15.06.2013 Views

Versão Digital - UFRJ

Versão Digital - UFRJ

Versão Digital - UFRJ

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

35<br />

ausência de qualquer concepção particular da Itália na América do Sul, naquela época, a<br />

ópera italiana em si viria para preencher essa lacuna. Garantido o prestígio por meio de<br />

performances em Paris ou Londres, a ópera veio a substituir uma ideia de Itália ou a constituir<br />

a personificação de uma espécie de italianità que não seria disponível de nenhuma<br />

outra forma.<br />

A presença de um contingente europeu entre esse público de ópera, por sua<br />

vez, significava que o ideal fantástico da ópera italiana conjecturado em algumas dessas<br />

primeiras críticas também poderia ser alcançado com bastante facilidade. Para cada comentário<br />

como aquele encontrado no periódico de Buenos Aires, El Centinela (2 de março<br />

de 1823), sobre uma apresentação de excertos do Barbeiro de Sevilha, de Rossini, pela<br />

companhia Rosquellas – “finalmente temos ouvido alguma coisa em Buenos Aires que se<br />

aproxima da perfeição no canto e que dá uma ideia completa da beleza da música italiana” 8<br />

– há uma falsa alternativa de um viajante europeu, como a de que o teatro em Buenos<br />

Aires “pode ser colocado em pé de igualdade com um dos estabelecimentos mais inferiores<br />

de Londres” (De Bonelli, 1854, vol. 2, p. 312); ou que no mesmo local “os artistas estavam,<br />

talvez, um pouco acima da mediocridade” (Andrews, 1827, p. 17); e mesmo, desta vez sobre<br />

o Rio, em 1828, que “uma detestável companhia italiana, com uma orquestra ainda mais<br />

execrável, assassinava Rossini três vezes por semana” (Jacquemont, 1835, vol. 1, p. 70).<br />

Em ambas as cidades – as duas mais importantes em termos de ópera ao sul de<br />

Havana – um meio termo entre os dois extremos retóricos pode ser rastreado na leitura<br />

dos jornais locais direcionados principalmente para os comerciantes ingleses ou franceses,<br />

ao lado de notícias – incluindo notícias de ópera – de sua terra. Frequentemente contextualizariam<br />

apresentações através da referência a cantores em Londres ou Paris, e mesmo<br />

na Itália, mas normalmente viriam em defesa da experiência local. O crítico do jornal<br />

francês publicado no Rio, L’Indépendant, por exemplo, escreveu, em 28 abril de 1827,<br />

reconhecendo que a voz do então principal tenor Victor Isotta carecia de força e flexibilidade,<br />

mas ponderou, “nós também sabemos que, se a voz de Isotta […] pudesse acrescentar<br />

força e flexibilidade ao seu timbre encantador, ele estaria cantando em La Fenice<br />

ou em La Scala; portanto, quedamo-nos satisfeitos”. 9<br />

Seria simplista colocar essas avaliações muito rigidamente em um continuum<br />

do real ao fantástico; e seria tão falso sugerir que os críticos locais nunca teriam sido rígidos<br />

sobre a qualidade das apresentações quanto sugerir que os visitantes não ficaram,<br />

por vezes, notavelmente impressionados. Contudo, tomadas coletivamente em seus padrões<br />

relativamente previsíveis, torna-se claro que para além de qualquer opinião específica<br />

expressa por um crítico particular, a importância dessas declarações impressas<br />

reside ainda na confirmação da existência da ópera em um determinado local, seja bom<br />

ou ruim. Afinal, dispor de uma casa de ópera de segunda categoria ainda constituía um<br />

vínculo junto ao circuito mais amplo da ópera. Dito de outra forma, a realidade potencialmente<br />

decepcionante da ópera italiana no século XIX sempre pareceu reter os contornos<br />

de sua fantasia norteadora, quer seja em relação à participação na civilização global,<br />

para a imaginação do cantar perfeito, ou uma ainda mais vaga e mais fluida qualidade<br />

italiana, do tipo que pairou nesse relato de um viajante para Lima no início dos anos 1830<br />

(Ruschenberger, 1835, vol. 2, p. 94):<br />

...........................................................................<br />

8 “Por fin hémos oido en BA algo que se aproxîma á la perfeccion del canto, y que dá una idéa completa de la<br />

belleza de la música italiana”, em tradução livre.<br />

9 “[…] nous savons aussi qui se la voix d’Isotta … unissait à son timbre délicieux la force et la flexibilité, Isotta<br />

chanterait à la Phenice ou à la Scala, et nous ici, nous prenons le parti d’en être satisfaits”, em tradução livre.<br />

Atualidade da Ópera - Série Simpósio Internacional de Musicologia da <strong>UFRJ</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!