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14<br />

pectador por espetáculo; 20 dias de salário mínimo nacional para o assinante de oito óperas.<br />

Número de espectadores por ano: perto de um milhão.<br />

Ou seja, considerando, além disso, o mais elevado nível de vida em França, era<br />

enorme o diferencial entre os custos sociais da ópera, respectivamente em Lisboa e em<br />

Paris, e tanto maior também o diferencial entre a sua repercussão cultural e até econômica.<br />

O financiamento público de 100 milhões de euros em Paris, para quase um milhão de espectadores,<br />

tinha um efeito reprodutivo indireto na própria economia, enquanto o financiamento<br />

de 14 milhões em Lisboa se traduzia em ônus financeiro, pois que, para<br />

além de servir para subsidiar uma elite muito restrita oriunda das classes mais abastadas<br />

(com meios para pagar 50 euros por um bilhete ou 400 por uma assinatura), 4 não tinha qualquer<br />

efeito relevante no desenvolvimento cultural e socioeconômico do país. Quanto ao<br />

número de espectadores, para se obter em Lisboa um efeito reprodutivo (do investimento<br />

público) proporcional ao de Paris, a atividade do Teatro de São Carlos teria de quase<br />

quadruplicar: passar de apenas 27 mil para cerca de 120 mil espectadores por ano.<br />

Na temporada de 2009-2010, após apenas dois anos de combinação de residência<br />

e star system, sob a direção artística do dr. Christoph Dammann, que cessara funções na<br />

Ópera de Colônia, para assumir o cargo equivalente em Lisboa, os números passaram a<br />

ser completamente diferentes: aumento de 50% do número de espectáculos; 83 mil<br />

espectadores (mais do triplo do número de espectadores de 2006); custo ao Estado de<br />

cada espectador por espetáculo: 156 euros; custo ao Estado de cada assinante de oito<br />

óperas: cerca de dois meses de salário mínimo nacional.<br />

Outro indicador particularmente relevante: enquanto, no triênio de 2003-2006,<br />

as atuações em palco de artistas portugueses ou residentes em Portugal se contavam<br />

apenas por algumas dezenas, nas temporadas de 2007-2010 ascenderam a cerca de um<br />

milhar.<br />

A orientação fundamental foi a de valorizar a recepção do espetáculo como um<br />

todo, sua eficácia teatral (incluindo, naturalmente, a dimensão teatral das componentes<br />

musicais), na base de uma abordagem crítica e inovadora dos conteúdos dramatúrgicos.<br />

Dir-se-ia que tal revolução seria recebida com entusiasmo. E o foi, em termos<br />

de adesão de novos públicos, mas um grupo mais restrito de assinantes e um ou dois<br />

críticos fanáticos do star system desencadearam uma campanha tão exaltada na rádio e<br />

na imprensa que o novo director artístico foi obrigado a rescindir o contrato, seguindose-lhe<br />

também, pouco depois, o demissão do diretor do Estúdio de Ópera, o brasileiro<br />

André Heller-Lopes, que exercera igualmente com a maior competência as suas funções.<br />

O episódio suscita uma ampla discussão. Uma questão que logo se coloca é a de<br />

saber qual é o papel das políticas públicas: financiar, sobretudo, a importação de “bens e<br />

serviços” culturais? Ou promover, sobretudo, o investimento reprodutivo, criando condições<br />

estruturais para o desenvolvimento sustentável de uma cultura músico-teatral local,<br />

que venha a tornar-se parte ativa no intercâmbio internacional? A resposta implica perceber<br />

a relevância da Ópera para a Economia e a relevância da Economia para a Ópera.<br />

Num mundo globalizado multicultural, a interseção entre cultura e economia leva-nos a<br />

identificar fundamentalmente dois sistemas em presença: o hegemônico, baseado no<br />

star system; e o contra-hegemônico, baseado em alternativas locais (ver Figuras 1 e 2).<br />

O primeiro tem como parceiro de comunicação típico o “melômano”, impõe<br />

uma “monocultura” à escala global e se assenta em mecanismos de autorregulação que<br />

excluem alternativas locais. Enquanto ramo da indústria cultural, promove a ópera como<br />

mercadoria de prestígio, mas a sua hegemonia não resulta exclusivamente da dinâmica<br />

...........................................................................<br />

4 Os 14 milhões de financiamento do Estado é que permitiam estes preços. Caso contrário, para o mesmo número<br />

de espectadores, cada entrada avulsa poderia ascender a cerca de 550 ou 600 euros.<br />

Atualidade da Ópera - Série Simpósio Internacional de Musicologia da <strong>UFRJ</strong>

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