You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O DESTINO DE UMA ILUSÃO<br />
Primeira Parte<br />
1. A Crise do Pensamento Esclarecido<br />
O homem da Era Moderna era marcado pela ilusão da onipotência. Nele<br />
foi inculcado que possuia poderes, capacidades, força de interferir no meio, na<br />
cultura, na história. De Deus, ele arrancou os poderes absolutos e determinou<br />
com isso o declínio da metafísica: a nova era passa a ser a do homem<br />
dominando a máquina, usando-se da ciência, da razão, do objetivo sobre o<br />
subjetivo, do concreto sobre o abstrato, do material sobre o imaterial. O domínio<br />
posivito da natureza e do meio decretava que nada mais de sobrenatural<br />
poderia interferir na ação racional humana com vistas à realização de seus<br />
nobres fins sociais. A técnica, nas mãos do homem, de fato promoveu o<br />
crescimento industrial, a expansão dos bens de consumo, o desenvolvimento<br />
de todos os meios de transporte e comunicação, bem como a inovação no<br />
campo artístico, o aumento das facilidades das próprias sociedades humanas e<br />
em todos os âmbitos da vida cotidiana.<br />
As esperanças excepcionais que os homens atribuiram à técnica,<br />
entretanto, não previam que seus desdobramentos questionariam a natureza do<br />
espírito social da própria época moderna. A técnica não só deu conta das<br />
aspirações humanas em realizar suas intenções de expansão, exploração e<br />
domínio, mas superou-as excepcionalmente. Técnica, instituições e objetos<br />
deixaram claro, no século XX, que os poderes humanos têm alcance restrito:<br />
demonstraram que o homem não pode tudo; de fato, ele pode muito pouco. Os<br />
objetos têm autonomia, impõem-se ao homem e não se subjugam. A<br />
onipotência tornou-se impotência.<br />
A técnica e seus desdobramentos na sociedade, isto é, a ideologia que<br />
se desenvolve a partir de seu uso e de sua instrumentalização tornaram<br />
possível, em primeiro lugar, a erosão dos princípios filosóficos que haviam sido<br />
erguidos no começo do século XVII. A ontologia, ou seja, a concepção baseada<br />
na filosofia clássica de que no homem existiriam "estruturas estáveis" - que só<br />
não eram claramente perceptíveis porque o homem no seu processo social<br />
estaria encoberto por uma nuvem de alienação provocada originalmenmte pelo<br />
processo de trabalho - assim como a metafísica, foram minadas pela própria<br />
forma de a técnica de autoimpor-se no social. Esta liquidou a imagem de que no<br />
homem sua aparência poderia ser negada ou contraposta a uma estrutura<br />
íntima última, bem como consagrou a afirmativa de Nietzsche, de que Deus<br />
estava morto. Isto é, impôs uma verdade positiva de que as coisas são como<br />
são e qualquer recurso transcendente de explicação seria tido como misticismo.<br />
Em outras palavras: a crença na existência de Deus, e, por derivação, na<br />
possibilidade de uma natureza permanente e imutável no homem passaram,<br />
depois desta expansão da técnica, a ser tidas como mera ficção.<br />
A existência de uma ontologia do ser teve sua origem nos mecanismos<br />
de antropomorfização da própria sociedade, no destronamento da cultura<br />
erguida sobre a imagem de Deus.<br />
4