produz 110 dB enquanto que a decolagem de um<br />
jato a 100 metros de distância produz 125 dB; (nesse sentido o TJ-RS, 18ª<br />
Câmara Cível, relator André Luiz Planella Villarinho, decidiu no processo<br />
70.003.573.029 que os ensaios <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> de rock estão proibidos em uma<br />
residência de Pelotas, por incomo<strong>da</strong>r os vizinhos).<br />
O critério basilar a ser adotado para a composição do confl ito é o de uso<br />
normal em confronto com o uso anormal. Mas a questão é complexa e subjetiva,<br />
pois não há marco divisório nítido entre a normali<strong>da</strong>de e anormali<strong>da</strong>de.<br />
E devem ser levados a termo, o fator objetivo que é o ato causador do confl ito<br />
e, o outro fato subjetivo, concernente à pessoa que se vê prejudica<strong>da</strong>.<br />
É certo que, para se viver em socie<strong>da</strong>de, é mesmo preciso reconhecer limites<br />
e tolerar e o ponto de equilíbrio nem sempre é fácil de alcançar. A<br />
jurisprudência tem procurado fi xar remos capazes de aferir a normali<strong>da</strong>de no<br />
uso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de:<br />
“A utilização indevi<strong>da</strong> de apartamento em edifício estritamente residencial<br />
como escritório de empresa ou mesmo de ativi<strong>da</strong>de profi ssional pelo locatá-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 82
io importa em uso nocivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por prejudicar a segurança e, sobretudo,<br />
o sossego de moradores dos demais apartamentos” (RT 708:159).<br />
“A responsabili<strong>da</strong>de civil pelos <strong>da</strong>nos de vizinhança é objetiva, conduzindo<br />
a obrigação de indenizar independentemente <strong>da</strong> existência de culpa, se <strong>da</strong><br />
atuação nociva do agente resultar <strong>da</strong>no efetivo. É necessária a comprovação<br />
de nexo causal entre a ação do vizinho e o <strong>da</strong>no sofrido pelo outro como pressuposto<br />
essencial para caracterização do dever de indenizar recaindo o ônus<br />
<strong>da</strong> prova, tratando-se se de ação de indenização ao autor” (TA/MG, Ap. Civ.<br />
259 054-3, relatora Desa. Jurema Brasil, DJ 1.7.98).<br />
Recentemente, a cantora Simone recebeu do STJ a confi rmação <strong>da</strong>s decisões<br />
de primeira e segun<strong>da</strong> instâncias que obrigaram sua vizinha, a ambientalista<br />
Fernan<strong>da</strong> Colagrossi, a retirar de seu apartamento os 25 cães que lá<br />
mantinha. Pela mesma decisão, Fernan<strong>da</strong> poderia manter apenas três cães no<br />
imóvel, é a decisão toma<strong>da</strong> unanimemente pela 3ª Turma do STJ e põe fi m a<br />
lide que vinha sido debati<strong>da</strong> na Justiça desde 1998.<br />
A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo acima, afi rmou que a<br />
ambientalista, apesar de não ser proprietária do imóvel, é parte legítima, uma<br />
vez que a obrigação de não causar interferência prejudiciais à segurança, ao<br />
sossego e à saúde surge <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vizinho e, não de proprietário”. (Resp<br />
622.303).<br />
Vamos mormente defi nir mais amiúde alguns relevantes conceitos para<br />
o tema, como por exemplo, segurança que tem haver com solidez, estabili<strong>da</strong>de<br />
material do prédio e a incolumi<strong>da</strong>de pessoal de seus moradores. Deve<br />
ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial, como a instalação de<br />
indústria de infl amáveis e explosivos, ou uma de produtos químicos nocivos<br />
à saúde.<br />
Sossego é bem jurídico inestimável, componente dos direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de,<br />
intrinsecamente ligado ao direito à privaci<strong>da</strong>de. Não é a ausência<br />
completa de ruídos, mas a possibili<strong>da</strong>de de afastar ruídos excessivos que comprometam<br />
a incolumi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa.<br />
É direito dos moradores a uma relativa tranquili<strong>da</strong>de na qual bailes, festas,<br />
algazarras, animais e vibrações intensas provenientes de vizinhos acarretem<br />
enormes desgastes a paz do ser humano.<br />
A violação do sossego agride o equipamento psíquico do homem e deve<br />
ser encarado como ofensa ao direito à integri<strong>da</strong>de moral do homem, conceito<br />
muito próximo ao direito à intimi<strong>da</strong>de, à imagem e a incolumi<strong>da</strong>de mental.<br />
Afora os <strong>da</strong>nos extrapatrimoniais, os ruídos impedem o repouso, acabando<br />
por comprometer a saúde e a própria segurança do indivíduo.<br />
O artigo 1.277 do Código Civil possui rol taxativo (numerus clausus) e não<br />
admite interpretação extensiva. Desta forma, se as interferências prejudiciais<br />
causa<strong>da</strong>s não repercutirem sob o trinômio (saúde — segurança — sossego) a<br />
questão extrapolará do confl ito de vizinhança.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 83
Ressalte-se que a segurança, sossego e saúde são direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de<br />
inerentes a qualquer ser humano e não apenas aos vizinhos. E o mau uso <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos (não<br />
raros classifi cados na esfera criminal como contravenções ou crimes, o mais<br />
comum o crime de <strong>da</strong>no).<br />
Atos excessivos são aqueles praticados com fi nali<strong>da</strong>des legítimas, porém,<br />
ain<strong>da</strong> assim gerando <strong>da</strong>nos anormais e injustos passíveis de indenização em<br />
sede de responsabili<strong>da</strong>de objetiva.<br />
Assim é sábia a popular parêmia: “é ve<strong>da</strong>do exercer nossos direitos com<br />
sacrifícios dos direitos alheios” ou ain<strong>da</strong> “o direito de um acaba quando começa<br />
o direito do outro”.<br />
O limite do uso normal ou anormal <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de não pode ser teorizado,<br />
o artigo 1.277 do CC disciplina a questão justamente pelas exceções.<br />
Temos também como uso anormal, o não-uso ou a subutilização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
de forma a causar confl itos de vizinhança. É o caso de imóvel usado<br />
com desídia ou legado ao abandono. Onde os vizinhos podem sofrer, dentre<br />
outras coisas, ameaças de ruína do prédio.<br />
Da mesma maneira, a postura passiva ou permissiva do titular do prédio<br />
acarreta o seu uso por terceiros para ativi<strong>da</strong>des prejudiciais a todos e mesmo<br />
ilícitas (como drogas, prostituição, depósito de entulhos, lixo tóxico, matagal,<br />
etc.) gerando insegurança e <strong>da</strong>nos à saúde e tranquili<strong>da</strong>de de todos os<br />
vizinhos.<br />
O não-uso também fere o direito urbanístico (artigo 182, parágrafo 4º,<br />
<strong>da</strong> CF) por ser ofensivo à função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de no município. Tem<br />
também a questão relativa à proteção aos prédios tombados.<br />
Destarte, a tutela a saúde e <strong>da</strong> segurança é resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos artigos 30 e<br />
38 do Decreto-Lei 3.668/41 que cui<strong>da</strong> do perigo de desabamento e <strong>da</strong> emissão<br />
de fumaça, vapores ou gases.<br />
Há um julgado (JTACSP-RT 117:43) que teve a oportuni<strong>da</strong>de de apreciar<br />
a poluição sonora produzi<strong>da</strong> por uma araponga (ave canora) cujo canto é<br />
anormal, excessivamente alto, irritante, estridente e ensurdecedor, e o fato de<br />
seu dono suportar não faz com que os demais vizinhos devam ter o mesmo<br />
comportamento compassivo.<br />
Abre exceção em prol do interesse público o artigo 1.278 do CC. Porém,<br />
não isenta ao causador dos <strong>da</strong>nos de responder por sua respectiva indenização.<br />
A questão quanto à ruína de prédio vizinho é disciplina<strong>da</strong> pelo artigo<br />
1.280 CC, e dá direito tanto ao proprietário como ao possuidor de exigir do<br />
dono do imóvel vizinho a demolição ou a reparação do prédio que ameace a<br />
ruir, bem como exigir que se preste caução por <strong>da</strong>no iminente.<br />
Admite que se exija caução por meio <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> ação por <strong>da</strong>no infecto<br />
pela qual se constitui uma garantia para indenização do <strong>da</strong>no futuro e even-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 84
tual. Porém, se o <strong>da</strong>no já ocorreu, sendo consumado, o ressarcimento deverá<br />
ser requerido por meio de uma ação indenizatória.<br />
Caberá, por outro lado, se a obra estiver em an<strong>da</strong>mento, à ação de nunciação<br />
de obra nova. O artigo 1.281 CC prevê a possibili<strong>da</strong>de de se exigir garantia<br />
contra eventual <strong>da</strong>no, que se perfaz na forma do artigo 827 do CPC.<br />
Sobre as árvores limítrofes há a previsão nos artigos 1.282 a 1.284 do CC<br />
e envolve aquelas que se localizam na linha divisória ou bem próxima a esta.<br />
Quando a árvore tiver seu tronco na linha divisória, há a presunção iuris<br />
tantum de pertencer em partes iguais, aos dois vizinhos, em condomínio<br />
necessário.<br />
Sendo que nenhum dos proprietários poderá cortá-la sem anuência do outro<br />
(artigo 1.282 CC). A proprie<strong>da</strong>de comum prevalecerá mesmo se a maior<br />
parte <strong>da</strong> árvore se encontrar no terreno de um dos confi antes, pois avulta<br />
apenas saber se esta está na linha divisória.<br />
Quando os frutos naturalmente caírem sobre o terreno vizinho, em local<br />
próximo a linha divisória, pertencerão estes, ao dono do local <strong>da</strong> que<strong>da</strong>,<br />
evitando-se assim as invasões em terrenos alheios e, posterior, conten<strong>da</strong> entre<br />
vizinhos (artigo 1.284 CC).<br />
Pontes de Miran<strong>da</strong> ensina que essa inspiração é de origem germânica e se<br />
prende à ideia de que quem arca com ônus deve desfrutar o bônus. O fun<strong>da</strong>mento<br />
defl ui do brocardo “wer den bosen tropfen geniesst, geniesse auch den<br />
guten” — quem traga as gotas más que traga as boas.<br />
Revista Consultor Jurídico, 29 de janeiro de 2007. ” 29<br />
CASOS GERADORES<br />
1)Uma pessoa gosta de aparecer nua na janela. Outra se mostra incomo<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
com o fato, pois mora em apartamento de mesmo an<strong>da</strong>r, só que de frente,<br />
do outro lado <strong>da</strong> rua. É possível a caracterização de algum tipo de proteção,<br />
ampara<strong>da</strong> no direito de vizinhança?<br />
2)A convenção de condomínio permite a presença de animais no prédio,<br />
nomea<strong>da</strong>mente cães. Seria possível criar um mastim napolitano, nomea<strong>da</strong>mente<br />
a raça com maior relação peso x altura, ou seja, o maior cão? E um<br />
casal de mastins? ABUSO.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
29 http://www.conjur.com.br/2007jan-29/direito_proprie<strong>da</strong>de_vigora_otica_funcao_social<br />
FGV DIREITO RIO 85
DECISÃO(ÕES).<br />
INFORMATIVO N°0364<br />
PERÍODO: 18 A 22 DE AGOSTO DE 2008.<br />
DIREITO. OBSTRUÇÃO. VISTA PANORÂMICA.<br />
Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que, sob o<br />
prisma do direito de vizinhança, realmente é uma situação difícil a do proprietário<br />
que teve a vista panorâmica de seu imóvel comprometido. No caso,<br />
cabível coibir os abusos, pois, pelo acordo fi rmado entre as partes, fi cou estabelecido<br />
que o muro entre os dois imóveis não poderia ultrapassar dois metros<br />
e cinqüenta de altura. Outrossim, considerou-se violado o acordo com<br />
o plantio de árvores junto ao muro, obstruindo totalmente a vista do recorrente.<br />
Diversamente, o Min. Relator originário (vencido) entendia que, pelo<br />
direito de vizinhança, o proprietário poderia plantar o que bem entendesse<br />
dentro de seu terreno, não importando a altura ou espessura <strong>da</strong>s plantas, até<br />
porque, na hipótese, não fi cou demonstrado cabalmente o alegado prejuízo<br />
para o imóvel do recorrente no que se referia à ensolação. REsp 935.474-RJ,<br />
Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi,<br />
julgado em 19/8/2008.<br />
— Abuso de direito caracterizado pela obstrução de vista panorâmica do<br />
imóvel vizinho.<br />
(REsp 935.474/RJ, Rel. MIN. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão<br />
MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008,<br />
DJe 16/09/2008)<br />
DIREITO CIVIL. SERVIDÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. DIS-<br />
TINÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO.<br />
— Há de se distinguir as servidões prediais legais <strong>da</strong>s convencionais. As primeiras<br />
correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria<br />
lei, incidindo independentemente <strong>da</strong> vontade <strong>da</strong>s partes. Nascem em função<br />
<strong>da</strong> localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel<br />
dominante ou evitar o surgimento de confl itos entre os respectivos proprietários.<br />
As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo<br />
do consentimento <strong>da</strong>s partes.<br />
— Na espécie, é incontroverso que, após o surgimento de confl ito sobre a<br />
construção de muro lindeiro, as partes celebraram acordo, homologado judicialmente,<br />
por meio do qual foram fi xa<strong>da</strong>s condições a serem respeita<strong>da</strong>s pelos<br />
recorridos para preservação <strong>da</strong> vista <strong>da</strong> paisagem a partir do terreno dos recorrentes.<br />
Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro <strong>da</strong> transação<br />
na matrícula do imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencio-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 86
nal, representando, no mínimo, obrigação a ser respeita<strong>da</strong> pelos signatários do<br />
acordo e seus herdeiros.<br />
— Nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exercício<br />
do direito, de modo a causar <strong>da</strong>no a outrem, nos termos do art. 187 do<br />
CC/02. Assim, considerando a obrigação assumi<strong>da</strong>, de preservação <strong>da</strong> vista <strong>da</strong><br />
paisagem a partir do terreno dos recorrentes, verifi ca-se que os recorridos exerceram<br />
de forma abusiva o seu direito ao plantio de árvores, descumprindo, ain<strong>da</strong><br />
que indiretamente, o acordo fi rmado, na medi<strong>da</strong> em que, por via transversa,<br />
sujeitaram os recorrentes aos mesmos transtornos causados pelo antigo muro de<br />
alvenaria, o qual foi substituído por ver<strong>da</strong>deiro “muro verde”, que, como antes,<br />
impede a vista panorâmica.<br />
Recurso especial conhecido e provido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 87
AULA: 14 DIREITO DE CONSTRUIR<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Acessões. <strong>Direito</strong> de construir. Limitações priva<strong>da</strong>s ao direito de construir.<br />
Limitações públicas ao direito de construir.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
FIGUEIREDO, Lucia Valle Figueiredo. Disciplina urbanística <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />
p.114-144.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
CARLOS, Ana Alessandra (Org.). Dilemas urbanos. p. 167-180: Acessões e<br />
regularização fundiária. Outras mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de acessão.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
DIREITO DE CONSTRUIR<br />
O direito de construir representa uma <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des essenciais do proprietário.<br />
Contudo, não pode, à evidência, ser exercido sem que se respeite<br />
uma série de limitações previstas na legislação. Algumas já são conheci<strong>da</strong>s,<br />
como a vizinhança e as limitações urbanísticas. Cumpre entender o que ocorre<br />
quando se constrói e de que modo atuam as limitações.<br />
Acessão<br />
Acessão é a união de um bem a um imóvel.<br />
Acessões naturais: aluvião; avulsão; formação de ilhas; formação de álveo.<br />
Acessões artifi ciais: construções; plantações.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 88
Princípio <strong>da</strong> acessão<br />
Determina o princípio <strong>da</strong> acessão que tudo aquilo que se incorpora a um<br />
terreno é de proprie<strong>da</strong>de do dono do terreno.<br />
Exceções: acessão inverti<strong>da</strong> (fi gura dos art. 1.258 e 1.259 do Código Civil).<br />
LIMITES ENTRE PRÉDIOS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL<br />
Limite para abertura de janela: 1,5 m e 0,75 m, não se distinguindo a visão<br />
direta <strong>da</strong> oblíqua 30 , como determina o art. 1.301 do Código Civil, desde<br />
que não se trate de parede de tijolos translúcidos, não caracteriza<strong>da</strong> como<br />
janela. 31<br />
Limites para a colocação de fornos e chaminés.<br />
Limites para a utilização de parede-meia.<br />
Fun<strong>da</strong>mentos para os direitos de luz e vista<br />
Limitações públicas ao direito de construir: zoneamento, gabarito, recuo, etc.<br />
Podem as limitações frear a especulação imobiliária?<br />
CASO GERADOR<br />
Espaço urbano e Estado<br />
Como o Estado se comporta diante dessas transformações territoriais coman<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />
pela classe dominante e pelo seu sistema de mercado imobiliário?<br />
O Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram as cama<strong>da</strong>s<br />
de mais alta ren<strong>da</strong> enormes investimentos em infra-estrutura urbana,<br />
especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo em que abre frentes pioneiras<br />
para o capital imobiliário, como o Centro Administrativo de Salvador,<br />
a Aveni<strong>da</strong> Rio Branco ou a esplana<strong>da</strong> do Castelo, no Rio, ou a Aveni<strong>da</strong> Faria<br />
Lima, em São Paulo. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor<br />
que no restante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, não só para atender ao maior número de automóveis,<br />
mas também para abrir frentes de expansão para o capital imobiliário.<br />
São inúmeras as obras públicas para melhorar a região central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
onde se instala a burguesia, inclusive na face do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para ela volta<strong>da</strong>.<br />
A abertura <strong>da</strong>s Aveni<strong>da</strong>s Central e Beira-Mar no Rio de Janeiro foi uma<br />
obra custosíssima proporcionalmente aos recursos e ao tamanho <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de na<br />
época. Obras igualmente enormes e custosas foram os desmontes dos morros.<br />
É signifi cativo que os morros arrasados tenham sido exatamente aqueles<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
30 Súmula 414, STF.<br />
31 Súmula 120, STF.<br />
FGV DIREITO RIO 89
que se encontravam na extremi<strong>da</strong>de sul do centro. Para abrir espaço para a<br />
renovação e modernização do centro do Rio foram removidos os morros do<br />
Castelo, do Senado e de Santo Antônio, enquanto os morros <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de<br />
norte — o morro de São Bento e o <strong>da</strong> Conceição — permanecem lá até hoje.<br />
A sequência de obras gigantescas no eixo sul do Rio de Janeiro é impressionante.<br />
As Aveni<strong>da</strong>s Mem de Sá, Henrique Vala<strong>da</strong>res e outras ocuparam a<br />
área do morro do Senado. Vastas áreas, to<strong>da</strong>s na extremi<strong>da</strong>de sul do centro,<br />
foram ofereci<strong>da</strong>s ao capital imobiliário para as maiores obras de remodelação<br />
urbana já realiza<strong>da</strong>s no País: as valorizadíssimas terras centrais obti<strong>da</strong>s com o<br />
desmonte dos morros do Castelo e, depois, o de Santo Antônio. A essas obras<br />
deve ser acrescenta<strong>da</strong> uma grande quanti<strong>da</strong>de de aterros <strong>da</strong> orla marítima, do<br />
aeroporto Santos Dumont a Botafogo, os gigantescos aterros do Flamengo<br />
e de Copacabana, e ain<strong>da</strong> o elevado do Joá e inúmeros túneis. Note-se que<br />
tais obras atendem exclusivamente à Zona Sul, ou seja, são obras que nem<br />
parcialmente atendem aos interesses de outras regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O contrário<br />
se deu na Zona Norte. As obras de vulto <strong>da</strong> região, como a Aveni<strong>da</strong> Presidente<br />
<strong>Vargas</strong>, a Aveni<strong>da</strong> Brasil ou os elevados associados à Ponte Rio-Niterói,<br />
destinam-se também a atender o escoamento do tráfego rodoviário extraurbano<br />
e, portanto, não são obras destina<strong>da</strong>s a atender exclusivamente aos<br />
interesses <strong>da</strong> Zona Norte. O mesmo deu-se com as ferrovias e rodovias. Essas<br />
obras foram construí<strong>da</strong>s para atender a interesses regionais extra-urbanos, e a<br />
população <strong>da</strong> Zona Norte apenas tirou partido delas. Mesmo assim, as ferrovias<br />
sofreram um violento processo de deterioração, <strong>da</strong>do o abandono a que<br />
foram relegados os seus serviços suburbanos de passageiros.<br />
O que fez o governo baiano ao construir o Centro Administrativo de Salvador<br />
numa região quase virgem, porém estrategicamente localiza<strong>da</strong> na direção<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para onde a média e alta burguesia vêm se deslocando há déca<strong>da</strong>s?<br />
Não só colocou o aparelho do Estado bem mais acessível a essas classes<br />
(e mais longe <strong>da</strong>s classes subalternas) e melhorou o acesso a elas através de<br />
novas e rápi<strong>da</strong>s aveni<strong>da</strong>s expressas, mas também desbravou inúmeras novas<br />
fronteiras e oportuni<strong>da</strong>des fabulosas para a especulação imobiliária. Além<br />
disso — em que pese alegar o contrário —, colocou o aparelho do Estado<br />
muito afastado (em termos de distância, mas especialmente em termos de<br />
tempo e oportuni<strong>da</strong>des de viagem) <strong>da</strong>s classes subalternas.<br />
Em São Paulo não foi menor a ação do Estado para preparar a expansão<br />
<strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s “zonas nobres” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e ain<strong>da</strong> abrir novas fronteiras para a<br />
especulação imobiliária. Através de um de seus mais conhecidos prefeitos,<br />
Prestes Maia, renovou to<strong>da</strong> a região do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de volta<strong>da</strong> para o quadrante<br />
sudoeste e sobre a qual incidia o interesse <strong>da</strong> burguesia. A maioria <strong>da</strong>s<br />
grandes aveni<strong>da</strong>s que abriu localiza-se nessa região. Não só a mais famosa e<br />
importante delas, a Aveni<strong>da</strong> Ipiranga, mas também a Aveni<strong>da</strong> Vieira de Carvalho<br />
e o novo Largo do Arouche, a Aveni<strong>da</strong> Duque de Caxias, a Aveni<strong>da</strong><br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 90
Rio Branco, Rua São Luís e a nova Rua <strong>da</strong> Consolação. Porém, bem antes<br />
disso, o Estado já vinha preparando a ci<strong>da</strong>de para os interesses <strong>da</strong> burguesia.<br />
A construção do Viaduto do Chá, obra arroja<strong>da</strong> e <strong>da</strong> mais avança<strong>da</strong> tecnologia<br />
<strong>da</strong> época (estrutura de ferro), custosíssima para uma pequenina ci<strong>da</strong>de<br />
de algumas dezenas de milhares de habitantes, não representava outra coisa<br />
senão a oferta de acesso mais direto entre o centro e a região que as elites<br />
queriam ocupar, ou seja, as encostas de Santa Cecília, Vila Buarque, Aveni<strong>da</strong><br />
Paulista e depois seu próprio espigão. Antes, a ligação entre o centro e essa<br />
região era pelo Acú, atual ponto de onde a Aveni<strong>da</strong> São João cruza o Vale do<br />
Anhangabaú e representava um percurso longo. O Viaduto do Chá veio representar<br />
uma signifi cativa melhoria <strong>da</strong>quela ligação. O alargamento <strong>da</strong> Rua<br />
Libero Ba<strong>da</strong>ró e <strong>da</strong> Rua São João e a urbanização do Vale do Anhangabaú<br />
(to<strong>da</strong>s no quadrante sudoeste) são outros exemplos de melhoramentos que<br />
benefi ciaram a faceta sudoeste do centro.<br />
Em segundo lugar, o Estado transfere suas próprias instalações para a mesma<br />
direção de crescimento <strong>da</strong> classe dominante, mostrando claramente, através<br />
do espaço urbano, seu grau de captura por essa classe. O já citado exemplo<br />
de Salvador não é único. O Palácio do Governo do Estado de São Paulo<br />
era inicialmente no Pátio do Colégio, no coração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Transferindo-se<br />
para o Palácio dos Campos Elíseos e, depois, para o Morumbi. A Assembléia<br />
Legislativa saiu do Parque D. Pedro I e foi para o Ibirapuera. O Gabinete do<br />
Prefeito saiu do Anhangabaú e foi para o Ibirapuera, e a absoluta maioria <strong>da</strong>s<br />
repartições e empresas públicas transferiu-se para a região <strong>da</strong> Paulista e Faria<br />
Lima.<br />
No Rio, tanto o Senado como a Câmara Municipal eram no Campo de<br />
Santana e transferiram-se para a nova “zona nobre” do centro, que passou a<br />
ser sua extremi<strong>da</strong>de sul, a Praça Floriano Peixoto. Também o Executivo, assim<br />
que foi proclama<strong>da</strong> a República, instalou-se na direção norte, no Palácio<br />
do ltamarati, e depois se transferiu para o Catete. Processos idênticos ocorreram<br />
em maior ou menor escala em muitas ci<strong>da</strong>des brasileiras até mesmo<br />
entre as pequenas. 32<br />
Você concor<strong>da</strong> com o afi rmado no texto? As alterações de zoneamento<br />
podem estimular a especulação imobiliária? Ou é melhor abrir a trilha do<br />
“progresso”?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
32 VILLAÇA, Flávio. O que todo ci<strong>da</strong>dão<br />
precisa saber sobre habitação. São Paulo:<br />
Global, 1986. p. 98-101.<br />
FGV DIREITO RIO 91
DECISÃO(ÕES).<br />
Informativo n. 0370<br />
Período: 29 de setembro a 3 de outubro de 2008.<br />
Os recorridos adquiriram de boa-fé o terreno em questão. Nele construíram<br />
sua residência. No entanto, o recorrente ajuizou contra eles ação reivindicatória,<br />
resolvi<strong>da</strong> pela celebração de transação (homologa<strong>da</strong> por sentença),<br />
a qual regulava o direito de retenção: os recorridos obrigavam-se a entregar<br />
o imóvel após serem indenizados pelas benfeitorias construí<strong>da</strong>s (art. 516 do<br />
CC/1916). Não se estipulou, na oportuni<strong>da</strong>de, qualquer valor a título de<br />
aluguel pelo tempo que durasse a retenção. Arbitrado judicialmente o valor<br />
<strong>da</strong>s benfeitorias (R$ 31.000,00), o recorrente alegou não ter como ressarcilas<br />
por falta de condições econômicas para tanto. Permaneceram os recorridos<br />
na posse e uso do imóvel. Contudo, a doutrina admite que, apesar de não<br />
ser obrigado a devolver a coisa até que se satisfaça seu crédito, o retentor não<br />
pode utilizar-se dela. Assim, é justo que o recorrente deva pagar pelas acessões<br />
introduzi<strong>da</strong>s de boa-fé, mas também que os recorridos sejam obrigados<br />
a indenizá-lo pelo uso do imóvel (valor mensal a ser arbitrado em liqui<strong>da</strong>ção,<br />
devido desde a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> citação). A jurisprudência deste Superior Tribunal já<br />
admite semelhante solução na hipótese relaciona<strong>da</strong> com a separação ou o divórcio,<br />
enquanto um cônjuge permanece residindo no imóvel do outro. Por<br />
fi m, os créditos recíprocos deverão ser compensados de forma que o direito de<br />
retenção seja exercido no limite do proveito que os recorridos têm com o uso<br />
<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de alheia. Anote-se que a retenção não é um direito absoluto ou<br />
ilimitado sobre a coisa, mas mera retentio temporalis: os princípios <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção<br />
ao enriquecimento sem causa e <strong>da</strong> boa-fé objetiva, ao mesmo tempo em que<br />
impõem ao retentor o dever de não usar a coisa, determinam que a retenção<br />
não se esten<strong>da</strong> por prazo interminável. Com esse entendimento, a Turma,<br />
por maioria, deu provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 673.118-<br />
RS, DJ 6/12/2004, e REsp 23.028-SP, DJ 17/12/1992. REsp 613.387-MG,<br />
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/10/2008.<br />
<strong>Direito</strong> de construir — artigo 1313 do CC:<br />
0003111-06.2004.8.19.0209 (2005.001.38787) — APELACAO<br />
JDS. DES. LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO — Julgamento:<br />
15/02/2006 — DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL<br />
OBRIGAÇÃO DE FAZER. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO A<br />
EMPREENDIMENTO. Tem o proprietário de terreno o dever de tolerar que<br />
o vizinho ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de para dela temporariamente usar, quando<br />
for indispensável à construção, se for este o único meio para conclusão <strong>da</strong><br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 92
obra. Inteligência do art.1.313 do Código Civil. Alegação de risco à estrutura<br />
do imóvel não demonstra<strong>da</strong>. Laudo produzido em feito que tramitou pelo Juízo<br />
<strong>da</strong> 17ª Vara Cível que afi rma ter cessado o perigo para estabili<strong>da</strong>de do imóvel,<br />
com relação a sua estrutura. Impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> apelante condicionar o término<br />
<strong>da</strong> obra ao pagamento de indenização já reconheci<strong>da</strong> em sentença proferi<strong>da</strong> pelo<br />
Juízo supra mencionado, atualmente em grau de apelação. Recurso desprovido.<br />
0019342-82.2006.8.19.0001 (2007.001.10931) — APELACAO<br />
DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA — Julgamento: 22/08/2007<br />
— SEXTA CAMARA CIVEL<br />
OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRÉDIO LIMÍTROFE. REALIZAÇÃO DE<br />
OBRA. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO. PROCEDÊNCIA DO PE-<br />
DIDO. SENTENÇA MANTIDA.Tem o proprietário de prédio limítrofe o<br />
dever de tolerar que o vizinho ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de para dela temporariamente<br />
usar, quando for indispensável à construção.RECURSO DESPRO-<br />
VIDO.<br />
— <strong>Direito</strong> de retenção que se torna irregular com o uso <strong>da</strong> coisa:<br />
REsp 613.387/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TUR-<br />
MA, julgado em 02/10/2008, DJe 10/12/2008<br />
DIREITO CIVIL. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE DE BOA-<br />
FÉ. DIREITO DE RETENÇÃO QUE SE TORNAR IRREGULAR COM<br />
O USO DA COISA. DEVER DO RETENTOR DE INDENIZAR O PRO-<br />
PRIETÁRIO COMO SE ALUGUEL HOUVESSE.<br />
— O direito de retenção assegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto.<br />
Pode ele ser limitado pelos princípios <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção ao enriquecimento sem causa<br />
e <strong>da</strong> boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se esten<strong>da</strong> por prazo indeterminado<br />
e interminável.<br />
— O possuidor de boa-fé tem o direito de detenção sobre a coisa, não sendo<br />
obrigado a devolvê-la até que seu crédito seja satisfeito, mas não pode se utilizar<br />
dela ou perceber seus frutos. Reter uma coisa, não equivale a servir-se dela. O<br />
uso <strong>da</strong> coisa reti<strong>da</strong> constitui abuso, gerando o dever de indenizar os prejuízos<br />
como se aluguel houvesse.<br />
— Afi gura-se justo que o proprietário deva pagar pelas acessões introduzi<strong>da</strong>s,<br />
de boa-fé, no terreno e que, por outro lado, os possuidores sejam obrigados a pagar<br />
um valor, a ser arbitrado, a título de aluguel, pelo uso do imóvel. Os créditos<br />
recíprocos haverão de ser compensados de forma que o direito de retenção será<br />
exercido no limite do proveito que os retentores tenham <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de alheia.<br />
Recurso Especial provido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 93
BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS<br />
OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS<br />
Obtido o conhecimento básico dos institutos <strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
e <strong>da</strong>s questões envolvendo a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e a ordenação urbana,<br />
passamos agora a conhecer questões mais atrela<strong>da</strong>s à reali<strong>da</strong>de dos negócios<br />
imobiliários e, também, utilizações dos demais direitos reais em uma<br />
perspectiva negocial.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 94
AULA 15: INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Incorporações imobiliárias. Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de contratação. Patrimônio de<br />
afetação nas incorporações imobiliárias.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, p. 9-34. Ed. Renovar.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, cap. 3.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS<br />
— Natureza <strong>da</strong>s incorporações imobiliárias<br />
— Negócios de incorporação imobiliária<br />
— Escritura de incorporação imobiliária<br />
Patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias<br />
— Legislação: Lei 10.931/04<br />
— Instituição do patrimônio de afetação<br />
— Problemas práticos e tributários<br />
Texto: “O que mu<strong>da</strong> com o patrimônio de afetação”<br />
O patrimônio <strong>da</strong> afetação é um instrumento sistematizado no início do<br />
mês de agosto de 2004, quando o Presidente <strong>da</strong> República sancionou um<br />
conjunto de medi<strong>da</strong>s intitula<strong>da</strong>s “pacote <strong>da</strong> construção”, cujo objetivo é o<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 95
incentivo ao mercado imobiliário, sendo estimado um crescimento <strong>da</strong> ordem<br />
de 4% a 8% no próximo ano.<br />
Dentre as medi<strong>da</strong>s anuncia<strong>da</strong>s, destacam-se aquelas que sinalizam boas<br />
perspectivas às empresas, através de linhas de créditos mais acessíveis e redução<br />
<strong>da</strong> carga tributária, e ao adquirente <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des, que passará a contar<br />
com maiores garantias de recebimento de seu imóvel.<br />
Dentre estas garantias está o patrimônio de afetação, que consiste na adoção<br />
de um patrimônio próprio para ca<strong>da</strong> empreendimento, que passará a ter<br />
a sua própria contabili<strong>da</strong>de, separa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s operações <strong>da</strong> incorpora<strong>da</strong>/construtora,<br />
o que confere segurança aos adquirentes quanto à destinação dos<br />
recursos aplicados na obra.<br />
Esta medi<strong>da</strong> se torna relevante para evitar o que o mercado apelidou de<br />
“efeito bicicleta” ou “pe<strong>da</strong>la<strong>da</strong>”, que signifi ca a situação <strong>da</strong>s empresas em difi -<br />
cul<strong>da</strong>de econômica que desviam recursos de um novo empreendimento para<br />
um anterior e assim sucessivamente, formando um ciclo vicioso que tantos<br />
prejuízos já causou no passado, ain<strong>da</strong> vivos na memória recente do país.<br />
Com a nova regra, to<strong>da</strong>s as dívi<strong>da</strong>s, de natureza tributária, trabalhista e<br />
junto a instituições fi nanceiras, fi cam restritas ao empreendimento em construção,<br />
não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívi<strong>da</strong>s assumi<strong>da</strong>s<br />
pela empresa.<br />
Dessa forma, na hipótese de ocorrer falência <strong>da</strong> empresa construtora/incorporadora,<br />
os compradores poderão <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de à obra, contratando<br />
outra empresa no lugar <strong>da</strong> fali<strong>da</strong>, confi gurando o objetivo de garantir ao<br />
consumidor a entrega de imóvel comprado na planta.<br />
Em decorrência dos casos notórios que macularam o mercado no passado,<br />
cogitou-se na criação de empresas específi cas para alguns empreendimentos, denomina<strong>da</strong>s<br />
SPE, ou Socie<strong>da</strong>de de Propósito Específi co, o que não se constitui na<br />
melhor opção, uma vez não haver garantir de um possível desvio de recursos.<br />
No caso <strong>da</strong> fi gura do patrimônio de afetação, que é de uso facultativo,<br />
existem maiores garantias aos mutuários, pois prevê a existência de uma comissão<br />
de representantes desde o início <strong>da</strong> obra, o que difi cultará a ocorrência<br />
de desvios, mesmo porque o patrimônio do incorporador irá responder pelo<br />
empreendimento objeto <strong>da</strong> afetação.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, o que a Lei 10.931/94 fez não foi instituir o patrimônio de<br />
afetação, mas regulamentá-lo, pois sua previsão veio com a Medi<strong>da</strong> Provisória<br />
2.221, de setembro de 2004, embora de forma imprecisa, que não surtiu<br />
os efeitos desejados.<br />
O que se espera, de mais importante como efeito prático, e que virá a repercutir<br />
positivamente na economia, é que este instrumento, ao gerar maior<br />
segurança aos contratos, resultará na diminuição dos juros, pois estes são<br />
diretamente ligados ao risco <strong>da</strong> transação, que irá reduzir.” 33<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
33 http://www.precisao.eng.br/fmnresp/afeta.htm.<br />
FGV DIREITO RIO 96
CASO GERADOR<br />
Histórico do processo xxxx, movido pelo escritório yyy contra a Encol<br />
Incorporadora:<br />
HISTÓRICO DO PROCESSO ENCOL<br />
O TERRENO<br />
Na <strong>da</strong>ta de 07 de junho de 1993, CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-<br />
TORA LTDA. e a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-<br />
TRIA celebraram três escrituras públicas de promessa de compra e ven<strong>da</strong> dos<br />
imóveis constituídos por 3 frações de 1/7 do lote 04 do PA 27.233, na Barra<br />
<strong>da</strong> Tijuca, Rio de Janeiro, onde, construir-se-iam os projetos arquitetônicos<br />
previamente aprovados de prédios residenciais multifamiliares, cabendo à<br />
empresa permutante dos terrenos 68 (sessenta e oito) do total <strong>da</strong>s 264 uni<strong>da</strong>des<br />
previstas para ca<strong>da</strong> um dos prédios, num total de 204 apartamentos,<br />
dos 792 (setecentos e noventa e dois) que integram os três prédios a serem<br />
construídos — SAN FILIPO e VILLA BORGHESE (BLOCO I Ed. SAN<br />
MARCO e BLOCO II Ed. SAN MICHEL).<br />
PROMESSAS DE VENDA NÃO REGISTRADAS<br />
Como praxe <strong>da</strong> empresa, em todos os seus empreendimentos, a ENCOL<br />
não registrava memoriais de incorporação embora protocolasse no cartório<br />
pedido a ele referente, isso fazendo no intuito de conseguir prometer diferentes<br />
<strong>da</strong>tas de entrega e até prometer vender mais apartamentos do que efetivamente<br />
existentes, esquema denunciado pelos jornais, que funcionava como<br />
overbooking para desistências e retoma<strong>da</strong>s de uni<strong>da</strong>des no curso <strong>da</strong> obra, podendo<br />
assim operar sucessivas transferências de titulari<strong>da</strong>de em prejuízo dos<br />
cofres públicos.<br />
SONHO DESFEITO<br />
Com a paralisação <strong>da</strong>s obras, contados os cobres e feitas as contas, os compradores<br />
tinham entregue à Encol 27 milhões e os engenheiros <strong>da</strong> própria<br />
diziam que a construção continha pouco mais do que a metade desse valor.<br />
CAUTELA DOS ADQUIRENTES<br />
Mais de uma centena de adquirentes lesados requereram a averbação do<br />
contrato particular de promessa de compra e ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua uni<strong>da</strong>de perante<br />
o cartório do Registro de Imóveis, com o intuito de conferir direito real oponível<br />
a terceiros, nos termos do Art. 35, § 4º <strong>da</strong> Lei de Condomínio e Incor-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 97
porações nº 4591/64. O prazo avançado com o permutante do terreno para<br />
que a ENCOL — promissária compradora — alcançasse o adimplemento de<br />
sua obrigação de fazer foi o de 50 (cinquenta) meses, contados <strong>da</strong>quela <strong>da</strong>ta<br />
(07/06/93), ou seja, até 07 de agosto de 1997, quando já estavam há muito<br />
abandona<strong>da</strong>s as obras.<br />
PERMUTANTE RETOMA POSSE<br />
Vencido o prazo sem que a ENCOL lograsse cumprir com a sua obrigação<br />
de fazer, entregando para a permutante, prontas e acaba<strong>da</strong>s com seus respectivos<br />
“habite-se”, as uni<strong>da</strong>des representativas do preço, e em meio ao notório<br />
quadro de insolvência <strong>da</strong> empresa, estando às construções totalmente paralisa<strong>da</strong>s,<br />
inclusive com o abandono dos canteiros de obras, cuidou a permutante<br />
de obter o socorro <strong>da</strong> tutela jurisdicional, ingressando na via judiciária com<br />
ação de procedimento ordinário pleiteando a rescisão dos negócios jurídicos<br />
celebrados com a ENCOL e reintegração na posse dos imóveis, além <strong>da</strong>s<br />
per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos decorrentes do descumprimento <strong>da</strong>s obrigações assumi<strong>da</strong>s<br />
pela ENCOL.<br />
JUIZ RESGUARDA OS ADQUIRENTES<br />
A menciona<strong>da</strong> ação de procedimento ordinário foi distribuí<strong>da</strong> para a 34ª<br />
Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de Janeiro, processo registrado sob o número<br />
97.001.116940-8, tendo a sua autora CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-<br />
TORA LTDA, na <strong>da</strong>ta de 17 de outubro de 1997, obtido <strong>da</strong>quele MM.<br />
Juízo Tutela Antecipa<strong>da</strong>, no sentido de ver-se reintegra<strong>da</strong> na posse do imóvel<br />
compromissado a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-<br />
TRIA, além de rescisão provisória do contratado.<br />
ENCOL EVITA CITAÇÃO E PEDE CONCORDATA<br />
A partir de então, respeitando o teor <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> decisão de Tutela Antecipa<strong>da</strong><br />
que ressalvou expressamente o respeito aos direitos dos adquirentes <strong>da</strong>s<br />
demais uni<strong>da</strong>des comercializa<strong>da</strong>s pela ENCOL, foram estabeleci<strong>da</strong>s diversas,<br />
longas e exaustivas tratativas entre todos os envolvidos, com o objetivo de<br />
virem a encontrar uma solução para o impasse que fosse conveniente aos<br />
interesses em confl ito.<br />
Das tão extensas tratativas, restou a impossibili<strong>da</strong>de de virem os adquirentes<br />
e a permutante conciliar as suas respectivas vontades e interesses com a<br />
ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚSTRIA, entendendo<br />
aqueles serem completamente descabi<strong>da</strong>s as exigências desta, feitas por quem<br />
recusava receber citação.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 98
JUIZ CONDENA MÁ-FÉ<br />
Aconteceu então, que o MM Juízo <strong>da</strong> 34ª Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de<br />
Janeiro, na <strong>da</strong>ta de 14 de maio de 1998, proferiu sentença de mérito, publica<strong>da</strong><br />
na imprensa ofi cial do dia 19 de maio de 1998, <strong>da</strong>ndo por rescindi<strong>da</strong>s as<br />
três promessas de compra e ven<strong>da</strong> celebra<strong>da</strong>s, consoli<strong>da</strong>ndo a reintegração de<br />
posse antecipa<strong>da</strong> à permutante e condenando a ré a compor em favor <strong>da</strong>quela<br />
as per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos decorrentes <strong>da</strong> sua inadimplência.<br />
TRIBUNAL CONFIRMA SENTENÇA<br />
A ENCOL apresentou apelação (nº 98.001.07409), vendo então confi<br />
rma<strong>da</strong> a sentença pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão<br />
que teve como Relatora a Des. Maria Henriqueta Lobo, <strong>da</strong> Décima Quarta<br />
Câmara Cível.<br />
ENCOL INSISTE COM RECURSO ESPECIAL<br />
Não satisfeita, a Encol, concor<strong>da</strong>tária e na iminência do pagamento <strong>da</strong> 1ª<br />
parcela, apresentou recurso especial, no único e exclusivo intuito de evitar o<br />
trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão e amarrar a si o negócio já desfeito, e que não<br />
mais a legitima a fi gurar como incorporadora dos terrenos em que se assentam<br />
os prédios que não completou.<br />
ADQUIRENTES ORGANIZAM COMISSÃO, CONTRATAM RE-<br />
CUPERAÇÃO E CONTINUAÇÃO DA CONSTRUÇÃO<br />
Levando em consideração que, com o passar do tempo, maior será o<br />
agravamento dos prejuízos impostos pela ENCOL a permutante do terreno<br />
e ao conjunto dos adquirentes <strong>da</strong>s diversas uni<strong>da</strong>des de apartamentos a<br />
serem construídos, nota<strong>da</strong>mente face aos fatos, entre outros, de haverem<br />
sido as incorporações promovi<strong>da</strong>s de forma ilícita, sem observância <strong>da</strong>s<br />
imperativas disposições <strong>da</strong> Lei específi ca, sem a prévia averbação do Memorial<br />
de Incorporação nem a outorga dos competentes contratos relativos às<br />
comercializa<strong>da</strong>s frações de terreno, sem se falar que os impostos incidentes<br />
sobre os imóveis não foram pagos, tampouco as contas de água e luz foram<br />
honra<strong>da</strong>s, fato que determinou cortes e desligamentos, e considerando que<br />
as benfeitorias realiza<strong>da</strong>s estão relega<strong>da</strong>s ao abandono e sujeitas às intempéries,<br />
resolveram adquirentes e a permutante do terreno, no objetivo de<br />
melhor ajustar os seus recíprocos direitos e interesses, além dos <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de,<br />
em razão do intenso interesse social em jogo, primeiro transacionar,<br />
para, na forma do artigo 1.025 e seguintes do Código Civil Brasileiro,<br />
prevenir qualquer litígio que entre eles pudesse se estabelecer e contratar<br />
promessa de compra e ven<strong>da</strong>, onde a permutante dos terrenos respeita e<br />
mantém o objeto e a posição que ca<strong>da</strong> um dos adquirentes deteria para com<br />
a ENCOL, caso esta houvesse concluído os prédios e entregue, prontas e<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 99
acaba<strong>da</strong>s com os respectivos “habite-se”, as uni<strong>da</strong>des habitacionais que com<br />
ca<strong>da</strong> um deles foi compromissa<strong>da</strong>.<br />
Tal ajuste, entretanto, só se aperfeiçoará com o trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão<br />
que restitui a permutante a titulari<strong>da</strong>de dos imóveis, condição suspensiva,<br />
posto que a efi cácia do negócio subordina-se à defi nitiva confi rmação<br />
pelas instâncias superiores, <strong>da</strong> sentença proferi<strong>da</strong> em primeira instância pelo<br />
MM. Juízo <strong>da</strong> 34ª Vara Cível <strong>da</strong> Capital do Rio de Janeiro, na já menciona<strong>da</strong><br />
lide de rescisão do contrato de permuta.<br />
ADQUIRENTES CONSEGUEM ASSISTÊNCIA<br />
Exibindo as escrituras, o 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, deferiu<br />
assistência litisconsorcial para ingresso dos adquirentes no processo movido<br />
pela permutante para rescisão dos contratos com a Encol, aceitando-se nos<br />
autos as suas razões, que ressaltaram a inutili<strong>da</strong>de do recurso apresentado pela<br />
concor<strong>da</strong>tária, cuja má-fé fora proclama<strong>da</strong> pela sentença e confi rma<strong>da</strong> pelo<br />
Tribunal.<br />
ENCOL VAI À FALÊNCIA<br />
Ocorrendo a decretação <strong>da</strong> falência antes de decidi<strong>da</strong> a admissibili<strong>da</strong>de<br />
do recurso pelo 3º Vice-Presidente do Tribunal, expediu-se carta precatória<br />
à comarca de Goiânia-GO, para que o síndico seja intimado à regularização<br />
<strong>da</strong> representação <strong>da</strong> massa fali<strong>da</strong> nos autos, a fi m de que seja <strong>da</strong>do prosseguimento<br />
ao feito, como de direito.<br />
CONTAGEM REGRESSIVA<br />
Com o fi m do recesso do Tribunal de Justiça, começa a contagem regressiva<br />
para a solução fi nal do processo que libertará os três prédios <strong>da</strong>s garras<br />
<strong>da</strong> ENCOL. Lembro a todos que, no momento, o processo está aos cui<strong>da</strong>dos<br />
do Dr. Samy Glanz, 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, a quem<br />
caberá dizer se o recurso <strong>da</strong> ENCOL tem ou não condições de prosseguir a<br />
exame do Superior Tribunal de Justiça — STJ, em Brasília. Por óbvio, não<br />
trabalhamos única e exclusivamente com uma decisão favorável, que acabe<br />
logo com esse absurdo protelar do desfecho, mas é bom esclarecer que, se o<br />
Sr. Desembargador concluir pelo preenchimento de to<strong>da</strong>s as formali<strong>da</strong>des<br />
legais, NÃO HÁ AGRAVO CONTRA O DESPACHO QUE ADMITIR O<br />
RECURSO ESPECIAL DA ENCOL! Em outras palavras, se o recurso tiver<br />
seu seguimento negado, a ENCOL pode ain<strong>da</strong> levar o caso ao STJ, mas, se<br />
o recurso for admitido, não há como impedir que siga seu curso, passando a<br />
questão diretamente ao Relator sorteado no STJ. Pensando nisso, resolvemos<br />
estu<strong>da</strong>r a possibili<strong>da</strong>de de mais uma vez denunciar os abusos cometidos pelos<br />
comissários <strong>da</strong> concor<strong>da</strong>ta e síndicos na administração <strong>da</strong> massa fali<strong>da</strong>, pois<br />
é evidente a manha de quem sabe que não vai construir na<strong>da</strong>, mas insiste<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 100
em se amarrar ao negócio frustrado por sua própria culpa, na tentativa de<br />
auferir lucros, quando deve amargar indenização pelos <strong>da</strong>nos causados às<br />
suas dezenas de milhares de vítimas em todo o país. O derrame é tão grande<br />
e envolve tantas e tão altas esferas de governo que a questão balança a soberania<br />
nacional, não se podendo admitir que os assaltantes fujam pela porta dos<br />
fundos de Brasília. Não importa quantos anos o Sr. Pedro Paulo vai fi car na<br />
cadeia, mas onde é que foi parar tanto dinheiro, em um mundo inteiramente<br />
informatizado em transações fi nanceiras desse porte. Se for possível rastrear o<br />
PC, por que não o do Pedro Paulo? Reconheçam-se as difi cul<strong>da</strong>des que o MP<br />
Federal teve para reunir informações necessárias ao recente ajuizamento, em<br />
Brasília, <strong>da</strong> ação criminal que fi nalmente quebrará o sigilo bancário de todos<br />
os envolvidos no escân<strong>da</strong>lo. Também no começo de agosto, com o fi m do<br />
recesso parlamentar, está marcado para acontecer uma série de depoimentos<br />
sobre o caso ENCOL, ain<strong>da</strong> não confi rmados, mas que incluem juiz, síndico,<br />
comissário, advogados, ANCE, etc. Aguardem!<br />
De que modo podem os dispositivos <strong>da</strong> Lei 10.931/04 auxiliar os adquirentes?<br />
Para as instituições fi nanceiras, o novo regime legal é vantajoso?<br />
DECISÃO(ÕES).<br />
INFORMATIVO N°0194<br />
PERÍODO: 1° A 5 DE DEZEMBRO DE 2003.<br />
CONDOMÍNIO DE CONSTRUÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL<br />
O art 63, § 1º, <strong>da</strong> Lei n. 5.491/1964, que rege os condomínios e incorporações<br />
imobiliárias, facultou às partes — construtor, incorporador e<br />
adquirentes — adotar sistema de penalização ao adquirente inadimplente,<br />
com a possibili<strong>da</strong>de de promoção, pela Comissão de Representantes, de leilão<br />
extrajudicial <strong>da</strong> sua fração ideal do terreno e <strong>da</strong> parte construí<strong>da</strong>, a fi m<br />
de evitar interrupção na obra. Protegem-se, assim, os interesses dos demais<br />
adquirentes, que têm que arcar com todos os custos <strong>da</strong> construção. Entretanto<br />
tal procedimento instituído pela cita<strong>da</strong> lei requer convenção expressa.<br />
O cui<strong>da</strong>do do legislador justifi ca-se ante a extrema restrição de direitos que<br />
sofrerá a parte inadimplente. Isso posto, a Turma deu provimento ao REsp, a<br />
fi m de declarar a impossibili<strong>da</strong>de de realização de leilão extrajudicial <strong>da</strong> quota<br />
parte do condômino inadimplente ante a ausência de previsão contratual e<br />
inverteu os ônus <strong>da</strong> sucumbência. REsp 345.677-SP, Rel. Min. Antônio de<br />
Pádua Ribeiro, julgado em 2/12/2003<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 101
(AgRg nos EDcl no REsp 1107117/SC, Rel. MIN. VASCO DELLA<br />
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEI-<br />
RA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011)<br />
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CI-<br />
VIL. RESCISÃO DE CONTRATO. ART. 40 DA LEI 4.591/64 — LEI DE<br />
CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES E INCORPORAÇÕES IMOBILIÁ-<br />
RIAS. PERMUTA DE TERRENO URBANO POR ÁREA CONSTRUÍDA.<br />
INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. RETORNO DO IMÓ-<br />
VEL AOS ALIENANTES EM RAZÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL.<br />
TRANSAÇÃO QUE EXIME A RESPONSABILIDADE DOS ALIENAN-<br />
TES EM RELAÇÃO A EVENTUAIS ADQUIRENTES. CLÁUSULA INE-<br />
FICAZ. INDENIZAÇÃO AOS EX-TITULARES.<br />
1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infi rmar os fun<strong>da</strong>mentos<br />
que alicerçaram a decisão agrava<strong>da</strong>, razão que enseja a negativa de<br />
provimento ao agravo regimental.<br />
2. Nos termos do art. 257 do RISTJ e <strong>da</strong> Súmula 456 do STF, é possível<br />
a este Tribunal Superior julgar a causa, aplicando o direito à espécie, quando<br />
conhecido o recurso especial.<br />
3. Se a matéria objeto de insurgência no recurso especial foi devi<strong>da</strong>mente<br />
prequestiona<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que implicitamente, não há falar em aplicação <strong>da</strong> Súmula<br />
211 do STJ.<br />
4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de que “o proprietário<br />
de terreno que o aliena a terceiro, dele recebendo em pagamento futuros apartamentos<br />
decorrentes de edifi cação a ser erigi<strong>da</strong> no local, cujo contrato de compra<br />
e ven<strong>da</strong> foi rescindido por transação, é responsável pelo ressarcimento de tudo<br />
quanto foi pago pelos compradores de outros apartamentos vendidos por aquele<br />
terceiro quando o primitivo negócio ain<strong>da</strong> estava vigente”, sendo inefi caz com<br />
relação aos adquirentes <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des imobiliárias qualquer cláusula exoneratória<br />
de responsabili<strong>da</strong>de dos alienantes do terreno, haja vista que a mesma “vincularia<br />
apenas as partes que a tivessem estabelecido” (REsp 282.740/SP, Rel. Min.<br />
CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).<br />
5. O descumprimento, pela incorporadora, <strong>da</strong> obrigação constante no art.<br />
32 <strong>da</strong> Lei 4.591/64, consistente no registro do memorial de incorporação no<br />
Cartório de Imóveis, não implica a nuli<strong>da</strong>de ou anulabili<strong>da</strong>de (nuli<strong>da</strong>de relativa)<br />
do contrato de promessa de compra e ven<strong>da</strong> de uni<strong>da</strong>de condominial, tampouco<br />
impede, ao ex-titular de direito à aquisição de uni<strong>da</strong>de autônoma, a reparação a<br />
que alude o art. 40 <strong>da</strong> Lei 4.591/64. Precedentes.<br />
6. É certo que “em contrato de permuta, no qual uma <strong>da</strong>s partes entra com o<br />
imóvel e outra com a construção, não tendo os proprietários do terreno exercido<br />
atos de incorporação — uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumiram<br />
a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> incorporação, não havendo contratado a construção<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 102
do edifício — não cumpri<strong>da</strong> pela construtora sua parte, deve ser deferi<strong>da</strong> aos<br />
proprietários do imóvel a reintegração na posse”. To<strong>da</strong>via, “o deferimento fi ca<br />
condicionado às exigências do § 2º do art. 40 <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Incorporações, Lei nº<br />
4.591/64, para inclusive resguar<strong>da</strong>r os interesses de eventuais terceiros interessados”,<br />
que “deverão ser comunicados do decidido, podendo essa comunicação<br />
ser feita extrajudicialmente, em cartório” (REsp 489.281/SP, Rel. para acórdão<br />
Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 15.03.2003).<br />
7. “O valor <strong>da</strong> indenização, de que trata o 2 do art. 40 <strong>da</strong> Lei 4.591/64,<br />
a ser paga pelo primitivo proprietário do terreno ao ex-titular <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de anteriormente<br />
adquiri<strong>da</strong> deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que<br />
efetivamente valer referi<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de no momento do pagamento <strong>da</strong> indenização,<br />
proporcional ao estágio <strong>da</strong> construção quando foi paralisa<strong>da</strong>, por ter sido desconstituído<br />
o primitivo negócio, incluído aí o valor <strong>da</strong> fração ideal do terreno”<br />
(REsp 282.740/SP, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).<br />
8. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />
— Restituição ao condômino inadimplente <strong>da</strong>s parcelas pagas quando do<br />
leilão de seu imóvel.<br />
(REsp 472.533/MS, Rel. MIN. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA<br />
TURMA, julgado em 12/08/2003, DJ 25/08/2003, p. 318)<br />
CONTRATO DE INCORPORAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. AD-<br />
JUDICAÇÃO DO IMÓVEL DO ADQUIRENTE PELO CONDOMÍNIO.<br />
SALDO DEVEDOR. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. IMPOSSIBILI-<br />
DADE. RESTITUIÇÃO AO CONDÔMINO INADIMPLENTE DAS PAR-<br />
CELAS EFETIVAMENTE PAGAS. INCIDÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA<br />
DO CONSUMIDOR. LEI 4.591/64.<br />
1. Afronta os princípios gerais de direito e a justiça contratual almeja<strong>da</strong> pelo<br />
Código de Defesa do Consumidor a não restituição, ao condômino inadimplente,<br />
<strong>da</strong>s parcelas efetivamente sal<strong>da</strong><strong>da</strong>s para a construção de empreendimento<br />
mediante contrato de incorporação.<br />
2. Cabível a restituição <strong>da</strong>s parcelas adimpli<strong>da</strong>s devi<strong>da</strong>mente corrigi<strong>da</strong>s, autoriza<strong>da</strong><br />
a retenção, pelo condomínio, de 15% do valor referente à comissão e<br />
multa remuneratória, a que se refere o § 4º do artigo 63 <strong>da</strong> Lei 4.951/64.<br />
3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 103
AULAS 16 E 17: CONDOMÍNIO<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Condomínio edilício. Administração dos confl itos condominiais. Órgãos<br />
condominiais.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Instituições de direito civil, vol. 4, cap. 53.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
AVVAD, Pedro. Condomínio e incorporações no Novo Código Civil: conclusões<br />
e questões polêmicas (em anexo, ao fi nal do livro).<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
CONDOMÍNIO COMUM OU VOLUNTÁRIO<br />
Conceito: Exercício, por mais de uma pessoa, em frações inicialmente<br />
ideais, dos direitos inerentes à proprie<strong>da</strong>de.<br />
Origem: pode ser incidente ou convencional, ordinário ou forçado.<br />
DIREITOS DOS CONDÔMINOS<br />
— Ca<strong>da</strong> um pode usar a coisa, de modo a não incompatibilizar a indivisão.<br />
— Ca<strong>da</strong> um pode alhear a sua parte, ou gravá-la, respeita<strong>da</strong> a preferência.<br />
— Reivindicar a coisa de terceiro.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 104
DEVERES DOS CONDÔMINOS<br />
— Responder pelos frutos auferidos.<br />
— Não modifi car a coisa.<br />
— Não poder <strong>da</strong>r uso e gozo <strong>da</strong> coisa para estranho sem o consentimento<br />
dos demais.<br />
— Responder pelos custos e dívi<strong>da</strong>s comuns, presumivelmente de acordo<br />
com sua cota parte.<br />
— Pode-se optar por escolha de administrador para o condomínio.<br />
Condomínio decorrente <strong>da</strong> separação dos bens: art. 1.327: há condomínio<br />
quanto aos muros, cercas...<br />
EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO COMUM<br />
— Art. 1.320. O destino natural de qualquer bem é a divisão.<br />
— Art. 1.322. Extinção pela alheação.<br />
CONDOMÍNIO EDILÍCIO<br />
Condomínio do CC e <strong>da</strong> Lei nº 4.591/64 (edilício, art. 1). Revogação<br />
desta lei pelo CC?<br />
— Áreas de uso exclusivo e áreas de uso comum.<br />
— Síndico e convenção condominial.<br />
— Cota condominial.<br />
— Deveres dos condôminos.<br />
Aplicação imediata dos dispositivos do Código Civil, a despeito do disposto<br />
na convenção de condomínio.<br />
ADMINISTRAÇÃO DE GARAGEM E COBERTURA.<br />
Cobertura: área comum ou exclusiva?<br />
Regimes jurídicos para a garagem:<br />
a) área comum indivisa;<br />
b) área comum indivisa com ocupação determina<strong>da</strong> na convenção;<br />
c) vaga na escritura, acessória <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de;<br />
d) vaga autônoma.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 105
CASO GERADOR<br />
Vejamos o exemplo <strong>da</strong>do por Américo Isidoro Angélico: 34<br />
“Imaginemos a hipótese de um condômino <strong>da</strong>do ao exacerbado alcoolismo,<br />
frequentemente é encontrado nas esca<strong>da</strong>s do condomínio em desalinho,<br />
bem como desfalecido nos elevadores, expelindo vômito e dejetos. Ante tal<br />
fato, o condomínio, através de seu síndico, convoca uma Assembléia Geral<br />
Extraordinária (artigo 1.354, do NCC), em cuja pauta convocativa destina<br />
a aplicação do constrangimento de até dez vezes a taxa condominial ao<br />
proprietário <strong>da</strong> ‘uni<strong>da</strong>de 150’, ante reiterado comportamento anti-social,<br />
gerando incompatibili<strong>da</strong>de de convivência com a socie<strong>da</strong>de condominial já<br />
desgasta<strong>da</strong> em decorrência de tal comportamento.<br />
A assembléia por 3/4 (três quartos) de seus condôminos restantes (artigo<br />
1.337 do NCC), excluindo assim o condômino do ‘apartamento 150’, que<br />
convocado e presente à assembléia defendeu-se alegando que haveria de mu<strong>da</strong>r<br />
o seu comportamento, aplicou no ato assemblear a multa com fun<strong>da</strong>mento<br />
no artigo 1.337, parágrafo único, de dez vezes o quantum <strong>da</strong> contribuição<br />
condominial (smj, o quorum exigido na Nova Lei Civil, nas hipóteses: reitera<strong>da</strong>mente<br />
inadimplente, infrator e anti-social é simples, restando entender<br />
pela aplicação <strong>da</strong>s multas com muita facili<strong>da</strong>de pelo condomínio).<br />
Posteriormente, foi paga a multa, contudo, o condômino prosseguiu em<br />
seu exacerbado alcoolismo, e até mesmo agudou este comportamento antisocial<br />
(codifi cação — direito de vizinhança, artigos 1.277 e 1.279, do NCC).<br />
O condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipa<strong>da</strong>, colimando<br />
a exclusão do condômino do condomínio, trazendo inequívoca prova<br />
dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança <strong>da</strong>s alegações e preenchendo<br />
todos os demais pressupostos legais exigidos (artigo 273, do CPC),<br />
requerendo a exclusão do condômino <strong>da</strong>quele condomínio.”<br />
Art. 1.337: a punição após ulterior deliberação <strong>da</strong> assembléia: possibili<strong>da</strong>de<br />
de expulsão do condômino? Como interpretar o dispositivo? É mesmo<br />
possível expulsar condômino anti-social?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
34 http://www.lexinform.com.br/artigos1.asp?Codigo=12.<br />
FGV DIREITO RIO 106
AULA 18: DEMAIS DIREITOS REAIS<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Demais direitos reais. Teoria do fracionamento e crítica. Tipici<strong>da</strong>de dos<br />
<strong>Direito</strong>s Reais. Multiproprie<strong>da</strong>de. <strong>Direito</strong>s reais extintos: enfi teuse e ren<strong>da</strong>. A<br />
profusão <strong>da</strong>s enfi teuses na vi<strong>da</strong> prática e a regra de transição do art. 2.038.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo:<br />
O princípio <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de dos direitos reais, por Gustavo Kloh Muller<br />
Neves. Ed. Renovar.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS<br />
Polêmica Realismo vs. Personalismo:<br />
<strong>Direito</strong> real — caráter externo — signifi ca um poder exercido sobre uma<br />
coisa. Esta conclusão é identifi ca<strong>da</strong> com o trabalho dos glosadores medievais.<br />
Crítica personalista — burguesia européia — o direito real não pode ser<br />
uma relação entre pessoa e coisa, pois só existem relações entre pessoas. Principal<br />
fi gura: Planiol.<br />
O personalismo e a ideia de obrigação passiva universal justifi cam a apropriação<br />
dos direitos reais pelos burgueses. A relação entre a pessoa e a coisa<br />
pode trazer inferências religiosas; se a proprie<strong>da</strong>de e demais direitos reais forem<br />
como o crédito, o burguês poderá ter acesso a estes direitos. Lembrar que<br />
privilégios reais (talha, corvéia, etc.) eram direitos reais.<br />
Crítica ao realismo: impossibili<strong>da</strong>de de relação entre pessoa e coisa; há<br />
direitos reais onde a interfencia <strong>da</strong> pessoa sobre a coisa é mínima, como no<br />
caso <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s.<br />
Crítica ao personalismo: a obrigação passiva universal na<strong>da</strong> mais é que o<br />
neminem laedere e vale também para qualquer tipo de direito. Carvalho de<br />
Mendonça diz que a obrigação passiva universal não é obrigação, pois não é<br />
patrimonial, não podendo ser lança<strong>da</strong> no passivo.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 107
DIFERENÇA PARA OS DIREITOS OBRIGACIONAIS:<br />
MÉTODOS DE EXPLICAÇÃO<br />
M. I. Carvalho de Mendonça: poder sobre a coisa x poder sobre a pessoa.<br />
Oliveira Ascensão: o direito real é absoluto, por prescindir de uma relação<br />
jurídica prévia; ele prevalece por si só.<br />
Relevância econômica <strong>da</strong>s coisas e dos negócios (art. 170, CF).<br />
Figuras intermédias: Ônus reais: ren<strong>da</strong>s...<br />
Obrigação propter rem: lembrar polêmica Santiago Dantas e C. Mário sobre<br />
a natureza <strong>da</strong> obrigação.<br />
Execução específi ca e tutela específi ca <strong>da</strong> obrigação: ius ad rem, segundo<br />
Venosa, como a adjudicação compulsória e a imissão na posse.<br />
Proteção erga omnes de obrigações: preferência na Lei 8.245.<br />
Penhor de créditos: art. 789 e seguintes do CC.<br />
Olympio Costa Jr. e Diez-Picazo: Proprie<strong>da</strong>de como situação jurídica, capaz<br />
de gerar outras relações reais.<br />
Proprie<strong>da</strong>de como uni<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental dos direitos reais: avançar noção<br />
de proprie<strong>da</strong>de como somatório de poderes sobre uma coisa — CC, art. 524,<br />
e art. 1229, Projeto.<br />
— Oponibili<strong>da</strong>de perante terceiros.<br />
— Sequela ou ambulatorie<strong>da</strong>de: o direito real “persegue” a coisa onde<br />
quer que ela esteja. Exemplo: furto, hipoteca, ven<strong>da</strong> de imóvel sobre o qual<br />
pesa um usufruto.<br />
— Preferência: falar dos direitos reais de garantia. S. Lopes: a preferência<br />
também diz respeito à predominância de um direito real constituído anteriormente,<br />
sobre um constituído posteriormente.<br />
— Abandono: o titular de um direito real pode dele abrir mão, em geral,<br />
sem prestar contas a ninguém (lembrar regime de proteção do patrimônio<br />
mínimo: pródigo, doação universal e inofi ciosa).<br />
— Perpetui<strong>da</strong>de: emborca com exceções, os direitos reais não são consumíveis<br />
pelo exercício, protraindo-se no tempo.<br />
— Titulari<strong>da</strong>de: para ca<strong>da</strong> direito real, deve haver apenas um titular (ou<br />
núcleo de titulari<strong>da</strong>de), que deve ser o tempo todo determinado. A estrutura<br />
<strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de representa como, em uma socie<strong>da</strong>de, é reparti<strong>da</strong> a riqueza.<br />
Falar de exceção: multiproprie<strong>da</strong>de (time sharing).<br />
— Tipici<strong>da</strong>de ou numerus clausus: os direitos reais não podem ser criados<br />
por via negocial, devendo estar previstos em lei. Falar do direito romano, <strong>da</strong><br />
gewere, dos códigos. Empecilho, no caso de direitos reais sobre imóveis (S.<br />
Rodrigues): o registro. Leis extravagantes prevêem direitos reais diferentes:<br />
Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (superfície), Lei 6.766 (direito real de preferência, no<br />
compromisso de compra e ven<strong>da</strong>), por exemplo. Falar do sistema espanhol.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 108
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS<br />
<strong>Direito</strong>s reais sobre coisa própria: Proprie<strong>da</strong>de.<br />
<strong>Direito</strong>s reais sobre coisa alheia:de uso, gozo e fruição: usufruto; uso; habitação;<br />
ren<strong>da</strong> constituí<strong>da</strong> sobre imóvel; servidão; superfície.<br />
De garantia: penhor; hipoteca; anticrese.<br />
De aquisição: <strong>Direito</strong> de preferência na promessa de compra e ven<strong>da</strong>.<br />
São todos desmembramentos do direito de proprie<strong>da</strong>de (ou melhor, dos<br />
seus poderes).<br />
Alienação fi duciária: não cria “novo” direito real, mas sim um novo contrato<br />
legitimador de posse imediata.<br />
ENFITEUSE E RENDA<br />
— Defi nição legal.<br />
— Ultrativi<strong>da</strong>de.<br />
— Art. 2.038: aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> regra de transição e direito intertemporal.<br />
CASO GERADOR<br />
O instituto <strong>da</strong> enfi teuse e a atual administração<br />
Prof. Marcos Coimbra<br />
Artigo publicado em set./2003 no jornal Ombro a Ombro<br />
O líder do governo <strong>da</strong> atual administração Lula no Senado, Aloizio Merca<strong>da</strong>nte,<br />
acaba de pronunciar-se contrário ao fi m do instituto <strong>da</strong> enfi teuse no<br />
Brasil, em nome do “interesse econômico <strong>da</strong> União” e <strong>da</strong> “necessi<strong>da</strong>de de se<br />
manter elevados superávits primários para garantir a confi ança na capaci<strong>da</strong>de<br />
de o governo honrar os seus compromissos impede que a União abra mão,<br />
neste momento, dos recursos arreca<strong>da</strong>dos com as receitas patrimoniais”. Na<br />
melhor tradição monetarista, S. Exª subordina fi ns a meios. De início, a atual<br />
administração Lula está cumprindo seus compromissos, engaja<strong>da</strong>mente, com<br />
os banqueiros e as multinacionais, mas não com os trabalhadores, a exemplo<br />
<strong>da</strong> Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco Brasil (PREVI), onde os<br />
benefi ciários, que teriam direito ao reajuste de 30,05%, em junho do corrente<br />
ano, obtiveram apenas 18%, a pretexto de se evitar défi cit pelo terceiro ano<br />
consecutivo. S. Exª conhece muito bem os prejuízos ocasionados à PREVI<br />
em função de sua utilização no processo de privatização selvagem de estatais<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 109
asileiras, como no crime de lesa pátria <strong>da</strong> “doação” <strong>da</strong> Companhia Vale do<br />
Rio Doce, por infl uência de políticos com poder na administração anterior,<br />
mesmo sendo de “oposição”. Para diminuir o défi cit nominal do Tesouro não<br />
é preciso a utilização <strong>da</strong>s receitas oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> enfi teuse, mas sim diminuir o<br />
extorsivo pagamento de juros exorbitantes <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública, <strong>da</strong> corrupção<br />
desenfrea<strong>da</strong> e do empreguismo utilizado pela toma<strong>da</strong> de assalto pelas políticas<br />
clientelistas <strong>da</strong> nova administração, atingindo até o INCA. As “reformas<br />
previdenciária e tributária” são outras demonstrações de “ajustes fi scais”, que<br />
provocarão per<strong>da</strong>s irreparáveis à classe trabalhadora, em especial à classe média,<br />
para alegria dos rentistas e do FMI.<br />
A outra linha de argumentação exposta por S. Exª, quanto à proprie<strong>da</strong>de<br />
de terras brasileiras, leva ao raciocínio absurdo de que então não existe mais<br />
proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> no Brasil. Na reali<strong>da</strong>de, tudo deveria pertencer à União.<br />
Tal, contudo, não ocorre. Por que só as chama<strong>da</strong>s “terras <strong>da</strong> Marinha”? De<br />
fato, quem recolhe o foro e o laudêmio é o Serviço de Patrimônio <strong>da</strong> União,<br />
subordinado ao Ministério do Planejamento, atualmente com suas direções<br />
regionais entregues, no loteamento de cargos para garantir a maioria no Congresso,<br />
a um partido político, com grande infl uência religiosa, sempre presente<br />
em todos os governos, cabendo à Marinha, caso receba, irrisória fatia<br />
<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção. Sob o ponto de vista <strong>da</strong> justiça e sob o aspecto ético, não há<br />
razão para a manutenção no anacrônico instituto, de origem medieval, capaz<br />
de permitir até à família imperial brasileira, em Petrópolis, arreca<strong>da</strong>ção permanente,<br />
bem como a outras instituições priva<strong>da</strong>s e religiosas.<br />
Não conseguimos descobrir a importância estratégica na segurança e soberania<br />
nacionais, em pleno século XXI, na era dos mísseis intercontinentais,<br />
de áreas costeiras. Não há porque serem de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União, por esta<br />
razão. É um argumento sem fun<strong>da</strong>mento. Quanto à preservação ecológica e<br />
do meio ambiente, as condições atuais <strong>da</strong>s cita<strong>da</strong>s regiões como, por exemplo,<br />
a triste situação <strong>da</strong> baía de Guanabara mostra, à sacie<strong>da</strong>de, o abandono<br />
a que estão submeti<strong>da</strong>s, “sob a proteção <strong>da</strong> União”. A hipótese, então, destes<br />
“terrenos para instalação de uni<strong>da</strong>des militares” está fora <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, sabendo-se<br />
que a priori<strong>da</strong>de um <strong>da</strong> estratégia nacional é a de ocupar a Amazônia,<br />
não havendo sentido na manutenção de organizações militares na costa, pois<br />
as existentes, por falta de utili<strong>da</strong>de, estão sendo transforma<strong>da</strong>s em museus,<br />
centros culturais e outras.<br />
Os títulos fraudulentos e os aterros criminosos existem, apesar de serem<br />
de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União, e vão continuar existir, sejam ou não de sua proprie<strong>da</strong>de.<br />
A solução está no cumprimento <strong>da</strong> legislação vigente para qualquer<br />
parte do território nacional. Portanto, não há justifi cativa racional para a<br />
manutenção do instituto <strong>da</strong> enfi teuse no Brasil.<br />
Professor Titular de Economia junto à Universi<strong>da</strong>de Cândido Mendes,<br />
Professor na UERJ e Conselheiro <strong>da</strong> ESG.” 35<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
35 http://www.brasilsoberano.com.br/<br />
artigos/Anteriores/oinstituto<strong>da</strong>enfiteuse.htm.<br />
FGV DIREITO RIO 110
Levando-se em consideração que os sucessores <strong>da</strong> Família Real já recebem<br />
foro há mais de um século, seria possível a extinção do domínio direto, por<br />
alegação de não cumprir a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 111
AULA 19: FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Financiamento imobiliário. SFH e SFI. Histórico e formas de fi nanciamento.<br />
Securitização do mercado imobiliário. Consórcio de imóveis para fi ns<br />
residenciais.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
CHALHOUB, Melhim. Incorporação imobiliária, cap. 7.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
CARNEIRO, Dionísio Dias. Financiamento à habitação e instabili<strong>da</strong>de econômica:<br />
experiências passa<strong>da</strong>s, desafi os e propostas para a ação futura.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
QUADRO COMPARATIVO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO<br />
Aumento do preço do imóvel<br />
PROGRAMA DE<br />
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL<br />
LEASING<br />
Lei 10.188/01<br />
SISTEMA FINANCEIRO<br />
DE HABITAÇÃO<br />
MÚTUO C/ HIPOTECA<br />
Lei 4.380/64 e outras<br />
VICISSITUDES DAS MODALIDADES DE FINANCIAMENTO<br />
— Critérios de correção <strong>da</strong>s prestações.<br />
— Correção do saldo devedor.<br />
— Execução no Dec. 70/66.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
SISTEMA FINANCEIRO<br />
DE IMÓVEIS<br />
MÚTUO C/<br />
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA<br />
Lei 9.514/97<br />
FGV DIREITO RIO 112
CASO GERADOR<br />
SIMULAÇÕES DE COMPRA DE APARTAMENTOS (Roleplay).<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 113
AULA 20: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Alienação fi duciária de móveis e imóveis. Compreensão do instituto.<br />
Comparação com hipoteca e penhor. Aspectos polêmicos <strong>da</strong> alienação fi duciária<br />
na aquisição de bens. Proteção do alienante.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
RIZZARDO, Arnaldo. <strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s coisas, cap. 20.<br />
LEITURA COMPLEMENTAR<br />
COMPARATO, F.K. Função social dos bens de produção. Revista de <strong>Direito</strong><br />
Mercantil, n. 63.<br />
ROTEIRO DE AULAS<br />
ORIGENS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO<br />
— Dec. 911/69.<br />
— A proprie<strong>da</strong>de fi duciária.<br />
— A lei 9.514/97.<br />
ASPECTOS PROCESSUAIS<br />
— Liminar.<br />
— Purga <strong>da</strong> mora.<br />
— Busca e apreensão.<br />
— Sentença.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 114
CASO GERADOR.<br />
A função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de dos bens de produção<br />
e a alienação fi duciária.<br />
“RECURSO ESPECIAL N° 128.048— lis (1997/0026362-2) RELA-<br />
TOR: MINISTRO ALUIR PASSARINHO JUNIOR — EMENTA: PRO-<br />
CESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.<br />
BUSCA E APREENSÀO MAQUNÁRIO AGRÍCOLK MEDIDA LIMI-<br />
NAR INDEFERIDA BEM NECESSÁRIO AO SUSTENTO DO DEVE-<br />
DOR. DL N.91 1/69, ART. 30 1..... II. Merece tempero a concessão <strong>da</strong><br />
medi<strong>da</strong> liminar prevista no art. 3° do Decreto-Lei n. 922/69, quando se<br />
trate de bem necessário ao sustento do réu, caso do maquinário agrícola<br />
fi duciariamente alienado. III. Recurso especial não conhecido. ACÓRDÃO<br />
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s, Decide a<br />
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, rejeita<strong>da</strong> a preliminar, à unanimi<strong>da</strong>de,<br />
não conhecer do recurso, na forma o relatório e notas taquigráfi cas<br />
constantes dos autos, que fi cam fazendo parte integrante 46 presente julgado.<br />
Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira,<br />
Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.”<br />
O que deve prevalecer: a necessi<strong>da</strong>de de sustento do réu ou a proteção à<br />
proprie<strong>da</strong>de e ao crédito?<br />
DECISÃO(ÕES).<br />
INFORMATIVO n° n. 0413<br />
Período: 26 a 30 de outubro de 2009.<br />
FINANCIAMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.<br />
ARREPENDIMENTO<br />
Trata-se de Resp. em que se discute, em síntese, o direito de arrependimento,<br />
previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC),<br />
como cláusula de resolução de contrato de fi nanciamento com alienação<br />
fi duciária em garantia. Na hipótese em questão, o recorrente assinou dois<br />
contratos, um de compra e ven<strong>da</strong> com a concessionária de veículos e outro<br />
de fi nanciamento com o banco recorrido. Após a assinatura do contrato de<br />
fi nanciamento, ocorrido em lugar diverso do estabelecimento comercial do<br />
recorrido, o recorrente arrependeu-se e enviou notifi cação a este no sexto<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 115
dia seguinte à celebração do negócio. Diante disso, a Turma entendeu que é<br />
facultado ao consumidor desistir do contrato no prazo de sete dias a contar<br />
<strong>da</strong> assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial,<br />
nos termos do referido dispositivo legal. Assim, notifi cado o vendedor,<br />
a cláusula de arrependimento, implícita no contrato de fi nanciamento realizado<br />
em local diverso do estabelecimento comercial <strong>da</strong> instituição fi nanceira,<br />
deve ser interpreta<strong>da</strong> como causa de resolução tácita do contrato, cuja consequência<br />
é restabelecer as partes ao status quo ante. Ademais, não prospera<br />
a argumentação do recorrido de que não é possível o exercício do direito<br />
de arrependimento, porque o valor referente ao contrato de empréstimo foi<br />
repassado para a concessionária de veículos antes <strong>da</strong> manifestação do recorrente.<br />
Pois, como visto este, ao exercer o direito de arrependimento, agiu em<br />
exercício regular de direito amparado pelo referido art. 49 do CDC. Outrossim,<br />
o eventual arrogo na posse do valor referente ao contrato de empréstimo<br />
pela concessionária de veículos não pode ser imputado ao recorrente nem<br />
dele ser exigido, uma vez que o contrato de compra e ven<strong>da</strong> celebrado entre<br />
ele e a concessionária não se perfectibilizou; na ver<strong>da</strong>de, sequer houve imissão<br />
na posse do bem. Ressalte-se que, nos termos do art. 2º do DL n. 911/1969,<br />
a ação de busca e apreensão é fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> com o inadimplemento ou mora<br />
nas obrigações contratuais. To<strong>da</strong>via, no caso, ocorreu a resolução do contrato<br />
pelo exercício do direito de arrependimento e não houve formação nem ajuste<br />
de obrigações contratuais. Nesse contexto, deu-se provimento ao recurso.<br />
REsp 930.351-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2009.<br />
— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua<br />
ativi<strong>da</strong>de.<br />
AgRg no REsp 1193791/MG, Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO,<br />
QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011<br />
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL<br />
EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDU-<br />
CIÁRIA. BENS INDISPENSÁVEIS. SÚMULA 7/STJ.<br />
1. Admite-se a manutenção dos bens garantidores <strong>da</strong> alienação fi duciária<br />
na posse do devedor se demonstra<strong>da</strong> a indispensabili<strong>da</strong>de de tais bens para o<br />
exercício <strong>da</strong> empresa.<br />
2. No presente caso, ante a ausência de manifestação pelo Tribunal de origem<br />
acerca <strong>da</strong> indispensabili<strong>da</strong>de, ou não, dos bens alienados fi duciariamente e objetos<br />
<strong>da</strong> garantia, o acolhimento <strong>da</strong> argumentação dos ora recorrentes deman<strong>da</strong>ria<br />
necessário revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é ve<strong>da</strong>do em sede<br />
de recurso especial.<br />
Incidência <strong>da</strong> Súmula 7/STJ.<br />
3. Agravo regimental não provido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 116
— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua ativi<strong>da</strong>de,<br />
mesmo quando este se encontrar em recuperação judicial.<br />
CC 110.392/SP, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado<br />
em 24/11/2010, DJe 22/03/2011<br />
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO<br />
CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPE-<br />
RAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE<br />
PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRIN-<br />
CÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA PRESERVA-<br />
ÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO.<br />
1. Em regra, o credor titular <strong>da</strong> posição de proprietário fi duciário de bem<br />
imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos <strong>da</strong> recuperação judicial,<br />
consoante disciplina o art. 49, § 3º, <strong>da</strong> Lei 11.101/05.<br />
2. Na hipótese, porém, há peculiari<strong>da</strong>de que recomen<strong>da</strong> excepcionar a regra.<br />
É que o imóvel alienado fi duciariamente, objeto <strong>da</strong> ação de imissão de posse<br />
movi<strong>da</strong> pelo credor ou proprietário fi duciário, é aquele em que situa<strong>da</strong> a própria<br />
planta industrial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de empresária sob recuperação judicial, mostrandose<br />
indispensável à preservação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong> devedora, sob pena de<br />
inviabilização <strong>da</strong> empresa e dos empregos ali gerados.<br />
3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreensão<br />
de bem móvel referente à alienação fi duciária, a jurisprudência desta Corte<br />
admite fl exibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fi duciante<br />
“ bem necessário à ativi<strong>da</strong>de produtiva do réu” (v. REsp 250.190-SP, Rel.<br />
Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002).<br />
4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo<br />
empregado em benefício <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, cumprindo sua função social (CF, arts.<br />
5º, XXIV, e 170, III), não signifi ca, porém, que o imóvel não possa ser entregue<br />
oportunamente ao credor fi duciário, mas sim que, em atendimento ao princípio<br />
<strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> empresa (art. 47 <strong>da</strong> Lei 11.101/05), caberá ao Juízo <strong>da</strong> Recuperação<br />
Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente<br />
avaliação própria dessa instância ordinária.<br />
5. Em exame de confl ito de competência pode este Superior Tribunal de<br />
Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante<br />
e o suscitado. Precedentes.<br />
6. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo <strong>da</strong> 2ª Vara Cível<br />
de Itaquaquecetuba — SP, onde é processa<strong>da</strong> a recuperação judicial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
empresária.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 117
— Discussão acerca <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de do recebimento <strong>da</strong> notifi cação extrajudicial,<br />
requisito necessário à execução extrajudicial de bens alienados fi duciariamente.<br />
AgRg no Ag 1315109/RS, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, QUARTA TUR-<br />
MA, julgado em 01/03/2011, DJe 21/03/2011<br />
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUS-<br />
CA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MORA. COMPROVA-<br />
ÇÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PROVA DO RECEBIMENTO.<br />
NECESSIDADE.<br />
1. A jurisprudência desta Corte fi rmou-se no sentido de que, em caso de<br />
alienação fi duciária, a mora deve ser comprova<strong>da</strong> por meio de notifi cação extrajudicial<br />
realiza<strong>da</strong> por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser<br />
entregue no domicílio do devedor, sendo dispensa<strong>da</strong> a notifi cação pessoal.<br />
2. Na hipótese, o Eg. Tribunal de origem consigna que não há comprovação<br />
de que a notifi cação, embora remeti<strong>da</strong> para o endereço constante do instrumento<br />
contratual, foi efetivamente recebi<strong>da</strong> no endereço do domicílio do devedor,<br />
não restando, portanto, comprovado o atendimento do requisito <strong>da</strong> constituição<br />
deste em mora para prosseguimento <strong>da</strong> ação de busca e apreensão.<br />
3. Embora desnecessário o recebimento <strong>da</strong> notifi cação pelo próprio devedor,<br />
exige-se, pelo menos, a comprovação de que efetivamente houve o recebimento<br />
no endereço do seu domicílio.<br />
4. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 118
AULA 21: HIPOTECA E PENHOR<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Princípios dos direitos reais de garantia. Hipoteca, penhor e alienação como<br />
meios de fi nanciamento de projetos. Corporate fi nance e project fi nance.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
COUTO E SILVA, Clóvis do. Hipoteca no direito comparado. In: FRA-<br />
DERA, Vera Jacob (Org.). O direito privado no pensamento de Clóvis do<br />
Couto e Silva. Ed. Livraria do Advogado.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
PRINCÍPIOS DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA<br />
Indivisibili<strong>da</strong>de (art. 1.421);<br />
Especifi ci<strong>da</strong>de (art. 1.424);<br />
Ve<strong>da</strong>ção ao pacto comissório (art. 1.428).<br />
PENHOR<br />
Concepção tradicional.<br />
Registro do penhor.<br />
Deveres de credor e de devedor.<br />
HIPOTECA<br />
Hipóteses do art. 1.473 do Código Civil.<br />
Hipoteca no direito comparado: cédula de crédito hipotecário.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 119
CORPORATE FINANCE E PROJECT FINANCE<br />
Distinções.<br />
Papel do penhor e hipoteca no project fi nance.<br />
Penhor de futuros.<br />
CASO GERADOR<br />
É calculado erroneamente o valor de um imóvel fi nanciado para fi ns de hipoteca.<br />
O mesmo é sub-avaliado e, em vez de ser cotado em 500.000, é cotado<br />
em 250.000. Pago o valor de 250.000, o adquirente pede o levantamento <strong>da</strong><br />
hipoteca; o Banco X S.A. recusa, alegando que os custos de construção foram<br />
revistos e, na reali<strong>da</strong>de, há ain<strong>da</strong> metade do valor a pagar. Quem tem razão?<br />
DECISÃO(ÕES).<br />
INFORMATIVO N. 0399<br />
PERÍODO: 15 A 19 DE JUNHO DE 2009<br />
SFH. FCVS. EQUÍVOCO. CEF. QUITAÇÃO. IMÓVEL<br />
Na espécie, a mutuária adquiriu um imóvel <strong>da</strong> CEF e pagou, juntamente<br />
com as prestações, as parcelas referentes ao Fundo de Compensação e Variação<br />
Salarial (FCVS). Ao término do pagamento, exigiu a quitação do imóvel<br />
e a respectiva baixa <strong>da</strong> hipoteca incidente sobre ele. A CEF, então, recusou-se<br />
à quitação, dizendo que o contrato não era submetido ao FCVS, que estava<br />
fora <strong>da</strong>quele limite. O máximo que a mutuária poderia fazer era receber o<br />
seu dinheiro de volta, não a quitação. Inicialmente, o Min. Relator destacou<br />
que o recurso interposto pela alínea c permite a adoção de soluções análogas<br />
aos casos semelhantes. A existência de erro inescusável, em razão do preparo<br />
técnico dos agentes <strong>da</strong> CEF que atuam na área de fi nanciamento, impõe<br />
ao agente fi nanceiro arcar com as conseqüências econômicas advin<strong>da</strong>s de<br />
eventual equívoco quando <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong>s cláusulas contratuais. In casu, o<br />
erro quanto à previsão de cobertura pelo FCVS, mercê de o valor fi nanciado<br />
exceder o limite regulamentar encartado na Circular n. 1.214/1987, item<br />
15; Resolução n. 1.361/1987 do Bacen, bem como a indevi<strong>da</strong> cobrança <strong>da</strong>s<br />
parcelas relativas ao FCVS juntamente com a prestação e o seguro, decorreu<br />
de equívoco dos agentes <strong>da</strong> CEF, que, evidentemente, não pode se valer <strong>da</strong><br />
própria torpeza para afastar o benefício de cobertura do saldo devedor pelo<br />
FCVS, em razão <strong>da</strong> presunção de boa fé dos mutuários, reafi rma<strong>da</strong>, no caso<br />
concreto, pelo adimplemento <strong>da</strong>s prestações do contrato de mútuo habita-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 120
cional. Diante disso, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para<br />
aplicar à hipótese o entendimento adotado por este Superior Tribunal em<br />
casos análogos, a fi m de reconhecer o direito dos recorrentes à quitação do<br />
imóvel nos moldes <strong>da</strong> Lei n. 10.150/2000, bem como à respectiva baixa <strong>da</strong><br />
hipoteca incidente sobre o imóvel. Precedentes citados: REsp 684.970-GO,<br />
DJ 20/2/2006, e REsp 562.729-SP, DJ 6/2/2007. REsp 972.890-DF, Rel.<br />
Min. Luiz Fux, julgado em 16/6/2009.<br />
(REsp 757.598/MG, Rel. MIN. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado<br />
em 17/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 340)<br />
PROCESSUAL CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO<br />
EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. HIPOTECA. ALIE-<br />
NAÇÃO. DISTINÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS.<br />
1. Embargos de terceiros opostos para impugnar arresto de bens indisponíveis<br />
em razão <strong>da</strong> declaração de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de instituição bancária,<br />
ao argumento de que gravados com hipoteca, por ser “forma indireta de alienação”.<br />
2. Essa indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial — que não implica per<strong>da</strong> de titulari<strong>da</strong>de<br />
dominial sobre os bens — reveste-se de importante função instrumental,<br />
pois visa a impedir que o ex-administrador <strong>da</strong> instituição fi nanceira venha a<br />
desfazer-se desses mesmos bens, difi cultando ou impossibilitando, com atos de<br />
ilícito desvio de seu patrimônio, a própria liqui<strong>da</strong>ção de sua responsabili<strong>da</strong>de<br />
civil, gerando, com esse injusto comportamento, prejuízos gravíssimos a uma<br />
vasta coletivi<strong>da</strong>de de credores <strong>da</strong> instituição sob intervenção ou em regime de<br />
liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial (lei n° 6.024/74, art. 49 e respectivo parágrafo 1°). (...)<br />
Na reali<strong>da</strong>de, a indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial, que apenas afeta os jus abutendi<br />
vel disponendi do proprietário, qualifi ca-se como legítima restrição jurídica que<br />
incide sobre o direito de livre disposição dos bens pertencentes ao dominus.<br />
Precedente: Petição 1.343-9/DF, Relator Ministro Celso de Mello, à época Presidente<br />
do STF, DJ:21.08.97 (In “Jurisprudência em Matéria de Intervenção e<br />
Liqui<strong>da</strong>ção Extrajudicial — Volume 2 — FGC — Organizadores: Jairo Saddi e<br />
Rodrigo Ferraz <strong>da</strong> Camargo — páginas 290/298).<br />
3. Mercê <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de patrimonial constituir efeito necessário que<br />
decorre do ato que decreta a intervenção ou a liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de qualquer<br />
instituição fi nanceira o art. 36, § 4º, <strong>da</strong> Lei 6.024/74, exclui expressamente<br />
<strong>da</strong> referi<strong>da</strong> restrição contratos específi cos, desde que registrados em <strong>da</strong>ta anterior<br />
à sua decretação, dentre os quais não se extrai a hipoteca 4. O art. 36, § 4º,<br />
<strong>da</strong> Lei 6.024/74 dispõe que: “§ 4º Não são igualmente atingidos pela indisponibili<strong>da</strong>de<br />
os bens objeto de contrato de alienação, de promessa de compra<br />
e ven<strong>da</strong>, de cessão de direito, desde que os respectivos instrumentos tenham<br />
sido levados ao competente registro público, anteriormente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> decretação<br />
<strong>da</strong> intervenção, <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial ou <strong>da</strong> falência. “ 5. A exclusão <strong>da</strong><br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 121
indisponibili<strong>da</strong>de de bens por força <strong>da</strong> decretação de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial é<br />
taxativamente prevista no rol do artigo 36, § 4º <strong>da</strong> Lei 6.024/74, no qual não se<br />
incluiu a hipoteca, motivo pelo qual, há que se reconhecer a indisponibili<strong>da</strong>de<br />
do bem por ela gravado.<br />
6. Merece prestígio o entendimento adotado pelo acórdão recorrido no sentido<br />
de que: “A hipoteca não consubstancia contrato de alienação, para efeito do<br />
disposto no art. 36, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 6.024/74 antes transcrito, e a sua existência<br />
não é sufi ciente para que se declarem disponíveis os bens adquiridos pelo recorrente,<br />
em 03.06.1996 (f. 79/80-TJ), ou seja, após a decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção<br />
extrajudicial do Banco Hércules, que se deu em 28.07.1994. A manutenção<br />
<strong>da</strong> declaração <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de dos bens, no presente caso, é adequa<strong>da</strong> para<br />
evitar lesão aos interesses de pessoas de boa-fé.” 7. Deveras, em situação análoga,<br />
este Tribunal já se manifestou no sentido de que o art. 36 <strong>da</strong> Lei nº 6.024, de<br />
13.03.74 impede a alienação ou oneração dos bens, por iniciativa do próprio<br />
administrador <strong>da</strong> instituição fi nanceira, mas não a penhora por interesse e a<br />
requerimento do credor. Precedentes: REsp 204668/MG DJ 29.04.2002; REsp<br />
113039/MG DJ 28.02.2000.<br />
8. Recurso Especial desprovido.<br />
RECURSO ESPECIAL Nº 433.688 — DF (2002/0052153-4)<br />
RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR— 23 de setembro<br />
de 2003 (Data do Julgamento)<br />
CIVIL E PROCESSUAL. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. HI-<br />
POTECA INCIDENTE SOBRE A TOTALIDADE DO IMÓVEL. VENDA<br />
ANTERIOR DE UNIDADES AUTÔNOMAS. CONSTRUTORA QUE<br />
NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O BANCO FINAN-<br />
CIADOR. EXCLUSÃO DO GRAVAME REAL.<br />
I. O adquirente de uni<strong>da</strong>de autônoma somente é responsável pelo pagamento<br />
integral <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição<br />
patrimonial em razão do inadimplemento <strong>da</strong> empresa construtora perante<br />
o banco fi nanciador do empreendimento, posto que, em face <strong>da</strong> celebração <strong>da</strong><br />
promessa de compra e ven<strong>da</strong>, aqui, inclusive, em <strong>da</strong>ta anterior à constituição <strong>da</strong><br />
hipoteca, a garantia passa a incidir apenas sobre os direitos decorrentes do contrato<br />
individualizado, nos termos do art. 22 <strong>da</strong> Lei n. 4.864/65, não podendo<br />
subsistir se o débito já foi quitado pelo comprador junto à vendedora.<br />
II. Precedentes do STJ.<br />
III. Recurso especial não conhecido.<br />
Hipoteca — Efi cácia real erga omnes x súmula 308 STJ<br />
0084675-78.2006.8.19.0001 (2008.001.22202) — APELACAO<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 122
DES. MIGUEL ANGELO BARROS — Julgamento: 10/06/2008 — DE-<br />
CIMA SEXTA CAMARA CIVEL<br />
AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO — TERCEIRO QUE PROME-<br />
TE COMPRAR IMÓVEL SABIDAMENTE HIPOTECADO A AGENTE<br />
DO SFH E QUITA O PREÇO SEM EXIGIR DO PROMITENTE VENDE-<br />
DOR PROVA DE QUE ELE QUITOU A HIPOTECA E DEPOIS TENTA<br />
SE OPOR À PENHORA DO IMÓVEL EM EXECUÇÃO DA HIPOTECA<br />
NÃO PAGA PELOS PROMITENTES VENDEDORES — SENTENÇA DE<br />
PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS APELAÇÃO DO CREDOR HIPO-<br />
TECÁRIO — ATO DO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO LIMINAR<br />
AO RECURSO — AGRAVO INOMINADO DO § 1° DO ART. 557 DO<br />
CPC MANEJADO PELA EMBARGANTE.1. Se a ação é de embargos de terceiro<br />
e a embargante é a promitente compradora do apartamento penhorado,<br />
negócio que celebrou o negócio sabendo que o imóvel estava hipotecado a um<br />
agente do SFH (tanto que no instrumento de promessa de ven<strong>da</strong> e compra há<br />
cláusula versando sobre a dita hipoteca), afi gura-se absolutamente correto o despacho<br />
do relator que no Tribunal deu provimento liminar à Apelação do agente<br />
fi nanceiro embargado, porque defi nitivamente a embargante apela<strong>da</strong>, que já<br />
contratou sabendo que o imóvel estava hipotecado, não pode se dizer terceira<br />
de boa-fé somente no momento em que o credor executa a hipoteca e penhora<br />
o imóvel hipotecado e a ela prometido vender, não tendo ela direito nenhum de<br />
pretender que seja declara<strong>da</strong> a inefi cácia <strong>da</strong> hipoteca em relação a ela e muito<br />
menos pretender a revogação <strong>da</strong> penhora do imóvel, pois a hipoteca é direito<br />
real oponível a terceiros, já tendo a Egrégia 2ª Câmara Cível deste Tribunal em<br />
1/4/2003 na Apelação nº 2002.001.16596 (D. Of. 27/11/2003, pg. 415), decidido<br />
que a compra e ven<strong>da</strong> de imóvel hipotecado é ato jurídico possível, mas<br />
que nesse caso a hipoteca continua onerando o imóvel e se não for paga o credor<br />
pode executá-la e penhorar o imóvel, mesmo que já vendido pelo devedor hipotecário<br />
a terceiro.2. Agravo Inominado a que se nega provimento.<br />
(REsp 314.122/PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA<br />
TURMA, julgado em 27/06/2002, DJ 05/08/2002, p. 329)<br />
CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTE-<br />
RIOR. Se, à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> promessa de compra e ven<strong>da</strong>, o imóvel já estava gravado<br />
por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata<br />
de direito real oponível erga omnes; o cumprimento <strong>da</strong> obrigação de escriturar a<br />
compra e ven<strong>da</strong> do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigi<strong>da</strong> de quem a<br />
assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial conhecido, mas não provido.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 123
(REsp 593.474/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,<br />
TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 01/12/2010)<br />
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL HI-<br />
POTECADO. GRAVAME FIRMADO ENTRE A CONSTRUTORA E O<br />
AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO ADQUIREN-<br />
TE. SÚMULA 308/STJ.<br />
1. “A hipoteca fi rma<strong>da</strong> entre a construtora e o agente fi nanceiro, anterior ou<br />
posterior à celebração <strong>da</strong> promessa de compra e ven<strong>da</strong>, não tem efi cácia perante<br />
os adquirentes do imóvel” (súmula 308/STJ).<br />
2. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 124
AULA 22 E 23: SUPERFÍCIE<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Perspectivas de utilização urbanística. A superfície como modelo para uma<br />
revisão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
LIMA, Ricardo C. Pereira. O regime de superfície no Novo Código Civil. em<br />
Aspectos Polêmicos do Novo Código Civil, Ed. RT.<br />
LIMA, Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de ordenação<br />
urbanística, conclusões. Ed. Renovar.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
Superfície<br />
Tudo isso por um “três quartos”? A frase, de uso cotidiano, encerra com<br />
precisão um dos graves problemas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de contemporânea urbana: o<br />
custo dos terrenos. As famílias em geral passam muitos anos <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> pensando<br />
em adquirir um imóvel, e já vimos a série de difi cul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s,<br />
tanto do ponto de vista dos direitos reais quanto do ponto de vista contratual.<br />
Há também evidente infl uência do custo dos terrenos na especulação<br />
imobiliária, na desordem urbana e no refreio ao crescimento econômico. É<br />
necessário desatar o nó, que é muito maior do que pensamos, pois nem sempre<br />
consideramos o custo ínsito à desordem e à especulação imobiliária, que<br />
impulsiona sem direção o crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e aumenta o custo de vi<strong>da</strong><br />
e os custos nos empreendimentos. Uma mercadoria não é mais cara no shopping<br />
do que na loja de rua? Pense nisso em escala global. Mas como baratear?<br />
Racionalizando o uso do solo. Quem pode fazê-lo? A resposta, nesse caso,<br />
não é tão evidente.<br />
Mas a introdução do direito de superfície no direito brasileiro deve ser<br />
considera<strong>da</strong> um caminho possível. É possível baratear a construção de imóveis<br />
por meio <strong>da</strong> superfície? Ela consiste num desdobramento <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />
sendo que o dono do terreno passa a ser uma pessoa, e o dono <strong>da</strong> construção<br />
ou plantação, outra.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 125
A estrutura do direito de superfície<br />
Em se tratando de direito de construir ou plantar sobre solo alheio, fi ca<br />
claro que o direito de superfície representa exceção ao chamado princípio <strong>da</strong><br />
acessão. O direito de superfície pode então ser desmembrado em duas reali<strong>da</strong>des:<br />
consistirá no direito de utilizar o domínio útil do solo alheio, excluído<br />
o subsolo, e também resultará na criação de uma proprie<strong>da</strong>de superfi ciária,<br />
que terá por objeto a construção ou plantação lança<strong>da</strong> ao solo alheio. 36 O direito<br />
de superfície é, portanto, o direito real sobre coisa alheia e também uma<br />
forma de criação de proprie<strong>da</strong>de resolúvel (art. 1.375). Portanto, para que<br />
se constituam os efeitos por ele criados, é vital a sua consignação no Registro<br />
de Imóveis.<br />
SUPERFÍCIE = REGISTRO DE PROPRIEDADE + ESCRITURA DE<br />
SUPERFÍCIE + REGISTRO DE SUPERFÍCIE<br />
MAS EU PERCO O QUE É MEU?<br />
Proprie<strong>da</strong>de resolúvel? Trata-se de uma lógica básica do direito de superfície.<br />
Terminado o prazo, a construção passa a ser de proprie<strong>da</strong>de do dono do<br />
terreno, que, salvo haja previsão em sentido contrário, nem mesmo é obrigado<br />
a indenizar a per<strong>da</strong> do bem. 37 Parece não ser vantajoso, mas a prática<br />
oriun<strong>da</strong> de países nos quais a superfície é difundi<strong>da</strong> mostra bem o contrário.<br />
Na reali<strong>da</strong>de, a superfície é mais barata por isso. O preço de um bem nãoperecível<br />
como o solo varia de acordo com o tempo que se será dono dele.<br />
Assim, se alguém for comprar um apartamento por 100 anos, pagará mais<br />
barato do que se fosse comprar a fração ideal do terreno para sempre.<br />
Mas por que só a fração é para sempre? Porque, de acordo com as modernas<br />
técnicas de construção, os prédios têm vi<strong>da</strong> útil limita<strong>da</strong>. Além disso, se o<br />
prazo for longo, por exemplo, 100 anos, não faria muita diferença?<br />
DUPLICIDADE DE REGIMES<br />
O instituto não foi introduzido no direito brasileiro pelo Código de 2002.<br />
A previsão inicial do direito de superfície deu-se no chamado Estatuto <strong>da</strong><br />
Ci<strong>da</strong>de, Lei nº 10.257/01. O direito de superfície encontra-se regulado dos<br />
artigos 21 e seguintes deste diploma legal, que tem por objetivo servir de instrumento<br />
para a criação de políticas urbanas nas ci<strong>da</strong>des brasileiras.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
36 “Art. 1.369. O proprietário pode conceder<br />
a outrem o direito de construir ou<br />
de plantar em seu terreno, por tempo<br />
determinado, mediante escritura pública<br />
devi<strong>da</strong>mente registra<strong>da</strong> no Cartório<br />
de Registro de Imóveis.<br />
Parágrafo único. O direito de superfície<br />
não autoriza obra no subsolo, salvo se<br />
for inerente ao objeto <strong>da</strong> concessão.”<br />
37 CC, art. 1375.<br />
FGV DIREITO RIO 126
Ocorre que esta superposição de regimes legais é problemática. Alguns,<br />
por exemplo, poderiam afi rmar que a entra<strong>da</strong> em vigor do Código serve de<br />
meio de revogação dos dispositivos do Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de atinentes ao direito<br />
de superfície. Os comentadores do Estatuto fazem entender que a superfície<br />
urbana será regra<strong>da</strong> pela Lei especial, enquanto a rural será normatiza<strong>da</strong><br />
pelo Código Civil. Por exemplo, vejamos a opinião de Maria Sylvia di Pietro:<br />
“Uma primeira conclusão, portanto, é no sentido de que o direito de superfície,<br />
tal como disciplinado nessa lei, não abrange imóveis rurais. Já no projeto de<br />
CC a extensão do instituto é maior, por que não distingue proprie<strong>da</strong>de urbana<br />
ou rural. O artigo 1.368 estabelece que o proprietário pode conceder a outrem<br />
o direito de construir ou de plantar em seu terreno por tempo determinado,<br />
mediante escritura pública devi<strong>da</strong>mente inscrita no registro de imóveis. Uma vez<br />
promulgado o novo CC, e entrando em vigor, o direito de superfície poderá ser<br />
indistintamente utilizado pelo proprietário rural ou urbano”. 38<br />
Já Ricardo Lira, no texto obrigatório, defende visão distinta, corrobora<strong>da</strong><br />
pelo enunciado 93 <strong>da</strong> 1ª Jorna<strong>da</strong>s de <strong>Direito</strong> Civil, do CJF. 39<br />
EFETIVIDADE COMO MEIO DE ORDENAÇÃO URBANA: CRÍTICA<br />
Do ponto de vista dos formuladores, o direito de superfície surge no estatuto<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, de modo à “democratizar o acesso à terra urbana e dinamizar<br />
o mercado imobiliário, permitindo a separação do direito de construir do<br />
direito de proprie<strong>da</strong>de, barateando o processo de construção civil e fomentando<br />
a produção habitacional”. 40 A superfície, com efeito, facilita o adequado<br />
cumprimento <strong>da</strong> ideia de função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, porque elemento<br />
dinamizador <strong>da</strong> ocupação do solo urbano, evitando, em muitos casos, o ônus<br />
excessivo decorrente <strong>da</strong> compra do terreno e possibilitando a renovação urbanística,<br />
posto que sempre temporária (art. 1.374, CC; Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de,<br />
art. 21). Mas será que tem sido assim?<br />
SUPERFÍCIE POR CISÃO: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS<br />
Será possível a constituição de superfície por cisão, uma vez que o art.<br />
1.369 menciona o terreno como objeto <strong>da</strong> superfície, o que poderia ser interpretado<br />
como a possibili<strong>da</strong>de de constituição somente sobre terra nua? 41<br />
Ricardo Lira entende possível a superfície constituí<strong>da</strong> por cisão, de modo que<br />
o proprietário anterior torna-se superfi ciário, alienando-se a proprie<strong>da</strong>de do<br />
terreno para terceiro, ou mesmo a operação ocorrendo inversamente. 42<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
38 <strong>Direito</strong> de superfície. In: DALLARI,<br />
Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio<br />
Ferraz (Orgs.). Estatuto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. São<br />
Paulo: Malheiros, 2002. p. 181<br />
39 “93 – Art. 1.369: As normas previstas<br />
no Código Civil sobre direito de superfície<br />
não revogam as relativas a direito<br />
de superfície constantes do Estatuto<br />
<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de (Lei n. 10.257/2001) por ser<br />
instrumento de política de desenvolvimento<br />
urbano.”<br />
40 OSÓRIO, Letícia Marques. <strong>Direito</strong> de<br />
superfície. In: ______. (Org.). Estatuto<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e reforma urbana. Porto<br />
Alegre: Sérgio Fabris.<br />
41 LIMA, Viegas de. Op. cit., p. 379.<br />
42 O direito de superfície..., p. 543.<br />
FGV DIREITO RIO 127
CASO GERADOR<br />
Vítimas <strong>da</strong> Encol esperam 12 anos<br />
Invadido pelo matagal e eventualmente por ratazanas, o esqueleto de cimento<br />
aparente na rua Corinto é a face exposta de um trauma que há mais<br />
de uma déca<strong>da</strong> atinge pelo menos 2.500 famílias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo: a<br />
falência <strong>da</strong> construtora Encol.<br />
As ruínas são do Village Park, um prédio que seria erguido ao lado de um<br />
dos portões <strong>da</strong> USP (Universi<strong>da</strong>de de São Paulo), no Butantã, na zona oeste.<br />
Fazem parte de uma história de decepção e esperança, conta<strong>da</strong> por Suhaila<br />
Shibli, professora de física <strong>da</strong> USP que tem um sonho: ir a pé de casa para o<br />
trabalho.<br />
Ela comprou um apartamento no edifício Village Park ain<strong>da</strong> na planta,<br />
em 1994. Uniu esforços com os familiares e em apenas dois anos quitou as<br />
prestações, que totalizavam cerca de R$ 100 mil. Quando já se preparava<br />
para a mu<strong>da</strong>nça, a obra parou. “Inicialmente, achei que era um problema<br />
menor e mal dei atenção. Mas, no ano seguinte [em 1997], a Encol conseguiu<br />
a concor<strong>da</strong>ta na Justiça. E então eu percebi que poderia me <strong>da</strong>r mal”.<br />
Foi o que aconteceu com Suhaila e outros 59 condôminos do Village Park.<br />
Em 1999, a Encol faliu. E, desde então, os dez an<strong>da</strong>res erguidos dos 15 previstos<br />
começaram a ser invadidos pelo mato.<br />
Quem tinha apostado o seu futuro nesses apartamentos teve de ir morar<br />
de aluguel ou com familiares. Alguns, sem dinheiro, tiveram o imóvel leiloado.<br />
Suhaila e outros 29 ain<strong>da</strong> mantêm a esperança de viver ao lado <strong>da</strong> fl oresta<br />
<strong>da</strong> USP. Após ganharem na Justiça o direito pelo prédio e de formarem<br />
uma associação de moradores, buscam construtoras interessa<strong>da</strong>s em retomar<br />
a obra. “Já gastei mais que o dobro do valor inicial. Não vou desistir nunca”,<br />
afi rma a professora. 43<br />
O direito de superfície poderia ser utilizado para resolver o problema dos<br />
prédios em ruína, permitindo a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s construções?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
43 Em: http://www.cbic.org.br/mostra-<br />
Pagina.asp?codServico=486&codPag<br />
ina=1689<br />
FGV DIREITO RIO 128
SUPERFÍCIE: COMPARAÇÃO DOS REGIMES<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
Código Civil Estatuto <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />
Cessão do subsolo não Sim<br />
Sempre prazo determinado<br />
Estipulação de valor a ser<br />
pago ao concedente em caso<br />
de transferência<br />
Texto: “Locação built to suit”<br />
sim Não<br />
não Sim<br />
Convergente com os avanços regulatórios e o esforço conjunto dos players<br />
<strong>da</strong> indústria em dinamizar o mercado imobiliário, apresentamos mais uma<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de investimento: Locações Built to Suit. Esta, apresenta-se como<br />
uma alternativa à locações de imóveis urbanos, hoje legisla<strong>da</strong> pela Lei <strong>da</strong>s Locações<br />
(Lei 8.1245/91). Trata-se de uma estrutura designa<strong>da</strong> a um específi co<br />
locatário onde o locador recebe algumas garantias de que seu investimento<br />
terá o retorno pretendido. Tal mecanismo possibilita que empresas não precisem<br />
adquirir imóveis próprios e imobilizarem alto volume de seu capital,<br />
além de usufruírem de instalações desenvolvi<strong>da</strong>s de acordo com suas necessi<strong>da</strong>des.<br />
Basicamente, a empresa interessa<strong>da</strong> (“Locatária”) contrata os serviços<br />
de um terceiro (“Locador”) para que este último: (i) adquira um determinado<br />
terreno; (II) defi na um projeto que aten<strong>da</strong> às necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> primeira; (III)<br />
desenvolva e construa, caso seja uma empresa de construção civil, ou contrate<br />
um terceiro para tanto; e (iv) loque o empreendimento pronto por valor<br />
pré-defi nido. No desenvolvimento de projetos sob a forma contratual built to<br />
suit, a Locatária pode também fi scalizar a obra, garantindo que o projeto, sob<br />
o qual ela tem um comprometimento contratual de locação, seja desenvolvido<br />
de acordo com o projeto aprovado. O empreendimento em questão, diferentemente<br />
do convencional, é entregue à locatária completamente pronto<br />
para ser ocupado (turn key contract), não sendo necessário altos investimentos<br />
de readequação interna. Os contratos built to suit têm um prazo entre 10 a<br />
20 anos, dependendo <strong>da</strong> remuneração negocia<strong>da</strong>, uma vez que os investimentos<br />
realizados pelo Locador devem ser amortizados e rentabilizados. A<br />
efi cácia contratual tem início na <strong>da</strong>ta de assinatura do contrato, fi cando os<br />
fl uxos de recebimentos atrelados à entrega <strong>da</strong> obra. Em suma, a formatação<br />
contratual built to suit tem por objetivo garantir ao Locador: (i) o retorno<br />
dos investimentos realizados no projeto; e (II) a remuneração pelo uso do<br />
imóvel. Neste sentido, esta relação preza pela exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> permanência<br />
FGV DIREITO RIO 129
do Locatário bem como as previsibili<strong>da</strong>des e seguranças dos fl uxos futuros.<br />
Em função dessas<br />
características, este tipo de contrato é passível de securitização, permitindo<br />
que o investidor antecipe sua saí<strong>da</strong> do negócio. O processo de securitização<br />
de recebíveis imobiliários foi consoli<strong>da</strong>do pela criação dos CRI’s — Certifi cados<br />
de Recebíveis Imobiliários pela Lei 9.514/97. Com esta regulamentação,<br />
socie<strong>da</strong>des por ações podem adquirir os créditos e, através de uma securitizadora,<br />
emitir os CRI’s. Estes títulos são distribuídos à investidores e tem como<br />
lastro o pagamento dos aluguéis. Os riscos quanto à previsibili<strong>da</strong>de dos fl uxos<br />
de receita são minimizados, uma vez que o contrato built to suit não busca<br />
apenas remunerar o uso do imóvel, como a Lei <strong>da</strong>s Locações, mas também<br />
amortizar os investimentos efetuados na concretização do negócio. Frente a<br />
um cenário de rompimento de contrato por parte <strong>da</strong> Locatária, a esta cabe<br />
uma multa que, no mínimo, refl etirá a somatória dos valores restantes do<br />
contrato, garantindo assim o instrumento fi rmado e os fl uxos esperados. O<br />
parágrafo único do art. 473 do Código Civil (Lei 10.406/02) vali<strong>da</strong> o conceito<br />
de que uma locação no formato built to suit só poderá ser rescindi<strong>da</strong><br />
antes do prazo, pela Locatária, quando transcorrido o período equivalente à<br />
natureza e ao vulto dos investimentos realizados pelo Locador. 44<br />
Pode haver, ou não, associação <strong>da</strong> locação built to suit à superfície. O que<br />
é mais interessante?<br />
SUPERFÍCIE ASSOCIADA AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO<br />
Discussão do art. 1.371 do Código Civil.<br />
CASO GERADOR<br />
É possível garantir um empréstimo em dinheiro com a constituição de<br />
uma superfície?<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
44 CORDEIRO, Thiago Augusto Cordeiro.<br />
Disponível em: http://www.<br />
superobra.com/admin/news.asp?ID_<br />
New=1978&Pag=all_news.asp&ID_<br />
Sessao_New=2&ID_ANew=10<br />
FGV DIREITO RIO 130
AULA 24: USUFRUTO E SERVIDÃO<br />
EMENTÁRIO DE TEMAS<br />
Usufruto. Perspectivas tradicionais e utilização contemporânea. Usufrutos de<br />
cotas e de ações. Servidão. Características e utilização. Usucapião de servidão.<br />
LEITURA OBRIGATÓRIA<br />
GOMES, Orlando. <strong>Direito</strong>s reais, cap. 26 e 27. Ed. Forense.<br />
ROTEIRO DE AULA<br />
USUFRUTO<br />
O aproveitamento <strong>da</strong>s utili<strong>da</strong>des de uma coisa por quem não é dono pode<br />
ser exercido por efeito de relação contratual, como no arren<strong>da</strong>mento e no<br />
como<strong>da</strong>to, em que o titular exerce o seu direito em nome do proprietário ou<br />
pode ser de direito próprio de ser exercido em nome do titular não-proprietário.<br />
45 Este direito que se exerce em nome próprio sobre coisa alheia, e que<br />
resulta na facul<strong>da</strong>de de usá-la e de gozá-la, recebe o nome de usufruto.<br />
Diferentemente do Código Civil de 1916 (art. 713), o Código Civil de<br />
2002 prescindiu de uma conceituação legal do usufruto. A lei anterior dispunha<br />
que “constitui usufruto o direito real de fruir as utili<strong>da</strong>des de frutos de<br />
uma coisa, enquanto temporariamente destacado <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de”.<br />
A principal característica do usufruto consiste no fato de ele ser sempre<br />
temporário. A razão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fi xação de prazo para esse direito real<br />
reside no fato de que facul<strong>da</strong>des elementares que ele encerra — o uso <strong>da</strong> coisa<br />
e a percepção dos frutos — são quase tão extensas quanto os do titular <strong>da</strong><br />
coisa. 46 Considerando-se que o jus in re aliena no qual se constitui o usufruto<br />
não deve servir de meio para a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, o que ocorreria na prática<br />
se este durasse para sempre (<strong>da</strong>í o fi m <strong>da</strong> previsão legal <strong>da</strong> enfi teuse), o<br />
artigo 1.410 do Código Civil prevê a duração temporária do usufruto.<br />
Além destas características, verifi ca-se que usufruto é direito limitado e<br />
não exclusivo. 47 Real e limitado porque abrange apenas os frutos e as utili<strong>da</strong>des<br />
de um determinado bem ou patrimônio, nos limites do artigo 1.394<br />
do Código Civil. E ele não é exclusivo porque a exclusivi<strong>da</strong>de é um atributo<br />
específi co <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Melhor: o usufruto é o direito referido a uma coisa<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
45 ALMEIDA, Lacer<strong>da</strong> de. <strong>Direito</strong> <strong>da</strong>s cousas,<br />
vol. I, p. 347.<br />
46 MENDONÇA, M. I. Carvalho de. Do<br />
usufruto, do uso e <strong>da</strong> habitação, p. 29.<br />
47 CORDEIRO, Menezes. <strong>Direito</strong>s reais,<br />
p. 649.<br />
FGV DIREITO RIO 131
que implica sempre a existência de um outro direito real sobre a mesma coisa,<br />
o qual se usufrui.<br />
Como afi rma Darcy Bessone 48 , historicamente o usufruto tem função alimentar.<br />
Quase sempre é instituído para proporcionar meios de subsistência<br />
ao usufrutuário, muito embora a gratui<strong>da</strong>de não seja <strong>da</strong> sua essência. To<strong>da</strong>via,<br />
alguns autores, como Orlando Gomes 49 e o próprio Darcy Bessone 50 ,<br />
são especialmente radicais ao analisar tal caráter do direito, negando mesmo<br />
qualquer utili<strong>da</strong>de maior do usufruto na contemporanei<strong>da</strong>de.<br />
Por outro lado, alguns autores, como Manuel Inácio Carvalho de Mendonça<br />
51 e Marco Aurélio Viana 52 , entendem que é perfeitamente admissível<br />
a fi gura do usufruto instituído a título oneroso. Não lhes parece em na<strong>da</strong><br />
estranho o instituto, bem como não parece a nós, por algumas razões que<br />
passamos a expender.<br />
Em primeiro lugar, se o Código Civil admite a cessão onerosa do usufruto, 53<br />
no qual terceiro é legitimado no exercício dos direitos dele decorrentes, quem<br />
dirá a constituição onerosa do usufruto. Em segundo lugar, comparando-se a<br />
re<strong>da</strong>ção dos art. 1.412 e 1.414 do Código Civil, que tratam dos direitos reais<br />
de uso e de habitação, verifi camos que os referidos têm, efetivamente, caráter<br />
intuitu familiae. O art. 1.412 exige, para o adequado exercício do direito de<br />
uso, que este seja feito em atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do “usuário e <strong>da</strong> sua<br />
família”. No art. 1414, o titular do direito real de habitação pode simplesmente<br />
residir em uma casa “com sua família”. Na<strong>da</strong> semelhante é encontrado<br />
no capítulo de usufruto no Código Civil.<br />
SERVIDÃO<br />
Defi ne-se servidão como o direito real constituído de um prédio em relação<br />
ao outro, no qual se estabelece, em proveito deste, um serviço ou utili<strong>da</strong>de.<br />
Ao primeiro se denomina prédio dominante, ao segundo, prédio serviente.<br />
Trata-se de um direito de uso e gozo, ou fruição sobre coisa alheia, portanto,<br />
estabelecido de um prédio em relação a outro<br />
Tradicionalmente, são elencados alguns requisitos para que se tenha a<br />
constituição de uma servidão: devem existir dois prédios, ou seja, dois bens<br />
imóveis, para que se tenha o surgimento de uma servidão. Não se nega, to<strong>da</strong>via,<br />
a possibili<strong>da</strong>de do desmembramento de um bem imóvel em dois ser<br />
realizado concomitantemente com a criação deste direito real: cui<strong>da</strong>-se <strong>da</strong><br />
hipótese classicamente referi<strong>da</strong> <strong>da</strong> servidão cria<strong>da</strong> pelo pai de família que, ao<br />
dividir seu patrimônio, procede à criação de servidões em favor de um e outro<br />
proprietário. Além disto, tradicionalmente se afi rma que os proprietários<br />
dos prédios devem ser distintos, excetua<strong>da</strong> a exceção acima demonstra<strong>da</strong>. Se<br />
isto ocorrer, enquanto não for alienado um dos prédios, a servidão permane-<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
48 <strong>Direito</strong>s reais, p. 288.<br />
49 <strong>Direito</strong>s reais, p. 334.<br />
50 Op. loc. cit.<br />
51 Op. cit, p. 91.<br />
52 Comentários ao Código Civil, vol. XVI,<br />
p. 622.<br />
53 Art. 1.393<br />
FGV DIREITO RIO 132
cerá sem efeitos. Ocorre que a alienação necessária para que isto ocorra não é<br />
a <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, e sim a <strong>da</strong> posse. Se um proprietário de prédios contíguos<br />
cria servidão de passagem de um para com outro, e loca dos dois, aquele que<br />
alugou o prédio dominante poderá passar pelo interior do serviente. De qualquer<br />
modo, vale aguar<strong>da</strong>r pela interpretação larga do dispositivo legal, que se<br />
refere expressamente a dois proprietários.<br />
Além disto, deve haver relação de serviço ou utili<strong>da</strong>de — não se pode falar<br />
em servidões inúteis, na medi<strong>da</strong> que sua constituição é negocial e as circunstâncias<br />
negociais para a sua formação exigem serie<strong>da</strong>de dos contratantes.<br />
Como características <strong>da</strong>s servidões, temos a sua criação voluntária, oriun<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> celebração de um negócio unilateral ou bilateral, do que resulta o fato de<br />
que as chama<strong>da</strong>s servidões administrativas não são propriamente servidões,<br />
e sim limitações específi cas impostas aos particulares pela Administração Pública.<br />
Também as chama<strong>da</strong>s servidões legais são apenas limitações ao uso <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de, oriun<strong>da</strong>s do direito de vizinhança, bem como a passagem força<strong>da</strong><br />
(art. 1285), também imposta por Lei.<br />
Outra característica <strong>da</strong>s servidões é a sua dupla ambulatorie<strong>da</strong>de: se algumas<br />
servidões pessoais, como o direito real de habitação, são intuitu personae, as servidões<br />
impõem-se a qualquer proprietário (ou possuidor derivado) do prédio<br />
dominante e do serviente. E, por ser real, como prevê o dispositivo acima, e<br />
relativa à imóvel, é obrigatório o registro do negócio (contrato ou testamento)<br />
no RGI para que a servidão tenha efeitos reais. Não é impossível a hipótese de<br />
servidão meramente contratual, cujo descumprimento acarrete a condenação<br />
em per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos; ocorre que este expediente teria pouca utili<strong>da</strong>de — justamente<br />
por isto, desde o direito romano, as servidões têm caráter real.<br />
As servidões são sempre acessórias: perdi<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de, sucumbirão<br />
junto, já que incorpóreas; além disto, tendem a ter prazo indeterminado, se<br />
na<strong>da</strong> se dispuser em sentido contrário (art. 1387).<br />
Classifi cam-se, com efi cácia prática, em positivas (que importam em um<br />
agir do ocupante do prédio serviente) e negativas (que importam em abstenção<br />
do mesmo); contínuas (cujo exercício não depende de ação específi ca de<br />
quem quer que seja, e independem de exercício, portanto) e descontínuas<br />
(que são exerci<strong>da</strong>s vez por vez, como tirar argila, v.g.); e aparentes (que se revela<br />
por obras exteriores) e não-aparentes (que escapam ao exame ocular). Sobre<br />
esta última classifi cação, dispõe a súmula 415 do STF que “servidão de transito<br />
não titula<strong>da</strong>, mas torna<strong>da</strong> permanente, sobretudo pela natureza <strong>da</strong>s obras<br />
realiza<strong>da</strong>s, considera-se aparente, conferindo direito a proteção possessória”.<br />
Como estabelecia o art. 696 do CC, a servidão não se presume, devendo<br />
existir prova inequívoca de sua constituição. Na dúvi<strong>da</strong>, é sabido, o domínio<br />
se presume desembaraçado (art. 1231).<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 133
USUCAPIÃO DE SERVIDÃO: REQUISITOS (ART. 1.379)<br />
CASO GERADOR<br />
Muro que divide<br />
o condomínio do clube<br />
Terreno do<br />
condomínio<br />
MAR<br />
Pergunta-se: é possível a usucapião <strong>da</strong> servidão?<br />
Portão<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 134
EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS<br />
PARTE GERAL<br />
1. (161) (Questão 21 — 129º Exame OAB — SP) Sobre as pertenças, é<br />
correto afi rmar que<br />
(A) são bens acessórios e por isso seguem a sorte do principal.<br />
(B) constituem parte integrante do bem principal e destinam-se ao seu<br />
aformoseamento.<br />
(C) são benfeitorias úteis.<br />
(D) apesar de considera<strong>da</strong>s bens acessórios, não seguem a sorte do principal.<br />
2. (162) (Questão 21 —122º Exame OAB — SP) Assinale a alternativa<br />
falsa;<br />
(A) A posse — trabalho, para atender ao princípio <strong>da</strong> função social <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de, reduz o prazo <strong>da</strong> usucapião extraordinária de 15 para 10 anos e<br />
o <strong>da</strong> ordinária, de 10 para 5 anos, em se tratando de bem imóvel.<br />
(B) O man<strong>da</strong>tário, ao aceitar o encargo, passará a ter o direito de pedir ao<br />
man<strong>da</strong>nte que adiante a importância <strong>da</strong>s despesas necessárias à execução do<br />
man<strong>da</strong>to.<br />
(C) Se a mistura de coisas pertencentes a pessoas diversas for involuntária,<br />
sendo uma delas a principal, ca<strong>da</strong> proprietário continuará a ter o domínio<br />
sobre o mesmo bem que lhe pertencia antes <strong>da</strong> mistura.<br />
(D) O portador de demência arteriosclerótica é considerado, havendo<br />
interdição, como absolutamente incapaz, devendo ser representado por um<br />
curador.<br />
3. (163) (Questão 8 — 13º Exame OAB — RJ) Arnóbio, hospedeiro de<br />
Creso, negou-se a entregar a este seus pertences sob sua guar<strong>da</strong>, em razão de<br />
despesas efetua<strong>da</strong>s pelo mesmo em seu estabelecimento. O agir de Arnóbio<br />
confi gura:<br />
(A) Abuso de direito sujeito às penas <strong>da</strong> lei;<br />
(B) Antiga prática atualmente abandona<strong>da</strong> pelo direito;<br />
(C) Prática relaciona <strong>da</strong> ao penhor legal;<br />
(D) Praxe vetusta revoga<strong>da</strong> pelo CDC<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 135
4. (164) (Questão 3 — 8º Exame OAB — RJ) São direitos reais de fruição<br />
sobre coisas alheias:<br />
(A) A enfi teuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação e a promessa<br />
irretratável de ven<strong>da</strong>;<br />
(B) O penhor, a hipoteca, a anticrese, a enfi teuse e as servidões;<br />
(C) O uso, o usufruto, a habitação, o penhor, a hipoteca e a anticrese;<br />
(D) A hipoteca, a habitação, o uso, o usufruto, o empréstimo, o penhor e<br />
a cessão de uso.<br />
5. (165) (Questão 26 —128º Exame OAB — SP) Sobre os direitos reais,<br />
é correto afi rmar:<br />
(A) o bem móvel não pode ser adquirido mediante usucapião.<br />
(B) aluvião, avulsão e álveo abandonado são formas de aquisição de proprie<strong>da</strong>de<br />
móvel.<br />
(C) o prazo mínimo para usucapião de bem imóvel é de 15 anos.<br />
(D) o devedor hipotecário pode alienar o imóvel hipotecado sem consentimento<br />
do seu credor.<br />
6. (166) (Questão 5 — 7º Exame OAB — RJ) Para que se faça a ven<strong>da</strong><br />
de um bem imóvel de proprie<strong>da</strong>de de um adolescente sob tutela, é necessário<br />
haver comprovação de manifesta vantagem e:<br />
(A) Alvará judicial;<br />
(B) De que o adolescente tem mais de 16 anos;<br />
(C) Que haja autorização judicial, devendo a ven<strong>da</strong> ser feita em hasta<br />
pública;<br />
(D) Anuência do tutor judicial em todos os casos.<br />
7. (167) (Questão 13 — 32º Exame OAB — RJ) Em relação aos direitos<br />
reais, no direito brasileiro, assinale a opção correta.<br />
(A) Estão previstos na lei em caráter exaustivo.<br />
(B) Podem ser criados livremente pela vontade <strong>da</strong>s partes.<br />
(C) Sua constituição nunca depende de registro do título.<br />
(D) Têm efi cácia idêntica aos direitos de crédito.<br />
8. (168) (Questão 23 — 31º Exame OAB — RJ) Podem ser objeto de<br />
hipoteca:<br />
(A) Os monumentos arqueológicos;<br />
(B) Os terrenos de marinha;<br />
(C) Ações, debêntures e títulos de crédito ao portador;<br />
(D) O domínio útil sobre determinado bem.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 136
9. (169) (Questão 21 — 30º Exame OAB — RJ) São <strong>Direito</strong>s Reais:<br />
(A) A enfi teuse; as servidões; o usufruto; a habitação; as ren<strong>da</strong>s constituí<strong>da</strong>s<br />
sobre imóveis; o penhor; a hipoteca; e, a anticrese;<br />
(B) A tradição; a confusão; a enfi teuse; a compensação; a proprie<strong>da</strong>de; e, a<br />
transcrição do título imobiliário;<br />
(C) A proprie<strong>da</strong>de; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habitação;<br />
o direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; e,<br />
a anticrese;<br />
(D) A proprie<strong>da</strong>de; a tradição; a compensação; o usufruto; a locação; o<br />
usucapião; a descoberta; a posse direta; a disposição; o espaço aéreo; o subsolo<br />
e, a acessão.<br />
10. (170) (Questão 25 — 129º Exame OAB — SP) Sobre os direitos<br />
reais, é errado afi rmar<br />
(A) mesmo que convenciona<strong>da</strong> a indivisibili<strong>da</strong>de de um bem em condomínio,<br />
por prazo certo, o juiz poderá dividir a coisa comum dentro desse<br />
prazo.<br />
(B) confusão e adjunção são modos de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de móvel.<br />
(C) o menor prazo de usucapião previsto pelo Código é de 5 anos.<br />
(D) penhor é um direito real sobre coisa alheia de garantia.<br />
BEM DE FAMÍLIA<br />
11. (171) (Questão 29 — 124º Exame OAB — SP) O bem de família<br />
regulado pelo Código Civil de 2002:<br />
(A) revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90 (residencial).<br />
(B) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />
o bem de família independentemente <strong>da</strong> vontade (involuntário).<br />
(C) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />
o bem de família voluntário móvel.<br />
(D) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando<br />
o bem de família voluntário imóvel.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 137
TRANSMISSÃO DE BENS<br />
12. (172) (Questão 29 — 122º Exame OAB — SP) Se o transmitente de<br />
bem móvel, que o possui em nome próprio, passar a possuí-lo em nome do<br />
adquirente, ter-se-á aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de mobiliária por<br />
(A) tradição real.<br />
(B) tradição simbólica.<br />
(C) traditio breve manu.<br />
(D) constituto possessório ou tradição fi cta.<br />
13. (173) (Questão 4 — 5º Exame OAB —RJ) Considerando-se o instituto<br />
<strong>da</strong> tradição no direto civil, podemos afi rmar que:<br />
(A) Executam-se as obrigações assumi<strong>da</strong>s verbalmente;<br />
(B) Não se transfere o domínio dos bens móveis;<br />
(C) Transfere-se o domínio de qualquer bem imóvel;<br />
(D) Transfere-se o domínio dos bens móveis.<br />
POSSE<br />
14. (174) (Questão 26 — 123º Exame OAB — SP) “A”, domiciliado em<br />
Curitiba, é proprietário de um sítio em Londrina, onde mantém o caseiro<br />
“B”. “A” arrendou parte desse sítio a “C”, que plantou, nesse local arren<strong>da</strong>do,<br />
um alqueire de cana.<br />
(A) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é possuidor direto;<br />
“C” é possuidor ilegítimo, mas de boa-fé, com direito de retenção sobre a<br />
benfeitoria feita.<br />
(B) “A” é possuidor direto, com ius possidendi; “B” é possuidor indireto;<br />
“C” é possuidor de boa-fé, mas sem direito de retenção pela acessão realiza<strong>da</strong>.<br />
(C) “A” é possuidor indireto, com ius possidendi; “B” é detentor; “C” é<br />
possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção sobre a acessão feita.<br />
(D) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é detentor; “C” é<br />
possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção pela benfeitoria realiza<strong>da</strong>.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 138
15. (175) (Questão 26 — Caderno A — 34º Exame OAB — RJ) A respeito<br />
<strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proteção possessória, assinale a opção correta.<br />
(A) A posse natural é um direito real de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de bens<br />
móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes<br />
de fato sobre a coisa.<br />
(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condiciona<strong>da</strong><br />
à efetiva comprovação <strong>da</strong> posse, do esbulho praticado pelo réu e <strong>da</strong><br />
per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse. Exige-se, ain<strong>da</strong>, a demonstração <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do esbulho, para que<br />
seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.<br />
(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não demande,<br />
na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeitorias<br />
erigi<strong>da</strong>s na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória<br />
em outra, ou, ain<strong>da</strong>, em petitória.<br />
(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção <strong>da</strong> coisa alheia até ser indenizado<br />
pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementa<strong>da</strong>s, tais como<br />
plantações ou construções.<br />
16. (176) (Questão 13 — 28º Exame OAB — RJ) 13. Em matéria de<br />
posse, é correto afi rmar que:<br />
(A) O justo título gera presunção juris et de jure, de boa fé;<br />
(B) O direito de retenção tem seu fulcro na cláusula geral de boa fé, subjacente<br />
a todos os contratos;<br />
(C) Pelo constituto possessório ocorre a aquisição <strong>da</strong> posse, sem a entrega<br />
material do bem;<br />
(D) A composse somente é admiti<strong>da</strong> em relação aos bens indivisíveis.<br />
17. (177) (Questão 21 — 117º Exame OAB — SP) “A” vende a “B” a<br />
casa de que é proprietário e onde reside, fi cando convencionado que “A”<br />
permanecerá no referido imóvel, não mais como dono, mas como locatário,<br />
de modo que o possuidor antigo, que tinha posse plena e unifi ca<strong>da</strong>, passará<br />
a ser possuidor direto, ao passo que o novo proprietário se investirá na posse<br />
indireta. Operou-se, no caso, o modo aquisitivo derivado <strong>da</strong> posse, que é<br />
(A) a traditio brevi manu.<br />
(B) a traditio longa manu.<br />
(C) a acessão.<br />
(D) o constituto possessório.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 139
18. (178) (Questão 14 — 28º Exame OAB — RJ) Dá-se a traditio breve<br />
manu quando:<br />
(A) O possuidor de um imóvel em nome próprio passa a possuí-lo em<br />
nome alheio;<br />
(B) Se substitui a entrega material por ato indicativo do propósito de<br />
transmitir a posse;<br />
(C) A posse pode ser continua<strong>da</strong> com a soma do tempo do atual possuidor<br />
com a posse dos seus antecessores;<br />
(D) O possuidor de uma coisa em nome alheio passa a possuí-la como própria.<br />
19. (179) (Questão 46 — 25º Exame OAB — RJ) Sobre os vícios <strong>da</strong><br />
posse, diga qual a opção correta:<br />
(A) A violência, precarie<strong>da</strong>de e clandestini<strong>da</strong>de são vícios sanáveis;<br />
(B) Só a precarie<strong>da</strong>de é insanável, enquanto a clandestini<strong>da</strong>de e a violência<br />
são sanáveis;<br />
(C) A violência e a precarie<strong>da</strong>de são vícios insanáveis ;<br />
(D) A violência, precarie<strong>da</strong>de e clandestini<strong>da</strong>de são vícios insanáveis.<br />
20. (180) (Questão 1 — 15º Exame OAB — RJ) No que diz respeito à<br />
posse é correto afi rmar:<br />
(A) A companheira tem justo título na posse de bens comuns do casal,<br />
quando do falecimento do companheiro;<br />
(B) Para que haja composse é necessário que todos os compossuidores<br />
tenham ciência <strong>da</strong> posse dos demais;<br />
(C) O possuidor direto pode exercitar a repulsa legítima à invasão de sua<br />
esfera possessória por parte do possuidor indireto, ain<strong>da</strong> que não mais vigente<br />
o título jurígeno autorizador do desdobramento <strong>da</strong> posse;<br />
(D) Não se caracteriza a posse violenta quando alguém se apossa de proprie<strong>da</strong>de<br />
onde não encontrou ninguém e depois tão-somente impede o dono<br />
de nela reentrar.<br />
21. (181) (Questão 2 — 14º Exame OAB — RJ) Assinale a alternativa<br />
incorreta:<br />
(A) O possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação<br />
e reintegrado em caso de esbulho;<br />
(B) Considera-se possuidor aquele que, achando-se em relação de dependência<br />
para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento<br />
de ordens ou instruções;<br />
(C) O Código Civil reconhece como justas a posse que não for violenta,<br />
clandestina ou precária;<br />
(D) A posse de terras públicas não autoriza a aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
através de usucapião.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 140
22. (182) (Questão 85 — 118º Exame OAB — SP) Com relação aos efeitos<br />
jurídicos, a posse de boa-fé distingue-se <strong>da</strong> posse de má-fé porque confere<br />
ao possuidor o direito<br />
(A) a usucapião.<br />
(B) de retenção por benfeitorias necessárias e úteis.<br />
(C) de indenização por benfeitorias necessárias.<br />
(D) de defender a posse contra turbação.<br />
23. (183) (Questão 26 — 129º Exame OAB — SP) Devedor transfere<br />
a posse de seu imóvel ao credor, a fi m de que este possa se pagar do crédito<br />
do qual é titular, utilizando para tanto os frutos e rendimentos do imóvel.<br />
Verifi ca-se, neste caso,<br />
(A) enfi teuse.<br />
(B) anticrese.<br />
(C) penhor.<br />
(D) hipoteca.<br />
ACESSÃO E BENFEITORIAS<br />
24. (184) (Questão 5 — 13º Exame OAB — RJ) João, tendo locado um<br />
imóvel em ruínas, obteve do proprietário autorização para demolí-lo, construindo<br />
um prédio de dois an<strong>da</strong>res no local do antigo. Vencido o contrato,<br />
o proprietário entrou com pedido de retoma<strong>da</strong> na justiça, fun<strong>da</strong>mentando a<br />
desnecessi<strong>da</strong>de de indenizar o réu uma vez que o contrato de locação ve<strong>da</strong>va<br />
o direito de retenção por benfeitorias. João não se conformando o procura<br />
como advogado, recebendo de sua parte a seguinte orientação:<br />
(A) Diante do que estabelece o contrato e o princípio de pacta sunt servan<strong>da</strong><br />
João não terá direito a indenização;<br />
(B) João terá direito a indenização, vez que não se trata de simples benfeitoria<br />
e sim de ver<strong>da</strong>deira acessão, edifi ca<strong>da</strong> com autorização do proprietário;<br />
(C) João está agindo de má-fé, pois tinha ciência que as benfeitorias não<br />
seriam indenizáveis;<br />
(D) João terá direito de permanecer no imóvel compensando-se em aluguéis<br />
os gastos que efetuou com o imóvel.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 141
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE<br />
25. (185) (Questão 22 — 30º Exame OAB — RJ) Quais são os meios<br />
aquisitivos <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de sobre bens imóveis:<br />
(a) Usucapião; registro do título aquisitivo; acessão;<br />
(b) Usucapião; aluvião; avulsão; abandono de álveo; plantações ou construções;<br />
(c) Usucapião; escritura de promessa de compra e ven<strong>da</strong>; escritura de compra<br />
e ven<strong>da</strong>; posse de área resultante de formação de ilhas em correntes comuns<br />
ou particulares;<br />
(d) Usucapião; escritura de compra e ven<strong>da</strong> de bens imóveis; Transcrição<br />
do Título de Transferência no Registro de Imóveis; acessão; construção de<br />
obras ou plantações; e, cessão de direitos hereditários.<br />
26. (186) (Questão 30 — 119º Exame OAB — SP) Quando houver<br />
acréscimo de terras às margens de um rio mediante desvio de águas ou afastamento<br />
destas, que descobrem parte do álveo, importando em aquisição <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de, por parte do dono do terreno marginal, do solo descoberto pela<br />
retração <strong>da</strong>quelas águas, confi gura-se a<br />
(A) aluvião imprópria.<br />
(B) avulsão.<br />
(C) aluvião própria.<br />
(D) acessão por abandono de álveo.<br />
27. (187) (Questão 42 — 26º Exame OAB — RJ) Tício esbulhou um<br />
imóvel urbano de 1.000m² de proprie<strong>da</strong>de de Semprônio, fi cando na posse<br />
por 08(oito) anos, quando foi esbulhado por Caio, que permaneceu no imóvel<br />
por 1(um) ano. Sabendo que Caio não estabeleceu no imóvel esbulhado<br />
sua moradia habitual e nem, tampouco, realizou qualquer tipo de obra ou<br />
serviço, diga, dentre as opções abaixo, qual representa o lapso temporal ain<strong>da</strong><br />
necessário para que Caio venha a usucapir o imóvel:<br />
(A) 1 (um) ano<br />
(B) 6 (Seis) anos<br />
(C) 14 (Quatorze) anos<br />
(D) Caio nunca irá usucapir o imóvel<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 142
28. (188) (Questão 30 — 126º Exame OAB — SP) A aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
imobiliária pela avulsão dá-se<br />
(A) com o acréscimo paulatino de terras, às margens de um rio, por meio<br />
de lentos e imperceptíveis depósitos ou aterros naturais ou de desvio de águas.<br />
(B) pela formação de ilhas em rios não navegáveis em virtude de movimentos<br />
sísmicos.<br />
(C) pelo repentino deslocamento de uma porção de terra por força natural<br />
violenta, desprendendo-se de um terreno para juntar-se a outro.<br />
(D) pelo rebaixamento de águas, deixando a descoberto e a seco uma parte<br />
do fundo ou do leito do rio.<br />
29. (189) (Questão 1 — 5º Exame OAB — RJ) Considerando-se os modos<br />
de aquisição dos direitos, podemos afi rmar que:<br />
(A) A aquisição por usucapião é modo originário de aquisição de direito<br />
de proprie<strong>da</strong>de, face a inexistência de vínculo jurídico com o antecessor;<br />
(B) A aquisição por usucapião é modo derivado de aquisição de direito de<br />
proprie<strong>da</strong>de, desde que o imóvel se ache registrado no cartório de registro de<br />
imóveis;<br />
(C) A aquisição originária somente ocorre com as terras devolutas;<br />
(D) A aquisição originária será sempre onerosa e a título universal.<br />
SERVIDÃO<br />
30 (190) (Questão 25 — 128º Exame OAB — SP) Sobre a servidão é<br />
INCORRETO afi rmar:<br />
(A) extingue-se pela reunião do prédio serviente e do prédio dominante<br />
no domínio <strong>da</strong> mesma pessoa.<br />
(B) pode ser constituí<strong>da</strong> mediante testamento.<br />
(C) pode surgir mediante usucapião.<br />
(D) a servidão de trânsito é obrigatória quando favorecer prédio encravado<br />
que não tenha saí<strong>da</strong> para a via pública.<br />
31. (191) (Questão 18 — 29º Exame OAB — RJ) Em se tratando de<br />
servidões:<br />
I. A servidão de não construir é negativa e aparente;<br />
II. A servidão de não abrir janela é contínua e não aparente;<br />
III. As servidões legais são restrições impostas pelo direito de vizinhança;<br />
IV. As servidões urbanas dizem respeito à localização em zona urbana.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 143
Das proposições acima:<br />
(A) To<strong>da</strong>s as respostas estão corretas;<br />
(B) I e IV estão corretas;<br />
(C) II e III estão corretas;<br />
(D) II e IV estão corretas.<br />
32. (192) (Questão 4 — 17º Exame OAB — RJ) Extingue-se a servidão<br />
predial:<br />
(A) Pelo falecimento do dono do prédio dominante ou do prédio serviente;<br />
(B) Apenas pelo óbito do dono do prédio dominante, pois a obrigação, no<br />
caso de morte do dono do prédio serviente, transmite-se aos herdeiros;<br />
(C) Pela confusão;<br />
(D) Pela constituição de hipoteca sobre o prédio serviente.<br />
DESAPROPRIAÇÃO<br />
33. (193) (Questão 25 — 120º Exame OAB-SP) A desapropriação judicial<br />
de imóvel, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na posse-trabalho, dá-se quando houver posse por<br />
(A) 5 anos, sem oposição, de área rural não superior a 50 hectares, por<br />
quem não for proprietário de imóvel rural ou urbano.<br />
(B) mais de 5 anos, de uma extensa área, reivindica<strong>da</strong> pelo proprietário e<br />
traduzi<strong>da</strong> em trabalho criador de um número considerável de pessoas, concretizado<br />
em construção de moradia ou em investimentos de caráter produtivo<br />
ou cultural, mediante pagamento de justo preço ao titular <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de,<br />
valendo a sentença como título para o registro <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de imobiliária em<br />
nome dos possuidores.<br />
(C) 5 anos, de área urbana de até 250 m² por quem, não sendo proprietário<br />
de imóvel urbano ou rural, a utilizar para sua moradia.<br />
(D) 10 anos, independentemente de título e boa fé, de imóvel, por quem<br />
nele estabelecer mora<strong>da</strong> habitual e realizar obras produtivas.<br />
34. (194) (Questão 2 — 4º Exame OAB — RJ) A desapropriação, considera<strong>da</strong><br />
em relação ao direito de proprie<strong>da</strong>de, supõe:<br />
(A) Restrição ou limitação ao direito de proprie<strong>da</strong>de em razão de interesse<br />
público ou social;<br />
(B) Restrição voluntária de per<strong>da</strong> do direito de proprie<strong>da</strong>de, mediante<br />
prévia e justa indenização em dinheiro;<br />
(C) Ato unilateral de direito privado por meio do qual o proprietário é obrigado<br />
a entregar aquilo que lhe pertence, mediante justa indenização em dinheiro;<br />
(D) Só ocorre face o notório abandono <strong>da</strong> coisa pelo dono, passando o<br />
bem ao poder público em razão <strong>da</strong> lei.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 144
USUFRUTO<br />
35. (195) (Questão 17 — 28º Exame OAB—RJ) O usufruto estabelecido<br />
para benefi ciar duas ou mais pessoas, quando se extingue gra<strong>da</strong>tivamente em<br />
relação a ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s que falecerem, denomina-se:<br />
(A) Usufruto simultâneo;<br />
(B) Usufruto temporário;<br />
(C) Usufruto sucessivo;<br />
(D) Usufruto universal.<br />
36. (196) (Questão 25 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é<br />
errado afi rmar que<br />
(A) constituído em favor de dois usufrutuários, extingue-se o usufruto na<br />
parte <strong>da</strong>quele que falecer.<br />
(B) constituído em favor de dois usufrutuários, o direito de usufruto do<br />
que vier a falecer acresce à parte do sobrevivente.<br />
(C) pode recair sobre títulos de crédito.<br />
(D) se extingue o usufruto pelo não uso, ou não fruição, <strong>da</strong> coisa em que<br />
o usufruto recai.<br />
37. (197) (Questão 27 — 131º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é<br />
ERRADO afi rmar que<br />
(A) a lei considera que o direito de usufruto sobre um terreno é um bem<br />
imóvel.<br />
(B) falecendo o usufrutuário, o direito de usufruto transmite— se aos seus<br />
herdeiros.<br />
(C) falecendo o nu-proprietário, seu direito transmite-se aos seus herdeiros.<br />
(D) o direito de usufruto não pode ser alienado.<br />
PENHOR<br />
38. (198) (Questão 4 — 4º Exame OAB-RJ) A notifi cação ao devedor<br />
pelo credor pignoratício tem o condão:<br />
(A) De <strong>da</strong>r ciência ao mesmo <strong>da</strong> cessão do título de crédito;<br />
(B) De tomar o devedor ciente que poderá pagar o título tanto a um<br />
quanto ao outro;<br />
(C) Obrigar o devedor involuntariamente ao negócio jurídico em razão <strong>da</strong><br />
caução do título feita pelo credor originário;<br />
(D) Consiste na ciência do devedor que o título de crédito foi alienado.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 145
39. (199) (Questão 26 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o penhor, é errado<br />
afi rmar que<br />
(A) implica sempre na transferência <strong>da</strong> posse ao credor, <strong>da</strong> coisa <strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />
garantia.<br />
(B) se extingue com o perecimento <strong>da</strong> coisa <strong>da</strong><strong>da</strong> em garantia.<br />
(C) o pagamento de uma <strong>da</strong>s prestações não implica exoneração correspondente<br />
<strong>da</strong> garantia, ain<strong>da</strong> que esta compreen<strong>da</strong> vários bens.<br />
(D) o condômino pode <strong>da</strong>r em garantia sua parte ideal <strong>da</strong> coisa, independentemente<br />
<strong>da</strong> autorização dos demais.<br />
40. (200) (Questão 29 — 119º Exame OAB-SP) É direito do credor<br />
pignoratício<br />
(A) impedir o uso <strong>da</strong> coisa grava<strong>da</strong>.<br />
(B) receber o remanescente do preço na ven<strong>da</strong> judicial.<br />
(C) exigir o reforço <strong>da</strong> garantia se a coisa empenha<strong>da</strong> se deteriorar ou<br />
perecer.<br />
(D) conservar a posse indireta do bem empenhado.<br />
CONDOMÍNIO EDILÍCIO<br />
41. (201) (Questão 26 — 127º Exame OAB-SP) Se o condômino, no<br />
condomínio edilício, for julgado nocivo, por seu reiterado comportamento<br />
anti-social, e expulso por deliberação <strong>da</strong> assembléia, reitera<strong>da</strong> por decisão<br />
judicial,<br />
(A) perderá a proprie<strong>da</strong>de de sua uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />
(B) perderá a proprie<strong>da</strong>de e a posse direta de utilização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />
(C) perderá a posse direta de utilização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma.<br />
(D) não poderá ceder o uso <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de autônoma a terceiros.<br />
42. (202) (Questão 21 — 119º Exame OAB-SP) Por deliberação de 2/3<br />
em assembléia condominial de prédio residencial, o síndico ajuizou ação contra<br />
condômino, por perturbação do sossego, visando interditar-lhe o acesso<br />
ao edifício. A medi<strong>da</strong> intenta<strong>da</strong> é<br />
(A) legal, por constituir contravenção penal.<br />
(B) ilegal, porque as transgressões a deveres dos condôminos são passíveis<br />
apenas de sanções pecuniárias.<br />
(C) legal, pois que a decisão <strong>da</strong> Assembléia é soberana no regime <strong>da</strong>s relações<br />
de condomínio.<br />
(D) ilegal, por falta de decisão unânime dos condôminos.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 146
36. (OAB — FGV — 2011.2) Durante assembleia realiza<strong>da</strong> em condomínio<br />
edilício residencial, que conta com um apartamento por an<strong>da</strong>r, Giovana, nova<br />
proprietária do apartamento situado no an<strong>da</strong>r térreo, solicitou explicações sobre<br />
a cobrança condominial, por ter verifi cado que o valor dela cobrado era superior<br />
àquele exigido dos demais condôminos. O síndico prontamente esclareceu que<br />
a cobrança a ela dirigi<strong>da</strong> é realmente superior à cobrança <strong>da</strong>s demais uni<strong>da</strong>des,<br />
tendo em vista que o apartamento de Giovana tem acesso exclusivo, por meio<br />
de uma porta situa<strong>da</strong> em sua área de serviço, a um pequeno pátio localizado nos<br />
fundos do condomínio, conforme consta nas confi gurações originais do edifício<br />
devi<strong>da</strong>mente registra<strong>da</strong>s. Desse modo, segundo afi rmado pelo síndico, podendo<br />
Giovana usar o pátio com exclusivi<strong>da</strong>de, apesar de constituir área comum do<br />
condomínio, caberia a ela arcar com as respectivas despesas de manutenção.<br />
Em relação à situação apresenta<strong>da</strong>, assinale a alternativa correta.<br />
(A) Não poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />
do pátio, tendo em vista que este consiste em área comum do condomínio,<br />
e a porta de acesso exclusivo não fora instala<strong>da</strong> por iniciativa <strong>da</strong> referi<strong>da</strong><br />
condômina.<br />
(B) Poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />
do pátio, tendo em vista que ela dispõe de seu uso exclusivo, independentemente<br />
<strong>da</strong> frequência com que seja efetivamente exercido. (X)<br />
(C) Somente poderão ser cobra<strong>da</strong>s de Giovana as despesas relativas à manutenção<br />
do pátio caso seja demonstrado que o uso por ela exercido impõe<br />
deterioração excessiva do local.<br />
(D) Poderá ser cobra<strong>da</strong> de Giovana metade <strong>da</strong>s despesas relativas à manutenção<br />
do pátio, devendo a outra metade ser reparti<strong>da</strong> entre os demais condôminos,<br />
tendo em vista que a instalação <strong>da</strong> porta na área de serviço não foi de<br />
iniciativa <strong>da</strong> condômina, tampouco <strong>da</strong> atual administração do condomínio.<br />
CONDOMÍNIO — CO-PROPRIEDADE<br />
43. (203) (Questão 45 — 25º Exame OAB-RJ) Com base na atuais concepções<br />
normativas acerca dos direitos reais, estabeleci<strong>da</strong>s pelo Código Civil<br />
de 2002, marque a assertiva correta:<br />
(A) A convenção de condomínio é oponível contra terceiros, independentemente<br />
do fato de não estar registra<strong>da</strong> no cartório de Registros de Imóveis;<br />
(B) O possuidor de má-fé não tem direito à indenização por quaisquer<br />
benfeitorias realiza<strong>da</strong>s;<br />
(C) Os direitos reais sobre imóveis transmitidos causa mortis só se adquirem<br />
com o registro no Cartório de Registro de Imóveis;<br />
(D) Na hipótese de alienação de uni<strong>da</strong>de de condomínio, a responsabili<strong>da</strong>de<br />
por débitos do imóvel relativamente ao condomínio está a cargo do adquirente.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 147
44. (204) (Questão 22 — 117º Exame OAB-RJ) Se o condômino de coisa<br />
indivisível vender sua fração ideal sem <strong>da</strong>r preferência aos demais consortes,<br />
(A) a ven<strong>da</strong>, como ato jurídico, é nula de pleno direito, pois não obedeci<strong>da</strong><br />
a forma prescrita em lei.<br />
(B) o condômino preterido, respeitado o prazo legal, pode depositar o<br />
preço pelo qual a fração foi vendi<strong>da</strong> a terceiro e havê-la para si.<br />
(C) não há direito de prelação na com proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coisa indivisível,<br />
uma vez que todos os condôminos devem assinar o ato de alienação.<br />
(D) o condômino preterido pode apenas pleitear per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos, provando<br />
que tinha condições fi nanceiras para adquirir a parte ideal vendi<strong>da</strong> ou que<br />
o imóvel remanescente perde parte de seu valor em função <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong><br />
possibili<strong>da</strong>de de seu aproveitamento.<br />
EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — OUTUBRO)<br />
45. (40) Numa ação de reintegração de posse em que o esbulho ocorreu<br />
há menos de 1 ano e 1 dia, ao examinar o pedido de liminar constante <strong>da</strong><br />
petição inicial, o juiz<br />
(A) deve sempre realizar a inspeção judicial no local, sendo tal diligência<br />
requisito para a concessão <strong>da</strong> liminar.<br />
(B) deve deferir de plano, sem ouvir o réu, se a petição inicial estiver devi<strong>da</strong>mente<br />
instruí<strong>da</strong> e sendo a ação entre particulares.<br />
(C) deve sempre designar audiência prévia ou de justifi cação, citando o<br />
réu, para, então, avaliar o pedido liminar.<br />
(D) pode deferir a liminar de plano, sem ouvir o réu, desde que haja parecer<br />
favorável do Ministério Público.<br />
EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — JULHO)<br />
46. (33) Noêmia, proprietária de uma casa litorânea, regularmente constituiu<br />
usufruto sobre o aludido imóvel em favor de Luísa, mantendo, contudo,<br />
a sua proprie<strong>da</strong>de. Inespera<strong>da</strong>mente, sobreveio uma severa ressaca marítima,<br />
que destruiu por completo o imóvel. Ciente do ocorrido, Noêmia decidiu reconstruir<br />
integralmente a casa às suas expensas, tendo em vista que o imóvel<br />
não se encontrava segurado.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 148
A respeito <strong>da</strong> situação narra<strong>da</strong>, assinale a alternativa correta.<br />
(A) O usufruto será mantido em favor de Luísa, tendo em vista que o<br />
imóvel não fora destruído por culpa sua.<br />
(B) O usufruto será extinto, consoli<strong>da</strong>ndo-se a proprie<strong>da</strong>de em favor de<br />
Noêmia, independentemente do pagamento de indenização a Luísa, tendo<br />
em vista que Noêmia arcou com as despesas de reconstrução do imóvel.<br />
(C) O usufruto será extinto, consoli<strong>da</strong>ndo-se a proprie<strong>da</strong>de em favor de<br />
Noêmia, desde que esta indenize Luísa em valor equivalente a um ano de<br />
aluguel do imóvel.<br />
(D) O usufruto será mantido em favor de Luísa, independentemente do<br />
pagamento de qualquer quantia por ela, tendo em vista que Noêmia somente<br />
poderia ter reconstruído o imóvel mediante autorização expressa de Luísa,<br />
por escritura pública ou instrumento particular.<br />
47. (38) Acerca <strong>da</strong> servidão de aqueduto, assinale a alternativa correta.<br />
(A) Não se aplicam à servidão de aqueduto as regras pertinentes à passagem<br />
de cabos e tubulações.<br />
(B) O aqueduto deverá ser construído de maneira que cause o menor prejuízo<br />
aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, mas a<br />
quem não incumbem as despesas de conservação.<br />
(C) Se o uso <strong>da</strong>s águas não se destinar à satisfação <strong>da</strong>s exigências primárias,<br />
o proprietário do aqueduto não deverá ser indenizado pela retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s águas<br />
supérfl uas aos seus interesses de consumo.<br />
(D) O proprietário do prédio serviente, ain<strong>da</strong> que devi<strong>da</strong>mente indenizado<br />
pela passagem <strong>da</strong> servidão do aqueduto, poderá exigir que seja subterrânea<br />
a canalização que atravessa áreas edifi ca<strong>da</strong>s, pátios, jardins ou quintais.<br />
EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.3)<br />
48. (15) Félix e Joaquim são proprietários de casas vizinhas há cinco anos<br />
e, de comum acordo, haviam regularmente delimitado as suas proprie<strong>da</strong>des<br />
pela instalação de uma singela cerca viva. Recentemente, Félix adquiriu um<br />
cachorro e, por essa razão, o seu vizinho, Joaquim, solicitou-lhe que substituísse<br />
a cerca viva por um tapume que impedisse a entra<strong>da</strong> do cachorro em sua<br />
proprie<strong>da</strong>de. Surpreso, Félix negou-se a atender ao pedido do vizinho, argumentando<br />
que o seu cachorro era adestrado e inofensivo e, por isso, jamais<br />
lhe causaria qualquer <strong>da</strong>no.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 149
Com base na situação narra<strong>da</strong>, é correto afi rmar que Joaquim<br />
(A) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />
ingresse na sua proprie<strong>da</strong>de, contanto que arque com metade <strong>da</strong>s despesas<br />
de instalação, cabendo a Félix arcar com a outra parte <strong>da</strong>s despesas.<br />
(B) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />
ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de, cabendo a Félix arcar integralmente com as<br />
despesas de instalação.<br />
(C) não poderá exigir que Félix instale o tapume, uma vez que a cerca viva<br />
fora instala<strong>da</strong> de comum acordo e demarca corretamente os limites de ambas<br />
as proprie<strong>da</strong>des, cumprindo, pois, com a sua função, bem como não há indícios<br />
de que o cachorro possa vir a lhe causar <strong>da</strong>nos.<br />
(D) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro<br />
ingresse em sua proprie<strong>da</strong>de, cabendo a Félix arcar com as despesas de instalação,<br />
deduzindo-se desse montante metade do valor, devi<strong>da</strong>mente corrigido,<br />
correspondente à cerca viva inicialmente instala<strong>da</strong> por ambos os vizinhos.<br />
EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.2)<br />
49. (25) Sobre o constituto possessório, assinale a alternativa correta.<br />
(A) Trata-se de modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />
(B) Trata-se de modo originário de aquisição <strong>da</strong> posse.<br />
(C) Representa uma tradição fi cta.<br />
(D) É imprescindível para que se opere a transferência <strong>da</strong> posse aos herdeiros<br />
na sucessão universal.<br />
50. (26) Passando por difi cul<strong>da</strong>des fi nanceiras, Alexandre instituiu uma<br />
hipoteca sobre imóvel de sua proprie<strong>da</strong>de, onde reside com sua família. Posteriormente,<br />
foi procurado por Aman<strong>da</strong>, que estaria disposta a adquirir o<br />
referido imóvel por um valor bem acima do mercado. Consultando seu advogado,<br />
Alexandre ouviu dele que não poderia alienar o imóvel, já que havia<br />
uma cláusula na escritura de instituição <strong>da</strong> hipoteca que o proibia de alienar<br />
o bem hipotecado. A opinião do advogado de Alexandre<br />
(A) está incorreta, porque a hipoteca instituí<strong>da</strong> não produz efeitos, pois,<br />
na hipótese, o direito real em garantia a ser instituído deveria ser o penhor.<br />
(B) está incorreta, porque Alexandre está livre para alienar o imóvel, pois a<br />
cláusula que proíbe o proprietário de alienar o bem hipotecado é nula.<br />
(C) está incorreta, uma vez que a hipoteca é nula, pois não é possível instituir<br />
hipoteca sobre bem de família do devedor hipotecário.<br />
(D) está correta, porque em virtude <strong>da</strong> proibição contratual, Alexandre não<br />
poderia alienar o imóvel enquanto recaísse sobre ele a garanti a hipotecária.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 150
51. (28) Por meio de uma promessa de compra e ven<strong>da</strong>, celebra<strong>da</strong> por<br />
instrumento particular registra<strong>da</strong> no cartório de Registro de Imóveis e na<br />
qual não se pactuou arrependimento, Juvenal foi residir no imóvel objeto do<br />
contrato e, quando quitou o pagamento, deparou-se com a recusa do promitente-vendedor<br />
em outorgar-lhe a escritura defi nitiva do imóvel.Diante do<br />
impasse, Juvenal poderá<br />
(A) requerer ao juiz a adjudicação do imóvel, a despeito de a promessa de<br />
compra e ven<strong>da</strong> ter sido celebra<strong>da</strong> por instrumento particular.<br />
(B) usucapir o imóvel, já que não faria jus à adjudicação compulsória na<br />
hipótese.<br />
(C) desisti r do negócio e pedir o dinheiro de volta.<br />
(D) exigir a substituição do imóvel prometido à ven<strong>da</strong> por outro, muito<br />
embora inexistisse previsão expressa a esse respeito no contrato preliminar.<br />
PROVA A — 1ª FASE — 2006.2<br />
52. (36) Acerca <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fi duciária em garantia, assinale a opção<br />
correta.<br />
(A) Na proprie<strong>da</strong>de fi duciária, o credor pode apropriar-se <strong>da</strong> coisa garanti<strong>da</strong><br />
quando o fi duciante voluntariamente deixar de pagar o débito garantido,<br />
transformando, assim, a proprie<strong>da</strong>de resolúvel em proprie<strong>da</strong>de defi nitiva do<br />
fi duciário. No entanto, havendo saldo a favor do devedor, após o desconto<br />
<strong>da</strong>s taxas de administração e dos demais encargos decorrentes <strong>da</strong> mora, este<br />
deve ser entregue ao fi duciante.<br />
(B) Capitalizar juros signifi ca somar o valor dos juros vencidos ao capital<br />
mutuado, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado<br />
dessa soma, e assim sucessivamente, procedimento também conhecido como<br />
juros compostos. Nos contratos de mútuo com alienação fi duciária em garantia,<br />
desde que expressamente pactua<strong>da</strong>, é admiti<strong>da</strong> a capitalização dos juros.<br />
(C) O bem <strong>da</strong>do em proprie<strong>da</strong>de fi duciária não faz parte dos ativos do<br />
devedor, pois trata-se de patrimônio separado, imune à ação de terceiros e<br />
que não pode ser penhorado, e a falta de devolução do bem alienado fi duciariamente<br />
autoriza a prisão civil do devedor.<br />
(D) O objetivo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fi duciária é garantir um empréstimo feito<br />
pelo credor fi duciário ao fi duciante, para que este pague o preço <strong>da</strong> aquisição.<br />
Para garantir o reembolso <strong>da</strong> quantia mutua<strong>da</strong>, o adquirente transfere<br />
ao fi nanciador o domínio <strong>da</strong> coisa compra<strong>da</strong>, que a conserva até o preço ser<br />
pago. O devedor fi ca com a posse direta e o fi nanciador, titular <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />
resolúvel, conserva a posse indireta, enquanto o domínio não se resolver.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 151
PROVA A — 1ª FASE — 2006.3<br />
53. (33) Quanto à usucapião, assinale a opção correta.<br />
(A) Caso uma pessoa exerça com ânimo de dono a posse mansa, pacífi ca e<br />
ininterrupta do imóvel há 11 anos, adquirirá a sua proprie<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong><br />
usucapião extraordinária.<br />
(B) Usucapião é modo originário de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e ocorre<br />
quando uma pessoa mantém a posse mansa e pacífi ca, por determinado espaço<br />
de tempo, de um bem, gerando, assim, a chama<strong>da</strong> prescrição aquisitiva,<br />
que lhe permite buscar, por meio de uma ação judicial, a declaração de seu<br />
domínio sobre aquele bem.<br />
(C) A usucapião especial de imóvel localizado em área urbana possui<br />
como um dos requisitos o justo título, assim considerado o documento hábil<br />
à aquisição do domínio e a boa-fé, isto é, o desconhecimento do vício que lhe<br />
impede a aquisição do bem.<br />
(D) Na usucapião rural, o possuidor deve ser pessoa física ou jurídica que<br />
houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras<br />
ou serviços de caráter produtivo, ou seja, que retire <strong>da</strong> terra a sua subsistência<br />
ou que torne a terra produtiva com ativi<strong>da</strong>de agrícola, extrativa ou agroindustrial.<br />
54. (35) Quanto à posse e à proprie<strong>da</strong>de, assinale a opção correta.<br />
(A) Ao possuidor de má-fé são assegurados os interditos possessórios, bem<br />
como o direito de retenção do bem possuído até a completa indenização pelo<br />
proprietário <strong>da</strong>s benfeitorias necessárias e <strong>da</strong>s úteis feitas na coisa possuí<strong>da</strong>.<br />
(B) Adquire-se a proprie<strong>da</strong>de de bem móvel ou imóvel pela tradição <strong>da</strong><br />
coisa negocia<strong>da</strong> pelas partes, exigindo-se para a vali<strong>da</strong>de dessa aquisição que<br />
a coisa seja de proprie<strong>da</strong>de do vendedor ou de terceiro por ele representado.<br />
(C) Acessão natural é o direito em razão do qual o proprietário de um bem<br />
passa a adquirir a proprie<strong>da</strong>de de tudo aquilo que nele adere. Por se tratar de<br />
modo originário de aquisição, não há transmissão e, para todos os efeitos, o<br />
histórico <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de inicia-se com o adquirente; portanto, esse fato jurídico<br />
não é gerador do imposto de transmissão.<br />
(D) Na aquisição deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de por causa mortis, seja bem móvel<br />
ou imóvel, a título singular ou universal, ocorre a transferência <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de<br />
do patrimônio que pertencia à pessoa faleci<strong>da</strong>, assumindo o sucessor<br />
to<strong>da</strong>s as obrigações e as dívi<strong>da</strong>s pessoais do de cujus.<br />
— assunto: posse e proprie<strong>da</strong>de (aula 3)<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 152
55. (39) Com relação aos direitos reais sobre coisas alheias, assinale a opção<br />
correta.<br />
(A) O penhor comum ou convencional só pode ser instituído por escrito<br />
e completa-se com a entrega <strong>da</strong> coisa móvel de proprie<strong>da</strong>de do devedor ou<br />
de terceiro garantidor ao credor pignoratício, com a fi nali<strong>da</strong>de de garantir o<br />
pagamento de um débito.<br />
(B) O mesmo imóvel pode ser <strong>da</strong>do em garantia hipotecária a mais de<br />
uma dívi<strong>da</strong> até o limite do valor venal do imóvel e exigindo-se para tanto que<br />
o credor originário e o <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> hipoteca sejam a mesma pessoa e que haja<br />
sua concordância expressa com a divisibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> garantia.<br />
(C) Extingue-se a hipoteca com a alienação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, transformando-se<br />
a obrigação real em obrigação pessoal do devedor originário que assumiu<br />
a dívi<strong>da</strong> perante o credor hipotecário.<br />
(D) A anticrese é um direito real de garantia com efi cácia erga omnes em<br />
que o devedor ou um terceiro garantidor transmite a posse direta e indireta<br />
de bem móvel ao credor como garantia de uma dívi<strong>da</strong>. Em hipótese de<br />
inadimplemento do débito garantido, poderá o credor promover a ven<strong>da</strong><br />
amigável do bem para o pagamento.<br />
— assunto: hipoteca e penhor (aula 21)<br />
PROVA ROXA — 1ª FASE — 2007.2<br />
56. (25) Acerca <strong>da</strong> desapropriação, assinale a opção correta.<br />
(A) Desapropriação indireta é o fato administrativo por meio do qual o<br />
Estado se apropria de bem particular, sem a observância dos requisitos <strong>da</strong><br />
declaração e <strong>da</strong> indenização prévia.<br />
(B) Na desapropriação por interesse social para fi ns de reforma agrária,<br />
serão indeniza<strong>da</strong>s por título <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública não apenas a terra nua, mas<br />
também as benfeitorias úteis e necessárias, sendo que as voluptuosas não serão<br />
indeniza<strong>da</strong>s.<br />
(C) Os bens públicos não podem ser desapropriados.<br />
(D) Na desapropriação por zona, devem ser incluídos os imóveis contíguos<br />
ao imóvel desapropriado, necessários ao desenvolvimento <strong>da</strong> obra a que<br />
se destina.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 153
PROVA A — 1ª FASE — 2007.3<br />
57. (26) A respeito <strong>da</strong> posse e <strong>da</strong> proteção possessória, assinale a opção<br />
correta.<br />
(A) A posse natural é um direito real de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de bens<br />
móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes<br />
de fato sobre a coisa.<br />
(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condiciona<strong>da</strong><br />
à efetiva comprovação <strong>da</strong> posse, do esbulho praticado pelo réu e <strong>da</strong><br />
per<strong>da</strong> <strong>da</strong> posse. Exige-se, ain<strong>da</strong>, a demonstração <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do esbulho, para que<br />
seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.<br />
(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não demande,<br />
na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeitorias<br />
erigi<strong>da</strong>s na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória<br />
em outra, ou, ain<strong>da</strong>, em petitória.<br />
(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção <strong>da</strong> coisa alheia até ser indenizado<br />
pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementa<strong>da</strong>s, tais como<br />
plantações ou construções.<br />
PROVA DISCURSIVA — 2ª FASE — 2010.3<br />
1) Tarsila adquiriu determinado lote íngreme. A entra<strong>da</strong> se dá pela parte<br />
alta do imóvel, por onde chegam a luz e a água. Inicia<strong>da</strong>s as obras de construção<br />
<strong>da</strong> casa, verifi ca-se que, para realizar adequa<strong>da</strong>mente o escoamento do<br />
esgoto, as tubulações deverão, necessariamente, transpassar subterraneamente<br />
o imóvel vizinho limítrofe, de proprie<strong>da</strong>de de Charles. Não há outro caminho<br />
a ser utilizado, pois se trata de região rochosa, impedindo construções<br />
subterrâneas ou qualquer outra medi<strong>da</strong> que não seja excessivamente onerosa.<br />
De posse de parecer técnico, Tarsila procura por Charles a fi m de obter autorização<br />
para a obra. Sem justo motivo, Charles não consente, mesmo ciente<br />
de que tal negativa inviabilizará a construção do sistema de saneamento do<br />
imóvel vizinho. Buscando um acordo amigável, Tarsila propõe o pagamento<br />
de valor de indenização pela área utiliza<strong>da</strong>, permanecendo a recusa de Charles.<br />
Considere que você é o(a) advogado(a) de Tarsila. Respon<strong>da</strong> aos itens a<br />
seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fun<strong>da</strong>mentação<br />
legal pertinente ao caso.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 154
a) Há alguma medi<strong>da</strong> judicial que possa ser toma<strong>da</strong> em vista de obter autorização<br />
para construir a passagem de tubulação de esgoto?<br />
R: José descobriu, após o casamento, que Tânia praticou crime que, por<br />
sua natureza, tornará insuportável a relação do casal. Cui<strong>da</strong>-se de erro essencial<br />
sobre o cônjuge, podendo José propor ação judicial a fi m de que o<br />
casamento seja anulado. Cabe, portanto, Ação Anulatória de Casamento,<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no art. 1.557, II, c/c art. 1.556 do CC.<br />
b) Considere que houve paralisação <strong>da</strong> obra em razão do desacordo entre<br />
Tarsila e Charles. Há alguma medi<strong>da</strong> emergencial que possa ser busca<strong>da</strong> objetivando<br />
viabilizar a construção do sistema de saneamento?<br />
R: A medi<strong>da</strong> cabível será a Ação Cautelar de Sequestro, nos termos do art.<br />
822, III, do CPC, a fi m de proteger os bens do casal, enquanto tramita a ação<br />
principal. O examinando deverá mencionar que há presença de fumus boni<br />
iuris e do periculum in mora, elementos essenciais à concessão de medi<strong>da</strong>s<br />
de urgência.<br />
GABARITO —<br />
CESPE OAB<br />
1. D<br />
2. C<br />
3. C<br />
4. A<br />
5. D<br />
6. C<br />
7. A<br />
8. D<br />
9. C<br />
10. C<br />
11. D<br />
12. D<br />
13. D<br />
14. C<br />
15. B<br />
16. C<br />
17. D<br />
18. D<br />
19. B<br />
20. A<br />
21. B<br />
22. B<br />
23. B<br />
24. B<br />
25. A<br />
26. A<br />
27. C<br />
28. C<br />
29. A<br />
30. C<br />
31. C<br />
32. C<br />
33. B<br />
34. A<br />
35. A<br />
36. B<br />
37. B<br />
38. C<br />
39. A<br />
40. C<br />
41. C<br />
42. B<br />
43. D<br />
44. B<br />
GABARITO —<br />
PROVA OAB FGV<br />
45. B<br />
46. B<br />
47. D<br />
48. B<br />
49. C<br />
50. B<br />
51. A<br />
52. D<br />
53. D<br />
54. B<br />
55. A<br />
56. A<br />
57. B<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 155
GUSTAVO KLOH MULLER NEVES<br />
Mestre e Doutor em <strong>Direito</strong> Civil pela UERJ.<br />
Professor <strong>da</strong> FGV <strong>Direito</strong> Rio. Advogado.<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 156
FICHA TÉCNICA<br />
Fun<strong>da</strong>ção <strong>Getulio</strong> <strong>Vargas</strong><br />
Carlos Ivan Simonsen Leal<br />
PRESIDENTE<br />
FGV DIREITO RIO<br />
Joaquim Falcão<br />
DIRETOR<br />
Sérgio Guerra<br />
VICE-DIRETOR ACADÊMICO<br />
Rodrigo Vianna<br />
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO<br />
Thiago Bottino do Amaral<br />
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO<br />
Rogério Barcelos Alves<br />
COORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO<br />
Paula Spieler<br />
COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS<br />
Andre Pacheco Mendes<br />
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA<br />
Thais Maria L. S. Azevedo<br />
COORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO<br />
Márcia Barroso<br />
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – PLACEMENT<br />
Diogo Pinheiro<br />
COORDENADOR DE FINANÇAS<br />
Milena Brant<br />
COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO<br />
DIREITO DE PROPRIEDADE<br />
FGV DIREITO RIO 157