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PERDOAR

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mal-entendido», a interpretação que já nas origens fez-se de Jesus de Nazareth,<br />

sobretudo por parte de Paulo. Nesta obra Nietzsche afirma que:<br />

No fundo só existiu um cristão, e este morreu na cruz (O Anticristo, § 39).<br />

E lemos um pouco mais adiante:<br />

Somente uma prática cristã, uma vida tal como foi vivida por aquele que morreu na<br />

cruz, é cristã [...]. Ainda hoje esta vida é possível, para alguns, até é necessária: o<br />

cristianismo autêntico, o originário, será possível em todos os tempos [...]. Não um crer,<br />

mas um fazer, sobretudo um não-fazer-muitas-coisas, um ser diferente [...]. (O<br />

Anticristo, § 39).<br />

Prescindindo agora das muitas interpretações às quais tem sido submetida a obra<br />

nietzschiana, o que resulta indubitável é o enorme peso que teve na cultura européia o<br />

pensamento de Nietzsche, para bem e para mal. Nietzsche feriu o cristianismo. No<br />

anúncio da morte de Deus está contido o reto do afundamento do cristianismo e do<br />

nascimento do homem genial, do Übermensch, do herói capaz de transvalorar todos os<br />

valores em uns valores defensores da vida autenticamente humana. Precisamente, tal<br />

como pôs de relevo F. Valadier, 17 um dos pontos nucleares da crítica nietzschiana do<br />

cristianismo baseia-se na falsificação que, segundo ele, o cristianismo operou na<br />

concepção que Jesus teve do pecado. Um dos parágrafos mais relevantes da obra<br />

nietzschiana é o § 33 de O Anticristo. Aqui lemos:<br />

Na psicologia do evangelho faltam os conceitos de culpa e de castigo; igualmente o de<br />

prêmio. O "pecado", qualquer relação distanciada entre Deus e o homem, é eliminado<br />

–isso é justamente a "boa nova"[...] Não é uma "fé" aquilo que distingue o cristão: o<br />

cristão obra, distingue-se por um obrar diferente [...]. A vida do Redentor não foi outra<br />

coisa que esta prática –tampouco a sua morte não foi outra coisa- [...]. Ele já não<br />

precisava, com o seu trato com Deus, fórmulas nem rituais –nem sequer a oração-.<br />

Rompeu com toda a doutrina judaica da penitência e a reconciliação [...]. Nem a<br />

"penitência", nem a "oração para pedir perdão" são caminhos que conduzem a Deus; só<br />

a | prática evangélica leva a Ele, ela precisamente é "Deus". Aquilo que foi eliminado<br />

com o evangelho foi o judaísmo dos conceitos de "pecado", "remissão do pecado", "fé",<br />

redenção pela fé –toda a doutrina eclesiástica judaica ficou negada na "boa nova".<br />

A ênfase que Nietzsche põe na prática acentua-se no § 35 da mesma obra, no<br />

qual acrescenta:<br />

Este "bom mensageiro" morreu como viveu, tal como ensinou –não para "redimir os<br />

homens", mas para mostrar como se deve viver.<br />

O revulsivo que estes pensamentos significaram para a cultura ocidental ainda é<br />

bem perceptível nos nossos dias. De fato, apesar da reviravolta operada por Nietzsche<br />

–ou precisamente por causa disso, por causa do fato de toda reviravolta manter ainda a<br />

tensão dos pólos "reviravoltados"- hoje podemos falar de perdão e de perdoar, mas não<br />

podemos fazer isso como se nada tivesse acontecido no pensamento ocidental.<br />

17 F. VALADIER, Nietzsche et la critique du christianisme, París: Cerf 1974, pp. 403-405.<br />

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