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Versão Digital - UFRJ

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(desde o século XVIII). Essa é também a chave para a sustentabilidade da produção local.<br />

Há que “defender a ópera contra os seus entusiastas”, 5 contra aqueles que a esvaziam do<br />

teatro e a transformam num pretexto para o consumo vazio de grandes vozes, reificadas<br />

como um fim em si, sem relação com a dramaturgia – modelo de comunicação<br />

predominante no star system.<br />

Não se trata de impor um sistema de comunicação a outro ou outros, mas sim<br />

de promover o equilíbrio entre eles, pondo em causa a hegemonia do star system como<br />

cânone. Isto leva-nos a outra questão: o problema de interpretação e encenação de ópera.<br />

O problema da interpretação e o papel da musicologia<br />

Qual é a versão ou interpretação autêntica? Não há um ponto de vista absoluto,<br />

fora do espaço e do tempo, que permita estabelecer a versão ou interpretação autêntica<br />

da obra. Não há um ponto de vista único que permita fixar o sentido da obra. Há, sim,<br />

uma reabertura permanente do processo de sentido, o qual é necessariamente contextual,<br />

vinculado às condições concretas locais de produção, performance e recepção.<br />

O encenador alemão Peter Konwitschny (n. 1945), atualmente encenador<br />

residente e chefe de dramaturgia na Ópera de Leipzig, é um dos melhores exemplos de<br />

uma abordagem das obras que não as deixa fecharem-se sobre si próprias como peças de<br />

museu emudecidas, esvaziadas de teatro, sem nada para comunicar de humanamente<br />

interpelante para um público dos nossos dias.<br />

Konwitschny acentua o papel decisivo da música como ponto de partida: tem<br />

de ser interpretada autonomamente, eventualmente em contradição com o texto, e corporalmente,<br />

como um movimento que se expande e se contrai no espaço. A mimesis é entendida<br />

não como mera imitação, mas mais como experiência de um déficit que nos confronta<br />

com a vida real, evocando ex negativo promessas de felicidade não realizadas (inclui,<br />

por isso, uma dimensão de conhecimento social). Há, por isso, uma permanente exploração<br />

de tensões nas suas encenações: tensão entre música e cena, que não duplica aquela;<br />

tensão entre ilusão e desconstrução da ilusão; tensão entre o mundo do autor e o mundo<br />

atual do espectador (separação de horizontes e não “fusão de horizontes” no sentido da<br />

hermenêutica de Gadamer); tensão entre a necessidade de mudança e a impossibilidade<br />

de mudança.<br />

Neste sentido, Konwitschny realiza a síntese entre a herança de Walter Felsenstein<br />

(ópera como teatro, unidade de canto e representação, incorporação plena da personagem<br />

pelo cantor, interação entre cantores como portadores da ação e não subordinação destes<br />

às entradas dadas pelo maestro) e a herança de Brecht (montagem, efeitos de estranhamento,<br />

imagens dialéticas, gesto de mostrar). Konwitschny procura recuperar, como<br />

ele próprio afirma, a ideia de teatro como Politikum (tal como na Grécia antiga), isto é,<br />

como um evento socialmente relevante: “o que é importante para as pessoas tem de ser<br />

discutido coletivamente”. 6<br />

Qual é o papel da musicologia? No plano da investigação filológica, estabelecer<br />

a edição crítica da partitura, as suas variantes, identificar os problemas colocados pelas<br />

fontes. No plano da investigação histórico-sociológica e estética, estudar a obra na sua<br />

...........................................................................<br />

5 Título, parafraseando Adorno, que dei a uma comunicação para a qual remeto: “Defender a ópera contra os<br />

seus entusiastas: ‘Musiktheater’ de Walter Felsenstein a Peter Konwitschny”, in IX Colóquio de Outono – Estudos<br />

Performativos: Global Performance / Political Performance (eds. Ana Gabriela Macedo, Carlos Mendes de<br />

Sousa, Vítor Moura), V. N. Famalicão, Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho: Ed. Húmus,<br />

2010, p. 257-272.<br />

6 Sobre a teoria da interpretação musical e músico-teatral, ver discussão aprofundada in M. Vieira de Carvalho,<br />

“A partitura como espírito sedimentado: Em torno da teoria da interpretação musical de Adorno”, in Theoria<br />

Aesthetica (ed. Rodrigo Duarte), Porto Alegre, Escritos Editora, 2005, p. 203-224; e ainda “Defesa da ópera contra<br />

os seus entusiastas”, acima citado.<br />

Atualidade da Ópera - Série Simpósio Internacional de Musicologia da <strong>UFRJ</strong>

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