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Desaparecendo os clássicos componentes estruturantes da realidade de<br />
cada um (forte ligação à religião, a um princípio filosófico, a uma ideologia<br />
política) as pessoas buscam sair da angústia do esvaziamento através de<br />
novas formas de metafísica. Assim, o renascimento religioso, ou seja, a busca<br />
de uma "verdade eterna" acaba funcionando como um oportuno substituto<br />
deste estado de coisas marcado pelo flutuar acima de qualquer envolvimento<br />
mais efetivo. É uma forma de pseudomistificação numa sociedade altamente<br />
racionalizada.<br />
A velocidade está no costume com o conforto, naquilo que nos faz<br />
reduzir o senso de tocar, de sentir o contacto muscular com as matérias e<br />
volumes em proveito, ao contrário, de uma série de afloramentos, de toques e<br />
de deslizes furtivos. (Virilio, 1980, p.61) É Virilio que vai caracterizar também a<br />
velocidade como uma forma de morte. "Montar um animal ou sentar-se num<br />
veículo automotor é preparar-se para morrer no momento da partida e renascer<br />
na chegada ... O aumento da velocidade é a curva de crescimento da angústia.<br />
A velocidade de deslocamento não é mais do que a sofisticação da fuga".<br />
(idem, pp.43-47)<br />
A saída da angústia estaria naturalmente no suicídio. Mas este<br />
subordina-se, como a própria angústia, a uma vivência trágica, logicamente<br />
associada aos destinos da ontologia. A era das emoções e do êxtase, ao<br />
contrário, banaliza a morte, na medida que torna-a medidade de suas próprias<br />
forças de estímulo: só se investe, só se estimula, só se trabalha naquilo que<br />
"inibe a morte", que faz o jogo fascinante de brincar com ela, isto é, que consiga<br />
restituir emoções que nenhum outro modelo hoje mais alcança.<br />
Para Virilio, a velocidade também significa o envelhecimento prematuro,<br />
em que mais o movimento se acelera, mais rápido o tempo passa, mais o<br />
ambiente se priva de significação. (Virilio, 1984, p.43)<br />
A velocidade tornou os fatos da vida cotidiana absolutamente sintéticos,<br />
reduzidos, condensados, comprimidos, de tal forma que mediante todos os<br />
recursos que temos à disposição pelas tecnologias podemos em uma só vida<br />
viver experiências que num passado distante exigiam muitas. Pode-se viajar<br />
milhares de vezes pelo mundo, trocar diversas vezes de ocupação, fazer<br />
circular um maior número de parceiros e, em última análise, condensadamente,<br />
viver uma vida elevada a uma potência jamais imaginada no passado. Daí a<br />
sensação de tudo ter sido vivido, de esgotamento, de ausência de prazer no<br />
novo e de uma angústia de envelhecimento precoce. Faz-se hoje muito mais do<br />
que qualquer pessoa das gerações passadas poderia fazer, ganha-se em<br />
quantidade na razão inversa da apreensão exaustiva, cuidadora e<br />
compenetrada da experiência.<br />
Também os lugares mudam de significado na destruição geográfica das<br />
distâncias. Quanto mais rápido o carro segue pelas estradas, menor é o tempo<br />
que liga o ponto de chegada ao de partida, menor é o registro real do ambiente<br />
externo. Cada vez mais o panorama que é atravessado pela autopista e através<br />
dela pelo veículo que corre deixa de existir realmente, tornando-se apenas uma<br />
sequência enfileirada de diagramas, que compõem um visual composto de<br />
pouca fixação. É como um filme de rotação acelerada, do qual pouco nos é<br />
dado captar e sentir. A paisagem desaparece com a velocidade. A atenção<br />
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