Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
coordenadas afetivas, econômicas, sociais ou culturais, nas quais tem de viver uma<br />
criança determinada, lhe impossibilitem ter experiências reais de gratuidade. Educar e<br />
fazer crescer na experiência da gratuidade significam fazer possível um futuro onde a<br />
abertura à radical novidade de vida humana que comporta o perdão seja uma realidade.<br />
Esta gratuidade, que está contida na raiz mesma do termo perdão, pede não<br />
somente ser introduzida no mundo das crianças, mas ser mantida no mundo dos adultos.<br />
Hoje vivemos imersos em um mundo onde com demasiada freqüência é banida toda<br />
referência à gratuidade. Na atualidade a «condição do homem moderno» (H. Arendt)<br />
está regida pela técnica e pelas (novas) tecnologias como forma de vida que adotam<br />
como linguagem a linguagem da lógica, uma linguagem apta para a ciência, mas<br />
radicalmente insuficiente para o desenvolvimento da humanidade dos homens e das<br />
mulheres do presente. A redução da palavra ao signo e do signo à sua significação<br />
lógica, esquecendo ou desprezando o valor simbólico de toda palavra humana, comporta<br />
a desumanização e a tecnificação (a "logicização") de tudo aquilo que é humano,<br />
fazendo o ser humano incapaz da linguagem (simbólica), incapaz da palavra humana e<br />
humanizadora. As conseqüências do estabelecimento da verdade como identidade entre<br />
pensamento e linguagem, que Parmênides pôs na origem do pensamento (metafísico)<br />
grego, ou seja, o princípio de identidade (que brevemente se aproxima de formular a=<br />
a), agora as vemos desenvolver-se com uma enorme amplitude, e de tal maneira que<br />
restabelecem —e se comerciam— como a forma de vida própria dos tempos que virão.<br />
A redução do mundo e da linguagem à identidade lógica nos determina como objetos da<br />
mesma técnica, sem necessidade nem possibilidade de sentido, nem de recriá-lo de<br />
novo. Nos encontramos imersos em um mundo niilista do qual resulta difícil sair,<br />
precisamente pelo seu caráter necessariamente globalizador e abrangente de tudo. As<br />
conseqüências deste tempo niilista que estamos vivendo são de um alcance por<br />
enquanto incalculável. No presente, para fazê-lo apto para a gratuidade, precisamos<br />
afrontar sempre de novo a pergunta em prol da verdade, afrontar a própria verdade,<br />
aquilo que a filosofia (para dizê-lo de acordo com a nossa tradição ocidental) desde as<br />
origens tem tentado. Cumpre situar de novo o papel fundamental da filosofia, de toda<br />
forma de compreensão da verdade. Num recente artigo na Revista Catalana de Teologia<br />
o Dr. Ignasi Boada, em diálogo com Heidegger, escrevia:<br />
A palavra filosofiva, pensada no âmbito do pensamento essencial, adquire uma<br />
dimensão e um significado bem diferentes do que uma simples ocupação acadêmica à<br />
qual nos podemos dedicar ou não em função das nossas preferências mais ou menos<br />
«subjetivas» ou em função dos nossos gostos, sem que esta dedicação ou não dedicação<br />
tenha maiores conseqüências. Podemos optar por «estudar» filosofia, jornalismo, direito<br />
ou ciências políticas e nos parece que | com isso está em jogo simplesmente a atividade<br />
com que no futuro estaremos «ocupados». É normal pensar que a decisão tem de<br />
depender dos nossos gostos. Mas isso não é assim: na filosofiva há em jogo alguma<br />
coisa mais que a expressão de determinadas preferências «subjetivas». Tampouco é uma<br />
disciplina acadêmica que tenha como «objeto» a compreensão e a descrição de<br />
determinados conceitos abstratos ou de determinados métodos de conhecimento. Na<br />
filosofiva acontece algo essencial, porque ela constitui uma forma humana de<br />
responder ao fato de ser chamado pelo ser [...] O gesto próprio do pensamento que<br />
pensa não é tanto a pergunta que predispõe ao sistema como a escuta concentrada; por<br />
28<br />
18