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sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina

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outro lado do abismo.<br />

Como fui burra <strong>de</strong> comprar aquelas roupas caras e <strong>de</strong>sconfortáveis, que<br />

ficaram <strong>de</strong>penduradas no meu armário, flácidas como peixes. [...] Achava<br />

que eu estava vivendo a melhor época da minha vida. Achava que eu era<br />

invejada por milhares <strong>de</strong> alunas <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> exatamente iguais a mim nos<br />

Estados Unidos inteiros, que só queriam ficar viajando <strong>de</strong> um lado para<br />

outro usando sapatos <strong>de</strong> couro daquele mesmo número 36 que comprei na<br />

Bloomingdale‘s num horário <strong>de</strong> almoço, combinando com cinto <strong>de</strong> couro<br />

preto e bolsa <strong>de</strong> couro preto. E todo mundo <strong>de</strong>ve ter achado que eu estava<br />

numa roda-viva quando minha foto na revista em que nós — uma dúzia <strong>de</strong><br />

garotas — estávamos trabalhando. Na foto, estávamos em algum Terraço<br />

Starlight bebendo martíni e eu usava uma mo<strong>de</strong>sta imitação <strong>de</strong> corpete <strong>de</strong><br />

lamê prateado com uma saia que era uma imensa nuvem <strong>de</strong> tule branco,<br />

alugados ou emprestados para a ocasião, e eu estava ao lado <strong>de</strong> vários<br />

rapazes <strong>de</strong>sconhecidos e bem americanos. Quem visse a foto diria: olha as<br />

coisas que acontecem nesse país. Uma moça, tão pobre que não tem<br />

dinheiro nem para comprar uma revista, vive <strong>de</strong>zenove anos numa cida<strong>de</strong><br />

lá nos cafundós, aí arruma uma bolsa <strong>de</strong> estudos para a faculda<strong>de</strong> e ganha<br />

prêmios aqui, outro acolá e acaba dirigindo Nova York como se fosse seu<br />

carro particular. 123<br />

Esther tinha suas várias faces, entre elas, ser observadora era um quesito<br />

necessário, mesmo que sua observação beirasse ao sarcasmo. Vejamos:<br />

Eu gostava <strong>de</strong> observar os outros em situações difíceis. Se havia um<br />

aci<strong>de</strong>nte na estrada ou uma briga na rua, ou um feto num vidro <strong>de</strong><br />

laboratório para ver, eu parava e olhava tanto que nunca mais esquecia.<br />

Claro que aprendi muita coisa que nunca teria aprendido <strong>de</strong> outro jeito e,<br />

mesmo quando essas coisas me surpreendiam ou me faziam mal, eu não<br />

<strong>de</strong>sistia, fingia saber que as coisas eram assim o tempo todo. 124<br />

Sarcasmo maior não po<strong>de</strong>ria existir na narrativa, mesmo que Esther diga que<br />

ama sua chefe ela não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> atribuir mesquinharias às suas observações como se<br />

tivessem o tom natural das coisas. Esther, lamentavelmente, discorre sobre JC.<br />

— Jay Cee é feia como a necessida<strong>de</strong> — [...] — Aposto que aquele velho<br />

marido <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sliga todas as luzes antes <strong>de</strong> chegar perto... Jay Cee era<br />

minha chefe e eu gostava muito <strong>de</strong>la, apesar do que Doreen falou. Não era<br />

daquelas mulheres exageradas <strong>de</strong> revista <strong>de</strong> moda, <strong>de</strong> cílios postiços e<br />

cobertas <strong>de</strong> jóias. Jay Cee era inteligente, por isso sua feiúra não tinha<br />

importância. Lia em várias línguas e conhecia todos os bons escritores da<br />

área. Tentei imaginar Jay Cee sem o tailleur <strong>de</strong> trabalho comportado e o<br />

chapéu obrigatório para o almoço, na cama com seu marido gordo, mas<br />

não consegui. Sempre tive a maior dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imaginar pessoas juntas<br />

123 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 8-9.<br />

124 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 19.

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