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sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina

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noite nem dia, mas um terceiro tempo sombrio que tinha se infiltrado <strong>de</strong><br />

repente no meio dos dois e que jamais acabaria.<br />

Doreen estava encostada no batente da porta. Quando apareci, ela<br />

<strong>de</strong>smoronou em cima <strong>de</strong> mim.<br />

— Me <strong>de</strong>ita, me <strong>de</strong>ita — murmurava Doreen. — Me <strong>de</strong>ita, me <strong>de</strong>ita.<br />

Percebi que, se carregasse Doreen para meu quarto e a <strong>de</strong>ixasse na minha<br />

cama, nunca mais me livraria <strong>de</strong>la.<br />

Seu corpo estava quente e macio como uma pilha <strong>de</strong> travesseiros, ela<br />

largou todo o peso nos meus braços e seus sapatos <strong>de</strong> saltos finos se<br />

arrastavam no chão. Era pesada <strong>de</strong>mais para eu carregá-la pelo longo<br />

corredor.<br />

Resolvi que a única coisa a fazer era largá-la no carpete, fechar a porta do<br />

meu quarto, trancar e voltar para a cama. Quando acordasse, Doreen não<br />

lembraria o que acontecera e acharia que <strong>de</strong>smaiara ao passar pela minha<br />

porta enquanto eu dormia. Daí, levantaria do chão e iria direitinho para o<br />

quarto <strong>de</strong>la.<br />

Comecei a <strong>de</strong>itar Doreen com cuidado sobre o carpete ver<strong>de</strong> do corredor,<br />

mas ela gemeu baixo e <strong>de</strong>u um tranco. Um jato <strong>de</strong> vômito escuro<br />

esguichou <strong>de</strong> sua boca e se espalhou numa gran<strong>de</strong> poça a meus pés.<br />

De repente, Doreen ficou mais pesada ainda. A cabeça <strong>de</strong>la caiu para<br />

frente na direção da poça e as pontas <strong>de</strong> seu cabelo louro mergulhavam no<br />

vômito como raízes <strong>de</strong> uma árvore num brejo; vi que ela estava dormindo.<br />

Voltei para o quarto, eu também estava meio dormindo.<br />

Naquela noite, tomei uma <strong>de</strong>cisão em relação a Doreen. Resolvi que ia dar<br />

atenção e ouvir o que dizia, mas no fundo não teria nada mais a ver com<br />

ela. No fundo, eu ia ser fiel a Betsy e suas amigas ingênuas. Era com<br />

Betsy que eu parecia. [...] Quando acor<strong>de</strong>i, [...] acho que pensava que o<br />

corpo <strong>de</strong> Doreen ainda estaria lá na poça <strong>de</strong> vômito como uma prova<br />

horrível e concreta do meu mau caráter. 52 [sem grifo no original]<br />

Esther tem consciência <strong>de</strong> seu comportamento conflituoso, ora bom, ora ruim.<br />

Depois <strong>de</strong> perceber que Doreen fez soar a campainha perigosa das más companhias,<br />

uma vez que Doreen foi conivente com o jogo das máscaras usado por Esther, o que<br />

culminou mais com sua <strong>de</strong>preciação mental, agora ela mesma percebe que tem dois<br />

agentes em um só corpo, tem duas personalida<strong>de</strong>s, quer se <strong>de</strong>sfazer <strong>de</strong> uma, a Elly,<br />

mas na realida<strong>de</strong> já a reconhecem assim. Dessa forma, Esther tenta não ter mais<br />

contato com Doreen para que a Elly <strong>de</strong> Chicago não venha mais à tona, porém, se<br />

agora quer se <strong>de</strong>sfazer <strong>de</strong> uma, vê em Betsy uma outra forma <strong>de</strong> atuar, como a moça<br />

ingênua <strong>de</strong> amigas também ingênuas. Esther po<strong>de</strong> criar para si uma outra<br />

personalida<strong>de</strong>. O que problematiza a ação é que Esther quer agir como Doreen, ou<br />

seja, Esther/Doreen, a conjunção da simbologia da ação, do temperamento forte e<br />

52 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 28-30.

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