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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />
INSTITUTO DE LINGUAGENS<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM<br />
ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA<br />
PATRICIA DE SOUSA ANDRADE<br />
O TRABALHO DE PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO MUSICAL<br />
DE DOIS DJS DE MÚSICA ELETRÔNICA DE CUIABÁ<br />
CUIABÁ-MT<br />
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />
INSTITUTO DE LINGUAGENS<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM<br />
ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA<br />
PATRICIA DE SOUSA ANDRADE<br />
O TRABALHO DE PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO MUSICAL<br />
DE DOIS DJS DE MÚSICA ELETRÔNICA DE CUIABÁ<br />
CUIABÁ-MT<br />
2011
PATRICIA DE SOUSA ANDRADE<br />
O TRABALHO DE PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO MUSICAL<br />
DE DOIS DJS DE MÚSICA ELETRÔNICA DE CUIABÁ<br />
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-<br />
Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da<br />
Universidade Federal de Mato Grosso como requisito<br />
para a obtenção do título de Mestre em Estudos de<br />
Cultura Contemporânea na Área de Concentração<br />
Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de<br />
Pesquisa Comunicação e Mediações Culturais.<br />
Orientadora: Profª Drª Cássia Virgínia Coelho de Souza<br />
Cuiabá-‐MT<br />
2011
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte<br />
A553t Andrade, Patricia de Sousa.<br />
O trabalho de produção e divulgação musical de dois Djs de música<br />
eletrônica de Cuiabá / Patricia de Sousa Andrade. – 2011.<br />
108 f. ; 30 cm.<br />
Orientadora: Cássia Virginia Coelho de Souza.<br />
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,<br />
Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de<br />
Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2011.<br />
Inclui bibliografia.<br />
1. Música eletrônica – Produção. 2. DJ – Produção musical. 3.<br />
Música eletrônica – Tecnologias. 4. DJ – Divulgação musical – Cuiabá.<br />
I. Título.<br />
CDU 789.9.07(817.2)<br />
Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099<br />
Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte
DEDICATÒRIA<br />
Aos meus pais e amigos; Aos Djs Faraz e Gustavo<br />
Bongiolo.
AGRADECIMENTOS<br />
Há momentos na vida em que é fundamental poder contar com o apoio de algumas pessoas.<br />
Para a realização dessa pesquisa pude contar com diversas pessoas, as quais presto, em poucas<br />
palavras meus mais sinceros agradecimentos<br />
À professora Cássia Virgínia, orientadora desse trabalho, pelo seu conhecimento, atenção, boa<br />
vontade e valiosas orientações.<br />
Aos Djs Gustavo Bongiolo e Faraz pelo interesse e participação na pesquisa, sem os quais<br />
não teria sido possível a realização desse estudo. Sobretudo, agradeço ao Dj Faraz pela sua<br />
grande contribuição, dedicação e paciência, me ajudando em muitos momentos a esclarecer<br />
dúvidas que surgiam a respeito desse universo musical.<br />
À Eliane Castilho pela amizade e companhia no decorrer das observações no clube, também<br />
por seus incentivos e apoio nos momentos mais difíceis.<br />
Aos professores da banca examinadora Yugi Gushiken e Simone Pereira de Sá pelas<br />
importantes e pontuais contribuições para o desenvolvimento dessa pesquisa.<br />
À todos os professores desse programa de pós- graduação por seus preciosos ensinamentos,<br />
aos colegas de mestrado pelos momentos de alegrias e angustias compartilhados nesses dois<br />
anos e ao colega Dyolen Emanuel pela breve passagem entre nós.<br />
Aos meus queridos pais Helena Maria e João Andrade pelo apoio, carinho e incentivo em<br />
todo o meu percurso profissional.<br />
E por fim à Capes por me conceder a bolsa de estudo permitindo que eu pudesse me dedicar a<br />
esta pesquisa.
Compositores têm dito que, como ter ouvido para uma<br />
música que geralmente não apresenta nada aos seus<br />
ouvidos? Seus ouvidos estão emparedados<br />
com os sons de sua imaginação.<br />
Amanhã, com a música eletrônica em nossos ouvidos,<br />
ouviremos liberdade.<br />
John Cage
RESUMO<br />
O estudo buscou compreender como dois importantes Djs de música eletrônica de Cuiabá,<br />
Mato Grosso, utilizam as tecnologias digitais em seu trabalho de produção e divulgação<br />
musical. Assim, algumas questões foram propostas visando a compreensão de aspectos<br />
referentes a formação, experiência e ao fazer musical dos Djs, sendo algumas destas: que<br />
conhecimentos musicais ou tecnológicos são necessários para formação e atuação como Dj?<br />
Que materiais ou tecnologias são utilizadas pelo Dj em seu fazer musical? Como eles<br />
divulgam ou comunicam seu trabalho aos ouvintes? Como os Djs buscam diferenciar o seu<br />
trabalho dos demais? A metodologia adotada foi a do Estudo de Caso, cujos instrumentos de<br />
coletas de dados utilizados foram as observações e entrevistas. Antes de adentrar a discussão<br />
a respeito do trabalho dos dois Djs, se fez um breve histórico discorrendo como as tecnologias<br />
ao longo do tempo reconfiguraram a atividade musical no pólo da produção, da circulação e<br />
consumo de música. Nesse percurso foram abordados dois momentos considerados marcos<br />
das mudanças que se processaram na atividade musical sendo estes: A produção e circulação<br />
da música com a gravação e equipamentos eletrônicos e, posteriormente com as tecnologias<br />
digitais. O trabalho tem como referencial teórico, principalmente, os estudos dos seguintes<br />
autores: Lévy (1999, 2007), Lemos (2008), Castells (2001), Santini (2005), Sá (2003, 2006),<br />
Morin (2006, 2009), Fritsch (2008) Arango, (2005), Rodrigues (2005), Fontanari (2003),<br />
Gushiken (2004), Iazzetta (1997, 2002), Araldi (2004), Baldelli (2004), Petiau (2001, 2004),<br />
Portau (2001), Canclini (2008), Barbero (2003).<br />
Palavras- chave: Tecnologias, produção e circulação musical, música eletrônica e o DJ
ABSTRACT<br />
The study sought to understand how two important electronic music DJs from Cuiabá, Mato Grosso,<br />
use digital technologies in their work of production and distribution of music. Therefore, some issues<br />
were proposed aiming at understanding aspects related to the building up, experience and music<br />
making of the DJs, some of them are: what musical or technologic knowledge are needed for the<br />
building up and performance as a DJ? What materials or technologies are used by the DJ on his<br />
music making? How do they disclose or communicate their work to the listeners? How the DJs seek<br />
to differentiate their work from the others? The methodology adopted was the Case Study, and<br />
interviews and observations were the tools of data collection used. Before entering the discussion<br />
about the work of the two DJs, a brief history discussing on how technologies, over the time, have<br />
reconfigured the musical activity in the center of production, circulation and consumption of music,<br />
was made. Along the way, two moments considered milestones of the changes that occurred in the<br />
musical activity were addressed; and they were: The production and circulation of the music recorded<br />
in electronic equipment and, subsequently, with digital technologies. The work has as theoretical<br />
benchmark, mostly, studies of the following authors: Lévy (1999, 2007), Lemos (2008), Castells<br />
(2001), Santini (2005), Sá (2003, 2006), Morin (2006, 2009), Fritsch (2008) Arango, (2005),<br />
Rodrigues (2005), Fontanari (2003), Gushiken (2004), Iazzetta (1997, 2002), Araldi (2004), Baldelli<br />
(2004), Petiau (2001, 2004), Portau (2001), Canclini (2008), Barbero (2003).<br />
Key words: technologies, production and dissemination of music, electronic music and DJ
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10<br />
1. CONSTRUINDO UM CAMINHO ENTRE “LUZES” E “VULTOS”...............................19<br />
1.1 Coleta de Dados...............................................................................................................20<br />
1.1.1 Os Contatos com os Djs participantes........................................................................20<br />
1.1.2 Critérios de Seleção dos participantes.......................................................................21<br />
1.1.3 Preparação para o campo..........................................................................................21<br />
1.1.4 Observações e Entrevistas.........................................................................................22<br />
1.2 O Material Coletado......................................................................................................26<br />
1.2.1 Registro e Análise.......................................................................................................27<br />
2. AS TECNOLOGIAS DIGITAIS: OS NOVOS MEIOS DE PRODUÇÃO MUSICAL......28<br />
2.1 Produção de Música com as Tecnologias Eletrônicas.....................................................29<br />
2.1.1 Os Primeiros Instrumentos Eletrônicos......................................................................31<br />
2.1.2 Os sintetizadores.........................................................................................................32<br />
2. 2 Produção de música na Cibercultura...............................................................................34<br />
2.3 As Tecnologias e a Música Eletrônica.............................................................................38<br />
2.3.1 Música eletrônica X Música eletroacústica................................................................38<br />
2.3.2 Surgimento da música eletrônica de pista.................................................................40<br />
2.3.3 Estilos produzidos pelos DJs de música eletrônica de pista.......................................44<br />
2.3.4 Os novos músicos no universo da música eletrônica:o papel do DJ.........................48<br />
3. A CIRCULAÇÃO E O CONSUMO DE MÚSICA NA CIBERCULTURA.......................53<br />
3.1 Circulação da Música: da escrita à gravação....................................................................54<br />
3.2 Circulação Musical na Cultura de Massa.........................................................................58<br />
3.3 Circulação e consumo de Música na Cibercultura...........................................................61<br />
3.3.1 O Nascimento da Cibercultura...................................................................................61<br />
3.3.2 O Ciberespaço: Reconfigurando a Circulação e o Consumo de Música...................64<br />
3.3.3 Redes de Compartilhamento Musical: O MP3 e Napster...........................................66<br />
3.3.4 As Redes Sociais e Circulação de Informação............................................................68
4. ALÉM DE TOCAR O QUE VOCÊ FAZ?...........................................................................71<br />
4. 1 A Cena Eletrônica em Cuiabá.........................................................................................72<br />
4.2 Aprendendo a ser Dj: a formação.....................................................................................75<br />
4.2.1 Conhecimentos Necessários para o Dj.......................................................................78<br />
4.3 Atuando como Dj: Experiência........................................................................................81<br />
4.3.1 Iniciando a carreira....................................................................................................81<br />
4.3.2 Produção/Agenciamento da carreira do Dj................................................................82<br />
4.3.3 Relações com outros Djs e o Público..........................................................................84<br />
4. 4 O Fazer musical dos Djs..................................................................................................85<br />
4.4.1. Tecnologias e Materiais utilizados pelos Djs............................................................88<br />
4.4.2 As Técnicas dos Djs....................................................................................................90<br />
4.4.3 Estilos, Seleção de Repertório e a produção de assinatura.......................................92<br />
4. 5 Sobre As Observações do trabalho dos Djs....................................................................95<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................98<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................102<br />
APÊNDICE ............................................................................................................................108
INTRODUÇÃO<br />
Em nenhum outro momento a evolução das ciências e das tecnologias foi tão rápida e<br />
com tantas consequências diretas sobre a vida cotidiana como no decorrer do século XX. A<br />
segunda revolução 1 , que surgiu com o conhecimento e uso da eletricidade, trouxe consigo o<br />
telégrafo sem fio, o cinema, o automóvel, o transatlântico, entre outros “objetos fetiches” da<br />
burguesia triunfante (WARNIER, 2000). Seguindo o percurso, da metade do século XX ao<br />
início do século XXI, a sociedade presenciou outra “onda” de mudanças sociais, econômicas,<br />
culturais devido ao surgimentos das tecnologias digitais, o que alguns autores chamam de<br />
“terceira revolução”, a qual ainda esta em pleno desenvolvimento. Diante desse cenário, a<br />
tecnologia, como ressalta Domigues (1997) tem invadido todos os campos da atividade<br />
humana: a religião, a indústria, a ciência, educação, entre outros campos. No entanto, mais<br />
que “invadir”, pois o termo parece sugerir que as tecnologias são objetos de outro mundo, a<br />
tecnologia, no pensamento de Lévy (1999) e Lemos (2008) faz parte e é produto de uma<br />
sociedade e de uma cultura, já que a origem da técnica acompanha a própria origem do<br />
homem.<br />
Lemos (2008, p. 28) lembra que “o homem é um ser técnico por definição” e que o<br />
fenômeno técnico resulta da relação entre o ser e o seu meio natural (a matéria inerte largada<br />
ao acaso na natureza), e, portanto, só adquire sentido e significação nessa relação com a vida<br />
social. Lévy (1999) corrobora com esse pensamento ao afirma que<br />
É impossível separar o humano de seu ambiente material, assim como dos<br />
signos e das imagens por meio dos quais ele atribui sentido à vida e ao<br />
mundo. Da mesma forma, não podemos separar o mundo material – e menos<br />
ainda sua parte artificial - das idéias por meio dos quais os objetos técnicos<br />
são concebidos e utilizados, nem dos humanos que os inventam, produzem e<br />
utilizam (LÉVY, 1999, p. 22).<br />
Partindo disso, ainda que o todo esse desenvolvimento tecnológico tenha possibilitado<br />
que a sociedade contemporânea se configurasse de forma imprevisível em diversos aspectos,<br />
a sociedade não é passiva a toda inovação tecnológica (LEMOS, 2008). Nesse sentido,<br />
discorre Lévy (1999) que as tecnologias da informação e comunicação não apenas<br />
condicionaram a sociedade, mas, abriram algumas possibilidades ou opções culturais e sociais<br />
1 A primeira revolução, na visão de Warnier (2000), remete ao período de 1830, quando houve uma<br />
reorganização da exploração dos recursos como vapor, carvão, ferro. Enquanto que à “terceira revolução” o<br />
autor se refere à da informática.
que sem as tecnologias jamais poderiam ser pensadas. No campo da comunicação, por<br />
exemplo, em âmbito mundial, ampliou-se as possibilidades de as pessoas ao redor do planeta,<br />
sem saírem de suas casas, se comunicarem e interagirem rapidamente e independentemente<br />
do lugar geográfico e da coincidência do tempo, graças ao nascimento de um novo espaço de<br />
interação e difusão cultural, denominado de ciberespaço.<br />
Num sentido mais específico, essas inovações tecnológicas ampliaram não apenas as<br />
formas de os indivíduos interagirem e comunicarem nesse novo espaço, como também as<br />
possibilidades de produção e circulação de música, reconfigurando essas atividades de um<br />
modo nunca antes pensado. Graças à facilitação do acesso aos diversos softwares de gravação<br />
e manipulação sonora, um número maior de usuários sem uma formação musical tradicional 2<br />
precisa apenas de um pouco de conhecimento tecnológico, curiosidade e criatividade para<br />
fazer suas próprias gravações. Santini (2005) ressalta que as tecnologias digitais trouxeram<br />
possibilidades inéditas, no sentido em que tanto o processo de produção quanto o de consumo<br />
musical, acontecem cada vez mais independentes do mercado fonográfico, pois, cada vez<br />
mais músicos e bandas passam a produzir em seus próprios estúdios particulares.<br />
É importante lembrar, entretanto, que desde o início do século XX tecnologias como o<br />
gramofone e outros equipamentos que surgiram mais adiante, gravadores e microfones, por<br />
exemplo, já trouxeram condições inéditas para o fazer musical. Estes primeiros equipamentos<br />
inauguraram um processo de ruptura com a forma tradicional de criação, execução e<br />
apreciação musical que dependia até então da notação e do instrumentista-intérprete para que<br />
o ouvinte tivesse acesso à determinada obra. Essas inovações tecnológicas, segundo Santini<br />
(2005) citando Said (1992), ampliaram as possibilidades de produção e reprodução da música,<br />
que até determinado momento dependia de um conhecimento técnico específico de teoria e<br />
técnica instrumental para as elaborações e interpretações musicais.<br />
Na década de 30 do século XX, compositores já utilizavam os primeiros equipamentos<br />
eletrônicos para comporem as suas obras, as quais eram designadas de música concreta.<br />
Porém, a utilização dessas tecnologias ainda eram restritas aos compositores e músicos do<br />
meio acadêmico. A partir de meados da década de 60 começou a haver uma propagação e<br />
exploração desses recursos no universo mais popular da música, com o surgimento dos<br />
sintetizadores. Mas foi, sobretudo, nos anos 70 e 80, com a popularização das tecnologias<br />
digitais - com o advento do sampler e do computador pessoal – que a atividade de produção<br />
2 Trata-se aqui da formação musical adquirida em conservatórios, escolas de música ou aulas particulares, em<br />
que o estudo musical tem como foco a performance de um instrumento e do conhecimento da teoria musical<br />
tradicional.<br />
11<br />
11
musical toma novos rumos, passando a ser não mais específica de compositores e músicos<br />
com formação musical tradicional.<br />
Nesse contexto, propriamente, na década de 80 surgiu a figura do Dj produtor 3 no<br />
cenário musical que utilizando amplamente os recursos das tecnologias, tanto eletrônica<br />
quanto, posteriormente, as digitais, contribuiu para que emergissem novas estéticas musicais,<br />
como exemplo, a música eletrônica de pista na esfera da música pop.<br />
O termo música eletrônica de pista nessa pesquisa se refere à música produzida pelos<br />
Djs (Disc Jóqueis) 4 com o intuito de ser tocada e, principalmente, dançada nas raves 5 e clubs 6 .<br />
O termo apareceu pela primeira vez na década de 50, e nesse período foi usado para designar<br />
“a realização musical a partir de dispositivos de síntese sonora (os sintetizadores)”<br />
(RODRIGUES, 2005, p. 54). Contudo, desde a década de 80 vem sendo empregado para se<br />
referir também ao estilo musical dançante produzido por Djs. É importante lembrar ainda que<br />
alguns autores como Arango (2005) e Rodrigues (2005) referem-se também à musica<br />
produzida pelo Kraftwerk e outros grupos como sendo eletrônica, por isso, adota-se o termo<br />
“música eletrônica de pista” já utilizado por Arango (2005) para distinguir esta vertente da<br />
música eletrônica acadêmica que mais tarde, juntamente com a música concreta passaria a ser<br />
designado de eletroacústica ou acusmástica.<br />
O gênero eletrônico de pista emergiu propriamente, entre a década de 80 e 90 com as<br />
vertentes Techno (Detroit) e House (Chicago), sendo que posteriormente, surgem o Drum’n<br />
bass e o Trance. Estes são os pilares desse gênero, que se desdobram ainda em diversos<br />
estilos: Deep House, Electro House, Tech house. Esta cultura da música eletrônica tem raízes<br />
na música dançante da década de 70, conhecida como Disco Music, mas se consolidou na<br />
cena rave inglesa, no final da década de 80, “especialmente nas festas do verão inglês de 1988,<br />
conhecido como summer of love” (SÁ, 2006a, p. 2 ).<br />
O gênero se difere da vertente da música eletrônica acadêmica apresentando algumas<br />
características próprias. Conforme Sá (2003, p. 9) esta é explorada em termos de timbres,<br />
texturas, espacialidade, ritmo e repetição, sendo “pensada como track e não como song”. No<br />
entanto, entende-se que a diferença se dá principalmente pelo ritmo e pela repetição. Segundo<br />
3 Este trabalha em estúdio caseiro e dentro da lógica do “do it yourself”(SÁ, 2006a, p.3. grifo da autora).<br />
4 De acordo com Sá (2006a), remete-se ao profissional responsável por tocar boa música gravada para uma<br />
audiência – seja no rádio, num salão de dança ou mais recentemente na televisão.<br />
5 Raves são festas comumente realizadas distante das áreas urbanas. Esse modelo de festa firmou-se na Grã-<br />
Bretanha na década de 80, atraindo milhares de jovens para áreas descampadas no interior do país ou galpões e<br />
estações abandonados, o que, segundo Sá (2006a), deu à rave uma conotação contracultural.<br />
6 Os Clubs são lugares pequenos cuja lotação dificilmente ultrapassa o de 500 pessoas. Na linguagem mais<br />
popular seriam as casas noturnas (FONTANARI, 2003).<br />
12<br />
12
Kosmicki citado por Petiau (2004, p. 76) ela é baseada sobre um princípio de repetição, o qual<br />
não “rege apenas a pulsação, mas também todas as outras pistas sonoras”. 7<br />
Nesse universo a figura do Dj é essencial. Ele é, em muitos casos, o artista/intérprete e<br />
também o próprio produtor/compositor da sua música. O Dj é responsável tanto por levar essa<br />
música ao ouvinte - e cada vez que faz isso esta nunca será ouvida da mesma maneira, já que<br />
a cada seleção musical novos elementos sonoros são adicionados e modificados - quanto por<br />
criar o ambiente propício para a dança, ou seja, a “vibe”.<br />
As principais atividades ou práticas musicais, do Dj podem ser divididas em<br />
“mixagem”, ou discotecagem como é designada por muitos autores e Djs, produção e, embora<br />
não muito mencionada, pode-se incluir também a remixagem. A mixagem se refere ao<br />
trabalho de “montagem” 8 ou “colagem” realizado na pista de dança, com a intenção de<br />
fazerem “os corpos se movimentarem” (BALDELLI, 2004). A Produção aqui se trata da<br />
composição, ou melhor, o momento em que se cria sem se preocupar com um público<br />
específico, tendo como único objetivo produzir algo novo, ao contrário da mixagem, que<br />
envolve uma maior interação entre Dj e público.<br />
Contudo, o trabalho de produção não está totalmente desvinculado da discotecagem,<br />
uma vez que uma produção realizada pelo Dj tem como finalidade a de ser tocada na pista. A<br />
diferença consiste em seu processo criativo, cujo trabalho não é totalmente influenciado pelo<br />
público ou pelo local onde poderia ser tocada. Nesse sentido, é um trabalho mais “‘livre’ de<br />
‘interferências externas’, onde o que conta mesmo é uma boa idéia e habilidade para criar e<br />
manusear equipamentos e programas de computador para áudio” (BALDELLI, 2004, p. 3). A<br />
remixagem, consiste em transpor uma música, geralmente de outro gênero musical, para<br />
dentro de uma base rítmica eletrônica, por exemplo, um tema de filme ser transformado em<br />
um Tecno. Segundo Petiau (2001c, p.78) “esta prática nos remete diretamente àquela da<br />
montagem [ou colagem], pois, como esta, aquela pode ser realizada segundo várias<br />
modalidades, que vão da citação à reapropriação completa”. 9<br />
O cerne do trabalho do Dj, dentro ou fora da pista, pode-se dizer que é a apropriação<br />
reciclada, usando um termo de Shusterman (1998), ou sampling 10 . De acordo com<br />
Shusterman, sampling consiste em uma apropriação artística feita pela “seleção e combinação<br />
7<br />
“Elle est basée sur un principe de répétition. Ce principe ne régit pas en effet la seule pulsation, mais aussi<br />
toutes les autres pistes sonores”.<br />
8<br />
Montagem é a tradução do termo em francês “assemblage” usado por Petiau (2001c).<br />
9<br />
Cette pratique “nous renvoie directement à celle de l’échantillonnage car, comme elle, elle peut être effectuée<br />
selon plusieurs modalités, qui vont de la citation à la réappropriation complete”.<br />
10<br />
Sampling (ou colagem) é o ato de tomar amostras de gravações e reutilizá-las, usando um sampler (DUARTE,<br />
2010).<br />
13<br />
13
de parte de faixas já gravadas a fim de produzir uma nova música” (SHUSTERMAN, 1998, p.<br />
145). Em outras palavras, se pode entender que o Dj trabalha com temas para construir sua<br />
versão 11 .<br />
Partindo dessas considerações, se entende a importância e complexidade do papel do<br />
Dj nesse universo, que não deve ser confundido com a de mero selecionador de discos ou<br />
animador de festas. Uma vez que ele atua desde a produção/criação até a recepção pelo<br />
público, percebe-se, portanto, que ele assume papel importante na vida musical de um<br />
segmento da juventude em uma sociedade. Dessa forma, acredita-se que para tal o Dj deve<br />
possuir competências 12 que vão muito além da manipulação das tecnologias. Neste caminho<br />
algumas questões precisam ser colocadas para que se adentre na investigação. Quais<br />
conhecimentos musicais e/ou tecnológicos permeiam o fazer musical de Djs? Que meios e<br />
materiais são utilizados no seu fazer musical? Que papéis esses sujeitos desempenham nesse<br />
universo da música eletrônica? De que forma comunicam o seu trabalho ao ouvinte desse<br />
estilo musical?<br />
Para poder aprofundar o estudo sobre a produção e divulgação dos trabalhos dos Djs<br />
foi necessário delimitar o campo de observação fazendo um estudo de caso com dois Djs que<br />
fazem parte da cena eletrônica de Cuiabá. Gustavo Bongiolo e Rodrigo Farinha (Faraz) foram<br />
os Djs escolhidos por serem dois nomes importantes da música eletrônica na capital de Mato<br />
Grosso e pela possibilidade de estar observando a atuação dos mesmos. Assim, foram<br />
realizadas observações do trabalho dos Djs envolvidos nos clubs onde costumam tocar, bem<br />
como, apreciações musicais dos mesmos através de links disponibilizados pelos próprios Djs<br />
e pelo club Garage via e-mail. Também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas tendo<br />
como base um roteiro que foi organizado em três blocos de perguntas que abordam a<br />
formação, a experiência e a produção musical.<br />
Percebe-se num contexto de rápida mutação que os saberes se renovam a todo o<br />
momento. Mencionando a velocidade com que as novas tecnologias têm sido incorporadas na<br />
sociedade, Lévy (2007, p. 24) afirma que é no “universo dos saberes e do savoir-faire que a<br />
aceleração é mais acentuada e as configurações mais móveis”. Sobretudo, a renovação de<br />
conhecimento fica evidente no trabalho dos dois Djs, pois, como eles mesmos afirmaram<br />
durante as entrevistas realizadas no decorrer desta pesquisa, devem estar sempre atentos ao<br />
11 Tema é uma idéia musical existente e registrada na composição. Versão seria a nova forma que essa ideia<br />
toma após ser reutilizada ou, usando o termo de Shusterman (1998), reciclada.<br />
12 Lévy (1999, p. 178) entende por competências tanto o savoirs-faire e os conhecimentos teóricos quanto<br />
habilidades comportamentais (saber ser).<br />
14<br />
14
cenário em que atuam, já que sempre surgem novos programas de produção que podem<br />
facilitar o seu trabalho, bem como novos estilos e tendências musicais.<br />
O termo conhecimento abordado aqui é entendido no sentido não de mero acúmulo de<br />
informações, mas, segundo Morin (2008) enquanto “organização”, o qual deve estar<br />
relacionado com as informações e inserido no contexto delas. Como afirma o autor,<br />
15<br />
Todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma<br />
reconstrução, a partir de sinais, signos, símbolos, sob a forma de<br />
representações, idéias, teorias, discursos. A organização dos conhecimentos<br />
(…) comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de<br />
separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo é<br />
circular, passando da separação à ligação, da ligação a separação, e, além<br />
disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento<br />
comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese (MORIN,<br />
2008, p. 24).<br />
A pesquisa se justifica pela necessidade de suscitar reflexões a respeito das práticas<br />
musicais que emergem fora do âmbito acadêmico, rompendo assim com preconceitos que<br />
pairam sobre a música eletrônica de pista. Este gênero desde o seu surgimento tem sido<br />
frequentemente associado às raves e clubs, no entanto, deve ser considerado também que essa<br />
música, como destaca Petiau (2001a, p. 6), embora esteja longe de desaparecer do contexto<br />
festivo, cada vez mais, vem se libertando desse ambiente, podendo ser ouvida também nos<br />
canais hi-fi, nas estações de rádio e de televisão. Além disso, algumas posturas críticas ao<br />
considerarem esta música como excessivamente tecnológica e repetitiva e até mesmo não<br />
musical, não levam em consideração que toda música está intrinsecamente relacionada com as<br />
tecnologias de seu tempo, ou como afirma Hanocourt (1989), a arte, no caso específico aqui a<br />
música, é um espelho de seu tempo. Partindo disso julga-se importante investigar como as<br />
tecnologias e as práticas musicais se imbricam no processo de produção e difusão da música<br />
no trabalho dos dois Djs.<br />
O interesse em pesquisar sobre a música eletrônica surgiu durante uma palestra<br />
ministrada pelo Dj Faraz (ou Rodrigo Farinha) no seminário de pesquisa, realizado pelo grupo<br />
“Música e Educação” em novembro de 2009. Na ocasião, o Dj que participava do evento<br />
abordou o seu trabalho de pesquisar músicas de vários gêneros no intuito de explorá-las em<br />
suas produções. A palestra despertou a atenção desta pesquisadora em conhecer mais sobre<br />
esse universo e o trabalho do referido Dj, e, a partir desse momento, começou-se a busca de<br />
leituras em livros e dissertações que tratassem do assunto surgindo um novo horizonte para a<br />
pesquisa de mestrado.<br />
15
A revisão de literatura compreende tanto autores da área de comunicação, tais como<br />
Lemos, (2008), Recuero (2009), Santini, 2005; Yúdice, 2007, Castro (2008; 2009), Sá (2003;<br />
2006a; 2006b; 2009), como de outras áreas. Para abordar as novas tecnologias, a produção e<br />
difusão musical e suas implicações na sociedade são utilizadas as discussões trazidas por<br />
autores como Lemos (2008) e Lévy (1999; 2007) em que debatem como as tecnologias foram<br />
apropriadas pelos indivíduos e defendem que estas não devem ser vistas nem como maléficas<br />
para a sociedade, nem como a sua salvação. Para os autores as tecnologias devem ser<br />
entendidas num contexto de profunda mutação dos setores de produção, seja ele industrial ou<br />
cultural. São reportados, também, autores como Morin (2009) que aborda a questão da<br />
mudança cultural que se processa na sociedade com a entrada dos meios de comunicação de<br />
massa. Da área de música a pesquisa serve-se de autores que tratam da música eletrônica,<br />
entre os quais destacam-se Rodrigues (2005) e Fritsch (2008), ou de assuntos relacionados,<br />
como Arango (2005), Araldi (2004), Gohn (2002) e Carvalho (1999). Estes autores que<br />
discorrem sobre a relação da música e as tecnologias, ou seja, como no decorrer do tempo as<br />
tecnologias foram incorporadas na atividade musical, contribuindo para o surgimento de<br />
novas “poéticas musicais” (RODRIGUES, 2005).<br />
A partir da revisão sobre a música eletrônica, pode-se perceber que muitos estudos<br />
sobre o gênero têm sido realizados no Brasil, e mesmo no exterior, no entanto, estes têm se<br />
focado no contexto social das festas raves, abordando os elementos que constituem a cultura<br />
club (FONTANARI, 2003; CALADO, 2006). Entende-se a importância desses estudos para o<br />
conhecimento científico sobre a temática, no entanto, como ressaltado anteriormente, deve se<br />
levar em conta que essa música, vem se libertando cada vez mais desse ambiente, portanto e<br />
não deve ser entendida como sinônimo de festa (PETIAU, 2001a). Ressalta-se que não se<br />
pretende abordar aqui o contexto festivo da música eletrônica, visto que há uma amplitude de<br />
estudos a esse respeito, mas, principalmente, porque entende-se que o trabalho profissional do<br />
Dj, ainda que compreenda em grande parte a performance nas pistas de dança, é também<br />
constituído por atividades igualmente importantes, com as quais se relaciona e interage com<br />
seus públicos, que, antecedem ou fundamentam esse momento constituindo-se em formas<br />
específicas de desenvolver comunicação.<br />
Alguns estudos se debruçam sobre a questão estética da música eletrônica e a<br />
produção de um nova postura de escuta (ARANGO, 2005; RODRIGUES, 2005). Já a respeito<br />
do papel do Dj, têm se destacado esses sujeitos como “xamãs” que levam os ouvintes a outro<br />
“plano espiritual” por meio da música (FERREIRA, 2006). E também ao contrário dessas<br />
visões holísticas em torno do papel do Dj, diversos artigos e dissertações abordam a questão<br />
16<br />
16
da produção musical no circuito mercadológico e das novas tecnologias digitais (SÁ, 2003;<br />
2006a; 2006b; 2009 e CASTRO, 2008).<br />
O trabalho está constituído de 4 capítulos. O primeiro capitulo, sob o titulo<br />
“Construindo uma caminho entre luzes e vultos” 13 discorre sobre a metodologia adotada.<br />
Como mencionado trata-se de um estudo de caso tendo como referencial da metodologia da<br />
ciência autores como Chizzotti (2010) e Gaio, Carvalho e Simões (2008). Neste capítulo são<br />
descritos como foram realizados os primeiros contatos com s Djs e critérios de escolhas dos<br />
participantes, assim como as observações e entrevistas com os dois profissionais da música<br />
eletrônica de pista em Cuiabá.<br />
O segundo, sob o titulo “As tecnologias digitais: os novos meios de produção musical”<br />
discorre como ao longo do tempo estas sempre estiveram profundamente relacionadas com<br />
essa atividade. O capitulo aborda esse processo de incorporação das tecnologias, desde a<br />
produção musical com os recursos eletrônicos até as tecnologias digitais. Em um segundo<br />
momento adentra a discussão a respeito da música eletrônica, trazendo um breve histórico de<br />
seu surgimento e aborda ainda sobre o papel do Dj nesse contexto.<br />
No terceiro capitulo intitulado “A circulação e consumo musical na cibercultura”<br />
descreve-se a como as formas de circulação da música acompanharam o desenvolvimento<br />
tecnológico. Assim, procurou-se abordar as alterações nas formas de acesso à música desde a<br />
introdução da escrita e gravação, mas focando principalmente na disseminação musical a<br />
partir das tecnologias digitais, com o advento dos formatos de arquivos digitais e da internet.<br />
A separação dos capítulos nas categorias “produção” e “circulação e consumo<br />
musical” é uma questão mais didática para organização da discussões. Historicamente elas<br />
estão profundamente relacionadas uma à outra, visto que na produção musical, especialmente<br />
a partir da gravação e da consolidação da indústria fonográfica, houve uma preocupação cada<br />
vez maior com a difusão e consumo da música. Desse modo, se perceberá ao ler esse estudo<br />
que os assuntos dos dois capítulos se entrelaçam, consequentemente, havendo retomadas de<br />
discussões realizadas no segundo capítulo.<br />
O quarto capitulo, sob o titulo “O trabalho de dois Djs de Música eletrônica de<br />
Cuiabá” apresenta os estudos de casos, com análise das observações e entrevistas com os Djs,<br />
sendo confrontados com a bibliografia pertinente. Neste, no primeiro momento, é abordado a<br />
cena eletrônica em Cuiabá e em seguida adentra a discussão das questões propostas para a<br />
pesquisa. Os eixos condutores do capitulo são a formação, a experiência e o fazer musical.<br />
13 Os termos fazem uma analogia a forma como as pessoas se enxergam na pista de dança.<br />
17<br />
17
A pesquisa, sem pretender apontar conclusões sobre o assunto, apresenta, contudo,<br />
resultados, sendo muitos deles consonantes com outros estudos realizados. Os resultados se<br />
referem à como os Dj se apropriam e exploram as tecnologias digitais tanto no processo de<br />
produção quanto de divulgação de seu trabalho ao público. Nesse contexto, as tecnologias<br />
digitais, principalmente, facilitaram ou mesmo reconfiguraram algumas técnicas e práticas já<br />
utilizadas pelos Djs.<br />
18<br />
18
1. CONTRUINDO UM CAMINHO ENTRE LUZES E VULTOS<br />
Em busca de uma caminho metodológico que permitisse delinear a presente pesquisa,<br />
houve momentos em que “as luzes” se ascendiam, e se podia enxergar o percurso, contudo,<br />
em outros instantes, as mesmas luzes se apagavam e só se via “vultos”, idéias não mais tão<br />
claras e pensamentos confusos. Dessa forma, entre “luzes e vultos” este estudo se firmou, se<br />
apoiando na abordagem de pesquisa qualitativa, por esta envolver uma interpretação<br />
complexa dos fenômenos humanos e sociais (GAIO, CARVALHO & SIMÕES, 2008), e,<br />
assim, se preocupar com os diferentes significados que ações e eventos adquirem para as<br />
pessoas em dado contexto, visando o investigador capturar as perspectivas e as percepções<br />
dos participantes junto com a sua própria interpretação dos fatos (BRESLER, 2007).<br />
A pesquisa qualitativa hoje, como ressalta Chizzotti (2010, p. 28), adota<br />
“multimétodos” de investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que<br />
ocorre. O autor afirma que<br />
19<br />
Diferentes orientações filosóficas e tendências epistemológicas inscrevem-se<br />
sob o abrigo qualitativo, advogando os mais variados métodos de pesquisa,<br />
como entrevista, observação participante, história de vida, testemunho,<br />
análise do discurso, estudo de caso e qualificam a pesquisa como pesquisa<br />
clinica, pesquisa participativa, etnografia, pesquisa participante, pesquisaação,<br />
teoria fundamentada (Grounded theory) estudos culturais, etc<br />
(CHIZZOTTI, 2010, p. 29).<br />
Ao delimitar o presente estudo nas formas de produção e difusão musical dos Djs de<br />
música eletrônica de Cuiabá, foi necessário estabelecer um trabalho mais focado e específico,<br />
que pudesse gerar dados e promover interpretações mais específicas. Desse modo, com base<br />
na literatura específica da metodologia de pesquisa e devido à algumas particularidades que<br />
poderiam ser encontradas nos trabalhos dos Djs participantes da pesquisa, entendeu-se que o<br />
método mais apropriado seria o estudo de caso. Segundo Chizzotti (2010) esta é uma<br />
estratégia de pesquisa bastante comum em diversas áreas como a da clínica psicológica, da<br />
educação, jornalística, mas, afirma o autor mencionando Yin (2001), que vem crescendo em<br />
outros campos das atividades econômicas e sociais. Chizzotti (2010) explica que o caso<br />
permite que se reúna informações sobre determinado evento, fato ou fenômeno social<br />
contemporâneo complexo, que se situa em um contexto específico.<br />
19
20<br />
Os estudos de caso visam explorar, deste modo, um caso singular situado na<br />
vida real contemporânea, bem delimitado e contextuado em tempo e lugar<br />
para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre um caso<br />
especifico. O caso pode ser único e singular ou abranger uma coleção de<br />
casos, especificados por um aspecto ocorrente nos diversos casos<br />
individuais, como por exemplo, o estudo de particularidades ocorrentes em<br />
diversos casos individualizados (CHIZZOTTI, 2010, 136).<br />
A decisão de realizar a pesquisa com dois Djs de música eletrônica que desenvolvem<br />
seu trabalho em Cuiabá parte do entendimento de que este estudo específico permitiria<br />
conhecer as particularidades de cada um, possibilitando um maior aprofundamento e<br />
entendimento do papel dos envolvidos no processo de propagação da música eletrônica na<br />
capital mato-grossense.<br />
Ao adotar esse método para a presente pesquisa não se pretende fazer generalizações,<br />
o que não impede, contudo, que se possam fazer analogias com outros casos similares. Como<br />
se pode observar no caso específico do trabalho dos Djs, muitos aspectos da atividade dos<br />
sujeitos participantes desse estudo são comuns ao papel desempenhado por outros Djs no<br />
contexto mais geral da música eletrônica. Nesse sentido, Chizzotti discorre que, embora, esse<br />
tipo de estudo não vise generalizações, um caso, no entanto, pode “revelar realidades<br />
universais”, já que, como afirma o autor, nenhum caso é um “fato isolado” ou “independente<br />
das relações sociais onde ocorre” (CHIZZOTTI, 2010, p. 138).<br />
1.1 Coleta de Dados<br />
1.1.1 Os Contatos com os Djs participantes<br />
O primeiro contato com um dos participantes aconteceu em 2009 durante o 1º<br />
seminário de pesquisa, realizado pelo Grupo de Pesquisa “Música e Educação” na<br />
Universidade Federal de Mato Grosso. Na ocasião, o Dj Rodrigo Farinha (Faraz) participou<br />
da mesa redonda “A pesquisa no Cotidiano do Profissional de Música” na qual discorreu<br />
sobre seu trabalho de pesquisa com músicas de diversos gêneros buscando novas sonoridades.<br />
Esse fato foi bastante relevante para a decisão e direcionamento desse estudo. Após a palestra,<br />
foi estabelecido o primeiro contato com o Dj para o possível desenvolvimento da pesquisa e o<br />
mesmo se mostrou interessado em colaborar. No entanto, após um período de leituras sobre o<br />
assunto, o contato mais efetivo foi feito somente em maio de 2010 por meio de mensagem no<br />
Orkut para o agendamento de uma entrevista, para o que o Dj respondeu prontamente. A<br />
20
partir daí os demais contatos com o Dj Faraz foram sendo realizados por telefone e também<br />
por mensagens no site.<br />
O contato com o Dj Gustavo Bongiolo também foi estabelecido primeiramente por<br />
meio do Orkut e posteriormente por e-mail. O Dj também se mostrou bastante solicito em<br />
conceder a entrevista, respondendo rapidamente a mensagem. O contato com os Djs foi<br />
significativo para que se delineasse melhor o presente estudo na escolha dos participantes.<br />
1.1.2 Critérios de Seleção dos participantes<br />
Durante o período de observações nas comunidades virtuais do Orkut, fez-se o<br />
levantamento de alguns nomes importantes na cena eletrônica de Cuiabá, contudo, nem todos<br />
os Djs disponibilizavam os seus contatos no site. Assim, um dos primeiros critérios para a<br />
escolha dos participantes foi a possibilidade de estabelecer contato com o Dj. No caso do Dj<br />
Faraz, o contato já tinha sido previamente realizado durante o evento mencionado<br />
anteriormente, mas além disso, constatou-se que este Dj também é um dos mais atuantes no<br />
cenário musical mato-grossense. Desse modo, considerou-se também a relevância do seu<br />
trabalho na música eletrônica da Capital. Este também foi o critério estabelecido para a<br />
escolha do segundo participante, o Dj Gustavo Bongiolo, ainda levando em consideração a<br />
disponibilidade de tempo dos mesmos em estarem concedendo as entrevistas e as<br />
possibilidades de observação dos seus trabalhos nos lugares onde costumam tocar.<br />
1.1.3 Preparação para o campo<br />
Num primeiro momento, devido a pouca vivência que se tinha com a música e<br />
nenhum conhecimento da cena eletrônica em Cuiabá, julgou-se necessário realizar uma busca<br />
por informações recorrendo-se assim à internet, especialmente, aos sites de relacionamentos e<br />
as comunidades virtuais. Desse modo, foram realizadas observações não-participantes em<br />
algumas comunidades virtuais do site Orkut 14 , sendo estas: Música Eletrônica Cuiabá,<br />
comunidades pessoais de Djs, comunidade Garage Club Cuiabá (oficial) 15 . A partir das<br />
14 Site de rede social que alcançou grande popularidade entre os brasileiros. O sistema foi criado por Orkut<br />
Buyukkokten, enquanto era aluno da Universidade de Stanford funcionário do Google (Cf. RECUERO, 2009,<br />
p.116).<br />
15 Comunidade DJ Gustavo Bongiolo http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=3367876<br />
Comunidade DJ Rodrigo Farinha http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=5653179<br />
Música eletrônica Cuiabá http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=102137<br />
Comunidade Grage Club (oficial) http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=44482448<br />
21<br />
21
observações nessas comunidades foi possível fazer um breve levantamento de alguns nomes<br />
de Djs reconhecidos na cena eletrônica da Capital, bem como, lugares de referência que<br />
priorizam a execução de música eletrônica. Pode-se ainda ouvir alguns Sets de Djs postados<br />
para que os participantes, ou não, da comunidade pudessem acessá-los, uma vez que a<br />
privacidade de conteúdo dessas comunidades está aberta também para não-membros. A<br />
escolha por buscar as informações do Orkut deveu-se ao fato de este se constituir num dos<br />
mais utilizados na categoria de redes sociais e pela pesquisadora na época já possuir uma<br />
inscrição no site.<br />
Além da coleta de informações no Orkut, o site Youtube 16 também foi utilizado para<br />
um prévio conhecimento das diversas vertentes da música eletrônica de pista como o Trance,<br />
House, Drum’n and bass e Techno, e suas sub-divisões 17 . Neste foram realizadas várias<br />
audições com intuito de se familiarizar com esse gênero musical e identificar algumas<br />
características básicas das diversas vertentes, ou estilos como designam os Djs, que este<br />
engloba. Apesar de causarem bastante confusão para os não “iniciados” na música eletrônica,<br />
foi possível identificar, ainda que superficialmente, algumas de suas características. No<br />
entanto, é importante considerar que não faz parte da metodologia dessa pesquisa analisar<br />
estas vertentes da música eletrônica, ainda que se tenha dedicado um tópico no capitulo II<br />
para descrevê-los e explicá-los. O objetivo pretendido com tais audições era o de se entender<br />
mais sobre a linguagem musical nesse universo dos Djs antes de realização da pesquisa de<br />
campo propriamente.<br />
Realizada essa etapa de “familiarização” com o gênero, a pesquisa de campo foi<br />
iniciada a partir de 12 junho de 2010, quando foi realizada a primeira observação no Club<br />
Garage. No decorrer desse processo os instrumentos principais adotados para a coletas dos<br />
dados foram as entrevistas e observações.<br />
informações<br />
1.1.4 Observações e Entrevistas<br />
Segundo Chizzotti (2010) o Estudo de Caso envolve uma coleta sistemática de<br />
16 O Youtube foi criado em fevereiro de 2005 por Steve Chen e Chad Hurley com o objetivo de que as pessoas<br />
compartilhassem seus vídeos de viagem. Hoje também é um dos sites mais populares, em que pode ser<br />
encontrados diversos tipos de vídeos.<br />
17 Além das vertentes principais mencionadas, a música eletrônica conta com subdivisões como Tech-house,<br />
Hard Tecno, Deep House, Eletrohouse, Minimal, Breakbeat, Psycodelic Trance, etc.<br />
22<br />
22
23<br />
sobre uma pessoa, aspectos da vida de um indivíduo, de ações de membro de<br />
um grupo, aspectos de um evento, de uma organização, empresa ou<br />
comunidade. Recorre, para isso, a múltiplas fontes de coleta de informações,<br />
como documentos , cartas, relatórios, entrevistas, história de vida,<br />
observação participante, pesquisa de campo, recursos audiovisuais<br />
(CHIZZOTTI, 2010, p. 140).<br />
No que concerne à técnica de observação, esta tem como propósito auxiliar o<br />
pesquisador a “identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos<br />
não têm consciência, mas que orientam seu comportamento” (MARCONI; LAKATOS, 2002,<br />
p. 79). Nesta técnica, “são explicitadas as atitudes comportamentais do grupo investigado<br />
permitindo a evidência dos dados que podem ser suprimidos em outras técnicas de pesquisa”<br />
(GAIO; CARVALHO; SIMÕES, 2008, p. 161.).<br />
As observações nos espaços de atuação dos Djs foram realizadas de forma não-<br />
participante. Conforme Gaio, Carvalho e Simões (2008, p. 164) nessa técnica “o pesquisador<br />
toma contato com a comunidade, grupo ou realidade estudada, mas não se integra a ela, ou<br />
seja, aparece como um elemento que ‘vê de fora’”. O objetivos dessas observações em loco é<br />
o de conhecer, vivenciando com “ouvidos e olhos” o campo musical em que atuam os dos DJs<br />
da pesquisa.<br />
De fato, a impressão de alguém que “vê de fora” foi principalmente sentida na<br />
primeira observação. Esta foi realizada em 12 de Junho de 2010 na festa Afrodite que<br />
aconteceu no Club Garage. A festa costuma acontecer uma vez por ano e é conhecida pelos<br />
participantes se vestirem a caráter sendo que os homens vão fantasiados de “cafetões”,<br />
usando correntes, pulseiras, chapéus, óculos, capas, e as mulheres vão como melindrosas com<br />
vestidos, colares, penas, meias-arrastão. Na ocasião da observação, não entendeu-se que todos<br />
os participantes da festa deveriam estar totalmente “vestidos a caráter”. E isso causou o<br />
primeiro impacto sentido ao chegar ao Club, pois a falta de uma fantasia causou muito<br />
constrangimento para esta pesquisadora.<br />
Vocês vieram para a festa? Perguntou o segurança olhando a minha amiga e<br />
eu. Mas, com essa roupa? Não estão vestidas a caráter!<br />
Chegamos por volta das 22h45 no local e ficamos aguardando até que<br />
abrissem os portões de entrada. Começaram a chegar os homens e mulheres<br />
e nós ficamos meio deslocadas porque não pensávamos que seria obrigatório<br />
aquela caracterização. Apesar de estarmos nos sentindo como “peixes fora<br />
d`água” nos mantivemos firmes no propósito de entrar e observar a festa.<br />
Perto da 00hs começaram a liberar a entrada (Caderno de Campo,<br />
12/06/2010).<br />
23
O primeiro contato com o ambiente foi de “estranhamento” por parte da pesquisadora<br />
como dos “nativos”, pois notou-se que a presença de alguém que “não falava a sua língua”<br />
despertou certa curiosidade dos participantes da festa. Nessa primeira observação o objetivo<br />
era conhecer o Club, que é referenciado pelos Djs como o principal local de Cuiabá voltado<br />
ao gênero musical eletrônico. O Dj que tocava na festa não é participante da pesquisa, mas foi<br />
um dos nomes observados no site Orkut. O público principal nesse dia era constituído por<br />
jovens na faixa etária entre 18 aos 25 anos, alguns poucos participantes da festa<br />
ultrapassavam essa idade, tendo por volta de 30 anos e 50 anos.<br />
O ambiente estava bem decorado seguindo a data comemorativa (dia dos namorados),<br />
tendo muitos balões em forma de coração pendurados no teto. O Club Garage possui um<br />
espaço amplo, moderno e com tecnologias de iluminação e acústica de última geração. Ainda<br />
que a pesquisadora não fosse exatamente uma “expert” em tecnologias pode-se notar a<br />
sofisticação do lugar e os recursos tecnológicos “de ponta”, usando um termo do Dj Faraz,<br />
empregados para criar o ambiente. Aliás, algo que chamou também bastante a atenção foi “o<br />
jogo de luz” localizado na parede atrás da cabine do Dj e Vj e no teto, que consistem em<br />
diversos “cubos” em alto relevos, os quais ascendiam, apagavam, e adquiriam diversas cores<br />
sempre sincronizado com a execução musical dos Djs e a atmosfera da pista.<br />
O Club está divido em um bar, que fica centralizado no espaço, em torno estão<br />
colocados sofás, constituindo uma espécie de lounge 18 , mais a frente do bar encontra-se a<br />
pista de dança, o espaço do Dj e Vj 19 e dos dois lados da pista, localizam os camarotes. Nos<br />
fundos, mais um pequeno ponto de venda de bebida. Embora, se tenha frequentado poucas<br />
vezes outros clubes, notou-se alguns diferenciais desse local, como exemplo, o tamanho da<br />
pista e demais espaços entre o bar e o lounge, que são bem amplos não havendo a necessidade<br />
de as pessoas se “espremerem” para circular pelo ambiente. Outro detalhe observado se refere<br />
ao sistema de refrigeração do lugar que parece ter sido projetado para não deixar o público<br />
ficar parado, pois, em poucos minutos em que se tenta não dançar ou se movimentar de<br />
alguma maneira se tem a impressão, literalmente, de “estar no Pólo Norte”. No decorrer das<br />
observações ficou evidente a preocupação com os mínimos detalhes do Club, que, como<br />
relatou o Dj Gustavo Bongiolo (25/08/2010), levou meses apenas para ser projetado, pois, se<br />
buscou pesquisar “o que de melhor existia” para a construção desse espaço.<br />
18<br />
O termo lounge em português significa passar o tempo ociosamente (Dicionário Michaelis, 2001, p. 206). No<br />
caso aqui entende-se como um lugar para descanso.<br />
19<br />
No Garage notou-se que o Vj é o responsável pela execução de vídeos os quais acompanham a trilha musical<br />
do Dj.<br />
24<br />
24
As observações aconteceram no Club Garage, porém, este ficou estabelecido como o<br />
principal local de observação das performances dos Djs, bem como, para realização das<br />
entrevistas, após dado início ao trabalho de campo, levando em consideração, principalmente,<br />
o fato de os Djs atuarem nesse espaço. As observações aconteceram aleatoriamente e<br />
paralelas ao processo de redação da pesquisa, de acordo com a data em que os Djs se<br />
apresentavam. Como meta para o trabalho de campo foram previstas de duas a três<br />
observações das apresentações de cada Dj, contudo, em virtude da movimentação da agenda<br />
de um dos participantes da pesquisa, bem como, de outros imprevistos que se ocorreram no<br />
decorrer da investigação, foi possível realizar quatro observações em loco. O trabalho do Dj<br />
Faraz foi acompanhado por duas vezes, sendo que as duas aconteceram no Club Garage, já o<br />
segundo participante foi observado apenas uma de suas apresentações também neste Club.<br />
Acredita-se no entanto, que mesmo em número menor de observação do trabalho de um dos<br />
pesquisados, isso não impediu realização de uma análise para os limites desta investigação,<br />
ajudando a evidenciar e a elucidar muitas das informações coletadas durante as entrevistas.<br />
Durante todas observações, por exemplo, foi possível notar como cada Dj interagia com o<br />
público na pista de dança fazendo esta “ferver” em determinados momentos.<br />
Além das observações, outra fonte muito constante e usual na coleta dos dados,<br />
conforme Chizzotti (2010) tem sido a entrevista nas suas diferentes modalidades, ou seja, a<br />
estruturada, semi-estruturada ou aberta. Nesse estudo optou-se pela entrevista semi-<br />
estruturada, já que esta<br />
25<br />
Pode ser comparada a uma conversa sem uma ordem rigidamente<br />
estabelecida para as perguntas, porém complementada por perguntas<br />
especificas ou questões-guia. Nesse tipo de opção, em geral, o pesquisador<br />
está interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos as<br />
situações que fazem parte de seu cotidiano (GAIO; CARVALHO;<br />
SIMÕES, 2008, p. 165).<br />
Desse modo, entende-se que, com a escolha pela entrevista semi-estruturada com os<br />
Djs, seria possível obter outras informações, que inicialmente passassem despercebidas pela<br />
investigadora, ou mesmo propiciassem o surgimento de novas questões, as quais poderiam<br />
complementar e enriquecer a discussão do trabalho. Optou-se, então, na entrevista pelas<br />
perguntas de características “abertas”, pois, sem pretender direcionar as respostas dos sujeitos<br />
buscou-se, sobretudo, conhecer “os aspectos relevantes, a partir do ponto de vista do<br />
entrevistado” (FREIRE & CAVAZOTTI, 2007, p. 33). Assim, mais do que uma simples<br />
técnica, a entrevista, “[...] envolve um processo muito complexo, de relações imbricadas, de<br />
25
expectativas humanas cruzadas e diferenciadas, entre aquele que conta e quem se dispõe a<br />
ouvir” (ROVAI; EVANGELISTA, 2010, p. 5).<br />
As entrevistas foram previamente agendadas e confirmadas por telefone ou e-mail<br />
com os dois Djs. Elas aconteceram nos dias 28 de julho de 2010 com o Dj Faraz e 25 de<br />
agosto 2010 com Dj Gustavo Bongiolo e foram também realizadas no Club Garage por<br />
sugestão dos próprios entrevistados. No momento inicial da entrevista foi explicado do que se<br />
trata a pesquisa. Foi elaborado um roteiro com três blocos de perguntas organizadas em<br />
formação, experiência e o fazer musical dos Djs. Ao longo das entrevistas, pode ser percebido<br />
o interesse dos Djs em explanar sobre o seu trabalho sendo possível acrescentar outras<br />
perguntas pertinentes ao assunto. Durante a redação do trabalho foi percebida a necessidade<br />
de esclarecimentos de determinados pontos abordados, bem como, novos questionamentos,<br />
então, uma segunda etapa de entrevista foi realizada em 11 de janeiro de 2011 com o Dj Faraz<br />
e em 03 de fevereiro de 2011 com o Dj Gustavo Bongiolo, realizada por email. Nesta etapa as<br />
perguntas foram focadas no trabalho de cada Dj.<br />
1.2 O Material Coletado<br />
1.2.1 Registro e Análise<br />
As observações foram registradas em um caderno de campo. As entrevistas foram<br />
gravadas em um aparelho MP3 e, posteriormente, foram transcritas separadamente em<br />
documentos no formato do Office Word (2008). As observações no clube foram anotadas e<br />
registradas por meio de câmera fotográfica. Em virtude de limitações dos equipamentos<br />
algumas fotos se perderam, então, recorreu-se ao Dj Faraz o qual cedeu algumas fotos tiradas<br />
pelo Club do dia da apresentação observada.<br />
Também foram salvos em computador pessoal alguns arquivos de imagens de Flyers<br />
(folder de divulgação de eventos) enviados por e-mails pelo Club Garage ou postados na<br />
comunidades desse clube, bem como, e-mails com informações adicionais como arquivos<br />
musicais e de vídeos enviados pelo Dj Faraz. Além disso, eventuais dúvidas que surgiam<br />
durante a redação foram sanadas por telefone ou por e-mail com os Djs. Um exemplo disso,<br />
foi a situação em que se necessitou de um melhor esclarecimento sobre os ritmos Drum`n<br />
bass e o Breakbeat, ao qual o Dj Faraz atendeu prontamente inclusive exemplificando a<br />
diferença entre os estilos.<br />
26<br />
26
Quanto a textualização no capítulo destinado a abordar o trabalho dos Djs, buscou-se<br />
construir uma narrativa clara e transmitir a atmosfera das entrevistas. Em diversos momentos,<br />
optou-se por inserir os relatos e declarações dos participantes tal como foram ditos, assim, em<br />
muitas das citações não foram suprimidas certas expressões como “né”, “aí”, “pô”. Nesses<br />
casos, as citações diretas foram transcritas literalmente, pois, como sugerem as autoras Rovai<br />
e Evangelista (2010, p.6) a transcrição literal é tida por diversos autores como “a forma mais<br />
fidedigna de registrar o que foi dito pelo entrevistado”. Entendeu-se que a transcrição literal<br />
possibilitaria que os Djs ocupassem o papel não de informantes, mas sim, de “narradores” de<br />
sua experiência.<br />
Com relação aos procedimentos éticos, todas a entrevistas após serem transcritas<br />
foram enviadas via email para que os Djs apreciassem os seus relatos, solicitando aos mesmos<br />
que acrescentassem alguma informação ou sugerissem mudanças, caso julgassem necessário.<br />
Apenas o Dj Faraz fez um esclarecimento de uma informação que não tinha ficado clara na<br />
entrevista. Para o uso das informações coletadas nas entrevistas foi elaborado um documento<br />
escrita, no qual foi explicitado que elas seriam utilizadas apenas para fins científico. Os dois<br />
Djs autorizaram sem receio o uso das informações coletadas assim como a identificação dos<br />
seus nomes artísticos utilizados. Percebeu-se que o fato de terem seus nomes citados em um<br />
estudo acadêmico seria uma forma de mostrar o seu trabalho fora do âmbito da cena<br />
eletrônica ou, como expressou o Dj Faraz em uma das conversas informais, um meio de<br />
contribuir com a música eletrônica em Cuiabá.<br />
27<br />
27
2. AS TECNOLOGIAS DIGITAIS: OS NOVOS MEIOS DE PRODUÇÃO<br />
MUSICAL<br />
No percurso da história da humanidade sempre houve uma íntima relação entre a<br />
tecnologia e música, considerando a invenção de todo e qualquer instrumento musical como<br />
uma forma de tecnologia que, no sentido proposto por Iazzetta (1997, p. 1), remete às<br />
“ferramentas (conceituais ou materiais) utilizadas na realização de uma determinada tarefa”.<br />
No entanto, é especialmente a partir dos séculos XIX e XX que a relação entre tecnologia e<br />
música se intensifica. E isso aconteceu devido a fatores como o aumento do conhecimento<br />
sobre aspectos do som, o acesso à energia elétrica de <strong>baixo</strong> custo e a utilização das<br />
tecnologias eletrônica e digital na geração sonora artificial segundo Iazzeta (1997).<br />
A relação entre música e tecnologia, ainda, desperta questões, tais como se<br />
determinadas tecnologias no universo sonoro teriam surgido para atender às necessidades<br />
estéticas da música, ou, ao contrário, se novas vertentes estéticas acompanharam o<br />
desenvolvimento da tecnologia. Citando como exemplo a música eletroacústica, Zuben (2004)<br />
afirma que no século XX novas estéticas musicais foram criadas com o desenvolvimento das<br />
tecnologias de gravação sonora. Entretanto, em outros momentos da história da música<br />
ocidental, o aperfeiçoamento de antigos instrumentos parece ter atendido às necessidades<br />
estéticas de épocas. O autor exemplifica com as flautas orquestrais, antes de madeira, que<br />
passaram a ser feitas com metal, os instrumentos de cordas da família do violino, que tiveram<br />
modificações nos formatos dos arcos e nas cordas que eram fabricadas com tripas e passaram<br />
a ser utilizados materiais como naylon e metal, e, ainda, a criação de novos instrumentos<br />
como a família do saxofone e saxhorns e o piano (pianoforte). Nestes casos a tecnologia<br />
parece atender a uma necessidade estética da música do romantismo do século XIX, na qual<br />
compositores passaram a explorar uma maior gama de expressões e sonoridades, que por sua<br />
vez exigiam maior volume de som dos instrumentos. Remetendo ao pensamento de Lévy<br />
(1999) as técnicas teriam, assim, não determinado, mas condicionado a sociedade. Do mesmo<br />
modo, neste trabalho prefere-se abordar as tecnologias não como determinantes e sim<br />
condicionantes, assim, entende-se que estas ao longo do tempo abriram novas possibilidades<br />
também para experiências estéticas na produção musical.<br />
Ao se discutir essa relação entre a música e as tecnologias, aqui, se remete aos novos<br />
meios de produção provenientes, principalmente, dos conhecimentos adquiridos após o<br />
28<br />
28
entendimento e controle da eletricidade. Contudo, não se defende neste estudo, ao abordar<br />
como as tecnologias foram apropriadas e exploradas no processo de produção da música, um<br />
idéia de progresso ou evolução no campo musical, mas apenas, demonstrar o início de uma<br />
sucessão de profundas mudanças nunca antes pensadas nessa atividade.<br />
2.1 Produção de Música com as Tecnologias Eletrônicas<br />
Por volta de 1875 surgiram duas importantes invenções que provocariam uma<br />
mudança radical na relação do homem com o som: o fonógrafo, inventado por Tomas A.<br />
Edison, por possibilitar que o som fosse gravado e utilizado na ausência do músico (cantor ou<br />
instrumentista) ou orquestra que o tinha produzido, e o telefone, invento de Alexander Grahan<br />
Bell, por transformar o som em vibrações elétricas podendo ser transportadas por fios e<br />
convertidas em som novamente (FRITSCH, 2008)<br />
A invenção do fonógrafo em 1887 - posteriormente o gramofone 20 - foi o ponto de<br />
partida para a tecnologia de gravação. Esse invento inicialmente tratava de um aparelho de<br />
armazenar o som, a sua finalidade primeira seria o registro material de conversas gravadas ao<br />
telefone. De acordo com Santini (2005, p. 29) funcionaria como “uma espécie de secretaria<br />
eletrônica de hoje”. No entanto,<br />
29<br />
Devido à sua grande capacidade de gravação e reprodução de som, o<br />
fonógrafo, um meio fonomecânico, e mais tarde o gramofone, este elétrico,<br />
passaram a serem utilizados na gravação e reprodução de música. Em alguns<br />
anos, os ouvintes passaram a poder escutar música, pela primeira vez, sem<br />
que esta estivesse sendo executada naquele momento (SANTINI, 2005, p.<br />
30).<br />
A importância dos primeiros sistemas de gravação foi tamanha que tornou possível<br />
captar com precisão as performances ímpares de alguns artistas, e, além disso, tornaram mais<br />
acessíveis ao público as qualidades emocionais da música ao vivo. O sucesso da gravação<br />
inicialmente residia em poder captar as sonoridades de uma apresentação ao vivo e,<br />
posteriormente, escutá-la em casa. De acordo com Santini, essa era a aposta do negócio<br />
fonográfico, pois acreditava-se que o deslumbramento do público se dava em virtude da<br />
“verossimilhança da música gravada com aquela da performance ao vivo”(SANTINI, 2005, p.<br />
20 O fonógrafo inventado por Tomas Edison, segundo Gohn (2002), usava em seu processo folhas de estanho<br />
sobre um cilíndro como o meio no qual sulcos eram cortados por uma agulha. Já o gramofone, criado em 1888 o<br />
pelo alemão Émile Berliner registrava o som em discos metálicos.<br />
29
31). O prazer de ouvir música parecia estar relacionado exatamente à sensação de participação<br />
em uma apresentação musical. Segundo Lévy (1999)<br />
30<br />
A gravação torna-se responsável, a sua maneira, pelo arquivamento e pela<br />
preservação histórica de músicas que haviam permanecido na esfera da<br />
tradição oral (etnografia musical). Enfim alguns gêneros musicais, como o<br />
jazz ou o rock, só existem hoje devido a uma verdadeira “tradição de<br />
gravação” (LÉVY, 1999, p. 140. Grifo do autor).<br />
No entanto, apesar de serem amplamente referenciados como tecnologias de difusão<br />
sonora, os sistemas de gravação, mais que servirem para o registro e preservação de<br />
performances ao vivo, passaram, também, a serem amplamente explorados por compositores<br />
das vanguardas da música contemporânea no processo de criação e produção de novas<br />
estéticas na música, especialmente, com o surgimento de microfones, gravadores e a fita<br />
magnética. Com esses dispositivos os compositores puderam registrar diversos sons, por<br />
exemplo, sons do ambiente e posteriormente transformá-los e editá-los por meio de cortes e<br />
colagens de fita magnética. Essa técnica denominada de bricolagem 21 foi muito utilizada na<br />
vertente contemporânea denominada música concreta 22 . Nesse contexto, já se inauguraria uma<br />
forma inédita de concepção musical, a qual não estaria mais exclusivamente apoiada na<br />
escrita, como acontecia até o século XIX, em que toda música era concebida para que um<br />
intérprete a executasse posteriormente.<br />
Paralelo às novas possibilidades de circulação musical, empreendeu-se a tarefa de<br />
produção sonora a partir da criação de instrumentos musicais fornecidos com a propriedade<br />
da eletricidade. Até então, conforme Iazzetta (1997), todo som utilizado na música decorria de<br />
um mesmo tipo de processo mecânico. Assim, apesar de os diversos instrumentos musicais<br />
possuírem diferentes formas, baseavam-se em um mesmo princípio de produção sonora, ou<br />
seja, eram gerados pela vibração de algum material elástico que produzia ondas que se<br />
propagavam pelo ar chegando ao ouvinte, como exemplo, as cordas de um violão ou a palheta<br />
de um oboé. Tal como ressalta Iazzetta o surgimento das novas tecnologias advindas da<br />
eletricidade abriram a possibilidade da geração de sons sem a utilização de instrumentos<br />
mecânicos.<br />
21 Do francês bricolage. Refere-se a uma atividade na qual se relaciona elementos preexistentes, mas<br />
heterogêneos, objetos que, uma vez reunidos, ofereçam algum sentido. Em resumo, se trabalha com o que se<br />
encontra montando, colando, grudando, ajustando (RODRIGUES, 2005).<br />
22 Após segunda Guerra, de acordo com Rodrigues (2005), compositores franceses começaram a experimentar<br />
possibilidades expressivas colando amostragens sonoras de todas as naturezas, estas eram capitadas por<br />
microfones, justapostas, combinadas e editadas num processo de composição que foi denominado como<br />
“Musique Concrète”.<br />
30
2.1.1 Os Primeiros Instrumentos Eletrônicos<br />
Como um dos primeiros instrumentos elétricos, Fritsch (2008) destaca ter sido o<br />
Thelarmonium, também chamado de Dynamophone, construído por Thaddeus Cahil, em<br />
1906. Este foi uma espécie de pré-sintetizador, de grandes proporções, que<br />
31<br />
Produzia diferentes freqüências de áudio que eram controlados por um<br />
teclado com sensibilidade ao toque. O sinal produzido pelos geradores era<br />
convertido em som e amplificado acusticamente por corneta, pois naquela<br />
época não existiam amplificadores. Os sinais elétricos eram transportados<br />
por linha telefônica para outros locais, que podiam ouvir, a distância, a<br />
execução musical (FRITSCH, 2008, p. 25).<br />
Desse modo, o Thelarmonium, conforme Arango (2005) pode ser considerado um<br />
instrumento híbrido, pois ainda que tenha sido o primeiro desenho de um artefato gerador de<br />
sons eletrônicos, o equipamento foi destinado à difusão musical, sendo o propósito do seu<br />
inventor transmitir os sons do Thelarmonium através do telefone.<br />
Ainda na primeira metade do século XX, outros instrumentos como o Ondes Martenot<br />
e Trautronium e o Theremin, foram utilizados na produção musical antes do surgimento dos<br />
sintetizadores. O Ondes Martenot foi inventado por Maurice Martenot na França, em 1928. O<br />
autor do invento foi apoiado pelo conservatório de Paris, mantendo a produção de Ondes no<br />
decorrer dos anos 1960. Este instrumento foi utilizado por diversos compositores, entre os<br />
quais Olivier Messiaen, Edgar Varèse, Maurice Jarre e Pierre Boulez e também em filmes de<br />
ficção científica e terror no cinema e televisão na década de 50. O Trautonium, criado pelo<br />
engenheiro Friederich Trautwein, teve uma versão comercial fabricada pela Telefunken entre<br />
1932 e 1935 e foi utilizado por compositores como Paul Hindemith que compôs o Concertino<br />
para Trautonium e orquestra, em 1930 (ARANGO, 2005; FRISTCH, 2008)<br />
Contudo, entre estes instrumentos, o Theremim parece ter sido o de maior sucesso na<br />
época até o advento do primeiro sintetizador. Este foi criado pelo físico e músico russo Lev<br />
Sergeivich Termen (Léon Theremin) em 1920. Em 1927 foi patenteado e comercializado nos<br />
Estados Unidos em parceria com a RCA Victor. Conforme Fritsch (2008), Robert Moog,<br />
antes de desenvolver o primeiro sintetizador construiu vários modelos de theremins entre<br />
1950 e 60.<br />
O Theremim foi incluído pela primeira vez em peças orquestrais em 1931 pelo<br />
compositor russo Dmitri Shostackovitch na trilha sonora do filme Odna. Em 1950, o seu som<br />
eletrônico foi também utilizado na produção de efeitos sonoros e melodias em trilhas sonoras<br />
31
de filmes, como exemplo, O dia em que a terra parou. Além disso, alguns virtuoses desse<br />
instrumento ajudaram a divulgar o Theremim e colaborar para o seu reconhecimento e<br />
utilização em repertórios de música erudita dentre os quais destacam-se Clara Rockmore e<br />
Lydia Kavina segundo Fritsch (2008).<br />
Apesar de muito divulgado durante os anos 30 o Theremim, ficou, contudo, esquecido<br />
durante um certo tempo e recuperado apenas em 1954 por Robert Moog. Por volta de 1960 o<br />
instrumento foi empregado também na música pop, sendo utilizado, por exemplo, segundo<br />
Fritsch (2008), por Brian Wilson do grupo Beach Boys na gravação de The good vibrations<br />
(1966) e pelo guitarrista Jimmi Page do Led Zeppelin, que realizou shows tocando o<br />
instrumento na música Whole Lotta Love.<br />
Para Fritsch (2008) esse é um dos instrumentos mais extraordinários na perfomance<br />
musical, já que para executá-lo não é necessário o contato físico bastando aproximar as mãos<br />
de suas antenas, mas também difícil, pois, exige um ótimo senso de afinação e audição por<br />
parte do executante. Ainda hoje, o Theremin desperta o interesse de músicos contemporâneos,<br />
que o utilizam para a execução de música eletroacústica e experimental. Também é possível<br />
encontrar diversos vídeos de performances de música, tanto erudita quanto pop 23 , do<br />
instrumento em sites como o Youtube. Hoje, um dos principais fabricantes de theremins é a<br />
Moog music.<br />
2.1.2 Os Sintetizadores<br />
A invenção do sintetizador, na metade do século XX, abriria um espectro maior de<br />
possibilidades aos envolvidos no processo de produção musical. Este, juntamente com os<br />
gravadores inauguram um novo período para a composição. Na música eletrônica, em que se<br />
utiliza exclusivamente os sons gerados pelos osciladores dos sintetizadores, por exemplo, é<br />
possível ao próprio músico em estúdio compor, interpretar e, ainda, ser a própria audiência de<br />
suas músicas gravadas conforme Fritsch (2008).<br />
O sintetizador se mostrou um instrumento versátil na produção musical, pois, além de<br />
imitar instrumentos existentes, o Moog – um dos primeiros sintetizadores comercializados -<br />
também realizava sons que nenhum outro instrumento acústico podia produzir. Ele anunciava,<br />
23 Conforme Shuker (1999) a expressão música pop desafia uma definição exata e direta, e “há controvérsias<br />
quanto aos critérios para classificação ‘popular’, assim como sua aplicação a determinados estilos e gêneros<br />
musicais”. De acordo com o autor “culturalmente, toda música pop é uma mistura de tradições, estilos e<br />
influências musicais. É também um produto com um significado ideológico atribuído por seu público”. Mas,<br />
seguindo a prática convencional acadêmica, em seu trabalho considera como “música popular” os principais<br />
gêneros produzidos comercialmente e lançados no mercado (SHUKER, 1999, p. 9).<br />
32<br />
32
“uma sonoridade futurista e cheio de novos timbres, nunca antes ouvidos” (FRITSCH, 2008,<br />
p. 61). Robert Moog 24 citado por Fritsch, explica que<br />
33<br />
Os sintetizadores são diferentes de outros instrumentos, eles não tem um<br />
único timbre como o violão ou a bateria, que o ouvinte pode identificar em<br />
uma audição. O sintetizador pode soar mais <strong>baixo</strong> ou mais alto, ou não ter<br />
afinação. Ele pode produzir um som percussivo ou com sustentação, opaco<br />
ou brilhante, magro ou gordo, liso ou áspero, familiar ou estranho. Ele pode<br />
evocar imagens de uma orquestra sinfônica, um sol nascente, uma nuvem de<br />
insetos e muito mais. O sintetizador possibilita que o músico construa sons<br />
eficientemente e intuitivamente, tornando-se uma extensão da imaginação do<br />
músico (MOOG apud FRITSCH, 2008, p. 130).<br />
O sintetizador Moog modular foi lançado no mercado por volta de 1964.<br />
Primeiramente, ele foi utilizado por compositores de universidades e conservatórios de<br />
música. Entretanto, inicialmente a música feita por sintetizadores enfrentou certa resistência,<br />
como assinala Fritsch (2008), não apenas pela maioria das pessoas que pensava que esta era<br />
uma pesquisa de vanguarda a qual tinha pouca relação com os valores musicais tradicionais,<br />
como também por parte dos músicos do período que chegavam a acreditar que “o meio<br />
eletrônico e os sintetizadores não tinham lugar na produção de música de alta qualidade”<br />
(FRITSCH, 2008, p. 60).<br />
No entanto, em meados da década de 60, alguns músicos pioneiros começaram a<br />
discordar dessa visão e apostaram nos recursos do equipamento, assim, o sintetizador invadiu<br />
também o mundo da música pop. Diversos álbuns utilizando os recursos dos sintetizadores<br />
Moog foram lançados nesse período: Jean Jacques Perrey e Gershon Kinsley, de Nova York<br />
lançaram o LP The in sound from way out; Wendy Carlos (na época Walter Carlos) lançou o<br />
Switched-on Bach, com obras de Bach realizadas exclusivamente com sintetizadores, sendo<br />
este um dos álbuns clássicos mais vendidos em todos os tempos. Também o trio Emerson,<br />
Lake e Palmer utilizaram esse sintetizador em seus shows de rock progressivo. Diversos<br />
estúdios de música eletrônica espalhados pelo mundo adquiriram o Moog modular para<br />
síntese sonora e composição eletroacústica (FRITSCH, 2008).<br />
Nesse sentido, Alves (2006, p. 16) afirma que a criação do sintetizador analógico<br />
marcou “uma nova era em termos de sonoridade de teclados e da própria música popular”. Na<br />
sua visão, o equipamento introduziu um novo conceito de geração e moldagem do som, e<br />
permitiu a expansão do universo sonoro e da criatividade musical.<br />
24 Segundo Fritsch (2008), Robert Moog (1934-2005) foi um importante personagem tanto no desenvolvimento<br />
do sintetizador quanto da música eletrônica. Em 1954 fundou a empresa R. A. Moog e em 1964 lançou no<br />
mercado uma linha de aparelhos de síntese sonora. Seus inventos mudaram o curso da história da música,<br />
permitindo que o sintetizador e a música eletrônica assumissem um papel relevante na música atual.<br />
33
O sucesso do equipamento se deu, principalmente, com a construção do Minimoog,<br />
que durante os anos 70, foi o sintetizador monofônico mais popular. Isso pode ser explicado<br />
pela a praticidade do equipamento que podia ser levado a qualquer lugar. Antes da invenção<br />
desse sintetizador portátil, o Moog modular era um equipamento grande e pouco prático.<br />
Assim, de acordo com Fritsch (2008), o Minimoog disponibilizava uma espécie de<br />
“minilaboratório de música eletrônica” que podia ser levado ao palco (FRITSCH, 2008, p.<br />
63).<br />
Ressalta-se que até o surgimento do sintetizador, nenhum dos instrumentos havia sido<br />
projetado para a produção em série, ao contrário, a fabricação destes esteve sempre ligada e<br />
restrita as instituições acadêmicas como as universidades e laboratórios de pesquisa. Assim,<br />
como afirma Arango (2005, p. 48) os aparelhos foram “protótipos únicos ou modelos<br />
produzidos em mínima quantidade”, sendo projetados segundo necessidades individuais de<br />
alguns compositores. A partir de meados dos anos 1960 que começou a se estabelecer uma<br />
indústria de instrumentos musicais, passando o músico a ser também um consumidor das<br />
tecnologias disponíveis. Esse amplo consumo e emprego das tecnologias por parte dos<br />
músicos iria ser elevado ao infinito, especialmente, a partir da década de 80 com o advento<br />
das tecnologias digitais. Assim, é no final do século XX, que acontece a segunda profunda<br />
mudança no âmbito social e cultural, sendo a rede de computadores a maior expressão dessa<br />
mutação que reflete até o momento atual nas formas de produção de bens e signos culturais.<br />
2. 2 Produção de Música na Cibercultura<br />
Desde o início do século XX diversos compositores ligados às universidades e<br />
conservatórios de música, se empenharam na criação de equipamentos para a produção<br />
sonora. Particularmente, a metade desse século demonstrou ser um momento prolífico para a<br />
busca de novas experiências no campo da música. Nessa década, paralela a invenção e<br />
utilização dos equipamentos eletrônicos analógicos, como os primeiros sintetizadores,<br />
iniciava-se uma longa pesquisa elaborada em diferentes universidades norte-americanas de<br />
incorporação do processo computacional ao trabalho musical. Segundo Arango (2005) Max<br />
Mathews, foi o primeiro pesquisador e grande antecessor da computação musical<br />
desenvolvendo no período o MUSIC, primeiro programa de computador destinado a fazer<br />
música. A partir da empreitada de Mathews, nos anos 70, outros pesquisadores, tanto dos<br />
34<br />
34
Estados Unidos quanto Europa, começaram a investir em pesquisas com propósito de<br />
experimentação musical (ARANGO, 2005).<br />
Em meados da década de 1970 os computadores, que até então eram os mainframes 25 ,<br />
tiveram uma importante evolução técnica promovida pela aparição dos microprocessadores.<br />
Estes aparelhos tiveram seu tamanho reduzido e aumentaram em eficiência operacional,<br />
surgindo assim os primeiros computadores pessoais. Segundo Lévy (1999) o desenvolvimento<br />
e comercialização do microprocessador desencadearam diversos processos econômicos e<br />
sociais de grande amplitude. Essas tecnologias expandiram-se além dos muros das instituições<br />
governamentais, universitárias e de empresas privadas, tornando-se acessíveis a um número<br />
cada vez maior de usuários. Na época, a Apple foi uma das primeiras companhias a lançarem<br />
comercialmente o microcomputador e até esse fato, conforme Fritsch (2008), poucos eram os<br />
músicos que tinham acesso aos computadores para fazer suas experimentações sonoras.<br />
Desse período em diante, de acordo com Santini (2005) o uso do computador como<br />
ferramenta musical introduziu significativas mudanças em todos os âmbitos do fazer musical<br />
Este tem constituído uma ferramenta crucial no trabalho com música, tendo diversas<br />
finalidades desde as mais básicas como a de notação musical as mais complexas. Como<br />
exemplifica Alves (2006, p. 01) além da composição, arranjo, orquestração,<br />
sequenciamento 26 , há um série de outras funções musicais que são desempenhadas pelo<br />
computador sendo algumas destas<br />
35<br />
Gravação de áudio proveniente de qualquer fonte sonora (microfone,<br />
instrumento musical, CD, gravação de fita, toca disco, etc; Execução de<br />
instrumentos virtuais; transferência de áudio digital entre diversas mídias;<br />
Educação musical - treino do ouvido musical, aulas de teoria, criação e testes<br />
de escalas e acordes, etc; Internet - sonorização de homepages com músicas,<br />
locuções e FXs sonoros (ALVES, 2006, p. 02).<br />
A criação da interface MIDI 27 em 1983, que permitia a transferência de informações<br />
entre os diversos equipamentos externos (sintetizadores, sequenciadores e instrumentos<br />
25 O Mainframe é um computador de grande porte, normalmente usado no processamento de um volume grande<br />
de informações. Ocupa amplos espaços e necessita de um ambiente especial para seu funcionamento, incluindo<br />
instalações de refrigeração. O termo se refere ao gabinete principal que alojava a unidade central de fogo nos<br />
primeiros computadores (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mainframe).<br />
26 Sequenciar, basicamente, consiste em tocar em um instrumento, por exemplo o teclado, enquanto outro<br />
aparelho registra as informações relativas a execução em formato digital. Os sequenciadores guardam as<br />
informações na memória interna, de forma que as mesmas possam ser enviadas de volta para os teclados e<br />
módulos que tocarão automaticamente o que foi executado (ALVES, 2006, p. 93).<br />
27 MIDI ( Musical Instrument Digital Interface) é um padrão de comunicação de dados criado em 1983, em um<br />
acordo entre empresas Norte Americanas e japonesas para facilitar a transferência de informações entre<br />
instrumentos musicais e computadores. Esse padrão, de acordo com Frtsch (2008), utiliza a informação<br />
35
musicais) com o computador, bem como, a produção de softwares musicais impulsionou<br />
ainda mais a apropriação desse recurso como ferramenta para a criação musical.<br />
A respeito do protocolo MIDI é importante entender, como explica Alves (2006), que<br />
o conteúdo das informações de MIDI, não é áudio, portanto, não é possível “ouvi-lo da forma<br />
convencional como se ouve, por exemplo, o som de uma guitarra ligada a um amplificador”.<br />
Assim, o que trafega são informações e instruções a respeito das notas, intensidades e<br />
durações que são transmitidos de um equipamento para outro (ALVES, 2006, p. 50 -51).<br />
A partir do protocolo MIDI e da tecnologia de chip (circuitos integrados baseados em<br />
silício) o home estúdio tornou-se uma realidade para qualquer músico profissional ou amador.<br />
Segundo Santini estas duas tecnologias foram “as alavancas para a reformulação dos estúdios<br />
e do próprio conceito de produção musical” (SANTINI, 2005, p. 47). Nesse contexto, as<br />
tecnologias digitais reconfiguram a atividade de produção musical de uma forma inédita, já<br />
que, com o barateamento das tecnologias da informática, artistas e músicos se tornaram cada<br />
vez mais autosuficientes. Devido ao surgimento dos softwares de produção musical e à<br />
possibilidade de digitalização dos arquivos de música para os formatos MP3 28 e WMA 29 ,<br />
entre outros, músicos, cantores, compositores, bandas e Djs puderam passar a produzir e<br />
divulgar os seus trabalhos sem interferência das populares gravadoras. Assim, segundo<br />
Arango (2005, p. 65) o estúdio caseiro surgiu como “um novo lugar de concepção musical”.<br />
Atualmente, para se ter um pequeno estúdio de música caseiro não é necessário dispor<br />
de um superequipamento, basta apenas instalar no computador programas de edição musical e<br />
simuladores de instrumentos, que tornam a gravação e edição de áudio possível (SANTINI,<br />
2005, p. 48). Diversos softwares estão disponíveis, alguns destes trabalham apenas com<br />
áudio, como o Sound Forge (Sonic Foundry/Sony) e Cool Edit (Syntrillium Software/Adobe)<br />
e outros permitem seqüenciamento MIDI e gravação de áudios conjugados, a exemplo do<br />
Áudio Logic (Emagic/Apple), Sonar (Cakewalk Music Software), Cubase, Pro tools, entre<br />
outros (ALVES, 2006). Esses softwares estão cada vez mais acessíveis podendo ser<br />
adquiridos facilmente pela internet e ser encontradas versões livres, embora algumas sejam<br />
vendidas.<br />
Também Lévy (1999) discorre que<br />
codificada em dados binários (bits) que são transferidos por meio de um cabo MIDI de um equipamento ao<br />
outro.<br />
28 MP3 (da sigla de MPEG -1 layer 3) é um formato de áudio comprimido na faixa de 11 vezes em relação ao<br />
arquivo original. O formato popularizou-se na internet como padrão devido a sua capacidade de compressão de<br />
dados e por não deteriorar o material sonoro ao ser transmitido pela internet (SANTINI, 2005).<br />
29 WMA (Windowns Media Áudio) formato lançado pela Microsoft para concorrer com o MP3, a novidade em<br />
relação a este, é que fornece o sistema anticópia.<br />
36<br />
36
37<br />
(...) um dos primeiros efeitos da digitalização foi o de colocar o estúdio ao<br />
alcance dos orçamentos individuais de qualquer músico. [...] A partir de<br />
agora os músicos podem controlar o conjunto da cadeia de produção da<br />
música e eventualmente colocar na rede os produtos de sua criatividade sem<br />
passar pelos intermédios que haviam sido introduzidos pelos sistemas de<br />
notação e de gravação (editores, intérpretes, grandes estúdios, lojas) (LÉVY,<br />
1999, p. 141).<br />
Essa autonomia pode ser observada também no caso dos Djs participantes da pesquisa,<br />
uma vez que, utilizando amplamente essas tecnologias, eles vêm se tornando cada vez mais os<br />
agentes das diversas etapas do seu trabalho, o que envolve além da produção musical, os<br />
processos de divulgação e circulação de suas músicas, como discutido no quarto capitulo<br />
desse estudo.<br />
Assim como a invenção do fonógrafo encantou as pessoas, o computador também tem<br />
fascinado os usuários, entre outras funcionalidades, pela possibilidade de se reproduzir e fazer<br />
música no ambiente doméstico. O computador e seus periféricos sonoros (sintetizadores,<br />
samplers, processadores de efeitos) permitem a simulação de uma orquestra ou banda<br />
preferida dentro de casa como afirma Santini (2005). Nesse sentido, as tecnologias digitais,<br />
conforme ressaltam Gohn (2007) e Yúdice (2007), vêm incidindo na experiência sonora, não<br />
apenas de músicos ou aficionados por determinado estilo musical, mas de todos os ouvintes.<br />
Boa parte dos discursos sobre a aplicação das tecnologias à música, por um lado<br />
despertam um misto de ansiedade em relação as novidades e possibilidades de novas<br />
experimentações no discurso musical e deslumbramento por se entender esses recursos como<br />
libertadores, no sentido de que trazem a música possibilidades de criação não mais restritas à<br />
limitações físicas do músico ou da “fisicalidade do seu instrumento” (IAZZETTA, 1997, p.<br />
13). Por outro lado, também despertam desconfiança e pessimismo pressupondo-se que estas<br />
podem suprimir a capacidade de criação do ser humano.<br />
Segundo Iazzetta, estes sentimentos de ansiedade e deslumbramento, incluindo aqui<br />
também o de desconfiança e pessimismo, acompanham a história da humanidade em vários<br />
momentos e vêm à tona sempre que a “estabilidade de um certo período é confrontada com a<br />
criatividade trazida por alguma mudança substancial” (IAZZETTA, 1997, p. 13).<br />
Mencionando apenas os acontecimentos mais recentes, observa-se que isso sempre aconteceu,<br />
de acordo com o autor, por exemplo, com surgimento do mercado fonográfico e o<br />
desenvolvimento do rádio, com a introdução das ideias de Schöenberg sobre o serialismo e a<br />
invenção de instrumentos elétricos como o Theremin e o Ondes Martenot. Portanto, estes<br />
sentimentos não são privilégio da música eletrônica, ou melhor, de toda música produzida na<br />
atualidade, seja, por meios eletrônicos ou digitais.<br />
37
De fato, destaca-se que estas novas formas de produzir música conferiram uma<br />
libertação do corpo do músico, uma vez que este não precisa se submeter mais a horas de<br />
treinamento em um trecho de uma partitura para uma performance ao vivo. Contudo, é um<br />
equívoco pensar que o uso das tecnologias na atividade musical não dependa mais da<br />
criatividade do homem e de sua capacidade de manipulá-las. Ao contrario, é preciso levar em<br />
conta que essas tecnologias só podem executar tarefas para os qual foram programadas. Tal<br />
como afirma Iazzetta, a linguagem musical sempre esteve profundamente relacionada com as<br />
tecnologias, sejam elas mêcanicas, eletrônicas ou digitais (IAZZETTA, 1997, p. 14). Portanto,<br />
é inadequado entender que a música produzida por esses novos meios, seria uma espécie de<br />
“música em conserva”, ou seja, mais artificial em relação aquela produzida de forma<br />
tradicional. Citando Schloezer (1931), Iazzetta lembra que para este a música mecânica é<br />
apenas um mito, pois esta sempre dependeu e depende de técnicas e tecnologias, dos<br />
instrumentos para sua realização. Para Schloezer, “o desenvolvimento dos aparelhos de<br />
reprodução fonográfica, do rádio e dos instrumentos elétricos não representa uma<br />
mecanização da música - essa é, e sempre será, essencialmente espiritual”. Há na verdade,<br />
nesse processo apenas “uma substituição gradual da relação direta entre o intérprete e o<br />
ouvinte por uma relação mais remota” (SCHLOEZER apud IAZZETTA, 1997, p. 6).<br />
2.3 As Tecnologias e a Música Eletrônica<br />
2.3.1 Música Eletrônica X Música Eletroacústica<br />
Desde a década de 1930, como mencionado anteriormente, alguns compositores já<br />
começaram a utilizar alguns instrumentos eletrônicos, como o Theremin. em suas<br />
composições. No ano de 1939, John Cage criou a sua obra Imaginary Landscape Nº 1 a partir<br />
de sons gravados e também Pierre Schaeffer em 1948 gravava sons, os transformando e os<br />
organizando para a realização de uma obra. Esse processo foi chamado de música concreta.<br />
O termo “Elektroniche musik” foi introduzido na Alemanha em 1949 pelo foneticista e<br />
linguista Werner Meyer-Eppler, sendo utilizado para designar a prática de composição<br />
realizada em estúdio, mas foi a partir da peça Gesang der Junglige de Stockhausen concluída<br />
em 1956 que acabou por se consolidar o termo “música eletrônica” (RODRIGUES, 2005;<br />
FRITSCH, 2008).<br />
Nesse momento, segundo Rodrigues (2005), a música eletrônica já definia uma<br />
elaboração sonora através de aparelhos eletrônicos analógicos, ou seja, os proto-<br />
38<br />
38
sintetizadores, que podiam gerar e combinar frequências de múltiplos pulsos sonoros. Esse<br />
processo de composição se diferia da chamada “musique concrète” (RODRIGUES, 2005,<br />
p.54). Nesse período, músicos e compositores como Schaeffer, Stockhausen, Varèse entre<br />
outros, realizavam em estúdio suas composições a partir dessas duas técnicas: da eletrônica<br />
(de origem alemã) e da concreta (de origem francesa) que mais tarde, seriam reunidas naquilo<br />
que seria denominado de música eletroacústica.<br />
No entanto, o termo música eletrônica vem sendo utilizado desde a década de 80<br />
também por críticos, produtores e Djs, e mais adiante por pesquisadores acadêmicos para<br />
referir-se a um novo fenômeno musical eletrônico voltado as pistas de dança, que emergiu<br />
fora da academia, e que veio desde então agregando, principalmente, o público jovem. Desse<br />
modo, o rótulo “eletrônico” é utilizado hoje para designar também a música feita pelos Djs.<br />
Contudo, de acordo com Fritsch (2008) o uso desse termo nesse contexto é inadequado, uma<br />
vez que, para o autor, estas apenas “são músicas instrumentais criadas por meios eletrônicos”.<br />
Ele acrescenta que<br />
39<br />
Essa música comercial surge da união da composição eletroacústica<br />
com a dance music, misturado com o que o kraftwerk fazia, que é o<br />
tecnopop. Tudo isso foi evoluindo para essas várias subdivisões que criam<br />
até uma certa dificuldade em entender o que é trance e o que é house, por<br />
exemplo (FRITSCH, 2008b).<br />
Para o autor a música eletrônica “propriamente dita vem da década de 50, quando a<br />
montagem e a mixagem eram feitas por fitas” e que com o desenvolvimento tecnológico,<br />
começou a ser utilizado o computador (FRITSCH, 2008b). No entanto, o autor, sem depreciar<br />
o gênero aponta que tanto o termo “eletrônico” quanto “eletroacústico” trazem problemas em<br />
sua definição, já que são palavras que se referem apenas aos meios tecnológicos empregados<br />
no fazer musical. Citando Caesar (1994a) explica Fritsch (2008) que o compositor ao usar<br />
estes termos está anunciando somente que concebeu sua obra com o auxilio de recursos<br />
eletrônicos, porém, isto não possibilita um entendimento sobre a direção da proposta musical<br />
Certamente, é a partir do desenvolvimento tecnológico, bem como, da apropriação de<br />
técnicas de criação advindas da “música concreto-eletrônica” pelos sujeitos das esferas não-<br />
acadêmicas que outras experiências musicais com os recursos eletrônicos emergiram e, assim<br />
como na música eletroacústica, buscaram na manipulação sonora fonte de inspiração e<br />
concepção musical.<br />
39
2.3.2 Surgimento da Música Eletrônica de Pista<br />
A metade da década de 60 pode ser demarcada como período crucial na popularização<br />
dos dispositivos eletroacústicos. Nesse momento, rompeu-se com as restrições de acesso e<br />
consumo dessas tecnologias, que em princípio eram disponíveis apenas a compositores<br />
universitários e pesquisadores de empresas de telecomunicações. De acordo com Rodrigues<br />
(2005, p. 64) nesse período começou a haver um diálogo entre “artistas de formação<br />
acadêmica e amadores, autodidatas, não–músicos, ativistas culturais”. Esse intercâmbio de<br />
ideias, bem como, a disseminação do funk, do rock e da música pop, tornou a segunda metade<br />
do século XX um momento prolífico para novas experimentações sonoras fora do âmbito<br />
acadêmico. Tanto que comentaristas frequentemente retratam o final dessa década como “uma<br />
espécie de ‘era de ouro’ da experimentação”, momento de intensa efervescência criativa nos<br />
campos da expressão (RODRIGUES, 2005, p. 63).<br />
Sobretudo, a década de 70 foi decisiva na configuração da música eletrônica, uma vez<br />
que os recursos eletrônicos como sintetizadores já haviam se disseminado amplamente pelo<br />
mercado e passaram a ocupar lugar preponderante nos empreendimentos musicais de diversos<br />
grupos e artistas. Desse modo, no período, entre o final dos anos 1970 e o começo da década<br />
seguinte, a música eletrônica emergiu como um novo discurso musical, no qual os aparelhos<br />
eletrônicos são abordados de uma forma diferenciada pelos músicos. Como exemplo, Arango<br />
menciona o grupo Kraftwerk que emprega tais recursos “conduzidos por uma utopia futurista”<br />
(ARANGO, 2005, p.83).<br />
Apesar de outros grupos como o Tangerine Dream também incorporarem os recursos<br />
eletrônicos em suas produções musicais, o grupo Kraftwerk é frequentemente referido como<br />
mais significativo e o responsável por estrear as novas tecnologias no circuito mainstream e<br />
de fundar o gênero tecnopop (RODRIGUES, 2005). O grupo iniciou seu trabalho como um<br />
dos representantes do Kautrock 30 , mas, rapidamente e definitivamente incorporou os recursos<br />
eletrônicos abandonando totalmente a música instrumental. Impregnado pelo ambiente social<br />
da cidade alemã Düsseldorf, que nas décadas de 50 e 60 se tornou importante pólo industrial,<br />
o Kraftwerk, já na década de 70, adota uma sonoridade chamada industrial, a qual se<br />
caracteriza por inclusão de padrões repetitivos e as improvisações se concentram mais em<br />
30 Gênero de Rock surgido na Alemanha, no qual se explorava as possibilidades de amplificação e improvisação.<br />
Neste se estabelece o experimentalismo em música. No Kautrock de acordo com Arango (2005), a exploração<br />
instrumental não objetiva o virtuosismo, mas, sim, estender as suas possibilidades tímbricas. Esse gênero<br />
manifesta-se como um happening de improvisação, cujas faixas podiam ultrapassar 20 minutos, e era executado<br />
em locais mais alternativos como galerias, universidades ou outros espaços, se afastando do circuito musical<br />
massivo das rádios (ARANGO, 2005).<br />
40<br />
40
criar ambientes sonoros que propriamente melodias. Então, o grupo passa a produzir diversos<br />
álbuns conceituais, cujos temas se referem à tecnologia: autoestrada, rádio, trem, robô e<br />
computador, como o próprio nome do grupo se refere à temática industrial significando “usina<br />
de força” conforme Arango (2005).<br />
41<br />
Nesse empreendimento estético, Ralf e Florian apóiam-se nos recursos<br />
eletrônicos, especialmente nos sintetizadores e nos seqüenciadores. As<br />
produções de Kraftwerk deram um significado às sonoridades eletrônicas,<br />
reformulando o papel do instrumento musical no conjunto de rock. Ao<br />
mesmo tempo, Kraftwerk colocou no cenário pop uma série de idéias<br />
desenvolvidas no estúdio da RTF 31 (ARANGO, 2005, p. 142).<br />
Além desses grupos, diversos artistas começaram a utilizar os sintetizadores, entre os<br />
quais Steve Wonder, Pink Floyd, Emerson Lake e Palmer, entre outros como exemplifica<br />
Arango (2005). Ainda, na mesma época, a música disco 32 , aos poucos, ganha maior<br />
popularidade entre o grande público que se reúne em torno da música de dança. E nesse<br />
gênero já há um amplo progresso na incorporação dos recursos tecnológicos, tanto nas<br />
técnicas de gravação como na exploração de forma mais criativa de instrumentos e de<br />
equipamentos eletrônicos. De acordo com Rodrigues (2005), a utilização criativa de<br />
equipamentos como drum machines, basslines e sequenciadores na música disco incentivou<br />
muitos produtores 33 a adotarem ostensivamente as novas tecnologias musicais que estavam<br />
disponíveis.<br />
Nesse contexto da disco é que surgiu a necessidade de alguém que operasse os<br />
equipamentos reprodutores de discos, selecionando e colando as faixas umas nas outras, que<br />
seria função do Dj. Dessa forma, apesar de a era disco ser lembrada hoje por nomes de artistas<br />
famosos como Donna Summer ou pela trilha do filme Saturday Night Fever do grupo Bee<br />
Gees, conforme Garson (2009, p. 13), inicialmente, ela se definiu como “uma cultura centrada<br />
na figura do Dj e na pista de dança”. Em princípio, não havia nenhum produto no mercado<br />
que caracterizasse o som da disco, assim, era pelas mãos e pela criatividade do Dj que ele<br />
surgia, ao realizar as suas combinações singulares de diversos discos.<br />
A partir daí, se cria “uma cultura” que não mais se centra no autor ou compositor da<br />
31 Estúdio da Radio-Diffusion-Télévision Française (RTF), fundado em 1951 por Pierre Schaeffer, em Paris, e<br />
posterior Groupe de Recherche Musicaile (GRM), fundado por Pierre Henry em 1959 (ARANGO, 2005).<br />
32 O termo é derivado do francês discothèque. As discotecas surgiram em Paris substituíndo os clubes de jazz.<br />
Nestas os parisienses se reuniam para dançar ao som de gravações das grandes orquestras de swing. Em Nova<br />
York, na década de 60, as luxuosas discotecas surgiam funcionavam como pontos de encontro da alta sociedade<br />
(ARANGO, 2005).<br />
33 Os produtores que antes apenas dirigiam as sessões de gravação ganham maior importância nos gêneros da<br />
Dance music, pois, aqui técnicos e produtores atuam como criadores musicais (RODRIGUES, 2005).<br />
41
música, sendo o Dj a estrela do momento, o que estará em jogo é qualidade de sua<br />
performance, ou seja, a sua habilidade em selecionar e combinar seu acervo sonoro em uma<br />
pista de dança, criando um evento único. Esta “cultura” de pista, de acordo com Garson<br />
(2009) se diferenciava muito da cultura do rock, que ao contrário, visava a fixação de suas<br />
produções em discos e ao “culto de estrelas”, de forma que fosse possível aos fãs seguirem a<br />
carreira dos artistas, acompanhando suas turnês e comprando “souvenires” (GARSON, 2009,<br />
p. 14).<br />
Para o autor, a disco, ao eleger a pista de dança como locus privilegiado ao invés do<br />
estúdio, delegava ao anonimato o rosto de quem produzia sua música, “valorizando aquele<br />
que a executava e enquanto a executava” (GARSON, 2009, p. 14). Sendo assim, a disco<br />
inicialmente foi uma expressão difícil de ser comercializada, não satisfazendo ao anseio por<br />
lucros da indústria fonográfica, pois, seu espaço de circulação se restringia à pequenos clubs<br />
que, segundo Garson (2009, p. 14), “se definiam como espaços de liberdade e aceitação para<br />
as minorias negra e homosexual”. A industria fonográfica só conseguiu obter lucros com esse<br />
gênero quando o transformou numa expressão caracterizada pelo star system e a venda de<br />
álbuns, processo tão característico de gêneros massivos como o rock.<br />
Desde a música disco o Dj vem acumulando a tarefa de produtor musical, começando<br />
a utilizar também os recursos das citações, por meio da reapropriação, de recortes e colagens<br />
de diversos trechos musicais, ou seja, o sampling. Segundo Garson (2009) o Dj produtor<br />
passa a misturar tanto os efeitos produzidos ao vivo, com aqueles pré-produzidos em estúdio.<br />
Nesse momento, já há uma quebra bastante significativa com as práticas anteriormente<br />
atreladas à figura do Dj, pois, até então, suas apresentações ao vivo eram baseadas em “uma<br />
transposição de suas técnicas desenvolvidas no rádio”, em outras palavras, o Dj era como um<br />
“mestres de cerimônias”, que tocava músicas e conversava com a platéia (GARSON, 2009, p.<br />
13-15).<br />
Na década de 80, surgiram ainda outros gêneros como o Chicago House e o Techno 34 ,<br />
de Detroit, e nos anos 90, com os Djs britânicos, o Trance. Do cruzamento de ideias e de<br />
trabalhos entre os Djs envolvidos em tais práticas que se desencadeou uma “expansão<br />
constelacional de estilísticas, de gêneros e subgêneros do que passou a ser designado com o<br />
rótulo ‘electrónica’” (RODRIGUES, 2005, p. 65. grifo do autor). Rodrigues destaca que a<br />
grande contribuição, tanto no que se refere à produção quanto a circulação dessa nova música<br />
34 O House, O techno e trance, são alguns dos estilos ou subgêneros da música eletrônica que serão abordados<br />
adiante. O termo tecno em outros tempos designava a música eletrônica em geral. Mas, ainda hoje, segundo<br />
Fontanari (2003), em estudos franceses o termo é empregado para designar o que no Brasil chamamos de música<br />
eletrônica.<br />
42<br />
42
eletrônica foi trazida pelas tecnologias digitais. Como afirma o autor,<br />
43<br />
A digitalização certamente revolucionou a música gravada com a passagem<br />
e o acoplamento dos dispositivos analógicos aos dispositivos digitais,<br />
acionando uma revolução técnica considerável para o desenvolvimento de<br />
toda a música concreto-eletrônica. O sintetizador conectado a um<br />
seqüenciador e posteriormente, a um computador, também mudou<br />
sensivelmente o modo de produção musical no circuito do eletrônico pop<br />
(RODRIGUES, 2005, p. 79. grifo do autor).<br />
Os equipamentos permitiram maior facilidade e possibilidade de manipulação do som<br />
gravado, sendo automáticos a realização dos cortes e colagens, tornando mais rápidos e fáceis<br />
os loopings 35 . É justamente na dinâmica da criação e escuta coletiva que, de acordo com Lévy<br />
(1999), a digitalização possui o efeito mais significativo. Com a passagem dos dispositivos<br />
analógicos para os digitais, ou seja, com o surgimento dos microprocessador, a<br />
“implementação do protocolo MIDI e de programas de edição multicanal, o estúdio virtual<br />
tornou-se uma realidade para o músico eletrônico” (ARANGO, 2005, p. 90).<br />
Sobretudo, esse processo de digitalização da produção musical vem ocorrendo desde a<br />
década de 90, surgindo diversos programas que simulam o funcionamento e sonoridades de<br />
determinados aparelhos analógicos que deixaram, então, de ser fabricados. Diversos fatores<br />
contribuíram para delinear os contornos desse novo universo musical. Desse modo, tanto o<br />
desenvolvimento tecnológico quanto aspirações individuais de músicos, compositores, Dj e<br />
produtores ou de grupos colaboraram para o surgimento de novas experimentações sonoras.<br />
Nesse contexto, a música eletrônica se popularizou e, cada vez mais, adentrou as<br />
pistas de dança. Essa música ganhou maior projeção comercial ao ser associada a uma prática<br />
social especifica dos jovens da sociedade contemporânea, isto é, às Raves, aos Teknivals 36 e<br />
aos Clubs, fazendo com que emergisse uma nova cultura jovem denominada por alguns<br />
autores como “cultura Club”, “cultura Rave” ou ainda como “cultura eletrônica”. Segundo<br />
Gushiken (2004) essa cultura surgiu na Inglaterra quando jovens de baixa renda teriam<br />
inventado uma festa clandestina denominada “Really Safe Heaven” 37 destinada a se consumir<br />
bebidas, drogas e ouvir música eletrônica oriunda dos Estados Unidos, ou seja, o House de<br />
Chicago e o Techno de Detroit. Contudo, o marco do surgimento da cena Rave ficou sendo o<br />
verão de 1988 na Inglaterra (GUSHIKEN, 2004; SÁ, 2006).<br />
35 Trechos colados uns nos outros que se repetem constantemente.<br />
36 Termo que se refere aos festivais de música eletrônica.<br />
37 Segundo Gushiken (2004, p. 33) é dessa frase “Really Safe Heaven” ( traduzido “paraíso realmente seguro”)<br />
que se origina o termo Rave.<br />
43
44<br />
[…] ainda sob o nome de Acid House, o movimento ganha sotaque inglês na<br />
medida em que mistura ritmos oriundos dos EUA e dá a ver as primeiras<br />
grandes aglomerações de jovens e seus elementos de guerra: formação de<br />
multidões, música alta, roupas coloridas, drogas variados (GUSHIKEN,<br />
2004, p. 33).<br />
Esta cultura logo alcançou outros países como Alemanha, Estados Unidos e Brasil.<br />
Assim, durante a década de 90 os adeptos da cultura Rave constituíram-se no principal<br />
público da música eletrônica. Contudo, de acordo com Petiau (2001) a música eletrônica ou<br />
Techno 38 , embora esteja muitas vezes ligada a um movimento social, tal como outras músicas<br />
populares como o rock e o rap, não deve ser vista somente como sinônimo de festa. Mas,<br />
também “abordada sob uma perspectiva artística, com músicos que são profissionalizados e<br />
ouvintes que são constituídos em amadores, que apreciam essa música por seu valor<br />
estético” 39 (PETIAU, 2001, p. 6).<br />
Ainda, é importante destacar que, apesar de ter atingido vários países e ser vista como<br />
um fenômeno massivo, essa música se distingue pelos envolvidos na cena eletrônica em duas<br />
vertentes opostas. De um lado há os adeptos de uma linha underground, ou seja, que tem uma<br />
abordagem mais alternativa e conceitual, cujas produções não são difundidas pelos meios de<br />
comunicação como televisão e rádio. De outro, há os que trabalham na linha mainstream, que<br />
ao contrário, é de cunho mais comercial. Essas linhas geram uma dicotomia na cena<br />
eletrônica, que portanto, não pode ser visto como um fenômeno homogêneo.<br />
2.3.3 Estilos Produzidos pelos DJs de Música Eletrônica de Pista<br />
A música eletrônica têm sido referida nessa pesquisa como um gênero 40 , contudo, as<br />
suas diversas subdivisões são mencionadas pelos Djs como “estilos”, assim, aqui se usa este<br />
último termo para se referir as essas diversas subdivisões. A música produzida pelos Djs,<br />
apesar de apresentar alguns elementos em comum, como a utilização de recursos eletrônicos e<br />
digitais como samplers, mixers, toca-discos, computador, e técnicas como o sampling também<br />
traz algumas peculiaridades entre os diversos estilos que o gênero engloba. Desse modo, em<br />
virtude de suas características próprias, essa música não deve ser entendida como uma versão<br />
38 O termo Techno aqui utilizado pela autora parece designar a música eletrônica em geral.<br />
39 “Elle est aussi abordeé dans une perspective artistique, avec des musiciens qui se sont profisionalisés et des<br />
auditeurs qui se sont constitués e amateurs, appréciant cette musique pour as valeur esthétique”<br />
40 O gênero pode ser entendido de forma simplificada por uma categoria ou um tipo. “As diversas enciclopédias,<br />
as histórias-padrão e as análises críticas a respeito da música popular usam o conceito de gênero como um<br />
elemento básico de organização”. Contudo, alguns estudos tendem a usar os termos estilo e gênero como termos<br />
sobrepostos, ou preferem o emprego do termo estilo ao termo gênero (SHUKER, 1999, p. 141).<br />
44
popular da música eletrônica realizada na ambiente acadêmico, já que os diversos estilos que<br />
compõem a esse gênero se diferem bastante da música eletroacústica.<br />
Alguns dos estilos mais difundidos nas pistas de dança e que já foram mencionados<br />
anteriormente, são o Techno, o House, o Trance e o Drum`n bass entre outras subdivisões ou<br />
variações desses estilos, como Deep house, Tech-house, Psytrance. Essa diversificação na<br />
música feita para a pista de dança começou a emergir, de acordo com Arango (2005), num<br />
período em que a música disco entra em decadência como um movimento comercial e social.<br />
Falando em termos comerciais, a disco, internacionalmente, foi um gênero bem sucedido<br />
entre o final da década de 70 e início dos anos 80, mas musicalmente falando, conforme<br />
destacam Shuker (1999) e Rodrigues (2005), era bastante denegrido. Frequentemente a disco<br />
foi associada à comunidade gay, se tornando, conforme Arango (2005), praticamente uma<br />
“bandeira” de um grupo excluído da sociedade. Segundo Sá<br />
45<br />
[…] a disco music não era um gênero mas sim a música que fizesse a pista<br />
dançar. Ainda que com uma inclinação gay, as pistas acolhiam diversos<br />
grupos étnicos com opções sexuais distintas tanto quanto diversos gêneros<br />
tais como o de Donna Summer mas também o funk, o hip-hop, o electro e a<br />
vertente chamada de freestyle (SÁ, 2003, p. 6).<br />
Desde a disco, a música de dança manteve o seu processo de incorporação das<br />
sonoridades eletrônicas e o público que passou a se reunir em torno do culto à dança se<br />
ampliou. Assim, “o movimento underground nova-iorquino de música de dança” foi se<br />
ampliando e atingindo outros lugares dos Estados Unidos (ARANGO, 2005, p. 109). Nesse<br />
contexto, é que acontece a passagem da música disco ao House.<br />
O House, segundo Rodrigues (2005), surgiu em 1986 quando discófilos como Frank<br />
Knuckles, que frequentavam as casa noturnas de Chicago, começaram a desenvolver uma<br />
nova concepção sonora para a música de pista. O estilo batizado de House Music era<br />
construído a partir do uso de sintetizadores primários e de drum machines 41 . Acrescenta o<br />
autor que<br />
41 Em português as Baterias eletrônicas<br />
As produções do house foram claramente impulsionadas pelo ritmo pulsante<br />
do bumbo fortemente acentuado e contínuo derivado da disco music 4/4,<br />
porém com as novas alternativas eletrônicas para se alcançar um pulso ainda<br />
mais frenético e um bpm ( batidas por minuto) acelerado, já esboçada pelas<br />
bandas do Technopop e do hard disco. A bateria eletrônica tornara-se, cada<br />
vez mais, expressivamente maquínica e mais distante da pulsação daquela<br />
45
dinâmica “humana” das percussões tocadas pelos músicos das primeiras<br />
bandas da disco music (RODRIGUES, 2005, p. 86).<br />
No House, assim como em toda a música voltada para a dança, a enfâse está no rítmo<br />
e não na melodia. Desse modo, a própria utilização da voz, ritmicamente trabalhada, se<br />
constitui mais um elemento que contribui para o propósito da dança. A combinação de<br />
baterias eletrônicas, sintetizadores e samplers dá lugar, portanto, a uma textura rítmico-<br />
melódica e assim, a música eletrônica, a partir do House começa a se afastar em termo de sua<br />
estrutura, da canção do rádio e da música pop (ARANGO, 2005). Conforme Gushiken (2004)<br />
46<br />
A partir de sua difusão e massificação, o house é considerado o primeiro<br />
grande rítmo da chamada música eletrônica. Na Inglaterra, o house<br />
americano ganha inserções musicais a partir de sintetizador Roland TB-303.<br />
Com esse equipamento foi possível acelerar e alterar freqüências das batidas.<br />
O resultado foi um som mais metálico que recebeu o nome de Acid House<br />
(GUSHIKEN, 2004, p. 37).<br />
Pouco tempo depois do aparecimento do House, cerca de um ano, surge em Detroit<br />
um círculo de produtores da música para a dança que, conforme Rodrigues, foi denominada<br />
Prototechno, sendo este uma “síntese de misturas de influências das estéticas como a da<br />
música eletrônica européia (desde a linha tecnopop do Kraftwerk e do New order) e o p-funk<br />
(‘funk de pelúcia’) de George Clinton (parliament e funkdelic)” (RODRIGUES, 2005, p. 88).<br />
Detroit enfrentava na década de 80 as consequências da grave crise econômica que<br />
havia começado na década anterior a partir da competição com a indústria japonesa e dos<br />
chamados tigres asiáticos. Dentro desse cenário jovens discotecários passaram a adquirir, a<br />
preços acessíveis, os antigos aparelhos musicais como baterias eletrônicas, sequênciadores,<br />
sintetizadores e samplers fabricados em larga escala, mas, que foram rapidamente<br />
ultrapassados por novos modelos. Inseridos nesse contexto, Juan Atkins, Derrick May e<br />
Kevin Sauderson, três jovens negros de classe média, inspirados pela literatura de ficção<br />
científica e Alvin Toffler, pelo som do Kraftwerk e do funk da década anterior, criaram o<br />
techno (SÁ, 2003; ARANGO, 2005).<br />
O Techno distingui-se dos outros estilos de música eletrônica captando, consciente ou<br />
inconscientemente, reflexões sobre o futuro e a tecnologia. Ao contrário do House, o Techno<br />
não permite distinguir a sobreposição de partes como beat e a voz, assim sendo, sua estrutura<br />
consiste mais em “uma densa trama de som artificial que avança num padrão regular”<br />
(ARANGO, 2005, p.132). Nesse sentido, descreve Kosmicki, citado por Petiau (2001, p. 76)<br />
que essa música “é construída antes em espessura, verticalidade que em desenvolvimento de<br />
46
linearidade”, portanto, sua estrutura “se apresenta como uma sobreposição de camadas<br />
sonoras igualmente importantes”. 42<br />
Devido à sua primordial aplicação as pistas de dança, o Techno, assim como o House,<br />
tem um formato mais extenso e ambos não precisam necessariamente ser escutados desde o<br />
início, permitindo amplamente a mixagem entre duas ou mais faixas. O Techno, logo se<br />
irradiou para Nova Iorque e, em seguida, Londres e Tóquio. Como em cada lugar incorporou<br />
influências locais, o estilo originalmente surgido em Detroit, passou a ser designado Detroit<br />
Techno. O estilo teve uma grande projeção mercadológica ao se associar a já mencionada<br />
prática musical das Raves, Clubs e festivais de música eletrônica (RODRIGUES, 2005).<br />
Da fusão eletrônica com elementos da música negra como o Reggae, Jazz, Funk, Hip<br />
Hop misturados com ideias do Techno originam outros estilos como o Breakbeat e o Drum`n<br />
bass. No Breakbeat, de acordo com Rodrigues, as batidas “são ricamente sincopadas, em<br />
defasagem como as demais fontes percussivas. A mistura produz uma cacofonia urbana, que<br />
experimenta linhas de <strong>baixo</strong>s pesadas e até mesmo elementos estilísticos extraídos do Jazz”<br />
(RODRIGUES, 2005, p. 89). O Drum’n bass também apresenta um ritmo quebrado, mas,<br />
bem mais rápido que no BreakBeat. O estilo surgiu nos bairros mais pobres de Londres no<br />
início dos anos 90 e é resultado do cruzamento de uma série de sonoridades que “iam do dub<br />
e do ragga jamaicano ao hip hop, hip house, hardcore e o techno mais ‘pesado’” (SABÓIA,<br />
2003, p. 76. Grifos do autor). Em países como o Brasil, o Drum`n bass acaba sendo<br />
recebendo inserções ou “suplementações sonoras”, usando o termo de Gushiken (2004), de<br />
gêneros como a MPB, bossa nova e samba<br />
O Trance, que surgiu no início da década de 90, se caracteriza por seu beat acelerado<br />
(entre 130 e 160 bpm), apresentando partes melódicas feitas com o sintetizador e uma forma<br />
musical progressiva durante a composição. O termo, que em português designa transe, é<br />
atribuído devido ao seu caráter repetitivo e progressivo que associado à dança, “induz<br />
supostamente no ouvinte um ‘estado de transe’ e convida a uma ‘viagem’ sensorial”<br />
(CALADO, 2006, p. 21).<br />
É importante ressaltar que a música eletrônica não foi simplesmente disseminada<br />
mundo a fora tal qual como foi criada nos Estados unidos, adquirindo características também<br />
locais como é, por exemplo, o caso do Drum’n bass, ao se misturar com a música Brasileira.<br />
Percebe-se mesmo que a música eletrônica se trata de um gênero híbrido, ou seja, gerado<br />
42 “Elle est davantage construite dans l’épaisseur, la verticalité, que comme un déroulement linéaire. Sa<br />
construction se presente en effet comme une superposition de couches sonores, qui sont toutes d’une égale<br />
importance”.<br />
47<br />
47
pelas mesclas ou fusões de elementos, ou de outros gêneros musicais, distintos. Para entender<br />
melhor o termo híbrido, reporta-se ao pensamento de Canclini (2008), o qual afirma que<br />
hibridação em uma primeira definição pode ser entendida como processos socioculturais nos<br />
quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para<br />
gerar novas estruturas, objetos e práticas.<br />
2.3.4 Os Novos Músicos no Universo da Música Eletrônica:O Papel do DJ<br />
Dentro do contexto da música eletrônica o Dj desempenha um papel fundamental.<br />
Além de realizarem as práticas musicais principais de um Dj, lembrando produção<br />
discotecagem e, em alguns casos a, remixagem, hoje percebe-se que ele vem atuando também<br />
no processo de divulgação ao público do seu próprio trabalho e de outros Djs em sites de<br />
relacionamentos na internet, postando flyers (convites) dos eventos de música eletrônica em<br />
que fazem parte do line-up (programação), bem como, disponibilizando arquivos para que o<br />
usuário possa ouvir e comentar sobre o trabalho. Diante dessa diversidade de funções, parece<br />
mais complicado tecer uma definição precisa sobre quem é o Dj. Também no decorrer da<br />
revisão de literatura percebe-se que não há um consenso entre os autores sobre essa questão,<br />
sendo que alguns os tratam como músicos produtores, outros como produtores não músicos,<br />
artistas ou músicos populares.<br />
Em termos gerais, Shuker (1999) define o Dj como o responsável tanto pela<br />
apresentação e execução de músicas em clubes e discos, como também em emissoras de rádio<br />
e TV dedicadas a exibição de videoclipes. No entanto, tal definição parece demasiado simples<br />
considerando o status que possui hoje o Dj de música eletrônica, e remete mais à década de 50<br />
quando surgiram os primeiros Djs de rádio e os discotecários.<br />
Em princípio, nas emissoras eram os locutores musicais “os responsáveis pela<br />
apresentação das gravações sugeridas e pelo fluxo contínuo da transmissão, com pequena<br />
influência para determinar a programação musical” (SHUKER, 1999, p. 100). Nas pistas de<br />
dança eram os discotecários ou “selectors” quem se responsabilizavam pela seleção musical<br />
dos bailes.<br />
No entanto, até a década de 40 a função de colocar discos para tocar não era vista<br />
como especializada, ao contrário, era considerada uma função meramente técnica e mecânica,<br />
e que qualquer um poderia desempenhar. O Dj era também visto com desconfiança não<br />
apenas por músicos profissionais que lutavam contra a “substituição” de orquestras pela<br />
música gravada, mas pela própria indústria fonográfica, no caso do Dj de rádio (SÁ, 2003, p.<br />
48<br />
48
10. Grifo da autora). Conforme Sá, a partir dos anos 50, especialmente com o surgimento do<br />
Rock’n roll, que o Dj começa a desfrutar de um certo status dentro da indústria do<br />
entretenimento. Assim,<br />
49<br />
Configura-se a partir daquele momento o papel do Disc Jóquei como<br />
mediador entre o público e as novidades da indústria fonográfica. Pois, se<br />
por um lado, ele é um consumidor bem informado, que faz da sua paixão por<br />
música uma forma de ganhar dinheiro; do outro, ele é um formador de<br />
opinião, provocando através de suas preferências musicais uma cadeia de<br />
consumo (SÁ, 2003, p. 11).<br />
Nessa década no Brasil, especificamente, em São Paulo, eram comuns os bailes com<br />
orquestras ao vivo organizados em salões nobres para a alta sociedade. E ao contrário do que<br />
acontecia em países como os Estados Unidos, aqui não “havia um código social que barrasse<br />
a entrada de negros nesses bailes. O fator excludente era mesmo o alto preço dos ingressos”<br />
(ASSEF, 2008, p. 23). Então, uma alternativa para se organizar bailes mais baratos para<br />
outras camadas da sociedade, surgiu com Osvaldo Pereira, considerado o primeiro Dj do<br />
Brasil. Osvaldo Pereira foi quem teve a ideia de organizar o primeiro baile no Clube 220 no<br />
qual ao invés de se ter uma orquestra ao vivo tocando teria-se um discotecário. Ele relata em<br />
entrevista a Claudia Assef esse acontecimento<br />
Montei meu toca-discos no palco, distribuí as caixas de som pelo salão. As<br />
pessoas que iam chegando não entendiam direito como um som tão potente<br />
saía da minha vitrolinha. Tinha gente que subia no palco para ver. Às vezes,<br />
eu ficava escondido num cantinho ou deixava a cortina fechada. Aquele<br />
sonzão todo e nenhum músico, o pessoal ficava meio assim. Daí um primo<br />
meu deu a idéia de divulgar que os bailes eram animados pela orquestra<br />
invisível, porque ninguém via direito de onde vinha o som. Eu gostei disso,<br />
achei charmoso. E completei com um nome em inglês bem bonito. Eu virei a<br />
orquestra invisível Let’s dance (OSVALDO PEREIRA apud ASSEF, p.<br />
2008, p. 24).<br />
A partir da empreitada de Osvaldo Pereira, surgiram outros discotecários no Brasil.<br />
Esse fato foi o que deu origem, na década de 70, às equipes de bailes que contavam com o<br />
trabalho dos Djs, que eram considerados ainda discotecários. Contudo, até esse momento,<br />
apesar de muitas vezes o público procurar as festas pela seleção dos Djs, eles eram ainda mal<br />
pagos e não reconhecidos, sendo que o destaque era dado às tais equipes de bailes (ASSEF,<br />
2008). Em Nova Iorque, o trabalho dos Djs de disco já começaram a ter uma repercussão em<br />
outras comunidades, no mesmo momento o hip hop se consolidava como um movimento<br />
artístico e social nos Estados Unidos, o qual incorpora também no rap o toca-disco como<br />
elemento de criação musical (ARANGO, 2005).<br />
49
Aos poucos, a função do Dj foi se afastando largamente daquela de mero selecionador<br />
de discos ou de locutor de rádio. Especialmente entre os anos 80 e 90 que os Djs começaram a<br />
desfrutar de maior prestígio profissional devido ao surgimento dos clubes e pela propagação<br />
da música eletrônica. Mesmo tendo sua música repudiada por alguns grupos de rock que<br />
fizeram sucesso nesse período, a exemplo do The Smith 43 , com o advento desse gênero, o Dj<br />
começava a ser cada vez mais requisitado, não mais apenas pela sua seleção, mas também por<br />
sua técnica em misturar e combinar as gravações, o sampling. Como afirma Sá (2003)<br />
50<br />
[...] ele será valorizado a partir da riqueza do seu acervo musical e de sua<br />
capacidade de construir uma trilha sonora (um set) inusitada e<br />
surpreendente, onde se combinam clássicos do gênero escolhido, novidades<br />
fornecidas por produtores exclusivos, músicas obscuras ou esquecidas, além<br />
de sobreposições musicais originais (SÁ, 2003, p.11).<br />
Foi a partir da técnica do sampling que o Dj, conforme Shuker (1999), entrou para o<br />
mundo dos instrumentistas musicais. É desse profundo relacionamento com o universo Club<br />
que hoje, de acordo com Rodrigues,<br />
[...] aflora um culto considerável ao DJ, pois ele entra numa espécie de<br />
relação empática com o público, à medida que ele consegue captar o estado<br />
de ânimo na pista e passa a combinar criteriosamente as faixas, a forjar<br />
grooves, a criar intervenções, a cortar e colar a sua non stop music<br />
(RODRIGUES, 2005, p.84).<br />
Nesse sentido, entende-se que o Dj controla não apenas a música, mas, a própria<br />
atmosfera, o estado de espírito e a vibração (vibe na linguagem dos clubbers 44 ). Essa vibe ou<br />
atmosfera é criada justamente na interação entre o Dj, o público e o espaço físico que todos<br />
partilham, sendo a seleção musical fundamental para tal interação. E é nessa capacidade de<br />
percepção do momento exato de tocar determinada música, que segundo Assef (2008) reside a<br />
essência do trabalho do Dj. Assim sendo, para a autora os Djs seriam “filtros musicais<br />
pessoais”, ou seja, “selecionadores particulares de música para gente que gosta de dançar”<br />
(ASSEF, 2008, p. 11).<br />
Arango (2005) afirma que ao escolher formas e idéias e combiná-las de um modo<br />
pessoal, o Dj adota um posicionamento artístico diante do contexto musical. Arango cita Ulf<br />
Poschardt o qual compara o Dj ao curador de arte, já que este deve realizar uma pesquisa das<br />
43 Na letra da música Panic do grupo pode-se encontrar uma declaração evidente de tal repúdio aos Djs: Burn<br />
down the disco/ Hang the blessed DJ / Because the music that they constantly play / It says nothing to me about<br />
my life. (ver Garson, 2009).<br />
44 Termo que os adeptos do gênero que frequentam os clubes se identificam e são mencionados pelos autores.<br />
50
produções de música para dança e no momento certo executar a produção mais adequada. A<br />
prática da seleção e colagem realizada pelo Dj, é que o leva o autor a defini-lo como um<br />
artista conceitual, em suas palavras “um músico do ready-made” (ARANGO, 2005, p. 115).<br />
Ressalta-se que a noção do ready-made inaugurou-se nas artes plásticas na primeira metade<br />
do século XX, mas mais especificamente, com a vanguarda com o dadaísmo tendo como seus<br />
representantes Kurt Schwitters e Marcel Duchamp. Betrame e Moretti (2011) afirmam que na<br />
visão de Duchamp, criador do termo ready-made, este é uma apropriação daquilo que já está<br />
pronto, melhor dizendo, trata-se somente de uma transposição ou deslocamento de objetos<br />
com uma finalidade prática e não artística, ou seja, objetos de ordem industrial que são<br />
elevados à categoria de obras de arte. Na música esse princípio da apropriação e combinação<br />
de sons diversos, ruídos, sons do ambiente, como discutido anteriormente, foi primeiramente<br />
incorporada na música concreta, com técnica da bricolagem. Assim, a partir disso, o Dj pode<br />
ser visto, conforme Rodrigues (2005), também como um “artesão do som” ou “artista<br />
bricoleur”. Percebe-s que embora sejam utilizados termos diferentes, nota-se que um mesmo<br />
pensamento de reutilização de materiais (objetos ou sons) para se criar algo novo vem<br />
permeando o campo cultural desde o século XX até o momento atual, portanto, nesse sentido,<br />
a produção musical dos Djs se insere nesse movimento cultural.<br />
Outros autores, ou mesmo os envolvidos na cena eletrônica atribuem aos Djs uma<br />
habilidade que vai bem além da mixagem e produção, sendo comparado a um xamã, o qual<br />
pode induzir o ouvinte a “estados alterados de consciência” (Dj Mantrix apud FERREIRA,<br />
2006). No entanto, apresentando uma perspectiva menos holística, Pourtau (2001, p. 29)<br />
afirma que nessa música é o Dj quem tem a função do intérprete, contudo, sua participação no<br />
processo de criação “é talvez mais ampla, graças ao mix, que em outros tipos de música” 45 .<br />
Entende-se que, para o autor, o papel que veio se destacando seria aquele do “intermediário”,<br />
o qual com os progressos tecnológicos “o antigo Dj, passador de discos” se própria pouco a<br />
pouco da obra 46 , se tornando nesse contexto, um compositor indireto. 47<br />
A partir dessa discussão, percebe-se os diversos prismas sob os quais o assunto vem<br />
sendo abordado, mas, observa-se também que embora não haja uma definição da figura do Dj<br />
há um consenso de que o seu papel é bem mais complexo do que se imagina, pois, o que o Dj<br />
faz na frente do público é apenas “o resultado final de várias horas gastas pesquisando sobre<br />
45<br />
« Dans la musique techno, c’est le Dj qui a fonction d’interprète. Sa part de création est peut-être plus vaste,<br />
grâce au mix, que dans d’autres types de musique »<br />
46<br />
« la fonction qui se détache est celle d’un intermédiaire, le Dj L’ancien passeur de disques utilise les progrès<br />
technologiques dans les tables de mixage pour s’approprier peu à peu le morceau ».<br />
47<br />
O autor entende como compositor direto, como será discutido no capítulo quatro, o produtor que cria as suas<br />
músicas e vendem a outros Djs (ou compositores indiretos).<br />
51<br />
51
música” (ASSEF, 2008, p. 11). Este trabalho de pesquisa é bastante enfatizado neste estudo<br />
pelo Dj e produtor Faraz no capitulo final como parte fundamental do processo de produção.<br />
Partindo do exposto pelos autores, bem como, das declarações dos Djs escolhidos para<br />
esse estudo durante as entrevistas, nota-se que o trabalho do Dj envolve “um universo de<br />
saberes, sentidos e técnicas” (FONTANARI, 2003) que num primeiro momento podem<br />
parecer simples. Essas questões estão especificamente discutidas no último capítulo do<br />
presente estudo.<br />
52<br />
52
3. CIRCULAÇÃO E CONSUMO MUSICAL NA CIBERCULTURA<br />
No campo artístico e cultural, a industrialização que se estendeu mundialmente no<br />
começo do século XX trouxe grandes mudanças, especialmente com a invenção do fonógrafo<br />
e cinematógrafo. A arte do cinema, por exemplo, conforme Morin (2009) instituiu uma<br />
divisão do trabalho semelhante aquela da fábrica, desde a entrada da matéria prima, ou seja, o<br />
script ou romance que deve ser adaptado, até o produto acabado. A cadeia de produção<br />
começa com os adaptadores, cenaristas, operador, engenheiro de som até chegar ao<br />
acabamento final da obra coletiva, dado pelos músicos e montador (MORIN, 2009). No caso<br />
específico da música, também a invenção da gravação e o desenvolvimento da indústria<br />
fonográfica, consolidaram a separação entre o músico e os meios de produção musical.<br />
Assim, o invento destas tecnologias pode ser considerado, conforme Castro (1988), o<br />
correspondente da revolução industrial na atividade musical.<br />
É certo que houve um condicionamento da “revolução industrial” na produção musical<br />
que atingiu as novas formas de circulação e consumo musical. A música se tornou, pela<br />
primeira vez, tal como o livro, o filme ou o automóvel, uma mercadoria fabricada<br />
industrialmente e vendida comercialmente por meio de um novo suporte físico, que é o disco.<br />
Seguindo o curso histórico, acontece também uma “terceira revolução”, como propõe Warnier<br />
(2000), a qual se processou no final do século XX, com as tecnologias digitais que<br />
reconfiguraram mais uma vez todo o âmbito da atividade musical, desde a produção até os<br />
modos de recepção.<br />
Assim, é abordado neste capítulo, como se processaram tais transformações na<br />
passagem de uma cultura escrita à cultura de massa, com a invenção dos meios de gravação e<br />
reprodução e o estabelecimento de uma indústria fonográfica e, posteriormente da cultura de<br />
massa à cibercultura. É importante ressaltar que os processos de mudança nesse sentido não<br />
significam pressupor uma ruptura, mas sim levar em consideração as transformações desde as<br />
mais contínuas e sutis até as que causam maior impacto, concordando com o pensamento de<br />
Morin (2009), quando afirma que se pode perceber nesse traçado histórico que não há<br />
rupturas, mas, uma contínua metamorfose do movimento cultural das sociedades ocidentais.<br />
53<br />
53
3.1 Circulação da Música: Da Escrita à Gravação<br />
É possível afirmar que a notação musical foi um dos primeiros meios de circulação da<br />
música no Ocidente. A música era registrada em partitura e veiculada graficamente sendo<br />
compartilhada principalmente por quem detinha o conhecimento de tal registro.<br />
Posteriormente, pela gravação, pode se romper com os limites físico-temporais, possibilitando<br />
uma nova forma de circulação de informação sem se basear na tradição oral e, como afirma<br />
Gohn (2007), sem depender da memória humana. Lévy (1999) acrescenta que a escrita<br />
musical permite uma nova forma de transmissão que vai “não mais de corpo a corpo, do<br />
ouvido à boca e da mão ao ouvido, mas por meio do texto” (LÉVY, 1999, p. 139).<br />
Os registros musicais, em papel ou em um disco, abriram caminhos para uma<br />
circulação da música mais aberta, no sentido de que não se restringia mais a um único espaço<br />
físico, como acontecia na cultura oral. Iazzetta (1997) considera que apenas o registro em<br />
partitura promovia uma difusão ainda que, de certa forma limitada, em suas palavras, uma<br />
“difusão musical fechada”, já que a música era uma experiência vivenciada, em geral, apenas<br />
pelos integrantes de uma dada comunidade devido as dificuldades de se ultrapassar os limites<br />
“espaço-temporais” dessa comunidade. O autor acrescenta que, ainda que o registro na<br />
partitura tenha colaborado com o processo de materialização da música, ao contrário do livro<br />
ou do quadro que ofereciam imediatamente a obra a quem quisesse apreciá-la, a partitura<br />
ainda demandava a etapa mediadora da performance. Um processo que exigia um longo<br />
tempo de aprendizagem e execução, além disso, a interpretação de uma determinada música<br />
quando colocada em um papel inevitavelmente passa a sofrer transformações decorrentes da<br />
interpretação acrescenta Gohn (2002). Sobre a imprecisão da escrita musical, é importante<br />
destacar o pensamento de Aaron Copland (1939) citado por Gohn, o qual afirma que a<br />
notação musical não significa uma transcrição exata do pensamento do compositor sendo esta<br />
vaga e que permite liberdade no que se refere às questões individuais de gostos, isso por parte<br />
dos intérpretes. Mesmo que viesse existir uma forma mais exata de escrever uma composição,<br />
a música ainda estaria aberta a diferentes interpretações.<br />
Portanto, a música registrada em partitura criada por um compositor ao ser executada<br />
por outros músicos sempre foi e ainda tem sido uma experiência vivenciada em um<br />
determinado tempo e espaço, sendo esta subordinada às questões subjetivas diversas do<br />
contexto em que ocorre. Pode-se afirmar que desse modo, dificilmente a interpretação de uma<br />
obra musical, ainda que seja repetida inúmeras vezes, será idêntica, mesmo se for repetida por<br />
um mesmo intérprete, considerando as particularidades implícitas no contexto. Com o<br />
54<br />
54
advento da gravação, onde se pode repetir uma mesma interpretação muitas vezes,<br />
aparentemente o problema se torna amenizado, uma vez que o acesso à interpretação de uma<br />
obra por um determinado músico aumentaria e seria veiculada sendo repetida quantas vezes<br />
fosse possível.<br />
Quanto à notação musical, faz-se necessário salientar que ainda que esta tivesse<br />
propiciado que uma música pudesse ser levada de um lugar a outro e ser interpretada, para<br />
que o ouvinte pudesse apreciá-la era condição fundamental a presença no evento enquanto<br />
este acontecia conforme acrescenta Iazzetta (1997). O autor afirma que,<br />
55<br />
Até o advento dos sistemas de gravação neste século, o contato com música<br />
se dava primordialmente através da performance. O ouvinte, mesmo que não<br />
envolvido diretamente com a produção sonora, participava da realização<br />
musical ao reconstruir internamente, não apenas seqüências de notas<br />
produzidas pelos instrumentos musicais ou as estruturas formais da<br />
composição, mas todo o universo gestual que os acompanha, pois a música<br />
era fruto dos corpos que a produzem e era impossível, para o ouvinte, ficar<br />
alheio à presença desses corpos (IAZZETTA, 1997, p. 2).<br />
Com o surgimento dos equipamentos de gravação, que se iniciou com a invenção de<br />
Tomas Edison em 1887, houve uma radical mudança nas formas de circulação musical. A<br />
música passou a ser registrada em um suporte que poderia ser copiado e reproduzido em<br />
tempo e espaço diferenciado daquele em que foi produzido. A gravação permitiu, dessa<br />
forma, a fixação dos “estilos de interpretação da música escrita” (LÉVY, 1999, p. 140).<br />
A mudança não era apenas na estrutura abstrata de uma peça que poderia ser<br />
transmitida e descontextualizada, mas também a sua atualização sonora na medida em que<br />
poderia ser reproduzida muitas vezes. O próprio fato de que para desfrutar de certos gêneros<br />
musicais não haveria a necessidade de se encontrar naquele espaço privilegiado, próprio para<br />
a apreciação foi uma das mudanças provocadas nas formas de circulação musical.<br />
Outro fato significativo decorrente do advento da gravação é que cada vez mais a<br />
música seria produzida para ser ouvida e produzida em série, em grande escala, essa mudança<br />
altera também a relação entre compositor intérprete e ouvinte. Para Iazzetta (1997), desde que<br />
a música passou a ser registrada, seja em partitura ou por meio da gravação, o ato de fazer<br />
música (compor ou tocar) progressivamente se distanciou do ato de escutar. Nesse processo,<br />
instauraram-se categorias de “especialistas musicais”, sendo estas a de compositor, intérprete<br />
e ouvinte, cada qual desempenhando um papel específico. Portanto, com a gravação tal<br />
separação entre a produção e recepção musical apenas se intensificou. O autor cita John<br />
55
Mowitt (1987) que afirma que a ênfase no processo de produção foi transferida para a ênfase<br />
na recepção, ou seja, houve um empreendimento maior na audição como experiência cultural.<br />
56<br />
Torna-se saliente aqui o fato de que é incomensuravelmente maior o número<br />
de pessoas que ouvem música do que o número de pessoas que fazem<br />
música. Mais do que um dado quantitativo, isso reflete uma transformação<br />
no espaço sociocultural: a música é produzida primordialmente para ser<br />
ouvida e não para ser tocada, e os processos de composição e interpretação<br />
passam a ser os meios pelos quais isso se realiza. Essa projeção na direção<br />
do ouvinte é realçada pelos processos de reprodução que vão impor, de certa<br />
forma, os padrões de recepção (IAZZETTA, 1997, p. 3-4).<br />
A partir dessa nova realidade é que grande parte dos ouvintes passou a entender por<br />
audição musical aquilo que se referia à escuta por meio dos sistemas reprodutores e seus<br />
periféricos, ou seja, o rádio, os discos e as fitas magnéticas. O cenário regido pela gravação e<br />
reprodução se tornou o padrão de norteamento da própria produção musical, na medida em<br />
que, principalmente no campo da música popular, os músicos tentavam reproduzir cada vez<br />
mais em suas performances ao vivo o mesmo padrão oferecido nas suas gravações. Houve um<br />
aumento dessa tendência à reprodução, na medida em que se foram aperfeiçoando os<br />
equipamentos e se tornando também mais acessíveis. É importante acrescentar o pensamento<br />
de Carvalho (1999) que considera que a gravação chegaria a tornar-se “uma montagem<br />
industrial” tal como a edição de uma película cinematográfica. O autor comenta que,<br />
Fragmentos de vários takes, gravados em canais independentes, são unidos<br />
entre si e depois superpostos, formando uma colagem tridimensional, e<br />
ninguém possui completa autonomia do processo como um todo; são vários<br />
os tipos de técnicos e artesãos, articulados como especialistas para decidir<br />
como será o produto definitivo e o músico é apenas um deles (e nem sempre<br />
o que toma as decisões mais importantes) (CARVALHO, 1999, p. 8).<br />
A fragmentação no modo de produção musical, que pressupõe uma intervenção não<br />
apenas de uma única mão de obra no material musical, que seria em princípio a do<br />
compositor, acaba por colocá-lo apenas como mais um no processo e que por questões como<br />
o domínio de certas tecnologias já dominadas por técnicos especializados não teria condição<br />
de tomar uma decisão de maior peso no que se refere ao produto final. Se no início do século<br />
XX a performance era a referência de escuta, a partir da década de 60, a situação se inverte e<br />
a gravação em estúdio torna-se a referência. O padrão de qualidade da gravação passou a ser<br />
definido não pela sua fidelidade a uma performance como em seus primórdios, mas pela<br />
qualidade do registro. Dito de outra forma, a gravação aos poucos deixaria de ser um registro<br />
do real para se tornar um registro ideal conforme pensa Santini (2005). Um exemplo desse<br />
56
fato, citado por Carvalho (1999) é o caso do pianista Glenn Gould que, durante toda a sua<br />
vida profissional, procurou buscar a gravação perfeita ou o disco perfeito ao invés de buscar a<br />
execução, ou a performance perfeita.<br />
Ainda na visão de Carvalho (1999) é possível considerar que todo o aparato<br />
tecnológico que surgiu no século XX modificou a sensibilidade do ouvinte contemporâneo.<br />
Esse autor destaca que, se por um lado, o acesso que se tem hoje às músicas das diversas<br />
culturas do mundo é um fato extremamente positivo, já que inspiraram criadores e ouvintes<br />
sensíveis a explorar dimensões e linguagens sonoras há pouco tempo desconhecidas, por<br />
outro, traz uma conseqüência que em seu pensamento seria um “efeito perverso”, como<br />
denomina a padronização, bem como a homogeneização da escuta.<br />
Segundo o autor, com o advento da eletricidade, e por consequência, dos aparelhos<br />
eletrônicos, algumas técnicas foram sendo cada vez mais utilizadas nos processos de<br />
gravação, como a equalização e reverberação. Contudo, se inicialmente estas seriam recursos<br />
especiais usados nas gravações de alguns estilos musicais, ao longo do tempo foram<br />
generalizadas, “fazendo parte do formato de toda e qualquer música comercial gravada<br />
massivamente” (CARVALHO, 1999, p. 6) e isso, sem se levar em conta o gênero, a origem<br />
étnica ou as variáveis temporais. No processo da equalização, por exemplo, o autor afirma<br />
que os vários elementos sonoros são submetidos a um tratamento que leva a homogeneização,<br />
o qual se não elimina totalmente, ao menos atenua, certas diferenças, ou em outras palavras,<br />
características particulares de um evento musical, que poderiam ser captadas pelo ouvinte<br />
quando escutasse em seu contexto particular de execução (CARVALHO, 1999). Sendo assim,<br />
toda e qualquer gravação, independente de seu lugar de origem estaria subordinada “a estética<br />
sonora da transparência e da equanimidade” e, conforme Carvalho, deveria soar do mesmo<br />
modo, como se escutasse gravações de “Philip, Monteverdi, David Byrne, ou B.B. King”(p.<br />
18-20).<br />
No entanto, ainda que hajam diversas posturas a respeito das tecnologias, umas<br />
otimistas e outras nem tanto, é preciso considerar que com novas formas de se vivenciar a<br />
música, remetendo ao pensamento de Gohn (2007), sempre surgem diferentes práticas e<br />
conceitos, os quais reformulam os papéis daqueles envolvidos tanto na produção quanto no<br />
apreciação e/ou consumo musical.<br />
57<br />
57
3.2 Circulação Musical na Cultura de Massa<br />
Do século XIX para o XX observa-se a passagem da “cultura escrita ou impressa” –<br />
do jornal, folhetin, romance, onde se pode incluir também a partitura musical - para a cultura<br />
de massa 48 . Esta última, na visão de Morin (2009), absorveu os conteúdos da primeira<br />
metamorfoseando-os progressivamente. Esta metamorfose não sucedeu apenas em caráter<br />
quantitativo, mas também qualitativamente ao criar um mercado mundial, já que entre o<br />
impresso e o rádio, o filme, a televisão há uma profunda diferença. Morin comenta que a<br />
imagem impressa é imóvel e afirma que O filme, a televisão, bem como o rádio, são capazes<br />
de reproduzir a vida, e reproduzi-la em seu movimento real.<br />
Pode se dizer, então, que a cultura de massa é marcada por um caráter de extensão e<br />
intensificação em relação à cultura impressa. Na visão do autor, ainda que a cultura de massa<br />
não seja a única, ela é a primeira cultura universal da história da humanidade, “cosmopolita<br />
por vocação e planetária por extensão” (MORIN, 2009, p. 16). Talvez por este motivo, haja<br />
uma tendência em conceber a cultura de massa como homogeneizante e alienante; uma<br />
cultura que, ao invés de ser “o lugar onde as diferenças sociais são definidas, passa a ser o<br />
lugar onde tais diferenças são encobertas e negadas” (BARBERO, 2003, p. 180).<br />
Morin (2009) afirma que na verdade a estratificação é reconstituída no interior da<br />
cultura de massa. Por exemplo, o público dos cinemas de arte não será o mesmo daquele do<br />
circuito popular, embora que muitas vezes os programas e sucessos dos dois sejam os<br />
mesmos; os ouvintes de rádio se diferenciam pela escolhas das estações e dos programas, e<br />
essa diferenciação de gostos, conforme o autor significa também uma diferenciação parcial no<br />
que concerne ao social. A despeito das separações que acontecem no campo do trabalho por<br />
relações de autoridade, ou no habitat por quarteirões ou blocos, o que se pode adiantar é que<br />
“a cultura industrial é o único grande terreno de comunicação entre as classes sociais”<br />
(MORIN, 2009, p. 41).<br />
Corroborando com esse pensamento, Barbero (2003) entende que é impossível uma<br />
sociedade chegar a uma completa unidade cultural. O autor ressalta que, considerando a<br />
cultura de massa também como a primeira a possibilitar a comunicação entre os diversos<br />
estratos da sociedade, os meios de comunicação desempenham um papel importante por<br />
possibilitarem o fluxo cultural e o encontro das classes.<br />
48 Produzida segundo normas da fabricação industrial e também propagada pelas técnicas de difusão maciça,<br />
destina-se a uma massa social, ou seja, “um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além<br />
das estruturas internas da sociedade (Classes, família, etc)”. (MORIN, 2009, p. 14)<br />
58<br />
58
Partindo disso, pode-se dizer que a radiofonia, inaugurada oficialmente nos EUA em<br />
1920 e dois anos mais tarde no Brasil, foi o primeiro meio a possibilitar o “encontro das<br />
classes” por meio da música, já que tanto o trabalhador da fábrica como o patrão poderia<br />
ouvir os sucessos da época, e isso sem que fosse necessário sair de casa. Discorrendo sobre tal<br />
importância que o rádio desempenhou na transmissão musical, Shuker (1999) afirma que<br />
entre os anos de 1920 e 1930 o rádio se desenvolveu como um aparelho de uso doméstico,<br />
desempenhando papel importante como entretenimento para a família, especialmente no<br />
período noturno. E acrescenta que<br />
59<br />
Nos Estados Unidos, disseminou a música de concerto e ajudou a resgatar<br />
formas de música regional, como o western swing e o jazz, para um público<br />
amplo. Durante as décadas de 1930 e 1940, o rádio foi inimigo da indústria<br />
fonográfica nas disputas sobre pagamento pela execução das gravações. Mas<br />
posteriormente tornou-se seu mais imprescindível aliado. Nos anos de 1950,<br />
a remodelação das emissoras de rádio influenciou o rock’n’roll, e a<br />
veiculação radiofônica tornou-se essencial para o sucesso comercial,<br />
especialmente nos programas dedicados às paradas de sucessos (SHUKER,<br />
1999, p. 225).<br />
Também dos Estados Unidos para os outros países ocidentais, emergiu o cinema que<br />
tal como o rádio tem como caráter o fato de se dirigir a todos independente da classe social. O<br />
cinema, “foi o primeiro a reunir em seus circuitos os espectadores de todas as classes sociais<br />
urbanas e mesmo camponesas”(MORIN, 2009, p. 37- 40. Grifo do autor).<br />
Ainda por volta do fim da década de 20 aos anos 30 as empresas fonográficas se<br />
tornaram gravadoras. Nesse período, as principais companhias fonográficas foram adquiridas<br />
por novas corporações de radiodifusão, passando a se ocupar com os conteúdos dos discos e<br />
não mais com os aparelhos reprodutores. A música se tornou, então, a principal fonte de renda<br />
das gravadoras que deram início à utilização das novas possibilidades tecnológicas, isto é, da<br />
gravação elétrica e microfones, para produzir e reproduzir mais fonogramas (MARCHI,<br />
2006).<br />
As companhias fonográficas contaram, então, com o rádio, o cinema e a televisão na<br />
década de 50, como meios de acesso ao público. Segundo Gohn (2002), o rádio e a televisão<br />
atuaram como transmissores de rítmos e estilos para o grande público. Estes promoveram a<br />
música tendo, de certo modo, “um aspecto educativo (apesar de despertar discussões sobre a<br />
qualidade do ensino) e através do espírito de consumo, pregado pela ondas e captado pelas<br />
antenas, instigaram a audiência a comprar seus discos e artistas”(GOHN, 2002, p. 46).<br />
59
Portanto, estes meios e outras tecnologias como o disco de vinil contribuíram para o<br />
fortalecimento da indústria fonográfica. Especialmente com o desenvolvimento da<br />
radiodifusão e o surgimento do disco de vinil ela se consolidou como meio hegemônico de<br />
produção e distribuição internacional de música. Na medida em que mais artistas recorriam as<br />
gravadoras para terem seus trabalhos produzidos e também divulgados para os ouvintes, estas<br />
se estabeleceram como mediadoras entre o trabalho do músico e o ouvinte. Acompanhando o<br />
movimento e desenvolvimento capitalista, a indústria fonográfica herdou a produção em série<br />
e a padronização dos produtos musicais, pois ao concentrar as propriedades dos meios de<br />
produção e difusão, a indústria fonográfica induziria a uma forma dominante de consumo<br />
musical: “a compra de discos com pouco mais de meia-hora de música” (SANTINI, 2005, p.<br />
17).<br />
Nesse contexto, Iazzetta (2001) entende que o processo de expansão cultural,<br />
propiciado pelos meios de comunicação e informação então existentes, acontecia de modo<br />
unidirecional. Se é certo que o rádio e a televisão, até o disco, apresentam uma característica<br />
de unidirecionalidade, no sentido em que a mensagem parte de um emissor para um receptor<br />
(LÉVY, 1999), é preciso ter em conta também que o espectador [ou ouvinte] não é passivo<br />
aos meios, e mesmo que haja uma preponderância de forças partindo do emissor para o<br />
receptor, remetendo ao pensamento de Morin (2009), este último ouve e vê ou se recusa a<br />
ouvir ou a ver. Portanto, ainda que haja uma padronização no que concerne aos modos de<br />
produção, com o lançamentos de determinados gêneros musicais no mercado, como por<br />
exemplo, o “Axé’ ou o “Sertanejo universitário”, bem como, uma monopolização dos meios<br />
de circulação de música isto não pressupõe necessariamente um consumo musical<br />
homogeneizado e irrefletido. Exemplo deste fato está na legião de fãs que se agregam em<br />
torno de determinados gêneros musicais ou de artistas, ou seja, “tribos” formadas em torno da<br />
música, usando um termo de Maffesoli (2006), que buscam a diferenciação por meio do<br />
consumo musical.<br />
Partindo dessa discussão, pode se afirmar que a cultura de massa não é imposta pelas<br />
instituições sociais, nem mesmo por uma indústria ávida por lucro mas sim, proposta, ou seja,<br />
essas instituições propõem modelos, mas não ordena que estes sejam incorporados. Mesmo<br />
que de modo desigual, Morin (2009) considera que a cultura de massa é produto de um<br />
diálogo, ainda que desigual entre uma produção e um consumo. O próprio termo “cultura de<br />
massa”, para Morin, é limitado. Já para Canclini (2008) parecia mais justo falar em cultura<br />
para a massa, o autor comenta que,<br />
60<br />
60
61<br />
Essa designação durou enquanto pode ser sustentada a visão unidirecional<br />
da comunicação que acreditava na manipulação absoluta dos meios e<br />
supunha que suas mensagens eram destinadas às massas, receptoras<br />
submissas. A noção de indústrias culturais, útil aos frankfurtianos para<br />
produzir estudos tão renovadores quanto apocalípticos, continua servindo<br />
quando queremos nos referir ao fato de que cada vez mais bens culturais não<br />
são gerados artesanal ou individualmente, mas através de procedimentos<br />
técnicos, máquinas e relações de trabalho equivalentes aos que outros<br />
produtos na indústria geram; entretanto, esse enfoque costuma dizer pouco<br />
sobre o que é produzido e o que acontece com os receptores (CANCLINI,<br />
2008, p. 257).<br />
Ainda segundo as considerações de Canclini, este equívoco foi propiciado pelos<br />
primeiros estudos de comunicação, segundo os quais a cultura de massa substituiria o culto e<br />
o popular tradicionais. O autor explica que os processos de industrialização e urbanização, a<br />
educação generalizada e as organizações sindicais e políticas foram se reorganizando<br />
conforme as leis massivas que regiam a vida social desde o século XIX, isso antes que<br />
surgissem à imprensa, o rádio e a televisão.<br />
Os estudos sobre estes meios de comunicação e informação de massa, pouco a pouco<br />
modificaram a direção da abordagem, passando a importar não o que os meios faziam com as<br />
pessoas, mas o que as pessoas faziam com esses meios conforme considerações de Gushiken<br />
(2008) . A inversão dessa questão continua sendo relevante de acordo com o autor, por ter<br />
dado ênfase ao campo da recepção como parte dinâmica na ideia do que seria o processo de<br />
comunicação e de consumo no que se refere à informação. No mesmo sentido Barbéro (2000)<br />
defende que deve haver tal deslocamento dos estudos dos meios para as mediações. Não é que<br />
deva ser negada a importância dos meios, contudo, o autor considera impossível estudar a<br />
influência ou importância destes sem se levar em contar como as pessoas se relacionam com<br />
os meios. Na visão do autor, portanto, as mediações se referem ao “espesso espaço de<br />
crenças e costumes” enfim tudo, aquilo que configura a cultura cotidiana (BARBERO, 2000).<br />
3.3 Circulação e Consumo de Música na Cibercultura<br />
3.3.1 O Nascimento da Cibercultura<br />
Ao discutir a ideia da existência de uma Cibercultura ou de uma Cultura de internet,<br />
no entendimento de Castells (2001) é necessário entender, que ela se constitui por quatro<br />
estratos superpostos/sobrepostos que se articulam: a cultura tecnomeritocrática, a cultura<br />
hacker, a comunitária virtual e a comunidade emprendedora. Considerando a análise do autor<br />
61
entende-se que os dois primeiros se relacionam à cultura dos produtores da internet, isto é,<br />
aqueles que contribuíram diretamente na sua criação e no seu desenvolvimento tecnológico,<br />
os quais foram os seus primeiros usuários. As duas culturas são descritas conforme as<br />
características de cada uma, em que cada uma delas dá ênfase. A cultura tecnomeritocrática<br />
está ligada ao meio acadêmico e científico, e está na origem da criação da internet. Nela existe<br />
um investimento no mérito que “é medido pelo grau de contribuição ao desenvolvimento de<br />
um sistema tecnológico que proporciona um bem comum a comunidade de descobridores<br />
conforme CASTELLS, (2001, p. 54) 49 . A cultura hacker 50 surgiu desempenhando um papel<br />
crucial para o desenvolvimento tecnológico, sua participação mais efetiva pode ser<br />
exemplificada pela criação de softwares de caráter aberto, essa cultura “inclui o conjunto de<br />
valores e crenças que surgiram das redes de programadores informáticos interagindo on line<br />
em torno a sua colaboração em projetos autodefinidos de programação criativa” (CASTELLS,<br />
2001, p. 57) 51 .<br />
Do mesmo modo, as outras duas culturais, a lembrar, a cultura comunitária virtual e a<br />
empreendedora, contribuíram decisivamente para a evolução da internet, adicionando a esta<br />
uma dimensão social e comercial como afirma Castells,<br />
62<br />
Quando a world wide web explodiu nos anos noventa, milhões de usuários<br />
puseram na rede suas próprias inovações sociais com ajuda de uns<br />
conhecimentos técnicos limitados. Não obstante, sua contribuição à forma e<br />
à evolução da Internet, incluindo muitas de suas manifestações comerciais,<br />
foi decisiva (CASTELLS, 2001, p. 52). 52<br />
Para Lévy (1999) a cibercultura nasceu entre a última metade da década de 1980 e<br />
início da década de 1990, tendo como marco desse nascimento, o movimento sócio-cultural<br />
computers for the People que aconteceu no estado da Califórnia (EUA). Foi um momento<br />
importante, onde novas possibilidades e técnicas se mostraram possíveis e que até então<br />
haviam sido monopolizadas por grandes instituições burocráticas. Uma dessas possibilidades<br />
foi a invenção do computador pessoal. Foram os atores desse movimento que inventaram o<br />
49 “En dicha cultura, el mérito se mide por el grado de contribución al desarrollo de un sistema tecnológico que<br />
proporciona un bien común a la comunidad de descubridores”.<br />
50 De acordo com Castells (2001) a visão corrente que se tem dos hackers, como um bando de informáticos sem<br />
escrúpulos que se dedicam a invadir os sistemas, é equivocada, pois, na verdade estes são os chamados<br />
Crackers.<br />
51 “Em sentido restringido, la cultura hacker, en mi opinion, incluye al conjunto de valores y creencias que<br />
surgieron de las redes de programadores informáticos interactuando on line en torno a su colaboración en<br />
proyectos autodefinidos de programación creative”<br />
52 “ y cuando la world wide web hizo eclosión en los años noventa, millones de usuarios pusieron en la red sus<br />
propias innovaciones sociales con ayuda de unos conocimientos técnicos limitados. No obstante, su contribución<br />
a la forma y la evolución de Internet, incluyendo muchas de sus manifestaciones comerciales, fue decisive”<br />
62
verdadeiro uso social dessas tecnologias. Tendo como palavras de ordem a interconexão,<br />
comunidades virtuais e inteligência coletiva, estes atores exploraram e construíram um espaço<br />
de encontro, de compartilhamento e de criação coletiva que é chamado por Lévy de<br />
ciberespaço.<br />
Partindo do exposto é que se pode entender que a noção de Cibercultura, como propõe<br />
Lévy, não remete somente ao conjunto de técnicas material e intelectual, mas como de<br />
práticas, de atitudes e de modos de pensamento e de valores. O autor explica que ela é<br />
63<br />
A expressão da aspiração de construção de um laço social que não seria<br />
fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem<br />
relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses<br />
comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a<br />
aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de cooperação (LÉVY,<br />
1999, p. 130).<br />
O ciberespaço ou internet, mais que a infra-estrutura material da comunicação digital<br />
caracteriza-se, principalmente pelo o universo de informações que a rede abriga, assim como,<br />
os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Em outras palavras, o ciberespaço<br />
não é a infra-estrutura técnica de telecomunicação, mas se distingue nos modos de utilizar<br />
essas infra-estruturas já existentes, por mais imperfeitas e disparatadas que sejam ele visa<br />
criar um tipo distinto de relação pessoal como aponta Lévy, (1999). Pode se dizer que, então<br />
que, hoje, o ciberespaço se tornou um espaço relacional, o qual coloca em contato pessoas de<br />
todo o mundo que utilizam o potencial da telemática para se reunirem por interesses comuns,<br />
para bater papo, bem como trocar arquivos de fotos, música, correspondência como sugere a<br />
concepção de Lemos (2008).<br />
Nessa discussão, percebe-se que um dos argumentos mais freqüentes no discurso<br />
desses pesquisadores quando abordam as transformações na cultura da informação é o de que<br />
essa nova configuração, da comunicação em rede tem construído um espaço mais livre e<br />
democrático, assim como participativo e interativo. Propõe um novo modelo de produção e de<br />
distribuição e conforme Sá (2006) tem uma ênfase na relação direta entre produtores e<br />
consumidores. Contudo, Sá entende que esses argumentos parecem expressar certo fascínio<br />
tecnológico, e tendem a ver esse novo modelo mais democrático e participativo como estando<br />
em oposição ao modelo mais centralizador, massivo e totalizador característico da mídia de<br />
massa. Contrapondo-se a essa visão, a autora propõe uma interpretação da questão<br />
tecnológica, com base nos estudos de Bolter & Grusin (2000) 53 , para os quais “toda nova<br />
53 Traduzido para Remediação ou remediatização (SÁ, 2006).<br />
63
mídia é pensada e representada como, por um lado, em continuidade e por outro desafiando as<br />
tecnologias em voga num determinado momento” (SÁ, 2006, p. 08) .<br />
3.3.2 O Ciberespaço: Reconfigurando a Circulação e Consumo de Música<br />
Uma peculiaridade trazida por esse espaço é a comunicação e circulação da<br />
informação em uma rede global. Apesar de, na visão de Castells (2001), a rede não ser uma<br />
novidade, já que “é uma forma antiga de atividade humana”, as tecnologias da informação e<br />
comunicação, em especial a internet, permitiram que as redes se desenvolvessem tanto em<br />
questão de flexibilidade e adaptabilidade como na coordenação de tarefas e a gestão da<br />
complexidade. Segundo o autor<br />
64<br />
De tudo isso se resulta uma combinação sem precedentes de flexibilidade e<br />
eficacia na realização de tarefas, de tomada de decisões coordenada e<br />
execução descentralizada, de expressão individualizada e comunicação<br />
global e horizontal. O que permite o desenvolvimento de uma forma<br />
organizativa superior da atividade humana 54 . (CASTELLS, 2001, p. 16).<br />
Esta forma de circulação da informação representa uma novidade em especial no que<br />
concerne à circulação e consumo musical. Devido ao processo de digitalização da<br />
informação 55 , o qual permite que qualquer arquivo (texto, imagem, som) possa ser transmitido<br />
e copiado quase que indefinidamente e sem perda de informação (LÉVY, 1999), no<br />
ciberespaço a música pode ser disseminada à vontade e sem depender de um suporte físico.<br />
Pela primeira vez isso acontece de forma descentralizada, ou seja, usuários localizados em<br />
diferentes pontos do mundo podem ao mesmo tempo enviar e receber arquivos de música com<br />
os softwares de compartilhamento P2P 56 , sem depender da intervenção da indústria<br />
fonográfica.<br />
Nesse sentido, assistimos a importantes modificações nos modos de escuta de música,<br />
pois, o registro de gravação, ou seja, “o álbum ou CD deixa de ser o único ou principal<br />
54 “De todo ello se deriva una combinación sin precedentes de flexibilidad y eficacia en la realización de tareas,<br />
de toma de decisiones coordinada y ejecución descentralizada, de expresión individualizada y comunicación<br />
global y horizontal. Lo que permite el desarrollo de una forma organizativa superior de la actividad humana”.<br />
(CASTELLS, 2001, p. 16)<br />
55 Digitalizar uma informação segundo Lévy (1999, p. 50) consiste basicamente em traduzi-la em números.<br />
56 A sigla pode ser traduzida por ponto a ponto, ou pessoa a pessoa. Os arquivos são transmitidos de um usuário<br />
a outro, e quanto mais usuários possuírem o mesmo arquivo, mais rápido se torna o seu download.<br />
64
formato nos lançamentos comerciais” (CASTRO, 2005, p. 31). No final do processo, ou seja<br />
na recepção, segundo Gohn (2007)<br />
65<br />
A informação digital pode estar em um CD ou outro aparelho de reprodução<br />
sonora (como os players que se tornaram tão comuns para executar arquivos<br />
MP3); pode estar na internet, em websites que vendem ou disponibilizam<br />
músicas, em sistemas de compartilhamento de dados ou em rádios<br />
transmitindo programação ao vivo ou pré-gravada; pode estar no sistema de<br />
transmissão digital de uma estação de rádio; entre outras possibilidades<br />
(GOHN, 2007, p. 21).<br />
Além disso, é possível aos usuários, não apenas ouvirem as músicas do seu artista<br />
preferido como também assistirem à sua performance em um concerto ou show, onde quer<br />
que este seja realizado. Assim, se pode arriscar dizer que, na atualidade, o acesso do ouvinte à<br />
música, com alguma excessão, se tornou irrestrito. Gohn (2007) ressalta que a rapidez dessa<br />
forma de comunicação acentuou processos que já puderam ser percebidos, por exemplo, com<br />
o surgimento do rádio ampliando a quantidade e diversidade de música em circulação no<br />
mundo hoje. Desse modo, para o autor, há uma maior facilidade de acesso a novos tipos de<br />
música, e para isso, basta apenas saber requisitar a informação, a qual está disponível a<br />
qualquer hora e em qualquer local na internet. Esta facilidade e rapidez propiciada pelo<br />
ciberespaço no que se refere ao consumo musical é ressaltado também pelos Djs<br />
entrevistados. Conforme o Dj Faraz<br />
Na internet é legal porque as pessoas tem muito acesso as músicas. É muito fácil, eu<br />
gravo uma música hoje, e eu solto ela na internet e... sei lá em uns dois minutos tem<br />
gente já ouvindo a música com ela já no computador, o acesso é muito mais fácil, né?<br />
Antigamente o Dj, tinha que pedir a música, a música tinha que chegar, às vezes, os<br />
cara tinha que ir pra São Paulo. Na década de 80 você tinha que ir lá em São Paulo<br />
comprar música pra os Clubs, né? Hoje não, você tem a internet aí, que você<br />
consegue baixar a música na hora (Faraz, 28/07/2010).<br />
Entretanto, este cenário, é visto com perplexidade por alguns, sendo retratado como de<br />
“crise da indústria fonográfica” pelas grandes gravadoras, e tem sido atribuído a inúmeros<br />
fatores como a pirataria, troca de arquivos musicais pela internet, estúdios caseiros,<br />
podcasting 57 , o crescimento de gravadoras independentes, bem como, o download de música<br />
em celulares, as rádios online, entre outros exemplos. (SÁ, 2003; 2006). No entanto, longe de<br />
57 O podcasting foi inventado pelo ex-Vj da MTV Adam Curry. O nome é uma mistura de iPod com broadcast<br />
(transmissão). Entende-se que trata-se de um conteúdo previamente gravado, produzido e postado por<br />
podcasters, o qual pode ser baixado e ouvido a qualquer momento pelo usuário.<br />
65
se tratar de uma “crise” concorda-se com Sá ao ressaltar que tal fenômeno reflete mais uma<br />
reconfiguração do processo de produção, difusão e consumo de música na<br />
contemporaneidade. De acordo com a autora<br />
66<br />
Descentralização, personalização e desmaterialização são as noções que<br />
traduzem com acuidade o modelo desse universo aberto e flexível, onde<br />
serviços e acesso se combinam para criar uma experiência mais importante<br />
do que a venda de suportes “fechados” como o disco ou o CD; e onde o<br />
papel das redes sociais tais como o Facebook, Orkut, Twitter, são de<br />
crescente importância para o consumo, apontando ainda para um<br />
empoderamento do consumidor a partir das práticas do fandom (SÁ, 2006, p.<br />
2).<br />
Apesar de algumas especulações em torno da decadência de venda de CDs, que na<br />
verdade, não é um fato comprovado, a circulação e troca de arquivos digitais sem depender de<br />
um suporte físico, constitui, entre muitos outros, um dos recursos mais atraentes para os<br />
usuários da internet. Sobretudo, hoje, com a comercialização dos aparelhos portáteis (Mp3,<br />
Mp4, Ipods, Celulares) para reprodução de música, o download de musical através da internet<br />
demonstra ser um fenômeno consolidado.<br />
3.3.3 Redes de Compartilhamento Musical: O MP3 e Napster<br />
Desde o início quando a internet ainda era novidade, a necessidade de transmissão de<br />
som já era latente. Inúmeras formas de compressão do som para a transmissão em rede foram<br />
sendo pesquisadas, como exemplo o formato MIDI. Contudo, todas deterioravam bastante a<br />
qualidade do material sonoro. Então, a criação do formato Mp3, desenvolvido em 1988, foi a<br />
melhor solução para esse problema. Em 1992 ele se tornou o formato padrão para<br />
compactação de arquivos musicais na internet, por possibilitar uma redução significativa em<br />
tamanho dos arquivos, sem, contudo, haver uma grande perda de qualidade sonora.<br />
Apesar de haver pensamentos controversos e posições críticas a respeito da sonoridade<br />
do formato Mp3, que alguns entendem como sendo inferior em relação ao CD, ele apresenta a<br />
vantagem por ter seu formato aberto e não possuir dispositivo contra cópia como o formato<br />
WMA, sendo possível, copiar livre e infinitamente. Devido a esse caráter aberto é que, como<br />
afirma Santini (2005) os arquivos podem ser recebidos, replicados ou distribuídos de forma<br />
tão simples como se envia uma mensagem. Além disso, devido ao pouco espaço que formato<br />
ocupa, o ato de colecionar música se torna muito mais fácil de acordo com Sterne (2010).<br />
66
O autor trás uma discussão interessante em torno do Mp3 enquanto artefato cultural.<br />
Ele aplica a seu estudo um termo usado por Lewis Mumford (1959) de “tecnologia de<br />
contêiner”. O Mp3, para Sterne, se encaixa nessa categoria por ser “um armazenador para<br />
gravações sonoras”, mais que isso: “um contêiner para contêineres”, ou seja, “uma tecnologia<br />
de mídia para ser utilizada em outras tecnologias de mídia” (STERNE, 2010, p. 67).<br />
Para Sterne devido ao seu design como uma “tecnologia de contêiner portátil”, o Mp3<br />
tem adquirido o status de objeto na prática cotidiana. Tanto empresas que comercializam<br />
música nesse formato, ou aparelhos que o reproduzem, como usuários tendem a falar das<br />
coleções de arquivos Mp3 como se estivessem se referindo a uma coleção de discos ou de<br />
livros. Dessa forma, a relação dos usuários com os seus arquivos Mp3 especialmente aqueles<br />
que os colecionam, parece não ser muito diferente daquela estabelecida pelos colecionadores<br />
com seus discos. Explica Sterne (2010) que<br />
67<br />
Embora o mp3 exista enquanto um software, as pessoas tendem a tratá-lo<br />
como objeto(e, de fato o argumento aqui é que nós devemos analisá-los<br />
como artefatos),, talvez porque elas estejam acostumadas a manusear discos<br />
enquanto coisas físicas. Mas por causa da sua micromaterialização, usuários<br />
podem manusear os mp3s de forma totalmente diferente de discos que<br />
possuem em um forma mais obviamente “física” como o LP ou o CD,<br />
embora eles possam falar sobre os mp3s como se fossem objetos físicos<br />
(STERNE, 2010, p. 74).<br />
Nesse caso, o autor observa haver uma distinção entre dois tipos de objetos: aqueles<br />
que podem ser colecionados, incluindo nessa categoria os mp3, e os que podem ser tocados<br />
(no sentido convencional) como o CD. No caso específico do Mp3, ainda que seja um arquivo<br />
de dados, é tomado pelo usuário como “objeto cultural”.<br />
Devido ao sucesso do Mp3 tornou-se necessário também o desenvolvimento de<br />
softwares que viabilizassem o download e troca de arquivos. Assim, surgiram o winamp 58 ,<br />
que se popularizou como software para audição no computador de arquivos em Mp3, e o<br />
Napster 59 , considerado o programa pioneiro de compartilhamento de música on-line<br />
(SANTINI, 2005).<br />
O Napster foi uma revolução na virada do século XX em termos de compartilhamento<br />
de música. A grande novidade deste software é o acesso peer to peer (P2P) que se trata de um<br />
sistema de acesso direto de um computador pessoal a outro, onde a troca de arquivos acontece<br />
58 Winamp é um programa freeware (gratuito) de reprodução de mídia em diversos formatos como MP3, MID,<br />
MOD, WAV, entre outros. Foi desenvolvido por Justin Frankel em 1997, na época com 17 anos, que<br />
disponibilizou o software na rede para que outras pessoas pudessem fazer download e reproduzir suas músicas<br />
em seus computadores. Desde 2001 o programa é disponibilizado pela America Online (SANTINI, 2005).<br />
59 Foi criado pelo Norte americano Shawn Fanning em janeiro de 1999, na época com 18 anos.<br />
67
entre usuários que possuem o mesmo programa instalado. O programa, no auge de sua<br />
popularidade, ultrapassou 30 milhões de usuários simultaneamente conectados, trocando<br />
músicas online. No entanto, como a maior parte dos arquivos de Mp3 disponíveis para<br />
download gratuito foi continua sendo feita sem a permissão dos detentores dos direitos<br />
autorais, o Napster e outros sistemas de compartilhamento foram processados pelas principais<br />
gravadoras 60 (CASTRO, 2007, p. 49).<br />
Recentemente, o novo Napster, relançado em formato modificado, vem atuando na<br />
venda legal de música através do sistema de assinaturas. Esse modelo vem sendo uma<br />
alternativa para o pay per download, no qual o usuário paga uma taxa fixa por cada faixa<br />
musical comprada. Como outro exemplo desse modelo de comercialização, pode ser citado a<br />
loja virtual da Apple –o iTunes- que lidera o mercado de downloads cobrados por faixa ao<br />
preço 99 centavos de dólar. Entretanto, ainda que o download pago venha sendo fortemente<br />
estimulado e adotado de forma crescente, a prática do compartilhamento gratuito através das<br />
redes peer-to-peer segue vigorosa (CASTRO, 2005; 2007).<br />
3.3.4 As Redes Sociais e Circulação de Informação<br />
As redes como mencionado anteriormente, apesar de não ser uma novidade, tem<br />
ganhando relevância no ciberespaço, emergindo como uma forma dominante de organização<br />
social segundo Castells (2001). Uma rede social, usando a definição de Recuero (2009), pode<br />
ser definida como um conjunto de dois elementos, sendo estes, o atores sociais (pessoas,<br />
instituições ou grupos) e suas conexões (interações ou laços sociais). Os atores sociais, por se<br />
tratar de redes on line, podem ser representados por um weblog, um fotolog ou um perfil no<br />
orkut. Sem pretende adentrar em uma análise estrutural destas redes sociais, interessa aqui é<br />
explicitar como estas são apropriadas pelos atores sociais e utilizadas para trocar e difundir<br />
informações.<br />
Ao tratar dessas redes sociais, Recuero argumenta que, como apontaram alguns<br />
estudos, no ciberespaço há um processo constante de construção e expressão de identidade<br />
por parte dos atores sociais. Essa construção personalizada pode ser visível, por exemplo, em<br />
um weblog, ou um perfil no Orkut, entre outros, nos quais os indivíduos expressam seus<br />
gostos e interesses, podendo participar de comunidades de identificação. Desse modo, essas<br />
ferramentas são apropriadas, de acordo com a autora, como meios de expressão do self ou<br />
60 Sony, BMG, EMI, Warner<br />
68<br />
68
“espaços do ator social percebidos pelos demais como tal” (RECUERO, 2009, p.28).<br />
Como no ciberespaço é preciso estar conectado ou, nas palavras de Recuero, visto para<br />
existir, tal visibilidade parece ter se tornado um imperativo para a sociabilidade mediada pelo<br />
computador. Destaca-se que a ideia de visibilidade não remete a um sentido depreciativo de<br />
“aparecer” pura e simplesmente, no caso das redes, entende-se que implica em estar mais<br />
acessível as informações. A visibilidade constitui, portanto, em um valor que pode trazer<br />
outros “benefícios” para os indivíduos, influenciando, inclusive, na construção de outros<br />
valores, que conforme Recuero (2009) seriam a reputação, a popularidade e a autoridade. Dito<br />
de outra forma os indivíduos, precisam ser vistos e interagirem com os outros para<br />
construírem determinados valores como a reputação, por exemplo.<br />
Evidentemente, isso dependerá da informação que o usuário faz circular na rede.<br />
Nesse sentido, Recuero (2009) concorda que são alguns tipos de informações difundidas com<br />
frequencia na internet influenciam a constituição de dois tipos de “capital social” 61 , sendo<br />
estes o relacional e cognitivo. Dessa forma, as informações que circulam nas redes têm cunho<br />
um mais apelo relacional e outras, o de conhecimento, ou seja, visa o capital cognitivo.<br />
Voltando a atenção para a música eletrônica aqui se faz um paralelo as informações que<br />
circulam em algumas das comunidades virtuais de sites de redes sociais como o orkut. Se<br />
pode perceber que nestas comunidades, a profusão de informações disseminadas entre os<br />
atores sociais buscam gerar tanto o capital relacional quanto o cognitivo, embora se entenda<br />
que predomine um capital do segundo tipo.<br />
Nas comunidades de música eletrônica pode-se observar que alguns jogos de<br />
perguntas e respostas têm como objetivo conhecer o novos participantes que ingressam na<br />
comunidade, bem como, a integração entre os membros. Um exemplo disso são aqueles<br />
tópicos em que os membros da comunidade se apresentam e respondem qual estilo de música<br />
eletrônica preferem ouvir. Ressalta-se que também nesse caso, acredita-se ser possível que as<br />
informações gerem o capital cognitivo, quando algum membro, caso não conheça algum<br />
estilo musical ou artista mencionado nos tópicos se interesse em pesquisar e ouvi-lo. Por<br />
outro lado, muitas das informações têm um apelo informacional, ou seja, mais do gerar<br />
integração têm por objetivo obter novos conhecimentos. Além disso, acrescenta-se que muitas<br />
informações podem ter o objetivo também de integração entre os participantes, mas,<br />
principalmente de divulgação de um trabalho, aqui refere-se especificamente aos tópicos<br />
61 A autora aborda diversos conceitos de capital social como o de Bordieu e Putman. Ela explica que não há um<br />
consenso sobre a abordagem e que a única concordância entre os estudiosos que abordam o conceito dentro das<br />
redes sociais é de que esse se trata de um valor que é constituído a partir das interações entre os atores sociais.<br />
69<br />
69
encontrados nas comunidades, a exemplo da comunidade música eletrônica Cuiabá, para as<br />
postagens de sets de Djs.<br />
Durante as entrevistas com o Djs, os sites de redes sociais, como o Orkut e o<br />
Facebook, foram destacados como meios muito utilizados para a divulgação do seu trabalho.<br />
Contudo, mais do que disseminar ou trocar informações com outros atores sociais, sejam estes<br />
ouvintes ou Djs, entende-se que a apropriação desses espaços consiste em um recurso<br />
importante para o agenciamento da própria carreira, uma vez que, reportando ao estudo de<br />
Recuero (2009), essas redes permitem que alguns valores, possam ser construídos e<br />
percebidos pelos demais atores. Assim, no que se refere à circulação de informação, seja<br />
musical ou qualquer outra, nas redes sociais é importante não apenas abordar a capacidade do<br />
fluxo de informação que elas propiciam, mas, considerar que valores ou tipo de capital social<br />
se constrói nas conexões estabelecidas pelos sujeitos.<br />
Sabe-se que o compartilhamento e troca de informações musicais a respeito de bandas<br />
ou artistas favoritos sempre ocorreu de uma forma ou de outra, contudo, segundo Castro<br />
(2005) atualmente, com esta novas formas de comunicação, tal possibilidade de<br />
compartilhamento de informações musicais nos coletivos virtuais ganha proporção global.<br />
Nesse sentido, é importante acrescentar o pensamento de Yúdice (2007) quando afirma que,<br />
70<br />
As novas tecnologias têm afetado a maneira em que a música incide na<br />
organização social, desde os tradicionais clubes de mélomanos aos blogs,<br />
chats e locais na internet nos que os gostos musicais são um componente<br />
crucial dos perfis que atraem as pessoas para se relacionarem com seus<br />
congêneres os quais podem viver a volta da esquina ou a vinte mil<br />
quilômetros ao outro lado do mundo. 62 (YÚDICE, 2007, p.23).<br />
Contrariando uma forte tendência em se pensar que os meios de massa surtiriam certos<br />
efeitos sobre a sociedade como a homogeneização do gosto e do consumo. Pode ser ainda,<br />
como sugeria a teoria da convergência mencionada por Warnier (2000) de que as diversas<br />
sociedades do mundo convergiriam a um modelo uniformizador e alienante de consumo<br />
imposto pela globalização, se percebe um movimento em sentido contrário a tal unificação. O<br />
que ocorre ao invés disso é uma proliferação de pequenas multidões ou agrupamentos<br />
identitários nas redes sociais, que se formam em torno de determinados interesses e<br />
afinidades.<br />
62Las nuevas tecnologias han afectado a la manera em que la música incide en la organización social, desde los<br />
tradicionales clubes de melómanos a los blogs, chats y sitios en internet en los que los gustos musicales son un<br />
componente crucial de los perfiles que atraen a la gente a relacionarse con sus congéneres, los cuals pueden vivir<br />
la vuelta de la esquina o a veinte mil kilómetros al otro lado del mundo 62<br />
70
4. ALÉM DE TOCAR O QUE VOCÊ FAZ?<br />
Como já apontado, apenas há pouco tempo a profissão Dj ganhou autonomia e<br />
reconhecimento. Isso ocorreu mais precisamente com o nascimento de estilos como o garage,<br />
o house e o techno que foram o ponto de partida para o surgimento da cultura da música<br />
eletrônica, chegando muitos Djs na década de 90 a serem reconhecidos como pop stars. No<br />
entanto, hoje apesar de haver um mercado mais sólido em torno da música eletrônica,<br />
acredita-se ser possível que muitos Djs ouçam, ou já tenham ouvido alguma vez uma pergunta<br />
bastante comum: “Mas, além de tocar o que você faz?”. Considerando essa indagação, o<br />
presente capítulo foca na discussão e análise dos dois estudos casos buscando a compreensão<br />
e entendimento, tanto de aspectos concernentes à formação, à experiência, quanto, e<br />
principalmente, ao fazer musical do Dj. Dentro desses três eixos são abordadas questões<br />
como a motivação e aprendizado, conhecimentos necessários, materiais usados no fazer<br />
musical, a questão da criação/produção, que papéis desempenham e como produzem e<br />
divulgam o seu trabalho.<br />
A pesquisa de campo, como mencionado teve seu início mais especificamente a partir<br />
do dia 12 do mês de junho de 2010, data em que foi realizada a primeira observação no Club<br />
Garage. As entrevistas foram realizadas em 27 de julho e 11 de Janeiro de 2011 com o Dj<br />
Faraz e 25 de agosto com Gustavo Bongiolo, também no Club Garage por escolha dos dois<br />
Djs.<br />
Antes de adentrar as discussões e análises se faz aqui uma breve apresentação dos dois<br />
Djs participantes do estudo. Eles residem em Cuiabá e vem realizando o seu trabalho tanto na<br />
capital quanto em todo o Estado de Mato Grosso.<br />
O Dj e produtor Faraz (ou Rodrigo Farinha) tem 35 anos, é formado em Comunicação<br />
Social. Fez parte da banda Papo Amarelo e como Dj vem atuando há dez anos, sendo um dos<br />
pioneiros da música eletrônica do Estado de Mato Grosso. É idealizador do selo Pantano Beat<br />
Records 63 . Em 2009, foi eleito o melhor Dj de Cuiabá pelo Factóide 64 , um blog reconhecido<br />
como um dos maiores em termos de divulgação da cena eletrônica nacional. Atualmente,<br />
também trabalha no Club Garage como assessor de comunicação e realiza o projeto<br />
Hypernoticall, junto com mais dois músicos.<br />
63 http://mp3.al/en/music/label/id/213773/name/Pantano-Beat-Records<br />
64 http//www.factoide.wordpress.com<br />
71<br />
71
O Dj Gustavo Bongiolo, tem 24 anos, é formado em Administração de Empresa.<br />
Iniciou a discotecar em 2004, com 18 anos, e pouco tempo depois foi residente do Club<br />
Floor, um dos primeiros clubes de música eletrônica do Estado. Em 2006, integrou o casting<br />
de artistas da Smartbiz DJs 65 . No final de 2008, junto com o Dj André Maggi abriu a primeira<br />
filial do Club Garage em Cuiabá. E tem se apresentado também em diversas cidades do estado<br />
e do Brasil.<br />
4. 1 A Cena Eletrônica em Cuiabá<br />
A Cultura da música eletrônica de pista, como discorrido no segundo capitulo, se<br />
expandiu para muitos países nos anos 90, se tornando uma cultura globalizada. É importante<br />
entender que quando se fala de “cultura globalizada”, não significa que esta seja homogênea<br />
em todo e qualquer lugar do mundo, pois, no sentido proposto por Dickens mencionado por<br />
Ortiz (2007), a globalização não é sinônimo de internacionalização, termo este que se refere<br />
apenas ao aumento das extensões geográficas para além das fronteiras nacionais. Assim, a<br />
cultura eletrônica não foi simplesmente disseminada pelo mundo, mas também sofreu um<br />
processo de apropriação ou tradução 66 . Usando um termo de Canclini (2008), pode-se<br />
entender este fenômeno mais como uma cultura glocal.<br />
Partindo dessa premissa, o termo “cena eletrônica” parece ser mais indicado para<br />
designar as especificidades locais do gênero. Segundo Fontanari (2003) este termo é muito<br />
usado pelos participantes dessa cultura ou subcultura 67 . O termo cena, segundo Freire e<br />
Fernandes (2005), é um termo alternativo ao de subcultura, que foi apropriado por estudiosos<br />
interessados em descrever e analisar espaços localizados de produção e consumo cultural,<br />
especialmente o musical, dando sinal da possibilidade de construção de alianças que fogem às<br />
disputas tradicionais (entende-se de classe, gênero ou raça) pela hegemonia.<br />
72<br />
O conceito de cena deve encorajar, portanto, o exame da interconectividade<br />
entre os atores sociais e os espaços culturais das cidades – suas indústrias,<br />
suas instituições e a mídia. Aplicado empiricamente, deste modo, pode<br />
ajudar a compreender a dinâmica de forças – sociais, econômicas,<br />
65 Agência Brasileira, criada pelo Dj Renato Lopes, que representa Djs e produtores como Mau Mau, Cia,<br />
Renato Ratier, Digitaria, VJ Spetto, entre outros (www. fotolog.com.br/electroshake/23645553).<br />
66 Embora não sejam sinônimos, tanto o termo apropriação como tradução, segundo Burke (2003), enfatizam o<br />
agente humano e a criatividade. A metáfora tradução, na visão do autor, enfatiza o trabalho empreendido por<br />
indivíduos ou grupos, ou seja, as estratégias e táticas empregadas para se domesticar o que é estrangeiro.<br />
67 Fontanari (2003) explica que este é um termo cunhado pelos autores dos Cultural Studies da Universidade de<br />
Birmingham. Sara Thornton usa a noção de Subcultura para abordar a cena rave Inglesa, focando questões<br />
relativas a sua territorialidade, compartilhamento de gosto, a autenticidade até o mercado.<br />
72
institucionais – que afetam a expressão cultural coletiva, por meio da<br />
investigação da mecânica social associada à produção musical (FILHO;<br />
FERNANDES, 2005, p. 6).<br />
Para Fontanari (2003, p. 36), “a noção de ‘cena’ remete ao local, ao território, ao<br />
espaço social, ao cenário, enfim, à ‘cena’, onde os símbolos associados à musica eletrônica de<br />
pista são operados pelos atores sociais por eles responsáveis”. Dito de outra forma, ela<br />
permite delimitar o território de determinada prática cultural, ou ainda, serve para pensarmos<br />
a apropriação local de uma cultura global, como no caso da música eletrônica em Cuiabá.<br />
Na capital mato-grossense, também a cultura eletrônica parece ter chegado nos anos<br />
90. Mais precisamente em 1997, de acordo com o Dj Faraz, promoters de Cuiabá começaram<br />
a notar que “um novo estilo de dance music” vinha sendo tocado nos grandes centros. O Dj<br />
Mau Mau, considerado um dos nomes importantes da música eletrônica no país, nesse ano,<br />
pela primeira vez veio se apresentar na Capital. Estes eventos aconteciam geralmente em<br />
espaços como antigos casarões situados no bairro do Centro e Porto. Entre algumas das<br />
primeiras raves pode-se citar a festa Studio 54 no Menotti Gigri, realizada em uma de suas<br />
edições na Casa Cuiabana, ao lado do Pronto Socorro. Além desta, outras festas aconteceram<br />
no decorrer dessa década, segundo Gushiken (2004), um desses eventos aconteceu em um<br />
casarão antigo no bairro do Porto, a qual deram o nome de “Mascarade”. Ainda que não se<br />
tenha detalhes, conforme o autor, várias festas foram realizadas na corrente do movimento de<br />
produção audiovisual. 68<br />
No entanto, parece ser possível falar com mais precisão do crescimento cena<br />
eletrônica em Cuiabá a partir do ano 2000. Durante sua pesquisa, Gushiken (2004) presenciou<br />
algumas festas raves que aconteceram na cidade. Estas eram realizadas sempre em lugares<br />
alternativos, como “o antigo casarão” (ou Oficina 300) 69 , situado no centro velho, galeria de<br />
arte (Galeria do Pádua), em chácara (“Casarão Perdido no confins do Santa Rosa”). Estes<br />
lugares, muitas vezes eram bem discretos, como descreve o autor, no caso do antigo casarão:<br />
“a casa tem a discrição das primeiras raves, de caráter outsider-underground: uma vida quase<br />
subterrânea, longe ainda da visibilidade do mainstream da noite onde estão clubes mais<br />
confortáveis ou sofisticados” (GUSHIKEN, 2004, p. 68).<br />
68 O Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá chegou à 11ª edição em 2004 tendo pouco mais de dez anos. Durante<br />
este tempo, segundo Gushiken (2004), foi que o fenômeno rave se difundia pelo mundo e, entre outros, por<br />
Mato Grosso.<br />
69 Segundo Gushiken (2004, p. 68), na época da pesquisa o Casarão havia sido transformado em centro cultural,<br />
onde se realizavam, entre outros eventos, reuniões do Fórum Mato-Grossense Permanente de Cultura. “No<br />
ambiente artístico, ela se chama Oficina 300; no ambiente da noite, simplesmente Casarão Antigo”.<br />
73<br />
73
Dessa forma, de acordo com o Dj Faraz, o início do ano 2000 pode ser demarcado<br />
como o período em que a música eletrônica “chegou propriamente” na cidade (Faraz,<br />
28/07/2010). Nesse período, propriamente em 2002, foi inaugurada em Cuiabá o primeiro<br />
Club exclusivamente de música eletrônica, que era chamado E-Club. O club ficava na Isacc<br />
Póvoas quase em frente ao Morro de Santo Antônio e tinham como residentes o Dj Tim Tim,<br />
Dj High e o Dj Faraz. Em 2003, surgiu o Club Floor, até hoje considerado um dos clubs mais<br />
memoráveis da cena eletrônica cuiabana. Inicialmente o Club tinha como residentes também<br />
o Dj Faraz, Dj Jairo Lens e Giovani Curvo, e mais tarde, em seu casting foram incluídos os<br />
Djs Tim Tim e Gustavo Bongiolo.<br />
A música eletrônica vem crescendo bastante em Cuiabá, desde então, e diversos<br />
eventos contribuíram para o crescimento da cena eletrônica na capital, sendo estes festas<br />
como a Mística, a Tecnodelic, White Label, a Santa Rave e s festas do festas do Top Cuiabá.<br />
Conforme o Dj Faraz, atualmente, Cuiabá desfruta de um certo reconhecimento estando a<br />
“entre as 10 capitais em que a cena pulsa fortemente” (Faraz, 25/04/2011). Na sua visão, a<br />
cidade tem um espaço importante de música eletrônica, que é o Garage. Conforme o Dj, este<br />
espaço é considerado o quarto melhor club do Brasil, ocupando ainda a 66 posição no ranking<br />
mundial, segundo a lista oficial de uma conceituada revista do gênero eletrônica, a DJ Mag.<br />
De fato, durante a realização desta pesquisa pode ser percebido um grande fluxo, tanto<br />
de Djs nacionais, a exemplo de Fabrício Peçanha, Aninha (3plus Warung, SC), Mau Mau (SP)<br />
quanto de Djs estrangeiros como o Motiv8 (Califórnia, USA) e Emerson (Alemanha), que<br />
vieram se apresentar no Garage. No mês de novembro de 2010 em que o clube fez<br />
aniversário, foram quatro finais de semana envolvendo apresentações com Djs estrangeiros e<br />
brasileiros, incluindo também nas programações o Djs residentes. Este intercâmbio parece<br />
evidenciar uma preocupação, não apenas em movimentar a cena eletrônica local, como, e<br />
principalmente, de sustentar a imagem do clube como um espaço de referência no circuito<br />
mundial. O Dj Gustavo Bongiolo ao relatar o motivo que o levou a investir nesse espaço<br />
afirma que o principal foi o de poder trazer Djs de renome para Cuiabá. Em suas palavras:<br />
Garage foi a vontade que sempre tive, desde que me tornei Dj, em estar à frente de um Club, podendo<br />
assim trazer vários Djs que sempre quis ver para Cuiabá. O processo de criação consistiu em uma<br />
parceria entre sócios de Campo Grande/MS e Cuiabá, sendo que viajamos bastante, pesquisando tudo<br />
que de melhor existia para introduzirmos no nosso club em Cuiabá (Bongiolo, 03/02/2011).<br />
O Dj Gustavo Bongiolo concorda com o desenvolvimento da cena eletrônica em<br />
Cuiabá. Destaca que vem crescendo o interesse de muitos jovens pelo aprendizado desta<br />
profissão e pelo constante “aperfeiçoamento”. Ele ressaltou que a cidade também conta com<br />
74<br />
74
importantes produtores, como “Farinha [Dj Faraz], que foi o primeiro produtor de música<br />
eletrônica do Estado”e que tem se destacado no cenário mundial, e “uma dupla chamada<br />
Atik” que o Dj acredita ter “tudo para ficar famosa”. O único “contratempo”, na sua visão, é<br />
a distância dos grandes centros, já que no eixo Rio-São Paulo, que são as cidades mais<br />
conhecidas fora do país, “tudo se desenvolve melhor na música eletrônica” (Bongiolo,<br />
25/08/2010)<br />
O Dj Faraz concorda que essa distância do eixo Rio- São Paulo, dificulte um pouco a<br />
circulação de artistas cuiabanos, contudo, não impede que muitos Djs se apresentem em<br />
outros lugares do Brasil. Essa distância, portanto, não se torna um fator excludente dos<br />
artistas da capital e para o Dj Faraz, há nisso uma certa vantagem, já que, o fato de a cidade<br />
não estar tão próxima aos grandes centros, possibilita que os Djs sejam mais autênticos, não<br />
sofrendo “influências diretas daquilo que está na moda” ou seja, de estilos que fazem<br />
sucesso nos grandes centros (Faraz, 25/04/2011). Assim, segundo o Dj<br />
Pra quem gosta de música eletrônica os Djs são ótimos. É, os Djs tem uma pegada<br />
diferente[...].Então, aqui a galera acaba construindo uma identidade diferenciada de outros lugares<br />
que são maiores, tendem a ser assim superficiais porque a cidade acaba tendo que seguir certa linha<br />
musical, tal coisa...então, aqui tem uma identidade diferenciada (Faraz, 28/07/2010).<br />
Portanto, a partir das declarações dos Djs entende-se que os aspectos importantes para<br />
considerar o desenvolvimento da cena eletrônica de Cuiabá, dizem respeito tanto aos eventos<br />
que acontecem, festas e clubes de referência, quanto à valorização e projeção do trabalho do<br />
Dj. Percebe-se que, assim como outras manifestações musicais a exemplo do rap, há uma<br />
relação dialética entre o local e o global, ou seja, se o desenvolvimento da cena eletrônica<br />
local depende da sua inserção ou visibilidade no circuito mundial, igualmente depende de<br />
uma “diferenciação” do trabalho do Dj e de sua projeção no cenário internacional.<br />
4.2 Aprendendo a ser Dj: A formação<br />
Alguns pontos comuns puderam ser percebidos nas respostas dos entrevistados. O<br />
primeiro, se refere ao fato de os dois Djs manifestarem um interesse pelo aprendizado<br />
musical, antes de se interessarem pela música eletrônica. Esse fato transparece uma situação<br />
que as pessoas pensam sobre o aprendizado de música existindo somente quando há um<br />
processo formal de educação musical. Contudo, nem sempre esse aprendizado formalizado<br />
nem sempre implica em uma experiência motivadora como no caso do Dj Gustavo Bongiolo<br />
75<br />
75
que contou ter frequentado aulas de violão, piano e até cavaquinho, mas, como não teve<br />
“muita afinidade” com esses instrumentos,“nunca foi muito longe” então, depois começou a<br />
estudar a música eletrônica (Bongiolo, 25/08/2010).<br />
O Dj Faraz também relatou que já havia frequentado aulas de canto, de violão, “um<br />
pouco de teclado” e, ainda, antes de decidir seguir a carreira de Dj, fez parte da Banda Papo<br />
Amarelo como vocalista e compositor (Faraz, 28/07/2010). Na experiência relatada pelo Dj<br />
Faraz aprender a música eletrônica foi uma forma de inovar a sua carreira musical pois,<br />
quando ainda participava dessa banda já começou a se interessar pela discotecagem<br />
(mixagem) realizando suas primeiras perfomances tocando junto com o grupo em festas que<br />
realizavam na casa de alguns dos integrantes da banda. 70<br />
O segundo ponto se refere à questão da motivação em se tornar Dj que, como<br />
contaram os participantes, surgiu ao entrarem em contato com o ambiente das festas. Como<br />
afirma o Dj Gustavo Bongiolo, quando começou a frequentar festas de música eletrônica, aos<br />
18 anos, se encantou pela estrutura e, sobretudo, com a figura do Dj porque: “Ele lá em cima<br />
do palco sem precisar falar nada, ele conseguia envolver toda a festa. E todo mundo ficava<br />
feliz, ficava eufórico e isso me inspirou, e eu quis fazer parte mais ainda da festa e me tornei<br />
Dj”(Bongiolo, 25/08/2010).<br />
Da mesma forma, relatou o Dj Faraz que ao participar de uma festa em que um amigo<br />
estava tocando, a reação do público o chamou a atenção,<br />
[...] eu tava achando super legal , tava vendo que o público, é [quer dizer]... era bem contagiante,<br />
assim, e a galera tava gostando, e eu ficava olhando vendo o cara tocando naquele mecanismo, eu<br />
pensei: pô, deve ser legal! pedi para o cara deixar eu tocar um pouco, eu tinha trabalhado em<br />
estúdio... ele me ensinou só soltar a música, aí eu experimentei tocar no toca-disco e aí eu me<br />
apaixonei por discotecagem (Faraz, 28/07/2010).<br />
A vivência dos Djs com o ambiente das festas demonstrou ter sido o fator mais<br />
decisivo pela escolha da carreira. Entende-se que, nesse contexto, ainda que a música tenha<br />
sido uma experiência envolvente, a principal motivação foi pela própria atuação do Dj que<br />
tocava na festa, ou em outras palavras pela forma com que ele conseguia se “comunicar” com<br />
público o envolvendo e o levando a “euforía”.<br />
O terceiro ponto em comum se trata propriamente do início do aprendizado da música<br />
eletrônica de pista. Ambos afirmaram que tiveram as primeiras lições com amigos que eram<br />
Djs. Conforme o Dj Gustavo Bongiolo, a sua formação começou em Rondonópolis, há seis<br />
anos, quando fez um curso com “um Dj de lá”. Esse amigo o ensinou a estrutura da música<br />
70 A casa era chamada pelo grupo de casa do “papo”<br />
76<br />
76
eletrônica e a “mexer nos equipamentos”. Ele “montou toda a parte teórica 71 que ele achava<br />
que devia me passar e durante um mês eu frequentei a casa dele e ele me passou, e o resto eu<br />
fui tentando aprender sozinho” (25/08/2010).<br />
Este aprendizado envolve a exploração dos equipamentos em casa, utilizando-se,<br />
também, de recursos como vídeos de outros Djs encontrados nos sites Youtube. De acordo<br />
com o Dj Gustavo Bongiolo, desde que se entenda a “parte teórica”, “você consegue<br />
aprender tudo pela internet” (25/08/2010). Um ponto interessante a ser destacado nessa<br />
forma de aprendizado com os recursos digitais, é que o caráter “aberto” e interativo, da<br />
internet possibilita não apenas o acesso às novas informações, mas um constante e<br />
colaborativo processo de aprendizado. No caso dos Djs por exemplo, a medida em que<br />
aprendem uma nova técnica, podem também passar aquilo que sabem aos demais interessados<br />
pela internet. Dessa forma, nessa rede, ou espaço do saber como chama Lévy (2007), o qual é<br />
formado e alimentado pelos indivíduos, há um rompimento de “hierarquias”, no sentido em<br />
que não há um único detentor do conhecimento, já que todos são, ao mesmo tempo,<br />
aprendizes e fontes de conhecimento. Esse contexto, acaba exigindo que os Djs exerçam uma<br />
maior autonomia em todo o processo de sua formação. Conforme Lévy,<br />
77<br />
Em relação com os outros, mediante iniciação e transmissão, fazemos viver<br />
o saber [...]. Toda atividade, todo ato de comunicação, toda relação humana<br />
implica um aprendizado. Pelas competências e conhecimentos que envolve,<br />
um percurso de vida pode alimentar um circuito de troca, alimentar uma<br />
sociabilidade de saber (LÉVY, 2007, p. 27).<br />
Cabe entender ainda que tal autonomia não é propiciada exclusivamente por esses<br />
recursos tecnológicos, pois, retomando a discussão dos capítulos anteriores, são os indivíduos<br />
os principais agentes que criam e alimentam esse universo, sem os quais o ciberespaço,<br />
enquanto espaço relacional, retomando um termo de Lemos (2008), não seria possível existir<br />
tal como o temos hoje.<br />
O Dj Faraz relata que começou a investir na carreira trocando um teclado que usava<br />
para fazer jingles por dois toca-discos e um mixer e buscou aprender a produzir. Segundo o<br />
Dj, não fez propriamente “cursos”, mas aulas com três amigos: um Vj de São Paulo que o<br />
71 A “parte teórica”, mencionada pelo Dj, se refere ao nome dos equipamentos e seus recursos (efeitos) e à<br />
estrutura da música eletrônica, ou seja, a organização do tempo e aos “estilos”: House, Tecno, etc. Algumas<br />
músicas eletrônicas podem ser estruturadas respeitando uma divisão métrica de 32 tempos, conhecido como<br />
“compasso de 32 tempos”. Usando os termos da teoria musical, pode-se dizer que a cada 8 compassos com 4<br />
tempos, é acrescentado (ou tirado) um elemento novo na composição. Contudo, segundo o Dj Faraz, essa não é<br />
uma regra seguida em toda a criação musical desse gênero.<br />
77
ensinou a produzir no programa Reason, um Dj do Rio de Janeiro ensinou a produzir no<br />
programa Cubase e, por fim, assistiu algumas aulas na IMEC (Instituto Música eletrônica de<br />
Curitiba). Sendo amigo dos donos, um deles o ensinou a produzir no software Ableton e logo<br />
começaram a fazer trabalhos juntos (Faraz, 28/07/2010).<br />
No tocante à formação inicial ficou evidente, portanto, que os participantes tiveram<br />
um aprendizado semelhante, ou seja, “na prática”, em contanto direto com as tecnologias e<br />
por meio de Djs mais experientes. O relato dos entrevistados apresenta paralelos com a<br />
pesquisa de Araldi (2004) que ao realizar estudos com Djs de Hip Hop, verificou que as<br />
primeiras vivências musicais destes, quando não aconteciam no ambiente familiar, se davam<br />
por meio dos amigos ou conhecidos. Ficou evidenciado assim, que a formação acontece em<br />
grande parte pela imitação, seja de Djs mais próximos, os amigos, ou de outros mais famosos.<br />
Como declara o Dj Gustavo Bongiolo:<br />
Então, quando eu comecei a tocar eu ouvia falar muito dele [Dj Mau Mau], depois que eu vi algumas<br />
apresentações dele, eu vi que a técnica dele é bem apurada, então, eu sempre me inspirei bastante<br />
nele, sempre observei bem ele tocando e sempre tentei imitar, mas, é difícil (rs).(Bongiolo,<br />
25/08/2010).<br />
Ainda, concernente à formação pode-se dizer que ela é “contextual”, usando o termo<br />
de Lévy (1999), na medida em que “o curso” dura apenas o suficiente para que se aprenda as<br />
noções básicas de determinado equipamento e/ou software, mas, também é “móvel” e<br />
contínua, pois, devido a renovação constante de recursos e programas é importante sempre<br />
estar buscando se atualizar. Segundo Lévy<br />
78<br />
O rítmo precipitado das evoluções científica e técnica determinam uma<br />
aceleração geral da temporalidade social. Este fato faz com que os<br />
indivíduos e grupos não estejam mais confrontados a saberes estáveis, a<br />
classificações de conhecimentos legados e confortados pela tradição, mas<br />
sim a um saber-fluxo caótico, de curso difícil, no qual deve-se agora<br />
aprender a navegar (LÉVY, 1999, p. 173).<br />
4.2.1 Conhecimentos Necessários para o Dj<br />
No que concerne aos conhecimentos que permeam a formação e a atuação dos Dj, o<br />
entendimento da tecnologias, ou seja, os equipamentos, softwares, suas funções e recursos foi<br />
o primeiro ponto destacado como essencial. Como afirma o Dj Faraz: “acho que é importante<br />
ter bastante contato com tecnologia [...]tem que conhecer o programa” (28/07/2010). Assim,<br />
no início o Dj Gustavo Bongiolo afirma que é preciso dedicação e o treino, porque “a partir<br />
78
do treinamento dia a dia ali você vai descobrindo coisas novas, coisas importantes com o seu<br />
ouvido mesmo”(25/08/2010).<br />
Contudo, além do entendimento das tecnologias, conforme o Dj Faraz também é<br />
importante “saber pesquisar”, ou seja, “tem que gostar de ouvir música, tem que ouvir muita<br />
música”, e de diferentes gêneros musicais para se ter um leque maior de possibilidades e<br />
“poder fazer um Set mais construído” (28/07/2010).<br />
Portanto, se percebe nas resposta dos Djs que os pontos relevantes se referem tanto à<br />
habilidade de “manusear” os equipamentos e/ou softwares, ou ao entendimento das<br />
tecnologias, como à percepção auditiva do que está sendo construído, bem como, de novas<br />
músicas e sonoridades. Na declaração do Dj Gustavo Bongiolo, por exemplo, uma vez que se<br />
está aprendendo ou “treinando”, o foco reside na manipulação das tecnologias, no entanto,<br />
nota-se que o “ouvido” ou a percepção auditiva assume um papel relevante, na medida em<br />
que ele explora os equipamentos e “descobre coisas novas e importantes”. Nesse processo de<br />
formação, pode-se dizer que está sendo empregado um tipo de “escuta” que Green (2000),<br />
citada por Lacorte e Galvão (2007), denomina de “intencional”, em outras palavras, se trata<br />
da escuta com a intenção de apreender algo (no caso do Dj, a estrutura musical, os efeitos<br />
produzidos no manuseio dos equipamentos, por exemplo), para ser relembrado e colocado em<br />
prática em situações posteriores.<br />
Enquanto na situação apontada pelo Dj Faraz, na qual entende-se já ter aprendido o<br />
uso das tecnologias, a “pesquisa” é o foco, nesse caso, a percepção auditiva assume papel<br />
preponderante, sendo o meio pelo qual se busca conhecer diversas músicas e novas<br />
sonoridades. Desse modo, considerando as duas situações apontadas pelos Djs, entende-se<br />
que a percepção auditiva é uma habilidade tão essencial quanto aquela de se manusear as<br />
tecnologias. Assim sendo, ressalta-se o que pensa o Dj Faraz ao afirmar que a “sensibilidade<br />
musical” é um elemento importante para que se consiga “produzir algo com<br />
coerência”(28/07/2010). A ideia de “sensibilidade musical” remete a aquilo que se entende<br />
por percepção musical, em outras palavras, a habilidade de reconhecer e compreender<br />
aspectos e elementos mais específicos da música, como a percepção de melodias, harmonia e<br />
estruturas musicais variadas e sua consequente reprodução (LACORTE; GALVÃO, 2007).<br />
Nas palavras do Dj:<br />
Eu vejo muitos produtores hoje que o cara vai..põe uma bateria que ele cria lá ou que ele recorta de<br />
uma outra música, aí ele pega coloca uma melodia de teclado e uma outra melodia de sintetizador, só<br />
que a melodia de teclado num campo harmônico e a outra melodia em outro campo harmônico, quer<br />
dizer, o cara precisa conhecer música para ele poder fazer com que um som entre no campo<br />
79<br />
79
harmônico do outro. A questão do ritmo é mais fácil porque o programa já oferece a métrica<br />
musical... os compassos, os compassos já vem certos, entendeu?... então, qualquer pessoa pode fazer<br />
uma música com o rítmo porque os programas já oferecem os compassos [...] mas, tem a questão da<br />
tonalidade musical que, por isso, eu acho que o cara que é músico ele consegue fazer a música mesmo<br />
fluir [...] e tem as pessoas que o ouvido...músicos que eu considero músicos têm sensibilidade musical<br />
e fazem de ouvido também, né? [...]. Então, é preciso ter conhecimento. Conhecimento técnico do<br />
programa que tá usando e conhecimento musical ou sensibilidade musical. Acho que mais<br />
sensibilidade musical, né? E bem antes do conhecimento (Faraz, 28/07/2010).<br />
A percepção musical, portanto, parece ser uma habilidade fundamental para que se<br />
possa criar produções mais elaboradas em termos musicais. Considerando que a música<br />
eletrônica tem se libertado do contexto festivo e que o ouvinte tem se tornado um apreciador<br />
desse gênero também por sua estética conforme Petiau (2001a), acredita-se que, cada vez<br />
mais, a preocupação com criações mais elaboradas seja uma constante na atuação como Dj.<br />
No entanto, segundo Dj Faraz, ainda que um certo entendimento de música seja<br />
necessário para fazer a “música fluir”, ele explica que: “o Dj, ele precisa conhecer música,<br />
não precisa ser músico” (28/07/2010). Acredita-se que essa afirmação é bastante pertinente,<br />
para a discussão do termo músico. Em definições encontradas sobre esse termo se referem<br />
frequentemente aos que compõem peças musicais, tocam um instrumento ou cantam, seja, por<br />
mero prazer ou profissionalmente, mas, em geral, designa-se por músicos aqueles que têm a<br />
atividade musical como profissão. Entretanto, de acordo com Shuker (1999), devido ao<br />
advento das novas tecnologias e a importância atribuída aos técnicos de som e aos produtores<br />
como criadores musicais, o “termo ganhou maior flexibilidade e um sentido mais difuso”<br />
(SHUKER, 1999, p. 199). Assim sendo, entende-se que o Dj é o novo músico, já que ele<br />
assume o papel tanto de compositor e o de intérprete no universo da música eletrônica. A<br />
única diferença reside nos seus instrumentos e nas técnicas de produção musical. Nesse<br />
sentido, afirma o Dj Faraz que<br />
Não é porque o cara produz música em computador que ele não é músico, isso vai do conhecimento<br />
dele [...]. É, existem muitos músicos que são dessa geração de agora que poderiam ter começado<br />
tocando numa guitarra, numa bateria, mas já começaram nessa geração da coisa tecnológica, na<br />
coisa do computador, de a música ser feita de uma maneira mais tecnológica (Faraz, 28/07/2010).<br />
É importante lembrar que as inovações nos instrumentos de criação e a interpretação<br />
não é uma novidade trazida pelas tecnologias digitais, pois, como foi discutido no segundo<br />
capítulo, desde o início do século XX, músicos começaram a criar novos instrumentos<br />
musicais baseados na eletrônica rompendo, assim, com os padrões tradicionais de criação e<br />
interpretação da música. Sobretudo, hoje, “é cada vez mais frequente que músicos produzam<br />
sua música a partir da amostragem (sampling, em inglês) e da reordenação de sons, algumas<br />
80<br />
80
vezes trechos inteiros, previamente obtidos no estoque das gravações disponíveis” (LÉVY,<br />
1999, p. 141).<br />
Nas declarações dos entrevistados, depreende-se que a forma mais imediata de<br />
conhecimento se remete àquela da habilidade, isto é, ao "saber fazer" (know how), ou dito de<br />
outra forma, ao conhecimento “prático”. Nesse caso, se refere ao “saber” como usar as<br />
tecnologias, equipamentos e/ou softwares, à como registrar uma amostra de som e combina-lo<br />
com outros, por exemplo. Entretanto, percebe-se que outras competências 72 , como a<br />
percepção musical, a capacidade de “pesquisar” e a de captar a atmosfera na pista, são<br />
igualmente essenciais ao trabalho do Dj. Essas competências compreendem um conjunto de<br />
atos mentais e sensoriais, como a memória, atenção e escuta ou percepção. Assim sendo,<br />
entende-se que, como em qualquer atividade profissional, o conhecimento não se resume a<br />
esfera do “saber fazer”, mas, pressupõe um processo mental que organize o conjunto das<br />
percepções e das informações. Dessa forma, seria um equívoco entender que a atividade do Dj<br />
se reduz a uma mera manipulação das tecnologias, portanto, como desprovida de<br />
sensibilidade, criatividade ou qualquer outra capacidade cognitiva.<br />
Além disso, é importante ressaltar que, não apenas os aspectos técnicos e musicais,<br />
precisam ser dominados e integrados no trabalho do Dj, mas, outras informações as quais<br />
dizem respeito ao mercado, tendências musicais e gosto do público, também constituem e<br />
ampliam o universo de conhecimentos necessários tanto a formação quanto a atuação do Dj.<br />
Reportando ao pensamento de Morin (2003), todas essas informações e competências devem<br />
ser organizadas no contexto de atuação desses sujeitos, assim sendo, os seus conhecimentos<br />
resultam desta organização.<br />
4.3 Atuando como Dj: Experiência<br />
4.3.1 Iniciando a carreira<br />
O Dj Gustavo Bongiolo relata que a primeira festa que realizou profissionalmente,<br />
“mesmo como Dj”, foi a Groove in, em 2004, quando ainda morava em Rondonópolis<br />
(Bongiolo, 25/08/2010). Esta festa foi realizada pelo o núcleo 150bpm, tendo como<br />
integrantes os Djs Corpinho, Gustavo Bongiolo, Deki e Julio Teis. A partir daí, o Dj tem se<br />
apresentado em vários lugares do Brasil como Bonito, Manaus, São Paulo, Rio de Janeiro,<br />
72 Nesse caso, prefere-se usar esse termo, por entender que este ultrapassa a noção de habilidade, implicando a<br />
capacidade de atuar em um determinado contexto como de refletir e argumentar a respeito da atuação.<br />
81<br />
81
Campo Grande. Além disso, também se apresentou em diversas cidades de Mato Grosso<br />
como Sinop, Lucas do Rio Verde, Primavera do Leste, Rondonópolis, entre outras. Em<br />
Cuiabá, tem se apresentado em diferentes locais como o clube Garage, a boate Lótus, até<br />
carnavais de música eletrônica e festas de quinze anos<br />
O Dj Faraz relata que iniciou a carreira como Dj entre 2001 e 2002 discotecando. O<br />
evento do qual participou profissionalmente foi o show do Planet Hemp. No evento tocaram<br />
quatro Djs de música eletrônica de Cuiabá, dentre os quais, ele próprio (Faraz, 11/01/2011).<br />
Em 2005 começou também a realizar suas próprias produções. O Dj tem tocado em diversos<br />
lugares de Mato Grosso e também fora do Estado. Em 2009 participou de uma turnê pelo<br />
projeto “Música do Mato” junto com diversos músicos de Mato Grosso, tocando em Brasília,<br />
Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza. Participou também de importantes festivais como o<br />
Chemical Music (Curitiba), Ecosystem (Manaus) e já tocou em clubes famosos como A Lôca,<br />
D-eged e Lov.e, em São Paulo, no Stereo (Curitiba), e em Cuiabá, muitas vezes no Garage.<br />
4.3.2 Produção/Agenciamento da carreira do Dj<br />
De fato, as tecnologias, especialmente as digitais, constituem-se em instrumentos de<br />
criação para o Dj, como discutido adiante, porém, seu uso não fica restrito a essa função.<br />
Cada vez mais, os recursos da comunicação em rede vêm sendo utilizados pelos Djs como<br />
meio de interação com o público, troca de informações e atualização profissional. Segundo o<br />
Dj Gustavo Bongiolo, a internet facilita muito o contato com vários Djs, como explica ele:<br />
“Às vezes a pessoa [outro Dj] fala: ‘olha eu vou consegui uma data pra você aqui’, você<br />
consegue uma pra mim aí”. (Bongiolo, 25/08/2010).<br />
Além disso, a internet é uma “ferramenta” fundamental tanto para estar se atualizando<br />
em termos de equipamentos, fazendo pesquisas e aquisição de novas músicas (downloads ou<br />
compradas), bem como, para se ter acesso ao trabalho de outros Djs e fazer contatos<br />
profissionais.<br />
Na internet eu posso ver vários vídeos todos os dias de apresentações de Djs do mundo inteiro. Eu<br />
posso ver o que eles estão usando, posso ver as novidades. E eu também recebo bastante e-mails e<br />
novidades. Então o que eu mais uso é a internet mesmo, tanto pra buscar novidade em equipamento,<br />
em técnica e também pra buscar as minhas músicas (Bongiolo, 25/08/2010).<br />
O ciberespaço ou internet, portanto, vem sendo apropriado como um dos meios mais<br />
importantes de divulgação dos trabalhos dos Djs, mais ainda, se pode dizer que se constituem<br />
em um recurso de produção da sua carreira. Como forma de divulgação, os entrevistados<br />
82<br />
82
deram grande destaque aos sites de redes sociais. Por exemplo, o Dj Gustavo Bongiolo afirma<br />
que ao gravar um novo set, sempre disponibiliza na internet“pra todo mundo baixar”. Utiliza,<br />
então, o Orkut, Facebook, Twitter, posta também no MSN e procura divulgar em sites que<br />
aceitam postagens do link do set, inclusive muitos deles “já colocam o set pra rodar quando<br />
você entra no site”, então, “essas são ferramentas muito importante pra quem é Dj hoje”<br />
(Bongiolo, 25/08/2010).<br />
O Dj Faraz reforça o uso dessas “ferramentas” para divulgação do seu trabalho. Ele<br />
ressalta que Orkut e o Facebook são bastante utilizados, por exemplo, para divulgar os<br />
eventos onde vai tocar. Como pode ser observado no perfil do Dj no site do Orkut a seguinte<br />
divulgação da festa de Réveillon Spirit of the Sea que aconteceria na Chácara da Associação<br />
Médica que conforme estava descrita seria uma evento grandioso e “inesquecível” que<br />
contaria com os profissionais mais competentes no campo da sonorização, iluminação,<br />
decoração, segurança, Djs e Vjs (ORKUT, 2010).<br />
Além do facebook, Orkut e Twitter, o Dj Faraz acredita que o Sound Clound 73 e o My<br />
Space 74 são os principais sites para o músico porque: “Você vai lá põe sua foto, põe sua<br />
musica...é são próprios pra isso, e você conhece outros artistas também, você adiciona eles<br />
também e você troca figurinhas com eles e com público também (Faraz, 11/01/2011).<br />
Percebe-se a partir das declarações dos Djs duas situações: no caso do Dj Gustavo<br />
Bongiolo, por exemplo, o objetivo maior parece ser o de mostrar o seu trabalho, divulgando<br />
os sets aos ouvintes. Já, para o Dj Faraz, o uso dos diversos sites parece funcionar tanto como<br />
meio de informar a um público sobre um evento do qual irá participar, como de contabilizar a<br />
carreira, ou melhor, de medir ou perceber o reconhecimento do mesmo em relação ao seu<br />
trabalho, pois, como explica o Dj: “Você começar a ter um público, as pessoas saírem de<br />
casa pra ver você tocar, comentarem: ‘ah, farinha vai tocar em tal lugar, vamo lá, vai tá<br />
legal, vai tocar farinha ..fulano’... quer dizer, esse é o reconhecimento”(11/01/2011).<br />
Retomando uma discussão do terceiro capitulo, estes espaços funcionam como uma<br />
constituição do “eu” no ciberespaço, em outras palavras, é a inserção de um espaço privado<br />
dentro do público. Conforme Recuero (2009), o diferencial nos sites de redes sociais em<br />
relação a outras ferramentas de conexão, é que eles possibilitam a construção e facilitam a<br />
emergência de tipos de capital social, ou valores, que não são facilmente acessíveis aos atores<br />
sociais no espaço offline. Como exemplo, a autora menciona que no Orkut um determinado<br />
73 Criado por Alexander Ljung e Eric Wahlforss em Agosto de 2007, o SoundClound é espécie de plataforma<br />
online de publicação de áudio (http//pt. wikipedia.org/wiki/SoundClound)<br />
74 O MySpace, lançado em 2003, e é um sistema que permite a mostra de redes sociais e a interação com outros<br />
usuários por meio da construção de perfis, blogs, grupos e fotos, música e videos (RECUERO, 2009, p. 173).<br />
83<br />
83
ator pode ter rapidamente uma “quantidade de conexões”, ou seja, amigos que dificilmente<br />
terá na vida offline. Isso pode influenciar várias coisas como torná-lo mais visível na rede<br />
social e também tornar as informações mais acessíveis a este ator, ou mesmo, auxiliar a<br />
construir impressões de popularidade que podem transpassar ao espaço offline.<br />
Os valores construídos nas redes sociais, a exemplo da visibilidade e reputação,<br />
mencionados anteriormente, os quais estão relacionados ao capital social ou cognitivo, podem<br />
explicar a importância atribuída aos sites de relacionamentos pelos entrevistados como meio<br />
de divulgação do trabalho. Embora, tais valores não sejam exclusividades dos Djs, já que<br />
todos os atores sociais podem os possuir, em maior ou menor grau, entende-se que, nesse caso<br />
em específico, as construções destes valores no ciberespaço, parece contribuir de modo<br />
significativo para a produção da carreira do Dj. O estreitamento de relações com o<br />
público/ouvinte através dessas redes pode permitir a construção de afinidade e<br />
respeitabilidade, não apenas em relação ao trabalho, mas, à própria pessoa do Dj. Em outras<br />
palavras, ali pode se construir uma “persona” 75 que ultrapasse o espaço virtual. Nesse sentido,<br />
estes espaços são ao mesmo tempo, conforme Recuero (2009), espaços de expressão do “eu”<br />
e de construção de impressões.<br />
Além da apropriação do ciberespaço como meio de produção da carreira, uma outra<br />
estratégia de divulgação utilizada é a “cara a cara”. O Dj Gustavo Bongiolo relata que<br />
costuma gravar vários CDs e distribuir enquanto toca. Também sempre carrega consigo<br />
alguns CDs e pede para amigos o ajudarem a distribuir, “muitas pessoas pedem o Cd, ouvem<br />
e, se gostam, te ligam...você coloca no Cd seu email, seu celular...as pessoas te ligam pra<br />
contratar, isso funcionou bastante e continua funcionando”( Bongiolo, 25/08/2010). Esse<br />
fato demonstra que embora as tecnologias venham desempenhando um papel central nas<br />
formas de comunicação e interação, elas, contudo, não substituem as relações humanas, nem<br />
mesmo os indivíduos se privam de interagirem uns com os outros, recorrendo por exemplo<br />
nessa situação aos amigos que ajudam a divulgar o trabalho do Dj aos ouvintes.<br />
4.3.3 Relações com outros Djs e o Público<br />
Conforme os entrevistados, no universo da música eletrônica há muita troca de<br />
“figurinhas” entre os Djs. Como afirma o Dj Gustavo Bongiolo: “a gente vai trocando<br />
músicas , datas, materiais, e desde música até contato com outros Djs... tudo a gente troca”.<br />
75 Um termo utilizado por Mafesolli (2006). O autor entende que a pessoa “representa diversos papéis” conforme<br />
a situação ou “cena” a qual se integra.<br />
84<br />
84
Para o Dj Faraz, essa troca é uma vantagem desse universo da música eletrônica, bem<br />
diferente, por exemplo, de quando ele fazia parte de uma banda, e participava de shows em<br />
que vinha algum grupo de fora tocar,<br />
O acesso a eles era complicado, às vezes o produtor não deixava nem chegar perto. Tipo, a gente<br />
tinha banda e, às vezes, a gente fazia o mesmo som que determinada banda e era muito difícil o<br />
acesso a essas pessoas. Era muita gente querendo autógrafo, tirar foto, os caras se enclausuravam no<br />
camarim e não saiam de lá, só saiam pra tocar. E outra coisa que era chato também, era que na hora<br />
de passar o som, o melhor som era pra banda [de fora] (Faraz, 28/07/2010).<br />
Este “estrelismo” quando se trata do Dj, conforme Faraz é muito raro, pois, ele está<br />
mais acessível as pessoas. Então,<br />
Raramente vai ter um Dj que vai ter segurança escoando o cara. O Dj vai tá sempre assim, ao<br />
alcance das pessoas. Quando ele termina de tocar muitas vezes ele quer ir embora para o hotel,<br />
tal...mas, nesse intervalo dá pra chegar, conversar, trocar uma ideia. A maioria dos Djs, a gente<br />
consegue trocar ideia (Faraz, 28/07/2010).<br />
Como exemplo, o Dj contou que já trocou idéias de produção com “o Murph” que já<br />
esteve várias vezes em Cuiabá e em uma dessas vindas, “[...] o club já tinha fechado, a gente<br />
ficou até mais tarde, a gente ligou o toca disco, ele inclusive deixou eu tocar com os discos<br />
dele. Tem mais troca de informação, eu acho, muito mais” (Faraz, 28/07/2010).<br />
Também, de acordo com as declarações dos entrevistados: “o Dj está muito mais<br />
próximo do público” (Faraz, 28/07/2010). E como já apontado, este exerce grande influência<br />
no seu trabalho, principalmente, no que se refere a prática da mixagem. Sobre essa relação<br />
entre Dj e público no contexto festivo da música eletrônica, Petiau (2004) mencionando<br />
Alfred Schütz, defende que há uma espécie de comunicação musical que é estabelecida pela<br />
participação em uma mesma dimensão temporal e pelo fluxo musical. Esse ideia é<br />
interessante e pertinente para explicar as declarações dos dois participantes da pesquisa sobre<br />
o que os motivaram a seguir essa profissão, como mencionado anteriormente.<br />
4. 4 O Fazer musical dos Djs<br />
O fazer musical do Dj pode ser elencado em três atividades ou práticas musicais sendo<br />
estas a remixagem, a mixagem (ou discotecagem) e a produção. Alguns autores, a exemplo de<br />
Baldelli (2004) mencionam apenas as duas últimas como principais atividades dos Djs.<br />
Entretanto, a remixagem, apesar de não ser discutida por alguns autores, também é uma<br />
prática comum na música eletrônica. Entre Djs Brasileiros, segundo Fontanari (2003) a<br />
85<br />
85
emixagem tem ocorrido na maioria das vezes pela “transposição de trechos cantados e<br />
melodias de música” do repertório popular brasileiro para bases “rítmo-percussivas feitas<br />
eletronicamente” (FONTANARI, 2003, p. 100). De acordo com o autor, os Djs de Drum’n<br />
bass que teriam sido os precursores dessa prática.<br />
A produção, entendida como o processo de criação propriamente dito, seria a<br />
composição realizada em estúdio. Se pode aqui falar de dois tipos de atividades de produção:<br />
uma se refere àquela em que o Dj -nesse caso produtor- compõe suas próprias músicas para<br />
serem comercializadas, tanto com outros Djs que podem reutilizá-las em suas mixagens, ou<br />
mesmo com ouvintes por meio dos sites especializados nesse gênero. A outra atividade de<br />
produção se trata daquela em que os Djs utilizam faixas musicais já existentes para produção<br />
de um set para ser divulgado ao público, por exemplo. Por se tratar de uma atividade que<br />
acontece fora da pista, pode-se dizer que é um processo mais “livre” de influências do público<br />
(BALDELLI, 2004), no sentido, em que o Dj pode produzir seguindo suas próprias<br />
preferências, sem se preocupar em atender ao gosto dos ouvintes ou determinada tendência<br />
musical de um clube.<br />
A atividade de mixagem, diferente da produção, é um trabalho mais voltado para as<br />
pistas, mixar, segundo Petiau (2001b, p. 77) “consiste em utilizar discos de vinil [hoje<br />
também Cds ou música digitalizada] como banco de sons. Os discos e a mesa de mixagem são<br />
seus instrumentos, os quais lhe permitirão ‘dar a luz’ à uma nova criação sonora à partir de<br />
dois discos-bases”. 76 Essa prática também constitue um processo criativo, pois, mais do que<br />
ligar uma música a outra com o intuito de manter o público dançando, há nela um espaço para<br />
a exploração de sonoridades peculiares que surgem dessa mistura. Entretanto, pode-se dizer<br />
que há uma maior interferência do público, na medida em que o Dj faz suas escolhas musicais<br />
de acordo com a atmosfera captada na pista de dança. Nesse sentido, afirma Sá (2003) que<br />
86<br />
A qualidade de um DJ depende também da sua sensibilidade e intuição para<br />
sentir a disposição do ambiente para a experimentação e da sutileza (ou<br />
radicalidade) com que mescla novidades com faixas conhecidas dos<br />
freqüentadores, sem deixar a energia, a animação, a vibe desaparecer da pista<br />
(SÁ, 2003, p. 11).<br />
Para o Dj realizar as suas práticais musicais, seja estas a mixagem ou a produção,<br />
convém ressaltar uma atividade comum, mencionada anteriormente pelo Dj Faraz, que é a da<br />
pesquisa musical ou “garimpagem” (Pires, 2001; SÁ, 2006). Essa garimpagem, consiste em<br />
76 “Mixer, pour un Dj, consiste à utiliser les disques vinyles comme des banques de sons. Les platines et la table<br />
de mixage sont ses instruments, qui vont lui permettre de donner naissance à une nouvelle création sonore à<br />
partir de deux disques- sources”.<br />
86
uma característica marcante da profissão do Dj, sendo também fundamental para a<br />
qualificação e diferenciação do seu trabalho. Pode-se dizer se tratar esta de uma atividade<br />
auxiliar ao seu fazer musical, mas que está profundamente interligada aos processos criativos<br />
já que é esta que alimenta o repertório para as produções dos Djs.<br />
Hoje, muitos Djs acumulam também a função de produtor (autor de suas próprias<br />
músicas); nessa pesquisa o Dj Faraz é um exemplo desse caso. Ele relata que “a produção<br />
veio de uma maneira natural”, como sempre teve banda e gostava de compor, então, na sua<br />
visão, ser só Dj (discotecar) “ia ficar uma coisa sem sentido, eu acho que não ia me sentir<br />
realizado né? Então, eu sempre tive esse... anseio de fazer minhas próprias musicas, tocar<br />
quem sabe cantar, criar é compor e aí uma coisa completa a outra” (Faraz, 11/01/2011).<br />
Contudo isto, não é uma regra, pois, há os que, como o Dj Gustavo Bongiolo,<br />
preferem lidar apenas com uma das funções. Reportando ao pensamento de Pourtau (2001),<br />
discutido no primeiro capitulo, o Dj-produtor seria o compositor direto, enquanto que, na<br />
segunda situação, o Dj pode ser visto como um compositor indireto. Ressalta-se que a ideia<br />
do produtor como autor, assim como a do Dj como artista, é um fato mais ou menos recente<br />
na história da música popular, pois, quando aquele surgiu, na indústria fonográfica durante a<br />
década de 1950, era apenas a pessoa que dirigia e supervisionava as sessões de gravação. Em<br />
meados dos anos de 1960, os produtores de estúdio passaram a ser considerados autores, por<br />
empregarem a tecnologia dos múltiplos canais de gravação e do som estereofônico de maneira<br />
a tornar a gravação não um mero meio de registro de uma atuação mas, como uma forma de<br />
composição em si. Nas décadas de 1970 e 1980, com o desenvolvimento das novas<br />
tecnologias como sintetizadores, samplers e sistemas sequenciais baseados em computadores,<br />
o papel dos produtores se consolida como de “intermediários culturais”. E é, sobretudo, em<br />
gêneros como dub e a dance music 77 que os produtores, passaram a ter fundamental<br />
importância (SHUKER, 1999). Nesse processo cultural, muitos Djs, antes considerados<br />
discotecários, como discutido no segundo capitulo se apropriaram das novas tecnologias e<br />
com o tempo migraram das pistas e clubs para os estúdios se tornando também produtores.<br />
Hoje, na música eletrônica, conforme Rodrigues, (2005) ser produtor:<br />
87<br />
Implica em estar muito bem situado na cena produtiva, ou seja, estar melhor<br />
atento a respeito do que é produzido na esfera de suas afinidades sonoras e<br />
do universo musical em geral, além de conhecer as possibilidades dos<br />
suportes técnicos (equipamentos de gravação, processamento, mixagem,<br />
instrumentos (RODRIGUES, 2005, p. 96).<br />
77 Como Dance music, Shuker (1999) designa tanto a música disco como a música eletrônica de pista.<br />
87
Diante da transformação ou reconfiguração, do cenário musical, principalmente no<br />
que se refere a novas formas de produção de música com as tecnologias digitais, surgem<br />
questionamentos em torno das noções de autor, criação, e outras conceituações. Com o<br />
surgimento da Cibercultura que facilita o acesso as novas informações a todo o momento, os<br />
elementos sonoros disponibilizados na rede constituem nos materiais que poderão ser colados,<br />
remixados, manipulados e transformados em uma nova criação pelos Djs e produtores, sem<br />
que isso signifique uma decadência da produção musical. Assim sendo, diante de “novas<br />
formas de fazer”, conforme Duarte (2010), há um enfraquecimento de certas dicotomias como<br />
as noções de original/cópia, emissor/receptor, criação/apropriação.<br />
Estas noções, na atualidade, foram discutidas por diversos autores, entre os quais<br />
menciona-se Lévy (1999), que ao abordar os novos gêneros artísticos em seu estudo sobre a<br />
cibercultura entende que, diante da profusão de informações, não se pode pensar mais em<br />
“obra” como uma criação fechada, pronta e acabada, pois, nessa nova realidade o objetivo do<br />
trabalho artístico se desloca para o acontecimento. Em outras palavras, a “obra” fixada em um<br />
suporte destinada posteriormente a contemplação, perde, em certa medida, esse caráter<br />
adquirindo em troca o de “obras-fluxos” ou “obras-acontecimento”, usando o termo de Lévy<br />
(1999), as quais já não se adequam a prática do armazenamento e conservação em suporte<br />
físico.<br />
Conforme Bourriaud (2009) principalmente a partir dos anos 90 observa-se que a arte<br />
contemporânea busca cada vez mais se inserir em uma nova “estética”, a qual ele chama de<br />
relacional. Esta estética relacional discutida pelo autor trás justamente essa ideia da obra-<br />
acontecimento mencionada por Lévy (1999), em que o intuito deixa de ser o de contemplação<br />
levando o público a vivenciar a obra. Embora, não seja pretensão adentrar a discussão se a<br />
música eletrônica pode ser ou não julgada como arte, entende-se, no entanto, que a produção<br />
musical dos Djs se insere nessa nova abordagem estética. Como um “artista relacional”,<br />
usando o termo de Bourriaud (2009) ou músico do ready made, o Dj através das suas<br />
mixagens na pista criam “obras-acontecimentos”, da qual o público tem sua parcela de<br />
contribuição e participação.<br />
4.4.1. Tecnologias e Materiais utilizados pelos Djs<br />
As tecnologias no trabalho do Dj constituem-se em instrumentos ou ferramentas de<br />
criação. Elas tornam possíveis a ampliação e exploração de novas sonoridades na música.<br />
Especialmente com o surgimento de tecnologias digitais, o som pode ser manipulado com<br />
88<br />
88
mais facilidade e precisão. Ferramentas como computador e softwares vieram a facilitar o<br />
processo de criação. Assim, como afirma Lévy (1999, p. 140), a digitalização, assim como o<br />
fizeram em outras épocas a notação e gravação, “instaura uma nova pragmática da criação e<br />
audição musicais”.<br />
Conforme o Dj Gustavo Bongiolo, ainda hoje os sintetizadores são bastante utilizados,<br />
no entanto, em virtude do seu alto custo, muitos Djs têm preferido adquirir os programas que<br />
simulam estes instrumentos no computador. Na prática da mixagem, os mixers e toca-discos<br />
(e Cds), também conhecidos como pick-ups, ocupam lugar primordial, mas, o computador<br />
também vem sendo bastante explorado nessa atividade. Assim, de acordo com o Dj Faraz,<br />
“hoje o Dj está muito mais no computador do que propriamente no toca–disco e no toca Cd”<br />
(Faraz, 28/07/2010).<br />
No contexto da digitalização, há uma reconfiguração tanto de práticas musicais como<br />
do uso de determinados materiais pelos Djs. Como menciona o Dj Faraz, por exemplo, o uso<br />
da internet trouxe maior flexibilidade e facilidade na aquisição de músicas, pois, em princípio<br />
o Dj tinha de enfrentar o contratempo de encomendar os discos e esperar até que eles<br />
chegassem, ou, então, viajar para comprar as mídias que continham as músicas desejadas<br />
(Faraz, 28/07/2010).<br />
Com a internet e a expansão da música digital, não apenas se tornou mais fácil como<br />
mais barato adquirir música. Assim sendo, o Dj Gustavo Bongiolo explica que optou por usar<br />
apenas músicas digitais: “Pra você ter uma idéia um vinil hoje custa...45 reais enquanto uma<br />
música baixada na internet é 3 dólares, no máximo. Então, compensa bem mais você baixar<br />
as músicas na internet e aí ter opção de tocar em Cd ou vinil”(Bongiolo, 25/08/2010).<br />
Ressalta-se que essa opção de “tocar em CD ou em vinil” de início não era bem vista<br />
por muitos Djs. Em outras palavras, havia uma preferência pelo vinil e certo “preconceito” em<br />
relação ao uso de CDs. Tocar em vinil era um indicativo de maior habilidade técnica do Dj,<br />
pois, como relata o Dj Faraz: “No vinil ou você toca ou não toca. No CD também, mas, no<br />
vinil é mais aprimorado, é mais difícil, você tem que ter uma técnica melhor, as viradas são<br />
mais longas”(Faraz, 28/07/2010).<br />
No entanto, hoje, com a inserção do computador e softwares, não apenas no processo<br />
de produção como na mixagem, se pode dizer que o uso do vinil ou do CD, é mais visto como<br />
uma opção, que como uma “imposição”, ou como requisito para qualificação técnica do Dj.<br />
Como explica o Dj Gustavo Bongiolo<br />
89<br />
89
Hoje em dia eu toco em Cd e em vinil também, às vezes eu enjôo de uma coisa e toco em outra. Eu uso<br />
o computador também pra tocar. Hoje em dia em fácil tocar no vinil porque você tem o computador<br />
que você com suas músicas baixadas na internet, você usa uma placa de som ligada nos decks, nas<br />
pick – ups, né? E essa placa ligada no computador, então, você coloca um vinil lá do programa, você<br />
tem todo o manuseio como se tivesse um vinil normal da música, só que você escolhe a música no<br />
computador, então você pode tocar em vinil com as suas músicas no computador (Bongiolo,<br />
25/08/2010).<br />
Portanto, a música eletrônica hoje, sem importar o meio no qual será reproduzida, é de<br />
um modo ou de outro, produzida com o auxílio do computador e softwares, que simulam os<br />
sintetizadores, samples, sequênciadores. Um dos programas mais utilizados atualmente pelos<br />
dois Djs é o Ableton Live 78 , mas, há outros programas como o Lógic e o Cubase. Contudo, o<br />
Ableton é o preferido tanto para produzir quanto para tocar, por ser, segundo o Dj Faraz, um<br />
programa “leve e bem prático”. Como ele relata, neste programa é possível tanto usar as<br />
“ferramentas” próprias dele quanto “ferramentas de outros programas que podem ser usadas<br />
no computador que eu abro dentro dele”[Ableton Live] (Faraz, 28/07/2010). Acrescenta o Dj<br />
acrescenta que é preciso estar muito atento às novidades tecnológicas, pois, cada tecnologia<br />
que surge pode “trazer possibilidade de criar novas texturas, novas maneiras de produzir<br />
[…] que cada programa tem uma linha de raciocínio, cada programa você usa ele de uma<br />
maneira”(Faraz, 28/07/2010).<br />
4.4.2 As Técnicas dos Djs<br />
No que se refere às técnicas dos Djs, no caso da música eletrônica entende-se que a<br />
principal seja o sampling ou colagem musical. Reportando ao pensamento de Shusterman<br />
(1998), o sampling é visto como uma “reapropriação reciclada”. Em outras palavras, amostras<br />
de sons (samples) são apropriadas e reordenadas dando origem a um nova música. Essa<br />
música por sua vez, pode ser também “objetos de novas amostragens, mixagens e<br />
transformações diversas por parte dos outros músicos” (LÉVY, 1999, p. 141).<br />
Nessa técnica, realizada com o uso do sampler 79 , o som pode ser imediatamente<br />
restituído tal qual ou ser modificado sendo acrescidos efeitos, looping (repetições de um som<br />
ou trecho musical), sofrendo alterações de altura sem alterar a duração (pitch shift) ou ajustar<br />
a duração sem mudar a sua altura (Time stretching), entre outras opções. Segundo o Dj Vas<br />
78 Ableton Live é um software sequenciador musical, contudo, diferente de outros sequenciadores, a última<br />
versão, o Ableton Live 8, foi desenhado para ser tanto um instrumento para performances ao vivo como uma<br />
ferramenta para se compor e fazer arranjos (http//pt. wikipédia. Org/wik/ableton_live).<br />
79 O sampler é um gravador numérico, em outras palavras, ele registra sons que ficam armazenados em sua<br />
memória os quais serão utilizados no sampling.<br />
90<br />
90
“O sampling é uma técnica por sua vez bárbara e criativa. Você pode desestruturar<br />
completamente aquilo que havia no início; um sample, você pode o desestruturar<br />
completamente e se apropriar” 80 (Dj VAS apud PETIAU, 2001b, p. 103).<br />
Contudo, conforme Petiau (2001c, p. 78) “nem todos os compositores [se referindo<br />
aos Djs] trabalham a partir das mesmas técnicas ou ferramentas. Alguns compõem<br />
exclusivamente com samples, outros não utilizam mais que sons sintéticos [...], enquanto<br />
outros juntam estas diferentes ferramentas”. 81 Ressalta-se que, na visão da autora, o sampling<br />
parece ser entendido como uma das práticas musicais do Dj, que nessa pesquisa é mencionada<br />
com o sentido de produção. Assim sendo, segundo a autora, dois procedimentos ou “gestos”<br />
são comuns às práticas da remixagem, mixagem e do sampling, sendo estes o “gesto de re-<br />
criação” e de “montagem”. Assim os descreve a autora<br />
91<br />
O gesto de re-criação: a utilização de um material musical pré-existente na<br />
criação. A recuperação, a reinterpretação, a reciclagem, a apropriação (criar<br />
uma obra musical à partir de dois discos de vinil, se reapropriar [de] um<br />
tema, o valorizar de maneira diferente em uma nova composição, reutilizar<br />
um diálogo de filme, um slogan publicitário, um riff de guitarra, um rítmo de<br />
bateria). O gesto de montagem: compor montando elementos pré-existentes,<br />
recombinar materiais musicais, reconstruir, relacionar dados selecionados<br />
em um fundo sonoro (uma discotecas, um banco de amostragem, discos de<br />
vinil antigos, etc). 82 (PETIAU, 2001c, p. 79).<br />
Partindo disso, percebe-se que na prática estes procedimentos são interligados. E de<br />
acordo com a autora, “estes dois gestos – reutilização/apropriação e montagem-se<br />
reencontram em uma grande parte da estética da tecno” 83 (leia-se música eletrônica). Essa<br />
apropriação ou reutilização e a montagem são o cerne da técnica dos Djs. Assim, entende-se<br />
que no fazer musical, tanto a escolha do material pré-existente, quanto, ou ainda mais, a<br />
forma como ele é reutilizado, reordenado e “montado”, são os aspectos mais relevantes para a<br />
qualificação do trabalho do Dj.<br />
80 “Moi j’affirme vraiment le sampling, parce que pour moi c`est une technique à la fois barbare et créative. Tu<br />
peux complètement déstructurer ce qu’il y avait au départ ; un sample, tu peux complètement le déstructurer et te<br />
l’approprier”.<br />
81 “Tous les compositeurs ne travaillent pas à partir des même techniques et des mêmes outils. Certains<br />
composent exclusivement avec des samples, d’autres n’utilisent que des sons synthétiques […], tandis que<br />
d’autres encore couplent ces différents outils”.<br />
82 “Le geste de la re-creátion: l’utilisation d’un matériel musical préexistant dans la création. La récupération, la<br />
réinterprétation, le recyclage, l’appropriation (créer une œuvre musicale à partir de deux disques vinyles, se<br />
réapproprier un thème, le mettre en valeur de manière différente dans une nouvelle composition, réutiliser un<br />
dialogue de film, un slogan publicitaire, un riff de guitare, un rythme de batterie, etc.). Le geste de l’assemblage:<br />
composer en assemblant des éléments préexisants, recombiner des matériaux musicaux, reconstruire, mettre en<br />
relation des données sélectionnées dans un fonds sonore (une discothèque, un bac à disque, une banque<br />
d’échantillons, des vieux vinyles, etc.)”.<br />
83 “Ces deux gestes – la réutilisation- réappropriation et l’assemblage – dans une grande partie de l’esthétique<br />
techno”(idem. p. 79).<br />
91
Para o Dj de música eletrônica, na prática da mixagem, por exemplo, o importante é<br />
fazer com que o ouvinte não perceba as mudanças de uma faixa musical para a outra. Nesse<br />
sentido, o Dj Faraz afirma que a sua técnica é a paramétrica, ou seja, “a mixagem precisa”.<br />
Então, ele se preocupa mais com as “viradas” e o “efeitos”. Como afirma o Dj:“Eu dou<br />
prioridade pra naturalidade que uma música sai e a outra música entra”. Tanto o Dj Faraz<br />
quanto o Dj Gustavo Bongiolo declararam que para tocar se inspiram muito na “técnica” do<br />
Dj Mau Mau (SP) “porque ele dá muito valor na questão das viradas, assim. A virada dele é<br />
muito legal”(Faraz, 28/07/2010).<br />
De fato, ao ouvir algumas produções em casa e ao observar os Djs durante suas<br />
apresentações, ficou evidenciada essa habilidade técnica de fazer com que o ouvinte não<br />
perceba as passagens de uma música a outra. É muito difícil, principalmente para quem não<br />
vivencia esse ambiente, distinguir quais estilos estavam sendo tocados. Pode ser percebido<br />
que o foco era criar um contínuo de sons trabalhados, usando a linguagem musical, muito<br />
mais em termos de timbres e intensidades, e isso em plena conexão com a atmosfera da pista.<br />
4.4.3 Estilos, Seleção de Repertório e a produção de assinatura<br />
No processo de criação, seja na mixagem na pista ou na produção de um set, pode-se<br />
dizer que há um “esquema” comumente seguido pelos sujeitos, o qual engloba a pesquisa, a<br />
seleção do repertório e a criação (produção ou mixagem). Isto ficou bastante evidenciado<br />
quando os entrevistados relataram como acontece a seleção de repertório para as mixagens e<br />
produções. Com relação à escolha musical para a mixagem, como destacaram os Djs é muito<br />
importante levar em consideração o lugar e o público que o frequenta. Assim, como contou o<br />
Dj Gustavo Bongiolo é necessário fazer uma “pesquisa” para saber se trata de “uma noite<br />
mais underground ou mainstream” para então, “encaixar ou adaptar” o seu repertório ao<br />
evento. Como explica o Dj: “Eu faço toda essa pesquisa de como é o ambiente, como vai ser<br />
o público, o que eles gostam de ouvir, pra assim eu me preparar para a apresentação. Eu não<br />
me preparo pra várias apresentações de uma vez só, eu me preparo pra cada apresentação”<br />
(Bongiolo, 25/08/2010). Ele esclarece que também pode acontecer, de ter planejado tocar<br />
determinado estilo, e na hora da mixagem precisar de modificar ou adaptar o repertório: “Às<br />
vezes, eu também vou pensando em tocar alguma coisa, tocar por exemplo o house, aí eu vejo<br />
que não era bem o que eu tava pensando,então, eu tenho que me adaptar ali na hora<br />
mesmo”(Bongiolo, 25/08/2010).<br />
92<br />
92
Da mesma forma o Dj Faraz afirma que seleciona um “repertório diferente”<br />
dependendo do lugar. Na verdade, segundo ele, a seleção acontece mesmo na hora da<br />
mixagem:<br />
[...]eu não seleciono nada antes eu já venho com todo material comigo, aí se eu to tocando eu olho<br />
pro público, aí eu falo “não aqui vai funcionar tal coisa...aqui vai fica legal tocar isso” e assim vai<br />
indo. O que é mais difícil pra mim é tocar a primeira música. Depois que eu toco a primeira música,<br />
aí as outras vão tranquila (Faraz, 28/07/2010).<br />
Segundo o Dj Faraz, outros fatores também determinam a escolha do que tocar<br />
durante a mixagem, por exemplo, se é ele quem “abre a pista”, não se preocupa muito com a<br />
primeira música e “vai tocando”. Mas, se caso, vai se apresentar depois de outro Dj, então,<br />
tem duas maneiras de iniciar o seu Set: uma é “prestar muita atenção na última música que<br />
ele toca” para não haver “choque” entre o que vinha sendo tocado e a sua primeira música,<br />
ou, também, preparar uma entrada própria para a sua apresentação.<br />
Quando indagado se prefere seguir a vertente mais undergroud ou mainstream, o Dj<br />
Gustavo Bongiolo afirma que “gosta de participar das duas”, e que o seu repertório para as<br />
mixagens envolve os diversos estilos como o House, Tecno, Techouse, Mínimal, entre outros:<br />
“eu gosto de misturar tudo. Eu acho que vai muito bem, mas...tem lugares que vai bem tocar<br />
só o house e tem lugares que vai bem se for só o tecno, depende do lugar mesmo, do tipo de<br />
público” (Bongiolo, 25/08/2010).<br />
O Dj Faraz tem uma visão diferenciada e afirma que sua preferência é pelo estilo<br />
underground porque na sua opinião, “a música eletrônica underground ela é mais<br />
aprimorada, ela é uma coisa feita com mais atenção”. Contudo, quando vai tocar prefere<br />
ficar no meio termo, ou seja, nem um repertório “bába” 84 e nem tão underground. Assim, em<br />
sua mixagem conta que gosta de mixar diversos estilos, além do Tecno e House, também o<br />
Eletro, o breakbeat, o minimal. Como explica o Dj<br />
Então, eu fico me baseando nesse[s] estilo[s] ... e o breakbeat que eu acho que é um diferencial que<br />
eu tenho junto com o eletro que dá aquele tempero no estilo porque um set só de tecno, pra muitas<br />
pessoas, não mas pra mim fica enjoativo...um set só de house...idem...só de eletro ...idem... eu não<br />
consigo ficar numa coisa só. (Faraz, 28/07/2010)<br />
Percebe-se na fala dos Djs que, embora precisem adaptar o seu repertório ao público<br />
que frequenta determinado local, não tocando um estilo totalmente underground, como<br />
contou o Dj Faraz, há, também uma preocupação em imprimir nessa seleção uma<br />
84 Uma expressão que designa uma música muito comercial.<br />
93<br />
93
característica própria, misturando, por exemplo, estilos diferenciados para “dar um tempero”<br />
no set.<br />
Em relação à atividade de produção, convêm ressaltar uma diferença no trabalho dos<br />
dois Djs quanto ao tipo de produção: no caso do Dj Gustavo Bongiolo, esta prática refere-se à<br />
criação de sets (em estúdio) para a divulgação do seu trabalho, já o Dj Faraz, fala também, da<br />
produção de suas músicas próprias. Não há, no entanto, pretensão em comparar ou julgar um<br />
trabalho como mais importante que o outro, pois, como vem sendo discutido, entende-se<br />
ambos como uma atividade de criação.<br />
O Dj Gustavo Bongiolo contou que quando produz um set para distribuir ele gosta de<br />
misturar os diversos estilos, para mostrar que seu trabalho é bem flexível, ou seja, que ele<br />
tem, “tanto uma pegada house quanto uma pegada tecno... sem rótulos”, e por isso, pode<br />
“tocar em qualquer lugar” (Bongiolo, 25/08/2010).<br />
Percebe-se que é bastante comum, os Djs terem como referências, ou “se inspirarem”<br />
nos trabalhos de outros artistas e/ou grupos para as suas produções. O Dj Gustavo Bongiolo<br />
afirma que “se inspira” muito em trabalhos de Djs brasileiros além do Mau Mau, na parte<br />
técnica, também no estilo de música de outros como o Fabrício Peçanha, Renato Cohen<br />
(Bongiolo, 25/08/2010). Da mesma maneira, o Dj Faraz afirma que para as suas produções se<br />
inspira, tanto em grupos de música eletrônica como o trio “Laurent Garnier” e a banda<br />
Jamiroquai como em muitos artistas de outros gêneros. É importante destacar, no entanto, que<br />
embora seja comum tomarem como referência “a técnica” ou mesmo “o estilo de música” de<br />
outros Djs, o resultado de suas produções nunca será idêntico ao do outro e nem mesmo é<br />
essa a intenção.<br />
explica:<br />
O Dj Faraz ainda afirma que costuma misturar muita música brasileira também, como<br />
[...] eu gosto muito de música brasileira, inclusive eu também sou Dj de música brasileira, de bossa<br />
nova de acid Jazz, de Jazz Step. É, eu gosto muito da coisa brasileira, é uma coisa que eu sinto falta<br />
da música eletrônica é essa coisa da pessoa se desligar muito do que é nosso, né?...do brasileiro, dos<br />
rítmos brasileiros. E o Brasil é um país muito rico. E alguns estilos eles se encaixam muito bem na<br />
música eletrônica, principalmente no drum’n’ bass e no tecno, né?...o maracatu eu acho que fica bem<br />
bacana no tecno, o samba fica bacana no tecno a bossa nova se encaixa bem no drum’n’ bass. O<br />
rasqueado, eu já quebrei muito a cabeça tentando fazer música com rasqueado mas não consegui<br />
fazer nada que não fosse cantado, mas, o rítmo as batidas elas são muito quebradas e eu não<br />
consegui encaixar ainda (Faraz, 27/08/2010).<br />
Em algumas das músicas do Dj Faraz, a que se teve acesso durante a pesquisa se pode<br />
notar esta preocupação em misturar elementos de música brasileira com a eletrônica. Na<br />
94<br />
94
música “Ponteio”, por exemplo, Faraz mixa uma melodia nordestina do compositor Antonio<br />
de Nóbrega, a qual é retrabalha ganhando aspectos “percussivos”, dentro de um rítmo<br />
eletrônico. Em outra produção, “Uma Coisa Doida”, se pode notar outras influências como<br />
uma sonoridade parecida com a da banda dos anos 80 “Depeche Mode” em que apresenta<br />
uma melodia cantada com a voz distorcida.<br />
Estas fusões entre elementos musicais distintos, de cultura local ou nacionais com<br />
outros da cultura global, remetem ao processo que Canclini (2008) chama de hibridismo. Para<br />
Canclini, ainda que a hibridação muitas vezes ocorra de modo não planejado ou como<br />
resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos ou de intercâmbio comunicacional,<br />
frequentemente, ela surge da criatividade individual ou coletiva. E isso não só campo<br />
artístico, mas também na esfera da vida cotidiana como no desenvolvimento tecnológico<br />
(CANCLINI, 2008).<br />
Partindo disso, entende-se que o hibridismo realizado pelos Djs, seja na mixagem, na<br />
produção de um set para divulgação ou em músicas próprias, faz parte de estratégias de<br />
produção, uma assinatura. Isso fica claro na fala do Dj Gustavo Bongiolo, quando afirma que<br />
o seu diferencial é o repertório, no qual procura estar misturando tudo o que gosta de ouvir,<br />
resultando, assim, em um “set bem eclético” (Bongiolo, 03/02/2011). Já o Dj Faraz afirma<br />
que busca se diferenciar também incluindo a voz cantada em suas produções (Faraz,<br />
11/01/2011).<br />
Como artistas ou músicos do ready made, os Djs precisam trabalhar com uma reserva<br />
de informações que ocupa ao mesmo tempo “lugar de canal e memória comum” (LÉVY,<br />
1999, p. 150. Grifo do autor). Dito de outra maneira, as informações estão à disposição de<br />
todos, e a todo momento são apropriadas, retrabalhadas e reinseridas na reserva<br />
informacional. Nesse contexto, cada vez mais, o que importa é a forma criativa e peculiar<br />
como tais informações, no caso aqui musicais, são reelaboradas ou re-interpertadas. Esse fato<br />
parece se tornar uma constante, especialmente, na atuação dos Djs, persistindo, com isso, o<br />
pensamento de que o hibridismo no trabalho dos Djs, cada um a seu modo, aponta para a<br />
forma de produzir sua singularidade.<br />
4. 5 Sobre As Observações do trabalho dos Djs<br />
No decorrer das observações foi possível conhecer o universo de atuação dos<br />
participantes, bem como sua prática musical utilizando os recursos das tecnologias. Pode ser<br />
verificado como os Djs buscam interagir com público, precisando estar em plena sintonía com<br />
95<br />
95
a atmosfera do ambiente. Nas ocasiões em que se observou o Dj Faraz se apresentando foi<br />
observado, por exemplo, que enquanto tocava o Dj, sorria, dançava ou cumprimentava<br />
conhecidos que se aproximavam dele ou, as vezes, retribuía os sorrisos e acenos dos<br />
dançarinos que o observavam e cumprimentavam de longe. Percebeu-se com isso que o Dj,<br />
ainda que estivesse envolvido no seu fazer musical, se preocupava em “recepcionar” o<br />
público que adentrava o espaço da pista de dança. Assim, pode-se constatar a relação de<br />
“proximidade” entre o Dj e o público mencionado pelo Dj Faraz durante as entrevistas.<br />
Ressalta-se que essa proximidade é propiciada também, em parte, pelo próprio espaço<br />
que por possuir uma espécie de “tablado” ou “degraus” atrás e ao lado da cabine do Dj<br />
permite que “os dançarinos” possam se aproximar ao máximo dele, sendo possível observá-lo<br />
e fotografá-lo manipulando os seus instrumentos. Esse design do espaço parece pretender<br />
demonstrar que o Dj está mesmo mais ao alcance das pessoas, ao contrário do que se vê, por<br />
exemplo, em shows de artistas de outros gêneros que são instalados em palcos, mais distantes<br />
da platéia.<br />
Na ocasião em que o Dj Gustavo Bongiolo se apresentou também notou-se que o<br />
mesmo interagia com os dançarinos, contudo, sem pretender comparar ou julgar a<br />
performance dos dois participantes da pesquisa, percebeu-se uma diferença de “perfil” de<br />
cada Dj, ou seja, notou-se que sem utilizar tantos “gestos corporais” para se “comunicar” com<br />
a platéia, durante a sua apresentação esse último Dj transpareceu se preocupar bastante com a<br />
sua perfomance na técnica, quer dizer, com a manipulação dos equipamentos e mixagem do<br />
seu repertório. É importante ressaltar que não se trata aqui de uma crítica em relação à sua<br />
atuação, apenas que parecer haver uma maior “formalidade”, que, no entanto, não o impede<br />
ou impossibilite de captar a atmosfera da pista e realizar o seu trabalho como Dj.<br />
Dessa forma, entende-se que há nesse ambiente um tipo de “comunicação” entre o dj e<br />
os dançarinos criada pela participação na música (comunicação musical) e pelo “estar-junto”<br />
e compartilhamento de sensações e emoções o que Maffesoli (1995) chama de comunicação<br />
tátil. Pode-se perceber ainda que mesmo que os dançarinos exerçam uma certa “influência” na<br />
atividade de mixagem estes são afetados sensitivamente pela seleção musical e performance,<br />
como mostra um trecho transcrito do caderno de campo:<br />
96<br />
Cerca de um tempo depois a pista já estava “fervendo”, o Dj realizava as<br />
suas “viradas” e efeitos e as luzes se ascendiam ficando coloridas em<br />
perfeita sincronia com a música. O público dançava muito animadamente ao<br />
rítmo da trilha sonora e, em certos momentos, se manifestavam através de<br />
“uhuuuus”. A animação do público em sintonia com a performance do Dj<br />
era algo muito interessante e contagiante (Caderno de Campo, 27/09/2010).<br />
96
Quanto ao público que frequentava o Club Garage nas ocasiões observadas, pode-se<br />
afirmar em sua maioria era constituído por pessoas com faixa etária que varia entre 18 a 30<br />
anos, embora houvesse alguns que ultrapassavam essa faixa, pois, como destacam os Djs a<br />
faixa do público que ouve música eletrônica em Cuiabá pode chegar até mais ou menos os 35<br />
anos.<br />
Cabe acrescentar que ainda que se trate de um lugar de dança e lazer, nesse ambiente<br />
há um certa “formalidade” já que regras são estabelecidas e comportamentos são adotados e<br />
até mesmo esperado pelos participantes do ambiente. Como exemplo disso, notou-se que no<br />
espaço da pista de dança ou em seu entorno não é muito bem visto por quem frequenta o<br />
ambiente ficar parado observando ou apenas conversando, essa atitude é “estranha e curiosa”<br />
para os “nativos” da cena e mesmo pelos seguranças do lugar. Isso foi notado no decorrer das<br />
observações quando se aproximava da pista para fazer os registros fotográficos, quando isso<br />
acontecia sempre havia “burburinhos”, “cochichos” ou mesmo algumas “olhadelas” entre os<br />
grupos de pessoas que dançavam no espaço.<br />
No processo de observação destaca-se a dificuldade em conseguir permanecer no lugar<br />
até o final das festas, o que não foi possível embora a animação do público e apresentações<br />
dos Djs fossem contagiantes. Contudo, ainda que estas tenham representado um desafio físico<br />
para esta pesquisadora elas se constituíram em um experiência musical motivadora.<br />
97<br />
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
No presente estudo buscou-se delinear as discussões e reflexões em torno do processo<br />
de produção e circulação musical, focando especialmente em como os Djs se apropriam das<br />
tecnologias, para realizar as suas atividades. Assim, foram abordados aspectos da formação,<br />
experiência e o fazer musical dos Djs, verificando como eles iniciaram a formação, os<br />
conhecimentos necessários, materiais e técnicas empregadas no fazer musical e como é<br />
realizado o seu processo de criação e divulgação ao público.<br />
Porém, antes, de adentrar essa discussão mais focada no trabalho dos participantes da<br />
pesquisa, foi examinado que o desenvolvimento tecnológico sempre manteve íntima relação<br />
com as mudanças sociais e culturais, e observando, principalmente, a atividade musical<br />
apontou-se que, tanto o processo de criação, de circulação bem como, o consumo de música<br />
foram sendo reconfigurados, ao longo de todo o século XX, com o advento dos equipamentos<br />
e recursos da gravação até o nascimento das tecnologias digitais e a internet. Partindo disso,<br />
buscou-se apontar que nem os meios de comunicação designados de massa, nem as<br />
tecnologias determinam os rumos sociais e culturais, sem que, remetendo ao pensamento de<br />
Lévy (1999), haja um “desejo coletivo” por certas transformações. Dessa forma, os meios ou<br />
as tecnologias não impõem, apenas abrem possibilidades para novas explorações e criações<br />
por parte dos indivíduos.<br />
Nesse percurso histórico, discutiu-se como novas estéticas musicais surgiram a partir<br />
da exploração e utilização por indivíduos de determinados recursos tecnológicos como<br />
instrumentos eletrônicos, sintetizadores até o computador, nesse caso, o foco consistiu na<br />
música eletrônica de pista. Partindo disso, mostrou-se como esse gênero musical foi sendo<br />
desenvolvido e deu origem à uma cultura nova cultura jovem, na qual o Dj se tornou a figura<br />
central, atuando em toda a cadeia produtiva da música, ou seja, da produção à distribuição.<br />
Ao entrar no universo da música eletrônica em busca de compreender o trabalho dos<br />
Djs, foi possível perceber a complexidade do seu fazer musical, no qual deve se levar em<br />
consideração inúmeros elementos musicais e, pode-se dizer extra-musicais. Assim, foi<br />
verificado que além da mixagem e a produção, sendo estas suas atividades “básicas”, outras<br />
práticas complementares mas, essenciais como a da pesquisa fazem parte do seu cotidiano.<br />
Nesse contexto, em que assume diversas funções, foi evidenciado que os Djs precisam possuir<br />
também conhecimentos ou competências que vão muito além de manusear os equipamentos, a<br />
exemplo, da percepção musical, habilidade tida como essencial tanto no processo de criação e<br />
mixagem quanto na pesquisa. Sobretudo, percebeu-se que há uma renovação ou atualização<br />
98<br />
98
do conhecimento que foi explicitado, por exemplo, quando os Djs afirmaram durante as<br />
entrevistas que devem estar sempre atentos ao cenário em que atuam, já que sempre surgem<br />
novos programas de produção que podem facilitar o seu trabalho, bem como novos estilos e<br />
tendências musicais.<br />
Na discussão discutiu-se ainda que não há um consenso sobre a figura do Dj entre os<br />
diversos autores (SÁ, 2003; ARANGO, 2005; POURTAU, 2001; RODRIGUES, 2005) que já<br />
realizaram estudos a respeito da música eletrônica. Contudo, nessa pesquisa considerou-se<br />
mais pertinente entender o Dj como um músico do ready made, ou seja, aquele que trabalha<br />
com informações musicais pré-existentes, reelaborando, re-interpretando, reciclando para<br />
inseri-las novamente na reserva de informações. Partindo disso, entende-se que a música<br />
elaborada pelos Djs constitue-se mais um processo, ou uma “obra-acontecimento” (LÉVY,<br />
1999), na qual o Dj participa e entra em sintonía com o público presente. Nesse contexto,<br />
usando um termo de Canclini (2008), em que o músico se “converte” em Discjockey, algumas<br />
noções como a de autor e de criação são repensadas.<br />
Quanto a essa relação entre os Djs e o público, foi evidenciado que há uma certa<br />
“interferência” deste último, ou maior participação na atividade da discotecagem, pois, nesse<br />
momento, o Dj faz suas escolhas musicais em virtude do local e da “vibe” captada na pista.<br />
Contudo, é preciso ter em conta que há um limite de tal interferência, uma vez que mesmo<br />
que os Djs busquem agradar aos ouvintes-dançarinos, há ao mesmo tempo uma preocupação<br />
em imprimir nessa prática sua assinatura. Dessa forma, eles buscam explorar e misturar os<br />
diversos estilos da música eletrônica, satisfazendo também ao próprio gosto e criando uma<br />
estética particular. Assim, entende-se que esse hibridismo presente tanto nas mixagens como<br />
na criação da própria música, como no caso do Dj Faraz, é o meio pelo qual os Djs produzem<br />
tal assinatura. Assim sendo, embora eles utilizem amostras de sons, ou samplings retirados de<br />
um banco de dados sonoro que é compartilhado por muitos outros indivíduos, as suas criações<br />
serão sempre exclusivas ou originais pela forma como apropriam, manipulam, exploram o<br />
material sonoro.<br />
No que concerne ao uso das tecnologias verificou-se que elas estão presentes em todas<br />
as esferas do trabalho do Dj, sendo suas ferramentas, ou instrumentos essenciais de criação,<br />
de atualização e pesquisa (sonoras ou de público) e de divulgação. Os Djs apontaram em suas<br />
declarações haver uma relação entre a apropriação, a experimentação e adaptação das<br />
tecnologias no seu fazer musical. Foi também evidenciado que as tecnologias trouxeram<br />
maior facilidade, possibilitando que a distância dos grandes centros não fosse mais um<br />
empecilho à compra de material e músicas, permitindo também maiores contatos<br />
99<br />
99
profissionais. Além disso, os recursos como o computador e softwares trouxeram<br />
flexibilidade para a prática da mixagem, no sentido em que se tornou possível escolher o<br />
material (ou materiais) que se deseja manipular , seja este o disco, CD ou musica digital.<br />
Dessa forma, elas não apenas reconfiguraram antigas práticas, como vêm contribuindo para o<br />
rompimento de certos “pré-conceitos”, como aquele de considerar o uso do CD como<br />
sinônimo de pouca habilidade técnica do Dj. A internet ou ciberespaço, desempenha um papel<br />
central como meio de comunicação e agenciamento da carreira dos mesmos.<br />
100<br />
No entanto, ainda que as tecnologias estejam muito presentes nesse contexto, elas não<br />
suprimem certas competências necessárias para se atuar como Dj. Assim, tanto as reflexões<br />
suscitadas demonstram como propõem que nos afastemos de certas visões equivocadas que<br />
tendem a considerar música realizada por meios tecnológicos como desprovida de<br />
sensibilidade e originalidade. Assim, apesar de todas as facilidades e possibilidades<br />
ressaltadas, é preciso ter em conta que as tecnologias devem ser vistas como aliadas dos Djs<br />
no processo de criação e como tal não substituíram as habilidades humanas, sobretudo, na<br />
atividade musical que continua dependendo da sensibilidade e da criatividade.<br />
A pesquisa revelou uma experiência impar de aprendizado, uma vez que possibilitou<br />
suscitar uma reflexão sobre antigos conceitos ou “pré-conceitos” que, muitas vezes, pairam<br />
em torno da prática musical do Dj. A pergunta que permeou o título dessa dissertação: “Além<br />
de tocar o que você faz?”, embora possa parecer ingênua, de certo modo, expressou a falta de<br />
entendimento, ou mesmo esse preconceito de que a profissão do Dj, como de todo o músico,<br />
é mais um tipo de “lazer”, ou um “trabalho fácil”, que se resume ao manipular algum<br />
instrumento musical ou uma tecnologia. Ao contrário, ao entrar nesse universo novo, pode-se<br />
perceber a complexidade de saberes e habilidades necessárias à estes profissionais. Abre-se<br />
um parêntese aqui para exemplificar com o próprio caso desta pesquisadora, que mesmo<br />
sendo musicista e trabalhando como educadora musical não tinha ideia de tal complexidade,<br />
uma vez que havendo frequentado poucas vezes clubes em noites de flachback, a visão se<br />
tinha da atividade da mixagem era equivocada. Entendia-se que o papel que o Dj<br />
desempenhava era mesmo aquela de “selecionador” ou “passador” de discos, o qual seguia<br />
um repertório (padrão) consagrado da música, inserindo apenas alguns “efeitos” utilizando as<br />
tecnologias. Este pensamento começou a apresentar mudanças quando houve a oportunidade<br />
de assistir a palestra do Dj Faraz e, então, buscar conhecer o seu trabalho. A partir disso,<br />
surgiu um interesse em redirecionar a presente pesquisa para os processos de produção e<br />
circulação musical com foco na atuação dos Djs, acreditando que esse objeto de estudo<br />
também se aproximava mais da área de interesse.<br />
100
101<br />
Não foi um percurso fácil, mas, foi mais instigante e enriquecedor, uma vez que<br />
adentrar ao campo, e juntamente com a pesquisa bibliográfica caminhar e traçar caminhos<br />
metodológicos possibilitaram a elucidação das questões levantadas sobre a temática. Os Djs<br />
na produção musical contemporânea bem como na circulação dessa música, a qual se<br />
configura como repertório presente na cibercultura, pode-se dizer que são os novos criadores<br />
ou artistas que ampliam a experiência musical, sobretudo, dos jovens na contemporaneidade.<br />
Portanto, acredita-se que nessa realidade seja importante buscar ampliar e suscitar<br />
reflexões dentro do ambiente acadêmico que considerem estas práticas musicais não como<br />
fenômenos massivos e passageiros ou como manifestações empobrecidas de sentido, uma vez<br />
que se inserem em um dado contexto cultural e social, estas práticas refletem as novas<br />
maneiras com que os indivíduos vivenciam, produzem, criam ou recriam a música e o seu<br />
cotidiano diante das transformações tecnologias. Dessa forma, julga-se importante estabelecer<br />
um maior diálogo entre a academia e estas novas práticas que podem dar sua parcela de<br />
contribuição ajudando a repensar antigos conceitos de criação, de autoria, do que vem a ser<br />
culto ou massivo na atualidade, e da ideia do fazer musical que ainda é muito atrelado ao<br />
fazer musical “erudito” ou seja, a música de concerto.<br />
101
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YÚDICE, George. Nuevas Tecnologias, música y Experiência. Barcelona: Gedisa, 2007. 106p.<br />
ZUBEN, Paulo. Música e Tecnologia. O som e seus novos instrumentos. São Paulo: Irmãos<br />
Vitale, 2004.<br />
SITES CONSULTADOS<br />
FACTOIDE. Disponível: . Acesso em 20 Dez. 2010<br />
FARAZ, Rodrigo Farinha. Disponível em:<br />
Acesso em: 27 Dez. 2010.<br />
PANTANO BEAT RECORDS. Disponível em:<br />
Acesso em: 20 Dez.<br />
2010.<br />
WIKIPÉDIA: Disponível em: < http://pt.wikipedia.org> Acesso em: 20 dez. 2010.<br />
ORKUT. Disponível em: <br />
107<br />
107
APÊNDICE<br />
1. Dados pessoais<br />
Nome<br />
Nome artístico<br />
Idade<br />
Naturalidade<br />
Escolaridade<br />
2. formação<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA<br />
1. Você estudou música?<br />
2. Estudou em alguma escola/conservatório?Qual instrumento?<br />
3. O que te motivou a querer ser DJ?<br />
4. Como você começou a carreira de DJ?<br />
5. O que é importante para aprender a ser DJ?<br />
6. Como você busca aperfeiçoar sua técnica?<br />
7. Faz cursos específicos?<br />
3. Experiência como DJ<br />
1. Qual a sua experiência como DJ?<br />
2. Você tem outras atividades paralelas?<br />
3. Qual o estilo musical que adotou para o seu trabalho? O que influenciou para a escolha<br />
desse estilo?<br />
4. Qual o perfil de público para o qual você costuma se apresentar?<br />
5. Há troca de “figurinhas”/experiência com outros DJs?<br />
6. Em que espaços o DJ atua em Cuiabá?<br />
7. Como está o mercado/cena de música eletrônica em Cuiabá?<br />
8. Como divulga o seu trabalho ao público?<br />
4. Fazer musical do DJ<br />
1. Quais conhecimentos técnicos/tecnológicos são necessários para a produção musical?<br />
2. Que técnicas e materiais utiliza em seu trabalho?<br />
3. Trabalha com vinil ou Cd? Ou com música abaixada direto no computador? Qual é a<br />
diferença no trabalho com cada um desses procedimentos?<br />
4. Você tem preferência pelo estilo underground ou mainstream? Porquê?<br />
5. Você se inspira em algum ídolo na produção musical do seu trabalho?<br />
6. Como seleciona o repertório a ser utilizado nas suas produções?<br />
7. Como acontece o processo de produção musical no seu trabalho?<br />
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