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tratados de amor: uma análise das obras de pietro bembo

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fragmento ou <strong>uma</strong> ramificação do movimento h<strong>uma</strong>nista, pois possui um lugar próprio<br />

enquanto movimento filosófico e não só como expressão erudita ou literária.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos importante nesse aspecto <strong>uma</strong> reflexão, ainda que pormenorizada, <strong>das</strong><br />

principais idéias <strong>de</strong> Platão interpreta<strong>das</strong> por Ficino. Foi Platão que, em certo sentido,<br />

combinou as idéias religiosas e filosóficas da alma e consi<strong>de</strong>rou que esta era o princípio<br />

animador do corpo e um agente moral e metafísico. Assim, ainda no primeiro capítulo<br />

discutimos alguns conceitos elencados por Platão em O Banquete 7 e Fédon 8 . Nestas duas<br />

<strong>obras</strong> Platão refere-se a dois conceitos chave para pensar sobre a alma e o <strong>amor</strong>, o bem e o<br />

belo. Nota-se <strong>uma</strong> referência tanto ética quanto estética no que se refere à sua idéia sobre a<br />

utilida<strong>de</strong> do <strong>amor</strong> que está intrinsecamente ligado ao que é bom e belo. Sua concepção<br />

acerca <strong>de</strong> tais conceitos indica que o <strong>amor</strong> é o ápice <strong>de</strong> um trajeto <strong>de</strong> ascese espiritual que<br />

se constitui através <strong>de</strong> diferentes caminhos, sendo o da parturição <strong>das</strong> idéias o mais<br />

elevado. Observamos que o conceito platônico <strong>de</strong> <strong>amor</strong> perpassa <strong>uma</strong> idéia intelectual, já<br />

que ocorre no plano <strong>das</strong> i<strong>de</strong>ias.<br />

A leitura que Ficino realiza <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias centrais <strong>de</strong> Platão evi<strong>de</strong>ncia-se em sua<br />

concepção filosófica presente na obra que foi estudada em nossa pesquisa, na qual o<br />

h<strong>uma</strong>nista nos apresenta <strong>uma</strong> estrutura básica que correspon<strong>de</strong> à sua teoria cosmológica<br />

dos círculos, que inter-relacionam-se. No centro <strong>de</strong>sse sistema circular está o bem, que é a<br />

origem e o fim <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo. O impulso ascen<strong>de</strong>nte à origem <strong>de</strong>sse sistema circular<br />

constitui a essência do conceito <strong>de</strong> Ficino sobre o <strong>amor</strong>. Vale ressaltar que durante o<br />

Renascimento, a alma prefigurava como tema, não em termos que questionamento <strong>de</strong> sua<br />

existência, mas da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> sua natureza. Para Ficino, a alma é a base ontológica <strong>de</strong> seu<br />

sistema, é a possibilida<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na que se sobrepõe à morte física.<br />

Em sua teoria Ficino tem por princípio que o propósito último do ser h<strong>uma</strong>no é<br />

ascen<strong>de</strong>r mediante a contemplação até chegar a <strong>uma</strong> visão direta <strong>de</strong> Deus, fonte <strong>de</strong> todo o<br />

bem. É perceptível aqui <strong>uma</strong> distinção clara <strong>de</strong> Ficino em relação à idéia platônica <strong>de</strong><br />

ascese espiritual: Platão <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>uma</strong> ascese espiritual com vistas ao inteligível, on<strong>de</strong> a<br />

verda<strong>de</strong>ira realida<strong>de</strong> é obtida e que é o motivo para tal ascensão. Não há em Platão<br />

referência ao retorno a Deus. Ficino, por sua vez, insere o elemento cristão nesse processo<br />

<strong>de</strong> ascendência, sua i<strong>de</strong>ia central a respeito do <strong>amor</strong> platônico é enfatizar que o <strong>amor</strong><br />

espiritual <strong>de</strong> um ser h<strong>uma</strong>no por outro é na realida<strong>de</strong> o anseio, o <strong>amor</strong> da alma por Deus. A<br />

linha argumentativa presente na obra <strong>de</strong> Ficino aponta para <strong>uma</strong> questão muito cara ao<br />

pensamento h<strong>uma</strong>nista renascentista: a dignida<strong>de</strong> do homem. Toda a ontologia ficiniana<br />

está pautada na idéia <strong>de</strong> que o homem é um microcosmo, o que justifica seu lugar<br />

privilegiado no universo e seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> harmonizar-se com o ritmo universal. A obra <strong>de</strong><br />

Ficino nos oferece <strong>uma</strong> ontologia, <strong>uma</strong> cosmologia, <strong>uma</strong> ética, <strong>uma</strong> estética e <strong>uma</strong> teoria<br />

sobre o <strong>amor</strong>. O tratado é abundante em alegorias. A conjunção que Ficino tece entre<br />

filosofia e religião em seu trabalho po<strong>de</strong> ser relacionada ao fato <strong>de</strong> que a doutrina platônica<br />

oferecia o fundamento racional para superar a angústia frente à condição efêmera da<br />

existência h<strong>uma</strong>na. Desse modo, o pensamento do h<strong>uma</strong>nista não é apenas teórico, é<br />

também apologético, <strong>uma</strong> vez que aponta para <strong>uma</strong> reforma espiritual. É inegável que o<br />

entendimento da filosofia clássica, efetuado por Ficino, bem como as questões emergentes,<br />

com que se confrontava, foram pensa<strong>das</strong> <strong>de</strong> acordo com os mol<strong>de</strong>s da tradição, em<br />

<strong>de</strong>corrência do <strong>de</strong>senvolvimento da cultura cristã.<br />

Certamente esta visão extremamente espiritualizada e filosófica do <strong>amor</strong> era muito<br />

restrita aos círculos h<strong>uma</strong>nistas <strong>das</strong> cortes renascentistas italianas, mas ela fez fortuna,<br />

tendo em vista as publicações durante o século XVI <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> <strong>obras</strong> em<br />

7<br />

PLATÃO. O Banquete; tradução, introdução e notas do Prof. J. Cavalcanti <strong>de</strong> Souza. 9ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Bertrand Brasil, 1999.<br />

8<br />

PLATÃO. Fédon. Tradução Heloísa da Graça Burati. São Paulo: Ri<strong>de</strong>el, 2005. Biblioteca Clássica.

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