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Versão Digital - UFRJ

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como expressões públicas do debate em curso, repetindo argumentos semelhantes da<br />

França ou Itália do início da década. 13<br />

No entanto, dado o clima da época, não é necessário ler muito nas entrelinhas<br />

para perceber, no final da década de 1830, como o popular Rossini da era napoleônica<br />

também pôde se mover facilmente para o papel de um Rossini do regime argentino<br />

opressivamente populista, para ser então rejeitado por Cané em El Iniciador através da<br />

imagem de um Bellini mais irreal. O mesmo tipo de segmentação podia ser visto nas<br />

apresentações musicais: Bellini era conhecido principalmente através de excertos<br />

impressos no Boletín ou La Moda destinados às apresentações semiprivadas dos salões; 14<br />

Rossini mantivera o seu lugar, ao longo dos anos 1830, no repertório padrão das<br />

apresentações públicas das bandas militares de Buenos Aires, tendo os motes musicais<br />

do Tancredi ou de A Italiana a acompanhar os incontáveis desfiles e festivais vespertinos<br />

(Plesch, 1999).<br />

Para dar um único e eloquente exemplo: em março de 1839, exatamente no<br />

momento em que o Uruguai declarou guerra contra o regime argentino, apoiado pelo<br />

governo no exílio em Montevidéu, Rosas retornou a sua residência em Buenos Aires.<br />

Uma multidão de cerca de uma centena de pessoas apareceu para dar as boas vindas,<br />

empurraram um piano até o local e fizeram uma serenata ao seu líder por uma hora ou<br />

mais, primeiro com o hino nacional e com slogans desejando a morte do líder uruguaio,<br />

Fructuoso Rivera, antes de romper no dueto do segundo ato de Tancredi de Rossini, “Ah si<br />

de mali miei”, seguido por um dueto de L’Italiana e uma variedade de outras canções, algumas<br />

operísticas e outras não (British Packet, 13 de março de 1839). Poucas semanas<br />

depois, na Sexta-Feira Santa, as bandas da Marinha e da Guarda da Argentina se reuniram<br />

na ponte levadiça do forte no centro da cidade para tocar mais trechos de Tancredi para<br />

milhares de habitantes da cidade reunidos, antes que quatro bonecos de Judas em trajes<br />

militares fossem suspensos na forca e esquartejados. Em seguida os marinheiros marcharam<br />

até a Praça da Vitória e continuaram a tocar enquanto outro boneco de Judas em<br />

uma gaiola foi dilacerado por moleques de rua (British Packet, 13 de abril de 1839).<br />

Não é fácil estabelecer qualquer associação direta; e ao longo de toda a década<br />

de 1830 Rossini se manteve como o compositor mais tocado no teatro de Montevidéu.<br />

Enquanto isso, as óperas de Bellini permaneceram não encenadas e, portanto, em grande<br />

parte, imaginadas; embora segmentos individuais fossem realizados no palco por membros<br />

da família italiana Piacentini, que havia chegado em Montevidéu alguns anos antes como<br />

uma trupe composta por pai e três filhas. 15 Então, com o surto da guerra em 1839 – que<br />

iria durar mais de uma década – a encenação de óperas em Montevidéu passou por um<br />

período mais ou menos inativo (como já acontecera em Buenos Aires alguns anos antes),<br />

até que um novo repertório chegasse na década de 1850, incluindo representações<br />

completas de várias óperas de Bellini.<br />

Foi durante esse mesmo período negro da década de 1840, no entanto, que<br />

grandes planos foram elaborados para uma nova casa de ópera em Montevidéu, finalmente<br />

inaugurada em 1856, o Teatro Solís, que ainda hoje está de pé. 16 O projeto da casa atenta<br />

para a sua posição simbólica entre as áreas antigas e novas da capital e também à sua<br />

superioridade sobre qualquer outra casa de ópera do continente; caracteristicamente,<br />

...........................................................................<br />

13 O primeiro artigo no Boletín (28 de agosto de 1837) reimprimiu parte de um trecho do parisiense Revue des<br />

Deux Mondes, intitulado “Rossini y Bellini”.<br />

14 O Boletín incluiu uma série de “cuadrillas del Pirata (de Bellini)” em 7 de outubro de 1837; La Moda imprimiu,<br />

tanto uma valsa para piano sobre um “motivo de Bellini”, como também um minueto por Esnaola “à la Bellini”.<br />

15 Ver, por exemplo, o concerto benefício de Justina Piacentini em 26 de setembro de 1836, que incluiu “Casta diva”.<br />

16 Sobre a história do Teatro Solís, ver Salgado, 2003.<br />

Atualidade da Ópera - Série Simpósio Internacional de Musicologia da <strong>UFRJ</strong>

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