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Versão Digital - UFRJ

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Fiquemos com o último desses referenciais, por razões óbvias – o que nos termos<br />

de Stearns não seria de modo algum muito recuado temporalmente. A ópera posterior a<br />

1850 se encaixa suficientemente bem no relato da crescente integração global facilitada<br />

pelo desenvolvimento dos meios de transporte, especialmente os navios a vapor, e pela<br />

comunicação rápida possibilitada pelo telégrafo. Contudo, em resposta à observação de<br />

Osterhammel, quero considerar a possibilidade de que as viagens das décadas de 1820,<br />

1830 e 1840 criaram uma ideia antecipada de ópera global, baseada mormente no que<br />

Roland Robertson chamou de “uma intensificação da consciência do mundo como um<br />

todo” (Robertson, 1992, p. 8). Essa variante anterior, eu diria tão importante e merecedora<br />

de tanta atenção quanto o circuito de ópera movido pelos navios a vapor que se desenvolveria<br />

mais tarde no mesmo século; na verdade é uma parte geradora da história posterior.<br />

Nesse contexto, a viagem daquela companhia de ópera, robustamente composta<br />

por 70 membros, para Havana não se revela apenas algo maravilhoso por si só; tão notável<br />

foi o fato que a turnê foi relatada em um dos principais periódicos alemães de música<br />

como parte de uma excursão de “ópera italiana”. O jornalismo ajudou a mapear e, assim,<br />

dar existência ao crescente âmbito da ópera na medida em que ela se disseminou ao<br />

redor do globo, de tal modo que as estatísticas sobre o número de intérpretes deixam evidentemente<br />

de indicar. E, como resultado, a própria ópera italiana é transformada, ao receber<br />

um novo conjunto de contextos e significados como uma ideia global.<br />

Aplicar a concepção de ópera global a 20 ou 30 anos atrás, é mover a sua origem<br />

da modernidade tecnológica do navio a vapor para a modernidade mais cataclísmica das<br />

guerras napoleônicas e suas consequências, quer sob a forma de chegada da corte portuguesa<br />

ao Rio ou as guerras de independência que ocorreram em diversas partes do<br />

continente americano. Tal reformulação serve ainda para separar decisivamente a ópera<br />

globalizada das grandes levas de emigração italiana para as Américas, que ocorrerão no<br />

final do século: mais de sete milhões de pessoas, entre 1876 e 1914. Por essa época, e<br />

paralelamente ao seu apelo tradicional de elite, a ópera italiana tinha garantido um contexto<br />

já preparado da diáspora italiana, dulcificado pela nostalgia da pátria. Estimativas<br />

sobre a emigração na primeira metade do século são mais difíceis de encontrar, mas no<br />

caso da América do Sul, os italianos foram, sem dúvida, superados numericamente por<br />

grupos de outras nacionalidades, o que resulta em que a ópera italiana durante as décadas<br />

de 1820 e 1830 certamente não era um produto ligado a qualquer concepção de origem<br />

nacional e muito menos a um público definido nacionalmente.<br />

Voltando-se para um caso específico pode-se esclarecer esse ponto: Woodbine<br />

Parish, o britânico encarregado dos negócios em Buenos Aires no momento da primeira<br />

mania operática naquela cidade, durante os últimos anos da década de 1820, estimava<br />

que, em 1832, de uma população total de 81 mil habitantes na cidade, 15 a 20 mil eram<br />

estrangeiros – vale dizer, da Europa ou da América do Norte – e que dois terços destes<br />

eram britânicos e franceses (1839, p. 30). 5 Como resultado, a ópera italiana – cantada por<br />

uma mistura de cantores italianos, espanhóis e argentinos – era oferecida para uma<br />

audiência visivelmente composta pela elite local governante e pelos ricos comerciantes<br />

do norte da Europa. Para esses grupos, a ópera se denotava tão europeia – uma reminiscência<br />

da ópera em Paris ou Londres para os comerciantes e, de uma forma diferente,<br />

para os argentinos também – quanto qualquer outro produto do norte da Europa a ser<br />

emparelhado com demais bens importados de luxo, moda e misteres da época. “As pessoas<br />

de Buenos Aires”, escreveu um viajante, “estão fazendo rápidos avanços ao copiar os bri-<br />

...........................................................................<br />

5 Sobre uma história mais ampla da emigração italiana para a Argentina, ver Devoto, 2006.<br />

Atualidade da Ópera - Série Simpósio Internacional de Musicologia da <strong>UFRJ</strong>

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