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desconhecimento» que afeta toda falta. 29 Em todo ato culpável, porém, sempre há algo<br />
escusável. Precisamente por | este fio da escusabilidade de todo ato –e que a<br />
compreensão dele nos mostra- pode-se começar a tecer ligações de perdão. Por isso<br />
também o juízo ético nunca pode ser nem último nem definitivo, como recorda com<br />
razão Jacques Ricot. 30 "O perdão também afeta este não saber, este «noturno de<br />
debilidade» que todo ato contém e ao qual ilumina e, iluminado, abre o caminho do<br />
perdão e da reconciliação.<br />
O perdão gratuito que se outorga por uma ofensa é de fato um perdão que,<br />
devido a que se origina na ofensa do ofensor e se dirige ao ofensor que cometeu aquela<br />
determinada ofensa, abraça todo o ofensor. Este caráter total do perdão faz-nos entender<br />
a força reconciliadora e curadora do perdoar. Não há um perdão parcial. A força gratuita<br />
do perdão perdoa a ofensa, mas na ofensa perdoa, de fato, o ofensor, todo o ofensor.<br />
Quando nos dirigimos à verdade daquilo que no ato do ofensor há de mal e em<br />
compreender aquilo que tem virado maldade, compreende-se e dirige-se à verdade do<br />
ser humano que tem cometido a ofensa. A pregação do Pai Nosso diz na versão de<br />
Mateus: «perdoa nossas ofensas, assim como nós perdoamos os que nos ofendem»<br />
(6,12). Assim mesmo no texto de Lucas lemos: «perdoa nossos pecados, que nós<br />
também perdoamos todos os que nos têm ofendido» (11,4). «Perdoemos os que nos<br />
ofendem», «todos os que nos têm ofendido», não somente as ofensas. Este é um ponto<br />
importante da reflexão sobre o perdão, quando afeta a pessoa, a afeta na sua totalidade:<br />
quando é perdoada uma ofensa é perdoada tudo da pessoa que ofendeu. O perdão não<br />
admite fragmentações no ser humano. O perdão abrange todo o homem que é perdoado.<br />
Este caráter de plenitude do perdão opera tanto no ofensor como na vítima. Também o<br />
padecimento e a dor da vítima que tantas vezes parecem insuperáveis, no perdão vêem<br />
uma nova luz: a luz que na reconciliação se opera de cura dos efeitos da ofensa, não da<br />
própria ofensa (a morte de alguém é irreversível, mas não o ódio face ao homicida ou ao<br />
assassino). Os fatos restam como fatos, mas não o rompimento pessoal (com um<br />
mesmo, com a sua própria história pessoal e com o outro ou outros) que ocasionou os<br />
fatos. Aparece uma vida nova (umas vidas novas), novas relações pessoais que são<br />
motivo de prazer: a parábola da ovelha perdida, a da dracma perdida, a do filho pródigo,<br />
que compõem todo o capítulo quinze de Lucas, fixam a sua atenção final na alegria pela<br />
metavnoia acontecida. Vejam Lc 15,7 (cavra), 10 (cavra) i 32 (carh'nai). Uma vida<br />
nova que como tal é plenamente nova.<br />
Fica pendente uma problemática difícil que acompanha toda reflexão sobre o<br />
perdão e que todo mundo (sobretudo a vítima) se suscita inclusive com | amargura e que<br />
se pode formular assim: que ligações há entre o perdão e a justiça? A relação entre a<br />
justiça e o perdão sempre tem sido motivo de questionamentos profundos com relação à<br />
necessidade do perdão e do obstáculo que este pode ocasionar ou ocasiona à justiça. Em<br />
muitos posicionamentos que contemplam esta ambigüidade do perdão, o perdão é<br />
subestimado ou inclusive eliminado em favor de uma justiça que atue implacavelmente<br />
de maneira justa. Como fazer possível a justiça e o perdão? Em um estado político este<br />
posicionamento mostra-se com toda sua crueza: o estado, garante do direito, decanta-se<br />
29 S.BRETON, "Grâce et pardon", Révue des Sciences philosophiques et théologiques 70 (1986) 191.<br />
30 J. RICOT, Peut-on tout pardonner?, 17.<br />
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