VJ SET 2008 A.p65 - Visão Judaica
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O laudo Olmert -<br />
La Stampa<br />
Riccardo Barenghi *<br />
Sinto-me orgulhoso de ser um cidadão de um país que<br />
permite que a polícia investigue o seu premiê, que não<br />
está acima da lei, mas até mesmo abaixo dela. Ler estas<br />
palavras dá disposição para avançar neste país (Itália), onde<br />
as coisas não vão tão bem, a ponto de um chefe do governo<br />
não só não apreciar suspeitas de que seja investigado,<br />
e retirar dos juízes que apuraram a verdade, a permissão<br />
para isso, como esta ser sua melhor forma de defesa. O país<br />
chamado Israel certamente não vive uma vida fácil, pois<br />
nasceu há sessenta anos.<br />
Nem ele, nem os palestinos que vivem lá puderam encontrar<br />
a paz, e nem convivem em paz com os países árabes<br />
que circundam esse país, mas alguns não permanecem calados.<br />
Estamos falando de um país onde a guerra é a ordem do<br />
dia na verdadeira acepção da palavra - e vamos deixar aqui os<br />
motivos e as injustiças - uma guerra que às vezes é sofrida e,<br />
por vezes, abalada por parte de Israel, e que, no entanto causam<br />
mortes, feridos, destruição. Uma guerra em casa, em<br />
suma, na qual, quando alguém dobra uma esquina tem sempre<br />
a sensação de que algo possa vir acontecer, uma bomba,<br />
um suicida-bomba, um ataque.<br />
Ora, num país desse tipo acontece que a democracia é<br />
tão enraizada e forte, que a suspeita de um primeiro-ministro<br />
demissionário é sem dramas, abrindo caminho para a<br />
sucessão e novas eleições. Nós não somos israelenses, felizmente<br />
não temos guerra em casa, não devemos temer<br />
porque o Irã pretende destruir-nos ou o Hezbolá libanês<br />
dispare contra nós seus foguetes, não temos tanques nas<br />
ruas, não temos inimigos internos ou homens-bombas externos.<br />
Vivemos em paz. Mas nós nunca tivemos um presidente<br />
do Conselho com funções cessadas por suspeita - atenção,<br />
tivemos apenas suspeitos condenados - por parte do<br />
poder judicial. Imagine você, leitor, se Berlusconi ou Prodi,<br />
tal como fez Olmert, convocassem uma entrevista coletiva<br />
de imprensa para dizer: "Sinto-me orgulhoso de ser um cidadão<br />
de um país que permite que a polícia investigue o<br />
seu premiê..."?<br />
O nosso estilo é outro, desdenho e rejeição das acusações<br />
(e até agora essa reação é sagrada, muitas vezes, as<br />
denúncias são infundadas), ao invés de serem comunicadas<br />
as partes, são acusados os magistrdos de serem politizados,<br />
para investigar criam-se comissões de nome diversos por<br />
opositores políticos, ou talvez abram-se contra eles um bom<br />
processo disciplinar do qual resulte a transferência para a<br />
incompatibilidade do ambiente. Há até mesmo o caminho<br />
da demissão: "resistir, resistir, resistir. E, no fim, se você<br />
fizer o mal, aqui vai um belo prêmio Alfano que garante<br />
imunidade e boa vida para os jogadores.<br />
Arriscando uma comparação incorreta e até mesmo ofensiva<br />
para israelenses e palestinos, dizemos que também nós<br />
somos uma nação em guerra. Uma guerra que felizmente<br />
não está causando mortes (exceto aqueles que tenham cometido<br />
suicídio na prisão do julgamento do magistrado Di<br />
Pietro), mas envenena o ar da política e da sociedade civil,<br />
liquida carreiras e cria outras. A guerra começou há quinze<br />
anos e foi essencial para a descoberta do gigantesco pote<br />
da corrupção na política e na indústria, mas somos incapazes<br />
de ver sua conclusão. Isso poderia ocorrer apenas em<br />
um caso: é claro excluindo a hipótese de que a partir de<br />
hoje em diante todos os homens honestos tornaram-se probos.<br />
Isto quer dizer que os políticos estão começando a confiar<br />
nos juízes e promotores, mesmo quando eles estejam<br />
sob investigação por qualquer coisa, mas investigar um político<br />
pode ser para aparecer em cena.<br />
Esse tipo de resultado porém muito improvável, portanto,<br />
é bem provável que talvez tenhamos primeiro que esperar<br />
que os israelenses e os palestinos façam a paz.<br />
* Riccardo Barenghi é editorialista do jornal La Stampa,<br />
de Turim, Itália<br />
Jonathan Sacks *<br />
29/9 - Véspera de Rosh Hashaná -<br />
acendimento das velas 17h55<br />
30/9 - 1º dia de Rosh Hashaná -<br />
acendimento das velas 18h50<br />
31/9 - 2º dia de Rosh Hashaná<br />
xistem momentos em<br />
que o significado de uma<br />
antiga metáfora toma<br />
uma nova dimensão. Isso<br />
é o que aconteceu este<br />
ano. Durante séculos, talvez<br />
milênios, nesta época entre Rosh<br />
Hashaná e Iom Kipur nossos ancestrais<br />
falaram sobre o "Livro da Vida" e<br />
rezaram para ser inscritos nele. Não é<br />
por acaso que quando os judeus falavam<br />
a respeito da vida pensavam sobre<br />
um livro. Outras religiões encontram<br />
santidade em outras coisas - pessoas,<br />
locais, ícones, objetos. Mas a santidade<br />
judaica existe, acima de tudo,<br />
na linguagem. Com palavras, D-us<br />
criou o mundo. Através de palavras,<br />
Ele revelou-Se no Sinai. Através das<br />
palavras, D-us e o povo judeu conectam-se<br />
um ao outro no grande pacto<br />
de amor e redenção. Quando D-us<br />
compôs a Torá, dizem os rabinos, Ele<br />
escreveu-a com letras de fogo negro<br />
sobre fogo branco. Para nós letras, palavras,<br />
frases, livros foram o meio no<br />
qual o mistério da vida foi codificado.<br />
Sabemos agora que isso foi mais que<br />
uma intuição espiritual. É um fato<br />
científico. A decodificação do genoma<br />
humano é um dos notáveis avanços da<br />
ciência. Quarenta e sete anos depois<br />
que Francis Crick e James Watson descobriram<br />
a dupla hélice do DNA, o roteiro<br />
completo do genoma humano foi<br />
transcrito. Ocorre que este é um roteiro<br />
de enorme comprimento e complexidade,<br />
escrito nas quatro letras<br />
que formam o código genético. O expresidente<br />
Clinton chamou-o de linguagem<br />
da criação. Os cientistas simplesmente<br />
declaram: Estamos aprendendo,<br />
dizem eles, a ler o livro da vida.<br />
As conexões entre o genoma humano<br />
e Rosh Hashaná vão mais além - e isso<br />
não é surpresa, porque ambos tratam<br />
dos fundamentos da própria vida. O<br />
primeiro está ao nível da criação. Dizemos<br />
em nossas preces: "hayom haras<br />
olam", "hoje nasceu o universo".<br />
Rosh Hashaná é o aniversário da criação.<br />
Alguns sábios acreditavam que<br />
este foi o dia no qual D-us fez o homem.<br />
Mais do que qualquer geração<br />
anterior sabemos agora a total extensão<br />
e complexidade destes mundos<br />
macro e microscópicos. Contemplando<br />
o espaço exterior, por meio de instrumentos<br />
como o telescópio espacial<br />
Hubble, descobrimos um universo de<br />
um bilhão de galáxias, cada qual com<br />
um bilhão de estrelas. Olhando para o<br />
"pequeno universo" (olam catan), ou<br />
seja, nós, descobrimos que o corpo<br />
humano contém um trilhão de células.<br />
Cada célula contém um núcleo, e<br />
VISÃO JUDAICA setembro de <strong>2008</strong> Elul / Tishrê 5768 / 5769<br />
O Livro da Vida<br />
cada núcleo dois conjuntos do genoma<br />
humano. Cada genoma consiste de<br />
aproximadamente 3,1 bilhões de letras,<br />
informação suficiente para preencher<br />
uma biblioteca de cinco mil livros.<br />
A mente oscila perante tal complexidade<br />
microscópica. Dentro de<br />
uma única célula de tecido vivo a<br />
ciência mapeou um mundo novo, até<br />
agora desconhecido. Da astrofísica até<br />
a microbiologia, os cientistas de hoje<br />
cada vez mais expressam um sentimento<br />
de reverência pela perfeita sintonia<br />
do universo e a pura improbabilidade<br />
de que a vida, com sua complexidade<br />
auto-organizadora tenha emergido<br />
por mero acaso. O físico de Harvard,<br />
Freeman Dyson, escreve: "Quanto<br />
mais eu examino o universo e os<br />
detalhes de sua arquitetura, mais evidências<br />
encontro de que o universo,<br />
de alguma forma, deve ter sabido que<br />
estávamos chegando". Isso é um eco<br />
daquilo que Maimônides escreveu<br />
há mais de oito séculos (Hilkhot Yesodei<br />
haTorah 2:2) quando afirmou<br />
que o caminho para o amor e temor<br />
a D-us é contemplar a maravilha e a<br />
sabedoria da criação.<br />
Há uma outra conexão entre a<br />
ciência e os Dias de Reverência, mas<br />
desta vez menos direta. No decorrer<br />
do Projeto Genoma, foram feitas alegações<br />
de que estamos no limiar de<br />
descobrir a base genética do comportamento<br />
humano. Os médicos há muito<br />
sabem que determinadas doenças<br />
são hereditárias. Maimônides, por<br />
exemplo, sabia que a asma é transmitida<br />
dentro das famílias. Assim também,<br />
debate-se atualmente, são os<br />
traços da personalidade como agressividade,<br />
depressão, até a propensão<br />
ao crime. A partir daí é um curto passo,<br />
porém enganoso, para o determinismo<br />
genético - à idéia de que não<br />
podemos evitar aquilo que somos.<br />
Nosso destino está escrito em nossos<br />
genes. O judaísmo rejeita esta idéia,<br />
ainda mais enfaticamente em Rosh<br />
Hashaná e Iom Kipur. Existe um componente<br />
genético no comportamento.<br />
Maimônides (Hilkhot Deot 1:2)<br />
descreve as várias influências sobre o<br />
caráter. Algumas são genéticas (lefi<br />
teva gufo). Outras têm a ver com a criação,<br />
ambiente e cultura. É isso que<br />
queremos dizer em Iom Kipur, que<br />
somos "ke-chomer beyad hayotser",<br />
"como argila nas mãos do ceramista".<br />
Somos moldados por influências<br />
além de nosso controle. Mas - e isso é<br />
um 'mas' fundamental - jamais perdemos<br />
nossa liberdade. Somos aquilo<br />
que escolhemos ser. Às vezes, fazer a<br />
coisa certa é uma grande luta. A inclinação<br />
para agir de forma diferente<br />
pode ser quase avassaladora, mas<br />
nunca de forma completa. Nenhuma<br />
religião tem se afirmado mais sistematicamente<br />
sobre a liberdade e responsabilidade<br />
humanas. É isso que<br />
nos faz "à imagem de D-us". O escritor<br />
11<br />
Prêmio Nobel Isaac Bashevis Singer<br />
declarou isso muito bem e espirituosamente:<br />
"Temos de acreditar no livre<br />
arbítrio. Não temos escolha!" Nosso<br />
encontro mais profundo com a liberdade<br />
está na experiência de teshuvá.<br />
O completo arrependimento, diz<br />
Maimônides, é quando nos encontramos<br />
exatamente na mesma situação<br />
de quando cometemos um pecado,<br />
mas dessa vez não o repetimos. Todos<br />
os fatores são os mesmos exceto um -<br />
nossa decisão. No âmago da teshuvá<br />
está a idéia de que as circunstâncias<br />
não determinam aquilo que fazemos.<br />
Podemos agir de forma diferente da<br />
próxima vez. Podemos mudar. E se podemos<br />
mudar, não estamos determinados<br />
por nossa dotação genética ou<br />
por qualquer outro fator que não seja<br />
a nossa vontade. Não se pode enfatizar<br />
demais a importância dessa idéia.<br />
Isso significa que na situação humana<br />
nenhuma sina é definitiva, nenhum<br />
destino inevitável. Eis por que o<br />
judaísmo é o supremo argumento para<br />
a esperança. Os grandes vultos de nossa<br />
história foram todos capazes de<br />
mudar. Nas páginas da Torá, vemos<br />
Yossef transformado de um jovem sonhador<br />
em um decidido homem de<br />
ação. Moshê, gago, transforma-se no<br />
mais eloqüente dos profetas. Ruth, a<br />
estranha moabita, torna-se a notável<br />
bisavó do maior Rei de Israel. Esther,<br />
que se considerava incapaz de ajudar,<br />
transforma-se na salvação de seu<br />
povo. Nosso destino não está escrito<br />
em nossos genes. Nossas decisões<br />
são mais que impulsos eletroquímicos<br />
no cérebro. Podemos ser pó da terra,<br />
mas dentro de nós está o sopro de D-us.<br />
A liberdade, porém, nunca é fácil. Precisamos<br />
de ajuda para ser aquilo que<br />
podemos nos tornar. Precisamos de<br />
um código moral para nos lembrar o<br />
que é certo e o que é errado. Precisamos<br />
do apoio da família e da comunidade.<br />
Precisamos de rituais para praticarmos<br />
a coreografia da virtude. Precisamos<br />
de histórias de vidas exemplares<br />
através das quais ampliemos<br />
nossas aspirações. Precisamos de um<br />
senso de distância entre nós e a cultura<br />
à nossa volta, para que não sejamos<br />
levados pela maré. Isso é o que o<br />
judaísmo nos dá e tem dado desde os<br />
dias de Avraham e Sarah. É uma disciplina<br />
apoiada na liberdade. E o mais<br />
importante de tudo - mais importante<br />
até que nossa fé em D-us - é a fé de<br />
D-us em nós, acreditando em nós quando<br />
perdemos a fé em nós mesmos, erguendo-nos<br />
quando caímos, perdoando-nos<br />
quando erramos, dando-nos a<br />
força para assumir riscos e a coragem<br />
para mudar. Existem dois livros da vida.<br />
Um é o genoma humano; o outro é a<br />
história humana. D-us pode ter escrito<br />
o primeiro, mas Ele nos convida a sermos<br />
os co-autores do segundo - porque<br />
se podemos mudar a nós mesmos,<br />
podemos mudar o mundo.<br />
* Jonathan Sacks é professor e rabino-chefe da Inglaterra. (/www.chiefrabbi.org/thoughts/rh2.html) Publicado em<br />
português em www.chabad.org.br