tratados de amor: uma análise das obras de pietro bembo
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ao reavivar a tradição platônica na história do pensamento oci<strong>de</strong>ntal. Foi na conjuntura da<br />
segunda meta<strong>de</strong> do século XV que o platonismo encontrou gran<strong>de</strong> acolhida nos meios<br />
intelectuais florentinos. Sob o mecenato <strong>de</strong> Cosme <strong>de</strong> Médici gran<strong>de</strong> parte da obra <strong>de</strong><br />
Platão foi traduzida e foi criada em Florença a Aca<strong>de</strong>mia Platônica, por ação <strong>de</strong> Marsilio<br />
Ficino. Esta foi a primeira e o mo<strong>de</strong>lo <strong>das</strong> inúmeras aca<strong>de</strong>mias não oficiais do<br />
Renascimento. O seleto grupo <strong>de</strong> freqüentadores da aca<strong>de</strong>mia, encarnando os princípios do<br />
programa ficiniano, formou um foco <strong>de</strong> difusão e implantação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ologia que,<br />
soma<strong>das</strong> à ações políticas, se projetaram pela cida<strong>de</strong> florentina e também em outros<br />
estados italianos.<br />
É importante lembrar que o Renascimento é <strong>uma</strong> época complexa e abarca, como<br />
qualquer outro período, muitas diferenças cronológicas, regionais e sociais. O H<strong>uma</strong>nismo<br />
renascentista, segundo a <strong>análise</strong> do historiador Paul Oskar Kristeller 5 , po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong><br />
acordo com sua gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> semântica. Foi um movimento cultural complexo que<br />
abarcou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a filologia às artes plásticas. Em seu interior vigoraram muitas correntes e<br />
tradições que <strong>de</strong>safiam qualquer tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição geral. É neste período que o homem<br />
adquire <strong>uma</strong> nova noção do Eu em relação ao Criador e à Sua criação e aperfeiçoa-se<br />
enquanto indivíduo na busca da plenitu<strong>de</strong>. Porém, apesar <strong>das</strong> características <strong>de</strong> reavaliação,<br />
inovação e transformação, <strong>de</strong>nunciam-se múltiplos diálogos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> entre o<br />
homem renascentista e o seu homólogo medieval: comungam da mesma metodologia<br />
epistemológica. Portanto, a perspectiva <strong>de</strong> Kristeller acerca da História, <strong>de</strong>sconstrói noções<br />
que afirmam haver ruptura marcada entre a produção intelectual do medievo e do<br />
Renascimento. Nesse sentido, para compreen<strong>de</strong>r o mapa cultural do período mo<strong>de</strong>rno,<br />
principalmente o da Itália do século XV, o autor propõe <strong>uma</strong> reflexão sobre a herança<br />
clássica, <strong>de</strong> modo a ressaltar a proximida<strong>de</strong> cultural entre o Renascimento, Ida<strong>de</strong> Média e<br />
diferentes tradições. Se <strong>uma</strong> <strong>das</strong> características do Renascimento é a retomada dos<br />
clássicos da Antigüida<strong>de</strong>, tanto do que se refere ao universo <strong>das</strong> artes, da filosofia e da<br />
política, não se trata meramente <strong>de</strong> <strong>uma</strong> retomada dos temas, mas <strong>de</strong> <strong>uma</strong> apropriação e<br />
escolha. Portanto, com base na concepção <strong>de</strong> Kristeller, acerca da relação que<br />
estabeleceram os h<strong>uma</strong>nistas com as fontes clássicas, utilizamos seu conceito <strong>de</strong><br />
‘apropriação cultural’ para compreen<strong>de</strong>r a releitura que Ficino realizou da teoria platônica<br />
referente ao <strong>amor</strong> e à alma.<br />
Notamos que as idéias expostas por Ficino estão profundamente marca<strong>das</strong> por <strong>uma</strong><br />
vasta gama <strong>de</strong> estudos referentes a diferentes fontes, tanto antigas, quanto medievais. Em<br />
De Amore Ficino expõe <strong>uma</strong> complexa <strong>de</strong>finição filosófica do <strong>amor</strong> que formula a partir da<br />
releitura que fez <strong>de</strong> “O Banquete” <strong>de</strong> Platão, elaborando <strong>uma</strong> filosofia que contemplava<br />
tanto aspectos filosóficos referentes ao <strong>amor</strong> em Platão, quanto à espiritualida<strong>de</strong> cristã.<br />
Ficino <strong>de</strong>senvolve um marco <strong>de</strong> referência que não existia entre os primeiros h<strong>uma</strong>nistas:<br />
confere ao homem <strong>uma</strong> posição bem <strong>de</strong>finida em um esquematizado sistema metafísico do<br />
universo justificando a dignida<strong>de</strong> do homem 6 em função <strong>de</strong>sse sistema. O h<strong>uma</strong>nista é,<br />
portanto, o representante central e mais influente do neo-platonismo renascentista, já que<br />
nele se unem a herança filosófica e religiosa medieval e os ensinamentos do platonismo.<br />
Foi o único pensador <strong>de</strong> seu tempo que compôs um sistema filosófico completo e original.<br />
É importante levar em conta que o neo-platonismo renascentista não é apenas um simples<br />
5<br />
KRISTELLER, Paul Oskar. El pensamiento renacentista y sus fontes. Madrid: Fondo <strong>de</strong> Cultura<br />
Economica, 1993.<br />
6<br />
O h<strong>uma</strong>nista Picco De La Mirandola também é um gran<strong>de</strong> exemplo da gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> correntes<br />
filosóficas que permeavam o pensamento h<strong>uma</strong>nista. De La Mirandola, em sua obra A dignida<strong>de</strong> do Homem,<br />
apresenta extrema erudição ao se referir a várias correntes <strong>de</strong> pensamento. Nas diferentes fontes utiliza<strong>das</strong><br />
por Pico, bem como a ampla gama <strong>de</strong> citações no <strong>de</strong>correr do discurso, é possível verificar muitas referências<br />
justapostas, entre as quais se encontram: as clássicas, católicas, bíblicas, orientais, islâmicas, místicas,<br />
cabalísticas, pagãs, pré-socráticas e socráticas, além da gran<strong>de</strong> influência da teoria <strong>de</strong> Ficino.